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Talvez por influência do "nouveau roman", alta vanguarda na década de 1960, Modiano
envolve os acontecimentos de "Ronda da Noite" numa litania encantatória de nomes próprios,
lembrando a locução hipnótica de Alain Resnais no filme "O Ano Passado em Marienbad"
(1961), ou a câmera lenta narrativa de Marguerite Duras em textos como "Moderato
Cantabile" (1958).
Lionel de Zieff, Pols de Helder, Mickey de Voisins, Paulo Hayakawa: essas figuras exóticas dão
voltas e voltas em torno do protagonista, que irá finalmente aderir à gangue.
Nesse romance, o grupo se reúne numa mansão do square Cimarosa (os livros de Modiano
mostram fascínio obsessivo por endereços parisienses); posteriormente, a famosa "gangue da
rue Lauriston" será identificada pelo seu nome real na obra do autor.
Com o detalhe, nada insignificante, que o pai de Modiano, um judeu, foi salvo de morrer
num campo de concentração graças a suas ligações, nunca muito esclarecidas, com essa
quadrilha.
É isso o que faz de "Remissão da Pena" (1988) o melhor romance de Modiano, dentre os
lançados agora no Brasil. O pesadelo artificial de "Ronda da Noite" se transfigura aqui numa
vaguidão de infância, em que carinho, medo e mistério se fundem com algo da poesia
presente, digamos, no "Grand Meaulnes" de Alain-Fournier (1886-1914).
"Remissão da Pena" faz parte de uma trilogia da qual "Flores da Ruína" (1991) é um elemento
ainda mais desconcertante. Aqui, Modiano faz uso do mesmo recurso empregado em "Dora
Bruder" (1997) e em "Uma Rua de Roma" (1978). O narrador se dedica a longas investigações –
bem ao gênero policial, no livro de 1978–sobre algum segredo que remonta (como sempre) à
época da Ocupação.
O problema, a meu ver nítido em "Dora Bruder", é que toda a pesquisa parece valer menos por
si mesma do que como substituto para a falta de imaginação do autor. A especulação, o jogo
de hipóteses sobre o passado põe em cena, na verdade, o esforço de um romancista que
simplesmente não é muito apto a criar boas histórias.
Uma feliz consequência dessa incapacidade é que os livros são curtos, e nada difíceis de ler.
Salvam-se do esquecimento (é o caso de "Remissão da Pena") quando transparência e
mistério, memória e irrealidade, conseguem reunir-se num equilíbrio delicado. Os demais,
como se costuma dizer, são apenas para os fãs.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/02/1589602-livros-de-modiano-melhoram-
quando-viram-autobiografia.shtml