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A mensagem presidencial sobre a pandemia mundial do COVID-19 e os distintos

pontos de vista dos gestores públicos do Brasil

Krishina Day Ribeiro


Raquel Serruya Elmescany
Carla Ramirez
Josep Pont Vidal

Em tempos de quarentena assistiu-se em rede nacional de televisão, no último


dia 25 de março de 2020, ao pronunciamento do presidente da República Federativa do
Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que expôs o seu entendimento sobre como gerenciar o
país em cenário de crise provocada pelo COVID-19. Percebe-se a necessidade de
refletir sobre as estratégias adotadas pelos Estados e a União, cotejada com a
responsabilidade do Poder Executivo Federal. Realiza-se essa análise a partir de uma
distinção entre dois grupos de comunicação, com entendimentos divergentes: o
pronunciamento do Presidente Jair Bolsonaro dado recentemente em cadeia nacional de
televisão; e os pronunciamentos de líderes políticos, representantes de estados e de
organizações sociais da federação, analisando-os frente às diretrizes emanadas pela
Organização Mundial da Saúde.
Como é sabido, a pandemia por coronavírus ultrapassa fronteiras
internacionais. A dinâmica exponencial de transmissão de pessoa para pessoa indica alto
grau de contágio, o que requer isolamento social 1. Obter informação (comunicações)
acerca da doença, então, se torna essencial para a tomada de decisão.
Em escala mundial, quem desempenha o papel mais importante de
disseminação da informação sobre doenças é a Organização Mundial da Saúde (OMS)
em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)2. De acordo
com esta entidade, a Pandemia COVID-19 confirmou-se em 11 de março de 2020 3,
reconhecendo-se assim emergência de saúde pública e necessidade de os Estados
nacionais adotarem uma série de recomendações4.
Em matéria de direito à precaução, o conhecimento especializado advém do
Transconstitucionalismo5, fenômeno sistêmico, que carrega consigo multiplicidade de
1
Disponível em: < https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses >. Acesso em: 26 mar, 2020.
2
Outros órgãos também assumem a mesma função: A Organização Internacional do Trabalho (OIT); o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF); a Organização das Nações Unidas para Infância, a Ciência e a Cultura
(UNESCO); a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Ambas contribuem
igualmente para a precaução sanitária.
3
G1 Política. OMS declara pandemia de coronavírus. 11 de março de 2020. Disponível em: <
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/11/oms-declara-pandemia-de-coronavirus.ghtml >.
Acesso em: 26 mar, 2020.
4
BRASIL. OPAS. Folha Instrutiva COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus) 25 de março de2020.
Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?
option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=87>. Acesso em: 26 mar, 2020.
5
NEVES. M. (não) Solucionando problemas constitucionais. Transconstitucionalismo além das constituições.
Revista Lua Nova. Vol.23. 2014. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n93/08.pdf. Acesso em 26 de março de

1
emanações normativas que contribuem para o aprendizado do sistema, reconhecendo as
interdependências com o ambiente, que, no cenário da COVID-19, advém das
comunicações emanadas pela OMS.
O Princípio da Precaução, que significa “ter cuidado e estar ciente”, recupera a
visão dos gregos antigos e objetiva, em situações de risco potencial desconhecido,
apoiar-se no desenvolvimento científico, buscando soluções para agir com segurança 6.
Assim, a OMS publicou o Report nº53 “Considerations for quarantine of individuals in
the context of containment for conronavirus disease (COVID-19)” – OMS,
apresentando diretrizes a serem adotadas pelos representantes dos Estados Nacionais
como estratégias de combate à pandemia7:

A quarentena de pessoas é a restrição de atividades ou a separação de


pessoas que não estão doentes, mas que podem ser ter sido expostas a
um agente infecioso ou doença, com o objetivo de monitorar seus
sintomas e garantir a detecção rápida dos casos. A quarentena difere-
se de isolamento, que é a separação de pessoas doentes ou infectadas
de outras pessoas para evitar que se espalhe a infecção ou
contaminação.[...]
Autoridades devem prover às pessoas diretrizes claras, atualizadas,
transparentes e consistentes, com informações confiáveis sobre as
medidas de quarentena.
O engajamento construtivo com as comunidades é essencial para que
as medidas de quarentena sejam aceitas.
As pessoas em quarentena precisam de assistência médica, apoio
financeiro, social e psicossocial e necessidades básicas (água e outros
itens essenciais). As necessidades dos grupos vulneráveis devem ser
priorizadas.
[...] A quarentena usada no início do surto pode atrasar a introdução
da doença em um país ou área, atrasar o pico de uma epidemia numa
área onde a transmissão está em andamento, ou ambos. (p. 1.
Tradução nossa).
A OMS, portanto, alinha-se ao Princípio Sanitário da Precaução, e recomenda
aos Estados receber informações públicas de órgãos do sistema mundial sobre doenças
que possam colocar em risco a segurança das pessoas em territórios nacionais e usá-las
para agir com cautela prevenindo danos. Impõe também situações de vigilância, tanto
para planejar, quanto para sanear consequências. E por fim, visa impulsionar a
responsabilidade política dos impactos econômicos de agir, mas também de se omitir,
diante da calamidade pública que as doenças podem causar.
2020.
6
REICHARDT, F. V. e SANTOS, M. R. A. A (In)eficácia do Princípio de Precaução no Brasil. Revista de Estudos
Avançados.SãoPaulo.v.33, n.95, 2019 .Disponível <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142019000100259&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 26 de março de 2020.
7
OMS. Report 53 COVID-19. Considerations for quarantine of individuals in the context of containment for
coronavirus disease (COVID-19). Disponível em https://www.who.int/publications-detail/considerations-for-
quarantine-of-individuals-in-the-context-of-containment-for-coronavirus-disease-(covid-19) Acesso em: 26 mar,
2020.

2
Apesar das recomendações da OMS, o presidente Jair Bolsonaro discorreu, em
rede de televisão no dia 24 de março do corrente ano, a seguinte comunicação:

“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós, e brevemente


passará”. [...] Depois, afirmou que “a vida deve continuar”, que “os
empregos devem ser mantidos”, assim como os sustentos das famílias.
“Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades
estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada,
a proibição de transportes, o fechamento do comércio e o
confinamento em massa”8.
A comunicação emanada pelo Presidente da República aponta para um retorno
às atividades rotineiras, ou seja, o afastamento da quarentena em prol da manutenção do
sistema econômico. O Governo Federal tem ido além nesta ideia, criando a campanha
#OBrasilNãoPodeParar, cujo mote é a manutenção da rotina do cidadão, resguardando
isolamento vertical, ou seja, apenas daqueles pertencentes aos grupos de risco9.
Tal posicionamento incentiva que comércios, lojas, escolas e demais
estabelecimentos reabram com o objetivo da economia voltar a circular - mesmo
havendo a possibilidade das taxas de contaminação da doença aumentarem
progressivamente. Calcula-se que caso a pandemia siga sem medidas de mitigação, 187
milhões de pessoas serão infectadas (88% da população brasileira). Com supressão
precoce cai o número de possíveis contaminados para 11 milhões de pessoas 10.
Submeter 187 milhões de pessoas ao contágio, ao invés de 11 milhões, parece ser a
decisão menos responsável, do ponto de vista da saúde pública.
De outro lado, o sistema político, representado por autoridades de governos
estaduais e associações, afirma pontos de vista diferentes do presidente acerca das
estratégias para enfrentar a pandemia COVID-1911:

Consideramos grave a posição externada pelo Presidente da República


hoje, em cadeia nacional [...] posição que está na contramão das ações
adotadas em outros Países e sugeridas pela própria Organização
Mundial da Saúde (OMS). Davi Alcolumbre (Presidente do Senado
Federal).
8
G1 Política. Veja a repercussão do pronunciamento de Bolsonaro sobre o coronavírus em que ele contrariou
especialistas e pediu fim do “confinamento em massa” 24 de março de 2020. Disponível em
<https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/24/veja-repercussao-ao-pronunciamento-de-bolsonaro-em-que-ele-
pediu-volta-a-normalidade-fim-do-confinamento-e-disse-que-meios-de-comunicacao-espalharam-
pavor.ghtml>.Acesso em: 26 mar, 2020.
9
Mais em: O Globo. Governo prepara campanha com o slogan ‘O Brasil Não Pode Parar’. 26 de março de 2020.
Disponível em: < https://oglobo.globo.com/brasil/governo-prepara-campanha-com-slogan-brasil-nao-pode-parar-1-
24332284 >. Acesso em: 27 mar, 2020.
10
Imperial College. London. Global, mitigated and unmitigated supression scenarios. Disponível em: <
https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-
COVID19-Global-unmitigated-mitigated-suppression-scenarios.xlsx >. Acesso em: 28 mar, 2020.
11
G1 Política. Veja a repercussão do pronunciamento de Bolsonaro sobre o coronavírus em que ele contrariou
especialistas e pediu fim do “confinamento em massa” 24 de março de 2020. Disponível em
<https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/24/veja-repercussao-ao-pronunciamento-de-bolsonaro-em-que-ele-
pediu-volta-a-normalidade-fim-do-confinamento-e-disse-que-meios-de-comunicacao-espalharam-
pavor.ghtml>.Acesso em: 26 mar, 2020.

3
O pronunciamento do Presidente foi equivocado ao atacar a imprensa,
os governadores e especialistas em saúde pública. Cabe aos
Brasileiros seguir as normas determinadas pela OMS e pelo Ministério
da Saúde em respeito aos idosos e a todos que estão em grupo de
risco. Rodrigo Maia (Presidente da Câmara dos Deputados Federais).
Entre a ignorância e a Ciência não hesite. Não quebre a quarentena
por conta deste que será reconhecido como um dos pronunciamentos
políticos mais desonestos da história. Felipe Santa Cruz (Presidente da
OAB-Nacional).
Nós buscamos, desde o início, as orientações dos técnicos, dos
médicos, das autoridades e também dos países que já passaram pelo
pior da crise. Helder Barbalho (Governador do Estado do Pará).
A experiência internacional e as orientações da OMS na luta contra o
vírus devem ser rigorosamente seguidas por nós. As agruras da crise,
por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez.
#FiqueEmCasa. Gilmar Mendes (Ministro Gilmar Mendes).
O contraponto apresenta comunicação divergente da presidencial, ou seja,
entende, mas não o aceita e aponta outro caminho, da valorização do saber científico e
dos estudos da Organização Mundial de Saúde.
Em tempos de informação diluída no espaço-tempo, o Transconstitucionalismo é
o fenômeno que reconhece a multiplicidade de ordens diferenciadas no interior do
sistema jurídico, aplicável às questões que envolvem o direito à saúde, em especial o
direito à precaução. O sistema jurídico observa que, por estar aberto às trocas
comunicativas para atualizar-se, precisa informar-se – conhecer - compreender,
realizando um circuito comunicativo, a fim de tomar as acertadas decisões que o
contexto de Pandemia COVID-19 requer.
Nesse sentido, a teoria sistêmica traz como problemas os paradoxos da
modernidade, onde as comunicações podem ser compreendidas, eivadas de equívocos,
aceitas ou não-aceitas12,13. O paradoxo da comunicação a torna improvável 14. No caso do
não-reconhecimento da estratégia de isolamento adotada pelos demais Países como
recomenda a OMS, é improvável que o Presidente tome as decisões mais acertadas, não
estando aberto cognitivamente à informação científica e não fechando o circuito
comunicativo.
Ademais estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB)
que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art.196), “que são de relevância
pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da
lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle” (art.197) delimitando-se
expressamente a responsabilidade estatal. É a partir disto que se depreende que, por

12
LUHMANN,N. Introdução à Teoria de Sistemas. Rio de Janeiro: Vozes. 2009, p.297.
13
VIDAL, J.P. Por meio da Teoria: enfoques neosistêmicos e pós-estruturalistas. Belém: Paka-Tatu, 2017.
14
LUHMANN. N. A improbabilidade da comunicação. 1999. p.41.

4
meio da função pública estatal, cabe ao Poder Executivo, através do Ministério da
Saúde, fixar diretrizes e parâmetros para a prestação do serviço público, não podendo
mostrar-se contrário ao problema de saúde da população, sob pena de incidir em
inconstitucionalidade15.
Porém, surge uma luz nesse cenário. A desparadoxação da improbabilidade da
comunicação, no caso de o Presidente não aceitar as diretrizes de orientação da OMS,
está exatamente nas comunicações oriundas dos meios de difusão generalizados
simbolicamente. Os meios de difusão são capazes de dissolver as dificuldades de
informação, possibilitando que sejam aceitas as orientações de estratégias da OMS a
serem adotadas no caso de pandemia, ainda que o direcionamento discursivo
presidencial aponte o contrário. E fica claro, com a fala e a implementação de
estratégias dos governos estaduais a rejeição à conduta presidencial e a adoção às
orientações da OMS, como por exemplo “(...) buscar a orientação de médicos, técnicos
e autoridades” (Fala do governador do Pará, Helder Barbalho).
Entende-se que a responsabilidade do Poder Executivo consiste em promover
estratégias entre os Estados da Federação para combater a pandemia COVID-19
trazendo sentido à comunicação emitida em transconstitucionalidade pela OMS. Por tais
motivos, entende-se que o presidente da República do Brasil deve atuar em consonância
com as Diretrizes da OMS, seguindo a recomendação do afastamento social; com o
Ministério da Saúde, que realiza assistência médica, apoio psicossocial; e também, em
sólida cooperação com os estados da federação.
Por outro lado, em relação aos prejuízos econômicos da sociedade, não pode o
presidente em tela omitir-se em estabelecer soluções criativas à recuperação de setores
da economia, sobretudo o setor da economia informal, os vendedores ambulantes e
pequenos comerciantes, que dependem das suas vendas diárias para sobreviver.
Há, portanto, de se desparadoxar a comunicação: entre #OBrasilNãoPodeParar
e o #FicaEmCasa, há de se preferir a última, e cabe ao Estado encontrar uma solução
pública que coadune saúde e sustento aos grupos mais vulnerabilizados, mantendo o
isolamento social propugnado pela OMS, agindo para equilibrar as distorções do
mercado, ao invés de negar o problema.

Criando estratégias para o mercado informal sobreviver a crise:


cooperativismo digital.

15
DALLARI, S.G. e NUNES JÚNIOR, V.S. Direito Sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010.

5
A partir do cenário distorcido da comunicação que está ocorrendo no âmbito do
governo federal sobre as políticas de saúde recomendadas à sociedade em meio a
pandemia do Covid-19, levando em considerações questões econômicas para subsidiar
uma fala de quebra do isolamento social por parte do presidente em exercício, traremos
neste capítulo uma possível estratégia econômica para ajudar os pequenos comerciantes
( em situação de informalidade) a enfrentar esta crise, de maneira que consiga seguir as
diretrizes sanitárias e continue gerando receitas para sua subsistência.
O Brasil possui atualmente 41,4% da sua população alocada no mercado
informal, expõe-se neste capítulo uma estratégia realmente efetiva para contribuir com a
sobrevivência deste setor significativo da economia do país, que seria o incentivo a
criação de cooperativas de feirantes. Esta estratégia surge a partir de um olhar sobre o
desenvolvimento endógeno, buscando neutralizar as tendências ao estado estacionário
da economia, ativando os fatores decisivos dos processos de acumulação de capital, a
saber, “a criação e difusão de inovações no sistema produtivo, a organização flexível da
produção, a geração de economias de aglomeração e o fortalecimento das instituições” (
BARQUERO, 2001, p. 15).
No Brasil existem 6. 665 mil cooperativas com 13,2 milhões de assossiados. O
cooperativismo - modelo de negócio que incentiva o empreendedorismo e a
solidariedade visando ao bem estar de seus cooperados e da comunidade em que estão
inseridos - desde a recessão de 2008, tem mostrado ser o modelo que melhor se adaptou
ao delicado cenário econômico do país naquele momento. Vários estudos (BIRCHALL;
KETILSON, 2009; SCUCATO, 2009; SOUSA, 2009) apontam que, nas regiões onde
atuam, essas associações não somente geram e distribuem riquezas de forma
proporcional, como melhoram a qualidade de vida da população, tanto que geram em
torno de 378,2 mil empregos ( OCB, 2019).
O cooperativismo também está amparado pela Constituição de 1988 (BRASIL,
1988) como mecanismo para diminuição das desigualdades sociais. A constituição
brasileira protege e valoriza o cooperativismo, por meio do Artigo 174 (Parágrafo
Segundo), que expressa apoio e estímulo, por vias legais, ao cooperativismo e ao
associativismo, e do Artigo 146 (Parágrafo Terceiro, Inciso C), que estabelece a
definição do adequado trato tributário ao ato cooperativo das sociedades cooperativas
Em períodos de crise as cooperativas têm a finalidade de somar esforços para
atingir objetivos que beneficiem a todos, esse tipo de organização possibilita que as
sobras permaneçam nas comunidades nas quais estão inseridas.

6
De acordo com o presidente da Organização das Cooperativas do Estado do
Rio Grande do Sul (Ocergs) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo (Sescoop-RS), Vergílio Perius, “As cooperativas são fruto de crises, e a
resiliência está em seu DNA”. Elas (as cooperativas) possuem em seu cerne
características necessárias para ajudar o país em momentos de crise. O segmento já é
responsável por 10% do PIB e movimentou, em 2018, mais de R$ 400 bilhões.
Considerando os familiares dos cooperados, praticamente 30% dos brasileiros estão de
alguma maneira ligados ao cooperativismo (OCB, 2019).
Um exemplo é o cooperativismo financeiro que experimentam uma evolução
crescente de seus números nos últimos anos, indo na contramão do cenário nacional. O
balanço do período apresentado pela Sicoob Central Rondon, composto por singulares
do Mato Grosso, Mato Grosso do sul e Rondônia evidencia este crescimento. A Central
que havia chegado no inicio de 2019 a marca de 1 bilhão em ativos totais, obteve um
criscimento significativo nos seis primeiros meses do ano. Houve um incremento de
27% em ativos, o que equivale a R$ 271 milhões a mais no volume de ativos do
sistema, formado por oito cooperativas. No acumulado de dezembro de 2015 ajunho de
2019, são 267% de crescimento, resultado muito positivo se comparado ao da economia
do país (SICOOB, 2019).
E a fórmula da resiliência cooperativista está na autogestão, participação
democrática, no equilíbrio de investimentos calculados e no planejamento racional
focado em melhores resultados, assim incentiva o progresso social e o auxílio mútuo,
proporcionando sempre o crescimento do setor.
Esta cooperação é descrita por Harari (2020) como fundamental para qualquer
sociedade ter sucesso no combate à epidemias sem, necessariamente, o país entrar em
colapso econômico. Segundo este autor, nenhuma nação pode vencer, isolada, as três
principais ameaças do séculos XXI: o colapso ecológico, a mudança climática e o mau
uso das tecnologias armamentistas. Todos passamos por guerras mundiais e ditaduras,
então se os indivíduos não aprenderem a usar a tecnologia a seu favor, o
desaparecimento da espécie se torna algo factível.
Outro ponto trazido por Harari (2020) em seu recente artigo sobre a batalha
contra o Covid-19, respousa no conceito de confiança. Para este sociológo, a história
nos ensina que a real proteção contra esses patógenos está na troca de informações
científicas confiáveis e da solidariedade global. A falta de confiança entre os países e
organizações, assim como a avalanche de notícias distorcidas, acarreta mais
pensamentos isolacionistas nos governos e medidas preventivas de saúde mais tardias,

7
já que não se acredita que outras nações vão nos socorrer numa crise econômica
eminente. Neste sentido o cooperativismo, em uma escala micro de análise, tem a
vantagem de ser um modelo de negócio confiável.
Partindo de um cenário micro nas cidades, o incentivo por parte do governo
municipal e estatal de cooperativas em todos os setores informais se mostra uma
estratégia primordial para o combate a calamidade pública em países subdesenvolvidos
como o Brasil. Por conta da crise do Covid-19, muitos trabalhadores do mercado
informal alimentício, principalmente feirantes, estão enfrentado grandes dificuldades
para sobreviverem, ficando a espera de incentivos advindos do governo federal e estatal
para poderem prover suas famílias, já que a única forma de comércio, neste momento,
se canaliza quase que 100% para as vendas online.
O decreto XXX do governo do estado do Pará caracateriza as feiras como
“atividade essencial”, já que é provedora de alimentos para a população, porém igorar
que estes locais se apresentam com uma aglomeração significativa de pessoas, sem
qualquer atenção aos procedimentos exigidos pela OMS para o combate ao vírus, é no
mínimo contraditório permitir o funcionamento destes lugares em meio a necessidade
prevalente do isolamento social.
Deste modo, voltamos para ao atual debate no país sobre saúde versus
economia. Como manter a atividade desses trabalhadores? Como conseguir que seus
produtos cheguem ao consumidor final? A reposta está em tranformar as vendas
presenciais em vendas online.
Levando em consideração a baixa escolaridade de muitas pessoas deste setor
(feirantes), a inserção repentina e sem nenhuma preparação prévia em um mundo digital
nos negócios, se torna complicado. Logo, surge a necessidade de políticas públicas
direcionadas a este setor no sentido de incentivar a assossiação e/ou criação de
cooperativas, com treinamento especializado para a incersão das mesmas nos meios
digitais. Esta é a única ferramenta que sustenta a economia em meio a uma política de
isolamento social.
Alguns feirantes da cidade de Belém já conseguiram criar um atendimento via
whats app, assim como em São Paulo, onde algunso feirantes conseguiram criar um
sistema de delivery. Porém cada um tentando criar alternativas isoladamente, e ainda de
uma forma muito incipiente, já que estão respondendo a uma situação econômica e
social nova. Também vale ressaltar, que essa não é a realidade da grande maioria dos
feirante do país.

8
Contudo, para que a estratégia das cooperativas de feirantes e pequenos
comerciantes funcione, muitos aspectos precisam ser devidamente desenvolvidos. E
podemos começar citando a comunicação entre governo municipal e as cooperativas.
Dentro de um sistema político macro, identificar como ocorre esta comunicação é
fundamental para que os subsistemas possam interagir e se desenvolver. Para Schwartz
e Clam (2005, p.7), “ sociedade é comunicação” e “ tudo que se comunica faz parte da
sociedade ou é sociedade”.
Segundo Esteves (1992, p. 5) a comunicação, na visão luhmaniana, tem como
objetivo principal “produzir a eficácia simbólica generalizante que torna possível a
regularização da vida social sob a forma de uma organização sistêmica e, ao mesmo
tempo, cria condições de estabilidade favoráveis a este tipo de organização social e ao
seu desenvolvimento”.
Nessa perspectiva, ainda segundo Esteves (1992), a comunicação é vista como
“um processo eminentemente seletivo – intrinsecamente seletivo, já que a própria
comunicação é um processo de seleções que se desenvolve a três níveis: produção de
um conteúdo informativo difusão e aceitação desse mesmo conteúdo”.
O governo municipal seria o responsável por produzir esta comunicação e
dinfundi-la e às cooperativas caberia a aceitação. Somente através desta comunicação, o
sistema das cooperativas teriam como reduzir sua complexidade e alcançar uma
estabilidade. Essa comunicação seria através de consultorias e capacitação dos
envolvidos em relação a tudo que envolve criar e manter uma cooperativa de pequenos
comerciantes.
No município de Paragominas é possível perceber a evolução das cooperativas
dos produtores rurais com o incentivo da Secretaria Municipal de Agricultura
(Semagri). Inúmeras são as cooperativas formadas no município, entre elas está a
Cooperuraim, uma entidade que foi criada para fortalecer os agricultores em relação a
comercialização e verticalição de seus produtos, com apoio e incentivo da Semagri. O
incentivo vem através de cursos, treinamentos, palestras, facilitação na comercialização
de matéria prima como por exemplo lona para estufa e adubos, assim como a
comercialização dos produtos por um preço melhor. Outro ponto que melhorou foi
comunicação entre os produtores, facilitando aa troca de uma mercadoria, ou seja,
quando um produtor não possui determinado produto este troca seus produtos com outro
assossiado para atender a cooperativa ou clientes externos ( SEMAGRI, 2018).
Além de benefícios econômicos, o processo cooperativista em si traz o
amadurecimento de seus membros. Aprende-se a elaborar aspróprias regras de

9
conduta e a segui-las; a dialogar e a trocar idéias de forma produtiva; a ajudar
e serajudado; a conviver com pessoas com histórias de vida tão distintas; que a
abstenção prejudica todo ogrupo; que com união se conquista mais do que a
sobrevivência material, mas o poder de determinar arealidade que se quer viver.
Esta pandemia não foi a primeira e nem será a última que o mundo irá
enfrentar, porém os ensinamentos que irá nos deixar devem ser processados e
executados da melhor forma possível para que na próxima onda estejamos mais
preparados e as camadas mais desfavorecidas da sociedade não sejam tão afetadas. Para
colher bons frutos no futuro, pessoas e empresas precisam se preparar. Transformação,
coolaboração, inovação, confiança, empatia e impacto. Essas são palavras- chaves para
quem quiser trilhar caminhos de sucesso nos próximos anos tanto em termos
economicos locais como em relação as próximas crises sanitárias que o mundo irá
enfrentar.

BARQUERO, A. V. Desenvolvimento Endógeno em tempos de globalização.


Tradução: Ricardo Brinco. Fundação de Economia e Estatística, 2001.
OCB. Organização das Cooperativas Brasileiras. Revista saber cooperar, n. 28,
nov./dez. 2019.
HARARI, Yuval Noah. Na batalha contra o coronavírus, faltam líderes à humanidade.
Companhia das Letras, 2020.
ESTEVES, João Pisarra. Apresentação. In: LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da
Comunicação. Lisboa: Vega-Passagens, 1992, p.5-36.
SCHWATZ, Germano; CLAM, Jeam. Introdução à teoria do sistema autopoiético de
direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005.
SCUCATO, Ronaldo. Vantangens do cooperativismo em tempos de crise. Agroanalysis,
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SEMAGRI. Secretaria Municipal de Agricultura de Paragominas. Poder Municipal
incentiva a criação de cooperativas no âmbito da agicultura familiar. Disponível em: <
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poder_municipal_incentiva_a_criacao_de_cooperativas_no_ambito_da_agricultura_fam
iliar_> Acesso em 02 abr. 2020.
SOUSA, Letícia Pulcídes de. Cooperativismo: conceitos e desafios à implementação da
economia solidária. Revista Vitrine da Conjuntura, v. 02, n. 02, abr. 2009.

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