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LUÍSA DUCLA SOARES - A GATA TARECA E OUTROS POEMAS LEVADOS DA BRECA

(alguns poemas)

ROMANCE DA GATA TARECA


Dez dúzias de ratazanas
Estava a gatinha Tareca
encomendou para o jantar
À sua porta sentada,
e uma pratada de espinhas
Afiando suas unhas
para todos contentar.
no veludo da almofada,
Foi o bravo gato Tigre
Com seu guizo de ouro fino
Ter com a noiva ao telhado;
e sua fita encarnada,
Ao bater da meia-noite
quando a notícia lhe deram
Deu-lhe o anel de noivado.
que havia de ser casada
Era tudo uma alegria.
com o bravo gato Tigre,
Mas, por não ser convidada,
filho do gato malhado.
Resolveu tirar vingança
Logo a gatinha, contente,
A velha pulga malvada.
Foi festejar para o telhado.
Como uma agulha espetava,
Sete gatos convidou
picava como um ferrão.
Para tocarem tambor,
Para se coçar rebolava
Mais sete gatas cantoras,
O gato, com comichão.
Miando canções de amor.
Caiu do telhado à rua Dois carapaus que roubei
E não mais se levantou. Ofereço à minha mamã.
Ai, o bravo gato Tigre, Dou aos meninos da escola
Que já a morte o levou. A minha bola de lã.

Sete gatos com tambores, Para ver o que se passa,


Sete gatas com miados Mesmo depois de acabado,
Choraram mais a Tareca Com a cabeça de fora
Os seus amores desgraçados. Eu quero ser enterrado.”

Mas como o gato era rico Cavavam-lhe a sepultura


E fizera testamento, No canteiro do jardim
Logo ali o foram ler Quando ele miou três vezes.
Naquele triste momento. Nunca se viu coisa assim!

“À linda gata Tareca Num pulo se pôs de pé,


Deixo o meu prato e tigela Num salto foi para o telhado,
Mais um tapete de sala Com a gatinha Tareca
Feito de pele de cadela.” Casou, ficou bem casado.

À dona que me criou Hoje a gatinha Tareca,


Deixo um pardal depenado, À sua porta sentada,
As penas que lhe tirei, Brinca com sete gatinhos,
a um careca, coitado. Todos da mesma ninhada.
PLANTAR UMA FLORESTA

Quem planta uma floresta Planta barcos para navegar,


Planta uma festa. E a floresta flutua no mar.
Planta carroças para rodar,
Planta a música e os ninhos, Muito a floresta vai transportar.
Faz saltar os coelhinhos. Planta bancos de avenida,
Descansa a floresta de tanta corrida.
Planta o verde vertical,
Verte o verde, Planta um pião
Vário verde vegetal. Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.
Planta o perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.

Planta abelhas, planta pinhões


E os piqueniques das excursões.

Planta a cama mais a mesa.


Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel,
A girafa do carrocel.
QUADRAS TONTAS O IMPOSSÍVEL

Juntei as contas das lojas Apanhar no céu faíscas


para fazer um colar. para fritar umas iscas
as minhas notas de conto
são só contos de encantar. pegar no cheiro do prado
e pintá-lo de encarnado
Para poupar gasolina
já troquei com as vizinhas meter o calor do sol
o carro a motor que eu tinha dentro do meu cachecol
por um carrinho de linhas.
plantar um pomar de rãs
Quando for à discoteca em vez deste de maçãs
compro um disco voador
com meninos marcianos morar com uma sereia
Cantando ao som do tambor. num castelinho de areia

Não deixes ficar no lenço com uma toalha de água


os macacos do nariz, secar toda a minha mágoa
faz uma jaula para eles
igual àquela que eu fiz. fazer da gente crescida
uma gente divertida.
TELEVISÃO OU NÃO TRAVA-LÍNGUAS

Televisão ou não Estavam três tigres na neve


- Desliga a televisão! - disse o pai. quando apareceu um cossaco.
- Vai lá para fora e vive a vida. Um tigre levou um tiro,
transformou-se num casaco.
Fui e à noite vim
com uma abelha na orelha Estavam dois tigres na selva,
um rato no sapato apareceu um malandrete.
cola na camisola um tigre levou um tiro,
giz no nariz transformou-se num tapete.
gafanhotos nos bolsos rotos
um escaravelho no joelho Estava um tigre à beira-mar,
uma formiga na barriga lá lhe apareceu um soldado.
um leão pela mão O tigre levou um tiro,
e atrás um camelo a puxar-me o cabelo. transformou-se num guisado.

- Não vás mais lá para fora! – disse o pai. Três tristes tigres,
- Liga a televisão. todos de tripas ao ar.
Três tristes tigres,
não há mais para contar.
PASTOR, PASTORZINHO

Pastor, pastorzinho, Pastor, pastorzinho,


o que viste ali? que viste no mato?
Vi uma oliveira Um velho a galope
a fazer chichi. às costas de um rato.

Pastor, pastorzinho, Pastor, pastorzinho,


o que viste além? que viste na serra?
Um boi a comer Vi duas maçãs
pastéis de Belém. a jogar à guerra.

Pastor, pastorzinho, Pastor, pastorzinho,


que viste acolá? que viste tu aqui?
Vi uma montanha Um burro que fala,
a beber o seu chá. pois vejo-te a ti.

Pastor, pastorzinho,
que viste na aldeia?
Vi um autocarro
a pedir boleia.

Pastor, pastorzinho,
que viste no rio?
Um peixe com botas
por causa do frio.
ENCONTRO

Marquei encontro Marquei encontro


Com o sol. Com o sol.
Esta manhã. Esta manhã.
Em vez do sol Não vou faltar ao encontro.
Veio a nuvem Até amanhã.
Com os seus pezinhos de lã.

Pôs-se a chorar à janela


Para eu a deixar entrar,
De lágrimas fez um rio
Que vai na rua a passar. SE...

Marquei encontro Se as casas tivessem asas


Com o sol. se as asas varressem o mar
Esta manhã. se o mar coubesse no copo
Em vez do sol se o copo jogasse à bola
Veio o vento se a bola se fizesse sol
E pôs tudo em movimento. se o sol fosse à escola
se a escola se escondesse de 2ª a 6ª feira
Varreu as folhas do chão, se a 6ª feira se vestisse de encarnado
Varreu a nuvem do ar. se o encarnado pintasse a chuva
Entrou-me pela janela se a chuva abrisse a porta
Um raio de sol a brilhar. se a lua saltasse para a minha mão
e eu a comesse dentro do pão!
FORMIGAS
Uma formiga cirurgião
Uma formiga de gravata a transplantar um coração.
a matar uma barata.
Uma formiga muito sabida
Uma formiga ao balcão a inventar um inseticida.
a vender bolos e pão.

Uma formiga de bicicleta


a pedalar para ser atleta.
OS OVOS
Uma formiga a jogar xadrez
com um marinheiro inglês.
Uma galinha
Uma formiga fotografando pôs o ovo
o rei a fazer contrabando. na palhinha.

Uma formiga de altifalante Outra galinha


a namorar com um elefante. pôs o ovo
na vinha.
Uma formiga de bigode
a gritar “Ai, quem me acode!”. Outra galinha
Uma formiga de caracóis pôs o ovo
na cozinha, a fritar rissóis. no chapéu da vizinha.

Uma formiga a dar um estalo Onde estão os ovos,


num polícia a cavalo. quem é que adivinha?

Uma formiga toda nua Comi-os eu todos


a dançar no meio da rua. ali na cozinha.
ABECEDÁRIO SEM JUÍZO PERGUNTAS DOS PÉS À CABEÇA

A é a Ana, a cavalo numa cana. A planta do pé dá flores?


B é o Berto, quer armar em esperto. A barriga da perna pode ter apendicite?
C é a Cristina, nada fora da piscina. As cabeças dos dedos pensam?
D é o Diogo, com chichi apaga o fogo. As maçãs do rosto devem proteger-se com inseticida?
E é a Eva, olha o rabo que ela leva. As meninas dos olhos com idade se tornam senhoras?
F é o Francisco, come as conchas do marisco. As asas do nariz voam?
G é a Graça, ai, mordeu-lhe uma carraça! O céu da boca tem estrelas?
H é a Helena, é preta, diz que é morena. As raízes dos cabelos devem ser regadas de manhã ou à
I é o Ivo, põe na mosca um curativo. noite?
J é o Jacinto, faz corridas com um pinto.
L é o Luís, tem macacos no nariz.
M é a Maria, come a sopa sempre fria.
N é o Napoleão, dorme dentro do colchão.
O é a Olga, todos os dias tem folga.
P é a Paula, entra de burro na aula. TROCAS
Q é o Quintino, que na missa faz o pino.
R é o Raul, a beber a tinta azul. O zero saiu da tabuada,
S é a Sofia, engasgada com uma enguia. o ó saiu do alfabeto,
T é a Teresa, come debaixo da mesa. começaram a brincar
U é o Urbano, que caiu dentro do cano. dentro dum caderno aberto.
V é a Vera, com as unhas de pantera.
X é a Xana, caçando uma ratazana. O zero entrou no alfabeto
Z é o Zé, foi ao mar, perdeu pé o ó entrou na tabuada.
Até hoje
ainda ninguém deu por nada.
OS NÚMEROS DO MENINO MAU

Tenho uma pombinha Tenho uma pombinha


E você tem duas. E você tem sete.
Não coma, menino, Não esconda as bonecas
Mais batatas cruas. Dentro da retrete.

Tenho uma pombinha Tenho uma pombinha


E você tem três. E você tem oito.
Não salte os degraus Não ponha pimenta
todos de uma vez. cá no meu biscoito.

Tenho uma pombinha Tenho uma pombinha


E você tem quatro. E você tem nove.
Não vista o meu fato Não me regue a sala
Para fazer teatro. A fingir que chove.

Tenho uma pombinha Tenho uma pombinha


E você tem cinco. E você tem dez.
Com meninos maus Não se abre a porta
Não pense que eu brinco. dando pontapés.

Tenho uma pombinha


E você tem seis.
Não queime o dinheiro
Com os outros papéis.
CHUVA O RATINHO MUSICAL

Cai a chuva, ploc, ploc Meu quarto é um violino,


corre a chuva, ploc, ploc a minha rua é um piano,
como um cavalo a galope. junto ao largo do tambor
é que eu moro todo o ano.
Enche a rua, plás, plás
esconde a lua, plás, plás Minha escada é uma harpa,
e leva as folhas atrás. nos pratos da bateria
vou sempre matar a fome,
Risca os vidros, truz, truz seja noite ou seja dia.
molha os gatos, truz, truz
e até apaga a luz. Para andar de carrossel
eu ponho um disco a girar.
Parte as flores, plim, plim Bato-lhe com a batuta
maça a gente plim, plim se um gato me vem caçar.
parece não ter mais fim.
Para namorar as ratinhas
Mas então, plão, plão canto lindos madrigais
é que os peixes vêm ver e em vez de notas de banco
que está o mar a crescer uso notas musicais.
e então, plão, plão
saltam para fora do mar
e pelo ar vão a nadar
plão, plão, plão.

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