A aplicação de algumas técnicas na produção japonesa
permitiu reduzir estoques, em todos os níveis, incrementar a capacidade disponível em grandes investimentos adicionais, diminuir tempos de fabricação, melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos fabricados, etc. E uma destas técnicas foi o JIT- Just-In-Time que tem o objetivo de dispor da peça necessária, na quantidade necessária e no momento necessário, pois para lucrar necessita-se dispor do inventário para satisfazer as demandas imediatas da linha de produção.
JUST-IN-TIME / KANBAN
Após a “imigração” do CCQ - que ainda permanece - as
atenções de muitas empresas estão voltando-se para um novo pólo aglutinador. O sistema Just-in-time (no momento certo)/Kanban, aplicável principalmente na produção em série (automóveis , auto peças, motores, etc.). Se por um lado esse sistema é muito mais abrangente que o CCQ, pois envolve a produção como um todo - trabalhadores, gerência e até clientes e fornecedores - , por outro lado é muito menos conhecido em nosso país.
O JIT, surgiu no Japão nos meados da década de 70,
com base na literatura acerca da Toyota japonesa (empresa que desenvolveu o sistema tal como vem sendo introduzido no Brasil, o que o leva muitas vezes a ser chamado de “Sistema Toyota de Produção”).
FUNDAMENTOS E CARACTERÍSTICAS
O sistema Just-in-time/Kanban freqüentemente é
associado a uma política de redução do estoque de matérias-primas através da sua entrega em intervalos e lotes menores. Na realidade, o sistema é muito mais abrangente do que essa característica “externa”. Internamente a fábrica, há mudanças do trabalho e do sistema de informações. De uma maneira geral, dois são os princípios deste sistema de produtividade, Just-in-time e controle autônomo dos defeitos. O Kanban propriamente dito é um sistemas de informações para administrar o Just-in- time.
OBJETIVOS DO JUST-IN-TIME
· Flexibilizar a empresa;
· Produzir somente os produtos necessários;
· Produzir com qualidade requerida;
· Menor “Lead Time” na concepção de novos produtos;
· Menor “Lead Time” na manufatura;
· Melhor atendimento ao cliente;
· Menor perda (maior valor agregado ao produto);
Maior retorno de investimento;
· Reduzir estoques em processo, produtos acabados e
eventualmente matérias-primas;
· Reduzir custos de fabricação;
· Gerar espaço de Fábrica;
· Produzir por métodos que permitam o envolvimento
das pessoas (moral, satisfação, desenvolvimento, autocontrole);
· Melhoramento contínuo (Kaizen) da qualidade e
produtividade.
Pode-se considerá-lo como uma “filosofia” de produção
que emerge num tempo de crise. Com a crise mundial, a briga pela manutenção (ou ampliação) de mercados, ganha contornos distintos, onde a diversificação é uma arma para o atendimento dos consumidores. Portanto, as empresas de produção em massa devem estar atentas ao mercado, contando para isso com uma estrutura de produção flexível, com vistas e atender variações da quantidade e responder rapidamente a pedidos ou mudanças no comportamento do mercado. O Just-in- time não é uma solução rápida. JIT é um sistema que tanto pode produzir resultados imediatos, quanto de longo prazo em todos os ambientes.
JIT é um enfoque moderno para a gerência pensar,
recuperar e concentrar esforços na volta dos fundamentos em todas as atividades da empresa.
O JIT não tem um enfoque linear para a solução de
problemas; é um enfoque circular sem local ideal para começar.
Em termos de produção, Just-in-time significa que, na
montagem de um produto, as necessárias submontagens (subconjuntos) precedentes devem chegar na linha no momento necessário à montagem e na quantidade necessária. Dentro dessa lógica, procura-se produzir somente o que terá utilização imediata, com lotes tanto menores quanto possível.
Expandindo o conceito no contexto interempresarial é
que se chegou ao “Kanban externo”, com a matéria- prima também sendo recebida Just-in-time. A idéia, portanto, é fazer o capital representado pelas matérias- primas e produtos em processo circular o mais rápido possível.
A Filosofia de atendimento ao mercado dá aos
departamentos de vendas o papel de detonadores do processo produtivo: só é produzido algo se for pedido por vendas. A idéia de produzir o “empurrar” para os revendedores ficaria, então , comprometida. Dentro da própria Fábrica, o fluxo deve ser olhado do fim para o começo: a linha de montagem é que solicita aos departamentos precedentes que tipo de peça necessita com vistas a atender as vendas . Assim, a usinagem não “empurra” um lote de peças para a montagem, mas esta vai buscar as peças e determina a usinagem o que ela tem que fazer.
Quem retira as peças de um posto de trabalho (ou
departamento produtivo) é o operador/departamento subseqüente. Isso ocorre pelo simples fato de o subseqüente sentir a necessidade das peças. Quem da a ordem de produção a determinado posto/departamento é o operador subseqüente.
Se este leva dez peças de um posto, este posto deve
repor as dez peças , produzindo apenas o número de peças que foram retiradas.
A idéia é agir como um supermercado. Se dez pacotes
de farinha são vendidos, devem ser repostos na prateleira mais dez pacotes.
Para implantar um sistema desse tipo alguns pré
requisitos são considerados indispensáveis
PROJETO DE PROCESSOS
Os processos produtivos são projetados de acordo com
a tecnologia de grupos, conhecida também pelos nomes de ilhas de fabricação, sistemacélula ou group technology. A idéia é reagrupar as máquinas em grupos da matéria-prima bruta, determinados tipos de peça.
Para isso, as peças são classificadas em famílias a partir
de similaridades geométricas e de seqüência de processamento. Assim, todas as peças cilíndricas que são cerradas, torneadas, fresadas e retificadas podem ser incluídas em uma família a ser processada em uma ilha composta por serra, tornos, fresadoras e retificadoras. Se uma peça não necessita de retifica, também pode ser feita nesta ilha.
Procura-se com isso ganhar flexibilidade na fabricação
e reduzir o estoque em processo pelo processamento contínuo, linear, sem interrupções, de uma peça. Uma produção onde as máquinas estejam agrupadas por função ( seção de tornos, seção de fresas, etc.), há formação de estoque ou esperas entre os processos. A idéia da tecnologia de grupos é reduzir esse estoque a uma unidade e fazer a produção em processo fluir como água pela torneira, sem interrupções.
Nessas condições, de posse da descrição das famílias de
peças a administração determina em que ilha vai ser produzido um tipo específico de peça.
Relativamente a mão-de-obra, procura-se prescindir do
especialista, dando vez ao operário polivalente. A polivalência vai no sentido de os operários poderem operar mais de um tipo de máquina simultaneamente. As vantagens para a empresa, aparentemente, são numeradas:
· Podem eliminar estoque e esperas entre processos, à
medida que um operário execute várias operações consecutivas.
· A uma intensificação do trabalho, fazendo com que
diminua o número de operários necessários à produção. Tal intensificação se da pela redução chamado “tempo ocioso” ou porosidade, que seriam períodos de tempo em que o operário, por exemplo, aguarda o término da operação de uma máquina.
· Mobilidade da mão-de-obra, que pode, a princípio a
ser deslocada através dos vários processos fabris de acordo com a conveniência da empresa num dado momento.
· Os operários polivalentes podem ajudar-se
mutuamente, pois um conhece o trabalho do outro.
PADRONIZAÇÃO DAS TAREFAS
Cada operador (ou cada ilha de fabricação) recebe uma
folha de operações que é afixada para todos terem acesso. Ela contém três elementos:
1º - Tempo de ciclo. É o tempo-padrão na linha final de
montagem de um dado produto. Um observador postado no final dessa linha veria os produtos dela saírem em intervalos iguais ao tempo de ciclo.
2º - Fluxo de Processo (fluxograma). Indica a seqüência
de operações, inspeções, etc.,que o trabalhador deve seguir em cada processo.
3º - Quantidade-padrão (mínima) no processo. Definida
de acordo com o tempo de ciclo. Com referência a esta quantidade, os trabalhadores podem ser reposicionados de forma que cada processo seja operado por um número mínimo de trabalhadores.
PRODUÇÃO NIVELADA
É a pedra angular do sistema, podendo ser entendido
como um esforço para minimizar a flutuação da produção na montagem final. Se o operador subseqüente retira quantidades variáveis de peças, o operador anterior precisa produzir um excesso a fim de se preparar para os picos. Com isso, há geração de estoque indesejado, prejudicando o Just-in-time.
Portanto, a montagem final deve ser despachar cada
tipo de produto em seu lote mínimo, recebendo também os processamentos anteriores em seus lotes também mínimos.
Se o plano de produção para um mês prevê 50% de
modelos A, 25% de modelos B, e 25% de modelos C, a produção diária deve também satisfazer as mesmas proporções. Um observador postado no final da linha de montagem perceberia a seguinte seqüência de modelos produzidos: A/B/A/C/A/C/A/C...
Este sistema reduz bastante a necessidade de produção
para o estoque. Imaginando um caso extremo, onde o modelo A seria produzido entre Janeiro e Junho, a demanda dos outros seis meses deveria ser coberta pelos estoques realizados no primeiro semestre. È reduzindo-se os lotes, a situação fica menos problemática, até chegar ao ponto da produção nivelada. O maior problema para a produção nivelada é o tempo de preparação das máquinas (setup). A duas posturas básicas frente à questão: ou se aumenta o lote, procurando diluir esse tempo, onde não há produção, numa série grande de peças, ou se atua no sentido de reduzi-lo. Esta última é a postura adotada no “sistema japonês”, e vem sendo bastante difundida nas empresas radicais no Brasil.
Um baixo tempo de preparação possibilita a uma
mesma máquina processar produtos diferentes num curto espaço de tempo, o que aumenta a flexibilidade da produção.
Kanban: a administração do just in time
Tomado em sua origem, o Kanban pode ser entendido
como um sistema de informações que controla a quantidade de produção em cada processo. O Kanban é um instrumento (cartão, placa, anel etc.) que, visualmente, indica ao operador o que fazer, em que quantidade, onde colocar.
Veja-se o seu funcionamento. A montagem final recebe
um Kanban (“de retirada”) que informa o próximo modelo a ser montado e, conseqüentemente, o que vai ser retirado dos processos anteriores. Um operário do setor de montagem (“carregador”, “abastecedor” ou alimentador”) vai buscar apenas as peças necessárias àquela montagem. Ao chegar numa ilha de fabricação, retira as peças e destaca um Kanban (“ordem de produção”) a elas conectado e coloca-o num quadro apropriado.
Os operários da ilha são informados sobre o que
produzirão por meio destes kanbans ordens de produção. Após produzirem o que estava indicado, colocam as peças e o Kanban ordem de produção num estoque (à semelhança de uma prateleira de supermercado) ao lado da ilha, reiniciando-se o ciclo quando o “alimentador” da montagem vier pegar mais peças. Portanto, quem detona as ordens de produção na fábrica como um todo é a montagem final. Com o Kanban administrando pequenos lotes, consegue-se um ajuste fino na produção, que aceita sem prévio aviso uma variação diária de 10 a 15 % nas quantidades dos diversos produtos.
Controle autônomo dos defeitos
Para o Just-in-time funcionar, os lotes de produção
ficam bastante reduzidos. As peças enviadas para a frente não podem apresentar defeitos e seu fluxo deve ser rítmico, sem interrupções, pois como não há estoque alto, corre-se o risco de a linha ficar sem alimentação. O que importa, então, é a prevenção da produção defeituosa. Isso tanto acontece a nível de máquina como a nível de trabalhadores. A nível de máquina seria o cheque autônomo de algo anormal num processo. Uma máquina autônoma é aquela que pára sozinha quando apresenta defeito ou quebra.
Expande-se a idéia de controle autônomo dos defeitos
para o trabalho manual. Um operário pode parar a linha de montagem se algo anormal acontecer. Sustentando esta idéia está o fato de que, acontecendo algum problema, ele deve ser imediatamente sanado. Se uma peça está fora de medida, é preferível gastar um tempo para localizar o defeito, a continuar produzindo peças imprestáveis, e quanto mais cedo se percebe o defeito, mais cedo é corrigido e menos peças são “mortas”.
O controle autônomo dos defeitos e o Just-in-time
materializado pelo sistema Kanban são praticamente inseparáveis. Ao reduzir os lotes em processo, a qualidade de conformação da fábrica fica mais exposta torna-se mais difícil esconder peças inadequadas e chega-se mais facilmente à origem dos problemas. Quem produz é responsável por aquilo que faz, sendo que quanto menos pessoal não ligado diretamente à produção, à atividade de transformação, melhor. Assim, agregam-se à tarefa dos operários certos tipos de inspeção.
O fato de os operários da produção assumirem tarefas
do controle de qualidade liga-se à idéia de que os que produzem é que fazem a qualidade e também à constatação de que os trabalhadores do controle de qualidade não agregam valor ao produto. Procura-se então, reduzir a um mínimo o número de pessoal não- produtivo.
Just-in-time, Kanban e Automação
Conforme visto acima, o Kanban seria um sistema de
informações para viabilizar o just in time, que por sua vez é um dos componentes de um sistema de produção mais amplo.
Todavia, deve-se ressaltar que Kanban está
praticamente consagrado com o nome que se dá ao sistema de produção como um todo, apesar de, originalmente, isso não estar correto.
Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito às
particularidades que podem apresentar as diversas empresas em função dos meios empregados. Assim, uma indústria de porte, ao introduzir sistemas automatizados de controle e emissão de ordem de produção, pode conseguir o just in time sem a utilização tradicional do sistema Kanban de informações.
Numa empresa automobilística do ABC paulista, as
ordens de produção são emitidas via computador e chegam a determinados pontos de trabalho através de impressoras na produção.Quando uma ordem é emitida- produção do carro A, com relógio, rádio FM, rodas especiais, bancos marrons -, uma impressora no início da linha de montagem de painéis recebe um papelete que, destacado, é anexado ao painel e todos vão montando segundo as instruções. O mesmo acontece na montagem dos pneus, bancos, motor, transmissão etc.
Ao chegar na linha final de montagem, o carro terá
afixado à sua carroçaria o mesmo papelete e, sincronizadamente, chegarão as rodas, o painel e os bancos requisitados, tudo just in time.
Ou seja, uma produção no9 momento certo (just in
time), com todas as características descritas (flexibilidade, ausência de estoques, redução do nível do refugo etc.), pode ser obtida com ou sem auxílio de sistemas de automação microeletrônica. O caso que será analisado a seguir é ilustrativo de uma produção just in time sem nenhum equipamento da “nova automação”.
Pretende-se ressaltar, contudo, que a reorganização
produtiva para alcançar tal tipo de produção é meio caminho andado (ou até mais) para a automação das operações fabris. Se se ohar os sistemas automáticos hoje existentes, com uma linha de prensas alimentadas por ventosas, transportadores de linha de produção, centros de usinagem, produção em fluxo, percebe-se que eles trabalham internamente sem estoque intermediário. As próprias linhas de montagem também seguem este princípio, pois os produtos são montados um a um, sem estoques entre as diversas operações.
Um dos grandes trunfos do sistema just in time/Kanban
é a produção sem estoque em setores outros que não as linhas de montagem, e para isso conta com o apoio decisivo da tecnologia de grupos (linhas de fabricação). Toda a reorganização administrativa/produtiva que ocorre para a transformação de um arranjo físico funcional (seções de tornos, seções de fresas etc.) em linhas de fabricação é um pré-requisito indispensável à automação. A classificação das famílias de peças e a definição da constituição das diversas ilhas não exigem robôs, máquinas de comando numérico ou sistemas integrados. Porém, feita a reorganização, basta trocar as máquinas, pois o alicerce já está preparado para agüentar o prédio.
È preciso também definir de que automação se está
falando. Não é a simples troca de um torno universal convencional por um torno a comando numérico. Fala- se de sistemas integrados flexíveis, adjetivados por “fábrica integrada por computador”, “fábrica automatizada (automated factory)” etc. Não basta uma empresa ter uma estrutura tradicional de produção, com seções de tornos, seções de fresas etc., pois mesmo que as máquinas sejam de comando numérico, não está garantida a integração automática do fluxo produtivo. É nesse sentido que, pelas suas características, uma ilha de fabricação, composta por máquinas de comando numérico integradas por um computador e com alimentação automática, é um passo para a integração.
Nakane e Hall consideram que um dos pontos-chave
para a produção sem estoques (just in time) é os administradores “adotarem uma visão do futuro que inclui a automação de toda a companhia”,bem como o desenvolvimento de sistemas de produção integrados, pois “muitas companhias americanas dispõem de bits e peças de sistemas computadorizados para projetos realizados com a ajuda de computadores, acompanhamento computadorizado, planejamento das necessidades de materiais, robotização e controle de estoques. Sem uma direção clara, estes sistemas podem tornar-se empecilhos ao progresso, como, por exemplo, quando a utilização de um programa de estoque não deixa perceber que é possível prescindir do estoque do almoxarifado”. Não seria a produção just in time uma das direções claras reclamadas pelos autores acima?
Estudo de caso: o sistema P-Zero sw uma fábrica de
motores
empresa estudada é considerada a pioneira na
implantação do sistema just in time/Kanban no Brasil. É filial de uma matriz japonesa, instalada desde a década de 50. Fabrica motores diesel de pequena potência, motores marítimos e microtratores.
A implantação do sistema P-Zero de produção, baseado
nos princípios do just in time/Kanban, ocorreu por ordem expressa do presidente da matriz, quando de sua visita ao Brasil em l976. Em abril de 1977 teve início a implantação, sem que houvesse aquisição de equipamento, que é em boa parte japonês, da época de constituição da empresa.
Numa segunda-feira, quando os trabalhadores entraram
na fábrica, tudo estava mudado. O estoque intermediário, que chegava a quatro meses, foi “escondido” por uma equipe no fim de semana. Isto, aliado às novas exigências sobre os trabalhadores, gerou uma série de problemas.
A taxa histórica de defeitos elevou-se de 0,6% para 9%
após três meses; muitos trabalhadores que antes operavam uma só máquina dirigiram-se ao setor de relações industriais (RI) pleiteando um salário tantas vezes maior quanto o número de máquinas que seriam obrigados a tocar dali para a frente. Muitos abandonaram a empresa.
Após cinco meses, a situação foi “normalizada” e a
resistência dos operários foi quebrada pela sua substituição, declarada fácil, pois o novo sistema de produção quase não exige trabalhadores especializados. Em março de 1980, o sistema como um todo foi considerado implantado, atingindo um desempenho- padrão daí por diante.
No início da implantação não havia programa de CCQ
na empresa. Algum tempo depois foi implantado, e procurou-se fazer com que os círculos efetuassem trabalhos para ajustar pequenos problemas do sistema P-Zero.
Reflexos do P-Zero para a empresa
Ao lado de uma redução global de custos, a
flexibilidade, ou seja, uma maior facilidade em termos de tempo e custo para mudar o produto em produção, foi um dos principais benefícios trazidos pelo P-Zero.
A produção pode agorar aceitar sem prévio aviso uma
variação de 15 a 20% na composição do mix de produtos. Para tanto não é preciso alterar o plano de produção, o próprio sistema Kanban administra as alterações.
Essa flexibilidade é particularmente importante num
momento de retração de mercado. Quando o marketing identificou-um pouco tardiamente em relação a outras empresas do subsetor-o mercado ascendente de Serra Pelada , a produção estava em condições de alterar imediatamente a composição do seu mix de produtos.
É importante salientar que todo o esforço de
racionalização simplificou o trabalho, rotinizando-o . Nas ilhas de fabricação puderam ser admitidos trabalhadores sem experiência (ou, em outras palavras, não qualificados)que em alguns dias já estavam no ritmo exigido , pois o serviço a ser executado nas ilhas era simples e padronizado. O nível de pessoal pôde , então, ser rapidamente adequado às flutuações na demanda, uma vez que a demissão / admissão não encontra maiores obstáculos quer legais , quer legais, quer organizativos.
Os trabalhadores na produção considerados pela
administração como mais qualificados são os da montagem, pois precisam conhecer todos os produtos, dispositivos e o funcionamento de outros setores para detectarem os problemas.
A redução de estoque em processo foi brutal – de dois a
quatro meses para um a três dias. Com isso, o giro do capital é bem mais rápido. Uma peça que começa a ser trabalhada deve sair o mais rapidamente da fábrica. Com estoques intermediários, o giro torna-se mais lento; demora-se mais para ocorrer o faturamento sobre o investimento em capital circulante representados pelos estoques.
conseqüência do sistema foi a economia de espaço.
Antes da implantação estava planejada a ampliação das instalações. O prédio não foi ampliado e nele hoje sobram áreas livres. O fluxo de informações na produção foi extremamente simplificado. Não há papéis e a contabilidade do produto em processo é feita em 15/20 minutos. O sistema propicia um aprofundamento da racionalização da produção. A redução do estoque em processo traz à tona gargalos (estrangulamentos) na produção, processos com problemas, acelerando a percepção dos defeitos, pois nada fica mascarado pelo estoque. Ou seja, além da redução do capital circulante, ocorre uma vantagem adicional, pois os problemas ficam mais evidentes, exigindo pronta solução. A taxa de refugo cai a 0,3%, identificam-se os processos e máquinas prioritárias para análise do tempo de preparação; há a possibilidade de um balanceamento mais apurado.
Sendo a coordenação da produção incorporada ao
sistema – os trabalhadores, devido à organização produtiva integrada, são forçados a auto controlarem a produção e a se controlarem mutuamente –, não chegam à administração problemas que podem ser efetivamente resolvidos a nível de fábrica. Isso possibilita empregar o tempo disponível para analisar e racionalizar o processo produtivo (estudo de tempos e métodos, programação e controle da produção, redução do tempo de preparação de máquinas, etc.), ao invés de ficar somente resolvendo probleminhas cotidianos.
O mais significativo é que todo esse esforço
racionalizador foi feito sem investimento em equipamentos. Não há máquinas acopladas a computadores, robôs ou coisas do gênero. Apenas foram alteradas a organização do processo de produção e a organização do trabalho.
Reflexos do P-Zero sobre os trabalhadores
Como é comum a todo esforço racionalizador, o
sistema P-Zero leva à intensificação do trabalho. É evidente que, havendo queda de volume de produção devido à retração do mercado, torna-se mais difícil visualizar esse efeito. Mas um dos princípios perseguidos na reorganização do trabalho foi eliminar o tempo dito ocioso (porosidade), o que se configura numa intensificação do trabalho. A polivalência persegue o mesmo objetivo: flexibilização, isto é, possibilidade de sempre estar ocupando produtivamente a mão-de-obra.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito à forma de
realização do trabalho. O seu conteúdo só foi alterado no sentido de rotinizá-lo e padronizá-lo – a tecnologia de grupos é uma arma neste sentido. Portanto, qualquer noção de trabalho menos monótono, participativo, em grupo, não encontra sustentação: o operário faz durante sua jornada uma seqüência limitada de operações padronizadas e repetitivas; a polivalência significa a capacidade de alimentar mais de um tipo de máquina, antes de ser operário especializado em cada uma delas; o grupismo se refere a um grupo de máquinas e não a um grupo de trabalhadores.
O fato de o sistema se autocontrolar, isto é, acusar onde
e quem apresenta desempenho fora do padrão, é mais uma forma de pressão. Se o montador tem autonomia para parar a linha por causa de uma peça defeituosa, isto retorna como pressão ao(s) operário(s) que a confeccionou. Com relação à iniciativa, as própria máquinas incorporam dispositivos que as desligam quando procedimentos não padronizados são verificados. Apesar de não contar com maquinário eletronicamente controlado, a administração tem um controle muito estreito da produção e dos trabalhadores. O próprio Just-in-time, aliado ao sistema de informações e ao “autocontrole”, encarrega-se disto.A participação dos trabalhadores com sugestões, afora CCQ, é praticamente obrigatória. Todo o operário possui um quadro de trabalho, onde constam informações sobre sua tarefa (fluxograma, tempo de ciclo e quantidade do lote). O quadro é datado de acordo com a última modificação introduzida no processo por sugestão operária. A data do quadro, então, é um critério de avaliação do funcionário: quanto mais recente, melhor. A participação com sugestões, assim, não é só obrigatória, como também determinante da carreira do operário. Recuperando os acontecimentos da implantação do sistema, observa-se que houve inicialmente uma resistência à sua introdução, e vários trabalhadores deixaram a empresa. Quando se instala mais fortemente a crise de emprego no país, a resistência operária a esses problemas parece amainar. Uma outra empresa, por exemplo, só conseguiu fazer os trabalhadores operarem três máquinas simultaneamente, quando do advento da recessão e do aumento do desemprego. A questão que se coloca, com o aval de um executivo da última empresa, é; estariam os trabalhadores aceitando este tipo de sistema somente em função da crise no mercado de trabalho?
CONCLUSÕES
Após terem sido examinadas as principais
características dos círculos de controle de qualidade e do sistema Just-in-time/Kanban, será analisado um pouco mais detalhadamente o alcance das modificações introduzidas. Estariam esses dois sistemas trazendo mudanças nos padrões de trabalho e de produção estabelecidos?
Em relação ao CCQ, nada se altera nas formas de
realização do trabalho e nos parâmetros de organização da produção. A questão se dá em termos do sistema social quer formal/gerencial, quer informal. Os círculos tornam-se um canal de informações para a administração, lastreado no que há de mais concreto num sistema produtivo: a própria realização do trabalho . Este canal propicia, inclusive, que a administração aprofunde o padrão tradicional de trabalho (taylorismo/rotinização, teoria X etc.) à medida que aumenta sua interferência e disciplina sobre o conhecimento operário.
Já Just-in-time/Kanban propicia uma discussão mais
abrangente sobre as modificações no trabalho e na produção. A respeito dos padrões de produção, há um claro aprofundamento da racionalização tradicional. Procura-se eliminar porosidade ou tempos “improdutivos”; o método de trabalho é estabelecido externalizadamente, é o operário pode apresentar sugestões que, uma vez decididas pela administração, tornam-se novas normas.
A polivalência vai antes no sentido de um operador sem
muito experiência alimentar várias máquinas do que ser um trabalhador de quem é exigida uma série de múltiplas abilidades. Não há nenhum paralelo com os grupos semi-autônomos escandinavos.
Isso da margem a rápida substituição dos trabalhadores,
que remete a outra questão: a subcontratação de mão- de-obra. A literatura da conta de que quando é necessário aumentar a produção na matriz da Toyota, utilizam-se horas extras e subcontratação. No Japão, aparentemente, estes recursos são socialmente aceitos. No Brasil o movimento sindical tem-se reiteradas vezes, manifestado contra.
sistemas Just-in-time estariam trazendo ao Brasil uma
nova estratégia de acumulação. Ao invés da maximização do uso das máquinas, do capital fixo, quando a fábrica é organizada por funções (seção de tornos, seção de fresas, seção de retíficas, etc.), passa- se a estratégia de redução do produto em processo, caracterizada pela circulação rápida do capital e redução dos estoques.
Em termos de produção, isso se caracteriza tanto pela
flexibilidade para mudar rapidamente o tipo de modelo que está sendo produzido, visando atender rapidamente ao mercado, quanto pela extençaõ da linearização fordisyta para setores como usinagem, antes não atingida caso fosse necessária alguma flexibilidade.
Abandonando-se o princípio fordista de “carro de
qualquer cor, desde que preto”, pois não se adequa mais aos novos tempos de mercado restrito e diferenciação produtiva. Em compensação, procura-se tornar a produção metal/mecânica quase como em fluxo, linearizando-a.
É importante não esquecer que a lógica da produção
sem estoque, linearizada, é extremamente compatível com a automação integrada do processo de fabricação, que parece vir-se constituindo num novo padrão internacional de produção. E algumas empresas aqui radicadas começam a trilhar este caminho.
Finalmente, retomando a questão da participação, é
possível concluir que, se por um lado estes esquemas estão longe de trazer um ideal democratização aos locais de trabalho, por outro procuram introduzir uma participação tipicamente gerencialista.
Curioso é observar como esta participação, por mais
restrita, direcionada e comprometida ideologicamente que seja, convive tanto com a perspectiva de “democratização” da vida política formal do país, quanto com sistemas de trabalho que reproduzem os critérios tradicionais de rotinização/racionalização da tarefa e do cargo.