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Revista Latino-Americana de História

Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial


© by PPGH-UNISINOS

O Imperialismo e a aula de História.


Fábio Rosa Faturi*

Resumo: Hoje quando somos tentados a pensar no continente africano rapidamente


formamos uma imagem estereotipada de unidade, miséria e atraso. Esta imagem hoje
naturalizada não é a que possuíam diferentes sociedades, em diferentes momentos da história,
é fruto de um processo de construção social. Percebemos desta forma que houve uma
construção da imagem de África, artifício que consideramos ter intrínseca relação com o
imperialismo europeu do século XIX. Este artigo, que mais lança questões do que conclusões,
propõe abordar os elementos que conduziram a esta construção imagética. Analisando
também a forma como o livro didático aborda este tema conduzindo a continuidade desta
imagem; apontamos possibilidades para os professores conduzirem uma discussão a cerca
deste assunto com maior propriedade e adotando destarte uma postura afrocentrada.
Palavras chaves: Ensino de História. História da África. Afrocentrismo

Abstract: Today when they intented are to think in the Africa quickly, make a stereotyped
form of unit, misery and backwardness. This image naturalized today not that had different
societies at different times in history, is the result a process of social construction. Realize that
there was a construction of the image of Africa, artifice that we consider intrinsic relationship
with the nineteenth-century European imperialism. This article, which casts more questions
than conclusions, proposes to address through the factors that led to this construction imagery.
Also analyzing how the textbook addresses this issue leading to continuity of this image;
pointed possibilities for teachers to conduct a discussion about this topic with greater
ownership and adopting a posture afrocentred.
Keywords: History Education. History of Africa. Afrocentrism

Primeiras notas
Este trabalho pretende reunir uma série de discussões que se centram, de maneira
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geral, na questão do ensino de história da África. No contexto em que completarmos uma


década da obrigatoriedade do ensino deste conteúdo cabe-se discutir os avanços e retrocessos
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visíveis no tocante a este assunto, e mais ainda, perceber os pontos que dificultam uma real e
proveitosa apreensão deste conteúdo por parte dos discentes.
Parto da consideração de que a imagem recorrente de África, tanto nos bancos
escolares quanto disseminada na sociedade pelos meios de comunicação é uma imagem
estereotipada. Este continente é marcado essencialmente pelo estigma da pobreza, do atraso e
da unidade. Todavia, a esta imagem que hoje se apresenta de forma naturalizada podemos
contrapor as que possuíam gregos entre os séculos VI a. C e II, ou ainda as populações
medievais e os ibéricos do século XV e XVI.
Este trabalho pretende em sua parte inicial apontar alguns traços deste processo de
criação de primeiras impressões da África. Empreenderemos inicialmente uma breve análise
das considerações a respeito do continente em diferentes tempos históricos: como este era
percebido, quais características eram-lhe atribuídas. Dado este quadro, empenhar-nos-emos na
discussão a respeito do momento em que consideramos ocorrer à mudança fundamental da
caracterização da África: o Imperialismo do século XIX.
A segunda parte deste trabalho é dedicada a ponderações a respeito de como esta
temática vem sendo trabalhada na sala de aula. A partir da análise de um livro didático
propomos espaço para a atuação do professor, visando a problematização desta imagem hoje
recorrente e contribuindo acrescentando a literatura escolar elementos que vem sendo
desenvolvidos nas discussões mais recentes sobre a temática.

As várias Áfricas
Se hoje quando buscamos construir imagens relacionadas a África somos tentados
imediatamente a procurar retratos de miséria na totalidade do continente, devemos perceber
que na antiguidade este continentes despertava a imaginação de escritores e soberanos.
Na antiguidade clássica, Heródoto relata uma expedição marítima1 ocorrida em
meados do século VI a.C onde fenícios circulam à Líbia (sic). Estas viagens eram
importantes, “pois o Egito dependia materialmente da venda de determinados produtos
africanos” (UNESCO, 2010, p. 112). Após 2 anos estes viajantes regressaram, “foi assim que
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se obteve as primeiras informações sobre a Líbia” (ibdem, p.114) – referindo-se nesse


contexto a totalidade do continente africano. Assim, já no primeiro relato em que
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Estamos nos referindo à expedição ocorrida entre – 610 e -595 durante o reinado do Faraó Necau II (LICHT,
1986, p 18)
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encontramos referencia as regiões do continente africano podemos perceber a importância da


produção desta região, e das trocas a serem estabelecidas. Este termo revela o caráter com que
estas terras eram incorporadas, estabeleceriam se trocas, uma relação horizontal de igualdade
entre os estados soberanos.
O cartógrafo grego Claudio Ptolomeu por sua vez, no século II conferia a proximidade
do continente africano à linha do equador “um efeito devastador nas características atribuídas
ao meio ambiente e aos traços físicos e culturais dos seres que habitavam a região” (OLIVA,
2008, p 16). Mais do que isso, devido ao calor intenso causado pelo forte impacto do sol, suas
populações seriam negras. Acrescenta-se ao quadro inicialmente esboçado, as particularidades
da população que ocuparia esta região.
Durante a Idade Média na Europa, não havia uma forma comum para denominar o
continente africano. Segundo Oliva, “as expressões mais recorrentes utilizadas para referir-se
a ele eram Aethiopia, Africa e Sudan” (idem). Neste período em que o imaginário era
influenciado pela cristandade, percebe-se o desenvolvimento da ideia de que a cor negra (da
população autóctone do continente) representaria a escuridão, o pecado e a maldade, processo
que pode ser acompanhado ao se analisar as representações cartográficas do período.
Esse conjunto de crenças acabou por reforçar a posição de
desprestígio geográfico que a tradição grego-romana já havia concedido à
África. Um dos eixos condutores das relações estabelecidas entre os
africanos, europeus e, a partir do século VII, os árabes parece ter sido,
novamente, o estranhamento em relação às características físicas dos
povos negro-africanos e de suas práticas culturais. No entanto, as
explicações ou justificativas para elucidar as origens do principal signo
da diferença africana – a cor negra da pele de suas populações –
receberam novas dimensões. Se o argumento grego baseava-se na
condição climática, as teorias medievais apoiar-se-iam na relação entre o
material e o espiritual, para justificar a cor negra dos africanos (idem, p.
24)

No século X, Al Masudi, conhecido como o Heródoto árabe, alude à atividade


comercial entre nativos do golfo pérsico e os zanj, como eram denominados os africanos,
ressaltando a importante atividade comercial que se desenvolvia em ritmo próprio no norte do
continente africano. Importante comércio que levou ao desenvolvimento de grandes reinos
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como Gana e Mali na região sudanesa e o Monomotapa na região centro-oriental. É relevante


destacarmos que o imaginário europeu era alimentado, em contraponto a imagem anterior,
pelos relatos da prodigiosidade destes reinos. O Mali ocupava lugar privilegiado dentre estes,
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principalmente após a chegada à Europa dos relatos da peregrinação à Meca empreendida em


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1324 pelo soberano do Mali, Mansa Mussa2. A reprodução do Mansa no Atlas Catalão em
1375 (conforme Figura 1), segurando uma pepita de ouro é extremamente significativa - e
simbólica; de poder, riqueza e respeito, por parte dos europeus responsáveis por esta
produção.

Figura 1: Reprodução do Mansa Mussa no Atlas Catalão – 1375

A possibilidade de riqueza, principalmente a busca pelo ouro, animavam os reis


ibéricos a empreenderem viagens marítimas. Neste momento então, a África alimentava
possibilidades de conquistas e ganhos extraordinários. Devemos perceber todas esta visões
expostas sobre a África, como resultantes de um momento em a África ainda não existia, ou
seja, a formação discursiva imagética que conhecemos (MELO, s;a, p.53) sobre este
continente.

O imperialismo e a imagem do continente Africano


Conforme podemos acompanhar, até o despertar da era colonial moderna era comum
encontrarmos imagens positivas sobre a África. Árabes e europeus descreveram as formas
políticas africanas altamente elaboradas e socialmente aperfeiçoadas, entre as quais se
alternavam “reinos, impérios, cidades-Estado e outras formas políticas baseadas no
parentesco, como chefia, clãs, linhagens” (RIBEIRO, 2008, p. 29).
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Será sobretudo a partir do imperialismo que essas imagens “simpáticas” e


tranquilizadoras começarão a dissipar-se. A infância inocente foi substituída pela imagem de
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Segundo Ribeiro, “nessa peregrinação, conta-se que sua prodigalidade nos gastos e despesas com ouro foi tal
que, devido à quantidade despendida, o valor do metal caiu, e os níveis de então só foram retomados doze anos
depois” (RIBEIRO, 2008, p. 33).
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sub-humanos para facilitar a operação de sujeição, as belezas naturais desapareceram e foram


substituídas pelos horrores da selva, da barbárie e do atraso, os povos tornaram-se sem
cultura, sem história, sem identidade. Reinos e Impérios foram substituídos pelas tribos
primitivas em estado de guerra permanentes, umas contra outras, para justificar e legitimar a
missão civilizadora.
Neste sentido, é importante realizarmos um movimento conjunto: atentando para como
este conteúdo esta presente hoje nos livros didáticos de História, analisar o Imperialismo
europeu na África pautado em um debate historiográfico que consideramos contribuir
substancialmente para o questionamento da imagem de África que hoje possuímos
cristalizada.
O livro que tomamos como objeto de análise nesse espaço é o terceiro volume da
coleção Novo Olhar3. A escolha credita-se ao fato deste ser o livro utilizado ao longo do
estágio que realizei em três turma do Ensino Médio na rede pública de Porto Alegre – Rio
Grande do Sul, e ter sido esta a literatura impulsionadora dos questionamentos que me
motivaram a empreender esta escrita. Cabe deste cedo mencionar que todas as considerações
que serão realizadas sobre o livro e o conteúdo deste, tem como marco que o livro didático “é
portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura transmitindo
estereótipos e valores dos grupos dominantes” (BITTENCOURT, 1997, p.27) e que
preocuparemo-nos nesta análise especificamente no tocante à África.
O conteúdo relacionado ao imperialismo ocupa 5 páginas e integra a unidade
denominada “A industrialização e a expansão imperialista”. Inicialmente defini-se
imperialismo como resultado do desenvolvimento industrial que levou as grandes potencias a
empreenderem a divisão de territórios da África, para após apresentar o imperialismo no
continente africano, sempre ressaltando o papel desempenhado pelos europeus frente a inércia
da população nativa, realizando-se desta forma a partilha da totalidade do território africano 4.
Apresenta-se desta forma o continente africano como continuidade do continente europeu,
negando-lhe uma história anterior e a própria ação nesta situação5.
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3
PELLEGRINI, Marcos, DIAS, Adriana e GRINBERG, Keila. Novo Olhar História – Volume 3. São Paulo,
FTD, 2010.
4
A exceção da Libéria e da Etiópia que permaneceram independentes, todo o continente foi formalmente
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dividido (HOBSBAWM, 2002).


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Nos volumes anteriores a esta coleção, o continente aparece na Unidade Antiguidade e quando se aborda a
escravidão no período colonial.
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Acreditamos tornar-se assim necessário analisar a partilha da África a partir de uma


perspectiva africana para que consigamos questionar a imagem hoje disseminada. Este
esforço a historiografia africana já propusera em 1893, remetendo a partilha do continente ao
constante processo de colonização que já durava mais de 300 anos, admite-se a dimensão
econômica, embora esta não desempenhe o papel central na análise. Novamente na década de
1930, acentuou-se a importância dos fatores africanos locais da partilha, tratando a África
como uma unidade histórica. Embora esta respondesse a rivalidade econômica das potencias
industrializadas, ela constituía uma importante fase da relação entre a Europa e a África.
Hardy por sua vez acreditava que a resistência africana à presença européia precipitou a
partilha (UZOIGUE, 2010, s/p).
Dentre os autores que compartilham esta perspectiva destaco Godfrey Uzoigue, para
quem a explicação da partilha da África deve levar em consideração tanto fatores europeus
como os africanos, pois estes se complementam, entretanto não é esta a perspectiva
compartilhada pelo livro analisado. Deve-se ainda rejeitar a idéia de que a conquista e a
partilha eram inevitáveis, devem sim, ser consideradas como conseqüência lógica de um
processo de devoração da África pela Europa iniciado bem antes do século XIX (idem). Desta
forma, foram motivos essencialmente econômicos que motivaram os europeus e por sua vez a
resistência africana que precipitou a conquista. Sendo assim, consideramos que a assim
chamada teoria da dimensão africana oferece um melhor quadro global e histórico que leva a
uma melhor compreensão da partilha e deste contexto histórico, entretanto esta não é a
recorrente nos livros didáticos, que tratam a partilha como o inevitável desdobramento do
desenvolvimento industrial europeu.
Para esclarecer este quadro, fornecendo elementos para a construção de uma aula que
leve em consideração os objetivos acima proposto, poderíamos acrescentar os motivos que,
conforme Ranger (2010) explicam por que as potencias européias conseguiram conquistar a
África – de maneira rápida. Na realidade, a situação era favorável aos europeus sob todos os
aspectos:
 Graças às atividades dos missionários e exploradores os europeus haviam tomado
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conhecimento a respeito da África e do interior do continente;


 Tendo em vista o desenvolvimento tecnológico no domínio da medicina, agora, temia-
se menos a África (descoberta de remédios contra a malária e outras doenças
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possibilitavam explorações do continente).


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 Em conseqüência da natureza desigual do comércio entre Europa e África até 1870 e


mais tarde também, bem como o intenso ritmo da Revolução Industrial, os recursos
financeiros e materiais dos Europeus eram superiores, esses possibilitavam o
empreendimento de tais campanhas ultramarinas.
 Também se deve ter em mente que o período imediatamente anterior foi marcado por
um período de estabilidade na Europa, enquanto que na África foi um período de
intensos conflitos e rivalidades. Assim, ao passo que a Europa concentrava seus
exércitos na luta pela conquista, estes estados muitas vezes estavam também,
envolvidos em conflitos intra e inter-estatais; ainda, as potencias européias conviviam
pacificamente, demonstrando certo espírito de solidariedade6, o que impediu que os
lideres africanos colocassem em oposição líderes europeus, por sua vez, a conduta dos
países africanos foi marcada pela falta de unidade e de cooperação.
Outro fator determinante ainda foi à existência de um exército profissional por parte
dos europeus, que demonstram uma incrível superioridade logística e militar, visto que
podiam ainda, recrutar mercenários ou ainda africanos, conferindo também uma superioridade
numérica. Por ora ainda cabe ressaltar que desde 1890 as nações européias haviam se
comprometido a não mais vender armas para aos africanos
Paradoxalmente, e este elemento merece destaque na abordagem, se a ocupação pelos
europeus era claramente irreversível ainda era altamente resistível (devido a força das
populações africanas e porque a Europa não empregou a totalidade da força (homens e
tecnologia que poderia empregar). Diminuía-se a escassez de homens recrutando africanos,
retomando-se assim, estratégias utilizadas pelos antigos impérios. Os europeus enfrentaram
uma série de resistências, que provocaram ou inventaram por pura ignorância, apesar de
argumentarem a existência de uma aceitação, uma pax colônia. Entretanto, a vitória dos
europeus não significa que a resistência africana não tenha tido importância, conforme conduz
a crer o texto do livro.
A oposição ao imperialismo ocupa na obra analisada somente dois parágrafos de
considerações. Sendo exemplar a seguinte passagem: “Não África, o conhecimento de novas
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táticas de guerra aprendidas com os conquistadores europeus e aquisição de armas mais


potentes possibilitaram aos habitantes autóctones, resistirem aos invasores europeus”
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A Conferencia de Berlin realizada em 1895 é exemplar neste sentido, líderes com interesses imperialista
reúnem-se para diplomaticamente dividirem um continente inteiro (RANGER, 2010, p. 323).
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(PELLEGRINI:DIAS:GRINBERG, 2008, p. 19). Podemos perceber que ainda que os europeus


sejam qualificados como invasores, o que realmente são, a resistência africana ao
imperialismo é decorrente tão somente do conhecimento de novas táticas de guerra aprendidas
com os conquistadores europeus.
O segundo parágrafo expõe que: “a resistência dos nativos não se deu somente por
meio da luta armada. Outras formas de oposição ocorreram, como sabotagens de
equipamentos e destruição de meios de transportes, plantações e armazéns” (idem). Ao
apresentar as outras formas de resistência os autores atentam somente para as mais visíveis e
de certa forma, que foram mais impactantes para os europeus.
Seria interessante o professor acrescentar a esta análise conforme sugerem as
pesquisas desenvolvidas a esse respeito 3 postulados no tocante a resistência africana ao
imperialismo : i)afirmar que a resistência africana era importante, provando desta forma que
os africanos não haviam se resignados a pacificação, ii) demonstrar que estas resistências na
maioria das vezes eram movidas por ideologias racionais e inovadoras7 e iii) expondo que os
movimentos de resistência não eram insignificantes, demonstrar a grande importância e
conseqüências importantes no seu tempo, e ressonância até hoje 8.
Devemos compreender que esta analise que pode ser encontrada nesta obra analisada e
na grande maioria dos livros deve-se à característica eurocêntrica predominante na história
escolar. Enquanto ideologia o eurocentrismo abstraiu os elementos comuns a muitos grupos
étnicos articulando uma visão generalizada a partir de suas referências clássicas: as
civilizações grega e romana. Propõe-se neste espaço a adoção de um Afrocentrismo, que
consiste basicamente na construção de uma perspectiva teórica radicada na experiência
africana. Esta difere da primeira porque propondo o resgate e a reconstrução de um centrismo
africano, não impõe uma postura universalista. Conforme Vieira (2006):
A tarefa acadêmica afrocentrada consiste em estudar, articular e afirmar
aquilo que diferencia o ponto de vista africano, identificando ao mesmo tempo,
os postulados supostamente universais do eurocentrismo (VIEIRA, 2006, p12).

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Este ponto possibilita que se teçam paralelos com a situação no Brasil durante o início do período republicano,
quando, frente a uma série de mudanças (de ordem política no Brasil e de âmbito cultural, político e econômico
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no continente africano) desenvolve-se uma série de movimentos de caráter milenaristas que propõe formas de
integração destas populações às mudanças que ocorreram na sociedade. Igualmente, a principal ideia motivadora
das resistências era o principio de soberania, que possibilita uma discussão extremamente produtiva com os
alunos.
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É interessante neste momento conduzir uma discussão a respeito das interpretações que são realizadas hoje
sobre estes movimentos, o que possibilita os alunos desenvolverem uma pesquisa relacionando elementos da
prática do historiador, construindo o conhecimento.
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Hoje os currículos universitários dos cursos de licenciatura em história estão em um


processo um tanto quanto inicial de pesquisa e produção a respeito do tema e até mesmo de
oferecimento de disciplinas desta temática. Neste cenário, muitas vezes os livros didáticos
surgem como enunciadores privilegiados desta temática que os professores não tiveram
contato durante a graduação. Entretanto, esta literatura conforme expomos brevemente acima
ainda não conseguiu incorporar alguns elementos que consideramos relevantes no debate
atual da temática, ou se desvencilhar de um discurso eurocêntrico de inevitavelmente conduz
a perpetuidade de uma imagem estigmatizada do continente africano. Por isso o título um
pouco ambíguo deste texto: imperialismo e a aula de história, da mesma forma que tratamos
desta temática, se furtarmo-nos da tarefa de empreender uma pesquisa séria para tratarmos
este conteúdo em aula, nossa discussão resultará no enunciado de postulados imperialistas.

Ultimas palavras
Ao longo deste trabalho tentou-se afirmar que o imperialismo foi o contexto onde se
fundamentou a mudança na maneira de se perceber e representar o continente africano.
Imagens pejorativas geradas neste período contribuem para alimentar o estereótipo que hoje
emana a África. A obrigatoriedade de tratar da História da África e da cultura Afro reveste-se
de maior importância ainda, frente a este desafio de, ao menos, questionarmos esta imagem.
Contudo, conforme expomos muitas vezes este espaço acaba também reproduzindo, e
contribuindo para a continuidade desta imagem. Pereira (2009) frente a este contexto fala da
necessidade de se realizar dois movimentos distintos, mas simultâneos. Ao passo que se faz
necessário ampliar o acesso de estudantes e professores de história a História da África,
trabalho este desenvolvido pela pesquisa universitária; o segundo movimento é político, “uma
vez que os professores precisam sentir a importância dessa história para a formação do aluno”
(PEREIRA, 2009, p. 6).
Sendo a pesquisa em História da África um campo relativamente recente no Brasil, no
estado ainda mais, somando-se à grade curricular eurocêntrica que podemos perceber como
predominante nos cursos de licenciatura em História monta-se o quadro que tem gerado
1022

imagens minimizantes em relação à história da África. Entretanto, os professores mais do que


atentar para as dificuldades acima mencionadas, deve perceber esta obrigatoriedade da
tratativa da temática como um desafio e um convite. Um desafio questionar o currículo
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conforme esta estruturado, tencionando os conteúdos e inserindo novas contribuições. E um


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convite para a produção e pesquisa, dado que temas instigantes a respeito do continente
africano, e a própria possibilidade de perceber a história a partir de um outro centro – até
mesmo questionar a necessidade da existência de um centro! – colocam-se como novos
elementos para contribuir para o currículo escolar.

Referencias
Artigos periódicos:

MATHIAS, Carlos. O ensino de História no Brasil: contextualização e abordagem


historiográfica. História Unisinos. N. 15, 2011.

MELO, Marcos Souza. Novas perspectivas para o Ensino de História da África: uma conversa
sobre legislação, Fernand Braudel e Flávio Josefo. Revista Eletrônica de Antiguidade.
NEArco. Vol. I, n.6, s/a.

PEREIRA, Nilton. As representações do Outro nos livros didáticos de História, no Brasil e na


Espanha: uma leitura inicial. Revista Iberoamericana de Educación (Online), v. 50, 2009.

VIEIRA, Francisco. Do Eurocentrismo ao Afropessimismo: reflexões sobre a construção do


imaginário da África no Brasil. In Revista Debates. Rio de Janeiro, EdPUC-RJ. 2006

Figura:

https://en.wikipedia.org/wiki/File:Mansa_Musa.jpg acesso em 22 de julho de 2013.

Livros:

LICHT, Henrique. O remo através dos tempos. Porto Alegre, CORAG, 1986.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2009.

Livros em co-autoria
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PELLEGRINI, Marcos, DIAS, Adriana e GRINBERG, Keila. Novo Olhar História –


Volume 3. São Paulo, FTD, 2010.
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Capítulos de livros
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BITTENCOURT, Circe. “Livros didáticos entre textos e imagens”. BITTENCOURT Cicer


Bittencourt (org). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997.

OLIVA. Anderson. Os africanos no imaginário medieval. Noticias sobre a África entre os


séculos VII e XVI. In: MACEDO, J. Rivair, Viajando pela África com Ibn Battuta. Porto
Alegre, Vigraguas, 2008.

RANGER, Terence. Iniciativas e resistência africana em face da partilha e da conquista. In


História Geral da África Vol 7. UNESCO, 2010

RIBEIRO, Luiz Dario. A África antes do século XV: os grandes reinos. In: MACEDO, J.
Rivair, Viajando pela África com Ibn Battuta. Porto Alegre, Vigraguas, 2008.

UZOIGUE, Godfrey. Partilha europeia e conquista da áfrica: apanhado geral. In História


Geral da África Vol 7. UNESCO, 2010

Recebido em Julho de 2013

Aprovado em Agosto de 2013

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