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Dançando

Com os Anjos

Índice
1 – Depressão

Eu não me rendi, só não tinha mais forças para lutar e fui vencida. Nunca
entendi porque não me mataram, sabiam o que eu era, poderiam ter me
queimado como tantas outras. Mas, não, levaram me para dentro de um enorme
prédio.
Caminhar naqueles corredores insossos era doloroso e pavoroso. Não se tratava
de ser presa, era algo especial, que exigia outro tipo de equipe, que eu lutava para
tentar enxergar da traseira do carro. Eu não tinha feito nada afinal, estava
assustada.
Prenderam-me numa maca e disseram que estava “tudo bem”, enquanto eu
pensava se tratar de tráfico de órgãos ou algo parecido. Os pulsos apertados
pelas fitas incomodaram-me. Queria gritar, mas minha boca estava tapada.
Via apenas seus olhos por debaixo da máscara, de um azul tão intenso quanto o
mar de verão. Isso chamou-me a atenção porque ele não parou de me olhar por
um momento. Parte do procedimento ou não, a última coisa que vi antes de
apagar com a anestesia foi aqueles olhos azuis.
Acordei com o quarto onde estava se formando lentamente em minha retina,
estava confusa, não sabia onde estava e por quê estava ali. O ar era puro
oxigênio, há muito tempo não respirava tal ar, meus olhos marejaram com a
emoção de me lembrar do que era o ar.
Era ainda uma Adaptada, pessoas que conseguem respirar na atmosfera tóxica
da terra. Algumas tempestades devem ser evitadas ou é morte na certa, outras
não são tão perigosas, mas é sempre bom evitar qualquer tempestade em
qualquer lugar.
Lembrava do barulho da tempestade e de como gostava dele. “Alexia é o meu
nome”, sussurrou para si mesma. A confusão se diluía aos poucos e se lembrava
de um fragmento ou outro sobre como foi parar ali. Os olhos azuis, agora sem
máscara, veio examiná-la.
— O que estou fazendo aqui? - Perguntei.
— Sendo aperfeiçoada.
— Está falando da mutação?
— Sim.
— Eu não estou interessada.
— Alexia, você não tem escolha. Se há algo que algum ser humano pode fazer,
todos podem fazer.
— Não com um açougueiro me cortando aos pedaços.
— Se soubermos que tipo de mutação ocorreu em vocês é possível que possamos
fazer algo no DNA das pessoas e milhares de não adaptados podem ter a chance
de sobreviver.
— Com a quantidade de cabos espalhados pelo meu corpo, acredito que já sofri
no mínimo uma lobotomia.
— Só está confusa por causa do efeito da anestesia.
Ela recostou a cabeça no travesseiro, esticando o braço para alcançar o controle,
olhou para o lado, onde havia várias camas e pessoas como ela, num grande
galpão fechado por todos os lados por fortes paredes de vidros, o que permitia
que médicos nos observasse de longe.
Questionava o descaso com o qual éramos tratados, alguns começaram a ser
amputados para ver se era possível que o membro crescesse e todo tipo de
loucura. Queria ver e saber o que podíamos fazer e às vezes isso era muito
doloroso.
Se os melhores não são tratados bem, imagine o que acontece com pessoas
medianas como eu, só queria deixar aquele lugar antes que estivesse empalhada.
Contudo me mover era doloroso e a máquina apitava toda vez que eu tirava um
cabo de meu corpo.
Houve tensão entre eu e a enfermeira e depois todo o grupo que se formou no
quarto, inclusive médicos. Tomei uma injeção e fui levada a outro quarto, onde
fiquei presa, trancada e sozinha. Foi bom ao final, estava precisando dormir.
Ele estava sentado ao lado da minha cama quando eu abri os olhos, ainda
amarrada pela camisa de força. Sentia-me meio enjoada e acontecia com tanta
frequência que não mais me importava. Ele acariciou meu cabelo e senti-me
receosa quanto a ele. Quem era aquele homem?
— Eu saio viva daqui? - Perguntei tentando parecer despojada.
— Não sei. Nesse momento está com um objeto dentro de você te monitorando,
ele pode dar alguma reação alérgica, mas esperamos que não. Não temos a
intenção que você morra, nem que corra perigo desnecessário lá fora. Vou cuidar
da sua saúde, não se preocupe.
— Não tinha que cuidar dela até que vocês decidiram me abrir.
— Fato! Contudo tudo em você é diferente agora, até mesmo a cor do seu sangue,
usei sua amostra para apresentar um tipo novo de sangue. Mesmo o outro que
está aqui tem uma coloração escura, quase preta, no sangue e vamos estudar
para saber se é do mesmo tipo que o seu.

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