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CRUZ

E SOUSA
• O POETA DA ILHA •
O Museu Histórico de Santa Catarina
apresenta a exposição

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C957

Cruz e Sousa: o poeta da Ilha. / Renilton Roberto da Silva Matos de Assis


(Coord.), Julia Farias Inácio e Poliana Silva Santana (Org.). Florianópolis:
FCC, 2015.
52 p.

Catálogo da exposição “Cruz e Sousa: o poeta da Ilha” no Museu Histórico de


Santa Catarina, de 03 a 29 de novembro de 2015.
CRUZ
E SOUSA
ISBN: 978-85-85641-30-6

1. Cruz e Sousa. 2. Poesia Catarinense. I. Título. II. Assis,


Renilton da Silva Matos de. III..Inácio, Julia Farias. IV. Santana, Poliana
Silva. V. Museu Histórico de Santa Catarina. • O POETA DA ILHA •
CDD: 928.669

Ficha Catalográfica elaborada por Esni Soares da Silva - CRB 14/704.

Florianópolis, 2015
Governador do Estado de Santa Catarina
João Raimundo Colombo
Vice-governador do Estado de Santa Catarina
Eduardo Pinho Moreira
Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte
Filipe Freitas Mello
Presidente da Fundação Catarinense de Cultura
Maria Teresinha Debatin
Diretor de Preservação do Patrimônio Cultural
Francisco José da Silva
| Museu Histórico de Santa Catarina - MHSC
Administradora do Museu Histórico de Santa Catarina
Vanessa Borovsky
Coordenação do projeto expositivo
Renilton Roberto da Silva Matos de Assis
Museólogo COREM 5ª Região 0065-I
Concepção e elaboração da exposição e catálogo
FICHA Renilton Roberto da Silva Matos de Assis
TÉCNICA Julia Farias Inácio
Poliana Silva Santana
Conservação
Márcia Regina Escorteganha
Apoio administrativo
Fernanda Nau
Montagem
André Tapajós da Silva Gomes
Itamar Pinho Alves
Design Gráfico
Moysés Lavagnoli
Fotografia
Márcio Henrique Martins
Revisão de textos
Fernanda Peres
Vera Collares
Agradecimento
Programa Santa Afro Catarina
CRUZ
E SOUSA
• O POETA DA ILHA •

Desterrense, negro, filho de alforriados,


poeta, redator, arquivista, amante das artes,
marido e pai.
João da Cruz e Sousa, multifacetado,
catarinense, marco do Simbolismo brasileiro.
O simbolismo de Cruz e Souza [sic], ainda que
diretamente proveniente dos franceses, não
se filia ao simbolismo francês. Traz laivos do
alemão, mas também não se filia a êste. Nem
a qualquer outro. É de Cruz e Souza [sic]. Só
dele. Nasceu e morreu com êle.
Salim Miguel, 1948.
SUMÁRIO

12 | Ao poeta João da Cruz e Sousa


14 | A exposição

A VIDA
18 | O poeta desterrense
21 | O arquivista Cruz e Sousa
22 | Vida familiar
23 | PIEDADE

A OBRA
26 | O Simbolismo no Brasil
28 | Sua produção literária
29 | REGIÃO AZUL
30 | SONHADOR
32 | QUANDO SERÁ?!
33 | O poeta e o abolicionismo
35 | DA SENZALA...
37 | LIVRE
38 | Círculo de Arte Moderna homenageia Cruz e Sousa

O POETA E O PALÁCIO
42 | O retorno do poeta para sua cidade
43 | AOS MORTOS
44 | O poeta e o Palácio
45 | [EMBORA]
47 | [ENQUANTO ESTE SANGUE]
47 | TRÊS PENSAMENTOS

48 | REFERÊNCIAS
Desterrense, negro, filho de alforriados, poeta, redator, arquivista, aman-
te das artes, marido e pai. João da Cruz e Sousa, multifacetado, catarinen-
se, marco do Simbolismo brasileiro.

No ano em que o poeta completa 154 anos, com sua marcada presença
na cultura brasileira e catarinense, o Museu Histórico de Santa Catarina
(MHSC) apresenta a exposição CRUZ E SOUSA: O POETA DA ILHA. Com
esta ação, a instituição procura fazer da agenda do mês de novembro,
anualmente, o momento para a realização de atividades e eventos alusi-
vos ao aniversário do poeta desterrense, refletindo sobre sua vida e obra.

Sabe-se que sua obra não foi reconhecida em vida, por isso vemos como
obrigação compartilhar um pouco de seu legado, buscando compreender
o consagrado poeta catarinense, que também caminhou por essas ruas e
esquinas permeadas de história.

Vivo na memória da cidade, tem presença marcada na denominação da


Ao poeta sede do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa – atre-
João da Cruz e Sousa lando, assim, a caminhada da instituição à memória do poeta. Refletir so-
bre sua memória é uma empreitada complexa, que não é responsabilida-
de exclusiva da instituição; no entanto, cabe ao Museu não a negligenciar.

O ilustre desterrense retornou para sua cidade natal em 2007, já não mais
a Desterro de seu tempo, e sim a Florianópolis de hoje, uma capital mar-
cada por símbolos da modernidade. Seus restos mortais encontram-se no
Palácio que leva seu nome, sob a responsabilidade do Museu Histórico de
Santa Catarina.

A exposição apresentará aspectos históricos e trechos da produção lite-


rária de Cruz e Sousa, ficando exposta no mês de seu aniversário nos
gradis do Palácio. O MHSC leva para a rua a exposição CRUZ E SOUSA:
O POETA DA ILHA, que tem como objetivo aproximar a cidade do Museu
e homenagear os 154 anos de nascimento do poeta.

Museu Histórico de Santa Catarina

13
A exposição
RUA TRAJANO
acesso
A exposição comemorativa CRUZ E SOUSA: O POETA DA ILHA, com- P19 P18 P17 P16
P23 P22 P21 P20
posta por 24 banners, ocupou os gradis dos muros do Palácio Cruz e P24
Sousa durante o mês de aniversário do poeta (novembro). A iniciativa P15
é patrocinada pelo Instituto de Desenvolvimento e Inovação Tecnológi-
ca (IDIT) e elaborada pelo Museu Histórico de Santa Catarina, levando
para a área externa do Museu uma ação que procura dialogar diretamen- P14
te com o entorno e a cidade.

P13

P12
Descritivo da exposição
CRUZ E SOUSA: O POETA DA ILHA

acesso
P01 = ABERTURA
P02 = O POETA DESTERRENSE
P03 = CAMINHOS DO POETA
P04 = SONHADOR P11
P05 = A DESTERRO DO POETA (Tela de BRÜGGEMAN)
P10
P06 = PIEDADE

RUA TENENTE
P07 = Tela de ACARY MARGARIDA

SILVEIRA
P08 = ABERTURA
P09 = [ EMBORA]
P10 = SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA
P11 = [PINTO, PINTA] e Tela de EDUARDO DIAS
P12 = O RETORNO DO POETA PARA SUA CIDADE
P13 = INAUGURAÇÃO DO MEMORIAL
Palácio Cruz e Sousa:
P14 = AS ESTRELAS Sede do Museu Histórico
P15 = Tela de WILLY ZUMBLICK de Santa Catarina P09
P16 = O SIMBOLISMO NO BRASIL
P17 = O POETA E O PALÁCIO
P18 = ABERTURA P08
P19 = LIVRE
P20 = Trecho de EMPAREDADO
P07
P21 = O POETA E O ABOLICIONISMO
P22 = O MOLÉQUE
P23 = D A SENZALA... P01 P02 P03 P04 P05 acesso acesso principal P06
P24 = FICHA TÉCNICA
PRAÇA XV

14 15
A VIDA
O poeta desterrense
João da Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, em Nossa
Senhora do Desterro, atual Florianópolis; filho de Guilherme e Caroli-
na Eva da Conceição, negros libertos. Ficou sob a proteção dos antigos
proprietários de seus pais, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa e sua
esposa Clarinda Fagundes de Sousa, após receberem alforria. O sobre-
nome Sousa é advindo do ex-patrão de seus pais.

O menino desfrutou de boas condições e estímulos para desenvolver


seus estudos. Inteligente e dedicado, desde cedo voltado para a Literatu-
ra, fundou, com os amigos Virgílio Várzea e Santos Lostada, o jornalzi-
nho Colombo e, mais tarde, o Tribuna Popular. Em 1881, viajou ao Norte
do Brasil como ponto da Companhia Dramática Julieta dos Santos.

Destaque com Registro de Batismo de


Cruz e Sousa. Acervo: Arquivo Histó-
rico da Arquidiocese de Florianópolis.
O trecho em destaque do Registro de Ba-
tismo de Cruz e Sousa corresponde a uma
parte da folha 27, do Livro de Registro de
Batismos da Catedral, período 1861-1863.
O batismo era registrado manualmente
em livros em formato de atas, portanto,
em uma mesma folha do Livro, encontra-
va-se mais de um batismo registrado. No
caso do batismo de João da Cruz, o sacra-
mento ocupou dez linhas da folha, sendo
encerrado com a assinatura do Vigário
Joaquim Gomes d’ Oliveira Paiva. Confor-
me o documento, Cruz e Sousa, no mo-
mento de seu batismo, ainda não tinha
incorporado em seu nome o sobrenome
Sousa, acrescentado posteriormente.

Cena retratando Desterro (sem tí-


tulo), óleo sobre tela, pintado por
Joseph Brüggeman, 1866. Acervo:
18 Museu Histórico de Santa Catarina. 19
O arquivista Cruz e Sousa
O poeta teve sérios problemas para se estabilizar profissionalmente,
conseguindo somente o modesto emprego de arquivista na Estrada de
Ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Por causa de sua ascendência,
foi vítima de várias negações – a mais emblemática delas foi quando
Gama Rosa, Presidente da Província de Santa Catarina, tentou nomeá-lo
Promotor Público de Laguna, em 1883. Não conseguiu fazê-lo por oposi-
ção de políticos locais, contrários à possibilidade de um promotor negro.

Título de Arquivista concedido a


Certidão com transcrição do Registro de Batis- Cruz e Sousa pela Estrada de Ferro
mo, datado de 4 de março de 1862, do poeta Cruz Central do Brasil em 1896. Acervo:
20 Fundação Casa Rui Barbosa.
e Sousa. Acervo: Fundação Casa Rui Barbosa.
Vida familiar PIEDADE
Últimos Sonetos
João da Cruz e Sousa casou-se com Gavita Rosa Gonçalves,
com quem teve quatro filhos. Os três primeiros faleceram
O coração de todo o ser humano
precocemente vítimas de tuberculose, o que deixou sua es-
posa em estado de demência no ano de 1896. Foi o escritor Foi concebido para ter piedade,
quem cuidou da esposa em casa e esse é um dos temas de Para olhar e sentir com caridade
muitos de seus poemas. Em 1897, o poeta contrai tuberculo- Ficar mais doce e eterno desengano.
se e agora luta contra a doença e a pobreza.
Para da vida em cada rude oceano
Com o avançar da doença, buscou tratamento em Sítio, Mi-
Arrojar, através da imensidade,
nas Gerais, mas faleceu três dias após chegar, em 19 de mar-
ço de 1898. O corpo foi “despachado” para o Rio de Janeiro Tábuas de salvação, de suavidade,
num vagão de trem usado para transporte de gado - situa- De consolo e de afeto soberano.
ção um tanto vexatória, se for levada em consideração a sua
fama atual. Foi recebido por seus amigos próximos, que o Sim! Que não ter um coração profundo
sepultaram no cemitério de São Francisco Xavier. E os olhos fechar à dor do mundo,
Ficar inútil nos amargos trilhos.
O filho mais novo do poeta nasceu após o seu falecimento.
Sua esposa morreu em 1901, também vítima de tuberculose.
É como se o meu ser compadecido
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!

22 23
A OBRA
O Simbolismo
no Brasil

O estilo nasceu do descontenta-


mento de escritores contrários ao
Naturalismo e ao Realismo, que
pregavam uma visão materialista
e cientificista da vida defendida
pelo Positivismo. Fac-símile de manuscrito
do poema Dupla Via-lac-
Os primeiros simbolistas apre- tea. Acervo: Museu His-
tórico de Santa Catarina.
sentaram uma estética marcada
pela subjetividade, elemento pre-
sente no misticismo e na sugestão
sensorial, diametralmente oposta
aos valores defendidos pela esté-
tica realista.

A linguagem de Cruz e Sousa, um


dos precursores do estilo, é her-
dada do Parnasianismo: requinta-
da, porém criativa, na medida em
que dá ênfase à musicalidade dos
versos por intermédio da explo-
ração dos aspectos sonoros dos
vocábulos.

Entre as características da lin-


guagem simbolista temos: subje-
tivismo, antimaterialismo, misti-
cismo, pessimismo, abundância
de metáforas e figuras sonoras. O
Simbolismo abriu caminhos para
uma nova Literatura e influen-
ciou, com suas tendências irra-
cionalistas, o Modernismo.

Retrato do poeta Cruz e Sou-


sa, pintado por Willy Zum-
26 blick, 1960. Acervo: Museu 27
Histórico de Santa Catarina.
Sua produção literária
Dentro desse contexto de anseios e lutas, doenças e frustrações, Cruz e
Sousa construiu sua magnífica obra poética. Em conjunto com Virgílio REGIÃO AZUL
Várzea, o poeta publicou, no ano de 1885, Tropos e Fantasias. Em 1893, Evocações
publicou as obras Missal (poemas em prosa) e Broquéis (poesias), consi-
deradas o marco inicial do Simbolismo no Brasil, que perduraria até a As águias e os astros abrem aqui, nesta doce, meiga e mira-
Semana de Arte Moderna em 1922. culosa claridade azul, um raro rumor d’asas e uma rara resplande-
Em 1898, após sua morte, foi publicado o livro Evocações (prosa poética).
cência solenemente imortais.
Em 1900, saiu a coletânea Faróis (poesias) e, em 1905, foi editado em As águias e os astros amam esta região azul, vivem nesta
Paris o livro Últimos Sonetos (poesias).
região azul, palpitam nesta região azul. E o azul, o azul virginal
onde as águias e os astros gozam, tornou-se o azul espiritualizado,
Evocações: a quintessência do azul que os estrelejamentos do Sonho coroam...
“É um livro denso, forte, dramático, Músicas passam, perpassam, finas, diluídas, finas, diluídas,
bastante autobiográfico. Nele estão e delas, como se a cor ganhasse ritmos preciosos, parece se des-
registrados os dois últimos anos do prender, se difundir uma hamonia azul, azul, de tal inalterável
poeta e de sua família. É uma vida azul, que é ao mesmo tempo colorida e sonora, ao mesmo tempo
fundamentalmente desgraçada, infernal, cor e ao mesmo tempo som...
dantesca, para usar uma expressão
que irá marcar, como um epíteto, a E som e cor e cor e som, na mesma ondulação ritmal, na
trajetória do Poeta Negro pela vida mesma eterificação de formas e volúpias, conjuntam-se, com-
afora. A loucura de Gavita, a doença
põem-se, fundem-se nos corpos alados, integram-se numa só onda
dos filhos e o avanço da tuberculose em
seu organismo. Pouco estudado até hoje,
de orquestrações e de cores, que vão assim tecendo as auréolas
Evocações, ao contrário da prosa poemá- eternais das Esferas...
tica de Missal, que é, sem dúvida, uma
E dessa música e dessa cor, dessa harmonia e desse virginal
ótima evolução dos Tropos e fantasias, é
uma exacerbação do poeta, em que é fá- azul vem então alvorando, através da penetrante, da sutil influên-
cil perceber suas magoas, suas zangas, cia dos rubros Cânticos altos do sol e das soluçadas lágrimas no-
suas desilusões. E, ao avistar a morte, turnas da lua, a grande Flor original, maravilhosa e sensibilizada
tão sinistra e inevitável, tão pavorosa, da Alma, mais azul que toda a irradiação azul e em torno à qual
Cruz e Sousa fez de Evocações o men- as águias e os astros, nas majestades e delicadezas das asas e das
sageiro de suas mensagens, dos seus re- chamas, descrevem claros, largos giros ondeantes e sempiternos...
cados, dos seus xingamentos e indigna-
ções”. (ALVES, 2008, p. 393).

Folha de rosto do livro Evo-


cações, 1ª edição, 1898.
Acervo: Museu Histórico
28 29
de Santa Catarina.
A obra Broquéis, publicada em 1893, é composta por 54 poemas, sendo
marcada pela influência de Baudelaire, que traz o mal como algo belo.
Nesta obra, Cruz e Sousa utiliza linguagem mais erudita, fazendo fre-
quentemente jogo com as palavras. No livro Evocações, que possui um
total de 36 poemas, o poeta apresenta, trabalha e explora os problemas
sociais e humanos vivenciados por ele, buscando expressá-los por meio
de uma nova forma literária.

A multiplicidade de imagens e de sonoridades causa uma explosão sen-


sorial no leitor, conduzindo-o a um estado de espanto geral e de choque
diante do inusitado. As imagens, aparentemente inconciliáveis, múlti-
plas e repetidas, despertam um psiquismo intenso. Essa fusão de abstra-
ções cria o sensorialismo simbolista e faz brotar a novidade.

SONHADOR
Broquéis

Por sóis, por belos sóis alvissareiros,


Nos troféus do teu Sonho irás cantando,
As púrpuras romanas arrastando,
Engrinaldado de imortais loureiros.

Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,


Das Idéias as lanças sopesando,
Verás a pouco e pouco desfilando
Todos os teus desejos condoreiros...

Imaculado, sobre o lodo imundo,


Há de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glórias o clarão profundo.

Há de subir, além de eternidades


Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!

Retrato do poeta Cruz e Sou-


sa, pintado por Eduardo Dias,
30 sem data.Acervo: Museu de 31
Arte de Santa Catarina.
O poeta e o
abolicionismo

Mas, que importa tudo isso?! Qual é a cor da minha forma, do meu
sentir? Qual é a cor da tempestade de dilacerações que me abala?
Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a dos meus desejos e febre?
QUANDO SERÁ?!
Últimos Sonetos Trecho de Emparedado, 1898.

Conhecido por sua contribuição ao Simbolismo, Cruz e Sousa foi tam-


Quando será que tantas almas duras bém defensor do abolicionismo. Produziu matéria com teor social re-
Em tudo, já libertas, já lavadas levante, principalmente acerca da condição do negro no fim do século
Nas águas imortais, iluminadas XIX, fosse antes ou depois da abolição da escravatura. Segue um trecho
Do sol do Amor, hão de ficar bem puras? do principal texto de Cruz e Sousa sobre o abolicionismo, temática abor-
dada pelo autor em suas produções nos periódicos.
Quando será que as límpidas frescuras
Dos claros rios de ondas estreladas
Se a humanidade do passado, por uma falsa compreensão
Dos céus do Bem, hão de deixar clareadas
dos direitos lógicos e naturais, considerou que podia apo-
Almas vis, almas vãs, almas escuras? derar-se de um indivíduo qualquer e escravizá-lo, compete-
nos a nós, a nós que somos um povo em via de formação,
Quando será que toda a vasta Esfera, sem orientação e sem caráter particular de ordem social,
Toda esta constelada e azul Quimera, compete-nos a nós, dizíamos, fazer desaparecer esse erro,
Todo este firmamento estranho e mudo, esse absurdo, esse crime.

Tudo que nos abraça e nos esmaga, Trecho de O abolicionismo, 1887.


Quando será que uma resposta vaga,
Mas tremenda, hão de dar de tudo, tudo?!
Foi diretor do jornal abolicionista Tribuna Popular em 1881, e
também dirigiu o semanário O Moléque, em Desterro, periódico de
cunho crítico e literário, do qual Cruz e Sousa veio a assumir a redação
em 1885, mantendo-o com esforços, por meio de combativos artigos,
crônicas e poemas, diante das resistências decorrentes de preconceito
racial. O semanário continha apenas quatro páginas, sendo a primeira e
a última compostas por desenhos.

32 33
Sua atuação na campanha abolicionista em Desterro deu-se
principalmente nos periódicos, pois essa temática foi pouco
abordada em suas poesias e prosas poéticas. Como resultado, o
aparente desinteresse de Cruz e Sousa em tratar literariamente
algumas das questões sociais mais importantes da sua época
produziria, ao longo do tempo, um crescente mal-estar em tor-
no da sua obra.

DA SENZALA...
“Cambiantes” em O Livro Derradeiro – Primeiros Escritos

De dentro da senzala escura e lamacenta


Aonde o infeliz
De lágrimas em fel, de ódio se alimenta
Tornando meretriz

A alma que ele tinha, ovante, imaculada


Alegre e sem rancor,
Porém que foi aos poucos sendo transformada
Aos vivos do estertor...

De dentro da senzala
Aonde o crime é rei, e a dor – crânios abala
Em ímpeto ferino;

Não pode sair, não,


Um homem de trabalho, um senso, uma razão...
E sim um assassino!

A “scena escandalosa” protagonizada por


Estevão Brocardo. Fonte: O Moléque, nº
19, 26 de abril de 1885 (microfilme). Acer-
34 35
vo: Biblioteca Pública de Santa Catarina.
LIVRE
Últimos Sonetos

Livre! Ser livre da matéria escrava,


Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava


Dos corações daninhos que regelam,
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,


Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,


Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.

Capa do jornal O Moléque. Fonte:


O Moléque, ano 1, nº 43, 12 de ou-
tubro de 1885. Acervo: Biblioteca
36 Pública de Santa Catarina. 37
Círculo de Arte Moderna
homenageia Cruz e Sousa
O Círculo de Arte Moderna, conhecido como Grupo Sul, foi formado em
Florianópolis em 1947, com atuação no cenário cultural local até 1957.
A Revista Sul, um dos meios de atuação do grupo, dedicou o seu tercei-
ro número ao poeta Cruz e Sousa. A revista apresenta texto intitulado
Atualismo de Cruz e Souza, assinado pelo escritor Salim Miguel, no
qual o autor fala sobre a produção do poeta, e poemas acompanhados
por ilustrações do artista plástico catarinense Moacir Fernandes.

O simbolismo de Cruz e Souza [sic], ainda que diretamente pro-


veniente dos franceses, não se filia ao simbolismo francês. Traz
laivos do alemão, mas também não se filia a êste. Nem a qual-
quer outro. É de Cruz e Souza [sic]. Só dele. Nasceu e morreu
com êle. Ninguem antes ou depois dele, deu uma valorização tão
completa ao símbolo. Em sua poesia temos a impressão de vagar,
de nos perdermos no eter. e sermos parte do todo, de sentirmos
a angustia vaga e diluida em brumas do poeta, pairar sôbre nós.

(MIGUEL,1948, p. 1)

Capa da Revista Sul, nº 3 - número de- Poema Mãos, de Cruz e Sousa, ilustrado por
dicado ao poeta Cruz e Sousa. Fonte: Moacir Fernandes, Revista Sul, nº 3. Fonte:
Revista Sul, nº 3, abril de 1948. Acervo: Revista Sul, nº 3, p. 5, abril de 1948. Acer-
38 vo: Biblioteca Pública de Santa Catarina.
Biblioteca Pública de Santa Catarina.
O POETA E O PALÁCIO
O retorno do poeta para sua cidade
O poeta e a sua cidade natal ficaram afastados por décadas, separação
que teve seu término após a consumação de acordo entre a Santa Casa
de Misericórdia do Rio de Janeiro, representante dos descendentes do
poeta, e o Governo do Estado de Santa Catarina.

O retorno ocorreu em 29 de novembro de 2007, quando a urna com os


restos mortais de João da Cruz e Sousa foi entregue ao Museu Histórico
de Santa Catarina, ficando em exposição na sua sede, edificação his-
tórica que tem o seu nome - Palácio Cruz e Sousa - em honra ao poeta
simbolista desde 1979. Inauguração do Memorial Cruz e Sousa,
em 6 de maio de 2010, com transporte
Em 6 de maio de 2010, a urna foi transportada para o Memorial Cruz e dos restos mortais do poeta Cruz e Sou-
Sousa, nos jardins do Palácio, ficando preservada neste espaço até 6 de sa. Fonte: Acervo Arquivístico (digital)
do Museu Histórico de Santa Catarina.
junho de 2015, quando, então, foi removida para o interior do Museu,
enquanto seu memorial aguardava a execução de reforma completa, ne-
cessária para cumprir com sua finalidade.

Em novembro, a urna com os restos mortais do poeta Cruz e Sousa volta


a ficar em exposição no interior do Museu Histórico de Santa Catarina, AOS MORTOS
até a reabertura do seu memorial. Outros Sonetos

Oh! não é bom rir-se de um morto – brusca


Pois deve ser a sensação que aumenta
Desoladora, vagarosa, lenta
Da negra morte tétrica velhusca...

Tudo que em vida, como um sol, corusca,


Que nos aquece, que nos acalenta,
Tudo que a dor e a lágrima afugenta,
O olhar da morte nos apaga e ofusca...

Nunca se deve desprezar os mortos...


Nos regelados e sombrios portos,
Onde a matéria se transforma e urge

Exuberar na planturosa leiva,


Vivem os mortos no vigor da seiva,
Porque dão vida ao que da vida surge!...

Termo de Translado. Acervo: Mu-


42 seu Histórico de Santa Catarina.
43
O poeta e o Palácio
O Palácio de Governo, cuja feição arquitetônica atual remonta
à reforma encerrada em 1898, mesmo ano da morte do poeta
simbolista, passou a ser denominado Palácio Cruz e Sousa por
meio da Lei nº 5.512, de 9 de março de 1979. Desde 1986, a
edificação abriga o Museu Histórico de Santa Catarina.

Detalhe do Diário Oficial nº 11.186,


12 de março de 1979. Acervo: Mu-
seu Histórico de Santa Catarina.

[EMBORA]
“Dispersas” em O Livro Derradeiro – Primeiros Escritos

Embora eu não tenha louros


Como esses grandes heróis
E nem da ideia os tesouros,
Embora eu não tenha louros,
Talvez nos tempos vindouros
Traduza o poema dos sóis,
Embora eu não tenha louros
Como esses grandes heróis.
[Zat.]
Palácio Cruz e Sousa, sede do
Museu Histórico de Santa Catari-
na. Fotografia: Márcio Henrique
44 Martins, 2 de outubro de 2015. 45
[ENQUANTO ESTE SANGUE]
“Dispersas” em O Livro Derradeiro – Primeiros Escritos

Enquanto este sangue ferve


Com força, com toda a força,
Palpite a fibra da verve,
Enquanto este sangue ferve
Esmague-se o que não serve
Na treva o mal se contorça,
Enquanto este sangue ferve,
Com força, com toda força.
[Zot]

TRÊS PENSAMENTOS
“Dispersas” em O Livro Derradeiro – Primeiros Escritos

Nasceste no Brasil – filha d’América.


Tu sabes conservar nas débeis veias
No lúcido pulmão
O sangue efervescente e purpurino
A força de subir ao céu da história.
As lutas da razão!...

Nasceste no Brasil – em meio às plagas


Da grande natureza mais pujante
E cheia de arrebol!...
E sabes obumbrar os astros fulvos
E lanças raios mil por toda a parte,
Soberba como o sol!...

Nasceste no Brasil e o eco ovante


Das glórias sublimadas que tu colhes
Por este céu azul,
Vem férvido, viril e acentuado
Assaz repercutir com mais verdade
Aqui... aqui no sul!...

Retrato do poeta Cruz e Sousa, pintado


por Acary Margarida, sem data. Acervo:
46 47
Museu Histórico de Santa Catarina.
REFERÊNCIAS

ALVES, Uelinton Farias. Cruz e JUNKES, Lauro. (org). Cruz e RIGHI, Volnei José. O poeta empa- SITES E VÍDEOS
Sousa: Dante Negro do Brasil. Rio Sousa: Obra Completa. Jaraguá redado: a tragédia social de Cruz e PESQUISADOS
de Janeiro: Pallas, 2008. do Sul: Avenida, 2008. Sousa. Brasília: UNB, 2006. [181 f].
Dissertação (Mestrado em Literatu- Cruz e Sousa: A volta de um
BACK, Sylvio. Cruz e Sousa – o MIGUEL, Salim. Atualismo de ra brasileira) Programa de Pós-Gra- Desterrado. Direção: Rafael Fava-
Poeta do Desterro. Rio de Janeiro: Cruz e Sousa em Sul: Revista do duação do departamento de Teoria retto Schlichting e Cláudia Cárde-
Letras, 2000. Círculo de Arte Moderna. Floria- Literária e Literaturas, Universida- nas. Florianópolis (SC). Produção:
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FICHA TÉCNICA DO MUSEU Núcleo de Apoio Operacional
André Tapajós da Silva Gomes
HISTÓRICO DE SANTA CATARINA Itamar Pinho Alves
Ademir da Silva - Policial Militar (3º Sgt.)
Marconvisque Gonçalves - Policial Militar (Cb.)
| GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Francisco José Back - Policial Militar (Cb.)
Rubens José Pereira - Policial Militar (Cb.)
Governador do Estado de Santa Catarina
Silvério Cordeiro - Policial Militar (Cb.)
João Raimundo Colombo
Luiz Carlos de Sousa - Policial Militar (3ª Sgt.)
Rogério Pereira
Vice-governador do Estado de Santa Catarina
Inês Mariano
Eduardo Pinho Moreira
Maria Mauria Alves
Shaiane Mendes
Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte
Elcio Finger 
Filipe Freitas Mello
Leoldino de Souza Marques
Maria Sueli L. Jesus
Presidente da Fundação Catarinense de Cultura
Castorina Camargo
Maria Teresinha Debatin
Cleidiana da Costa
Adilson N. da Silva 
Diretor de Preservação do Patrimônio Cultural
Francisco José da Silva
SETOR MUSEOLÓGICO

| MUSEU HISTÓRICO DE SANTA CATARINA Núcleo de Museologia


Renilton Roberto da Silva Matos de Assis
Administradora do Museu Histórico de Santa Catarina Museólogo COREM 5ª Região 0065-I
Vanessa Borovsky Poliana Silva Santana

SETOR ADMINISTRATIVO Núcleo de Conservação e Restauro


Márcia Regina Escorteganha
Secretaria Patrícia de Carvalho Fontana
Fernanda Nau
Núcleo de Ação Educativa
Christiane Castellen
Núcleo Funcional
Cristiane Pedrini Ugoline
Janete Maria da Silva
Márcia Lisboa Carlsson
Julia Farias Inácio
Simone D. Coelho
Veronice Nogueira

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MISSÃO

Prestar serviços à sociedade


por meio de pesquisa, ações educativas,
comunicação, preservação do seu patrimônio
arquitetônico e museológico, contribuindo para o
fortalecimento da História de Santa Catarina.

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