Você está na página 1de 183

PUBLICAÇÃO

TRIMESTRAL Nº 3 – (XXII) – Julho - Setembro 2004 ISSN 0870-8231


ASSINATURA ANUAL:

Individual .....€ 29,93

Instituições ...€ 39,90


SUMÁRIO
Nota de Abertura ............................................................................................... 439
José A. Carvalho Teixeira

Psicologia da Saúde .......................................................................................... 441


José A. Carvalho Teixeira

Psicologia da Saúde, saúde pública e saúde internacional ......................... 449


Margarida Gaspar de Matos

Promoção da saúde: O renascimento de uma ideologia? ............................. 463


Maria do Rosário Dias / Alexandra Freches Duque / Margarida Guerreiro Silva/
/ Estrella Durá
Significações leigas de saúde e de doença em adultos ................................ 475
Joaquim Reis / Fernando Fradique

Intervenção desenvolvimentista em psicologia da doença .......................... 487


L. Joyce-Moniz / Luisa Barros

Quando e porquê começam os estudantes universitários a fumar: Impli-


cações para a prevenção .................................................................................. 499
José Precioso

A abstenção tabágica: Reflexões sobre a recaída ........................................ 507


Marina Prista Guerra

Comportamento parental na situação de risco do cancro infantil ............... 519


Rita Gomes / António Pires / Maria de Jesus Moura / Liliana Silva / Sofia Silva /
/ Mónica Gonçalves
Abordagem psicológica da obesidade mórbida: Caracterização e apre-
sentação do protocolo de avaliação psicológica ........................................... 533
Luzia Travado / Rute Pires / Vilma Martins / Cidália Ventura / Sónia Cunha

Utentes da consulta externa de grávidas adolescentes da Maternidade


Júlio Dinis entre os anos de 2000 e 2003 ....................................................... 551
Bárbara Figueiredo / Alexandra Pacheco / Rute Magarinho

Diferenças do valor preditivo da Teoria da Acção Planeada na intenção


de adoptar comportamentos preventivos para o cancro de pele: O papel
do optimismo e da percepção da doença em indivíduos saudáveis ....... 571
Maria João Figueiras / Nuno Correia Alves / Carlos Barracho

Auto-eficácia na diabetes: Conceito e validação da escala ............................. 585


Maria Graça Pereira / Paulo Almeida

Dificuldade em perceber o lado positivo da vida? Stresse em doentes dia-


béticos com e sem complicações crónicas da doença ................................. 597
Isabel Silva / José Pais-Ribeiro / Helena Cardoso
LEITURAS ........................................................................................................... 607
NOTAS DIDÁCTICAS
Comunicação em saúde. Relação Técnicos de Saúde – Utentes ........... 615
José A. Carvalho Teixeira

O demente, a família e as suas necessidades ............................................. 621


Filomena C. Bayle

NOTÍCIAS DE COLÓQUIOS, CONGRESSOS, SEMINÁRIOS .......................... 629


CALENDÁRIO DE COLÓQUIOS, CONGRESSOS, SEMINÁRIOS .................... 631
REVISTAS RECEBIDAS ..................................................................................... 633
Nota de Abertura

A investigação em psicologia da saúde é hoje uma área científica bem consolidada em Portugal,
como ficou recentemente demonstrado no 5.º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde – A psico-
logia da saúde num mundo em mudança e na V Conferência Psicologia nos Cuidados de Saúde Pri-
mários – Psicologia, promoção da saúde e prevenção, duas reuniões científicas nacionais amplamente
participadas, que se realizaram em 2004. Acompanhamos assim o forte movimento de desenvolvi-
mento da psicologia da saúde que se regista na Europa.
A publicação deste número temático ocorre dois anos após o início de grandes mudanças no sector
da saúde em Portugal, nomeadamente uma reforma que está em curso e que tem sido insuficien-
temente debatida, em especial nas influências que poderá vir a ter no bem-estar e qualidade de vida
dos cidadãos utentes dos serviços de saúde. Não é este o local próprio para esse debate, mas é dese-
jável que a investigação realizada no âmbito de uma importante ciência da saúde como é a psicologia
da saúde tenha em conta o contexto organizacional, social e político onde se insere.
Desde há mais de uma década que a revista Análise Psicológica tem publicado com regularidade
números temáticos directamente relacionados com a investigação psicológica na saúde e na doença,
designadamente sobre Psicologia da Gravidez e da Maternidade (1990), Psicologia e Saúde (1992),
Psicologia, Saúde e Doença (1994), Saúde e Reabilitação (1996), Psicologia Pediátrica (1998), Gra-
videz e Interrupção de Gravidez (1998), Psicologia da Saúde (1999) e Comportamento e Saúde (2002).
Com mais este número temático sobre Psicologia da Saúde que agora se publica pretende-se dar
continuidade a essa acção constante de divulgação científica e dar a conhecer trabalhos originais de
autores portugueses.
Os temas dos trabalhos agora publicados são muito variados, e dão conta da amplitude e diversi-
dade dos interesses dos investigadores, quer em reflexões teóricas quer em estudos empíricos: psico-
logia da saúde e saúde pública, significações leigas de saúde e doença, intervenção desenvolvimen-
tista, comunicação em saúde, prevenção do tabagismo e do cancro da pele, avaliação psicológica na
obesidade, stresse e auto-eficácia na diabetes, gravidez na adolescência, comportamento parental no
cancro infantil e demência, entre outros. Assim, publicam-se neste número diversos tipos de estudos,
numa abrangência de problemas de saúde e doença em várias fases do ciclo de vida, conferindo a
este número temático um equilíbrio e uma diversidade temática nem sempre fáceis de atingir.
Os autores são provenientes de várias instituições, de tal forma que resulta uma larga represen-
tatividade nacional: ISPA, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de
Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Faculdade

439
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Universidade do Minho, Facul-
dade de Motricidade Humana (UTL), Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Porto), Fa-
culdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade Independente, Instituto Superior de
Ciências da Saúde – Sul, Instituto Universitário D. Afonso III (Loulé), Instituto Piaget (Almada),
Maternidade Júlio Dinis (Porto), Instituto Português de Oncologia (Lisboa), Centro Hospitalar de
Lisboa (Zona Central) / Hospital de São José e Hospital Geral de Santo António (Porto).

JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA

440
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 441-448

Psicologia da Saúde

JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*)

A psicologia da saúde é a aplicação dos co- Os psicólogos que se direccionam para a com-
nhecimentos e das técnicas psicológicas à saúde, preensão da forma como os factores biológicos,
às doenças e aos cuidados de saúde (Marks, Mur- comportamentais e sociais influenciam a saúde e
ray, Evans & Willig, 2000; Ogden, 2000). Estuda a doença são chamados psicólogos da saúde. Mui-
o papel da psicologia como ciência e como pro- tos estão centrados na promoção da saúde e pre-
fissão nos domínios da saúde, da doença e da venção da doença, trabalhando com os factores
própria prestação dos cuidados de saúde, focali- psicológicos que fortalecem a saúde e que redu-
zando nas experiências, comportamentos e inter- zem o risco de adoecer. Outros disponibilizam
acções. Envolve a consideração dos contextos so- serviços clínicos a indivíduos saudáveis ou do-
ciais e culturais onde a saúde e as doenças ocor- entes em diferentes contextos. Outros estão en-
rem, uma vez que as significações e os discursos volvidos no ensino e formação, e na investigação.
sobre a saúde e as doenças são diferentes conso-
ante o estatuto socioeconómico, o género e a di- O corpo teórico da psicologia da saúde com-
versidade cultural. porta actualmente 2 perspectivas diferentes
A psicologia da saúde, que dá relevância à (Crossley, 2000):
promoção e manutenção da saúde e à prevenção - Perspectiva tradicional – Modelo biopsi-
da doença, resulta da confluência das contribui- cossocial, assente em metodologias quanti-
ções específicas de diversas áreas do conheci- tativas, investiga os comportamentos sau-
mento psicológico (psicologia clínica, psicologia dáveis e os comportamentos de risco, foca-
comunitária, psicologia social, psicobiologia) lizando nos seus determinantes psicológi-
tanto para a promoção e manutenção da saúde cos e no seu valor preditivo
como para a prevenção e tratamento das doenças - Perspectiva crítica – Modelo fenomenoló-
(Simon, 1993). A finalidade principal da psico- gico-discursivo, assente em metodologias
logia da saúde é compreender como é possível, qualitativas de análise do discurso, investi-
através de intervenções psicológicas, contribuir ga as significações relacionadas com a saú-
para a melhoria do bem-estar dos indivíduos e de e as doenças, focalizando nas experiên-
das comunidades. cias de saúde e doença.

A perspectiva crítica surgiu face à tendência


que a perspectiva tradicional dominante tem pa-
ra reduzir as questões da saúde e das doenças a
problemas técnicos de manejo e controlo con-
(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis- gruentes com o modelo biomédico e reforçando
boa. o individualismo. A perspectiva crítica, focali-

441
zando nas experiências psicológicas (subjecti- Podem participar na prestação de cuidados de
vas) da saúde e das doenças, procura compreen- saúde em programas de cuidados de saúde
der os seus significados e ligá-los com os con- primários, unidades de internamento hospitalar,
textos sociais e culturais onde ocorrem, contra- serviços de saúde mental, unidades de dor, onco-
riando os processos de objectivação e raciona- logia, serviços de saúde pública, serviços de saú-
lização que caracterizam a perspectiva tradicio- de ocupacional, consultas de supressão tabágica,
nal. Permite a necessária perspectiva ecológica e centros de alcoologia e serviços de reabilitação,
comunitária que visa a compreensão dos com- entre outros.
portamentos relacionados com a saúde em fun- Podem participar em programas de promoção
ção de contextos sociais e culturais (Carvalho da saúde e de prevenção nas escolas, locais de
Teixeira, 2000). Não são perspectivas que se ex- trabalho e comunidade, com base em serviços de
cluam mutuamente (Crossley, 2000). saúde e/ou em organizações comunitárias.
A intervenção de psicólogos na saúde, para
além de contribuir para a melhoria do bem-estar O desenvolvimento da psicologia da saúde em
psicológico e da qualidade de vida dos utentes Portugal iniciou-se em Maternidades e Hospitais
dos serviços de saúde, pode também contribuir e, só mais recentemente, se tem vindo a implan-
para a redução de internamentos hospitalares, di- tar nos Centros de Saúde, particularmente na Re-
minuição da utilização de medicamentos e utili- gião de Lisboa e Vale do Tejo. Com visibilidade
zação mais adequada dos serviços e recursos de significativa ao nível das publicações científicas
saúde (APA, 2004a). portuguesas têm-se destacado 4 áreas:
Finalmente, é também do âmbito da aplicação
da psicologia da saúde a análise e melhoria do - Psicologia da gravidez e da maternidade
sistema de cuidados de saúde, potenciando a actua- - Psicologia pediátrica
ção dos outros técnicos, contribuindo para a me- - Psicologia oncológica
lhoria das relações entre os técnicos e os utentes - Psicologia nos cuidados de saúde primários.
e para a melhoria das relações interprofissionais
e promovendo uma utilização mais adequada dos
serviços e recursos de saúde (Godoy, 1999), par- 2. ACTIVIDADES CLÍNICAS
ticipando em actividades de humanização dos
serviços e melhoria da qualidade dos cuidados. Entre as tarefas de avaliação psicológica, que
podem focalizar nos comportamentos de saúde,
no confronto com as doenças, nos estados emo-
1. CONTEXTOS LABORAIS cionais e na qualidade de vida contam-se (Ege-
ren & Striepe, 1998; Bennett, 2000; Forshaw,
Os psicólogos da saúde podem trabalhar em 2002) a entrevista clínica, avaliações cognitivas
diferentes contextos do sistema de saúde, quer ao e comportamentais, avaliações de personalidade
nível dos serviços públicos (Serviço Nacional de (projectivas e outras), avaliações psicofisiológi-
Saúde), quer ao nível de serviços privados (con- cas, avaliações da qualidade de vida, estudos epi-
sultórios, clínicas, empresas) e do sector social. demiológicos e outras actividades de avaliação
Em qualquer caso, trabalham em colaboração clínica em saúde, nomeadamente relacionadas
com outros técnicos (médicos, enfermeiros, técni- com dor, cancro, comportamento tipo A, depres-
cos de serviço social, fisioterapeutas, terapeutas são e ansiedade.
ocupacionais, nutricionistas, etc.). Podem traba- Tenha-se sempre em conta que as estratégias
lhar também em universidades, nas áreas do en- de avaliação podem influenciar todos os juízos
sino, formação e investigação e em organismos clínicos que são feitos sobre os indivíduos avalia-
do Ministério da Saúde. dos, bem como influenciam a identificação das
A intervenção em Centros de Saúde e em Hos- variáveis mediadoras e intervenientes e nas ava-
pitais deve ser conceptualizada na tripla dimen- liações dos resultados dos tratamentos e inter-
são de intervenção com os utente, intervenção venções (Haynes & Wu-Holt, 1999).
com os técnicos e intervenção na organização (Trin- Entre as tarefas de intervenção psicológica des-
dade & Carvalho Teixeira, 2002). tacam-se (Bennett, 2000; Johnston & Weinman,

442
1995) intervenções de gestão do stresse, treino prevenção, diabetes, dor crónica, cancro, hiper-
de autocontrolo e eficácia no coping, técnicas tensão arterial, doenças cardiovasculares, doen-
comportamentais (relaxação, modelagem, treino ças mentais, tabagismo, alcoolismo, disfunções
de competências), biofeedback, educação para a sexuais, perturbações do sono, toxicodependên-
saúde, facilitação de mudança de comportamen- cias, doenças psicossomáticas, infecção VIH/
tos de risco e entrevista motivacional, expressão /SIDA, adesão a tratamentos médicos, utilização
de sentimentos, intervenção na crise, aconselha- de serviços e recursos de saúde, stresse ocupa-
mento psicológico, psicoterapias, grupos de su- cional dos técnicos de saúde e informação/comu-
porte e ajuda mútua. Os objectivos destas inter- nicação em saúde, entre outras. Devem fazê-lo
venções são (Bennett, 2000): facilitar uma mu- nas diferentes fases do ciclo de vida: crianças,
dança comportamental adequada e ajudar os in- adolescentes, adultos e idosos, e em diferentes
divíduos a enfrentar as exigências específicas contextos sociais e culturais.
que se lhes deparam, quer como resultado da do- Os focos principais da investigação psicoló-
ença, quer como resultado do seu tratamento. gica em saúde são (APA, 2004a, 2004b): deter-
Parte significativa das intervenções clínicas minantes comportamentais da saúde e das doen-
em psicologia da saúde focalizam em 3 áreas: ças; métodos facilitadores do desenvolvimento
de estilos de vida mais saudáveis e de compor-
- Promoção da saúde e prevenção, com des-
tamentos preventivos; confronto com o stresse e
taque para intervenções de supressão tabá-
com a dor crónica; relações entre o funciona-
gica, de álcool e drogas, promoção de com-
mento psicológico e o sistema imunitário; me-
portamentos alimentares saudáveis, mu-
diadores psicológicos das influências do estatuto
dança de comportamentos sexuais de risco
socioeconómico e do género sobre a saúde; in-
- Efeitos do stresse sobre a saúde, através da
fluências do stresse e do suporte social sobre a
promoção de estratégias de confronto (co-
saúde e as doenças; desenvolvimento de instru-
ping) adequadas e/ou da melhoria da uti-
mentos de avaliação psicológica em saúde; deter-
lização do suporte social, incidindo sobre
minantes psicológicos do ajustamento e da rea-
confronto com procedimentos médicos (ci-
bilitação em doenças crónicas.
rurgia, cateterismo cardíaco, quimioterapia),
Podem agrupar-se em 5 grandes áreas (Anton
controlo de sintomas (dor crónica, cefaleias),
& Mendez, 1999):
gestão do stresse (doenças cardiovascula-
res, hipertensão arterial, doenças psicosso- - Compreensão da génese e manutenção dos
máticas), adaptação à doença crónica, ade- problemas de saúde – Estudo das relações
são a tratamentos médicos e a actividades entre comportamentos e doença, tais como
de auto-cuidados, melhoria da informação as influências do comportamento tipo A, dos
em saúde e da comunicação do utente com estilos de confronto com o stresse e do uso
os técnicos de saúde, intervenção familiar de substâncias (tabaco, álcool e drogas)
- Prestação de cuidados psicológicos a indi- - Promoção da saúde e prevenção das doen-
víduos com perturbações mentais (depres- ças – Identificação dos determinantes dos
são, doença bipolar, perturbações fóbicas, comportamentos saudáveis, dos comporta-
neuroses, doença de Alzheimer, etc.), in- mentos de risco e dos processos de mudan-
cluindo avaliações psicológicas, promoção ça de comportamentos em diferentes fases
de estilos de vida saudáveis, aconselha- do ciclo de vida (crianças, adolescentes,
mento psicológico e reabilitação psicosso- adultos e idosos), incluindo também os as-
cial. pectos comportamentais da saúde ambien-
tal. Trata-se de identificar metodologias
de intervenção comunitária com carácter
3. INVESTIGAÇÃO preventivo e de identificar determinantes
psicológicos da mudança de comportamen-
Os psicólogos da saúde investigam em várias tos. Neste âmbito assume importância par-
áreas do comportamento relacionado com saúde ticular a integração da intervenção psicoló-
e doenças, nomeadamente promoção da saúde e gica na estratégia nacional de prevenção do

443
cancro (Carvalho Teixeira, 2002a) e de pre- ramo de psicologia clínica na carreira técnica
venção da depressão. superior de saúde (Ministério da Saúde), que
- Facilitação e potenciação do diagnóstico e tem vindo a ser implementada lentamente em vá-
tratamento médicos – Investigação relacio- rios serviços de saúde, nomeadamente Materni-
nada com procedimentos médicos indutores dades, Hospitais e Centros de Saúde.
de stresse (cirurgia, hospitalização, endos- O documento legal define quais são as fun-
copias, etc.) e com comportamentos de ções do psicólogo clínico nos diferentes graus da
adesão medicamentosa e ao desenvolvi- carreira do psicólogo clínico (assistente; assis-
mento de auto-cuidados tente principal; assessor; assessor superior), bem
- Avaliação e tratamento de problemas de como na responsabilidade de um serviço, inclu-
saúde – Investigação sobre questões de indo de um serviço de âmbito regional.
avaliação e intervenção psicológicas rela- O acesso a esta carreira realiza-se por concur-
cionadas com dor, doença coronária, hiper- so público, sendo condição de acesso ter fre-
tensão arterial, enxaqueca, asma brônquica, quentado ou ter equiparação ao estágio profiss-
cólon irritável, úlcera péptica, diabetes, sionais pré-carreira, regulamentados pelas Por-
obesidade, e infecção VIH/SIDA, entre ou- tarias 171/96 e 191/97. O acesso ao estágio, que
tros. Assumem importância particular a ca- tem duração de 3 anos, realiza-se também por
racterização da experiência de doença (dis- concurso público.
curso, percepções, significados), a influên- Importa referir que as reformas actualmente
cia das percepções de doença sobre os esta- em curso ameaçam e colocam em risco o desen-
dos emocionais associados e sobre os com- volvimento da carreira profissional, nomeada-
portamentos de adesão e de procura de mente em unidades de saúde S.A. e nos hospitais
cuidados, bem como as relações entre as em parcerias público-privadas (PPP).
estratégias de confronto, o controlo dos sin- Para trabalhar nas instituições não estatais do
tomas, a evolução da doença e a prevenção sistema de saúde as organizações sócio-profissio-
das recaídas nas doenças crónicas nais dos psicólogos não definiram ainda o perfil
- Melhoria do sistema de cuidados de saúde profissional nem as habilitações específicas.
– Estudo do impacte dos ambientes físicos
e organizacionais dos serviços de saúde so-
bre o comportamento dos utentes, da comu- 5. FORMAÇÃO
nicação e relação dos técnicos com os uten-
tes, das relações interprofissionais e do stresse
ocupacional dos técnicos de saúde. 5.1. Formação Académica

Em Portugal, a investigação desenvolveu-se Em Portugal existem diversas oportunidades


sobretudo a partir de 1990 e tem sido realizada de formação académica em psicologia da saúde
predominantemente ao nível das universidades em várias instituições do ensino superior público
através de estudos relacionados com obtenção de e privado, quer pré-graduada (licenciaturas), quer
graus académicos e em geral com pouca ligação pós-graduadas (mestrados e pós-graduações).
com necessidades identificadas nos serviços de Ao nível das licenciaturas a formação em psi-
saúde. Têm dominado os estudos relacionados com cologia da saúde está fortemente implantada nas
crianças, adolescentes e grávidas, maioritaria- instituições de ensino superior de psicologia.
mente relacionados com avaliação, tratamento Ao nível de mestrados, a criação do primeiro
e/ou reabilitação de indivíduos doentes. curso ocorreu na Faculdade de Psicologia e Ci-
ências da Educação da Universidade de Lisboa e
a oferta cresceu significativamente nos últimos
4. CARREIRA PROFISSIONAL anos, embora com objectivos e com conteúdos
programáticos bastante heterogéneos.
Para trabalhar no Serviço Nacional de Saúde Existe já a possibilidade de realizar doutora-
existe desde 1994 (DL 241/94) uma carreira pro- mentos na especialidade de psicologia da saúde,
fissional específica para psicólogos na saúde, o nomeadamente no ISPA.

444
5.2. Formação Profissional 7. PUBLICAÇÕES

Existem iniciativas de formação contínua na O desenvolvimento que a psicologia da saúde


área da psicologia da saúde que são promovidas tem conhecido no decurso dos últimos anos re-
por instituições de ensino superior. Têm-se des- flecte-se num número cada vez maior de publi-
tacado as actividades formativas organizadas pe- cações científicas especializadas, nomeadamente
lo Departamento de Formação Permanente do ISPA (Simon, 1999):
que, desde 1995, promove acções de formação
regulares nas seguintes áreas: psicologia da gra- - Fontes primárias – Entre as publicações
videz e da maternidade, neuropsicologia, aconse- periódicas destacam-se as revistas Health
lhamento VIH/SIDA, consulta psicológica em Cen- Psychology (USA, 1982), Psychology and
tros de Saúde e toxicodependências. Health (Holanda, 1987), Revista de Psico-
É no que se refere à intervenção nos Centros logía de la Salud (Espanha, 1989), Clínica
de Saúde que se encontra um modelo de forma- Y Salud (Espanha, 1990), Quality of Life
ção estruturado como formação específica (Car- Research (Grã-Bretanha, 1992), Journal of
valho Teixeira, 2000), como resultado de experi- Clinical Psychology in Medical Settings
ências concretas de intervenção nos cuidados de (USA, 1994), British Journal of Health Psy-
saúde primários, em Centros de Saúde da Sub- chology (Grã-Bretanha, 1996), Journal of
-Região de Saúde de Lisboa (ARSLVT). Health Psychology (Grã-Bretanha, 1996),
Psychology, Health and Medicine (Grã-Bre-
tanha, 1996). No que se refere a publica-
6. REUNIÕES E SOCIEDADES CIENTÍFICAS ções não periódicas tem-se assistido à pu-
blicação de inúmeros tratados, manuais e
A Sociedade Europeia de Psicologia da Saú- compilações, que proporcionam uma infor-
de realiza uma Conferência Anual. mação generalista e ampla sobre diferentes
Em Portugal realizam-se regularmente 2 aspectos da psicologia da saúde. Destacam-
grandes reuniões científicas nacionais relacio- -se os de Belar e Daerdorff (1987, 1995),
nadas especificamente com a psicologia da saúde: Bennett e Weinman (1990), Bishop (1994),
- Congressos Nacionais de Psicologia da Saú- Brannon e Feist (1992), Broome (1989), Camic
de, organizados pela Sociedade Portuguesa e Knight (2000), Carroll (1992), Curtis (2000),
de Psicologia da Saúde, com o apoio do Forshaw (2002), Friedman e DiMatteo (1989),
ISPA, desde 1994. O 5.º Congresso Nacio- Gatchel, Baum e Krantz (1982), Johnston e
nal realizou-se em Junho de 2004, em Lis- Marteau (1989), Maes e Spelberger (1988),
boa, subordinado ao tema “A Psicologia da Marks, Murray, Evans e Willig (2000), Mil-
Saúde num Mundo em Mudança” lon, Green e Meagher (1982), Pitts e Phil-
- Conferências Psicologia nos Cuidados de lips (1991), Rodriguez Marin (1995), Sa-
Saúde Primários, organizadas desde 1997 rafino (1990), Schroeder (1991), Sheridan e
pelo ISPA em colaboração com a Sub-Re- Radmacher (1992), Simon (1993, 1999),
gião de Saúde de Lisboa (ARSLVT/Minis- Steptoe e Mathews (1984), Stone, Weiss,
tério da Saúde). A V Conferência realizou- Matarazzo e col. (1987), Ogden (2000), Stroe-
se em Maio de 2004, em Lisboa, subordi- be e Stroebe (1995), Sweet, Rozensky e To-
nada ao tema “Psicologia, Promoção da Saú- vian (1991), Taylor (1995). Entre as fontes
de e Prevenção”. primárias podem incluir-se também os inú-
meros recursos existentes na Internet sobre
Entre nós existem 2 sociedades científicas rela- psicologia da saúde
cionadas especificamente com o campo da psico- - Fontes secundárias – As mais importantes
logia da saúde: a Sociedade Portuguesa de Psi- são publicações periódicas que apresentam
cologia da Saúde (1995) e a Associação Portu- revisões da literatura actual sobre um deter-
guesa de Psicólogos dos Cuidados de Saúde Pri- minado tema, nomeadamente International
mários (2001). Review of Health Psychology (Grã-Breta-

445
nha, 1992) e Comportamiento y Salud (Es- ção de acidentes, etc., promovendo uma
panha, 1992). abordagem psicológica dos problemas de
saúde da comunidade e dos diferentes gru-
Em Portugal, existe um número significativo pos sociais
de publicações científicas, quer publicações-li- - Consulta psicológica – Consulta de refe-
vro, quer números temáticos em revistas de psi- rência para os clínicos gerais/médicos de
cologia e volumes de actas de reuniões científi- família e de apoio a diferentes projectos de
cas (Carvalho Teixeira, 2002b). saúde, integrando o paradigma clínico com
Destacam-se as iniciativas do Centro de os factores que influenciam o desenvolvi-
Edições do ISPA no que concerne a livros da es- mento e a mudança de comportamentos. A
pecialidade, a números temáticos da revista Aná- actividade clínica centra-se na avaliação
lise Psicológica (8 publicados e 1 em prepara- e/ou intervenção com casos problemáticos
ção) e a actas de congressos e conferências, bem no âmbito da mudança de comportamentos
como da Universidade do Minho, com a revista e prevenção, confronto e adaptação à doen-
Psicologia: Teoria, Investigação & Prática (2 nú- ça, stresse induzido por exames e tratamen-
meros temáticos). tos médicos, crises pessoais e/ou familia-
A Climepsi Editores tem investido na publi- res, perturbações do desenvolvimento, per-
cação de autores portugueses e na tradução de turbações de ajustamento, dificuldades de
manuais de referência de língua inglesa. comunicação dos utentes com os técnicos,
O órgão oficial da Sociedade Portuguesa de problemas de adesão a tratamentos e auto-
Psicologia da Saúde é a revista Psicologia, Saúde cuidados, etc.
& Doenças, já com vários números publicados. - Cuidados continuados – Participação nas
equipas de cuidados continuados que pres-
tam cuidados de saúde no domicílio a indi-
8. PSICOLOGIA NOS CUIDADOS DE SAÚDE víduos em situações de dependência
PRIMÁRIOS - Humanização e qualidade – Participação
em projectos de humanização dos serviços
Consiste na aplicação dos conhecimentos e e de melhoria da qualidade em saúde e in-
técnicas da psicologia em projectos de promoção tegração de metodologias psicológicas na
da saúde e prevenção das doenças em diferentes avaliação da satisfação dos utentes
fases do ciclo de vida, na realização de consulta - Investigação – Envolvimento em projectos
psicológica e na participação noutros projectos de investigação-acção em função de neces-
desenvolvidos nos Centros de Saúde. Nestes, os sidades identificadas pelas equipas de saú-
psicólogos trabalham integrados nas equipas de de, especialmente em parceria com autar-
cuidados de saúde primários. quias, escolas e organizações comunitárias
- Formação – Participação em acções de
Os psicólogos da saúde que trabalham nos formação destinadas a outros técnicos e vo-
cuidados de saúde primários podem desenvolver luntários, centradas em aspectos psicoló-
vários tipos de actividades (Gatchel & Oordt, gicos relacionados com as suas interven-
2003; Trindade, 2000): ções na prestação de cuidados.
- Actividades de promoção da saúde e pre-
venção – Participação em actividades de in-
9. ORGANIZAÇÃO E QUALIDADE
formação e educação para a saúde e de de-
senvolvimento comunitário relacionadas
A actividade dos psicólogos da saúde deve or-
com a alimentação, prática de exercício fí-
ganizar-se de acordo com o princípio da melho-
sico, tabagismo, consumo excessivo de ál-
ria contínua da qualidade dos cuidados, o que
cool, consumo de drogas, contracepção e
envolve 4 aspectos essenciais (Trindade & Car-
planeamento familiar, saúde materna e in-
valho Teixeira, 2002:
fantil, saúde escolar, saúde do adolescente,
saúde ocupacional, saúde do idoso, preven- - Definição do papel profissional – Nas dife-

446
rentes organizações e serviços de saúde (Ma- APA On Line (2004c). Psychology is a Behavioral and
ternidades, Hospitais, Centros de Saúde, etc.) Mental Profession.
deve definir-se claramente o papel e as res- Barros, L. (1999). Psicologia pediátrica. Lisboa: Cli-
mepsi Editores, Manuais Universitários.
ponsabilidades profissionais dos psicólogos Bennett, P. (2000). Introdução clínica à psicologia da
da saúde nas áreas de avaliação psicológica, saúde. Lisboa: Climepsi Editores, Manuais Univer-
intervenções clínicas com utentes, consulto- sitários, 23.
ria, investigação, participação em formação, Carvalho Teixeira, J. A. (2002a). Psicologia da saúde e
participação em grupos de trabalho, etc. prevenção do cancro: Adesão a rastreios oncoló-
- Plano de actividades – A intervenção dos gicos. Psicologia: Teoria, Investigação & Prática,
2, 193-207.
psicólogos da saúde deve organizar-se atra-
Carvalho Teixeira, J. A. (2002b). Psicologia da saúde
vés dum plano de actividades anual, elabo- em Portugal. Panorâmica breve. Análise Psicoló-
rado após um processo de identificação de gica, 20 (1), 165-170.
necessidades e delimitação de objectivos Carvalho Teixeira, J. A. (2000). Formação em psicolo-
prioritários, de forma adaptada em relação gia para a intervenção em Centros de Saúde. In
aos recursos disponíveis e avaliado siste- Isabel Trindade, & José A. Carvalho Teixeira (Eds.),
maticamente nos seus resultados Psicologia nos cuidados de saúde primários (pp.
95-102). Lisboa: Climepsi Editores, Manuais Uni-
- Desenvolvimento profissional contínuo – Num versitários, 17.
campo de intervenção que conhece mudan- Crossley, M. (2000). Rethinking health psychology.
ças aceleradas, a preocupação dos psicólo- Buckingham: Open University Press, Health Psy-
gos da saúde com o seu desenvolvimento chology.
profissional contínuo torna-se um impera- Egeren, L. V., & Striepe, M. (1999). Assessment approa-
tivo ético aliado ao desenvolvimento de com- ches in health psychology: Issues and practical
considerations. In P. Camic, & S. Knight (Eds.),
petências específicas
Clinical handbook of health psychology (pp. 17-
- Qualidade dos serviços psicológicos – Os -50). Seattle: Hogrefe & Huber Publishers.
psicólogos da saúde envolvem-se em acti- Forshaw, M. (2002). Essential health psychology (pp.
vidades relacionadas com a qualidade dos 127-137). London: Arnold.
serviços psicológicos, o que implica proce- Frank, R. G. e col. (Eds.) (2003). Primary care psycho-
dimentos de melhoria contínua da qualida- logy. Washington: American Psychological Asso-
ciation, APA Books.
de (acessibilidade, adequação, continuidade
Gatchel, R. J., & Oordt, M. (2003). Clinical health psy-
e eficácia dos cuidados psicológicos), ava- chology and primary care (pp. 3-19). Washington:
liações da satisfação dos utentes dos servi- American Psychological Association, APA Books.
ços de psicologia, avaliações da eficácia das Godoy, J. (1999). Psicología de la salud: Delimitación
intervenções realizadas, avaliações dos de- conceptual. In Miguel Angel Simón (Ed.), Manual
sempenhos profissionais dos psicólogos e de psicología de la salud. Fundamentos, metodolo-
elaboração de guidelines para a intervenção gía y aplicaciones (pp. 39-76). Madrid: Editorial
Biblioteca Nueva, Psicología Universidad.
em diferentes problemas, áreas ou serviços. Haley, W. E. e col. (1998). Psychological practice in
primary care settings: Practical tips for clinicians.
Professional Psychology: Research and Practice,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 29 (1), 237-244.
Haynes, S. N., & Wu-Holt, P. (1999). Principios de eva-
Anton, D. M., & Mendez, F. X. (1999). Líneas actulaes luación en psicología de la salud. In Miguel Angel
de investigación em psicología de la salud. In Simon (Ed.), Psicologia de la salud. Fundamentos,
Miguel Angel Simon (Ed.), Psicologia de la salud. metodología y aplicaciones (pp. 399-432). Madrid:
Fundamentos, metodología y aplicaciones (pp. 217- Biblioteca Nueva, Psicología Universidad.
-256). Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, Psico- Johnston, M., & Weinman, J. (1995). Health Psycho-
logía Universidad. logy. In British Psychological Society: Professio-
APA On Line (2004a). Psychology: Promoting Health nal Psychology Handbook (pp. 61-68). Leicester:
and Well-Being trough High Quality, Cost-Effec- BSP Books.
tive Treatment. Marks, D. F., Murray, M., Evans, B., & Willig, C. (2000).
APA, Health Psychology (2004b). What a Health Psy- Health psychology. Theory, research and practice
chologist Does and How to Become One. (pp. 3-24). London: Sage Publications.

447
McIntyre, T. M. (1997). A psicologia da saúde em Por- RESUMO
tugal na viragem do século. Psicologia: Teoria, In-
vestigação & Prática, 2, 161-178.
Neste artigo o autor delimita o campo da psicologia
Ogden, J. (2000). Psicologia da Saúde. Lisboa: Clime-
psi Editores, Manuais Universitários 11. da saúde, caracterizando contextos laborais, activida-
Simon, M. A. (1999). Fuentes documentales en psico- des clínicas, investigação, carreira profissional, forma-
logía de la salud. In Miguel Angel Simon (Ed.),
Psicologia de la salud. Fundamentos, metodología ção, reuniões científicas, publicações, intervenção nos
y aplicaciones (pp. 765-807). Madrid: Biblioteca cuidados primários, organização e qualidade.
Nueva, Psicología Universidad. Palavras-chave: Psicologia, saúde.
Simon, M. A. (Ed.) (1993). Psicología de la salud. Apli-
caciones clínicas y estrategias de intervención.
Madrid: Pirámide.
Trindade, I., & Carvalho Teixeira, J. A. (2002). Psico- ABSTRACT
logia em serviços de saúde. Intervenção em Cen-
tros de Saúde e Hospitais. Análise Psicológica, 20
In this paper the author reviews health psychology
(1), 171-174.
Trindade, I. (2000). Competências do psicólogo nos field: professional settings, clinical activities, research,
cuidados de saúde primários. In Isabel Trindade, & training, scientific publications and conferences, pri-
José A. Carvalho Teixeira (Eds.), Psicologia nos
cuidados de saúde primários (pp. 37-46). Lisboa: mary care psychology and quality services.
Climepsi Editores, Manuais Universitários, 17. Key words: Psychology, health.

448
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 449-462

Psicologia da Saúde, saúde pública e saúde


internacional (*)

MARGARIDA GASPAR DE MATOS (**)

INTRODUÇÃO disciplinar da problemática da saúde. Assim po-


dem considerar-se:
O estudo do comportamento humano em con-
- Uma dimensão demográfica – a descida da
textos da Saúde é actualmente uma das áreas
mortalidade infantil e o aumento de espe-
promissoras da investigação e intervenção psico-
rança de vida acarretam um aumento do
lógicas, indo ao encontro das necessidades das
impacte da doença crónica;
pessoas em matéria da saúde e da doença, res-
- Uma dimensão política – pelo menos nos
pondendo a problemas colocados pelos próprios
países considerados desenvolvidos há agora
técnicos e influenciando a própria organização
a verbalização de um compromisso político
dos serviços de saúde.
de preocupação com a saúde e bem estar do
O presente trabalho pretende ser um contribu-
cidadão, que acarreta um colapso dos servi-
to para o desenvolvimento do conhecimento da ços nacionais de saúde devido à pressão so-
Psicologia no âmbito da Saúde Pública em ques- cial e demográfica sobre o sistema;
tões relacionadas com a saúde a nível da inves- - Uma dimensão técnico-científica – o au-
tigação, da intervenção, da formação e da inova- mento do conhecimento e da investigação
ção do sistema. nesta área sublinha a importância da pre-
A visão holística da saúde adoptada sobretudo venção, da protecção e da promoção na área
a partir da Conferência de Alma-Ata (WHO, 1978) da saúde, que acarreta uma mudança de um
veio alertar os profissionais de saúde e os políti- modelo exclusivamente “médico e curati-
cos para a importância de uma abordagem pluri- vo” para um modelo mais holístico, pre-
ventivo, participativo e pluridisciplinar;
- Uma dimensão social e cultural – pelo me-
nos nos países considerados desenvolvidos
há agora uma melhoria nas condições de
vida que leva o cidadão a uma atitude mais
(*) Agradecimentos: O estudo HBSC 2002 foi
exigente, crítica e preocupada face à sua
financiado pela FCT/MCES/POCT1 37486 / PSI /
2001 / FSE /FEDER. A autora agradece à equipa Aven- saúde.
tura Social & Saúde.
(**) Faculdade de Motricidade Humana, Universi-
O relatório Reduzindo riscos e promovendo
dade Técnica de Lisboa e Centro da Malária e Outras uma vida saudável (OMS, 2002) sublinha a im-
Doenças Tropicais, Universidade Nova de Lisboa. portância da promoção dos comportamento liga-

449
dos à saúde e a importância da identificação e apoio interpessoal, o lazer, e suas possíveis asso-
prevenção de factores de risco. Neste relatório a ciações com a promoção e protecção da saúde.
OMS aponta dez factores evitáveis que contri- No seu conjunto, os resultados destes estudos
buem para o risco na Saúde Global e que são res- aumentaram a compreensão da interacção de facto-
ponsáveis por um terço de mortes no mundo: (1) res biológicos, psicológicos, comportamentais,
o sexo não protegido, (2) o consumo de tabaco, sociais e ambientais, associados ao desenvolvi-
(3) o abuso do álcool, (4) a hipertensão, (5) a uti- mento de várias condições de doença e saúde. Con-
lização de água não potável e falta de saneamen- sequentemente novas áreas do conhecimento co-
to básico e de higiene, (6) a sub-alimentação, (7) mo a Economia da Saúde, a Sociologia, a Antro-
a obesidade, (8) o fumo de combustíveis sólidos pologia, as Ciências Políticas e o Direito assumi-
no interior das habitações, (9) a hipercolestero- ram uma relevância crescente para uma visão in-
lemia e (9) a deficiência de ferro. A estes facto- terdisciplinar da Saúde. Centrando-nos no campo
res de risco poder-se-iam ainda acrescentar (1) os da Psicologia o aprofundamento do conhecimento
acidentes, (2) a violência (social e doméstica), e o impacto das áreas da Psicologia da Saúde e
(3) os abusos de carácter sexual (sobre pares e Saúde Comportamental na Saúde Global, levam
sobre menores), (4) o suicídio e outras agressões a um valor acrescentado em relação a ambas es-
auto-inflingidas, (5) a alienação e o stresse esco- tas áreas. Assim:
lar, profissional e social.
Os problemas de saúde associados incluem Os contributos da Psicologia da Saúde trazem
(1) as doenças cardiovasculares, (2) as doenças para a Saúde Pública:
cerebrovasculares, (3) o cancro do pulmão e ou- 1) A inclusão na “agenda“ da Saúde Pública
tras doenças crónicas do pulmão, (4) a infecção das temáticas emergentes relacionáveis com
pelo VIH/SIDA e (5) os problemas de saúde men- comportamentos modificáveis, p.e., a ges-
tal. tão do stresse, a promoção de competências
Estes problemas têm variações geográficas, pessoais, a promoção da resiliência, a acti-
por exemplo uma das causas de morte nos países vação de redes sociais de apoio;
chamados em desenvolvimento (PED) (a sub-nu- 2) Uma visão desenvolvimental uma vez que,
trição), é no seu oposto uma das causas de morte ao longo do desenvolvimento humano,
nos países chamados desenvolvidos (a obesidade vão variando as características e necessi-
e doenças relacionadas). Nos países em desen- dades das populações em termos de saúde/
volvimento a transição demográfica acompanha- /bem estar;
se ainda de uma “transição de risco” com co- 3) Um conhecimento do comportamento hu-
existência das doenças infecciosas “tradicionais” mano nos seus aspectos cognitivos, emo-
com as doenças crónicas não transmissíveis mas cionais e comportamentais abertos (actos e
de risco comportamental, ligadas à poluição, ao palavras) como determinante de escolhas a
consumo de álcool, tabaco e drogas, à alimenta- nível da saúde, introduzindo conceitos co-
ção industrial e ao sedentarismo. mo competência, participação, resiliência;
Desde o final dos anos 70 o alargamento do 4) Uma perpectiva ecológica e sistémica em
campo da Psicologia da Saúde, da Saúde Com- que a importância para a Saúde da inter-
portamental e da Medicina do Comportamento acção com grupos como a família, a esco-
ajudou ao desenvolvimento e ao robustecimento la, o trabalho e o apoio social, por exem-
do contributo da Psicologia para a prevenção da plo são evidenciadas;
doença e para a promoção e a protecção da saú- 5) O estudo dos aspectos culturais e o seu im-
de, com especial foco em alguns dos comporta- pacto na saúde das populações;
mentos já citados como os consumos (álcool, ta- 6) A recolha de informação e avaliação de
baco e drogas), o sedentarismo e a alimentação acções através da implementação de estra-
assocados como se referiu a doenças cardíacas e tégias baseadas em metodologias qualita-
ao cancro. Posteriormente surgiu o interesse por tivas, e nas teorias da comunicação inter-
comportamentos interpessoais relacionados com pessoal e dinâmica de grupo;
a violência, a sexualidade, as relações e o stress 7) A elaboração de parcerias promotoras de
laboral e escolar, o estabelecimento de redes de saúde baseadas na comunicação de massas.

450
8) O diálogo com o poder político na defesa no centro da Primeira Revolução da Saúde (a cha-
da relevância dos factores atrás apontados. mada teoria do “germe” – a cada agente infec-
cioso corresponde um “germe”, que urge “con-
Por seu lado, a Saúde Pública também contri- trolar/neutralizar”). A celeridade e eficácia técni-
bui para a Psicologia da Saúde com: ca do atendimento médico baseado no “diagnós-
1) Uma maior perspectiva das “populações”; tico-prescrição de medicamentos ou cirurgia” le-
2) Um maior conhecimento de factores de or- vou, paradoxalmente, a uma falta de tempo e
dem económica e seu impacte na saúde; consequente esquecimento da fenomenologia
3) Um maior conhecimento do funcionamen- humana e sua singularidade, da “consciência de
to dos recursos comunitários, nomeada- si” e do “papel de doente” que pode, só por si, pro-
mente da organização dos serviços de saú- longar a doença.
de e sua complexidade; No século XIX, nos tempos que se seguiram à
4) Uma maior incidência em intervenções pre- Revolução Industrial, os países “a sul” mantinham
ventivas universais, i.e., dirigidas a “popu- cenários de guerra, fome e epidemias, mas os paí-
lações”, com especial foco na modificação ses “a norte”, tendo-os ultrapassado, apresenta-
dos determinantes dos comportamentos le- vam em vez, cenários generalizados de poluição
sivos da saúde; e comportamentos individuais lesivos da saúde.
5) A adaptação e a aplicação do conhecimen- Nos países “a norte” as medidas de saúde públi-
to psicológico na intervenção em “popula- ca ultrapassavam já a visão sustentada pela “teo-
ções” e condições diferentes das inicial- ria do germe” da Primeira Revolução em Saúde,
mente estudadas (ex.: catástrofes naturais, no- para incluir uma abordagem preventiva, para in-
vos migrantes, conflitos armados) ou do apa- cluir recursos pessoais e ambientais na protecção
recimento de novas ameaças à saúde (ex.: e promoção da saúde embora com novos desa-
VIH); fios, devidos à crescente alteração dos padrões
6) A aplicação do conhecimento psicológico, de mortalidade e morbilidade cada vez mais da
ao trabalho em sistemas cada vez mais com- responsabilidade dos comportamentos das pes-
plexos e extra-laboratoriais. soas, dos grupos e das comunidades. Deslocou-
-se desde então o foco da atenção da saúde pú-
O objecto de estudo da Psicologia no âmbito blica da doença para a saúde. Esta mudança aler-
das disciplinas de Saúde Pública é o estudo (1) tou para a necessidade de uma evolução a nível
dos determinantes dos comportamento dos indi- da identificação de problemas e soluções. Estas
víduos e das populações, (2) das alterações do alterações implicaram uma nova concepção de
comportamento, (3) do seu desenvolvimento nos saúde pública com consequências importantes
indivíduos ao longo do ciclo da vida, (4) nas vá- para os sistemas de saúde tradicionais, e tiveram
rias dimensões da sua dinâmica própria (compor- implicações fundamentais para a definição, para
tamentos abertos, verbais e não verbais e com- o trabalho e para a formação dos técnicos de saú-
portamentos cobertos – cognições, emoções, afe- de (Lancet, 1991).
ctos), e (5) em função dos vários cenários com
que vão interagindo (família, pares, escola, tra-
balho, comunidade). O desenvolvimento psico- A SEGUNDA REVOLUÇÃO NA SAÚDE
social terá de ser cada vez mais um processo de
optimização de capacidades de decisão e de rea- A mudança do paradigma biomédico num pa-
lização, promotor de um estilo de vida saudável, radigma de saúde pública justificou-se pela obser-
e de um estado percepcionado pelos indivíduos vação de que (1) as doenças infecciosas têm cus-
como de qualidade de vida, de competência pes- tos altos e curas difíceis, (2) as doenças são con-
soal e de participação activa na comunidade. traídas em contactos com o meio físico e social e
(3) as doenças apenas se disseminam nestes con-
tactos se as condições são favoráveis aos agentes
A PRIMEIRA REVOLUÇÃO NA SAÚDE infecciosos, condições estas que podem ser de
âmbito individual ou ambiental.
O desenvolvimento do modelo biomédico está Numa primeira fase (a chamada “fase sanitá-

451
ria”), a Saúde Pública procurou determinantes prioridades para a saúde (1) uma política de saú-
das infecções e delineou intervenções preventi- de pública, (2) o desenvolvimento de competên-
vas a nível das “populações”, para evitar a pro- cias sociais e pessoais, (3) uma acção comunitá-
pagação do “germe”, através de manipulações do ria, (4) um ambiente protegido e protector, (5)
meio ambiente e do contacto interpessoal. uma reorganização dos serviços de saúde de mo-
Com o sucesso destas medidas, e das medidas do a torná-los mais eficazes na resposta a estes
de rastreio e vacinação, emergiu um novo padrão novos desafios.
de morbilidade e mortalidade, mais ligado a facto- A questão actual em termos de saúde é de que
res comportamentais, e outros desafios em saú- modo pode haver cidadãos que não fumam, não
de, mais ligados à longevidade, à sobrepopula- consomem drogas, não abusam de bebidas al-
ção, à destruição ecológica, à degradação do meio coólicas, não trabalham demasiado ou pelo
ambiente, ao desiquilíbrio económico e seu im- menos não trabalham sob pressão exagerada, têm
pacte na saúde. A Saúde Pública, agora em liga- bons hábitos alimentares, são activos fisicamen-
ção com outros técnicos (oriundos de outras áreas te, gerem o seu stress familiar e laboral/escolar,
do conhecimento), foi chamada para estes novos dormem bem, verificam a sua saúde e para além
desafios e novos riscos, na sua maioria relacio- disto optam por este estilo de vida saudável, não
nados com situações evitáveis. apenas porque acreditam que assim terão mais
Na década de 70, o Relatório Richmond (Rich- saúde mas, e em especial, porque se sentem assim
mond, 1979) e a Conferência de Alma-Ata (WHO, mais felizes consigo próprios, com os outros e
1978) iniciaram então a chamada Segunda Revo- com o ambiente. Enfim, como chegar a uma so-
lução da Saúde. O objecto de estudo e interven- ciedade em que “o prazer na vida” se baseie no
ção da saúde passou a ser, não apenas ausência bem-estar e na qualidade de vida em vez de se
de doenças, mas também um estado positivo de basear na procura de comportamentos, substân-
bem estar. A grande maioria dos agentes infec- cias ou situações lesivas da saúde.
ciosos já estava controlada pela ciência médica, De acordo com as conclusões do WDCPHP
a maioria das epidemias já estava controlada a (Working Group Concepts and Priorities in Health
nível das populações pela acção da nova saúde Promotion, 1987, cit. in Ribeiro, 1998) a promo-
pública, através de processos de vacinação, mas ção da saúde: (1) abrange as populações no seu
também através de processos de controlo da água, dia-a-dia e não só pessoas em risco, (2) visa to-
de higiene e do contacto interpessoal. As altera- rnar a pessoa apta a assumir o controlo e a res-
ções preventivas no ambiente físico e social possi- ponsabilidade sobre a sua saúde, (3) visa os de-
bilitaram a redução dos efeitos dos agentes (“ger- terminantes dos comportamentos e situações de
mes”). risco e de protecção, (4) combina métodos multi-
O comportamento dos indivíduos passou a ser disciplinares aos vários níveis de intervenção,
o principal objecto de estudo, considerado a par- (5) visa a participação pública no desenvolvi-
tir de então uma das principais causas de morbi- mento de competências individuais e colectivas.
lidade e mortalidade humana, mas, como referiu Curiosamente estas conclusões não apresen-
então Lalonde (1974), é mais fácil convencer al- tam uma evolução radical quando comparadas
guém que sofre a consultar o médico, do que al- com a argumentação de Sigerist (1946, cit. in
gúem que não sofre a mudar de hábitos nocivos, Ribeiro 1998), que, em meados do século passa-
a pensar num futuro longínquo, até porque os do defendia que a saúde se promove proporcio-
hábitos se tornaram muitas vezes automáticos, nando às pessoas um padrão de vida “decente”,
inseridos num quotidiano e de dificil alteração. com boas condições de trabalho e recreio, possí-
Antes da idade adulta é dificil apresentar como veis de alcançar através de sinergias entre polí-
pretexto esse “futuro saudável”, p.e., quando se ticos, grupos económicos, técnicos de educação
fala com crianças para as quais essa lógica tem- e de saúde.
poral é demasiado abstracta, ou mesmo com ado- Apesar de se caminhar desde então para esta
lescentes, para os quais a importância do futuro filosofia, o modo com esta situação tarda a ins-
(longínquo) não é relevante, face à premência e à talar-se na sociedade actual deve-se pelo menos
angústia do presente “aqui e agora”. parcialmente à persistência de uma perspectiva
A Carta de Ottawa (OMS, 1986) define como tradicional para a saúde, mantendo-se em alguns

452
sectores uma hegemonia do “poder exclusivo nos causado pela exposição aos factores de risco.
médico”, para além do poder dos grandes grupos Esta perspectiva torna-se fundamental quando se
económicos ligados, p.e., à indústria farmacêu- fala de saúde comportamental uma vez que, sen-
tica. Outra perspectiva inovadora nos processos, do quase impossível evitar o confronto das pes-
mas tradicional nos procedimentos, é a perspe- soas com os riscos, se torna de importância fun-
ctiva tecnológica, que tem a seu favor grandes damental esta perspectiva da promoção das com-
grupos económicos ligados, p.e., à modernização petências pessoais e sociais para um restabele-
e sofisticação do equipamento hospitalar. Estas cimento rápido de novos equilíbrios, cada vez mais
perspectivas podem tornar-se limitadoras de uma complexos.
visão ecológica da saúde se se constituirem co- Lalonde (1974), no seu relatório sobre a saúde
mo prioridades únicas em termos orçamentais dos canadianos, fala da poluição ambiente, da vi-
implicando um corte de verbas a outros níveis da citadina com stresse familiar e laboral e com
(Carta de Ottawa, OMS, 1986). anonimato social, com hábitos de sedentarismo,
A Segunda Revolução da Saúde, durante os anos com anedonia, com abuso de álcool, tabaco e
70, fundamentou o trabalho interdisciplinar nas drogas e mudança nos padrões alimentares (“pra-
áreas da saúde e áreas limitrofes, nomeadamente zeres dos sentidos para além das necessidades do
a nível da Psicologia da Saúde. Do ponto de vis- corpo”).
ta da Saúde Pública, o recurso à Psicologia da Alerta ainda para a necessidade de uma re-
Saúde implicou este reconhecimento do poten- visão da distribuição de prioridades e fundos a
cial de morbilidade e mortalidade dos comporta- nível da reorganização dos serviços de saúde.
mentos (Lorion, 1991). Do ponto de vista da Psi- Preconiza uma deslocação da intervenção e dos
cologia tradicional, durante tantos anos limitada custos dos “cuidados de saúde” para o que cha-
à Saúde Mental, implicou um reconhecimento da mou o “campo da saúde” que engloba os primei-
interacção entre factores bio-psico-sociais e am- ros mas é mais lato incluindo toda a comunidade
bientais, um reconhecimento da necessidade de além hospital. Defende que os técnicos de saúde
intervenções preventivas e promocionais e um não podem continuar a perder tempo e custos a
reconhecimento da relevância do trabalho com tratar doenças causadas por condições adversas,
pessoas saudáveis e do trabalho com “popula- que resultam justamente da evolução económica,
ções” ao nível da comunidade. e que têm acarretado custos a nível do ambiente
Após a Segunda Revolução da Saúde, a emer- e do risco comportamental.
gência ecológica apontou o foco principal para a Todas estas asserções foram defendidas no Re-
relação entre os organismos e o meio fisico e so- latório Richmond (1979) e ratificadas pela OMS
cio-cultural, utilizando princípios da teoria dos na Conferência de Alma-Ata (WHO, 1978).
sistemas. Assim, a saúde passou a ser equaciona- Em meados do século XX, a nova “epidemio-
da como uma dinâmica complexa aos vários ní- logia comportamental” reconhece que a maior
veis: fisico, psicológico, social, ambiental (Sto- taxa de doença e mortalidade prematura tem a
kols, 1992). ver com hábitos tabágicos, consumo de álcool e
Pensa-se hoje que a Saúde não tem a ver ape- drogas, e riscos de acidentes, nomeadamente mo-
nas com a restauração de processos homeostá- torizados (Richmond, 1979) e aponta que 50%
ticos (de manutenção de processos de equilí- das mortes prematuras têm a ver com doenças do
brio), como pretendiam os filósofos/médicos/ aparelho circulatório e 20% com cancro, que asso-
/mestres gregos, mas também com a dinâmica de cia potencialmente a estes comportamentos. Este
equilíbrios e desequilíbrios sucessivos (heteros- facto leva Richmond (1979) a acusar a popula-
tasia) onde se pretende que o equilíbrio seja sem- ção de “forçar” a morte ao manter factores evitá-
pre restaurado, mas sempre a um nível mais com- veis tais como hábitos descuidados, poluição do
plexo (Nichols & Gobble, 1990). A importância ambiente e más condições sociais com pobreza,
da intervenção em Saúde passa assim a ter mais fome e ignorância.
a ver com a capacitação das populações para, no Richmond (1979) aponta as 10 principais cau-
confronto com os riscos, conseguir um rápido res- sas de morte prematura nos EUA, (1) 50% devi-
tabelecimento de um novo equilíbrio, saudável e das a comportamentos e estilos de vida lesivos
cada vez mais complexo, com um mínimo de da- da saúde; (2) 20% a factores ambientais, (3) 20%

453
a factores relacionados com a biologia humana e com um só progenitor ou pelo contrário muito nu-
(4) 10% a cuidados de saúde inadequados. Para merosas), (3) às grandes migrações populacio-
Richmond, que retoma aqui a visão de Lalonde nais, (4) aos conflitos armados, (5) à inequidade
(1974) estes dados têm que ter repercussões fun- económica e no acesso à saúde e à educação, (6)
damentais na distribuição do orçamentos para a à alteração do padrão de vida das populações nas
saúde. sociedades do mundo global (com grandes su-
Lalonde (1974) falava já então da necessidade perficies anónimas em vez da loja de bairro), (7)
de novas políticas nacionais de saúde, com ver- ao acesso ao crédito, (8) à ausência de padrões
bas distribuidas em quatro áreas: (1) estilo de vi- de interacção familiar (p.e., sem refeições “em
da, (2) meio ambiente, (3) biologia humana e (4) família”) e ainda (9) ao aumento da consciência
organização de cuidados de saúde; distribuição ambiental e da própria saúde.
esta que coincide com as principais causas de Como comenta Ribeiro (1998) novos desafios
morte apresentadas por Richmond (1979). multifacetados se colocam para a saúde/bem es-
Ramos (1988), argumenta, que os novos desa- tar, incluindo entre outros: (1) aspectos de pres-
fios da saúde no século XX estão no envelheci- são social relacionados com o estilo de vida (so-
mento da população, nas novas dinâmicas fami- mos pressionados a “ter”, a “parecer”, a escon-
liares, nas novas migrações, numa maior e mais der sentimentos; o pós-modernisnmo é sem dú-
cara intervenção a nível da “doença”, numa po- vida um tempo de excesso, de abundância e de
lítica de aproximação dos serviços à comunidade desperdício, em simultâneo com a privação nou-
(com uma aceitação cada vez maior de políticas tras zonas do planeta), (2) as condições de vida
de desinstitucionalização), um maior poder do (pobreza, ignorância, desigualdade de acesso aos
consumidor (mais exigente, crítico e participati- serviços de educação, saúde e justiça, habitação,
vo) e uma maior preocupação dos políticos pela trabalho, stresse laboral, familiar e ambiental, mi-
opinião pública, que ganha mais força após a re- gração, isolamento, exclusão social, qualidade do
volução da informação. ar, oferta a nível de lazer, agentes infecciosos),
A Carta de Ottawa (OMS, 1986) tece conside- (3) os estilos de vida relacionados com a saúde
rações no sentido da protecção do ambiente e da (alimentação ou bebida em excesso, consumo de
sua repercussão na saúde das populações. No en- drogas, alimentação pouco cuidada, excessiva ou
tanto, a percepção da deterioração do ambiente fome, sedentarismo, lazer, stresse no dia-a-dia, vio-
não é partilhada por outros cientistas (Lomborg, lência doméstica, social, sobre menores ou na-
2001, cit. in Buesco, 2003) que após consulta de cional/internacional), (4) as redes sociais de apoio
várias fontes oficiais conclui e defende, suscitan- socio-cultural (família, vizinhos, amigos, grupos
do alguma polémica, que o planeta não está em na escola ou emprego, capital social, igreja, clu-
perigo e que os problemas mais urgentes são a bes, serviços de saúde, estado de saúde, vacina-
fome (pela sua distribuição desigual pelo plane- ção, competências pessoais e sociais). Voltamos
ta) e a pobreza. Neste contexto os decisores da aqui, mas a um outro nível de complexidade e de
política mundial têm que reflectir sobre as prio- competência, ao conceito de saúde holística dos
ridades globais de intervenção. filósofos/médicos/mestres gregos, conceito este
A promoção da saúde envolve um vasto con- em que a saúde das pessoas, ainda que de modo
junto de factores que incluem adaptações ambi- algo incipiente, se procurava sempre no equilí-
entais e comportamentais conseguidas através de brio das várias “vidas” do homem e no equilíbrio
estratégias educacionais, motivacionais, organi- deste com a natureza.
zacionais, económicas, reguladoras e tecnológi- Apesar de se caminhar no sentido de um mo-
cas, mantendo como foco a acção sobre as pes- delo ecológico da saúde, ainda existe um longo
soas, os grupos e a população (Egger et al., 1999). caminho a percorrer até ao reconhecimento que:
As intervenções no âmbito promoção da saúde (1) a promoção e protecção da saúde e a preven-
têm vindo a sofrer alterações desde os anos 80, ção e tratamento da doença são partes diversas
associadas a mudanças sociais mais vastas, no- da mesma realidade, (2) a educação e o bem
meadamente no que diz respeito: (1) à redefini- estar económico são os principais factores de ris-
ção do papel da mulher (no trabalho e no casal), co para a saúde, (3) o meio ambiente, rural ou
(2) à mudança do conceito de família (famílias urbano, tem fortes ressonâncias na saúde, (4) os

454
indivíduos, a comunidade e os governos têm res- «Uma velha história conta que Moreno falan-
ponsabilidades na saúde das populações. do um dia com Freud, lhe disse: tu vês os do-
A OMS (WHO, 2001) defende: (1) programas entes no consultório, eu vejo as pessoas no seu
preventivos e promocionais, que promovam as dia-a-dia; tu analisas os sonhos dos teus doen-
capacidades das pessoas, actuando de preferên- tes, eu ajudo as pessoas a tornar os seus sonhos
cia antes que os sintomas se instalem, (2) uma realidade.» (autor desconhecido)
acção que inclua estratégias para diminuição do
estigma, da discriminação, da exclusão social e
da desigualdade de oportunidades, (3) preconiza A TERCEIRA REVOLUÇÃO EM SAÚDE
a partilha de “boas práticas”, após avaliação, de
modo a criar programas baseados nas experiên- Alguns referem-se agora a uma Terceira Re-
cias avaliadas. Ainda neste relatório (“Nova com- volução da Saúde que tem a ver com a racionali-
preensão, nova esperança”), sugerem-se (1) in- zação dos custos, com uma avaliação dos desper-
tervenções com jovens, com especial atenção dícios e uma avaliação dos resultados de modo a
para a questão das necessidades e tarefas ligadas se providenciar a acção mínima eficaz, interven-
ao desenvovimento e sua repercussão na saúde, ções sustentáveis e criação de recursos (“Low
(2) intervenções que envolvam os contextos so- cost, high impact”).
ciais, (3) intervenções que ajam precocemente e Embora a racionalização dos custos seja ine-
(4) intervenções que promovam a participação e vitável, espera-se que se traduza em medidas de
a competência das populações-alvo. Na sequên- capacitação e co-responsabilização do cidadão
cia deste relatório são estabelecidas metas dife- de modo a que lhe seja proporcionado o melhor
renciando três grupos de países em função da sua serviço com vista à promoção e protecção da sua
situação económica, prevendo mais tempo para saúde, no entanto alguns vêem nesta medida ape-
os países com maiores dificuldades. nas um meio de restrição de custos, responsabi-
Uma “nova compreensão”, um “novo enten- lizando e culpabilizando o cidadão pela sua do-
dimento” de que a saúde mental, física e social ença. A participação do cidadão preconizada na
são condições vitais e profundamente interde- Carta de Ottawa (OMS, 1986) implica necessa-
pendentes e de que, à medida que cresça a nossa riamente uma resposta organizada do sistema e a
compreensão sobre esta interdependência, mais vontade política de aumento da participação do
óbvio se tornará que a saúde mental é crucial pa- cidadão na protecção e promoção da sua saúde.
ra o bem estar de todos os indivíduos, sociedades Implica a mediação desta participação como uma
e países (WHO, 2001). real acessibilidade, implica não uma redução de
Refere-se ainda este documento a interven- custos mas uma transferência de recursos. Capa-
ções preferencialmente na comunidade (“envol- citar o cidadão implica meios e oportunidades,
vimento o menos restritivo possível e tratamento implica transferência de recursos (conhecimen-
o menos restritivo e menos intrusivo possível”), tos, técnicas, poder e dinheiro) para a comunida-
embora chame a atenção para o facto de que a de. Restringindo a análise à questão económica,
desinstitucionalização e a intervenção na comu- mesmo já sem falar de questões éticas e humanas
nidade necessitam de condições para ser imple- ligadas à igualdade de oportunidades, a saúde
mentadas. Preconiza dez recomendações: (1) tem vantagens económicas directas (menos gas-
disponibilização de tratamento no âmbito dos tos com a doença) e indirectas (menos absentis-
cuidados de saúde primários, (2) disponibiliza- mo e maior produtividade).
ção de medicação adequada, (3) prestação de cui- Durenberger e Foote (1993), como já anterior-
dados na comunidade, (4) educação da opinião mente Richmond (1979) e Lalonde (1974) defen-
pública, (5) envolvimento da comunidade, da fa- dem de uma redistribuição dos custos, distin-
mília, dos consumidores, (6) estabelecimento de guindo uma medicina de “cuidados urgentes” e
políticas nacionais, programas, legislação, (7) de “cuidados de saúde a longo prazo” (necessi-
desenvolvimento de recursos humanos, (8) esta- tando sobretudo de cuidados de hotelaria e auto-
belecimento de laços inter-sectoriais, (9) monito- nomia e apoio social) como é o caso das doenças
rização da saúde mental da comunidade, (10) crónicas, deficiências e processos de envelheci-
apoio à investigação. mento e longevidade. A grande maioria de recur-

455
sos em matéria de saúde, tanto a nível económi- áreas de: (1) actividade física, (2) nutrição, (3)
co como científico continua a reverter para os consumo do tabaco, álcool e drogas, (4) planea-
cuidados médicos, apesar de ser agora ampla- mento familiar, (5) saúde mental, (6) violência,
mente reconhecido que o que determina a vida e (7) abuso físico e sexual, (8) programas comuni-
a saúde das pessoas são factores fora do âmbito tários, (9) lesões, (10) segurança ocupacional,
da medicina e mais bem resolvidos com medidas (11) saúde ambiental, (12) segurança alimentar e
de saúde pública, de promoção e protecção da drogas/medicamentos, (13) saúde oral, (14) saú-
saúde, prevenção da doença, ambientes despoluí- de materno-infantil, (15) doenças da circulação,
dos, segurança no trabalho, segurança fisica em (16) cancro, (17) diabetes e outras doenças cró-
ambientes familiares, sociais e ambientais, hábi- nicas, (18) VIH/SIDA, (19) DSTs, (20) vacina-
tos alimentares e redução dos consumos. ção e (21) doenças infecciosas.
Em Portugal (DGS, 2002) o Relatório de Pri-
mavera do Observatório Português dos Sistemas
de Saúde (OPSS) declara a educação e a promo- A SAÚDE NOS PAÍSES EM
ção da saúde como um investimento em saúde (e DESENVOLVIMENTO (PED)
não um custo) e o quadro comunitário de apoio,
no período de 2000 a 2006 (Saúde XXI), inclui O relatório da Conferência de Alma-Ata (WHO,
um vasto número de inciciativas de promoção da 1978) debruça-se sobre os países em desenvolvi-
saúde, desde as mais clássicas de prevenção de mento (PED) e reflecte sobre a necessidade de
doenças transmíssíveis (tuberculose, SIDA, p.e.) uma visão abrangente dos técnicos admitidos nas
e da protecção materno-infantil (vacinações, pla- equipas de intervenção em saúde, considerando
neamento familiar e protecção contra a violên- imprescindível a participação dos indivíduos
cia), até outras mais recentes como a segurança que nessas culturas realizam intervenções na
alimentar, a prevenção de doenças do coração e área da saúde, (1) tanto como forma de capacita-
dos cancros, a prevenção do sedentarismo, a pro- ção da população, de obtenção da sua confiança
moção de uma sexualidade saudável, a preven- e optimização da sua participação, (2) como en-
ção do tabagismo, do alcoolismo, da toxicode-
quanto forma de compreensão e contextualização
pendência e a promoção da saúde na escola e no
de problemáticas e sintomas e ainda (3) enquanto
local de trabalho. As metas quantificadas para
como forma de visar a saúde/bem estar integral
estas medidas foram também divulgadas no do-
das pessoas, que passará sem dúvida pela proxi-
cumento “Saúde: um compromisso (1998-2000)”
midade daquelas em que culturalmente se confia,
(DGS, 1999).
e finalmente (4) pela recuperação de um ambi-
A nível da Europa, como defende Campos
ente de apoio social. Nas recomendações deste
(1995), a instabilidade económica e social tem
relatório defende-se (WHO, 1978) que os servi-
vindo a agravar as desigaldades em termos de
saúde. Algumas causas de doença crónica e mor- ços de saúde, nomeadamente os que estão liga-
te (doenças cardio-vasculares, insuficiência renal dos a intervenções transculturais, não podem obs-
crónica e perturbações mentais) não têm regre- tinar-se num desenvolvimento impessoal e pre-
dido. Para além disso, defende, os programas de tender depois ir ao encontro da intimidade das
saúde pública destinados à modificação de com- populações em questões como a vida, a morte, o
portamentos tendem por sua vez a ser mais bem amor, a felicidade, a doença.
assimilados pelos mais instruídos e favorecidos, Esta estrada onde moro entre duas voltas do caminho
e este facto ainda mais agrava o fosso e as desi- interessa mais do que uma avenida urbana.
gualdades em saúde. Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Esta perspectiva sublinha a importância da de- Todo o mundo é igual.
finição de metas, avaliação de resultados e rede- Todo o mundo é toda a gente.
finição de novas metas em função da avaliação, Aqui não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
como exempo deste processo McGinnis (1991) Cada criatura é única.
apresenta as metas para a Saúde 2000, na se- (Manuel Bandeira, A estrada, 1921, in Rondó
quência da avaliação e reformulação das metas das mulheres do sabonete Araxá, Colares
para a Saúde 1990. Estas metas situam-se nas ed., 1995)

456
Constata-se que muitos aspectos da vida do Considerando a promoção e protecção da saú-
quotidiano, das relações entre as pessoas e das de, quer a nível das pessoas quer a nível das po-
pessoas com o ambiente são relevantes para a pulações, ter-se-á em consideração a pirâmide de
sua saúde. A generalização abusiva de estraté- motivações (Maslow, 1968), especialmente quan-
gias de organização de cuidados de saúde a con- do se trabalha com populações em grande priva-
textos, culturas e religiões diferentes de onde pri- ção económica ou de segurança. Como refere Mas-
meiro se implementaram, é efectivamente prática low (1968) é dificil pensar na sua saúde e no
de graves custos com contornos de “condescen- mundo de amanhã, quando está em causa a so-
dência e etnocentrismo” entreculturas. brevivência hoje. É dificil pensar em realização
O progresso económico, a nível dos países, pessoal quando se tem fome, febre, dores ou me-
não se identifica totalmente com uma melhor si- do.
tuação em matéria de saúde. Os progressos nos
cuidados de saúde são prejudicados por alguns
factores nefastos ligados ao progresso económi- PSICOLOGIA DA SAÚDE, SAÚDE PÚBLICA E
co. Esta “transição em saúde” tem implicações SAÚDE INTERNACIONAL
sérias em termos de cuidades e serviços de saúde
que começámos por referir. Com a evolução dos sistemas da saúde, o de-
Nos países em desenvolvimento (PED), cons- senvolvimento farmacológico e das ciências do
tata-se que a falta de água potável, a falta de con- comportamento e o abandono dos modelos insti-
dições sanitárias, as deficiências de vacinação e tucionais (hospitais, prisões, asilos), os psicólo-
da saúde materno-infantil são ainda condições gos, que habitualmente lidavam com a doença
salientes, mas acumulam desde há anos com as mental, foram chamados a intervir com pessoas
questões prementes a nível da saúde nos países sem doença mental, no apoio à adaptação à do-
mais desenvolvidos: consumos, excessos, defici- ença e na adaptação às sequelas da doença (Ri-
ente alimentação, doenças sexualmente transmis- beiro, 1999). Em seguida, a sua acção foi-se es-
síveis entre as quais o VIH/SIDA, a obesidade e tendendo à promoção e protecção da saúde das
os diabetes, a violência e os acidentes, as carên- pessoas, e mais tarde à promoção e protecção da
cias a nível de saúde mental com alienação/de- saúde das populações nas suas comunidades ha-
senraizamento/isolamento/exclusão social. bituais ou nas comunidades de acolhimento (ca-
Nos países com graves indicadores de pobre- so dos migrantes). Esta nova visão implica uma
za, higiene e salubridade, deficientes cuidados de nova dinâmica tanto para a Psicologia como pa-
saúde e educação, o equilíbrio homem-agentes ra a Saúde Pública, introduzindo do ponto de
patológicos tem ainda situações de ruptura, pro- vista dos prestadores de cuidados de saúde uma
vocando epidemias. Nestas situações são cada dimensão de trabalho em equipa multidisciplinar
vez mais medidas de saúde pública as responsá- com inclusão para além de psicólogos e especia-
veis pelo restabelecimento de ambientes saudá- listas em saúde pública, de outros técnicos de
veis. áreas como o direito, a economia da saúde, a so-
Numa perspectiva mundial, o custo da globa- ciologia, as ciências políticas e a antropologia.
lização leva a que aqueles países tenham um Nos dias de hoje, paradigmas emergentes apon-
contacto precoce com o melhor e o pior dos paí- tam para conceitos como “empowerment/capa-
ses industrializados. Saliente-se em particular, citação”, “activação de recursos comunitários”,
para falar apenas de riscos para a saúde, o consu- “intervenções preventivas”, “intervenções pro-
mo abusivo de bebidas alcoólicas, alimentação mocionais”, “qualidade de vida”, “participação”,
sem qualidade e rica em gorduras, consumo de “acessibilidade”, “igualdade de oportunidades”,
drogas, forte apelo ao consumo e ao “consumis- “parcerias”, entre outros. Tal implica um novo
mo” com um potencial efeito secundário em ter- processo de trabalho, com repercussões claras a
mos de criminalidade para os mais desfavore- nível da própria formação dos técnicos de saúde,
cidos, o sedentarismo, os acidentes (nomeada- com novos conceitos chave (1) trabalho em equi-
mente sob o efeito de álcool e drogas), os com- pa interdisciplinar, (2) linguagem comum, (3) ar-
portamentos sexuais de risco (nomeadamente sob ticulação de projectos, (4) gestão de poder e re-
o consumo de álcool e drogas). cursos, (5) gestão de relações interpessoais e di-

457
nâmica de grupos, (6) promoção e protecção da nal (abuso, apatia, imaturidade, stresse, baixa au-
saúde, (7) dinâmicas comunitárias. Assiste-se toestima, descontrolo); (3) ligados à escola/em-
também, em consequência, a uma mudança do prego (fracasso, desmotivação, desinteresse, iso-
papel do profissional de saúde que passa a apa- lamento, provocação (bullying), sobre ou sub-
recer mais como um “catalizador do desenvol- expectativas); (4) problemas interpessoais (rejei-
vimento pessoal e social dos indivíduos”, assu- ção de pares, alienação, isolamento); (5) “handi-
mindo-se mais como um “membro da equipa caps” pessoais (originados por deficiência senso-
utente/profissional” do que como um “tratador” rial, fisica ou mental); (6) factores ecológicos
munido de “técnicas e saberes absolutos”. (vizinhança, desemprego, pobreza extrema); in-
A teoria da acção social (Ewart, 1991) dá um justiça racial ou outra forma de discriminação); (7)
enquadramento teórico à aplicação da Psicologia atraso de desenvolvimento (competências sociais
à Saúde Pública. A teoria da acção social define fracas, fraca atenção, défice de leitura, competên-
que há estados da acção (o que fazemos), que mui- cias laborais reduzidas ou hábitos de trabalho não
tas vezes realizamos sem mesmo nos aperceber- estabelecidos, fraco potencial cognitivo).
mos, dentro das nossas rotinas e em certos con- Em síntese, a sinergia entre a Psicologia da
textos (fumar, praticar actividade física, ingerir Saúde e a Saúde Pública na área da promoção e
bebidas e/ou comer). Ewart (1991) defende que é protecção da saúde dos indivíduos e das popula-
preciso estudar os mecanismos de mudança, que ções desenvolveu-se a partir de vários factores:
perspectivem as mudanças individuais enquadra- (1) da insuficiência do modelo biomédico, de-
das em mudanças favoráveis no sistema ambien- pois da Medicina e da Saúde Pública terem con-
tal, isto é introduzir bons hábitos nas rotinas das seguido neutralizar os principais agentes infec-
pessoas e promover a auto-protecção a partir da ciosos, virais, tóxicos e bacteriológicos, (2) da
vida de todos os dias (alteração de leis, mudança preocupação com a prevenção das doenças e a
de ambientes, modificação de populações). Este qualidade de vida, (3) da mudança da preocu-
processo, continua Ewart (1991) implica interde- pação das doenças infecciosas para as doenças
pendência social e auto-regulação. crónicas, com os progressos da Medicina e con-
Coie et al. (1993) defendem que a intervenção sequente aumento da esperança média de vida,
da Psicologia na área da Saúde deve centrar-se (4) da aceitação do papel que têm para a saúde o
nos determinantes, nos mediatizadores e nas estilo de vida e os comportamentos de protecção
consequências dos comportamentos dos indiví- e risco, (5) da evolução da investigação nas ciên-
duos, com ênfase na transacção entre a pessoa e cias do comportamento, (6) dos aumentos dos
o ambiente, tendo em consideração a idade de custos em saúde e procura de alternativas aos
desenvolvimento da população, i.e., adicionando cuidados de saúde tradicionais.
à perspectiva ecológica uma orientação desenvol- Numa tentativa de integração e síntese das
vimental. Referem ainda estes autores que os facto- ideias expressas, propõe-se uma rápida retros-
res de risco têm um efeito cumulativo, dão ori- pectiva histórica pelo conhecimento, investiga-
gem a vários problemas e são neutralizados por ção e intervenção na área da promoção de com-
factores de protecção. Defendem portanto (1) portamentos ligados à saúde, na comunidade:
uma intervenção preferencial sobre os factores
de protecção (resiliência, vantagem social, com- - A passagem de um modelo mais “clínico” a
petências pessoais), (2) uma actuação sobre fac- um modelo promocional. Actualmente o fo-
tores indicativos precoces, e (3) a conjugação de co é posto na promoção de competências pes-
intervenções universais com intervenções mais soais e sociais. Esta abordagem implica que
selectivas. o indivíduo é apoiado nos seus esforços de
Coie et al. (1993) defendem ainda uma liga- autonomia e participação, de tomada de de-
ção próxima da intervenção à investigação como cisões, de concretização e persistência;
modo de avaliação de acções. Identificam facto- - A passagem de uma intervenção mais cen-
res de risco para a saúde (1) de ordem familiar trada nos indivíduos e nas suas patologias
(baixo estatuto económico, conflito familiar, do- (consumos, sedentarismo, alimentação de-
ença mental, desorganização, comunicação difi- ficiente, sintomas físicos e psicológicos),
cil, dimensão da família); (2) de ordem emocio- para uma intervenção centrada na relação

458
do indivíduo com os cenários e actores re- multi e interdisciplinar onde disciplinas co-
levantes do seu quotidiano, e na competên- mo a medicina, psicologia, economia, an-
cia dos indivíduos para se tornar agentes tropologia, sociologia, direito, ciências po-
activos dessa interacção e capazes de iden- líticas entre outras, interajam na compreen-
tificar necessidades de mudança e de as pro- são da saúde das populações.
duzir a nível pessoal, interpessoal e comu-
nitário;
- A relativização da importância atribuída à PROMOÇÃO E EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE
prevenção (muitas vezes não é possível
afastar os indivíduos do contacto com facto- O conceito de promoção da saúde inclui a
res de risco) e o equilíbrio entre estratégias ideia de que a saúde pode desenvolver-se ao lon-
preventivas e estratégias de promoção de com- go do ciclo da vida e que esta evolução é quali-
petências pessoais e sociais que permitam tativa. Inclui ainda a ideia de que a saúde é um
aos indivíduos, em certos casos, o convívio processo (e não um estado) que tem a ver com a
com factores de risco sem que se deixem interacção do organismo com o seu ambiente fí-
prejudicar a nível individual. Tal implica a sico e social. Neste registo, o homem passa a ser
identificação de factores ligados à protec- visto como um sistema auto-organizado e auto-
ção, a nível pessoal, social e comunitário; construído, que inclui funções biológicas (estado
- A evolução do conhecimento que leva à ne- dos orgãos, p.e.), de gestão (identificação de pro-
cessidade de maior precisão, complexidade blemas, decisão, controlo), de manutenção (ali-
e profundidade na compreensão dos proces- mentação e bebida, p.e.) e excitatórias (atenção,
sos e mecanismos através dos quais actuam emoção, motivação, p.e.) (Ford, 1990), cuja com-
factores, contextos e actores implicando um preensão é inseparável do ambiente físico e so-
aumento da complexidade, precisão e pro- cial por onde transita.
fundidade nos estudos empíricos; A promoção da saúde é um processo que visa
- O modo como se passou a considerar a pre- dar às pessoas informações e conhecimentos das
venção do risco e promoção da protecção suas capacidades pessoais (genéticas, físicas e
como holística e integradora dos vários as- psíquicas) que lhes permitam rentabilizar o seu
pectos da vida dos indivíduos. Assim, num capital próprio numa perspectiva de aumentar o
paralelo com outras áreas de conhecimento seu controlo sobre os determinantes da sua saúde
e intervenção, cada vez se fala menos de e assim melhorar a sua saúde e a sua qualidade
programas de intervenção para a prevenção de vida. A qualidade de vida é, neste contexto, a
do tabagismo, do alcoolismo, do consumo percepção por parte dos indivíduos de que (1)
de drogas, da depressão, do suicídio, das per- participam na gestão das suas vidas e da sua saú-
turbações alimentares, da delinquência, do de, (2) as suas necessidades estão a ser satisfeitas
sedentarismo, etc. O que verdadeiramente e (3) não lhes estão a ser negadas oportunidades
se pretende é identificar e promover alter- de alcançar felicidade e satisfação, não obstante
nativas e permitir e facilitar a promoção de o estado físico de saúde, ou condições sociais e
competências de vida; económicas. A participação dos indivíduos é essen-
- A utilização de metodologias qualitativas cial neste processo (OMS, 1986).
(Matos & Gaspar, 2003; Matos, Gaspar, Vi- Um comportamento de saúde é qualquer acti-
tória & Clemente, 2003), tais como méto- vidade desenvolvida por um indivíduo, qualquer
dos de observação, entrevistas individuais e que seja o seu estado de saúde real ou percebido,
colectivas e grupos focais (“focus group”), com o objectivo de promoção, protecção ou ma-
para uma maior compreensão, contextuali- nutenção da saúde, quer esse comportamento
zação e aprofundamento dos resultados de seja ou não objectivamente eficiente para o fim
dados qualitativos. Este procedimento au- (OMS, 1986). Comportamentos de risco são for-
menta assim a participação das populações- mas específicas de comportamento associadas ao
-alvo na definição de problemáticas rela- aumento de susceptibilidade a uma doença espe-
cionadas com as suas vidas; cífica ou à «doença-saúde» (OMS, 1986). Os com-
- A consequente importância de uma visão portamentos de risco são usualmente definidos

459
como “perigosos” com base em dados epidemio- desprestigiante e desinteressante”, ao passo que
lógicos e dados psico-sociais. Consideram-se os consumos de substâncias, as velocidades, a
comportamentos de protecção aqueles que têm não utilização de cinto de segurança, o envolvi-
um efeito minimizador de situações de risco. Es- mento em lutas, a não utilização de capacete e
tratégias de resposta para a alteração de compor- em geral a transgressão são vistos como excitan-
tamentos de risco incluem o desenvolvimento de tes e como fonte de prestígio social. É pois pre-
competências pessoais e sociais, e a criação de mais ciso reduzir as barreiras físicas, económicas e
envolvimentos facilitadores da saúde (Matos, 1998; culturais que dificultam a escolha de comporta-
Matos, 2000; Matos et al., 2000; Matos, 2002; Ma- mentos protectores da saúde. É também necessá-
tos et al., 2003; Matos, 2004) no sentido da pro- rio incluir o indivíduo como parte deste processo
moção de comportamentos de protecção. de controlo e responsabilização sobre a sua saú-
É possível argumentar que quase todos os de e a saúde da comunidade.
comportamentos ou actividades de um indivíduo Como já se referiu, o envolvimento e a parti-
têm impacto no seu estado de saúde. Como cipação e responsabilização dos indivíduos não
comportamentos prejudiciais para a saúde temos pode pretender “desculpabilizar“ os serviços de
como já vimos (Russell, 1986), p.e., tabagismo, saúde com consequentes “cortes orçamentais” pa-
uma alimentação rica em gorduras, ingestão de ra o sector, trata-se sim de uma redistribuição de fi-
grandes quantidades de álcool, consumo de subs- nanciamentos, como também já aqui se defendeu.
tâncias psicopáticas ilegais, ou fora de um con- Na Carta de Ottawa (OMS, 1986), uma acção
texto de vigilância médica. Como comporta- de promoção da saúde significa: (1) construção
mentos de protecção da saúde temos, p.e., lava- de uma política de saúde pública; (2) criação de
gem dos dentes, uso de cinto de segurança, prá- envolvimentos que sustentem a saúde; (3) forta-
tica de actividade física, procura de informação lecimento da acção da comunidade para a saúde;
relacionada com a saúde, realização de exames (4) desenvolvimento de competências pessoais;
médicos de rotina regulares, adequado número (5) re-orientação dos serviços de saúde. Os esti-
de horas de sono por noite. los de vida estão ligados aos valores, às motiva-
O estudo dos comportamentos dos indivíduos ções, às oportunidades e a questões específicas
ligados à saúde e os factores que os influenciam ligadas a aspectos culturais, sociais e económi-
é essencial para o desenvolvimento com quali- cos (OMS, 1986). Não há um mas sim vários
dade de políticas de educação para a saúde, para tipos de estilos de vida “saudáveis”, e a varieda-
a promoção da saúde e para programas e inter- de estabelece-se em função do grupo onde o in-
venções nos indivíduos e nas comunidades. A divíduo está inserido e das suas próprias caracte-
promoção da saúde representa um amplo proces- rísticas individuais.
so social e político, que inclui não só acções diri- Argyle (1997) defende que a felicidade, o hu-
gidas ao fortalecimento das competências pesso- mor e a saúde se inter-influenciam. Apresenta
ais e sociais dos indivíduos, mas também acções um conjunto de factores de ordem pessoal e so-
dirigidas à alteração das condições sociais, am- cial que influenciam a saúde, quer directamente
bientais e económicas, mas também dirigidas a quer pela influência sobre a felicidade e o hu-
minorar o seu impacto na saúde pública e indi- mor. Estes factores incluem as relações inter-
vidual. A promoção da saúde tem a ver com a to- pessoais, o ambiente laboral e a motivação com
mada de medidas no dia-a-dia, quer a nível in- o trabalho, a classe social, e a actividade física e
dividual quer a nível colectivo. Estas medidas o lazer. Aspectos como a nutrição, a actividade
para além de participadas e concretizáveis, têm física, o tabagismo, o consumo de álcool, o con-
ainda e cada vez mais, de tornar a adopção es- sumo de drogas, a exclusão/isolamento social e o
tilos de vida saudáveis numa opção fácil e pres- stress laboral ou escolar, a violência, estão na ba-
tigiante do ponto de vista do reconhecimento so- se da definição de um estilo de vida com efeitos
cial, bem como uma fonte de prazer e de felici- nocivos para a saúde. De salientar no entanto
dade pessoal (Csikszentmihalyi, 1990a, 1990b). (Tobal, 2004) que em relação à quase totalidade
Este facto é sobretudo importante na adolescên- destes comportamentos um estilo de vida saudá-
cia onde, por vezes, a adopção de estilos de vida vel não tem uma relação linear com a existência,
saudáveis é vista como “cinzenta, aborrecida, intensidade ou frequência destes comportamen-

460
tos, registando-se em relação a alguns destes uma modificáveis; (3) desenvolvimento de estratégias
relação tipo “U invertido”, onde a ocorrência de para a modificação destes comportamentos, quer
valores médios dos comportamentos é conside- através de mudanças no indivíduo (cognitivas,
rado um melhor indicador de um estilo de vida emocionais, motivacionais, comportamentais),
saudável. Os exemplos mais paradigmáticos des- quer através de mudanças no envolvimento físi-
ta corrente de pensamento são a actividade física co e social.
e os cuidados relacionados com a nutrição, mas
outros poderiam ser considerados como o consu-
mo de álcool e as relações interpessoais (entre o REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
isolamento e a dependência). Como se vem argu-
mentando, as acções educativas têm de ser inte- Argyle, M. (1997). Is happiness a cause of health?. Psy-
gradas num contexto mais vasto de promoção da chology and Health, 12, 769-781.
saúde, para que sejam os próprios indivíduos Buesco, J. (2003). Da falsificação de euros aos pe-
quem toma decisões e se responsabiliza pela sua quenos Mundos. Lisboa: Gradiva.
Campos, A. C. (1995). Normativismo e Incentivos:
saúde; para que estes se sintam competentes pa-
Contributo da economia para a Administração da
ra adoptar estilos de vida saudáveis e ainda para saúde. In S. Piola, & S. Vianna (Eds.), Economia
que o seu envolvimento físico e social seja favo- da Saúde: Conceitos e Contribuição para a gestão
rável à escolha e manutenção de estilos de vida da saúde (pp. 69-98). Brasilia: IPEA.
saudáveis, permitindo uma acessibilidade fácil, Coie, J., Watt, N., West, S., Hawkin, D., Asernow, D.,
socialmente valorizada e duradoura. Makmer, H., Remey, S., Shure, M., & Long, B.
É cada vez mais sublinhada a importância da (1993). The Science of prevention. American Psy-
participação e da acessibilidade, por parte dos chologist, 10, 1013-1022.
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: the Psychology of
indivíduos, na adopção e manutenção de estilos
Optimal Experience. New York: Harper & Row
de vida saudáveis. Publishers.
A educação para a saúde é um processo de ca- Csikszentmihalyi, M. (1990). Finding Flow: the Psy-
pacitação, participação e responsabilização dos chology of engagement with everyday life. New
indivíduos que conisga potenciar a percepção York: Basic Books.
individual de competência, felicidade pessoal e DGS (1999). Saúde um compromisso: as estratégias da
valor próprio, quando a escolha é adoptar e man- saúde para o virar do século (1998-2002). Lisboa:
ter estilos de vida saudáveis. A educação para a DGS, Ministério da Saúde.
DGS (2002). Relatório de Primavera do OPSS. Lisboa:
saúde não se pode limitar a adoptar uma abor-
DGS, Ministério da Saúde.
dagem específica da doença, nem privilegiar ape- Durenberger, D., & Foote, S. (1993). Beyond Incremen-
nas a sua informação ou as suas características talism. American Psychologist, 48 (3), 277-282.
instrumentais. Implica uma resposta organizada Egger, G., Spark, R., Lawson, J., & Donovan, R. (1999).
do sistema no sentido de permitir que esta edu- Health promotion strategies and methods. Sydney:
cação para a saúde tenha repercussão na vida dos McGraw-Hill.
jovens, no seu quotidiano, nomeadamente tor- Ewart, C. (1991). Social Action theory for public health
nando acessíveis cenários e contextos promo- Psychology. American Psychologist, 46 (9), 931-
-944.
tores de saúde. Numa perspectiva de educação
Ford, D. (1990). Positive health and living systems fra-
para a saúde, considerando vários comporta- mework. American Psychologist, 45 (8), 980-981.
mentos associados à saúde (cuidados de saúde Lalonde, M. (1974). A new perspective on the health of
primários, alimentação, prevenção de consumos, Canadians. Ottawa: Information Canada.
prevenção de comportamentos sexuais de risco, Lancet (1991). What’s new in public health?, Lancet
prevenção do sedentarismo, promoção da com- editorial, 337 (8), 1381-1383.
petência pessoal, promoção de relações interpes- Lorion, R. (1991). Prevention and Public health. Ame-
soais gratificantes), a eficácia na modificação de rican Psychologist, 46 (5), 516-519.
Maslow (1954). Motivation and personality. New York:
comportamentos no sentido da adopção de um
Harper and Row.
estilo de vida saudável passa por (1) compreen- Maslow (1968). Towards a Psychology of Being (2nd
são da história “natural” dos comportamentos ed.). New York: UN.
visados; (2) identificação de determinantes pes- Matos, M. (1998). Comunicação e Gestão de Conflitos
soais, sociais, situacionais, ambientais e políticas na Escola. Lisboa: Edições FMH.

461
Matos, M. (2000). La promotion de competènces chez RESUMO
des mineurs delinquents. International Conference
on Probation, CEJ, Lisboa. A Psicologia da Saúde é um campo da Psicologia
Matos, M. (2002). Prevenir o mal-estar pessoal e o desa- cada vez mais valorizado no campo da Saúde em áreas
justamento pessoal. Cidade Solidária, 8 (5), 38-45.
como a relação das pessoas, no dia a dia, com a Saúde
Matos, M. (2004). Social adventure in the community.
e com a Doença, a comunicação e cooperação com os
In Reducing inequities in health, European mee-
ting, Copenhaga. restantes técnicos de Saúde e a investigação e inova-
Matos, M. et al. (2003). A saúde dos adolescentes por- ção no Sistema de Saúde. Este facto tem a ver com a
tugueses (4 anos depois). Lisboa: FCT/CNLCSI evolução histórica do conhecimento, da intervenção e
DA/FMH/IHMT. da investigação nesta área, que ocasionou uma conver-
Matos, M., Gaspar, T., Vitoria, P., & Clemente, M. (2003). gência “histórica”, entre o âmbito da Psicologia da
Adolescentes e o tabaco: Rapazes e raparigas. Lis- Saúde, o âmbito da Saúde Pública e ainda o âmbito da
boa: FMH, CPT, Ministério da Saúde. emergente Saúde Internacional, com benefícios para
Matos, M., & Gaspar, T. (2002). Gender and smoking essas três áreas.
in young people in Portugal. In M. Lambert, A. Uma outra consequência foi o aumento da forma-
Hublet, P. Verduyckt, L. Maes, & S. Broucke (Eds.), ção específica na área da Psicologia da Saúde por parte
Gender differences in smoking in young people (pp.
da maior parte das Escolas Superiores de Psicologia,
107-120). Brussels: Flemish Institute for Health
Promotion, ENYPAT, ECC. com inclusão de conteúdos ligados à Saúde Pública e
Matos, M., Simões, C., & Carvalhosa, S. (2000). Desen- Saúde Internacional, o mesmo acontecendo na forma-
volvimento de Competências de Vida na Prevenção ção nas áreas da Saúde Pública e Saúde Internacional,
do Desajustamento Social. Lisboa: FMH/IRS-MJ. que em geral passam a incluir conteúdos ligados à Psi-
McGinnis, J. (1991). Health objectives for the nation. cologia da Saúde. Durante este trabalho serão revistas
American Psychologist, 46 (5), 520-524. estas mudanças históricas bem como a sua repercussão
Nichols, D., & Gobble, D. (1990). On the importance of na formulação de questões relativas à promoção da
disregulatory processes in the models of health. saúde/bem-estar dos indivíduos e da comunidade.
American Psychologist, 45 (8), 981-982. Palavras-chave: Psicologia da Saúde, Saúde Públi-
OMS (1986). Carta de Ottawa para a promoção da saú- ca, Saúde Internacional.
de. Versão portuguesa “Uma Conferência Interna-
cional para a Promoção da Saúde com vista a uma
nova Saúde Pública”, 17-21 Novembro, Ottawa,
Canada. Lisboa: Direcção Geral de Saúde. ABSTRACT
OMS (2002). Rapport sur la santé dans le monde “Ré-
duire les risques et promouvoir une vie saine”. Ge- The relevance of Health Psychology in the health
néve: OMS. field is increasing, including areas such as daily rela-
Ramos, V. (1988). Prever a medicina das próximas dé- tionship of people with health and disease, communi-
cadas: que implicações para o planeamento de edu- cation and cooperation with other health professionals
cação médica. Acta Médica Portuguesa, 2, 171-179. and research and innovation in the Health System.
Ribeiro, J. L. P. (1998). Psicologia e Saúde. Lisboa:
This fact has to do with an historical evolution of
ISPA.
Richmond, J. (1979). Healthy people: The surgeon ge- knowledge and research in this area whose consequence
neral’s report on health promotion and disease pre- was an “historical” convergence among Health Psy-
vention, (doc. 017 001-0041602) USA Dept of health. chology, Public Health and the more recent International
Education and welfare. Washinghton DC: US Gov Health, and had important benefits for those three areas.
Printing Office. Another consequence had to do with academic
Russell, L. (1986). Is prevention better than cure? training. Most of Superior Psychology Schools include
Washington: The Brooking Institute. now a specific training in Health Psychology, with con-
Stokols, D. (1992). Establishing and maintaining heal- tents in Public Health and International Health, and in
thy environements towards a social ecology of health the same way, most Public Health Schools and Inter-
promotion. American Psychologist, 47 (1), 6-22. national Health Schools include now contents in Health
Tobal, J. J. M. (2004). Lifestyle, psychological factors
Psychology.
and health. In The future of Mind and behaviour
This work will review these historical changes and
Sciences, Torre do Tombo, Lisboa.
WHO (1978). Primary health care. Report of the Inter- their consequences on this new understanding about
national Conference of primary health care. Alma- health/well- being promotion in individuals and in the
Ata: USSR; Geneve: WHO. community.
WHO (2001). Mental health: New understanding, new Key words: Health Psychology, Public Health, In-
hope. Geneve: WHO. ternational Health.

462
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 463-473

Promoção da saúde: O renascimento de


uma ideologia?

MARIA DO ROSÁRIO DIAS (*)


ALEXANDRA FRECHES DUQUE (*)
MARGARIDA GUERREIRO SILVA (*)
ESTRELLA DURÁ (**)

1. SOBRE OS ANCESTRAIS DA PROMOÇÃO DA Segunda Revolução da Saúde, que conceptuali-


SAÚDE zava o “comportamento” como a grande epide-
mia do século XX. Este paradigma teórico, veio
Posicionamentos diversos oriundos das ciên- a centrar-se na saúde ao invés das doenças e pre-
cias sociais e comportamentais têm-se conjugado conizava o retorno a uma perspectiva ecológica
para oferecer uma compreensão mais integrada e (Ogden, 1998; Pais Ribeiro, 1994, 2000). Esta re-
holística da experienciação da doença, configu- volução introduziu conceitos teóricos marcantes
rada no que Engel (1977) denominou de modelo e inovadores para os países desenvolvidos, onde
bio-psico-social. A característica essencial deste os benefícios da Primeira Revolução da Saúde,
modelo é a rejeição do pensamento reducionista centrados na prevenção, já eram visíveis. Desta-
e dualista na abordagem dos processos de saúde cam-se, assim, com a Segunda Revolução da Saú-
e doença, conceptualizando-os como resultado de, dois conceitos centrais, específicos e renova-
da intervenção de factores tanto biomédicos como dores: a Promoção da Saúde e o Estilo de Vida.
psicológicos e sociais, os quais devem ser to- As preocupações com um estilo de vida salu-
mados em linha de conta aquando da análise dos togénico, controlo do comportamento, protecção
determinantes etiológicos de uma doença e res- contra os acidentes, prevenção de doenças espe-
pectivo tratamento (Dias, 1997; Durá, 1997; Du- cíficas ou adopção de estilos de vida que visem
rá & Dias, 1997). aumentar a energia disponível para a vida do quo-
A Psicologia da Saúde na década de 70, teve tidiano, continuarão a dominar num futuro próxi-
como marco teórico aquela que foi considerada a mo (Pais Ribeiro, 1994; Marin, 1995; Bennett &
Murphy, 1999) os determinantes e os organiza-
dores sociais dos países desenvolvidos.
Tal como o comportamento em geral, os com-
portamentos de saúde poderão ser influenciados
por atitudes, hábitos, valores, sentimentos, cren-
(*) Instituto Superior de Ciências da Saúde-Sul, Egas
Moniz Cooperativa de Ensino Superior.
ças e, até mesmo, por modas, que caracterizam e
(**) Faculdade de Psicologia da Universidade de Va- definem o estilo de vida de cada pessoa, o qual é,
lência, Universidade de Valência. em grande parte, responsável pelo sentimento de

463
bem-estar biopsicossocial do indivíduo (Ribeiro Unidos da América, em 1975 (The John E. Fo-
da Silva, 2002). Alguns destes conceitos, como garty International Center for Advanced Study in
sejam as atitudes, as crenças e as emoções, de- the Health Sciences and the American College of
sempenham um papel central em certos modelos Preventive Medicine, 1976, citado por Kolbe et
teóricos, tais como o modelo de crenças de saú- al., 1986), que enfatiza o tratamento médico e
de e a teoria da acção racional (Ajzen & Fish- sugere que a promoção da saúde inclui todas as
bein, 1980), a teoria da motivação protectora (Ro- actividades médicas e de saúde pública tradicio-
gers, 1983) e o modelo utilitário de expectativas nais. Segundo esta definição, o mais importante
subjectivas (Slovic, Fischh & Lichtenstein, 1987). para a promoção da saúde é o conhecimento ge-
Da articulação entre os vários modelos referidos rado pela investigação sobre condutas de saúde
pode concluir-se que o comportamento específi- acerca de “como” e “porquê” as pessoas utilizam
co de um indivíduo, e a sua intenção para o rea- os serviços de saúde, como respondem aos re-
lizar, resultam de uma combinação de atitudes, gimes médicos estabelecidos e como interpretam
de onde derivam as crenças de saúde (Kirscht, os sinais e sintomas da doença, na medida em
1974; Wardle & Steptoe, 1991; Steptoe & Wardle, que, estas condutas estão relacionadas ou são de-
1992; Steptoe et al., 1997). terminadas por factores pessoais, familiares ou
A percepção que o indivíduo tem da probabi- sociais.
lidade de contrair uma doença, bem como da Em franco contraste, outras definições põe em
gravidade e das consequências de adoecer, des- evidência a reforma social, tal como a definição
poleta comportamentos de saúde associados a sugerida pelo European Working Group on Con-
um determinado estilo de vida (Pais Ribeiro, 1998). cepts and Principles of Health Promotion em 1984,
Todavia, o comportamento do indivíduo está em que a promoção da saúde implica o desen-
também sujeito a inúmeras influências externas. volvimento de políticas de saúde pública, a cria-
Daí que seja “algo limitada” a responsabilidade ção de ambientes de suporte, a participação da
para tomar decisões comportamentais em relação comunidade, o desenvolvimento das capacidades
ao estilo de vida adoptado. Haverá, pois, que cen- pessoais e uma orientação dos serviços de saúde,
trar todos os esforços na mudança do comporta- para além da mera prestação de cuidados clínicos
mento humano, apesar das mudanças deste tipo e curativos. De acordo com esta perspectiva, o
serem de largo espectro e de uma grande com- conhecimento do modo como os factores comu-
plexidade, na medida em que, não basta informar nitários institucionais e de política social deter-
acerca dos malefícios de determinados tipos de minam as actividades relacionadas com a saúde,
comportamento para que se verifique uma verda- torna-se o veículo central em promoção de saú-
deira mudança (Pais Ribeiro, 1994). de.
Com base no conhecimento gerado pela “epi- A diferença categórica entre estas duas defini-
demiologia comportamental” e pela investigação ções, baseia-se na distinção entre os conceitos de
sobre condutas de saúde, os conceitos de promo- prevenção da doença e promoção da saúde. His-
ção da saúde e de educação para a saúde surgem toricamente, os esforços desenvolvidos ao nível
aliados à evidência de que a maioria dos factores das políticas de saúde têm-se debruçado sobre o
de risco associados às doenças crónicas e agudas conceito de doença e a sua prevenção, através de
são de natureza comportamental e, como tal, esses três níveis de actuação – prevenção primária, pre-
factores de risco assim como as doenças que cau- venção secundária e prevenção terciária. Ao ní-
sam, podem ser reduzidos através de interven- vel da prevenção primária procura-se prevenir a
ções planeadas para o efeito. morbilidade, através da diminuição dos factores
A promoção da saúde tem vindo a ser definida de risco ou do aumento dos factores de pro-
de muitas formas e, ainda que todas as defini- tecção. Por outro lado, quando se actua ao nível
ções partilhem conteúdos similares, enfatizam da prevenção secundária, pretende-se detectar a
alguns aspectos diferenciadores. Assim, algumas doença tão precocemente quanto possível, de
realçam que a promoção da saúde é basicamente modo a maximizar as probabilidades de um tra-
um processo da medicina e da saúde pública. É o tamento eficaz ou de cura da doença. Por último,
caso da definição reconhecida na Conferência em prevenção terciária actua-se ao nível do con-
Nacional sobre Medicina Preventiva nos Estados trolo ou da cura de uma doença através da apli-

464
cação do tratamento oportuno logo após o seu liar, quer laboral; o fortalecimento das redes so-
diagnóstico. ciais de apoio; a promoção de estilos de vida
Este enfoque preventivo tem revelado claras saudáveis, através da aprendizagem de novos
insuficiências perante o conceito actual de saúde comportamentos e do desenvolvimento de estra-
que ultrapassa a mera ausência de doença. Con- tégias de coping; e o aumento do conhecimento e
servar ou manter o estado de saúde, objectivos informação sobre a saúde (OMS, 1984).
prioritários da prevenção, não parece estar em Um componente básico na promoção da saúde
sintonia com uma visão positiva da saúde (Kick- é a educação para a saúde, definida já em 1969
buch, 2001). Hoje em dia, considera-se que a pela Organização Mundial da Saúde como “uma
saúde é um conceito positivo que implica a po- acção exercida sobre os indivíduos no sentido de
tenciação das capacidades do indivíduo para se modificar os seus comportamentos, a fim de adqui-
desenvolver e influenciar positivamente o meio rirem e conservarem hábitos de saúde saudáveis,
em que se insere (Costa & Lopez, 1986). De acor- aprenderem a usar judiciosamente os serviços de
do com esta perspectiva, podemos não só preve- saúde que têm à sua disposição e estarem capa-
nir a doença como também promover a saúde. citados para tomar, individual ou colectivamente,
Nesta linha de análise, enquanto que a preven- as decisões que implicam a melhoria do seu es-
ção é um conceito relacionado com a doença, a tado de saúde e o saneamento do meio em que
promoção é um conceito relacionado com a saú- vivem” (OMS, 1969).
de e mais amplo que o da prevenção, na medida A educação para a saúde é, pois, uma estra-
em que, implica não só a protecção e a manuten- tégia da promoção da saúde. No entanto, ambos
ção da saúde mas também a promoção do óptimo os conceitos têm sido utilizados frequentemente,
estado vital, físico, mental e social da pessoa e de forma intercambiável. Contudo, é importante
da comunidade (Salleras, 1985; Maes, 1991). A diferenciar entre a promoção da saúde como
promoção da saúde pressupõe, pois, a instaura- um conceito amplo, que inclui distintas estraté-
ção e manutenção de comportamentos não só gias de actuação, e a educação para a saúde co-
saudáveis, como também potenciadores das ca- mo um instrumento ou uma estratégia concreta
pacidades funcionais, físicas, psicológicas e so- para a promoção da saúde.
ciais das pessoas (Marin, 1995). Como tal, a pro- Com o objectivo de clarificar esta dualidade
moção de saúde é dirigida, não só às pessoas do- de concepções, Costa e López (1996) definem a
entes no âmbito da prestação dos cuidados de promoção da saúde como qualquer combinação
saúde, mas a todos os indivíduos, de todos os de estratégias de educação para a saúde e apoios
estratos da população, quer na ausência quer na de tipo organizativo, legislativo ou normativo,
presença de doença (Paúl & Fonseca, 2001). económico e ambiental que facilitem as práticas
No seu relatório de 1984, a Organização Mun- de comportamentos saudáveis. A promoção da
dial de Saúde considera que a promoção de saú- saúde é um processo amplo por meio do qual os
de se inscreve nos seguintes pontos categoriais: indivíduos, os grupos e as comunidades melho-
a) destina-se à população em geral no contexto ram o seu controlo sobre os determinantes pes-
da vida quotidiana e não só à população doente soais e ambientais da saúde. Paralelamente, a
ou em risco; b) tem em vista acções relativas aos educação para a saúde constitui-se como um ins-
determinantes e/ou causas de saúde; c) actua trumento, para alcançar os objectivos da promo-
através da combinação de métodos e perspecti- ção da saúde, assumindo uma função vanguar-
vas diversas; d) tem como objectivo o envolvi- dista na estratégia global da promoção da saúde
mento directo da população alvo; e e) todos os (Tones, 1988).
profissionais de saúde têm um papel fundamental Tendo em conta a proliferação epistemológica
na promoção da saúde e prevenção da doença. que os conceitos de promoção de saúde, educa-
Neste mesmo relatório a Organização Mundial ção para a saúde e prevenção da doença alcança-
de Saúde identifica, ainda, cinco áreas principais ram no final do século XX, pretende-se com este
de intervenção em promoção de saúde. Assim, artigo (re)lançar um olhar reflexivo em torno do
considera o acesso livre à saúde, excluindo qual- cruzamento das múltiplas racionalidades estraté-
quer fonte de desigualdade; o melhoramento do gicas em que os conceitos se organizam, bem co-
ambiente em que se insere a pessoa, quer fami- mo, abordar os paradoxos que se instalam, ao ní-

465
vel dos determinantes pessoais, sociais e políti- co, os textos de saúde pública e de promoção de
cos, na promoção de comportamentos salutogé- saúde identificam, comummente, determinados
nicos. grupos na população que requerem particular
atenção da comunidade. O documento «Saúde
em Portugal» ao tecer objectivos para a saúde
2. O PAPEL DOS PROMOTORES DE SAÚDE em Portugal como «Uma estratégia para o virar
do século», é um exemplo paradigmático, entre
As sociedades modernas têm revelado uma muitos outros, na medida em que nesse docu-
preocupação crescente com o conceito emergente mento se estabelecem metas de acordo com as
de “risco”, em particular aqueles que são causa- necessidades de cada um dos subgrupos especí-
dos pelos determinantes tecnológicos e pelos es- ficos da população portuguesa considerados co-
tilos de vida patogénicos. O termo “risco” adqui- mo estando “em risco” (Ministério da Saúde, 1999).
riu uma nova proeminência nas sociedades oci- No seio do conceito de promoção de saúde,
dentais, constituindo-se, hoje em dia, como um conforme tem sido referenciado, objectiva-se o
constructo cultural central (Douglas, 1990). O desenho de intervenções que têm como alvo facto-
discurso do risco faz constantemente títulos na res comportamentais de risco associados a com-
imprensa e constitui-se, cada vez mais, como ob- portamentos patogénicos dos indivíduos. Estas
jecto das campanhas de promoção de saúde (Ri- intervenções têm dois níveis básicos de actuação
ce & Atkin, 1989). que consistem essencialmente em, por um lado,
No âmbito da saúde pública, o “discurso do informar as pessoas sobre os meios de redução
risco” pode ser considerado sob duas perspecti- dos riscos comportamentais e, por outro promo-
vas específicas e peculiares. Uma delas percep- ver mudanças sociais e ambientais na comuni-
ciona o risco como um perigo latente para a saú- dade que facilitem essas mesmas mudanças (Kol-
de das populações, derivado das questões ambi- be, 1986).
entais, como sejam a poluição, os resíduos nu- As políticas de promoção da saúde envolvem
cleares e os resíduos químicos tóxicos. Nesta a implementação estratégica de programas de
conceptualização, o risco é visto como externo, educação para a saúde. Todavia, estes programas
em relação ao qual o indivíduo exerce pouco devem ter em conta a investigação básica sobre
controlo. A segunda perspectiva, pelo contrário, as condutas de saúde, sendo a sua eficácia incre-
focaliza o risco como sendo uma consequência mentada quando se mobilizam os conhecimentos
das escolhas dos indivíduos relativamente aos recolhidos no terreno da investigação básica so-
estilos de vida, colocando a ênfase no auto-con- bre as condutas de saúde dos indivíduos. Assim,
trolo pessoal. Neste sentido, o risco é percepcio- o conhecimento acerca do papel que jogam as
nado como internamente imposto, podendo ser crenças e atitudes pessoais, as normas e/ou as
considerado em função da capacidade de gestão redes sociais, deve orientar intrinsecamente o de-
cognitivo-emocional do self individual. Assim, senvolvimento das políticas sociais que supor-
os indivíduos seriam exortados pelas autoridades tam a implementação desses mesmos programas.
de promoção de saúde a avaliar o risco de sucum- Segundo Spacapan e Oskamp (1987), as estra-
bir à doença e, nessa medida, alterar o seu com- tégias de educação para a saúde podem desen-
portamento no sentido de a evitar (Lupton, 1995). volver-se de acordo com distintos níveis de actua-
Uma terceira conceptualização, menos comum, ção individual, grupal ou comunitário e incluem,
refere-se mais especificamente a grupos sociais desde campanhas nos meios de comunicação
que a indivíduos, entendendo-se que, um deter- social, até intervenções directas e pessoais.
minado grupo está “em risco” quando não tem No que respeita à eficácia destas intervenções,
uma acessibilidade satisfatória aos cuidados de esta pode ser incrementada, segundo Kolbe (1986)
saúde. Nesta linha de análise, o risco é percep- de cinco formas: 1) desenvolvendo teorias e mo-
cionado como uma forma de desvantagem social. delos que mobilizem intervenções eficazes; 2)
Na verdade, nos domínios da saúde pública e focalizando as intervenções em condutas prio-
da promoção da saúde, o termo “risco” é cons- ritárias, decidindo por aquelas com maior inci-
tantemente utilizado como sinónimo de perigo. dência sobre a saúde da população; 3) centrando-
Em resposta às previsões epidemiológicas do ris- -se em populações de alto risco; 4) analisando as

466
políticas que influenciam as condutas de saúde; e promoção de saúde através dos mass media é
5) combinando intervenções para obter efeitos com- conceptualizada como uma sessão de educação
plementares ou sinérgicos. para a saúde subjacente à premissa de que os
A concepção actual das campanhas de promo- promotores de saúde se encontram a “comunicar
ção de saúde induz, por vezes, a manipulação saúde”.
psicológica através do apelo às emoções, medos, A adopção das técnicas de publicidade comer-
ansiedades e sentimentos de culpabilidade, no sen- cial pelos promotores da saúde, assenta essen-
tido de persuadir o maior número de sujeitos na cialmente na crença de que publicitar nos mass
população-alvo. De notar que, frequentemente se media é um meio efectivo de propaganda, capaz
focalizam na noção central de risco, em torno da de persuadir as audiências a adoptar comporta-
qual são construídas imagens de inevitabilidade mentos salutogénicos ou a abandonar práticas le-
associadas ao recrutamento do medo, na conse-
sivas para a saúde. Os textos de promoção de
quência de uma atitude patogénica.
saúde encontram-se repletos de asserções respei-
DeJong e Winsten, citados por Lupton (1995),
tantes à importância da adopção de uma lingua-
referem que a vasta literatura disponível consi-
dera que, a elaboração de uma campanha se tra- gem apropriada e de estratégias de discurso que
duz nos seguintes princípios: (1) definir um pro- permitem atingir esse objectivo, sublinhando
blema de saúde como preocupação prioritária ao formas mais efectivas de atingir as campanhas
nível do público em geral; (2) incrementar o co- de comunicação de saúde, através de uma cuida-
nhecimento e mudar crenças que impeçam a adop- dosa definição dos públicos-alvo ou da segmen-
ção de comportamentos e atitudes que visem a tação das audiências. A ignorância, a apatia e ile-
promoção da saúde; (3) motivar a mudança, de- teracia do público em geral, constituem, ainda,
monstrando os benefícios pessoais e sociais do uma feroz barreira que tem que ser ultrapassada
comportamento desejado; (4) ensinar novas ca- (Lupton, 1995; Rodgers, 1999).
pacidades ao nível do comportamento, demons- Os mass media parecem, contudo, constituir
trando como as diversas barreiras poderão ser ul- importantes fontes de informação, percepciona-
trapassadas ensinando técnicas de auto-gestão, das pelos doentes como credíveis, actualizadas e
de modo a alcançar uma mudança sustentada; e valiosas. No entanto, a informação divulgada atra-
(5) fornecer apoios para a manutenção da mu- vés dos meios de comunicação mais populares é
dança, incentivando a comunicação interpessoal. normalmente considerada, tanto pelos profissio-
Como tal, para que uma campanha seja consi- nais de saúde como pela comunidade científica,
derada eficaz deverá persuadir e captar a atenção como pouco credível, viciada e desajustada. Prin-
da população alvo, de tal forma que, toda a cipalmente porque os documentos científicos são
informação prestada seja compreendida de modo recrutados arbitrariamente e transformados, en-
contínuo e sistemático, objectivando a curto e a viesando a realidade de acordo com as pressões
longo prazo a mudança de comportamentos in- editoriais competitivas.
dividuais sociais e comunitários (Piotrow, Kin-
Como tal, partilhando responsabilidades, os ci-
caid, Rimon & Rinehart, 1997). A investigação
entistas, os profissionais de saúde e os jornalis-
que visa o incremento da eficácia dos programas
tas, devem, colectiva e proactivamente, desem-
de promoção para a saúde deve, por um lado, di-
rigir-se a populações de alto risco e grupos mi- penhar um papel significativo como comunica-
noritários e, por outro, desenhar intervenções es- dores de temáticas de saúde, modelando e refor-
pecíficas que tenham em conta as necessidades e çando o significado “leigo” da ciência e da me-
características culturais destas populações. dicina.
Uma estratégia chave na divulgação destas cam- Para que se possam reforçar mudanças efectivas
panhas continua a ser a utilização dos mass media de estilos de vida saudáveis, a segmentos alar-
por abrangerem públicos-alvo alargados. Assim, são gados da população, urge a necessidade de pro-
utilizados princípios e doutrinas da publicidade mover o diálogo entre a comunidade científica,
comercial para promover a preocupação com os os mass media e as Pessoas, com a finalidade de
riscos para a saúde e encorajar uma subsequente incrementar os benefícios deste “jogo a três mãos”,
mudança de comportamentos. Uma campanha de nos terrenos da saúde.

467
3. O PARADOXO DOS CONCEITOS E A UTOPIA só o seu comportamento, mas também a sua pró-
DAS IDEOLOGIAS pria cultura. Apesar de se reconhecer a impres-
cindibilidade das campanhas de informação, é ne-
A educação para a saúde tem um papel mar- cessário analisar as implicações reais dos obje-
cante como componente decisiva da estratégia ctivos da prevenção e o seu custo efectivo. Nesta
global da promoção da saúde. Esta pode ser feita linha de registo, Pais Ribeiro (2000) refere que
através da modificação dos estilos de vida, o que, muitos técnicos e dirigentes políticos acreditam
directa ou indirectamente, implica lidar com va- que a educação para a saúde, normalmente con-
riáveis psicológicas, tais como: motivação, ava- siderada como fornecimento de informação, é a
liação das situações, expectativas pessoais, co- solução para esta nova epidemia comportamen-
nhecimentos, tomada de decisões, comporta- tal. Contudo, a prestação de informação pública
mentos e hábitos (Barbosa, 1987; Pais Ribeiro, apesar de importante, não é de forma alguma,
1998). Por outro lado, facilmente concluiremos suficiente na batalha pela promoção da saúde e
pela dificuldade de concretizar este tipo de mu- prevenção da doença (Pais Ribeiro, 2000).
danças, se não forem tidas em conta as caracte- Como refere Carvalho Teixeira (2000) “o que
rísticas próprias do meio em que o sujeito se in- faz falta em relação à redução dos riscos para a
sere. saúde são mais programas de prevenção e menos
As práticas de educação para a saúde devem campanhas de informação”, com recurso a tribu-
dedicar-se cada vez menos ao carácter preven- tos específicos das ciências sociais e comporta-
tivo de doenças específicas, apostando cada vez mentais e a estratégias que combinem a interven-
mais na promoção de uma abordagem globali- ção comunitária com a intervenção individual e
zante. Esta deve levar o indivíduo a adoptar um grupal, com acções contextualizadas nas escolas,
estilo de vida saudável, capaz de desempenhar locais de trabalho e comunidade (Trindade & Tei-
um papel apreciável na redução do risco de con- xeira, 2002).
trair doenças, proporcionando a adesão a senti- Ainda na óptica de Barbosa (1987), alguns es-
mentos de bem-estar que acompanham esta mu- tudos explicitam certos obstáculos que se levan-
dança. Este tipo de educação para a saúde con- tam na Educação para a Saúde: a inexistência de
siste, essencialmente, em facilitar o aumento da uma política nacional e internacional de saúde
consciência da comunidade acerca do impacto coerente, as atitudes de resistência do corpo mé-
negativo que alguns aspectos do ambiente têm dico, a publicidade contra-informadora dos mass
na saúde e nas origens psicossociais da doença, media e a dificuldade da população em vencer as
permitindo alcançar um nível adequado de auto- resistências à mudança. Por outro lado, e não me-
nomia, ou seja, facilitar as tomadas de decisão nos importante, as exigências do sector produ-
baseadas na informação, quer a nível individual, tivo, as suas normas de produção e consumo, são
quer a nível comunitário (Tones, 1988). muitas vezes contraditórias e até concorrenciais
Neste âmbito, interessa, não só informar sobre face aos objectivos de saúde pública.
o risco de contrair doenças, mas também saber O caso do consumo de tabaco parece poder
até que ponto esse conteúdo informativo pode assumir-se como um paradigma de interesses
ser percebido e utilizado pelos indivíduos (Bar- conflituais entre os determinantes económicos e
bosa, 1987; Maibach & Parrott, 1996; Dias, 1997). a prevenção de doenças de iatrogenia compor-
Barbosa, em 1987, num artigo intitulado “Edu- tamental. De facto, apesar de nas últimas três
cação para a Saúde: Determinação Individual ou décadas os políticos e os agentes de saúde pú-
Social?” é peremptório em afirmar que, as prá- blica terem ao seu dispor provas conclusivas so-
ticas de prevenção privilegiam a informação, assu- bre as consequências do consumo nocivo do ta-
mindo ser possível modificar o comportamento baco, a verdade é que este continua legal, aces-
individual pela comunicação de mensagens, pri- sível e aceitável em termos sociais, parecendo
vilegiando-se, normalmente, a informação de poder concluir-se que os defensores de saúde pú-
massas em detrimento de estratégias de contacto blica se têm mostrado incapazes de desenvolver
pessoal. Nesta perspectiva, qualquer que seja a uma mensagem consistente, regular e construtiva
estratégia recrutada, a sua eficácia requer que o para combater a influência da indústria tabaquei-
sujeito “portador do risco” venha a modificar não ra (Menasche & Siegler, 1998).

468
No ano de 2001 foi regulamentado um plano manobras publicitárias é “infiltrar” no cigarro,
oncológico nacional que remetia para a concre- um estatuto simbólico, associando-o à figura ero-
tização de medidas aplicáveis, entre outras, às tizada da mulher e a ambientes sociais de gla-
áreas de educação e promoção da saúde do do- mour e, para além disso, criar modelos de suces-
ente oncológico, cuja orientação estratégica as- so acoplados ao consumo de tabaco. Robert Ri-
senta no documento “Saúde. Um Compromisso. chards, Presidente da Productions Inc. refere
A Estratégia de Saúde para o virar do Século mesmo que “O cinema é melhor do que qualquer
1998-2002” publicado pelo Ministério da Saúde anúncio que passe na televisão ou seja publicado
em 1999. As áreas de intervenção eram sobrepo- numa revista, porque a audiência está completa-
níveis aos planos anteriores, reiterando uma vez mente inconsciente de qualquer intuito publici-
mais, a indispensabilidade do desenvolvimento tário envolvido.” (citado por Mekemson & Glantz,
de estratégias de informação ao grande público 2002). Esta estratégia de “tráfico de comporta-
através dos meios de comunicação social. De mentos de risco” constitui-se como uma campa-
acordo com as recomendações da OMS adstritas nha deliberada e bem planeada, como pode ser
a este plano, a diminuição do consumo de taba- comprovado por um memorando interno da Phi-
co, assumia-se como uma das áreas de interven- lip Morris Marketing Plan em 1989: “Acredita-
ção prioritária, passível de reduzir em 20% a mos que a imagem mais forte e positiva passada
taxa de incidência da doença oncológica até ao acerca do tabaco é criada pelo cinema e pela te-
ano 2020. Contudo, esta problemática configura- levisão (...) É fácil e razoável pressupor que o
-se marcadamente polémica e o controlo das es- cinema e as personalidades individuais têm muito
tratégias de intervenção requer uma análise cui- mais influência nos consumidores que um póster
dada cujos objectivos só são alcançáveis a longo estático com as letras de qualquer produto da
prazo. Na verdade, a política do tabaco revela-se B&H pendurado sob um céu escuro e de trovoa-
manifestamente complexa e conspirativa, pela da.” (Mekemson & Glantz, 2002). Neste contex-
diversidade de interesses que conjuga, na medida to, para a indústria tabaqueira, a imagem de uma
em que, as estratégias restritivas de consumo de estrela de Hollywood associada a uma marca es-
tabaco podem conduzir ao colapso da economia pecífica de cigarros pode determinar a sua “per-
de um país. sonalidade comercial”. Na verdade, com o intui-
Apesar de todas as proibições normativas to de publicitar e promover os seus produtos, a
criadas contra a publicitação dos produtos da ta- indústria tabaqueira tem vindo a pagar avultadas
baqueira, os mass media, as séries televisivas e a e exorbitantes quantias para colocar os seus pro-
indústria cinematográfica, continuam a assumir- dutos no cinema e na televisão (Mekemson & Glantz,
-se como um veículo subliminar e permissivo na 2002). Desta forma, é a própria indústria que
propagação do “acto de fumar”. Se debruçarmos constrói e (re)cria representações mentais asso-
a nossa atenção sobre as produções de Holly- ciadas ao consumo de tabaco, como a rebeldia,
wood, não será difícil encontrar “vinhetas ciné- independência, sensualidade, riqueza, poder e ce-
filas”, com enorme sucesso de bilheteira, onde lebração, consolidando, assim, a pregnância des-
são ostentados cigarros e charutos nas mãos dos tes produtos nefastos na tela. O objectivo último
actores principais, focando, em primeiro plano, parece ser mesmo o de transmitir à população
uma determinada marca. Contudo, se fizermos jovem a mensagem de que o consumo de tabaco
uma análise de todas as cenas seleccionadas, fa- é um comportamento socialmente aceite e dese-
cilmente concluiremos pela ausência de qualquer jável (Mekemson & Glantz, 2002), corroboran-
referência às consequências nefastas do consumo do, desta forma, a Teoria da Aprendizagem So-
de tabaco (Shields, Carol, Balbach & McGee, cial que sublinha a importância da influência do
1999). Como referem Mekemson e Glantz (2002), meio nas características do indivíduo (Tickle, Sar-
a indústria tabaqueira assume mesmo que os gent, Dalton, Beach & Heatherton, 2001). Em úl-
consumidores de filmes se configuram como um tima análise, a investigação denuncia que os es-
terreno fértil para a implementação de uma cam- forços publicitários e promocionais que associ-
panha bem arquitectada capaz de recrutar, in- am determinada marca de tabaco a imagens de
conscientemente, futuros “amantes do cigarro”. autonomia, companheirismo, gosto pelo risco e
Segundo este autor, o objectivo primordial destas aceitação social, tornam a marca mais atractiva

469
para os jovens (Cummings, Morley, Horan, Ste- tes de contágio” dada à alegada influência exer-
ger & Leavell, 2002). cida sobre o público na divulgação de represen-
Como resultado desta estratégia contra-infor- tações positivas de estilos de vida não saudáveis.
madora, Tickle, Sargent, Dalton, Beach e Hea- As audiências são frequentemente representadas
therton (2001) referem que, existe uma clara re- como vulneráveis à manipulação dos media, nes-
lação entre o aumento da percentagem de fuma- ta perspectiva vistos como não benéficos, absor-
dores adolescentes e o facto das suas estrelas de vendo de forma passiva as mensagens “virais”
cinema favoritas consumirem tabaco no ecrã. A por eles disseminadas, intencionalmente ou não,
imagem passada por estes actores poderá fomen- sendo assim educadas de forma errada.
tar, nos adolescentes, o conceito de que só o con- A literatura de promoção de saúde parece, as-
sumo de cigarros os poderá tornar “adultos”, “fi- sim, ter uma relação de amor-ódio com os me-
xes”, desejáveis e atractivos, numa tentativa in- dia. Estes são vistos como altamente influencia-
consciente de mimetizarem a identidade das suas dores, capazes de manipular subtilmente as au-
estrelas de cinema favoritas. Desta forma, os au- diências no sentido de adoptarem comportamen-
tores, no seu estudo, são mesmo levados a con- tos não saudáveis, embora o uso da manipulação
cluir que existe uma associação entre o consumo no “bom sentido” seja aplaudido. A publicidade
de tabaco pelas estrelas de cinema e o aumento é, assim, vista como um bem social quando en-
do número de fumadores adolescentes. Denotam coraja comportamentos sociais positivos e apoia
ainda que, esta associação parece ser indepen- as causas que são queridas à promoção da saúde,
dente de todos os outros factores preditivos do e, ao mesmo tempo, vista como uma fonte po-
consumo de tabaco, como seja a existência de fu- tencial de manipulação maléfica, criando falsas
madores entre os seus familiares e amigos (Tickle, necessidades.
Sargent, Dalton, Beach & Heatherton, 2001). Os mass media são, por um lado, denunciados
Na verdade, esta influência exercida, funda- pelo facto de se constituírem como canais de pro-
mentalmente, sobre os adolescentes, é perfeita- paganda, e, por outro, elogiados pelo seu poten-
mente aceite, consciente e desejada pela indús- cial de persuasão de pessoas em grande escala,
tria tabaqueira, sendo mesmo referido, num me- papel pelo qual são procurados pelos diversos pro-
morando interno da Philip Morris, em 1981, motores de saúde, sendo, neste caso, incentivada
que os “Os adolescentes de hoje são potenciais a cooperação a todos os níveis.
consumidores de amanhã, e a esmagadora maio- As discrepâncias entre os comportamentos adop-
ria dos fumadores começam a fumar enquanto tados pela generalidade dos sujeitos, nas nossas
adolescentes. Uma grande parte do sucesso do sociedades, e os defendidos pelas campanhas de
Marlboro vermelho aquando do seu boom comer- educação para a saúde e prevenção da doença
cial deveu-se ao facto desta marca se ter tornado são clarividentes e constituem, na maiorias das
a eleita entre os adolescentes da época, em rela- vezes, perfeitos antagonismos que acabam por
ção à qual se manteriam fiéis à medida que enve- tornar a “adopção de comportamentos saudáveis”
lheciam.” (citado por Chapman & Davis, 1998). uma total utopia. Se olharmos à nossa volta, es-
Por outro lado, a utilização dos mass media tas discrepância são óbvias.
para fins de promoção da saúde deveria consti- Tal com afirma Ribeiro da Silva (2000), ideal-
tuir-se, essencialmente como uma actividade pe- mente todos teríamos óptimas condições de vida,
dagógica (Lupton, 1995). Todavia, trata-se se- sem stresse exagerado para as nossas capacidades
gundo a autora, de uma pedagogia politicamente cognitivas, afectivas, emotivas e relacionais, e fa-
conservadora, que geralmente aceita os seus ob- ríamos apenas opções saudáveis; contudo, não é
jectivos de forma acrítica e é direccionada para isto que verdadeiramente acontece. Perante a
injectar conhecimentos em audiências vistas co- tentativa de adopção de um comportamento salu-
mo receptores vazios, ao invés de se constituir togénico, proclamado pelos promotores de saú-
como uma pedagogia orientada para o encoraja- de, o sujeito vê-se confrontado com a necessida-
mento de um pensamento crítico e um desafiar de primordial de dar resposta a uma sociedade
do status-quo. competitiva e indutora de múltiplos comporta-
Ling (1989), na sua reflexibilidade crítica, vai mentos patogénicos. Em muitos casos, os com-
ao ponto de apelidar os mass media como “agen- portamentos pouco saudáveis podem mesmo ser

470
reforçados pela própria sociedade, colocando os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sujeitos em situações paradoxais. O comporta-
mento marcado pela competitividade, trabalho Ajzen, I., & Fishbein, M. (1980). Understanding Attitu-
des and Predicting Social Behavior. Englewood
excessivo, privação do sono e altos níveis de stresse Cliffs: Prentice-Hall.
e ansiedade, constitui um estilo de vida encora- Barbosa, A. (1987). Educação para a saúde: determina-
jado e determinado pela sociedade, em particu- ção individual ou social?. Revista Critíca de Ciên-
lar, pelo sector produtivo. Por outro lado, um es- cias Sociais, 23, 169-184.
Bennett, P., & Murphy, S. (1999). Psicologia e Promo-
tilo de vida mais saudável, estabilizado social e
ção da Saúde. Lisboa: Climepsi.
economicamente, poderá ser gerador de frustra- Carvalho Teixeira, J. A. (2000). O que faz falta na pre-
ções no emprego e dificuldades financeiras (Bar- venção primária em saúde. In J. Ornelas, & S.
bosa, 1987). Maria (Eds.), Actas da 1.ª Conferência de Desen-
De igual modo, sem dúvida que deveríamos volvimento Comunitário e Saúde Mental (pp. 71-78).
Lisboa: ISPA.
dispor de tempo útil para ingerirmos refeições de
Chapman, S., & Davis, R. (1998). Play it again. Tobac-
acordo com os modelos difundidos pelas campa- co Control, 7, 301-309.
nhas de prevenção das doenças cárdio-vasculares, Costa, M., & López, E. (1986). Salud Comunitaria.
que defendem a necessidade de ingestão de ali- Barcelona: Martínez Roca.
mentos com baixo teor de gordura. Paradoxal- Cummings, K. M., Morley, C. P., Horan, J. K., Steger,
C., & Leavell, N.-R. (2002). Marketing to Ameri-
mente, no que se refere à alimentação, aquilo ca’s youth: evidence from corporate documents.
que observamos nas sociedades ocidentais é a Tobacco Control, 11 (suppl I), 115-117.
proliferação de restaurantes de fast-food que, pre- Dias, M. (1997). A Esmeralda Perdida: a informação
cisamente por serem “fast”, acabam por promo- ao doente com cancro da mama. Lisboa: ISPA.
ver uma “moda” que privilegia a ingestão rápida Douglas, M. (1990). The risk as a forensic resource.
Deadalus, Fall, 1-16.
e hipercalórica de alimentos. Mesmo os sujeitos Durá, E. (1997). Psicologia Oncológica: perspectivas
mais resistentes a esta “moda” que recorrem, du- futuras de investigación e intervención profesional.
rante a sua hora de almoço, a restaurantes tradi- Conferência apresentada no 2.º Congresso Nacio-
cionais, acabam por priveligiar a ingestão rápida nal de Psicologia da Saúde, Braga, Portugal.
Durá, E., & Dias, M. R. (1997). Relação médico-doen-
de alimentos ricos em gordura, acompanhados
te em psicologia oncológica. Aspectos éticos, so-
por bebidas energéticas, muitas vezes de pé e num ciais e legais. Psicologia: Teoria, Investigação e Prá-
curto espaço de tempo, acabando por boicotar a tica, 2, 197-208.
implementação de um modelo ideal de “compor- Engel, G. (1977). The need for a new medical model: a
tamentos alimentares saudáveis”. challenge for biomedicine. Science, 196, 129-136.
Kickbusch, I. S. (2001). Health literacy: addressing the
Posto isto, constata-se que o ritmo de vida di- health and education divide. Health Promotion In-
tatorial imposto pela sociedade, aparentemente ternational, 16 (3), 289-297.
impossível de contrariar, torna utópicas as direc- Kirscht, J. (1974). Research related to the modification
trizes proclamadas pelos conceitos de promoção of health beliefs. In M. Becker (Ed.), The Health
da saúde, educação para a saúde e prevenção da Belief Model and Personal Health Behaviour (pp.
128-142). New Jersey: Charles B. Black, Inc.
doença. Kolbe, L. J., Green, L., Foreyt, J., Darnell, L., Good-
A actual concepção de promoção de saúde e rick, K., Williams, H., Ward, D., Korton, A. S.,
as estratégias que delineiam as suas múltiplas Karacan, I., Widmeyer, R., & Stainbrook, G. (1986).
racionalidades ideológicas é adulterada por pa- In N. A. Krasnegor, J. D. Arasteh, & M. F. Cataldo
(Eds.), Child Health Behavior: A behavioural pe-
radoxos que se instalam ao nível dos determi-
diatrics perspective. New York: John Wiley.
nantes biopsicossociais dos comportamentos sa- Ling, J. C. (1989). New communicable diseases: a com-
lutogénicos. A título conclusivo, enfatiza-se a munication challenge. Health Communication, 1 (4),
necessidade de repensar as actuais políticas de 253-260.
saúde, visando o renascimento de uma ideologia Lupton, D. (1995). The Imperative of Health. Public Health
and the Regulated Body. London: Sage.
de promoção da saúde, verdadeiramente contex- Maes, S. (1991). Health promotion and disease pre-
tualizada nas necessidades e exigências da reali- vention: A social psychological approach. Revista
dade social. de Psicologia Social Aplicada, 1 (2/3), 5-28.

471
Maibach, E., & Parrott, R. L. (1996). Designing Health Salleras, L. (1985). Educación Sanitária. Madrid: Díaz
Messages. Approaches from Communication Theo- de Santos.
ry and Public Health Practice. London: Sage Pu- Shields, D. L., Carol, J., Balbach, E. D., & McGee, S.
blications. (1999). Hollywood on tobacco: how the entertain-
Marin, J. R. (1995). Psicologia Social de la Salud. Ma- ment industry understands tobacco portrayal. To-
drid: Editorial Sintesis. bacco Control, 8, 378-386.
Mekemson, C., & Glantz, S. A. (2002). How the tobac- Slovic, P., Fischh, B., & Lichtenstein, S. (1987). Be-
co industry built its relationship with Hollywood. havioral decision theory perspectives on protective
Tobacco Control, 11 (suppl I), 181-191. behavior. In N. Weinstein (Ed.), Taking Care: Un-
Menasche, C. L., & Siegler, M. (1998). The power of a derstanding and Encouranging Self-Prospective
frame: an analysis of newspaper coverage of to- Behavior. Cambridge: Cambridge University Press.
bacco issues – United States, 1985-1996. Journal Spacapan, S., & Oskamp, S. (1987). The Social Phycho-
of Health Communication, 3 (4), 307-325. logy of Health. Beverly Hills: Sage.
Ministério da Saúde (1999). Saúde. Um Compromisso. Steptoe, A., Wardle, J., Fuller, R., Holte, A., Justo, J.,
A Estratégia de Saúde Para o Virar do Século 1998- Sanderman, R., et al. (1997). Leisure-time physical
-2002 (pp. 54-55). Lisboa: Ministério da Saúde. exercise: prevalence, attitudinal correlates and be-
Ogden, J. (1998). Psicologia da Saúde. Lisboa: Clime- havioral correlates among young Europeans from
psi. 21 Countries. Preventive Medicine, 26, 845-854.
OMS (1969). Bulletin of the World Health Organiza- Steptoe, A., & Wardle, J. (1992). Cognitive predictors
tion, 40. Genéve: OMS of health behaviour in contrasting regions of Eu-
OMS (1984). Bulletin of the World Health Organiza- rope. The British Journal of Clinical Psychology,
tion, 62. Genéve: OMS 31, 485-502.
Pais Ribeiro, J. L. (1994). Psicologia da Saúde, Saúde e Tickle, J. J., Sargent, J. D., Dalton, M. A., Beach, M. L.,
Doença. In T. M. McIntyre (Ed.), Psicologia da & Heatherton, T. F. (2001). Favourite movie stars,
Saúde: Áreas de Intervenção e Perspectivas Futu- their tobacco use in contemporary movies, and its
ras. Braga: APPORT. association with adolescent smoking. Tobacco
Pais Ribeiro, J. L. (1998). Psicologia da Saúde. Lisboa: Control, 10, 16-22.
ISPA. Tones, K. (1988). Promover a Saúde: a contribuição da
Pais Ribeiro, J. L. (2000). A Saúde e as Doenças no educação. Lisboa: Ministério da Saúde, Divisão de
Séc. XXI. In M. R. Dias, & A. Amorim (Eds.), Educação para a Saúde da D.G.C.S.P.
Clínica Dentária Integrada: contributos bio-psico- Trindade, I., & Carvalho Teixeira, J. A. (2002). Aborda-
sociais. Monte da Caparica: Egas Moniz Publica- gem psicológica do cancro nos cuidados de saúde
ções. primários. In M. R. Dias, & E. Durá (Eds.), Terri-
Piotrow, P., Kincaid, L., Rimon, J., & Rinehart, W. (1997). tórios da Psicologia Oncológica (pp. 29-49). Lis-
Health Communication. West Port, CT: John Hop- boa: Climepsi.
kins School of Public Health. Wardle, J., & Steptoe, A. (1991). The European health
Paúl, C., & Fonseca, A. M. (2001). Psicossociologia da and behaviour survey: rationale, methods and ini-
Saúde. Lisboa: Climepsi. tial results from the United Kingdom. Social Scien-
Rice, R., & Atkin, C. (1989). Public Communication ce & Medicine, 33, 925-936.
Campaigns. Newbury Park: Sage.
Ribeiro da Silva, P. (2000). A educação para a saúde:
do ensino universitário à prática profissional. In M.
R. Dias, & A. Amorim (Eds.), Clínica Dentária In- RESUMO
tegrada: contributos bio-psico-sociais (pp. 81-86).
Caparica: Egas Moniz Publicações. A concepção actual de promoção de saúde, educa-
Ribeiro da Silva, P. (2002). A educação para a saúde e ção para a saúde e prevenção da doença é suportada
o marketing social. In M. R. Dias, & E. Durá (Eds.), por ideologias algo adulteradas pela realidade social.
Territórios da Psicologia Oncológica (pp. 190-211). Tendo em conta a proliferação epistemológica destes
Lisboa: Climepsi. conceitos no final do século XX pretende-se, no pre-
Rogers, R. (1983). Cognitive and physiological pro- sente artigo, elaborar uma reflexão crítica em torno das
cesses in fear appeals and attitudes change: a revi- múltiplas racionalidades estratégicas em que os con-
sed theory of protection motivation. In J. Cacioppo, ceitos se organizam, bem como, abordar os paradoxos
& R. Pettir (Eds.), Social Psychophysiology: a source que se instalam ao nível dos determinantes biopsicos-
book. New York: Guilford. sociais dos comportamentos salutogénicos. Partilhando
Rodgers, J. E. (1999). Introduction of Section: overar- responsabilidades, os profissionais de saúde, devem,
ching considerations in risk communications: ro- colectiva e proactivamente, desempenhar um papel
mancing the message. The Journal of the National significativo como promotores de saúde, modelando e
Cancer Institute Monographs, 25, 21-22. reforçando o significado “leigo” dos comportamentos,

472
para que se possam incrementar mudanças efectivas pose, with the present article, to develop a critical re-
em segmentos alargados da população. flection on the several strategical racionalities in which
Palavras-chave: Promoção da saúde, educação para concepts are organised, as well as to broach the para-
a saúde, prevenção da doença, paradoxos das ideolo- doxes, which establish themselves at the level of bio-
gias, promotores de saúde, mass media. psychosocial determinants of health behaviours. Sha-
ring responsabilities, the health care professionals
must, collective and proactively, play an important
ABSTRACT role as health promotors, as they shape and reinforce
the “common” meaning of behaviours, so that efective
The nowadays’ notion of health promotion, health changes may increase in large segments of the popu-
education and prevention is supported by ideologies, lation.
which are somehow changed by social reality. Bearing Key words: Health promotion, health education, pre-
in mind the epistymological growth of these concepts vention, paradoxes of ideologies, health care promo-
occurred in the end of the XXth century, it is our pur- ters, mass media.

473
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 475-485

Significações leigas de saúde e de doença


em adultos

JOAQUIM REIS (*)


FERNANDO FRADIQUE (**)

O papel proeminente das significações pes- ção das significações pessoais e, também, sobre
soais nos processos de saúde e de doença é um a possibilidade de mudança dessas significações
domínio amplamente estudado (e.g., Antonov- no sentido da promoção de comportamentos sau-
sky, 1979; Bandura, 1997; Blaxter, 1990; Brad- dáveis, da prevenção da doença e na facilitação
ley & Kay, 1985; Justice, 1998; Kobasa, Maddi dos processos de reabilitação (Joyce-Moniz &
& Kahn, 1982; Mechanic, 1986; Radley & Green, Reis, 1991; Reis, 1992; Fradique, 1993).
1985; Skelton & Croyle, 1991; Turk & Meichen- Um domínio de estudo das significações pes-
baum, 1991). Pode considerar-se que as signifi- soais em Psicologia da Saúde refere-se à iden-
cações pessoais são parte integrante do estado de tificação das significações que as pessoas leigas
saúde da pessoa (Reis, 1998), influenciando por em medicina constroem sobre os processos de
exemplo, o conteúdo da representação dos pro- saúde e de doença. O conhecido estudo de Clau-
cessos de doença e as reacções emocionais con- dine Herzlich (1969/1973) sobre as “representa-
comitantes ou, a outro nível, o processo de ade- ções sociais” da saúde e da doença de um grupo
são da pessoa às recomendações do profissional de cidadãos franceses de meia-idade, constitui-se
de saúde ou às mensagens incluídas nas campa- como pioneiro. Outros estudos se seguiram (e.g.,
nhas de promoção da saúde e de educação para a Blaxter, 1990; Calnan, 1987; Cornwell, 1984;
saúde. Flick, 1992, 2000; Helman, 1978; Snow, 1974;
Parece claro, pois, que as significações pes- Stacey, 1988). Podem retirar-se duas conclusões
soais sobre os processos de saúde e doença não relevantes destes estudos: primeiro, as significa-
podem ser ignoradas pelos psicólogos da saúde, ções das pessoas sobre o estado de saúde estão
em particular, e pelas ciências da saúde, em ge- intimamente ligadas a significações mais latas
ral. De facto, um dos principais objectivos da Psi- sobre si próprias, sobre o mundo e a vida e im-
cologia da Saúde, tem consistido na identifica- buídas em sistemas culturais locais; segundo, as
significações leigas diferem em larga medida das
significações médicas ou dos profissionais de
saúde, mas coexistem e competem com estas.
A pesquisa que se apresenta neste artigo visou
(*) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu-
cação da Universidade Independente, Lisboa.
aceder às significações leigas sobre saúde e
(**) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu- doença, numa amostra da população portuguesa,
cação, Universidade de Lisboa. embora não representativa desta. Este estudo apre-

475
senta duas inovações em relação aos estudos an- de quer de doença que possam ser consideradas
teriores. A primeira, consiste na forma de aceder como características deste grupo.
às significações das pessoas. Com efeito, os es- As significações leigas investigadas referem-
tudos referidos anteriormente fazem o acesso às -se a duas dimensões de significação: a) signifi-
significações leigas a partir do questionamento cações sobre “estar doente” (e.g., “o que signi-
directo ou a partir da utilização de questionários. fica ou o que é para si estar doente”); e b) “estar
No caso presente, e como será explicado em de- com saúde” (e.g., “o que significa ou o que é pa-
talhe mais adiante, para além do questionamento ra si estar com saúde”).
directo, as pessoas foram expostas a um conjunto
de diferentes narrativas. Porquê submeter as pes-
soas a esta exposição? Porque se pretende esti- METODOLOGIA
mular a sua reflexão através do confronto com
outras significações, incluídas nas narrativas, pro-
movendo o seu nível óptimo de performance.
Sujeitos
Como defende Fischer (1980), as pessoas fun-
cionam no seu nível óptimo debaixo de condi- As pessoas que participaram do estudo foram
ções ambientais óptimas ou quando têm extraídas aleatoriamente da população residente
oportunidade de praticar uma aptidão ou quando na região de Lisboa. A amostra foi constituída
são fornecidos sinais contextuais para aumentar por 67 pessoas, leigas em Medicina, respeitando
a performance. Quando as pessoas são simples- uma estratificação em três escalões etários1: a)
mente questionadas directamente sobre um dado 18-35 anos; 36-65 anos e, c) mais de 65 anos.
assunto, esta estratégia não promove o seu nível Esta estratificação respeita os critérios global-
óptimo de funcionamento. Obtemos, neste caso, mente aceites na literatura referente à Psicologia
o seu “conhecimento funcional”, isto é, o conhe- do Desenvolvimento do Adulto. Neste artigo apre-
cimento do qual a pessoa se serve espontanea-
sentam-se e discutem-se os dados obtidos para a
mente, mas não o “conhecimento potencial”, ou
amostra total, sem diferenciação por grupos etá-
o conhecimento que não sendo utilizado esponta-
rios e de género. Nas Tabelas 1, 2, 3 e 4 apresen-
neamente é uma competência que pode ser po-
tam-se as características demográficas da popu-
tencialmente utilizável.
lação total e dos três subgrupos.
Uma segunda inovação desta pesquisa tem a
ver com o facto de dar uma indicação do grau de
prevalência das significações. Com efeito, os es-
MATERIAL
tudos neste domínio não indicam o grau de pre-
valência das significações leigas numa determi-
O acesso às significações subjectivas foi efe-
nada população: por exemplo, quais são aquelas
que são explicitadas pela maioria das pessoas? ctuado através da realização de uma entrevista
De facto, parece ser interessante aceder não ape- individual semi-estruturada com base no método
nas às concepções que uma determinada popu- clínico ou de exploração crítica de inspiração
lação utiliza para caracterizar a saúde e a doença, piagetiana (Inhelder, Sinclair & Bovet, 1974; Pia-
mas tentar também identificar aquelas que são get, 1926; Reis, 1994). Construiu-se um instru-
mais frequentes, ou prevalentes, e, assim, que mento de avaliação qualitativa das significações
parecem definir melhor as concepções dessa po- que incluía quatro dimensões de significação so-
pulação. Assim, este estudo tem três objectivos bre processos de saúde e doença: a) dimensão
principais: (1) aceder às significações sobre saú-
de e sobre doença de pessoas leigas em Medicina
(i.e., que não são profissionais de saúde); (2) com-
parar as significações obtidas através do questio-
namento e através da exposição a narrativas e, 1
A pesquisa empírica apresentada neste artigo está
(3) analisar a prevalência das significações sobre incluído num projecto mais vasto financiado pela Fun-
saúde e doença na população estudada, no senti- dação para a Ciência e Tecnologia – Ministério da
do de avaliar se existem concepções, quer de saú- Ciência – Programa PRAXIS – PCSH/C/PSI/89/96.

476
TABELA 1
População total

Variável N Média Mediana Mínimo Máximo DP

Idade 67 44.2 41 19 91 21.01

Anos de escolarização 67 10.6 12 4 17 4.495


Homens 29 ?* ? ? ? ?
Mulheres 38 ? ? ? ? ?

* Os dados referentes aos dois sexos não foram analisados neste trabalho.

TABELA 2
Grupo etário 18-35 anos

Variável N Média Mediana Mínimo Máximo DP

Idade 27 24.4 23 19 35 4.4

Anos de escolarização 27 13.74 14 8 17 2.57


Homens 11 ? ? ? ? ?
Mulheres 16 ? ? ? ? ?

TABELA 3
Grupo etário 36-65 anos

Variável N Média Mediana Mínimo Máximo DP

Idade 27 45.3 45 36 55 6.13

Anos de escolarização 24 9.96 9.5 4 17 4.15


Homens 10 ? ? ? ? ?
Mulheres 14 ? ? ? ? ?

TABELA 4
Grupo etário com mais de 65 anos

Variável N Média Mediana Mínimo Máximo DP

Idade 16 76 73.5 66 91 7.71

Anos de escolarização 16 6.38 4 4 17 3.69


Homens 8 ? ? ? ? ?
Mulheres 8 ? ? ? ? ?

477
causal; b) dimensão de doença; c) dimensão de frontada com a seguinte questão: Concor-
saúde e, d) dimensão de prevenção. Como referi- da com o que esta pessoa disse? Com o
do antes, neste artigo apenas nos referiremos às que é que discorda? Com o que é que con-
dimensões de saúde e de doença. Para cada uma corda? A pessoa entrevistada é convidada
destas dimensões foram elaboradas quatro nar- a falar abertamente sobre essa narrativa e
rativas, representativas de uma sequência de ou- a justificar as suas opiniões. As diferentes
tros tantos níveis de desenvolvimento socioco- narrativas, às quais a pessoa é exposta,
gnitivo2. Estas narrativas foram construídas a par- funcionam como contra-sugestões, o que
tir de um modelo teórico resultante de uma sín- permite avaliar a medida em que a sua res-
tese sociocognitiva (Joyce-Moniz, 1993) dos au- posta é mantida e justificada;
tores da Psicologia do Desenvolvimento e de se- (3) As entrevistas foram efectuadas com a se-
quências de significação sobre processos de saú- guinte sequência: dimensão causal, dimen-
de e doença (Joyce-Moniz & Reis, 1991; Reis, sões da doença e da saúde e, finalmente,
1998, 1999), partindo-se de cinco níveis sequen- dimensão da prevenção.
ciais de desenvolvimento de significações3. Cada
narrativa representa uma concepção hipotética Cada entrevista durou cerca de uma hora. To-
sobre a dimensão em questão. Este instrumento das as entrevistas foram gravadas e transcritas.
de avaliação qualitativa é designado Protocolo Para cada entrevista foi efectuada uma análise de
de entrevista desenvolvimentista de significa- conteúdo no sentido de extrair os temas básicos
ções de saúde e doença (Em anexo apresenta-se expressos por cada participante em relação a ca-
exemplos das narrativas). da uma das temáticas. Estes temas básicos foram
depois agrupados em categorias, seguindo as ori-
entações definidas pela análise fenomenológica
PROCEDIMENTO (Smith, Jarman & Osborn, 1999). Para estabele-
cer a validade da análise e codificação temática
Cada pessoa foi entrevistada individualmente, das entrevistas, um segundo investigador anali-
de acordo com o Protocolo: sou cerca de um quarto das entrevistas, tendo si-
do discutidas as classificações atribuídas pelos
(1) Pergunta aberta e solicitação espontânea
dois juízes. Foi possível constatar uma percen-
da resposta sem confronto com as narra-
tagem de acordo em cerca de 92% para a análise
tivas (e.g., no tema referente à doença: O
que significa para si estar doente? O que efectuada.
é a doença?);
(2) Seguidamente, a pessoa entrevistada é ex-
RESULTADOS
posta aleatoriamente a cada uma das nar-
rativas referentes a um dado tema e con-

Dimensão da saúde

A análise das transcrições das entrevistas efec-


2
tuadas a cada pessoa permitiu sistematizar os se-
A metodologia de confronto da pessoa com dife-
rentes níveis de significação foi utilizada uma vez que
guintes temas de significação:
foi também realizada uma análise desenvolvimentista (1) Não estar doente. Concepção de saúde si-
das significações. Contudo, no presente estudo, apenas
se dá conta da análise dos conteúdos das significações. métrica da de doença;
Para uma análise das significações baseado em crité- (2) Não sentir o corpo. A pessoa esquece-se
rios do desenvolvimento sociocognitivo ver Reis e Fra- do corpo, este fica ausente;
dique (2002). (3) Bem-estar físico e psicológico. Ter saú-
3
Inicialmente houve dificuldades em distinguir cla-
de é estar bem a nível geral, haver um equi-
ramente as significações típicas dos níveis 1 e 2, para
cada uma das dimensões. Assim, decidiu-se aglutinar líbrio e bem-estar a nível físico e psico-
os níveis 1 e 2 numa única narrativa, seguindo-se de- lógico podendo incluir uma boa relação
pois, os níveis 3, 4 e 5, diferenciados. com outras pessoas. Algumas pessoas re-

478
ferem que ter saúde é estar bem com a vi- (12) Saúde é ausência de dores e de sofri-
da; mento;
(4) Estar bem consigo próprio. Estar bem (13) Sentir o corpo. Ter saúde é sentirmo-nos
consigo próprio, podendo incluir o bem- bem e para isso temos de sentir o corpo;
-estar espiritual; (14) Subjectividade da saúde. A saúde de-
(5) Não cometer excessos. Conseguir direc- pende, em grande, parte, da forma como
cionar a vida para a saúde (e.g., alimen- a pessoa interpreta os seus achaques: (e.g.,
tação saudável); se interpretar uma dor como resultado do
(6) Poder fazer aquilo que se quer. Sentir- esforço que fiz e não como resultado de
-se com capacidade para fazer tudo aqui- uma doença, então tenho saúde);
lo que apetece e que tem de se fazer; (15) Saúde como dádiva de Deus.
(7) Capacidade para gerir o dia-a-dia. Sa- Na Tabela 5 apresentam-se as percentagens
ber como conduzir o dia-a-dia; saber e po- obtidas para cada tema quer antes da exposição
der gerir a vida; às narrativas (resposta espontânea) quer depois
(8) Saber controlar a doença. Se a doença da exposição. Estas percentagens indicam a fre-
(crónica) estiver controlada e for bem ge- quência com que cada tema foi expresso na amos-
rida a pessoa não se pode considerar do- tra total. Por exemplo, a percentagem de 43,28
ente; indicada no tema “não estar doente”, refere-se à
(9) Órgãos funcionam bem. Órgãos funcio- percentagem de pessoas que referiram esse tema,
nam em pleno; em relação à amostra total. Assim, pode dizer-se
(10) Saúde não é estado perfeito ou abso- que o valor de cada percentagem indica a preva-
luto. A saúde não significa que tudo este- lência relativa do tema na amostra estudada.
ja totalmente bem com o corpo ou no equi- Observando a tabela 5 verifica-se que, antes
líbrio geral: podem existir problemas mas da exposição às narrativas, os temas de saúde
ainda assim temos saúde; mais frequentes, considerando uma percentagem
(11) Equilíbrio biopsicossocial. Ter saúde é superior a 20%, são, respectivamente, “Estar bem
estar bem a nível geral, a nível físico, psi- consigo próprio”, “Não estar doente”, “Bem-es-
cológico e na relação com os outros; tar”, “Capacidade para gerir o dia-a-dia” e “Saú-

TABELA 5
Temas de saúde e sua prevalência

Temas Antes da exposição Depois da exposição

1. Não estar doente 43,28 23,88


2. Não sentir o corpo 2,99 14,93
3. Bem-estar 32,84 38,80
4. Estar bem consigo próprio 50,75 28,36
5. Não cometer excessos 7,46 10,45
6. Poder fazer aquilo que se quer 11,94 5,97
7. Capacidade para gerir o dia-a-dia 23,88 26,87
8. Saber controlar a doença – 4,48
9. Órgãos funcionam bem 13,43 14,93
10. Saúde não é estado perfeito ou absoluto 7,46 16,42
11. Equilíbrio biopsicossocial – 10,45
12. Saúde é ausência de dores e de sofrimento 22,39 2,99
13. Sentir o corpo – 4,48
14. Subjectividade da saúde – 4,48
15. Saúde como dádiva de Deus – 2,99

479
de é ausência de dores e de sofrimento”. Depois duas novas categorias que se seguem às anterio-
da exposição às narrativas, é o tema “Bem-estar” res: a subjectividade e a religião.
que surge com maior percentagem, seguindo-se
“Estar bem consigo próprio”, “Não estar doen-
te”, “Capacidade para gerir o dia-a-dia” e “Não DIMENSÃO DA DOENÇA
estar doente”. Assim, depois da exposição às nar-
rativas a maior parte das pessoas expressaram Em relação à dimensão da doença foi possível
promoveu uma concepção de bem-estar mais la- identificar as seguintes concepções:
ta, incluindo o bem-estar com as outras pessoas.
(1) Presença de sintoma, sensações. A do-
Um dado interessante resulta da exposição às
ença é caracterizada a partir da percepção
narrativas ter promovido maior diversidade de
de sintomas, impressões ou sensações
temas para dar conta do que significa a saúde.
que aparecem no corpo;
Assim, os temas 8), 11) 13) 14) e 15) nunca fo-
(2) Anomalia do organismo. A doença é
ram referenciados nas respostas espontâneas
considerada uma anomalia do organismo
mas referidos apenas depois da exposição.
ou corpo;
Analisando o conteúdo de cada tema e compa-
(3) Não poder fazer o que se quer. A pes-
rando-o com o dos outros, foi possível agrupar
soa não se sente com capacidade para fa-
em categorias temas semelhantes. Assim, como
zer tudo aquilo que lhe apetece ou que
se indica na Tabela 6, os temas (2), (9), (12) e
deve fazer;
(13), os quais fazem todos referência ao corpo
(4) Mal-estar. Doença concebida como um
foram agrupados na categoria “centração corpo-
estado negativo global (e.g., doença é sen-
ral”. A percentagem de cada categoria correspon-
tirmo-nos mal);
de à média aritmética das percentagens dos temas
(5) Falta de apoio interpessoal. A eventual
nela incluídos.
falta de ajuda ou de apoio de outras pes-
Observando a Tabela 6, constata-se que antes
soas quando se está doente é uma cara-
da exposição às narrativas, a visão da saúde co-
cterística do processo de doença e sofri-
mo contrário de doença é a mais prevalente na
mento;
amostra total. Seguem-se as concepções de saú-
(6) Estado de espírito. A doença é, em par-
de como bem-estar ou equilíbrio; como capaci-
te, um estado de espírito – considera-se
dade de regulação e funcionalidade; centradas no
que se as pessoas forem “psiquicamente
corpo e, finalmente, a concepção de saúde que a
fortes” toleram melhor a doença. (e.g., em
concebe como um estado não perfeito ou abso-
parte a doença é um estado de espírito
luto. Depois da exposição às narrativas, esta or-
porque se um indivíduo é forte psiquica-
denação tende a manter-se, mas são adicionadas

TABELA 6
Categorias de saúde e sua prevalência média

Categorias Temas Antes da exposição Depois da exposição

Centração corporal 2) 9) 12) 13) 9,70% 9,33%


Capacidade de regulação e funcionalidade 5) 6) 7) 8) 10,82% 11,94%
Bem-estar / equilíbrio 3) 4) 11) 27,86% 19,40%
Religião 15) – 2,99%
Contrário de doença 1) 43,28% 23,88%
Subjectividade 14) – 4,48%
Imperfeição da saúde 10) 7,46% 16,42%

480
mente, embora a doença apareça, conse- (14) Perda de capacidades. Ênfase na perda
gue resistir a ela sem ir abaixo, aguenta de capacidades específicas que a doença
perfeitamente com ela e quase podemos pode provocar.
dizer que a põe na rua);
Na Tabela 7 apresentam-se as percentagens de
(7) Desequilíbrio biopsicossocial. A doença respostas para cada tema antes da exposição às
é considerada uma perturbação ou um de- narrativas (respostas espontâneas) e depois da
sequilíbrio corporal, psicológico e social; exposição.
(8) Perda de autonomia. A doença é carac- Observando a Tabela 7 verifica-se que, antes
terizada pela eventual perda de autono- da exposição às narrativas, os temas de doença
mia pessoal e aumento da dependência; mais frequentes, considerando uma percentagem
(9) Subjectividade da doença. A doença po- superior a 20%, são, respectivamente, “Mal-es-
derá depender, em parte, da forma como tar”, “Não poder fazer aquilo que se quer”, “Pre-
a pessoa interpreta os seus achaques (e.g., sença de sintomas” e “Anomalia do organismo”.
há pessoas que por uma pequena coisa Depois da exposição às narrativas os temas mais
acham que estão doentes e outras que com frequentes são “Não poder fazer aquilo que se
aquela mesma coisa acham que não es- quer”, “Falta de apoio interpessoal”, “Estado de
tão doentes); espírito” e “Subjectividade da doença”. Assim,
(10) Dependência de outros. Ênfase na de- depois da exposição às narrativas, surgem com
pendência que as doenças podem provo- muito maior frequência os temas “Falta de apoio
car e que “ainda agrava mais as coisas”; interpessoal”, “Estado de espírito” e “Subjectivi-
(11) Não ter saúde. Concepção de doença de- dade da doença”. Este dado indica que depois da
finida num sentido negativo, pela ausên- exposição a maior parte das pessoas integram os
cia de algo positivo (saúde); aspectos psicológicos e sociais nas suas conce-
(12) Desequilíbrio. Doença concebida como pções de doença. É um dado interessante porque
um desequilíbrio geral não especificado; sugere que as pessoas reconhecem a importância
(13) Doença identificada com o diagnóstico destes aspectos nos processos de saúde e de do-
médico. Doença é aquilo que o médico ença, embora não o refiram de modo espontâneo.
diz que é doença; Tal como foi feito para a dimensão de saúde,

TABELA 7
Temas de doença e sua prevalência

Temas Antes da exposição Depois da exposição

1. Presença de sintomas 23,88 8,96


2. Anomalia do organismo 22,39 11,94
3. Não poder fazer aquilo que se quer 40,30 67,16
4. Mal-estar 49,25 38,81
5. Falta de apoio interpessoal 5,97 64,18
6. Estado de espírito 10,45 62,69
7. Desequilíbrio biopsicossocial 4,48 16,42
8. Perda de autonomia 1,49 19,40
9. Subjectividade da doença 4,48 50,75
10. Dependência de outros 1,49 8,96
11. Não ter saúde 11,94 1,49
12. Desequilíbrio – 4,48
13. Doença = diagnóstico médico 1,49 7,46
14. Perda de capacidades 4,48 4,48

481
TABELA 8
Categorias de doença e sua prevalência média

Categorias Temas Antes da exposição Depois da exposição

Centração corporal 1) 2) 23,135% 10,45%


Capacidade e disfuncionalidade 8) 10) 14) 2,49% 10,9%
Bem-estar / desequilíbrio 4) 12) 7)) 17,91% 19,9%
Falta de apoio interpessoal 5) 5,97% 64,18%
Contrário de saúde 11) 11,94% 1,49%
Subjectividade 9) 4,48% 50,75%
Doença identificada com diagnóstico médico 13) 1,49% 7,46%
Estado de espírito 6) 10,45% 62,69%

na Tabela 8 mostram-se as categorias que resul- sões como a corporal, a social, o bem-estar
taram do agrupamento dos temas de doença, bem e o equilíbrio e aspectos psicológicos. Há,
como a sua prevalência média. pois, uma grande riqueza de conteúdos, a
Antes da exposição às narrativas a “Centração qual tende a aumentar depois da exposição
corporal” é claramente a categoria mais frequen- às narrativas;
te. Isto é, nas suas respostas espontâneas as pes- 2) Outro aspecto que deve salientar-se diz res-
soas tendem a focar as suas concepções de doen- peito à avaliação das significações. Como
ça no corpo. Depois da exposição às narrativas, se verificou, a exposição das pessoas às nar-
há uma clara mudança nas concepções de saúde, rativas favorece uma maior riqueza con-
destacando-se claramente três categorias: “Falta ceptual a qual parece fazer já parte das
de apoio interpessoal”, “Estado de Espírito” e “Sub- competências da pessoa. A sua exposição
jectividade”. Depois da exposição às narrativas aos conteúdos das narrativas parece ter fa-
as pessoas explicitam concepções de saúde que vorecido a produção do seu nível óptimo
se afastam claramente do corpo para incluírem de conhecimento. Isto significa que quan-
principalmente aspectos interpessoais, interac- do se pretende aceder às significações das
ções corpo-espírito e, também, o próprio papel pessoas através do simples questionamento
dos aspectos psicológicos, como já referimos na não se avalia o seu nível potencial mas ape-
análise temática. nas o seu nível funcional. A exposição das
pessoas a outras narrativas provoca um con-
fronto dialéctico das suas próprias signifi-
DISCUSSÃO cações com as que estão incluídas nas nar-
rativas permitindo, eventualmente, à pes-
Este estudo permitiu aceder às concepções de soa a construção de novas significações di-
saúde e de doença numa amostra de pessoas lei- ferentes daquelas que utiliza habitualmente
gas. Foi também possível comparar essas con- de forma espontânea. Esta metodologia
cepções antes das pessoas serem expostas a um de avaliação não é “artificial”. Pelo contrá-
conjunto de narrativas sobre saúde e doença (e.g., rio, ela aproxima-se daquilo que ocorre na-
quando produzidas de forma espontânea), e de- turalmente na vida das pessoas. Com efei-
pois de serem expostas a estas. to, no seu dia-a-dia, através das conversas
Deste estudo podem retirar-se algumas conclu- com outras pessoas ou através da leitura,
sões:
as pessoas são expostas a significações di-
1) As concepções leigas de saúde e de doença versas sobre processos de saúde e doença.
apresentam uma grande diversidade. Com Do mesmo modo, quando a pessoa enfren-
efeito, analisando os conteúdos dessas con- ta um processo de doença, é exposta a di-
cepções constata-se a existência de dimen- ferentes significações: as dos médicos, as

482
dos familiares, dos amigos, as que estão in- Inhelder, B., Sinclair, H., & Bovet, M. (1974). Appren-
cluídas em textos diversos (jornais, Net, etc.). tissage et Structures de la Connâssance. Paris: PUF.
Assim, a pessoa vive uma dialéctica rela- Joyce-Moniz, L. (1993). Psicopatologia do desenvolvi-
mento do adolescente e do adulto. Lisboa: McGraw-
tivamente frequente de confronto das suas
Hill.
significações com outras que resultam de Joyce-Moniz, L., & Reis, J. (1991). Desenvolvimento e
fontes diversas. As significações pessoais dialéctica de significações de doença e confronto
não existem “dentro da mente” de forma em Psicologia da Saúde. Psychologica, 6, 105-127.
estática à espera de serem identificadas por Justice, B. (1998). A different kind of health. Houston:
um observador externo. Foi possível cons- Peak Press.
tatar que, após a exposição às narrativas, a Kobasa, S. C., Maddi, S. R., & Kahn, S. (1982). Har-
maior parte das pessoas incluíram aspectos diness and Health: A prospective study. Journal of
psicossociais nas suas concepções de saú- Personality and Social Psychology, 42 (1), 168-177.
Mechanic, D. (1986). The Concept of Illness Behavior:
de e de doença, ou seja, embora não os re- Culture, Situation and Personal Predisposition. Psy-
firam espontaneamente, reconhecem a im- chological Medicine, 16, 1-7.
portância destes aspectos, adoptando-os, dis- Piaget, J. (1926). La Représentation du Monde chez l’En-
cutindo-os ou recusando-os. fant. Paris: PUF.
Radley, A., & Green, R. (1985). Styles of adjustment to
coronary graft surgery. Social Science and Medici-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ne, 20 (5), 461-464.
Reis, J. C. (1992). Metodologia construtivista e desen-
Antonovsky, A. (1979). Health, stress and coping. San volvimentista para prevenção de reacções ansiogé-
Francisco: Jossey Bass. neas, depressogéneas e dolorosas em pacientes de
Bandura, A. (1997). Self-efficacy and health behavior. cirurgia cardíaca. Dissertação de doutoramento em
In A. Baum, S. Newman, J. Weinman, R. West, & Psicologia. Trabalho não publicado. Universidade
C. McManus (Orgs), Cambridge Handbook of Clássica de Lisboa.
Psychology, Health and Medicine (pp. 160-162). Reis, J. C. (1994). Importância do método clínico ou de
United Kingdom: Cambridge University Press. exploração crítica no estudo da personalidade. In-
Blaxter, M. (1990). Health and Lifestyles. London: tervenção Social, 10 (4), 9-23.
Tavistock/Routledge. Reis. J. C. (1998). O Sorriso de Hipócrates: a integra-
Bradley, L. A., & Kay, R. (1985). The role of cognition ção biopsicossocial dos processos de saúde e doen-
in Behavioral Medicine. Advances in Cognitive-Be- ça. Lisboa: Veja.
havioral Research, 4, 137-213. Reis, J. C. (1999). Modelo metateórico da Psicologia da
Calnan, M. (1987). Health and Illness: The lay perspe- Saúde para o séc. XXI: interacção ou integração
ctive. London: Tavistock. biopsicossocial? Análise Psicológica, 17 (3), 415-
Cornwell, J. (1984). Hard-Earned Lives: Accounts of -433.
health and illness from East London. London: Ta- Reis, J. (2001). Educação para a saúde: construção au-
vistock. tónoma e reflexiva de estilos de vida. Anais Cientí-
Fischer, K. W. (1980). A theory of cognitive develop- ficos da Universidade Independente, 2 (4), 131-144.
ment: the control and construction of hierarchies of Reis, J. C., & Fradique, F. (2000). Desenvolvimento so-
skills. Psychological Review, 87 (6), 477-531. ciocognitivo de representações subjectivas de saú-
Flick, U. (Org.) (1992). La perception quotidienne de la
de e doença: implicações na educação para a saú-
santé et de la maladie. Théories subjectives et re-
de. Relatório do Projecto n.º PCSH/C/PSI/89/96.
presentations sociales. Paris: L’Harmattan.
Programa PRAXIS. Lisboa: Fundação para a Ci-
Flick, U. (2000). Qualitative Inquiries into Social Re-
presentations of Health. Journal of Health Psycho- ência e Tecnologia.
logy, 5 (3), 315-324. Reis, J., & Fradique, J. (2002). Desenvolvimento socio-
Fradique, F. (1993). Programa desenvolvimentista pre- cognitivo de significações leigas em adultos: cau-
ventivo da depressão pós-parto. Dissertação de dou- sas e prevenção das doenças. Análise Psicológica,
toramento em Psicologia. Universidade Clássica de 20 (1), 5-26.
Lisboa. Reis, J., & Fradique, J. (2003). Significações sobre cau-
Helman, C. (1978). Feed a cold and starve a fever. Folk sas e prevenção das doenças em jovens adultos,
models of infection in an English suburban com- adultos de meia-idade e idosos. Psicologia: Teoria
munity, and their relation to medical treatment. Cul- e Pesquisa, 19 (1), 47-57.
ture, Medicine and Psychiatry, 2, 107-137. Skelton, J., & Croyle, R. (Orgs.) (1991). Mental Repre-
Herzlich, C. (1969/1973). Health and Illness: A social sentations in Health and Illness. New York: Sprin-
psychological analysis. London: Academic Press. ger-Verlag.

483
Smith, J. A., Jarman, M., & Osborn, M. (1999). Doing dessas pessoas; (2) comparar as significações obtidas
Interpretative Phenomenological Analysis. In M. através do questionamento e através da exposição a
Murray, & K. Chamberlain (Orgs.), Qualitative narrativas e, (3) analisar a prevalência das significa-
Health Psychology (pp. 218-240). London: Sage. ções sobre saúde e doença na população estudada, no
Snow, L. F. (1974). Folk medical beliefs and their im- sentido de avaliar se existem concepções, quer de saú-
plications for care of patients. Annals of Internal
de quer de doença, que possam ser consideradas como
Medicine, 81, 82-96.
Stacey, M. (1988). The Sociology of Health and Hea- características deste grupo.
ling. London: Unwin Hyman. Palavras-chave: Concepções leigas, saúde e doen-
Taylor, S. (1990). Health Psychology: the science and ça.
the field. American Psychologist, 45, 40-50.
Turk, D., & Meichenbaum, D. (1991). Adherence to
Self-Care Regimens. The Patient’s Perspective. In ABSTRACT
J. J. Sweet, R. H. Rozensky, & S. M. Tovian (Orgs.),
Handbook of Clinical Psychology in Medical Set-
Laypersons in Medicine present alternative mea-
tings (pp. 249-266). New York: Plenum.
nings or explanations on health and illness processes.
These explanations coexist and compete with those of
endorsed by health professionals. This paper describes
RESUMO a qualitative research that was carried with 67 lay
adults. The study objectives were: 1) to assess lay con-
As pessoas leigas em Medicina apresentam signi-
ceptions about health and disease; 2) to compare those
ficações ou explicações alternativas acerca dos proces-
sos de saúde e de doença, que coexistem e competem conceptions after an open question and after the expo-
com as dos profissionais de saúde. Neste artigo descre- sition of the participant to a narrative; 3) to analyse the
ve-se uma pesquisa qualitativa efectuada com 67 adul- prevalence of lay conceptions on these group of sub-
tos, leigos em Medicina, com os seguintes objectivos jects.
(1) aceder às significações sobre saúde e sobre doença Key words: Lay conceptions, health and disease.

484
ANEXO

PROTOCOLO DE ENTREVISTA DESENVOLVIMENTISTA DE SIGNIFICAÇÕES


DE SAÚDE E DOENÇA
(Joaquim Reis & Fernando Fradique, 2000)

Quatro dimensões de significação: l. Dimensão causal; 2. Dimensão da doença; 3. Dimensão da saúde; 4. Dimen-
são preventiva

Dois momentos de avaliação qualitativa:


A. Pergunta aberta e solicitação espontânea da resposta sem confronto:
Exemplo de questões para cada dimensão: 1. dimensão causal: Do seu ponto de vista qual ou quais considera serem
as causas das doenças? Porque é que aparecem as doenças? Porque é que as pessoas ficam doentes?; 2. Dimensão da
doença: o que significa para si estar doente? O que é a doença?; 3. Dimensão da saúde: O que significa para si ter
saúde? O que é a saúde?; 4. Dimensão preventiva: é possível prevenir a doença? Como? Podemos fazer alguma coisa
para prevenir a doença?

B. Pessoa é exposta a cada narrativa referente às quatro dimensões de significação. A seguir a cada narrativa a
pessoa reflecte sobre a mesma e apresenta razões porque concorda ou discorda. Exemplo de questões: concorda
com o que esta pessoa disse? com o que é que discorda? Com o que é que concorda?

Nota: exemplos das narrativas de níveis 1/2 e 4 nas dimensões de saúde e doença. Para consulta de toda a escala ver
(Reis & Fradique, 2000) ou solicitar directamente aos autores.

Dimensão de saúde
Níveis 1 e 2 - Ter saúde é não estar doente; é não sentir o corpo; não damos por ele; sentimo-nos bem dispostos, o
corpo está bem, e conseguimos trabalhar ou fazer as nossas coisas... às vezes sentimos algumas impressões ou
pequenas dores, mas conseguimos trabalhar e resolver a nossa vida e, portanto, ainda temos saúde, desde que não nos
leve a perder as oportunidades da vida...

Nível 4 - Ter saúde é sentirmo-nos bem e podermos concretizar as nossas responsabilidades e obrigações, pessoais,
familiares e profissionais. Ter saúde significa que todos os órgãos corporais funcionam bem, que psicologicamente
ou moralmente também estamos bem e a nossa vida social, as nossas relações com as outras pessoas, colegas,
familiares estão bem... ter saúde significa conseguir manter uma atitude de bom senso, racional e disciplinada...
sabermos cumprir as nossas obrigações, respeitar os outros, evitarmos os excessos... estas são atitudes saudáveis...
são um investimento na saúde.

3. Dimensão da doença

N1 e N2 - Estar doente é sentirmo-nos mal; o nosso corpo está mal...está avariado: damo-nos conta de impressões,
sensações que aparecem no nosso corpo; não conseguimos trabalhar nem fazer as nossas coisas... de modo que não
conseguimos tirar o aproveitamento da vida que devíamos tirar: perdemos oportunidades.

N4 - Estar doente é sentirmo-nos mal e não podermos concretizar as nossas responsabilidades e obrigações pessoais,
familiares e profissionais. Estar doente significa que algo se está a passar connosco, que um ou mais dos nossos
órgãos corporais funcionam mal... psicologicamente ou moralmente também reagimos à doença e também
podemos estar em baixo, o que só vai prejudicar a doença; a doença por vezes perturba as nossas relações com as
outras pessoas, colegas, familiares... mas também é verdade que estas pessoas podem ajudar-nos muito a recuperar
a saúde: quer dizer, o corpo, a mente e as nossas relações com as outras pessoas influenciam-se uns aos outros e isso
vai constituir a doença no seu conjunto. Cada um desses aspectos pode contribuir para recuperar ou pelo contrário
para piorar a doença. E sentirmo-nos melhor ou pior consoante esses vários aspectos estão ou não em harmonia.

485
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 487-497

Intervenção desenvolvimentista em psicologia


da doença

L. JOYCE-MONIZ (*)
LUISA BARROS (*)

1. PSICOLOGIA DA SAÚDE E PSICOLOGIA pelo positivo, elegendo a Psicologia da Saúde


DA DOENÇA como mãe de todas as condições somáticas, boas
e más.
Na grande corrida norte-americana para a for- No entanto, cedo se notou que havia um pro-
malização de especialidades de Psicologia dos pósito de prevenção da doença e de promoção da
anos setenta, que permitiu a esta disciplina ultra- saúde, que unia a Psicologia da Saúde aos desí-
passar em número de variedades outras campeãs gnios da Medicina Preventiva, e um propósito de
como a Medicina e a Engenharia, a Psicologia da confronto da doença e restabelecimento da saú-
Saúde outorgou-se de imediato o direito de assi- de, e sobretudo de adaptação à doença, que tor-
milar a Psicologia da Doença: navam óbvia a particularidade de uma Psicologia
“A Psicologia da Saúde é o agregado de da Doença, com um diálogo privilegiado com a
contribuições específicas educacionais, cien- Medicina Curativa e a Medicina Paliativa.
tíficas e profissionais da disciplina de Psi- Grande parte da Psicologia da Saúde tem sido,
cologia, para a promoção e a manutenção pois, constituída por uma Psicologia da Doença.
da saúde, a prevenção e o tratamento da Poder-se-á mesmo dizer que as teorias mais elo-
doença, e a identificação dos aspectos corre- quentes que se fazem entender nos areópagos da
lacionados (correlates) com a etiologia e o Psicologia da Saúde têm sobretudo a ver com a
diagnóstico da saúde, da doença e das dis- doença (e.g., Howard Leventhal, 1975, 1983, 1986).
funções com ela relacionadas.” Joseph Ma- No que nos diz respeito (Joyce-Moniz & Bar-
tarazzo (1980, p. 815). ros, 1994), sempre optámos pela distinção destas
disciplinas, que não são circulares, nem antitéti-
Como se a doença fosse a antítese da saúde, e cas, e que limitam muitas vezes a sua comple-
esta o contrário daquela, como se pudessem estu- mentaridade ao mínimo factor comum. Come-
dar dentro desta dialéctica simples, e que tal cir- çando desde logo por não ter sentido falar-se de
cularidade tivesse levado esses pioneiros a optar
uma Psicologia da Pessoa Saudável, porque esta
condição ideal se define melhor no termo gené-
rico de saúde. E, infelizmente para nós especia-
listas, fazer mais sentido uma Psicologia do Do-
(*) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu- ente do que uma Psicologia da Doença, pela sim-
cação, Universidade de Lisboa. ples razão de ser o doente a definir esse processo

487
bem real chamado doença, e não a doença a de- outra disciplina da Psicologia, lida com hot cog-
finir o doente. nitions, as quais se podem traduzir numa lingua-
Com efeito, delinear traços gerais de estilo de gem monista, não só como cognições quentes
vida ou retratar modelos de condições ideais de mas igualmente emocionais (ou emocionadas).
saúde não nos incomoda, e estas atribuições ge- Pelo que as ideias do doente fazem-se sempre acom-
néricas fazem parte da desiderata dos programas panhar por emoções, mais pronunciadas do que
de promoção da saúde. Ao inverso, todos os es- numa condição de saúde. Ou noutros termos,
tudos que tentaram conceber traços fixos ou per- porque as emoções do doente fazem-se sempre
sonalidades para doenças (e.g., artrite, asma, can- acompanhar por ideias mais específicas ou idios-
cro, enxaqueca) têm redundado em fracasso. Mui- sincráticas do que as emoções associadas à con-
to simplesmente porque essas doenças com per- dição de saúde.
sonalidade são más representações das ideias e Como as significações (cognitivas/emocionais)
dos comportamentos dos respectivos doentes. Se do doente fundamentam a grande maioria dos
a saúde é uma condição ideal, que se pode ba- modelos de Psicologia do Doente, e as significa-
lizar em termos modelares (e.g., epidemiológi- ções do paciente estão na base dos modelos co-
cos), a doença é uma condição individual, expe- gnitivistas da Psicoterapia, não é surpreendente
riencial, cujos parâmetros psicológicos servem constatar uma grande semelhança entre as estru-
para tornar mais variáveis e indefiníveis os pa- turas significativas representadas em ambos os
râmetros somáticos. modelos apresentados na Figura 1.
A Psicologia das pessoas já doentes, ou con- Por conseguinte, a Psicologia da Doença não
vencidas que o estão, coloca questões metodoló- se diferencia das outras disciplinas psicológicas
gicas muito mais complexas do que a Psicologia fundamentadas nas ideias, crenças ou significa-
das pessoas a quem se pretende preservar a sua ções que a pessoa faz da realidade (atribuída a si
condição, real ou suposta, de saúde. De forma própria e aos outros). Primeiro, porque também
tosca, poder-se-á dizer que a Psicologia do Do- estabeleceu uma hierarquia estrutural indo das re-
ente engloba todas as problemáticas cognitivas, presentações mais imediatas, superficiais e con-
emocionais e comportamentais do doente a que a cretas da realidade (e.g., sensações somáticas es-
Psicoterapia e a Psicologia Clínica procuram dar tranhas e/ou incómodas) às mais reflexivas, pro-
resposta, e ainda mais todos os problemas psico- fundas e abstractas (e.g., atribuição de gravidade
lógicos de confronto de sintomas somáticos e/ou à doença, auto-atribuição de vulnerabilidade à do-
adaptação à doença, que são específicos da Psi- ença). Segundo, porque seguiu as pisadas tradi-
cologia da Doença. Embora, como se verá, as me- cionais das psicologias subjectivas, estabelecendo
todologias de intervenção desta disciplina se apoiem igualmente que os modos centrais, ou significa-
substancialmente nas da Psicoterapia e da Psico- ções profundas, determinam a qualidade e quan-
logia Clínica, mesmo no que diz respeito ao con- tidade das significações superficiais e de menor
fronto e/ou adaptação com/aos sintomas somáti- reflexão (e.g., sentindo-se vulnerável, a pessoa
cos e processos biomédicos de tratamento. queixa-se mais de sensações somáticas desagra-
dáveis).
À semelhança do que se passa nos principais
2. HIERARQUIAS DE SIGNIFICAÇÕES modelos cognitivistas da Psicoterapia (e.g., dis-
DO DOENTE funções ou erros cognitivos de abstracção selec-
tiva, inferência arbitrária, ultrageneralização, bi-
Assim como a Psicologia da Saúde se dirige polarização, etc., na Terapia Cognitiva de Beck
hoje maioritariamente às ideias ou significações [Beck, 1976; Beck & Freeman, 1990; Beck, Rush,
das pessoas sobre saúde, contrariamente à Me- Shaw & Emery, 1979]), são as estruturas inter-
dicina Comportamental, a Psicologia da Doença médias, ou esquemas, que são mais extensiva-
trata essencialmente das ideias ou significações mente abordadas na Psicologia da Doença (e.g.,
do doente sobre o processo de doença. Como es- regras do agrupamento, da simetria, da idade vs.
tas ideias do doente são mais vividas, experien- doença, e da idade vs. stresse, no modelo de au-
ciadas e, sobretudo, sofridas, poder-se-á dizer que to-regulação das significações leigas da doença
a Psicologia da Doença, mais do que qualquer [Leventhal, 1975, 1983, 1986; Leventhal & Le-

488
FIGURA 1
Hierarquias estruturais nos modelos de Aaron Beck (esquerda) e Howard Leventhal (direita)
(Retirado de Joyce-Moniz & Barros, no prelo)

Pensamentos
Representações
automáticos
de sensações
de medo

Significações superficiais

Regras para racio- Esquemas intermédios Doença nomeada,


nalização do perigo, regras de atribuição
nomeação de Modos de significação
sentimentos de medo centrais (e.g., sintomas=
doença)

Vulnerabilidade ao Vulnerabilidade à
perigo, depreciação doença
do poder de Adiamento do
confronto confronto

venthal, 1993; Leventhal & Diffenbach, 1991; doença a nível individual é economicamente in-
Leventhal, Leventhal & Cameron, 2001; Leven- comportável e gestionariamente absurda.
thal, Nerenz & Steele, 1984)]). Na prática, acre- Em termos metodológicos os modelos cogni-
dita-se que jogando ao meio da hierarquia, pode- tivistas serão, pois, os mais indicados para impor
-se limitar o poder dos core (estruturas profun- ao sujeito da acção de promoção da saúde um es-
das), ao mesmo tempo que se modificam as quema processual de antever a ameaça para não
crenças automáticas e superficiais, identificadas cair nela. Mas curiosamente, também em termos
com comportamentos também impulsivos ou ro- metodológicos, os modelos cognitivistas que pre-
tinizados (repetitivos, circulares). Uma vez que conizam a disputa racional ou racionalização acti-
esse meio é racional/irracional, comportando va das crenças que dificultam a adaptação à do-
ença e/ou a programação de experiências empí-
assim regras ou normas más que se podem mu-
ricas para reforçar essa disputa (como São Tomé,
dar em boas, associadas precisamente aos bons
ver para crer) são também utilizados na Psico-
comportamentos normativos.
logia da Doença (Bandura, 1997a, b; Becker &
Assinale-se que este recurso à mudança ou sis- Rosenstock, 1984).
tematização de regras processuais de higiene, Todavia, normas de prevenção (da doença) e
prevenção, estilo de consumo, hábitos de exercí- normas de correcção (das suas consequências)
cio, etc., para chegar a comportamentos concre- têm, efeitos diversos em termos de pensamentos
tos adaptados e/ou integrar conceitos centrais de superficiais para a sua aplicação, e de pensamen-
promoção da saúde e qualidade de vida parece tos centrais da sua justificação. Na Psicologia da
justificar-se de sobremaneira nas acções da Psi- Saúde, os princípios generosos de promoção da
cologia da Saúde. Que são (a) prospectivas, por- saúde e da qualidade de vida passam bem nas
que centradas em comportamentos preventivos, e regras de prevenção, higiene, etc., e o problema
(b) grupais, porque uma prática de prevenção da prático consiste em traduzir essas regras em com-

489
portamentos concretos e sistematizados. Na Psi- reagem do modo que qualquer um pode constatar
cologia da Doença, os princípios dolorosos de cro- na literatura deste último quarto de século: a teo-
nicidade da doença ou vulnerabilidade aos efei- ria ou a explicação das significações do doente, e
tos secundários do seu tratamento/adaptação, põem das respectivas estruturas, prevalece sobre a pro-
constantemente em causa as racionalizações ra- posta de intervenção (clínica) para a sua modifi-
cionais sugeridas pelos psicólogos, e o problema cação. Se a percentagem de propostas metodoló-
prático contínua a ser de pôr essas regras em prá- gicas já é bem escassa na grande literatura da
tica. O que poderá não ser suficiente, e obrigar o Psicologia da Saúde, a percentagem de propostas
psicólogo a sair dos esquemas intermédios (ou de intervenção na de Psicologia da Doença ainda
estruturas normativas), e a introduzir no diálogo é menor. Parece mais desejável apontar os males
com o doente crenças ou significações de super- do que propor os remédios.
ficialidade e/ou interioridade maiores. Se quisermos dar ao termo clínico a sua asser-
Em termos práticos, contrariamente à Psico- ção mais aplicada ou operacional, somos obriga-
logia da Saúde, que pode guardar os seus esque- dos a constatar que a literatura (e.g., norte-ame-
mas intermédios e as metodologias mais ou me- ricana) da Psicologia Clínica da Doença ainda
nos racionalistas que os mantêm, a Psicologia da não existe, ou é ultra-minoritária, enquanto parte
Doença está sempre confrontada com estes pro- da Psicologia da Saúde e da Doença.
blemas: Esta Psicologia Clínica da Doença tem de ser
entendida na sua máxima capacidade operacio-
1. Como psicologia dirigida às significações nal, tal como os modelos de psicoterapia que es-
individuais precisa de uma maneira de arru- tão abertos a todos os processos patológicos. Isto
mar conceptualmente e classificar opera- é, para a Psicologia da Doença passar de uma pre-
cionalmente essas significações, o que não valência explicativa para uma preponderância
é nada fácil dado existirem várias centenas pragmática e interventiva, os seus modelos de-
de sistemas psicológicos de classificação do vem propor metodologias para enfrentar a gran-
nosso subjectivismo; de maioria dos problemas com que a pessoa do-
2. Como psicologia apoiada na racionalização ente se confronta ao longo do processo de doen-
dessas significações pode recorrer aos mo- ça. O que leva a que as distinções processuais de
delos habituais de hierarquia superficial/pro- doença, que virtualmente mais interessam à Psi-
fundo para classificar as crenças subjecti- cologia (clínica) da Doença, correspondam pre-
vas, embora constate que as actuações nor- cisamente aos processos mais longos e continua-
mativas não chegam para resolver os pro- dos, como as doenças crónicas e as doenças ter-
blemas da idiossincrasia de comportamen- minais.
tos ou de persistência de crenças centrais Tratar as emoções excessivas de ansiedade,
inadaptadas; disforia ou cólera do doente, como muitos médi-
3. Como psicologia não só explicativa mas aci- cos pedem aos psicólogos para o fazer, é, sem
ma de tudo pragmática e interventiva, sabe dúvida, do foro da Psicologia Clínica. Mas se o
que tem de recorrer a metodologias alterna- psicólogo se queda nesse sector e não atende a
tivas às racionalistas, tentando não cair nas outros aspectos do processo de doença, o seu es-
do positivismo contingencial da Medicina tatuto profissional não se integra na Psicologia
do Comportamento nem no interpretacio- (Clínica) da Doença. A qual se constitui precisa-
nismo das profundidades próprio das cor- mente no atendimento do doente em todas as fa-
rentes dinâmicas e outras. ses e problemas do processo de doença.
Neste sentido, poder-se-á dizer que a Psicolo-
gia Clínica da Doença pena em existir, porque as
3. DIFICULDADES DIALÉCTICAS DA (suas) propostas metodológicas na literatura pre-
PSICOLOGIA DA DOENÇA COM OBJECTIVO valecente são escassas, sectoriais e desenquadra-
CLÍNICO das de uma intervenção consistente e processual.
Contrariamente a muitos dos modelos explicati-
Face a estes problemas, os modelos/autores mais vos da Psicologia da Doença que guardam uma
conhecidos de Psicologia do doente e da doença representação holística do doente e da doença

490
(e.g., Bishop, 1987, 1991; Bishop & Converse, conhecimento da realidade da doença, que envol-
1986; Leventhal, 1975, 1983, 1986; Leventhal, Meyer ve o aparecimento de sinais, a equiparação des-
& Nerenz, 1980; Leventhal, Nerenz & Steele, tes sinais a sintomas de doença por dedução pró-
1984). pria ou por diagnóstico médico, e a consciência
A nosso ver, as grandes dificuldades metodo- da existência dessa doença, é que a dialéctica
lógicas da Psicologia da Doença dirigida ao pro- entre o explícito e o implícito poderá ser conce-
cesso completo da doença provêm do paradigma ptualmente de utilidade.
estrutural que as orienta. Conceber as relações Em todas as outras dimensões dever-se-á pro-
entre as crenças/significações em termos para- curar outros movimentos entre significações do
digmáticos, em que o mais profundo comanda o doente. Lembrando, por exemplo, que os mode-
mais superficial, talvez não seja a melhor ma- los cognitivo-funcionalistas (e.g., Lazarus, 1986,
neira de dar conta dos movimentos conceptuais 1991; Lazarus & Folkman, 1984; Bandura, 1986,
do doente, que se trate do seu impulso/insight ou 1997a, b) aplicados à doença, sempre tentaram
da sua metarreflexão. equacionar as significações de doença (ou dos
Quanto mais não seja porque o psicólogo po- seus sintomas) em dialéctica com as significa-
de confundir o seu trabalho caracterizador com o ções do seu confronto (coping).
do detective à procura da significação escondida, Evitando a orientação positivista desses mo-
origem de todas as crenças e reacções malévolas, delos, poder-se-á igualmente dizer que a dialé-
e o sofrimento concreto do doente passar a com- ctica da adesão ao tratamento proposto, confronto
por apenas o cenário da doença, que o psicólogo com sintomas, e vivência do processo será me-
se deleita a construir. lhor representada pelas acções de diferenciar pa-
Mas a crítica maior a fazer aos modelos de hie- ra conhecer a doença e o tratamento, e de inte-
rarquização determinística de estruturas de signi- grar para confrontar os seus sintomas e dificul-
ficação de dentro para fora (se namoram com a dades. Não é, pois, um movimento de dentro pa-
fenomenologia), ou de fora para dentro (se na- ra fora, nem de fora para dentro, mas uma dia-
moram com o positivismo) é a sua falta de dia- léctica evolutiva e transformadora.
léctica, ou melhor, a sua dialéctica num só sen-
tido, isto é, o de essas estruturas serem mais aces-
síveis ao conhecimento, superficiais e explícitas, 4. DIALÉCTICA DO DESENVOLVIMENTO
mas enganadoras, ou de serem menos acessíveis, NO PROCESSO DE DOENÇA
profundas e implícitas, mas verídicas.
É uma história triste a duma Psicologia de com- A vantagem principal de um modelo desen-
bate entre os que afirmam que só o escondido é volvimentista em Psicologia da Doença é a de
verdadeiro e os que dizem que só o óbvio é rea- possibilitar uma leitura ou uma caracterização
lidade. A doença é um processo suficientemente das significações expressas pelo doente em ter-
vivido com realidades (crenças, significações), mos processuais de diferenciação (ou descentra-
que não se reduzem a essa alternativa. A dialé- ção, destruturação, etc.) e de integração (ou com-
ctica dos processos de doença não será só a do pensação, reestruturação, etc.).
implícito que manda no explícito, ou do vice-ver- Nesta perspectiva, a pessoa doente actua de
sa. acordo com as suas significações, e estas podem
Se considerarmos as grandes dimensões (ten- ser representadas por um nível (descontinuidade,
dencialmente faseadas), da Psicologia do proces- estádio, etc.), que compreende uma sequência de
so de doença: níveis de significações – associadas ao sofrimen-
a) Conhecimento da realidade da doença to e/ao seu confronto – cada vez mais abertas,
b) Adesão ao tratamento proposto flexíveis, reversíveis, complexas e/ou universais.
c) Confronto com sintomas somáticos e psi- Nos modelos cognitivistas referidos antes, as
cológicos significações são classificadas em termos deter-
d) Vivência ou adaptação ao processo de do- ministas de dentro para fora, ou do centro para a
ença (sobretudo crónico e terminal) periferia. A intervenção está orientada por este
determinismo. É necessário descobrir as signifi-
Poder-se-á dizer que apenas na primeira, do cações mais profundas, ou regularizar as inter-

491
médias, para actuar sobre a desordem das cren- objectivo a mudança de acções de centração em
ças superficiais, e chegar assim ao comporta- acções de descentração, e de acções de não com-
mento adaptado. pensação (ou compensação incompleta) em acções
Nos modelos desenvolvimentistas, as signi- de compensação.
ficações são classificadas em termos dialécticos Por definição, estas mudanças de acções têm
de diferenciação e integração de significações, de ser feitas de acordo com o ordenamento dos
ou seja, pela ordem como foram adquiridas du- seus conteúdos significativos (i.e., hierarquias de
rante o desenvolvimento psicológico, e pela pre- cinco níveis de significação1) e com os desfasa-
ponderância que exercem sobre outras significa- mentos intra e inter sistemas de significação.
ções na condução das vivências ou experiências Duas décadas de reflexão e investigação per-
do doente. mitiram-nos chegar a alguns modelos de hierar-
A intervenção procede destes dois movimen- quias de níveis de significação para cada uma das
tos. É necessário identificar as significações dimensões referidas do processo de doença, que
mais abertas ou complexas de que a pessoa é propomos agora para o diagnóstico desenvolvi-
capaz, e as relações ou combinações que estabe- mentista em Psicologia da Doença (Joyce-Moniz
lece com essas significações. A mesma pessoa & Barros, no prelo) (ver Quadro 1).
pode aceder ao longo do tempo do (seu) desen- O grande problema desta proposta é ser ainda
volvimento a níveis diferentes de significação muito incompleta. Com efeito, existem muitos
sobre a doença e os seus processos, de forma or- outros sistemas significativos do doente, que se
denada (1.º, 2.º, 3.º, etc.) e inclusiva (3.º contém encaixam nas dimensões do processo apontadas,
o 2.º e o 1.º, 2.º contém o 1.º, etc.). O doente que mas que não figuram aqui. É necessária bem
acede por exemplo ao último nível de significa- mais investigação para dar uma forma desenvol-
ção de uma sequência de cinco poderá não só vimentista (i.e., em sequências integradoras de
funcionar nesse nível mas igualmente nos quatro níveis) a esses outros sistemas2.
antecedentes. Ou um de nível três pode usar tam- Ao contrário, consideramos as acções dialéc-
bém significações de níveis um e dois. Por defi- ticas, adaptadas e inadaptadas em termos de de-
nição, só a pessoa que não ultrapassou o primei- senvolvimento, como formando uma proposta
ro está limitada a este nível de significação (Joy- completa, baseada na epistemologia de J. Piaget,
ce-Moniz & Barros, no prelo). e por nós estudada desde há algum tempo (Joy-
O modo como a pessoa usa os níveis de siste- ce-Moniz, 1985, 1993).
mas de significações diversos (e.g., da doença,
dos sintomas, do diagnóstico médico, do trata-
mento) não é necessariamente coerente, isto é, 5. DESFASAMENTOS E METODOLOGIAS
uma pessoa que actua habitualmente num deter- DE INTERVENÇÃO
minado nível 3, não actuará sempre nesse nível
(desfasamento vertical), e sobretudo servir-se-á A objectivação dialéctica equivale a conside-
concomitantemente de outros níveis de sistemas rar a intervenção clínica como uma activação ou
completares de significação (desfasamento ver- mobilização nas boas direcções (e.g., de abertu-
tical). ra, coordenação, flexibilidade, etc.).
O diagnóstico desenvolvimentista envolve, Normalmente, o especialista tenta identificar
pois, dois objectivos complementares: (a) iden- (1) o nível mais alto de significação de que o
tificar os conteúdos de significação da pessoa em
sequências de níveis, que obedecem às leis do
desenvolvimento psicológico, e (b) identificar as
formas como a pessoa funciona com essas signi-
1
ficações, em termos dialécticos de acções de di- A grande maioria dos autores do desenvolvimento
ferenciação, ou compensação, versus acções de cognitivo e socio-cognitivo formalizaram sequências
com cinco níveis de significações (Joyce-Moniz, 1993).
indiferenciação, ou centração, e de integração/ 2
As hierarquias deste modelo foram retiradas na sua
/compensação versus de paragem/circularidade. maioria de investigações conducentes a hierarquias
Servindo-se de metodologias variadas, a inter- específicas de determinadas doenças (Joyce-Moniz &
venção desenvolvimentista tem como principal Barros, no prelo).

492
QUADRO 1
Acções dialécticas e hierarquias de significação para as diferentes dimensões do processo de
doença (Joyce-Moniz & Barros, no prelo)

Acções dialécticas preponderantes Hierarquias de significação

CONHECIMENTO DA REALIDADE DA DOENÇA

Diferenciação entre sinais e sintomas Possibilidade da existência da doença

Coordenação inclusiva entre sintomas e doença Sintomas que justificam a existência da doença

Centração circular de afirmação da realidade da doença Procura de sintomas justificativos da existência da


(hipocondria) doença

Diferenciação de causas Razões da vulnerabilidade à doença e da sua gravidade


Coordenação entre causas e doença

ADESÃO AO TRATAMENTO PROPOSTO

Diferenciação entre doença e confronto da doença Avaliação da possibilidade do confronto do confronto

Aceitação (identificação) e recusa (inversão) do Razões da dificuldade em aceitar o diagnóstico


diagnóstico médico

Aceitação (identificação) e recusa (inversão) do Condições para a adesão ao tratamento


tratamento proposto Características do relacionamento pretendido com o
médico

CONFRONTO DE SINTOMAS

Compensação do distúrbio por atribuição de controlo Alvos e condições de controlabilidade existencial


(incluindo o controlo do corpo)

Compensação da ansiedade e da depressão Razões da vulnerabilidade ansiogénia


Razões da vulnerabilidade depressogénia

Compensação de sintomas somáticos e somatoformes Processos alvo de somatização


Ganhos ou vantagens determinantes de processos
conversivos

VIVÊNCIA DA DOENÇA

Descentração por coordenação de perspectivas, Compreensão pelo outro da perspectiva do próprio sobre
flexibilidade e afirmação o processo
Compreensão pelo próprio da perspectiva do cuidador
Modo de descrição dos sintomas
Razões e atitudes de discordância com o cuidador
(processo hipocondríaco)

Compensação de dificuldades de adaptação a processos Evolução percebida da doença


crónicos

Compensação de dificuldades de adaptação a Atitude do doente considerada correcta pelo próprio


tratamentos aversivos Avaliação do cuidador pelo doente

493
doente é capaz, consoante as questões ou as se- Relativamente ao mesmo assunto, pode expres-
quências em apreço; (2) o nível onde o doente sar aqui uma opinião, e logo ali expressar outra,
mais frequentemente, ou duradouramente, se si- sem que tal seja considerado uma anormalidade.
tua nos contextos mais críticos (e.g., de dúvida, E pode expressar no mesmo momento raciocí-
angústia, dor física) das diferentes fases do pro- nios de nível de complexidade diferente quando
cesso; nível este que pode não coincidir com o salta de um assunto para outro, sem isso seja tido
nível mais alto. como uma inconveniência.
O diagnóstico dos níveis de significação do O filme dos processos de desfasamento verti-
doente não se destina a tirar-lhe o retrato das suas cais (intra-sistémicos) e horizontais (inter-sisté-
crenças mais profundas e determinantes para as micos) tanto poderá levar ao retrato da norma-
outras crenças da doença, mas a filmá-lo no uso lidade ou da conveniência, como ao da anorma-
das significações, ou dos seus sistemas, que mais lidade ou da inconveniência (Quadro 2).
contribuem para os movimentos de descentração Contudo, na maioria das intervenções desen-
vs. centração, e de compensação vs. circularidade, volvimentistas, visa-se uma melhor adaptação (por
que determinam a sua adaptação ao processo de acções de descentração e compensação) aos ní-
doença. veis de significação mais habituais (e.g., mais fre-
Este filme é como todos os filmes a sério. O quentes/duráveis/intensos nos períodos críticos)
personagem central é observado nas suas verba- e não uma passagem para níveis superiores (Qua-
lizações e actos de coerência e de incoerência. dro 3).

QUADRO 2
Exemplo de objectivo de intervenção procedente da análise dos desfasamentos verticais

O objectivo de estabilizar o paciente no nível mais alto a que teve acesso justifica-se porque a regressão temporária
para níveis inferiores é, normalmente, situacional e reactiva. Mas os problemas do doente aumentam com o aumento
destes movimentos regressivos, e a utilização concomitante ou alternada de níveis diferentes também pode colocar
problemas de circularidade e ambivalência.
A estabilização no nível mais alto a que se teve acesso também permite evitar os avanços bruscos para o nível de
significação superior ao habitualmente usado (i.e., o funcionamento habitual da pessoa a um nível inferior ao do que
é capaz) (Joyce-Moniz & Barros, no prelo).

QUADRO 3
Exemplo de objectivo de intervenção procedente da análise dos desfasamentos horizontais entre
sequências de significação de dimensões diferentes do processo de doença

a) Níveis superiores no conhecimento do conhecimento da realidade da doença, e inferiores nas outras dimensões:
Esta é uma situação relativamente comum, pelo que não requer nenhuma coordenação inter-sistémica em termos
de intervenção. Se conhece bem a doença, o doente tem possibilidade de progredir nas hierarquias de níveis das
outras dimensões, para harmonizar ou reestruturar este desfasamento entre significações de teor epistemológico
e as outras significações subjacentes a opções e atitudes concretas.
b) Níveis inferiores nesta dimensão, relativamente aos dos das outras: Esta situação e incongruente e pouco comum.
Mesmo se a pessoa tem uma visão simplista da doença, consegue conceber procedimentos mais sofisticados de
adaptação e confronto. Poderá, assim, estar no limite da sua adaptação ao processo de doença, o que deve orientar
a intervenção (idem).

494
Como referido há um tempo (Joyce-Moniz & os objectivos da intervenção e escolher as meto-
Barros, 1994), os níveis superiores de significa- dologias a utilizar.
ção não garantem a quem os utiliza menos sofri- Quer isto dizer, que as metodologias, original-
mento racional (e.g., dúvida, indecisão), emocio- mente enquadradas em paradigmas cognitivos,
nal (e.g., ansiedade, disforia, cólera) e/ou somá- comportamentais, fenomenológicos e construti-
tico (e.g., dor, disfunção) do que aquele de que pa- vistas da psicoterapia, por um lado podem ser
deceriam se utilizassem níveis inferiores dessas aplicadas aos propósitos clínicos decorrentes dos
significações. A intensidade e a gravidade da sin- processos de doenças, por outro podem ser defi-
tomatologia física e psicológica não tem nada a nidas pelas acções dialécticas nelas envolvidas.
ver com os níveis das significações que são diri-
gidas a esses sintomas. A fortiori, os níveis su-
periores de significação não garantem à pessoa
uma evolução menos grave, menos rápida ou de-
QUADRO 4
bilitante se a doença é irreversível. O sofrimento,
seja ele qual for, está democraticamente distri- Principais metodologias que compõem a
buído entre as pessoas que se situam em todos os nossa proposta
níveis das sequências de significação de doença
- Atribuição causal
e de confronto, incluindo as de significação so- - Auto-instrução
bre esse sofrimento. - Auto-monitorização
A única (e grande) vantagem de um nível su- - Disputa racional
perior de significação sobre os que lhe estão hie- - Inquirição socrática
rarquicamente abaixo é que o primeiro tem à sua - Tomada de decisão
disposição acções dialécticas de descentração e - Programação de contingências
compensação mais abrangentes e diferenciadas - Distracção
para conhecer a doença, integrar o tratamento, - Procura de informação
- Comunicação assertiva
lutar com os sintomas, adaptar-se a eles, etc..
- Exploração criativa por dramatização e narrativa
No entanto, como se afirmou, na maior parte
dos casos, interessa bem mais que a pessoa mu-
de para acções de descentração e compensação,
mais simples mas eficazes, utilizando os níveis
de significação, mesmo inferiores (e.g., 1 e 2 na
sequência de cinco), que mais frequente e/ou São assim as formas dialécticas das metodo-
duradouramente usa nos contextos determinan- logias (e.g., diferenciação, coordenação, flexibi-
tes. lidade, afirmação, inversão, identidade, reversi-
E em muitos casos, a constatação de um des- bilidade, proposição) que são aproveitadas e in-
fasamento horizontal entre sistemas ou dimen- tegradas nesta modelo de intervenção, e não obvia-
sões do processo de doença permite usar o siste- mente os pressupostos teóricos com que foram
ma de significações de níveis mais elevados pa- inicialmente formuladas.
ra mudar (ou reequilibrar) os sistemas menos O especialista desenvolvimentista deve saber
elevados (exemplo acima). identificar, para o seu diagnóstico, os movimen-
Destas razões emerge a asserção mais impor- tos dialécticos das significações expressas (ver-
tante na intervenção desenvolvimentista objecti- balmente e por outros meios) pelo paciente. E,
vada pelas acções dialécticas adaptadas: pessoas correlativamente para passar do diagnóstico à acção
diagnosticadas em níveis de significação diferen- clínica, saber identificar os movimentos dialécti-
tes, e/ou com desfasamentos diferentes, devem cos objectivados nas metodologias, mesmo que
beneficiar de metodologias de intervenção tam- estas ideologicamente não tenham sido concebi-
bém diferentes. das para enquadrar significações individuais (e.g.,
O diagnóstico dos níveis de significação do metodologias de distracção e programação de con-
doente, quanto ao processo de doença, e dos seus tingências).
desfasamentos, e das acções dialécticas associa- Neste aspecto, a intervenção desenvolvimen-
das a níveis e desfasamentos, permite formular tista inova pouco visto que outras propostas de

495
intervenção em Psicologia da Doença usam (co- REFERÊNCIAS
mo querem) as metodologias de paradigmas com-
portamentais, cognitivos e fenomenológicos (e.g., Bandura, A. (1986). Social Foundations of Thought and
Action: A social cognitive approach. Englewwod
Leventhal, 1975, 1983, 1986; Leventhal, Suls & Cliffs, NJ: Prentice-Hall.
Leventhal, 1993; Leventhal & Diffenbach, 1991; Bandura, A. (1997a). Self-efficacy and health beha-
Leventhal, Leventhal & Cameron, 2001; Leven- viour. In A. Baum, S. Newman, J. Weinman, R.
thal, Meyer & Nerenz, 1980; Leventhal, Nerenz West, & C. McManus (Eds.), Cambridge Hand-
book of Psychology, Health and Medicine (pp.
& Steele, 1984). 160-161). Cambridge: Cambridge University Press.
A vantagem já referida da intervenção desen- Bandura, A. (1997b). Self-efficacy: The exercise of con-
volvimentista será de reformular as dialécticas trol. New York: Freeman.
diferenciadoras e integradoras de muitas meto- Beck, A. (1976). Cognitive Therapy and the Emotional
Disorders. New York: International Universities
dologias para as aplicar às significações do do- Press.
ente identificadas em níveis de desenvolvimento, Beck, A., & Freeman, A. (1990). Cognitive Therapy of
e nos desfasamentos entre esses níveis ou com os Personality Disorders. New York: Guilford.
de outros sistemas significativos. Com esta re- Beck, A., Rush, A., Shaw, B., & Emery, G. (1979). Cog-
nitive Therapy of Depression. New York: Wiley.
formulação das suas acções mais gerais, a meto- Becker, M., & Rosenstock, I. (1984). Compliance with
dologia torna-se tão operacional neste modelo, medical advice. In A. Steptoe, & A. Mathews (Eds.),
como o é (ou pretende ser) no modelo que a for- Health Care and Human Behavior. London: Aca-
malizou em primeiro lugar. demic.
Bishop, G. (1987). Lay conceptions of physical symp-
Nesta perspectiva, não interessa quem chega
toms. Journal of Applied Social Psychology, 17,
primeiro, mas quem aproveita melhor os movi- 127-146.
mentos descentradores ou compensadores suge- Bishop, G. (1991). Understanding the understanding of
ridos nas diferentes metodologias. Como seria de illness: Lay disease representations. In J. Skelton,
& R. Croyle (Eds.), Mental Representation in Health
esperar, acreditamos que os modelos de desen-
and Illness. New York: Springer-Verlag.
volvimento e dialéctica de significações do do- Bishop, G., & Converse, S. (1986). Illness representa-
ente se servem coerentemente dessas metodolo- tions: A prototype approach. Health Psychology, 5,
gias. 95-114.
A inquirição socrática, core do racionalismo Joyce-Moniz, L. (1985). Epistemology therapy and cons-
tructivism. In M. Mahoney, & A. Freeman (Eds.),
socrático, do método clínico de Piaget, ou da te- Cognition and Psychotherapy. New York: Plenum.
rapia de reestruturação cognitiva de Aaron Beck, Joyce-Moniz, L. (1993). Psicopatologia do Desenvolvi-
é a (meta)metodologia que organiza todas as ou- mento do Adolescente e do Adulto (2.ª ed., 2002).
tras e que em grande parte as submete aos pro- Lisboa: McGraw-Hill.
Joyce-Moniz, L., & Barros, L. (1994). Psicologia da do-
pósitos de descentração e compensação. ença. Análise Psicológica, 2/3, 233-251.
Se considerarmos o pioneirismo de Piaget, Joyce-Moniz, L., & Barros, L. (no prelo). Psicologia da
podemos dizer que a única metodologia proposta doença para cuidados de saúde: desenvolvimento e
pela psicologia do desenvolvimento enquadra to- intervenção. Porto: Asa.
Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress, Appraisal
das as outras, provenientes de outros paradigmas. and Coping. New York: Springer.
É neste sentido que se devem compreender as re- Lazarus, R. (1966). Psychological Stress and the Coping
formulações das metodologias dos outros. Process. New York: McGraw-Hill.
Em última análise, as metodologias só valem Lazarus, R. (1986). Coping strategies. In S. McHugh, &
M. Vallis (Eds.), Illness Behavior: A multidiscipla-
se passarem da cabeça dos seus conceptualiza- nary model. New York: Plenum.
dores, para as dos especialistas da intervenção e Lazarus, R. (1991). Emotion and Adaptation. New York:
destas para a praxis das vivências dos seus clien- Oxford University Press.
tes/pacientes. É por isso, que usamos os mesmos Leventhal, E., Suls, J., & Leventhal, H. (1993). Hierar-
chical analysis of coping: Evidence from life-span
critérios dialécticos e desenvolvimentistas para
studies. In H. Krohne (Ed.), Attention and Avoidan-
ler as significações dos doentes e as significações ce: Strategies in coping with aversiveness. Seattle:
dos modelos metodológicos. Hogrefe.

496
Leventhal, H. (1975). The consequences of depersona- sidera-se que a pessoa doente actua de acordo com as
lization during illness and treatment: An informa- suas significações, e que estas podem ser represen-
tion processing model. In J. Howard, & A. Strauss tadas por um nível, que integra uma sequência de ní-
(Eds.), Humanizing Health Care. New York: Wi- veis de significações – associadas ao sofrimento e/ao
ley. seu confronto – cada vez mais abertas, flexíveis, re-
Leventhal, H. (1983). Behavioral medicine: Psychology versíveis, complexas e/ou universais, e caracterizadas
in health care. In D. Mechanic (Ed.), Handbook of pelas acções de diferenciação e de restruturação mais
Health, Health Care and the Health Professions. usadas. O diagnóstico dos níveis de significação do
New York: Free. doente, dos seus desfasamentos, quanto ao processo de
Leventhal, H. (1986). Symptom reporting: A focus on doença, e das acções dialécticas associadas a esses ní-
process. In S. McHugh, & M. Vallis (Eds.), Illness veis e desfasamentos, permite formular os objectivos e
Behavior: A multidisciplanary model. New York: escolher as metodologias a utilizar de modo mais di-
Plenum. reccionado e eficaz.
Leventhal, H., & Diffenbach, M. (1991). The active si- Palavras-chave: Psicologia da doença, desenvolvi-
de of illness cognition. In J. Skelton, & R. Croyle mento, intervenção, metodologias.
(Eds.), Mental Representation in Health and Ill-
ness. New York: Springer-Verlag.
Leventhal, H., Leventhal, E., & Cameron, L. (2001). Re- ABSTRACT
presentations, procedures, and affect in illness
self-regulation: a perceptual-cognitive model. In A.
The most eloquent theories of Health Psychology
Baum, T. Revesin, & J. Singer (Eds.), Handbook of
Health Psychology. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum.
are related to illness. This psychology, centered on
Leventhal, H., Meyer, D., & Nerenz, D. (1980). The
personal meanings of people who suffer from diseases,
common sense representation of illness danger. In
rises methodological questions much more complex
S. Rachman (Ed.), Contributions to Medical Psy- than the psychology that is directed to the health pro-
chology (Vol II). New York: Pergamon. motion.
Leventhal, H., Nerenz, D., & Steele, D. (1984). Illness In the perspective presented in this paper, the great
representations and coping with health threats. In methodological difficulties of Illness Psychology ori-
A. Baum, E. Taylor, & J Singer (Eds.), Handbook ginate from the structural paradigm that orients the most
of Psychology and Health. Hillsdale, NJ: Erlbaum. common cognitive models of intervention. Here, as an
alternative, the authors present a developmental model
of intervention in Illness Psychology. In this model,
the ill person acts in accordance with her/his personal
RESUMO meanings, and these can be represented by a level, that
is integrated in a sequence of levels associated with
As teorias mais eloquentes da Psicologia da Saúde suffering and coping, that are progressively more open,
têm sobretudo a ver com a doença. Esta Psicologia, flexible, reversible, complex and universal, and can be
centrada nas significações das pessoas doentes, coloca characterized by the differentiating and restructuring
questões metodológicas muito mais complexas do que dialectical actions most used.
a Psicologia interessada na promoção da Saúde. The identification of the person’s level of meanings,
Na perspectiva aqui defendida, as grandes dificul- and of the main dialectical operations and décalages
dades metodológicas da Psicologia da Doença provêm (displacements), allow a more directed and effective
do paradigma estrutural que orienta os modelos cogni- formulation of intervention objectives and choice of
tivistas mais frequentemente usados. Em alternativa, é methodologies.
apresentado um modelo desenvolvimentista de inter- Key words: Willness psychology, development, in-
venção em Psicologia da Doença. Neste modelo, con- tervention, methodology.

497
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 499-506

Quando e porquê começam os estudantes


universitários a fumar: Implicações para
a prevenção (*)

JOSÉ PRECIOSO (**)

1. INTRODUÇÃO Recordamos que a mortalidade infantil era de


77,5 por cada 1000 nascimentos em 1960 e que,
A Organização Mundial de Saúde continua a graças ao empenhamento de muitas pessoas e
considerar o consumo de tabaco como a mais im- instituições e ao conjunto de medidas tomadas
portante causa isolada de morbilidade e morta- na área individual, social e ambiental, está agora
lidade no mundo ocidental. Não obstante a gra- em cerca de 5,2 por cada mil nascimentos (Ins-
vidade e a elevada incidência e prevalência do tituto Nacional de Cardiologia Preventiva, 2002).
tabagismo, vários autores consideram a epidemia O mesmo pode acontecer com a epidemia tabági-
tabágica um problema de saúde pública vulnerá- ca a médio prazo.
vel, como foram outros problemas de saúde no O controlo da epidemia passa pela adopção de
passado (Mendoza, 1999). um vasto conjunto de medidas de prevenção e
Os profissionais de saúde e, em particular, tratamento do tabagismo.
aqueles que estão vinculados a projectos e insti- Para se tomarem medidas de prevenção do
tuições de saúde pública, já demonstraram ser consumo de tabaco eficazes, é necessário conhe-
capazes de implementar muitas medidas preven- cer em detalhe quando e porque se começa a fu-
tivas que se traduziram numa melhoria da saúde mar.
e esperança de vida das pessoas. Como exemplo, Vários autores referem que 50 a 60% dos fu-
podemos mencionar a redução de mortalidade madores começou a fumar antes dos quinze anos
pelo cancro da mama, do cancro cérvico-uterino, de idade e cerca de 90% antes da idade adulta
etc. (Conyer, 2000).
(Nutbeam, Mendoza & Newman, 1988; Joos-
sens, 1988; Jodral, 1992).
Rheinstein et al. citado por Trullén e Labarga
(2002) afirma que as crianças experimentam fu-
mar por volta dos 14 anos e consolidam-se como
(*) Agradecimentos: Agradeço às Prof.as Doutoras fumadores diários antes dos 18 anos, assinalando
Maria da Conceição Duarte e Laurinda Leite pela co- que mais de 80% dos fumadores adultos come-
laboração prestada na elaboração deste trabalho.
(**) Instituto de Educação e Psicologia, Universi- çou a fumar antes dessa idade. Ariza (1996) e
dade do Minho, Braga. Nebot (1995), consideram que a idade crítica

499
para começar a fumar vai dos 12 aos 15 anos. Pas- vorece o consumo regular de cigarros pelos alu-
sada esta idade, o risco de se tornar fumador re- nos universitários. Para tentar dar resposta a es-
gular diminui bastante (Nebot, 1995; Byrne, 2001). te problema, realizámos uma investigação em
Segundo o comissário europeu responsável pela que foi aplicado um questionário a uma amostra
saúde e protecção dos consumidores, David Byr- estratificada de alunos da Universidade do Mi-
ne, “é quase certo que se uma pessoa não come- nho, no qual foram colocadas dois blocos de ques-
çar a fumar na adolescência, raramente adquire tões principais: o primeiro grupo de questões pre-
esse hábito posteriormente” (Byrne, 2001). tendia obter informações sobre o nível de ensino
Embora os estudos revelem que nos países de- em que começaram a fumar e o segundo preten-
senvolvidos a maioria dos actuais fumadores co- dia determinar porque começaram a fazê-lo. Em
meçaram a fumar antes dos 18 anos, os estudos seguida apresentamos os objectivos, a metodo-
epidemiológicos realizados em Portugal eviden- logia, os resultados e as conclusões do estudo.
ciam que o consumo regular de tabaco ocorre mais
tardiamente. Os dados do Inquérito Nacional de
Saúde efectuado em Portugal, em 1995, mostra- 2. OBJECTIVOS DO ESTUDO
ram que em Portugal, 39% dos fumadores ini-
ciou o hábito de fumar entre os 18 e os 24 anos - Caracterizar o padrão de consumo de taba-
(DEPS, 1997; Nunes, 2002). Também um estudo co em alunos universitários
efectuado numa amostra de 227 professores, na - Determinar o padrão de consumo de tabaco
cidade do Porto, mostrou que 27% dos profes- por sexos
sores fumadores começou a fumar já como pro- - Determinar a fase da vida escolar em que
fissionais (Brandão, 2002). Os dados do Inquéri- começaram a fumar regularmente
to Nacional de Saúde de 1999 mostram também, - Determinar os factores de risco associados
um notório aumento da prevalência na faixa etária ao consumo de tabaco
dos 24-34 anos e dos 35-45 em ambos os sexos, - Propor vias para prevenir e tratar o tabagis-
relativamente a idades mais precoces, o que re- mo na população estudantil universitária.
vela que muitos fumadores começaram a fumar
já depois da idade adulta.
Por outro lado, os resultados das pesquisas 3. METODOLOGIA
efectuadas sobre a etiologia do consumo de taba-
co parecem indicar que fumar é um comporta- No final do ano lectivo de 2001/2002, reali-
mento fundamentalmente psicossocial, ou seja, zou-se na Universidade do Minho um estudo do
motivado por influências psicológicas e sociais. tipo sondagem, que consistiu na aplicação de um
Isto significa que, sempre que as pessoas são con- questionário, a uma amostra estratificada cons-
frontadas com mudanças no seu ambiente social, tituída por 388 alunos, dos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º anos
como por exemplo, mudança de nível de ensino, dos cursos de Ensino de Biologia e Geologia,
mudança do estatuto de estudante para trabalha- Ensino de Matemática, Direito e Educação, cujas
dor, mudança do local e tipo de trabalho, etc., cor- características são apresentadas na Tabela 1. Os
rem maior risco de iniciar a carreira de fumador. cursos foram seleccionados de forma aleatória.
Segundo Faria (1999), na transição do ensino
secundário para o superior ocorre geralmente um
afastamento físico da família e do grupo de ami-
gos, o estabelecimento de novas amizades dentro
TABELA 1
e fora da instituição educativa, a conquista de no-
vos espaços (físicos, escolares, sociais, culturais), Amostra do estudo por cursos (N=388)
a participação frequente ou mesmo diária, em acti-
Curso % f
vidades de diversão nocturnas.
Neste contexto, surgiu o problema de saber se Biologia 24 (93)
os estudantes universitários portugueses também Direito 25 (98)
começam a fumar mais tardiamente e se a transi- Matemática 23 (90)
ção do ensino secundário para a universidade fa- Educação 27 (107)

500
O questionário foi preparado para medir os eram ex-fumadores diários e 13% eram ex-fuma-
hábitos tabágicos, o nível de ensino em que teve dores ocasionais.
início o consumo regular, alguns factores rela- A prevalência de alunos fumadores diários era
cionados com o consumo e especialmente, a per- superior à que se registou nas alunas (20% dos
cepção dos riscos de fumar. alunos fumava diariamente, enquanto esta per-
Foi aplicado durante as aulas dos respectivos centagem era de 16% para as alunas). No que diz
cursos pelo professor da disciplina, a quem fo- respeito ao consumo ocasional de tabaco, a situa-
ram dadas previamente instruções sobre a forma ção era diferente. Fumavam menos alunos oca-
de aplicar o questionário. sionalmente (4%) do que alunas (8%).
Os dados recolhidos foram introduzidos e tra-
tados numa folha do programa Statview. Para de-
4.2. Quando e porque começaram a fumar?
terminar o padrão de consumo de tabaco foram
feitas distribuições de frequência. Para se conhe- Pelos dados expressos na Tabela 3, verificou-
cer melhor a etiologia do consumo de tabaco nos -se que 22% dos alunos começaram a fumar no
jovens da amostra (ou seja os factores associados
3.º ciclo do ensino básico (idade 11-14), 49% no
ao consumo), estabeleceram-se associações de va-
ensino secundário (idade 15-18) e 29% na Uni-
riáveis, tendo-se recorrido-se ao χ2 por se tratar
versidade. Os rapazes começaram a fumar mais
de variáveis de categoria. Foi ainda feita uma aná-
precocemente do que as raparigas. 32% dos rapa-
lise de conteúdo da questão, “Descreva de forma
sucinta as razões que o(a) levaram a tornar-se fu- zes começaram a fumar no ensino básico, 50%
mador(a) diário”. no ensino secundário e 18% na Universidade, en-
quanto no que diz respeito às raparigas, 17% co-
meçaram a fumar no ensino básico, 50% no en-
4. RESULTADOS sino secundário e 33% na Universidade.
Estes dados mostram que uma percentagem
elevada de estudantes (particularmente de rapa-
4.1. Prevalência do consumo de tabaco rigas) começa a fumar regularmente na Univer-
sidade, ou seja, na fase de jovens adultos, o que
Conforme se pode verificar na Tabela 2, 18% contraria a convicção expressa por muitos auto-
dos estudantes fumava diariamente e 7% ocasio- res de que, se os alunos não começarem a fumar
nalmente (menos que um cigarro por dia); 4% até ao fim da adolescência dificilmente virão a

TABELA 2
Prevalência de fumadores regulares (diários e semanais), ocasionais e não-fumadores em
função do sexo (N=384)

Hábitos tabágicos

Não fumador Ex-fumador Fumador

Ocasional Diário Ocasional Diário

Sexo n % f % f % f % f % f

Rapaz 108 56 (60) 16 (17) 5 (5) 4 (4) 20 (22)


Rapariga 276 59 (163) 13 (35) 4 (12) 8 (21) 16 (45)

Total 384 58 (223) 14 (52) 4 (17) 6 (25) 18 (67)

501
TABELA 3
Nível de ensino em que os alunos começaram a fumar, por sexo (N=69)

Início do consumo de tabaco

7.º, 8.º ou 9.º anos 10.º, 11.º ou 12.º anos Universidade

Sexo n % f % f % f

Rapaz 22 31 (7) 50 (11) 18 (4)


Rapariga 47 17 (8) 49 (23) 34 (16)

Total 69 22 (15) 49 (34) 29 (20)

fumar. Esse facto é particularmente visível e preo- rado; ver o seu rendimento físico prejudicado
cupante nas mulheres. por fumar é muito elevada ou elevada, é menor
do que a que se verificava no grupo de alunos
4.3. Porque começaram a fumar? que subestimava os efeitos do fumo do tabaco.
Neste estudo tentou-se, também, determinar
Uma análise de conteúdo da questão, “Descre- se o sentimento de vulnerabilidade relativamente
va de forma sucinta as razões que o(a) levaram a aos riscos relacionados com fumar teria alguma
tornar-se fumador(a) diário”, revela que a maio- relação com o consumo de tabaco. Verificou-se
ria dos alunos que começou a fumar no ensino que os não fumadores possuíam um sentimento
básico e no ensino secundário, fê-lo por curiosi- de vulnerabilidade, relativamente às consequên-
dade, desejo de experimentar e ainda porque fo- cias provocadas pelo consumo de tabaco, supe-
ram incentivados pelos amigos. Muitos experi- rior aos não fumadores. Pelos dados da Tabela 5,
mentaram, gostaram da sensação e continuaram é possível verificar que os não fumadores, quan-
a fumar, tendo, provavelmente em seguida, fica- do confrontados com a questão, “Considera as con-
do dependentes. sequências negativas provocadas pelo consumo
Grande parte dos alunos que começou a fumar de tabaco preocupantes?” (tendo como opção de
na Universidade, fê-lo sobretudo por influência resposta Muito, Bastante, Pouco e Nada), se preo-
dos amigos, pelo facto de saírem à noite e ser nor- cupam mais com as consequências de fumar que
mal fumar em muitos locais de diversão noctur- os fumadores.
na e porque acharam que fumar seria uma forma Estes dados parecem apoiar as teses de Suss-
de aliviar o stresse. Muitos começaram a fumar man (1995), para quem a apresentação aos jo-
por curiosidade e depois continuaram a fumar por- vens de informação sobre a probabilidade das con-
que lhes dava prazer. sequências do consumo de tabaco pode ter um ele-
Neste estudo tentou-se determinar se a preo- vado efeito preventivo.
cupação com as consequência de fumar tinham Neste estudo, também se constatou que 45%
alguma relação com o consumo de tabaco. Veri- dos alunos fumadores já tentou deixar de fumar;
ficou-se que os não fumadores estavam mais, 5% tenciona deixar de fumar nos próximos 30
preocupados com as consequências do consumo dias e 21% nos próximos seis meses; 30% acha
de tabaco do que os fumadores. Em concreto, a que conseguia deixar de fumar com ajuda psico-
prevalência de fumadores no grupo de alunos lógica. Estes dados mostram que muitos fuma-
que considerava que: a probabilidade de uma pes- dores estão na fase de contemplação do abando-
soa ver o seu estado de saúde prejudicado; vir a no do consumo de tabaco e que, com ajuda psi-
ter cancro de pulmão; ver o seu aspecto deterio- cológica, poderiam concretizar essa intenção.

502
TABELA 4
Relação entre o grau de preocupação com as consequências de fumar e o consumo de tabaco (N=384)

Hábitos tabágicos

Não fumador Ex-fumador Fumador

Ocasional Diário Ocasional Diário

Questão/probabilidade % f % f % f % f % f

1 Elevada 67 (116) 14 (24) 2 (4) 5 (9) 12 (20)


Baixa 54 (8) 8 (3) 17 (4) 13 (2) 33 (7)

2 Elevada 60 (28) 16 (10) 3 (5) 5 (30) 15 (111)


Baixa 67 (8) 0 (0) 0 (0) 8 (1) 25 (3)

3 Elevada 66 (58) 17 (15) 3 (3) 3 (2) 11 (10)


Baixa 44 (38) 13 (11) 6 (5) 8 (7) 30 (26)

4 Elevada 70 (81) 15 (18) 3 (3) 3 (4) 12 (15)


Baixa 27 (15) 16 (3) 8 (3) 8 (6) 40 (10)

Legenda:
1. A probabilidade de uma pessoa ver o seu estado de saúde prejudicado por fumar é muito elevada/elevada
2. Um fumador tem uma probabilidade de vir a ter cancro de pulmão é muito elevada/elevada
3. A probabilidade de uma pessoa ver o seu aspecto deteriorado por fumar é muito elevada/elevada
4. A probabilidade de uma pessoa ver o seu rendimento físico por fumar é muito elevada/elevada

TABELA 5
Relação entre o grau de preocupação com as consequências de fumar e o consumo de tabaco (N=384)

Hábitos tabágicos

Não fumador Ex-fumador Fumador

Ocasional Diário Ocasional Diário

Preocupação n % f % f % f % f % f

Muito 38 59 (130) 57 (30) 58 (10) 28 (71) 23 (16)


Bastante 270 37 (82) 41 (21) 41 (7) 64 (16) 61 (41)
Pouco 74 3 (6) 1 (1) 0 (0) 8 (2) 13 (9)

503
5. CONCLUSÕES lescentes seja menor que nos rapazes (as estatís-
ticas mostram que a prevalência do consumo de
Embora a maioria dos estudantes universitá- tabaco em raparigas do meio rural é muito infe-
rios tenha começado a fumar regularmente no rior à das raparigas do meio urbano) (Precioso,
ensino básico ou secundário (o que implica a ne- 1999).
cessidade das escolas básicas e secundárias apli- O facto de muitas raparigas começarem a fu-
carem programas de prevenção do tabagismo mais mar na Universidade, é particularmente preocu-
eficazes, conforme advogam Becoña, Palomares pante, uma vez que é suposto que muitas jovens
& García, 1994; Becoña & Vasquez, 1998; Beco- adultas venham a engravidar (sobretudo depois
ña, 1999; Nutbeam, Mendoza & Newman, 1988), de terminarem o curso) e ao facto de muitos es-
uma percentagem bastante elevada de alunos co- tudos revelarem que muitas mulheres fumadoras
meça a fumar na Universidade. Constata-se ain- continuam a fumar durante e após a gravidez (um
da, que a percentagem de alunas que começa a terço segundo Valero & Oscar, 2002) o que pode
fumar na Universidade é bastante elevada (cerca originar graves problemas pré e pós natais. Está
de 33%) e superior à de alunos. Este facto expli- claramente demonstrado que a mãe fumadora
ca o aumento da prevalência do tabagismo no se- tem um risco aumentado de padecer de gravidez
xo feminino em Portugal, nas faixas etárias dos ectópica, de ter abortos espontâneos, partos pre-
18-24 anos (bem patente nos Inquéritos Nacio- maturos, placenta previa, hemorragias, rotura pre-
nais de Saúde de 1997 e 1999). coce de membranas, e como consequência disso,
Podemos admitir que a transição do ensino bá- aumento da mortalidade perinatal (Valero & Os-
sico para o ensino superior constitui um factor de car, 2002). Por outro lado, sabe-se que os bebés
risco associado com o consumo de tabaco. Isto filhos de mães que fumaram durante a gravidez,
pode explicar-se pelo facto de muitos estudantes assim como as crianças expostas ao fumo ambi-
começarem a estabelecer relações com pessoas ental têm um risco significativo de morrer de mor-
normalmente da sua idade (convivialidade endo- te súbita (Gidding et al., 1994). Valero e Oscar
geracional), com hábitos muitas vezes diferentes admitem que 25% de todos os casos de morte
dos que possuíam que podem incluir: fumar, be- súbita do lactante poderiam estar relacionadas
ber, consumir drogas ilícitas, terem comporta- com o tabagismo passivo.
mentos sexuais de risco, etc.. Por outro lado, têm Para prevenir o consumo de tabaco, (e não só)
mais facilidade para frequentar locais de lazer, sugerimos que a Universidade passe a propor-
como cafés, bares e discotecas em que fumar é cionar aos alunos em geral, e aos que frequentam
habitual. Estes podem ser factores sociais e am- cursos de formação de professores em particular,
bientais que poderão levar a que muitos estudan- formação em Educação para a Saúde (EpS) atra-
tes, que até determinado momento da sua vida vés das vias actualmente mais consensuais para
académica não fumaram comecem a fazê-lo. A o fazer, designadamente: infusão de temas de saú-
influência destes factores faz-se sentir com par- de em todas as cadeiras; através de uma discipli-
ticular intensidade nos estudantes que, ao ingres- na de EpS (por exemplo de opção); através da
sarem na Universidade, ficam fora do ambiente “infusão” de temas de saúde em disciplinas de
familiar, o que faz com que fiquem sujeitos de ciências (por exemplo biologia); através de acções
forma mais intensa a novas influências e a uma extra-curriculares.
diminuição do controlo e influência da família. O ideal provavelmente será a adopção de uma
A transição do meio social em que se desenrolou combinação de todas estas estratégias. No pre-
o ensino secundário para o meio académico pode sente, a medida mais fácil de implementar a EpS
funcionar como um factor de risco para muitos na universidade seria a infusão de temas de saú-
alunos universitários que não são fumadores e de em todo o currículo (qualquer disciplina pode
que podem vir a fumar. Este fenómeno parece e deve ligar os assuntos da sua disciplina à vida).
particularmente evidente para as raparigas. Con- Pensamos ser necessário também que a Uni-
forme é sabido, o consumo de tabaco pelas rapa- versidade crie uma consulta de apoio aos fuma-
rigas, sobretudo no meio rural, é (ainda) um com- dores que pretendem abandonar o tabaco. Esta
portamento socialmente pouco aceitável, o que consulta seria francamente desejável e possível
faz com que de uma forma geral o fumo nas ado- de implementar sobretudo nas Universidades que

504
possuam cursos de medicina e psicologia, valên- Conyer, T. (2000). Prevención y control de la epidemia
cias indispensáveis para abordar a problemática mundial del tabaquismo: una estratégia integral.
Salud Pública de México, 41 (1), 6-7.
da cessação tabágica.
DEPS (1997). Inquérito Nacional de Saúde – 1995/
A criação de uma Universidade Livre do Fu- /1996 Continente. Lisboa: Ministério da Saúde.
mo de Tabaco (ULFT) seria outra medida que, Faria, M. (1999). Educação para a Saúde no Ensino
para além de grande valor preventivo garantia a Superior. In J. Precioso, F. Viseu, L. Dourado, T.
protecção da saúde dos não fumadores. Uma Vilaça, R. Henriques, & T. Lacerda (Coord.), Edu-
ULFT é um local em que os alunos, os profes- cação para a Saúde. Braga: Departamento de Me-
todologias da Educação, Universidade do Minho.
sores, outros profissionais e visitantes poderiam
Gidding, S., Morgan, W., Perry, C., Jones, J., & Bri-
fumar apenas em áreas expressamente destinadas cher, T. (1994). Active and Passive Tobacco Expo-
a fumadores, que deveriam estar identificadas com sure: a serious pediatric health problem. American
os respectivos dísticos. Estas medidas, além de Hearth Association.
estarem consignadas na lei e de serem apoiadas Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva (2002). A
pela maioria dos alunos conforme um estudo efe- situação da Saúde em Portugal em relação com
outros países europeus. Lisboa: Instituto Nacional
ctuado na Universidade do Minho por Precioso
de Cardiologia Preventiva.
(2002), não são, infelizmente implementadas. Jodral, M. (1992). Tabaquismo: consequências para la
Se a Universidade apostar na Educação para a salud. Granada: Ciências de La Salud. Monográfi-
Saúde promoverá certamente a adopção de esti- ca Universidade de Granada.
los de vida mais saudáveis e capacitará os seus Joossens, L. (1988). Smoking in Belgium: attitudes and
alunos, uma vez profissionalizados, a participa- behaviour. Primary Prevention of Cancer. New York:
Raven Press, Ltd..
rem cada vez mais activa e eficazmente na cons- Mendoza, R. (1999). Prevención del tabaquismo entre
trução de uma sociedade mais saudável. los jóvenes: un reto alcanzable. In J. Precioso, F.
Viseu, L. Dourado, T. Vilaça, R. Henriques, & T.
Lacerda (Coord.), Educação para a Saúde. Braga:
REFERÊNCIAS Departamento de Metodologias da Educação, Uni-
versidade do Minho.
Ariza, C. (1996). Factors predictius lligats a la inicia- Nunes, E. (2002). Consumo de tabaco: Estratégias de
ció i experimentació del consum de tabac e d´al- Prevenção e Controlo. Lisboa: Cadernos da Direc-
cohol en escolares. Un estudi longitudinal. Bar- ção geral de Saúde.
celona: Publicacions de la Universitat Autònoma Nutbeam, D., Mendoza, R., & Newman, R. (1988). Plan-
de Barcelona. (Edició microfotogràfica). ning for a smoke – free generation. Copenhague:
Ariza, C., & Nebot, M. (1995). Factores asociados al Regional Office for Europe of the World Health
consumo de tabaco en una muestra de escolares de Organization.
enseñanza primaria y secundaria. Gaceta Sanitaria, Precioso, J. (1999). A Educação para a Saúde na Esco-
47 (9), 101-109. la: um estudo sobre a prevenção do hábito de fu-
mar. Braga: Minho Universitária.
Becoña, E. (1999a). A prevenção de drogodependências
Trullén, A., & Labarga, I. (2002). El tabaquismo, una
em adolescentes. In J. Precioso, F. Viseu, L. Dou-
enfermedad desde la adolescência. Prevención del
rado, T. Vilaça, R. Henriques, & T. Lacerda (Coord.),
Tabaquismo, 4 (1), 1-2.
Educação para a Saúde. Braga: Departamento de
Valero, F., & Oscar, C. (2002). El tabaquismo passivo
Metodologias da Educação. Universidade do Mi-
en la infância. Nuevas evidencias. Prevención del
nho.
Tabaquismo, 4 (1), 20-25.
Becoña, E., Palomares, A., & García, M. (1994). Taba-
co y Salud: Guia de prevención y tratamiento del
tabaquismo. Madrid: Ediciones Pirámide, SA.
Becoña, E., & Vázquez, F. (1998). Tratamento del ta- RESUMO
baquismo. Madrid: Dykinson.
Brandão, M. (2002). Atitudes, conhecimentos e hábitos Os resultados de muitos estudos sobre o consumo
tabágicos dos professores dos 2.º e 3.º ciclos do de tabaco, efectuados em vários países ocidentais, con-
ensino básico do Porto. Faculdade de Medicina e tribuíram para a generalização da ideia que a maioria
instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – dos fumadores começa a fumar na adolescência (antes
Universidade do Porto. dos 18 anos de idade) e que, se não se começar nessa
Byrne, D. (2001). The European dimension of tobacco fase da vida, dificilmente se adquirirá esse hábito pos-
control legislation. Office of Tobacco Control (OTC) teriormente. No entanto, os dados do Inquérito Nacio-
Conference, Dublin, November 2001. nal de Saúde efectuado em Portugal em 1995/96 mos-

505
traram que em Portugal, 39% dos fumadores iniciaram ABSTRACT
o hábito de fumar entre os 18 e os 24 anos e cerca de
6% depois dos 24 anos, ou seja, cerca de 45% dos fu- The results of many studies on the tobacco consum-
madores teria começado a fumar depois dos 17 anos de ption carried out in several western countries contri-
idade. Este dado levantou o problema de saber se a po- buted to the generalization of the idea that most of the
pulação estudantil universitária também começa a fu- smokers start smoking in the adolescence (before 18
mar depois da adolescência e se a transição do secun- years old), and that if people don’t start smoking in
dário para a universidade pode constituir um factor de that period of life, hardly they acquire that habit later
risco relacionado com fumar. Para tentar responder a on. This presupposition led the specialists to concen-
esta questão efectuou-se um estudo que consistiu, ba- trate the preventive efforts at school and mainly close
sicamente, na aplicação de um questionário sobre há-
to 12 to 15 years old students, supposedly the ones that
bitos tabágicos e factores relacionados com o começo
would be in larger risk of starting smoking.
de fumar, a 388 estudantes da Universidade do Minho.
The study, which we present in full detail in this ar-
Os dados revelam que, embora a maioria dos estu-
ticle realized with about 388 university students, re-
dantes tenha começado a fumar no ensino básico e se-
cundário (portanto na adolescência), uma percentagem veals that although most of the students has started
elevada de estudantes (cerca de 30%), começou a fu- smoking at high and secondary school (therefore in the
mar na universidade. Este e outros estudos mostram que, adolescence), a high percentage of students (about 30%),
contrariamente ao que se passa nos países mais desen- particularly of female students (34%) started smoking
volvidos, a população portuguesa em geral e estudantil at university. The studies show that contrarily to what
universitária, em particular, começa a fumar mais tar- happens in the most developed countries, the Portu-
de do que seria suposto. Tal facto conduz à necessida- guese population in general and university students in
de de se fazer prevenção mais eficaz no ensino básico particular, start smoking later than it would be suppo-
e secundário, de se continuar esses esforços na uni- sed, what leads to the need of doing a more effective
versidade e de se iniciar o processo de tratamento da- prevention at high and secondary school, keeping on
queles que são já dependentes do tabaco. those efforts at university and starting the treatment
Palavras-chave: Tabagismo, prevenção, educação process of those who are already tobacco addicted.
para a saúde. Key words: Smoking, prevention, health education.

506
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 507-518

A abstenção tabágica: Reflexões sobre a


recaída

MARINA PRISTA GUERRA (*)

1. A ABSTENÇÃO TABÁGICA Unidos e Inglaterra (Ashton & Stepney, 1982).


Paralelamente, descobriu-se o poder aditivo da
Enquanto tema de investigação, o problema nicotina que, associado ao hábito psicossocial
da abstenção tabágica só começou a ser estu- repetitivo de fumar, dificulta a cessação. Desta
dado, no âmbito da Psicologia a partir de 19671. forma, surgiram os substitutos da nicotina para
É importante salientar que no período pós guerra ajudar a deixar de fumar.
o acto de fumar cigarros era até estimulado, pro- As últimas investigações apontam no sentido
porcionando aos fumadores um certo estatuto so- de que a manutenção de uma abstenção prolon-
cial. Os filmes dos anos 50, por exemplo, retra- gada no tempo (Barringer & Weaver, 2002; Blon-
tam bem essa realidade. Nessa época, os efeitos dal, 1999; Stapleton, 1998), parece ser ainda mais
nefastos do uso prolongado do tabaco não eram difícil que uma abstenção a curto prazo (inferior
ainda evidentes. Pensa-se até que a desejabili- a seis meses). Independentemente do tipo de pro-
dade social foi o principal incentivo para os pro- grama ou das intervenções utilizadas, as taxas de
blemas reais de saúde que enfrentamos hoje em recaída dos fumadores são da ordem dos 70 a
dia. Contudo, com o advento de várias descober- 80%, e ocorrem 6 a 12 meses após a cessação
tas científicas constatou-se que afinal fumar ti- (Barringer & Weaver, 2002).
nha inúmeros efeitos secundários nocivos e não Efectuando uma revisão da maioria das inves-
era meramente um costume ligado ao período tigações conduzidas sobre o comportamento de
histórico que o mundo atravessou. deixar de fumar, verifica-se que estas incluem
Depois de se ter conhecimento dos verdadei- seguimentos demasiado curtos, variando desde
ros efeitos negativos do tabaco para a saúde, ini- semanas até 6 meses (em média), estendendo-se
ciaram-se também campanhas sociais para a alguns entre 12 meses e 18 meses, e muito rara-
cessação tabágica principalmente nos Estados mente mais do que ano e meio (Curry, 1993).
Stapleton (1998) refere também no seu estudo,
que as recaídas surgiram até aos 3 anos e meio
de seguimento, enfatizando a necessidade de mais
estudos longitudinais, pois as recaídas continuam
a verificar-se depois do final do seguimento da
(*) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educa- maioria dos estudos de cessação tabágica.
ção, Universidade do Porto. Neste contexto, assumindo que a maioria dos
1
Pesquisa efectuada em base de dados PsycInfo. estudos de seguimento de ex-fumadores se rea-

507
liza unicamente até seis meses e que as taxas de 2000), pressupondo-se que doses mais elevadas
recaídas se verificam sobretudo entre seis meses tenham as melhores taxas de sucesso. Contudo,
e um ano podemos concluir que o panorama real no seguimento aos dois anos (depois de se ter
das recaídas não está verdadeiramente estudado. interrompido a administração do fármaco ao fim
É ainda de realçar que não há consenso na lite- de um ano) as recaídas são idênticas em fuma-
ratura sobre o termo recaída. Para a maioria dos dores que tomaram Bupropiona e fumadores que
autores recaída (relapse) ocorre com o primeiro não tomaram o referido fármaco (Barringer &
cigarro fumado depois de um período de absti- Weaver, 2002; Drug Store News, 2001). Assim,
nência, sendo considerado fumador toda a pes- Barringer e Weaver (2002) consideram a hipó-
soa que fume um cigarro por semana. Na nossa tese de se prescrever o Zyban® para o resto da
opinião, recaída deveria ser considerada o reto- vida para que se mantenha a abstenção tabágica.
mar do padrão habitual dos seus hábitos tabági- Rose, Westman e Behm (1998) referem uma
cos, não incluindo o fumar esporádico em cir- série de estudos sobre programas de cessação ta-
cunstâncias especiais, embora se reconheça o pe- bágica e sustentam que a terapia substitutiva de
rigo desse acontecimento ser responsável pela nicotina tem uma taxa de eficácia duas a três ve-
maioria das reais “recaídas”. Assim se justifica zes superior que a terapia comportamental, pois
que os estudos de seguimento devam ser supe- esta última, ao fim de 6 meses ronda apenas os
riores a 2 anos e contemplem essas diferenças no 10 a 20% de sucesso de abstenção.
padrão individualizado dos ex-fumadores2. Estes Por sua vez, Blondal (1999) efectuou um es-
seguimentos são de vital importância, pois a tudo em 237 sujeitos fumadores com um segui-
maioria dos benefícios do abandono do acto de mento de 6 anos no qual foram usados num gru-
fumar para a saúde (e.g., redução de risco de vá- po de 118 participantes o adesivo de nicotina
rios cancros) só se verificam após anos do aban- (por 5 meses) e o spray nasal de nicotina até um
dono do hábito tabágico (Bohadana & Martinet, ano, tendo obtido resultados bastante satisfató-
2003). rios e superiores ao grupo que usou o adesivo
É de referir que, actualmente, a maioria das apenas durante 5 meses (N=119). Na verdade, ao
intervenções para a cessação tabágica incluem fim de 6 anos, a taxa de abstinência de quem
uma abordagem multidisciplinar na qual uma com- usou o spray nasal era o dobro de quem usou
ponente psicofarmacológica é introduzida sus- apenas o adesivo de nicotina (1 em 6 participan-
tentando, assim, o poder aditivo desta droga e a tes contra 1 em 12). Contudo, o próprio autor en-
necessidade da sua substituição para aliviar os sin- fatiza que essas diferenças só se verificaram a
tomas de abstinência. Normalmente, acompa- longo prazo, pois 7 em 10 fumadores recaíram
nhando um suporte psicológico na maioria das ao fim de um ano. Isto significa que as taxas de
vezes de orientação comportamental é adminis- abstenção foram sempre declinando com o tem-
trada a nicotina sob as mais variadas formas po, havendo 56 sujeitos abstinentes nos dois gru-
(mascada, inalada e trasnsérmica) ou a utilização pos ao fim de 6 meses, passando para 45 ao fim
de Bupropiona (antidepressivo, Zyban®) que de um ano e apenas 29 sujeitos dos 237 ao fim
apesar de se desconhecer a influência do seu me- de 6 anos de seguimento.
canismo de actuação provoca uma diminuição na Nos modelos de dependência enfatiza-se que
apetência para o fumo (Dale et al., 2001; Rosas o “craving” (um dos componentes do síndrome
& Baptista, 2002). O seguimento de ex-fumado- de abstinência e que reflecte um alívio antecipa-
res utilizadores de bupropiona aos 12 meses tório dos sintomas de abstinência; Tiffany, 1990
apresenta uma taxa de sucesso 18,4% de acordo in Killen & Fortmann, 1997) e os efeitos da sín-
com Rodrigues (2002) e é ainda variável entre drome de abstinência são os factores mais pro-
10,5 e 24,4%, dependendo da dose (Prochazka, váveis para as recaídas (Killen & Fortmann, 1997).
A síndrome de abstinência à nicotina inclui
sintomas variados de ordem física (e.g., obstipa-
ção, aumento de peso) e de ordem psíquica (e.g.,
irritabilidade, ansiedade, depressão, labilidade emo-
cional, insónia, falta de atenção/concentração).
2
Estudo empírico em curso (Rosas & Guerra). Todavia, mesmo os sintomas considerados mais

508
de ordem psíquica como, por exemplo, a ansie- nolência, dificuldade de concentração, contrac-
dade podem ter repercussões também físicas ções musculares, cãibras, alterações da visão,
(e.g., palpitações). Podem, ainda, interagir com o etc. Alguns destes sintomas podem ser inerentes
sistema imunológico fragilizando-o, tornando o a doenças como por exemplo Doença de Parkin-
indivíduo mais susceptível a infecções banais son, Doença de Alzheimer, Sindrome de Gilles
como síndromes gripais e constipações. É, por- de la Tourette e Colite Ulcerosa, doenças que apre-
tanto, difícil distinguir os efeitos imediatos da sentam resultados favoráveis com uma terapêu-
privação nicotínica dos efeitos secundários tica de administração de nicotina (Rosecrans, 1998;
causados por um estado psicológico debilitado e Mihailescu & Drucker-Colin, 2000; Court, Mar-
característico também de uma fase de abstenção. tin-Ruiz, Graham, & Perry, 2000; Newhouse &
Deste modo, parecem existir diferentes ques- Kelton, 2000; Birtwistle & Hall, 1996). Deste mo-
tões sobre o mesmo problema, pois a dose de ni- do, é provável que havendo uma sub-dosagem de
cotina de manutenção e respectiva via de admi- tratamento nicotínico com o uso da nicotina trans-
nistração (inalada, mascada, transdérmica), e o dérmica, os sintomas eventualmente camuflados
tempo de sobrevida da nicotina e seus mecanis- com o hábito de fumar apareçam. Este facto po-
mos no organismo humano são alguns dos aspe- deria explicar a existência de pequenos grupos
ctos que devem ser considerados neste âmbito. de doentes não diagnosticados (porque inconsci-
Leischow e colaboradores (1997) estudaram entemente estariam a ser “tratados”, correspon-
os efeitos da dose de nicotina e respectiva via de dendo a uma incidência bastante baixa na popu-
administração (adesivo com concentrações dife- lação fumadora) ou por outro lado um quadro de
rentes e pastilha elástica) em fumadores de mais abstinência mais severo em casos atípicos de de-
de 20 cigarros/dia e a sua relação com a síndro- pendência da nicotina que altera profundamente
me de abstinência. Uma das principais constata- a homeostasia do organismo. Curiosamente, três
ções verificadas foi que, o nível de nicotina na anos depois no Simposium Terapêutico (1999) a
saliva, com a terapia substitutiva, era sempre in- informação sobre Nicotinell TTS® é simples-
ferior ao nível obtido através do fumo, o que su- mente retirada e no Simposium Terapêutico (2002/
gere que a substituição de nicotina (normalmente /2004) a informação sobre os efeitos adversos é
usada) é inferior ao nível que o organismo do fu- mais limitada que no ano de 1996, referindo ape-
mador está habituado. Neste contexto, doses su- nas que o uso da medicação pode dar entre ou-
periores de nicotina seriam mais eficazes na tros, sintomas do Sistema Nervoso Central, tais
abstinência ao fumo. Os autores pressupõem, no como cefaleias, vertigens e tonturas que podem,
entanto, um efeito de patamar a partir do qual também, ser atribuídas à síndrome de privação.
mesmo aumentando a dosagem de nicotina não Concluímos assim que em fumadores habitu-
se consegue suprimir todos os sintomas de abs- ais quer a privação quer o excesso de nicotina
tinência relatados. Nesse sentido, o aumento da podem produzir sintomas semelhantes, tornando
nicotina não estaria a diminuir os efeitos de difícil regular a terapêutica de substituição em
abstinência mas a proporcionar o que os autores caso da cessação tabágica.
chamam efeitos de reforço positivo da nicotina
como o aumento da atenção, e que são conside-
rados outra categoria de sintomas. Nesse estudo 2. CONSIDERAÇÕES
verificamos que é muito difícil suprimir total- PSICOFARMACOLÓGICAS
mente a síndrome de abstinência, o que faz le-
vantar uma hipótese explicativa para o conteúdo Os dados referidos anteriormente remetem-
explícito das reacções adversas observadas com -nos para a psicofarmacologia da nicotina, pois a
o uso de Nicotinell TTS® (Nicotina transdérmi- acção psicofarmacológica da nicotina tem vindo
ca), apesar de poderem não estar directamente a ser descodificada. Deste modo, sabe-se hoje
ligadas ao uso do fármaco (Simposium Terapêu- que a molécula da nicotina tem características
tico, 1996). No referido Simposium, são relata- semelhantes à molécula da acetilcolina (neuro-
dos com uma incidência muito baixa, muitos sin- transmissor químico, presente no organismo hu-
tomas, como por exemplo disfunção motora, la- mano e fundamental à condução nervosa). A ni-
bilidade emocional, dor abdominal, diarreia, so- cotina tem, assim, a propriedade de substituir a

509
acetilcolina nos receptores respectivos e de uma que se poderá efectivamente alojar, sendo tam-
forma mais estável que a própria acetilcolina. bém importantes os mecanismos de absorção e
Usando uma figura metafórica, a nicotina e a ace- as dosagens. Sabe-se que a inalação é a via mais
tilcolina são chaves idênticas para a mesma fe- rápida de absorção da nicotina, pois através dos
chadura (Ashton & Stepney, 1982). Sabe-se, ain- capilares pulmonares rapidamente atinge a cor-
da, que um fumador tem normalmente uma den- rente sanguínea e chega ao cérebro onde exerce a
sidade muito superior destes receptores nicotí- sua principal influência. Já as pastilhas elásticas
nicos comparativamente a não fumadores. No de nicotina têm um mecanismo de absorção dife-
entanto, desconhece-se se eles se “duplicam” rente, que não é tão eficaz (sobretudo devido à
(pelo facto da pessoa ao fumar estar constante- dificuldade de aprendizagem de mastigação) e
mente a estimulá-los) ou se os fumadores têm, à entre os substitutos nicotínicos, os nebulizadores
partida, um maior número desses receptores, pois nasais e adesivos são os que apresentam melho-
os estudos efectuados tem sido realizados so- res resultados. Sintetizando, o modo de adminis-
mente no post mortem (Micó et al., 2000). tração da nicotina (inalada, mascada ou transdér-
A aceticolina está, então, implicada na activa- mica) é um factor relevante, pois a velocidade da
ção da dopamina cerebral, facilitando também a absorção e as dosagens variam muito. Por exem-
aprendizagem, a atenção/concentração, a memó- plo, é necessária uma quantidade muito maior de
ria, o tempo de reacção e a resolução de proble- nicotina se esta for mascada, comparativamente
mas (Ashton & Stepney, 1982). A nicotina exer- à inalação, para se obter a mesma concentração
ce as mesmas funções “fixa-se nos receptores plasmática (Henningfield, 1995; Henningfield &
nicotínicos sensíveis cuja estimulação provoca Keenan, 1993; Hughes, 1993). Segundo Lebargy
uma libertação de dopamina” (Lebargy, 2003, p. (2003) a absorção por substitutos de nicotina em
97). adesivos ou pastilhas elásticas comparativamente
A nicotina é eliminada pelo organismo de for- ao cigarro é sempre inferior a 50%. Todavia, há
ma rápida, normalmente duas horas após a ina- ainda um problema adicional relativo à via de
lação ou via parentérica (Gilman, Goodman, Rall administração da nicotina ser contínua, como no
& Murad, 1985; Henningfield, 1995; Lebargy, caso dos adesivos, ou descontínua como no caso
2003), o que implica que o fumador tenha neces- do nebulizador nasal, das pastilhas elásticas de
sidade de recorrer ao fumo com uma certa regu- nicotina e do próprio fumo do cigarro. Estas últi-
laridade ao longo do dia (Ashton & Stepney, 1982). mas formas de administração não são contínuas,
No entanto, pode verificar-se um factor cumula- existindo intervalos entre as administrações, sen-
tivo num organismo que use a nicotina anos se- do normalmente o sujeito quem determina essa
guidos. Este facto pode explicar por um lado, necessidade. No caso da aplicação transdérmica
que a nicotina possa permanecer no organismo a libertação é lenta e constante, o que teorica-
em determinados locais (nomeadamente no cére- mente poderia produzir um efeito antagónico se
bro) por um período de tempo muito superior ao se ocupassem todos os receptores nicotínicos
previsto (Mansvelder & McGehee, 2000), ou até sem haver o tempo de espera para que a inversão
mesmo manter os receptores nicotínicos ocupa- entre as sinapses nervosas ocorresse e estivesse
dos por um tempo considerável. Estes dados po- novamente disponível para iniciar outra multi-
dem justificar que, terapêuticas prolongadas com plicidade de conexões. Como afirmam Ashton e
nicotina, em doenças degenerativas continuem a Stepney (1982), para o mecanismo da acetilco-
manifestar efeitos positivos após um mês da ces- lina é necessário que a acetilcolina libertada de-
sação da administração da droga (Kelton, Hahn, pois da interacção com o receptor seja eliminada
Conrath & Newhouse, 2000). Assim, o facto das para não interferir com a acetilcolina libertada
recaídas de alguns fumadores em abstenção ocor- no impulso seguinte. A nicotina, sendo uma mo-
rerem após alguns meses, poderia ser parcialmen- lécula muito mais estável, fixa-se ao receptor e
te explicado por esses dados. teoricamente se ocupar todos os receptores pode
Contudo, a via de administração pode ter gran- bloquear a condução nervosa.
de influência não só no nível de nicotina que cir- Ainda do ponto de vista químico, a nicotina
cula no organismo humano, mas também, prova- tem uma propriedade muito interessante, pois é
velmente no tempo que perdura, nos locais em bifásica. Se por um lado, os seus poderes estimu-

510
lantes estão identificados, por outro, os poderes nese e a secreção da insulina provocando a mo-
relaxantes também lhe são atribuídos. Teorica- bilização das reservas energéticas a partir do te-
mente, a dosagem explicaria estas duas funções cido adiposo; diminuindo a ingestão alimentar
opostas, à semelhança de muitos outros fárma- (devido à secreção da leptina pelo adipócito)”. O
cos. Assim, doses pequenas seriam estimulantes, facto da secreção da insulina ficar aumentada com
e doses maiores seriam progressivamente re- a falta de nicotina, pode provocar hipoglicemia
laxantes, mas também capazes de induzir um explicando a apetência para doces em ex-fuma-
bloqueio das neurotransmissões, podendo até pro- dores que vem agravar a situação do aumento de
vocar a morte. O nível determinante é provavel- peso. Ter necessidade de “doces” pode então ser
mente estabelecido em função da quantidade de explicado pelo aumento de insulina no organis-
nicotina per se, da via de admnistração e em fun- mo, tendo também subjacente uma acção a nível
ção do número de receptores nicotínicos disponí- cerebral porque os doces estimulam indirecta-
veis no sujeito. mente a libertação da serotonina através da pro-
Considerando os mecanismos psicofisiológi- dução de triptofano (Lagrue, 2003).
cos da nicotina anteriormente relatados, compre- Powledge (1999) enfatiza que relativamente a
ende-se porque aumentando a dosagem de nico- várias drogas (heroína, cocaína, álcool) a depen-
tina via penso adesivo não se verifique uma me- dência psicológica e a dependência física estimu-
lhoria dos sintomas de abstinência (Leischow et lam partes diferentes do cérebro. O principal pro-
al., 1997). Também o facto da recaída ser mais blema com que nos deparámos no caso da nico-
comum passado algum tempo (meses e anos) tina, consiste em distinguir até que ponto o orga-
sugere-nos que uma depleção completa dos resí- nismo humano tem necessidade da droga (para
duos de nicotina pode ser longa, e que havendo um funcionamento normal) ou quer ter o prazer
ainda nicotina residual, com a força de vontade, que lhe vem associado. A nicotina não é uma
o ex-fumador se vai aguentando até a um limiar droga que no seu uso normal altere o estado de
que se torna intolerável devido a vários sinto- consciência ou produza um intenso prazer como
mas. Não excluímos, no entanto, a hipótese, de as outras drogas referidas. Este facto faz-nos in-
em associação com uma memória cerebral, o re- clinar mais para uma necessidade de funciona-
forço positivo da nicotina poder ser activado em mento normal (físico ou psicológico) que, pode
qualquer momento. A utilização da droga só por ter sido induzida pela própria droga ou atingir
si origina um sistema de recompensa cerebral indivíduos que tenham uma disfunção, fruto de
pela libertação de dopamina (Lebargy, 2003). algum tipo de doença ou alteração física.
Consideramos que a principal acção da nicoti-
na se situa a nível cerebral, contudo alguns efei-
tos biológicos importantes podem também con- 3. A NICOTINA NA DOENÇA
tribuir para as recaídas.
A nicotina, por exemplo, provoca um efeito O uso da nicotina (através do fumo de cigar-
miorrelaxante na musculatura esquelética, ros) tem sido relacionado com o desenvolvimen-
aumenta a secrecção de várias hormonas tais co- to de determinadas doenças como o cancro, do-
mo o cortisol, ACTH, endorfina e acelera o me- enças cardíacas e pulmonares. No entanto, o uso
tabolismo basal (Lebargy, 2003). Os efeitos me- da nicotina sob várias formas de administração
tabólicos são fundamentais sobretudo quando con- tem sido considerado um factor protector no de-
sideramos a recaída no sexo feminino, pois estes senvolvimento de outras doenças como Doença
estão directamente ligados com o peso. Lagrue de Parkinson e Doença de Alzheimer (Rosecrans,
(2003), sustenta que 52% de mulheres abstinen- 1998; Mihailescu & Drucker-Colin, 2000; Whi-
tes aumentam 3,4 kg de peso e que “o aumento tehouse & Kalaria, 1995) e mesmo terapêutico
de peso varia na razão directa do número de ci- no tratamento de outras, como por exemplo a Co-
garros consumidos” (Lagrue, 2003, p. 298). Há lite Ulcerosa (Lindstrom, 1997; Skyes et al., 2000),
várias explicações biológicas para tal facto, por o Sindrome de Tourette (Newhouse & Kelton,
um lado, os gastos energéticos aumentam com o 2000), a Apneia do sono, (Lindstrom, 1997) ou a
uso da nicotina, por outro lado, como diz Lebar- Doença de Behcet (Soy, Erken, Konca & Ozbek,
gy (2003, p. 96) “… a nicotina inibe a lipogé- 2000; New England Journal, 2000). A acetilcoli-

511
na é importante a nível do sistema nervoso e do al., 1999) e imunossupressoras, estas últimas pro-
sistema cardiovascular, bem como na condução priedades explicariam de uma forma mais con-
nervosa que estimula a parte motora e endócrina. gruente os efeitos benéficos nas patologias que
Estas funções da nicotina estiveram na origem necessitam de uma terapêutica imunossupresso-
da iniciação de terapêuticas baseadas na nicotina ra.
para tratamento de determinadas doenças neuro- A maioria dos estudos de associação entre do-
degenerativas como a Doença de Parkinson (Kel- ença e tabagismo tem sido documentada no que
ton, Hahn, Conrath & Newhouse, 2000; Birtwistle se refere aos malefícios e muito raramente aos
& Hall, 1996; Newhouse, Potter & Levin, 1997) eventuais benefícios que a nicotina possa ter no
e a doença de Alzheimer (Linert et al., 1999; Birt- organismo. Recentemente, Martinet e Bohadana
wistle & Hall, 1996; Newhouse, Potter & Levin, (2003) referem ainda uma acção protectora do
1997). tabagismo contra o cancro do endométrio4 e uma
Algumas patologias do foro psiquiátrico, baixa prevalência de sarcoidose e das alveolites
nomeadamente a esquizofrenia e depressão, tam- alérgicas extrínsecas em fumadores. Os efeitos
bém têm vindo a ser associadas ao uso do taba- positivos da nicotina devem continuar a ser in-
co, pressupondo-se que o seu uso seja uma ten- vestigados pois podem estar na base da perpetua-
tativa de auto-medicação (Lindstrom, 1997; Ro- ção do hábito de fumar em muitos fumadores.
secrans, 1998). Fumar de acordo com Foweler e Rosecrans (1998) sugere que a nicotina pode
colaboradores (1999) e Kahn (2003) parece ini- ser usada, como auto-medicação para vários ti-
bir a actividade cerebral da monoaminoxidase pos de sintomas. Provavelmente alguns fumado-
(MAO). Como se sabe os inibidores da MAO res teriam então recaídas porque esses sintomas
são usados como antidepressivos, o que explica- num período de abstinência poderiam parecer in-
ria quer o surgir de estados depressivos em ex- dissociáveis do vício de fumar e mais relaciona-
fumadores quer pessoas depressivas que são in- dos com o seu estado psicológico. Assim sendo,
capazes de deixar de fumar. George et al. (2002) duas questões se nos colocam: será que a nico-
sustentam que, as populações esquizofrénicas têm tina provoca alterações no organismo do sujeito,
uma prevalência de fumadores superior à popu- passando este a funcionar preferivelmente com a
lação normal e que os doentes podem fumar para nicotina para os receptores nicotínicos (sobretu-
regular os seus défices cognitivos. O mecanismo do se admitirmos uma maior densidade deste ti-
da nicotina pode ser então compreendido como po de receptores em fumadores) e deixando o or-
benéfico nas doenças em que há uma disfunção ganismo de produzir a acetilcolina responsável
por uma eficácia das transmissões nervosas? Ou
dos neurotransmissores e dos receptores nicotí-
será que esse fenómeno ocorre preferencialmente
nicos (doenças neurodegenerativas e/ou psiquiá-
em pessoas cuja deficiência do organismo em
tricas). No entanto, a sua acção benéfica não é
acetilcolina já estava presente e que pelo facto de
tão compreensível por exemplo no caso de doen-
fumarem reencontram um equilíbrio perdido?
ças de suposta etiologia auto-imune como é o ca-
so da Doença de Behcet3 ou a Colite Ulcerosa.
Algumas referências bibliográficas atribuem à
4. DEPENDÊNCIA PSICOSSOCIAL VERSUS
nicotina, propriedades anti-oxidantes (Linert et
DEPENDÊNCIA QUÍMICA.

O problema da dependência psicossocial foi o


primeiro a ser estudado e não pode ser menos-
prezado porque associado ou não a uma depen-
3
A doença de Behcet caracteriza-se por o apareci-
mento de úlceras aftosas dolorosas, problemas articu-
lares e oftalmológicos. O papel da nicotina parece
actuar preferencialmente na redução das aftas (Soy,
Erken, Konca, & Ozbek, 2000).
Os ex-fumadores mesmo em terapia de substituição 4
Estes dados são corroborados por “Report of the
tem tendência a desenvolver úlceras aftosas quando tobacco. Advisory Group of the Royal College of Phy-
cessam de fumar (Simposium Terapêutico, 2002). siciens” (2000).

512
dência fisiológica tem também um grande im- A dependência química da nicotina provoca
pacto na decisão de abstenção ao fumo. Entre os em estado de abstinência, variadíssimas altera-
aspectos mais enfatizados está a aquisição de um ções funcionais que vão desde alterações cogni-
hábito que é companheiro da pessoa desde que tivas, com diminuição no estado de atenção e de
se levanta a até que se deita. Independentemente concentração, alterações de humor acompanha-
de ser um hábito social ligado ao convívio e es- das de insónia e ansiedade ou depressão até al-
timulado em ocasiões especiais onde é permitido terações meramente fisiológicas como a obstipa-
e reforçado como uma das dimensões de confra- ção, aumento de peso e diminuição do ritmo car-
ternização, ele pode também ser do ponto de vis- díaco (Henningfield, 1995; Rennard, 2000). Pres-
ta psicológico um mecanismo de coping que, por supõe-se que essas alterações são passageiras en-
exemplo, acompanha o sujeito ocupando as mãos quanto o organismo se desabitua da nicotina que
enquanto conversa, fala ao telefone, ou simples- estava acostumado. Contudo parece-nos que de
mente pensa na resolução de problemas. Esse há- alguma forma elas poderão ser permanentes, pois
bito faz parte do seu quotidiano e, como todos os como verificámos pelos períodos normais das
hábitos independentemente de outro tipo de de- recaídas, estas são normalmente superiores a seis
pendência é difícil de extinguir. O fumo de ci- meses e ocorrem pelo menos até aos seis anos.
garros tem vindo a ser associado ao tomar café, Depois de todo o esforço investido para deixar
chá ou uma bebida alcoólica o que significa que de fumar, parece claro que os ex-fumadores não
a sua extinção implicaria também a extinção de se devem sentir integralmente mais funcionais
outros. Acresce ainda o facto, de que normal- do que quando fumavam! Este paradoxo remete-
mente, fruto das políticas governamentais educa- nos então para algumas pistas de investigação
tivas e ou restritivas, os fumadores tem como com- necessárias a clarificar alguns problemas.
panheiros/amigos/familiares, outros fumadores,
formando-se “lobbys” ou “guetos” muito à se-
melhança do comportamento toxicodependente 5. PISTAS PARA A INVESTIGAÇÃO/
de drogas duras. Verifica-se que actualmente rara- /INTERVENÇÃO
mente existem posições intermédias, na análise
do comportamento de fumar mas apenas posi- É necessário estimular o maior número de pes-
ções extremas que em si mesmas dificultam as soas a deixar de fumar, mantendo ou mesmo me-
possibilidades de negociação. lhorando a qualidade de vida, estudando simul-
Assim, extinguir um hábito, que deixa de ser taneamente os potenciais factores que possam
unicamente psicológico, mas que abrange uma indiciar o sucesso/insucesso da cessação tabági-
dimensão social importante, torna-se complexo a ca.
não ser que a intervenção fosse também ela, diri- Nesse sentido, é necessário explicar às pes-
gida ao grupo, ao qual o indivíduo pertence. Con- soas que deixar de fumar exige um grande em-
vém portanto salientar que quando se intervém penho e o ultrapassar de dificuldades que não de-
num indivíduo fumador não podemos separar to- vem ser menosprezadas. Essas dificuldades são
das esses factores e por vezes é difícil discernir diversificadas realçando-se o comprometimento
qual o maior tipo de dependência, psicossocial, da aparência física com aumento de peso, o des-
fisiológica ou a sua associação. Esta diferencia- conforto psicológico que acompanha a abstinência
ção é essencial, para o sucesso de uma interven- (e.g., insónia, depressão, ansiedade, labilidade emo-
ção psicológica. A nossa interpretação da baixa cional), verificando-se ainda, frequentemente, uma
taxa de sucesso de abstenção sustenta que os pro- baixa produtividade intelectual (e.g., diminuição
blemas meramente psicossociais são mais fáceis da memória, e da atenção/concentração). Conco-
de resolver e são provavelmente os menos co- mitantemente, os mecanismos psicofisiológicos
muns, comparativamente aos problemas que in- subjacentes à privação da nicotina e eventual subs-
cluem uma componente de dependência química. tituição, devem ser explicados e não omitidos.
Os problemas psicossociais corresponderiam à Acreditamos que desta maneira a pessoa pode
taxa de sucesso de 10 a 20% com terapia com- lidar melhor com essas alterações que, depen-
portamental referida anteriormente por Rose, dendo de indivíduo para indivíduo, poderão não
Westman e Behm (1998). ser tão passageiras, ultrapassando a duração mé-

513
dia de 4 semanas apontada em vários estudos reservas de gorduras corporais para o sangue, fo-
(Rodrigues, 2002). É na intervenção personali- mentando a formação de placas de ateroma, cau-
zada que poderá residir o sucesso, pois, na ver- sa principal de doenças vasculares. Contraria-
dade, nem todos os fumadores são iguais, não mente num ex-fumador e apesar do seu peso po-
tendo o mesmo grau de dependência, a mesma der ter aumentado, beneficia da mobilização da
motivação para deixar de fumar e a mesma in- gordura circulante a nível sanguíneo para o teci-
tensidade de sintomas de privação. do adiposo, determinante de um efeito protector
O tabagismo, à semelhança de outras condi- para as suas artérias. Indiscutivelmente do ponto
ções de doença não tratada (e.g., hipertensão, dia- de vista estético poder ser mais deprimente e de-
betes, hipercolesterolémia), actua silenciosa- sagradável, mas do ponto de vista de saúde e de
mente, lenta e progressivamente, não se vendo, esperança de vida, é compensador.
exteriormente, de início os seus efeitos maléfi- A publicidade que enfatiza os benefícios ime-
cos. Normalmente, só passados muitos anos é diatos da cessação tabágica, para um fumador
que os sinais maléficos surgem e quando se reve- saudável que não tenha nenhum sintoma decor-
lam a reversão é já difícil de ser conseguida in- rente desse hábito (e.g., ter melhor hálito, melhor
tegralmente. Este princípio da acção do tabaco olfacto, melhor apetite), são habitualmente pou-
no organismo humano é provavelmente seme- co convincentes e nada motivadores para uma
lhante ao mecanismo de desabituação/desin- abstinência prolongada.
toxicação na cessação tabágica. Não se pode, por Felizmente, entre os fumadores, nem todos apre-
esse facto, pretender que os “efeitos positivos” sentam critérios de uma dependência farmaco-
da sua utilização por períodos grandes, muitas lógica, facto este bem patente na afirmação de
vezes superiores a 30 anos, possam ser ultrapas- Slama (2003, p. 101) “numa amostra da popu-
sados em apenas um mês5. Estas informações lação nos Estados Unidos, entre todos aqueles
que tinham fumado durante a vida só se encon-
devem fazer parte da intervenção psicológica
traram 50% de sujeitos cujo tabagismo preenchia
para a cessação, não como um obstáculo mas co-
critérios de farmacodependência”. Neste contex-
mo uma explicação compreensível para no caso
to, reiteramos que a avaliação do perfil do fuma-
da síndrome de abstinência se prolongar ser mais
dor, da intensidade e da variedade da síndrome
facilmente tolerada. Deve-se igualmente realçar,
de privação, é de vital importância para o suces-
que os benefícios de deixar de fumar não se re-
so da sua cessação.
colhem imediatamente, não sendo por vezes vi-
Na intervenção para a cessação tabágica, da-
síveis exteriormente, mas merecendo ser devida- das as considerações psicofarmacológias ante-
mente valorizados (e.g., aumento da capacidade riores, é preciso ter em atenção também even-
pulmonar, melhoria da função cardíaca, redução tuais doenças pré-existentes que se pressupõem
do risco de diversos cancros e de doenças cardio- estar associadas a efeitos benéficos do tabagismo
-vasculares), aumentando a esperança de vida. (e.g., Doença de Parkinson, Colite Ulcerosa, De-
Uma comparação que pode ser invocada, quanto pressão, Esquizofrenia, Doença de Behcet, etc.).
à dificuldade de se reconhecer os benefícios de Deve-se estar igualmente atento a outro tipo de
deixar de fumar, tem a ver com a mobilização patologias de suposta etiologia auto-imune ou
das reservas lipídicas. O acto de fumar impede desconhecida (e.g., Lúpus Eritematoso, Esclerose
que se tenha mais peso que o previsível para o Múltipla, etc.), cujos efeitos de fumar ou não fu-
mesmo aporte calórico pelos mecanismos atrás mar ainda são desconhecidos na literatura cientí-
explicados. No entanto, ao fazê-lo mobiliza as fica, sobretudo, tendo em consideração toda a me-
dicação a que doenças deste tipo obrigam e das
suas eventuais interacções. Sabe-se que a nico-
tina é uma droga potente que interfere com a
absorção de vários medicamentos, tais como a
teofilina, a tacrina e a clozapina e ainda potenci-
5
Recordemos a superior densidade de receptores almente com outros. Quando um fumador deixa
nicotínicos no fumador e a sua acção, os efeitos bioló- de fumar os índices plasmásticos dessas substân-
gicos, etc. cias aumentam, havendo uma necessidade de re-

514
ajustar as doses desses medicamentos, em parte fumador. Depois de estabilizada a redução, subs-
devido à acção da enzima CYP 1 A2 que está au- tituir a quantidade de nicotina do cigarro, por
mentada enquanto se fuma (Simposium Terapêu- formas alternativas de nicotina equivalentes e ir
tico 2002). diminuindo muito lentamente monitorizando-se
Hoje em dia é rara a situação em que não se eventuais sintomas. A vantagem deste tipo de abor-
faça uma compensação farmacológica para se dagem é compreendermos qual é o nível mínimo
evitar a síndrome de abstinência. Por outro lado, de nicotina necessária, para que, com auto-con-
alguns sintomas da síndrome de abstinência po- trolo, não se produzam grandes sintomas de pri-
dem ser confundidos com efeitos indesejáveis vação, não introduzindo um viés com as formas
decorrentes do uso dos substitutos da nicotina, o substitutivas da nicotina. Por outro lado a depen-
que pode determinar uma indefinição etiológica. dência psicológica é prolongada na fase de redu-
É então necessário procurar identificar sintomas ção o que facilita o equilíbrio psicológico. Desta
num estado de privação absoluto (sem recurso a forma é mais fácil comprovar para cada fumador
qualquer tipo de fármaco), mesmo aqueles, que quais os aspectos que são mais difíceis de con-
parecem não estar associados à abstenção nicotí- trolar, se a dependência química, se a psicosso-
nica. Conclui-se também que fumar não tem os cial.
mesmos resultados positivos e negativos que usar
um substituto da nicotina.
Resumindo, vimos ao longo do artigo que é 6. CONCLUSÃO
difícil atingir o mesmo nível de concentração plas-
mática nicotínica fumando ou usando substitutos Ao longo deste artigo enfatizaram-se as difi-
farmacológicos (adesivos, pastilhas elásticas, etc.). culdades sobre a abstenção tabágica e levanta-
Mesmo tendo em conta o cálculo do número de ram-se hipóteses explicativas para as recaídas.
cigarros fumados diariamente é necessário tam- Deixar de fumar é possível se se reunirem as
bém, ter em atenção que, esse teor varia normal- condições ideais motivacionais, psicossociais e
mente entre 0,6 e 0,9 mg de nicotina por cigarro se o organismo fisiológico conseguir readquirir o
consoante a marca utilizada, e que a absorção vai equilíbrio anterior ao status quo de não fumador.
depender também do tipo de inalação da pessoa
Na nossa opinião e pela literatura recolhida esses
(mais ou menos frequente e profunda). Apesar
casos serão actualmente a menor percentagem
dos substitutos nicotínicos (adesivos, pastilhas
entre os fumadores. A resposta poderá ser dada
elásticas, etc.) não terem felizmente os mesmo
por um estudo retrospectivo numa população de
produtos tóxicos que o fumo dos cigarros, pro-
ex-fumadores abstinentes há vários anos, iden-
vavelmente não terão também os mesmos efeitos
tificando, por um lado, as características biopsi-
positivos. A título de exemplo refere-se, embora
cológicas do próprio e do meio que lhe permiti-
desconhecendo-se o mecanismo, que só o fumo
de cigarros continuado e não a nicotina por si, é ram o sucesso e por outro a sua qualidade de vi-
capaz de inibir a MAO, actuando beneficamente da. Um estudo complementar sobre essas mes-
contra a depressão (Fowler et al., 1999). mas características, correlacionando-as com vá-
Torna-se fundamental que no acompanhamen- rias doenças para aqueles que recaíram e se
to a um ex-fumador, o seu estado de saúde/doen- mantém fumadores, seria igualmente desejável6.
ça seja monitorizado, tendo sempre em atenção o Convém ainda diferenciar um fumador absti-
potencial aparecimento de novas doenças que nente bem sucedido de um fumador abstinente
não se manifestaram enquanto fumava ou a evo- per se. Na primeira categoria incluímos os ex-fu-
lução de outras doenças anteriormente diagnos- madores que reencontram o seu equilíbrio psico-
ticadas e tratadas. fisiológico ao fim de um determinado tempo que
Uma alternativa terapêutica, sobretudo em ca- pode ser longo, mas que se sentem tão ou mais
sos de grande dependência e/ou doença, é pro-
gramar uma redução substancial de cigarros para
manter a dosagem mínima de nicotina “funcio-
nal”, implicando uma intervenção psicológica no
destrinçar da dependência física e psicológica do 6
Estudo em curso.

515
funcionais como enquanto fumavam. A segunda Barringer, T., & Weaver, E. (2002). Does long-term bu-
categoria inclui, pelo contrário, fumadores absti- propion (Zyban) use prevent smoking relapse after
nentes que deixaram de fumar mas cujo perfil initial success at quitting smoking? Journal of Fa-
mily Practice, 135, 423-433. (Abstract)
psicológico ficou permanentemente alterado, po- Birtwistle, J., & Hall, K. (1996). Does nicotine have be-
dendo apresentar quadros depressivos agravados neficial effects in treatment of certain disases?
(Burgess et al., 2002) ou défices cognitivos subs- British Journal Nurs, 13 (519), 1195-1202.
tanciais, necessitando de medicação complemen- Blondal, T. (1999). Nicotine nasal spray with nicotine
tar, ou ainda, cujo estado de saúde sofreu negati- patch for smoking cessation: randomised trial with
vamente, surgindo, por exemplo, obesidade (Di- six years follow-up. British Medical Journal, 318,
285-289.
loreto, 2001). Nesta categoria encontram-se mui-
Burgess, E. et al. (2002). Patterns of change in depres-
tas vezes doentes do foro cardíaco ou pulmonar, sive symptoms during smoking cessation: Who’s at
que deixaram de fumar fruto dessas patologias, risk for relapse? Journal of Consulting and Clinical
mas que intrinsecamente não reconhecem outros Psychology, 70 (2), 356-361.
benefícios da abstenção. Uma explicação possí- Court, J. A., Martin-Ruiz, C., Graham, E., & Perry, E.
vel é atribuível às suas crenças psicológicas so- (2000). Nicotinic receptors in human brain: topo-
bre o bem-estar que o cigarro lhes proporcionava graphy and pathology. Chem. Neuroant, 20 (3-4),
281-298.
e tendo deixado “obrigatoriamente”, por exem- Curry, S. (1993). Self-help interventions for smoking
plo por terem sido internados num hospital, não cessation. Journal of Consulting and Clinical Psy-
conseguiram ultrapassar a dependência psicoló- chology, 61 (5), 790-803.
gica. Uma outra interpretação, na nossa opinião Dale, L. C., Glover, E. D., Sachs, D. P. L. et al. (2001).
mais credível, vem no seguimento das explana- Using Bupropion for smoking cessation: Predictors
ções teóricas deste artigo e na dependência fisio- of success. Journal of Respiratory Diseases, 119,
1357-1364.
lógica associada da nicotina, que eventualmente
Diloreto, S. (2001). Smoking Cessation: Preventing and
pode existir, fruto de uma deficiência orgânica weight gain. Patient Care, 30, www.findarticles.
inata ou adquirida. com/cf
Deixar de fumar é quase impossível se admi- Fowler, J. S., Wange, G. J., Volkow, N. D., et al. (1999).
tirmos que o sujeito tem um desequilíbrio psi- Smoking a single cigarette does not produce a
cofisiológico inato ou adquirido, cuja acção da measurable reduction in brain MAO B in non-
nicotina contrabalança essa deficiência, sentin- smokers. Nicotine & Tobacco Research, 1, 325-
-329. (Abstract)
do-se o sujeito mais funcional biopsicossocial- George, T. P., Vessicchio, J. C., Termine, A., Sahady,
mente como fumador, como se fosse uma auto- D. M., Head, C. A., Pepper, W., Thomas, W., Kosten,
-medicação não consciente. Seria também inte- T. R., & Wexler, B. E. (2002). Effects of smoking
ressante para esclarecer este problema caracte- abstinence on visuospatial working memory fun-
rizar os vários perfis de fumadores, tendo em ction in schizophrenia. Neuropsychopharmacology,
conta a predominância de dependência de tipo 26 (1), 75-85. (Abstract)
Gilman, A. G., Goodman, L. S., Rall, T., & Murad, F.
psicológico, fisiológico ou social.
(1985). Goodman and Gilman’s The Pharmacolo-
Assim, a investigação deve continuar, propon- gical Basis of Therapeutics (7nd ed.). New York:
do-se tratamentos adequados a cada indivíduo, Macmilllan Publishing Company.
com manutenção de formas alternativas de admi- Drug Store News (2001). Study examines Zyban’s use
nistração da nicotina, temporárias ou perma- in smoking cessation, weight loss.
nentes, à semelhança do que é realizado nos tra- Henningfield, J. (1995). Nicotine medications for smo-
tamentos de substituição opiácea para as drogas king cessation. The New England Journal of Medi-
cine, 2, 1196-2003.
duras.
Henningfield, J. E., & Keenan, R. M. (1993). Nicotine
delivery kinetics and abuse liability. Journal of
Consulting and Clinical Psychology, 61 (5), 743-
REFERÊNCIAS -750.
Hughes, J. (1993). Pharmacology for smoking cessa-
Ashton, H., & Stepney, R. (1982). Fumer. Psychologie tion: unvalidated assumptions, anomalies, and sug-
et Pharmacology. Bruxelles: Pierre Mardaga Edi- gestions for future research. Journal of Consulting
teur. and Clinical Psychology, 61 (5), 751-760.

516
Irvin, J., Hendricks, P., & Brandon, T. (2003). The in- Newhouse, P. A., & Kelton, M. (2000). Nicotinic sys-
creasing recalcitrance of smokers in clinical trials tems in central nervous systems disease: degenera-
II: Pharmacotherapy trials. Nicotine & Tobacco Re- tive disorders and beyond. Pharm. Acta Helv., 74
search, 5, 27-35. (2-3), 91-101.
Kahn, J. P. (2003). Dependência Tabágica, Desabitua- Newhouse, P. A., Potter, A., & Levin, E. D. (1997). Ni-
ção e Psicopatologia. In Yves Martinet & Abraham cotinic system involvement in Alzheimer’s and
Bohadana (Eds.), O Tabagismo – Da prevenção à Parkinson’s diseases. Implications for therapeutics.
abstinência (pp. 313-320). Lisboa: Climepsi. Drugs Aging, 11, 206-228.
Kelton, M. C., Hahn, H. J., Conrath, C. L., & Newhou-
Powledge, T. (1999). Addiction and the Brain. Bio Scien-
se, P. A. (2000). The effects of nicotine on Parkin-
ce, 49, 513-515.
son’s disease. Brain Cognition, 43 (1-3), 274-282.
Prochazka, A. (2000). New Developments in Smoking
(Abstract)
Killen, J., & Fortmann, S. (1997). Craving is associated Cessation. Chest, 117, 169-175.
with smoking relapse: findings from three pros- Rodrigues, H. L. (2002). Qual a contribuição da farma-
pective studies. Experimental and Clinical Psycho- coterapia na cessação tabágica? Revista Portuguesa
pharmacology, 5 (2), 137-142. de Pneumologia, 8 (2), 151-174.
Lebargy, F. (2003). Biologia da Nicotina. In Yves Rosas, M., & Baptista, F. (2002). Desenvolvimento de
Martinet & Abraham Bohadana (Eds.), O Tabagis- estratégias de intervenção psicológica para a ces-
mo – Da prevenção à abstinência (pp. 91-96). Lis- sação tabágica. Análise Psicológica, 1, 45-55.
boa: Climepsi. Rennard, S. (2001). Smoking Cessation. Chest, 117, 360-
Leischow, S., Valente, S, Hill, A., Otte, P., Aickin, M., -364.
Holden, T., Kligman, E., & Cook, G. (1997). Ef- Rose, J., Westman, E., & Behm, F. (1998). Nicotine
fects of nicotine dose and administration method mecamylamine treatment for smoking cessation:
on withdrawal symptoms and side effects during the role of pre-cessation therapy. Experimental and
short-term smoking abstinence. Experimental and Clinical Psychopharmacology, 6 (3), 331-343.
Clinical Psychopharmacology, 5 (1), 54-64. Rosecrans, J. (1998). Nicotine: helping those who help
Lindstrom, J. (1997). Nicotinic acetylcoline receptors in themselves? Chemistry and Industry Magazine, Ju-
health and disease. Molecular Neurobiology, 15, ly, www.junkscience.com/news 2/nicotine.htm
193-222.
Simposium Terapêutico (1996). Enciclopédia de Espe-
Linert, W., Bridge, M., Huber, M., Bjugstad, K. B.,
cialidades Farmacêuticas Portuguesas. Lisboa: Edi-
Grossman, S., & Arendash, G. W. (1999). In vitro
in vivo studies investigating possible antioxidant ções Simpósio Lda.
actions of nicotine: relevance to Parkinson’s and Simposium Terapêutico (1999). Enciclopédia de Espe-
Alzheimer’s disease. Biochim Biophys Acta, July 7, cialidades Farmacêuticas Portuguesas. Lisboa: Edi-
145 (2), 143-152. (Abstract) ções Simpósio Lda.
Mansvelder, H. D., & McGehee, D. S. (2000). Long- Simposium Terapêutico (2002). Enciclopédia de Espe-
term potentiation of excitatory inputs to brain re- cialidades Farmacêuticas Portuguesas. Lisboa: Edi-
ward areas by nicotine. Neuron., 27 (2), 349-357. ções Simpósio Lda.
(Abstract) Simposium Terapêutico (2004). Enciclopédia de Espe-
Martinet, Y., & Bohadana, A. (2003). Affecções Asso- cialidades Farmacêuticas Portuguesas. Lisboa: Edi-
ciadas ao Consumo de Tabaco. In Yves Martinet & ções Simpósio Lda.
Abraham Bohadana (Eds.), O Tabagismo – Da pre- Slama, K. (2003). A Nicotina e a Dependência Psicoló-
venção à abstinência (pp. 109-112). Lisboa: Cli- gica. In Yves Martinet & Abraham Bohadana
mepsi. (Eds.), O Tabagismo – Da prevenção à abstinência
Martinet, Y., & Bohadana, A. (2003). Benefícios e Efei- (pp. 99-105). Lisboa: Climepsi.
tos Secundários da Desabituação Tabágica. In Soy, M., Erken, E., Konca, K., & Ozbek, S. (2000).
Yves Martinet & Abraham Bohadana (Eds.), O Smoking and Behcet’s disease. Clin Rheumatol, 19
Tabagismo – Da prevenção à abstinência (pp.
(6), 508-509. (Abstract)
223-228). Lisboa: Climepsi.
Stapleton, J. (1998). How much does relapse after one
Micó, J. A., Brea, M., Vinardell, A. R., Corrales, Rojas,
year erode effectivenesse of smoking cessation
M. O., & Alvaro, A. O (2000). Neurobiología dela
adiccíon a nicotina. Preventión del Tabaquismo, 2 treatments? Long term follow up of randomised
(2), 101-105. trial of nicotine nasal spray. British Medical Jour-
Mihailescu, S., & Drucker-Colin, R. (2000). Nicotine nal, 316, 830-831.
and brain disorders. Acta Pharmacol Sin, 21 (2), Syhes, A. P., Brampton, C., Klee, S., Chander, C. L.,
97-104. (Abstract) Whelan, C., & Parsons, M. E. (2000). An inves-
New England Journal (2000). Nicotine patches for tigation into the effect and mechanisms of action of
aphthous ulcers due to Behcet’s syndrome. 1816- nicotine in inflammatory bowel disease. Inflamm.
-1817. Res., 49 (7), 311-319. (Abstract)

517
Whitehouse, P. J., & Kalaria, R. N. (1995). Nicotinic intervenção no tabagismo e que fornece novas pistas
receptors and neurodegenerative dementia diseases: de investigação.
basic research and clinical implications. Alzheimer Palavras-chave: Tabagismo, nicotina, psicofarma-
Dis. Assoc. Disord., 9, Suppl 2, 3-5. (Abstract) cologia, abstinência, recaída.

RESUMO ABSTRACT

Nos últimos anos tem-se dado muita ênfase à de- During the last years, a lot of attention has been gi-
pendência de drogas duras porque provocam uma di- ven to hard drugs, as they diminish the quality of life
minuição da qualidade de vida dos seus utilizadores, of their users, interfere negatively in the everyday acti-
interferem negativamente no funcionamento e ordem vities and social order, and mainly because of their
social e sobretudo devido à relação com a aquisição de direct relation with several infectious diseases, such as
doenças infecciosas como a SIDA e Hepatite C. Esta AIDS and Hepatitis C. This growing preoccupations,
preocupação crescente, concentrou a maioria das in- have concentrated the majority of research efforts in
vestigações nos toxicodependentes que usam drogas the drug users and in the associated phenomena of so-
ilícitas e nos fenómenos de segurança social a eles cial insecurity, leaving to a secondary stage other le-
associados, deixando para um segundo plano outras gally authorized addictions, such as the use of tranquil-
lizers and antidepressants, alcohol and tobacco.
dependências legalmente permissivas como o abuso de
Nevertheless, tobacco use has been recognized as
fármacos (tranquilizantes e antidepressivos), álcool e o
one of the leading worldwide public health problems
tabaco.
and, based on the available statistics, causes deterio-
O uso de tabaco é no entanto reconhecido como um
ration of the quality of life and premature death of the
dos maiores problemas de saúde pública a nível mun-
smoking population, being often associated with the
dial contribuindo segundo as estatísticas para mortes
use of other drugs. The carefully undertaken studies of
prematuras e deterioração da qualidade de vida dos fu- the nicotine influence in the human being at the biolo-
madores, e que vem muitas vezes associado ao con- gical, psychological and social levels are of paramount
sumo de outras drogas. O estudo cuidadoso da influ- importance in the intervention for smoking cessation,
ência da nicotina no ser humano a nível biológico, psi- reinforced by the influence of nicotine in the absor-
cológico e social é de suma importância para a inter- ption of other products both natural and toxic. Until
venção na cessação tabágica e ainda, porque a nicotina very recently, tobacco use was studied merely as a ha-
exerce a sua influência nomeadamente na absorção de bit, which should be discontinued, simply dependent
outros produtos naturais ou tóxicos. O problema do for that purpose almost entirely on one’s will. How-
tabagismo foi estudado até um passado bem recente, ever recent discoveries of a positive influence of nico-
meramente como um hábito que era preciso “descon- tine in certain diseases, has open the way for other re-
dicionar” e que dependia quase inteiramente da von- searches, reinforcing the addictive power of this drug,
tade do próprio. Contudo as recentes descobertas da mainly based on the perception that the majority of
influência positiva da nicotina em determinadas doen- former smokers have had several relapses, making
ças veio abrir caminho para outras investigações que long-term smoking cessation extremely difficult.
reforçam o poder aditivo desta droga, sobretudo por- This article intends to clarify some of the psycholo-
que se constata, que a maioria dos ex-fumadores tem gical, social and psycho-physiological aspects related
sucessivas recaídas, tornando a abstenção total a longo to the unsuccess of long-term smoking cessation. The
prazo muito difícil. psycho-pharmacological effects of smoking, leading to
Este artigo pretende assim esclarecer aspectos psi- a different explanation for the future intervention in
cológicos, sociais e psicofisiológicos que estão na base tobacco use, as well as to new research fields, will be
do insucesso da manutenção da abstenção tabágica. En- also reinforced.
fatizaremos assim os efeitos psicofarmacológicos que Key words: Smoking, nicotine, psychopharmaco-
proporcionam uma explicação diferente para a futura logy, cessation, relapse.

518
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 519-531

Comportamento parental na situação de


risco do cancro infantil (*)

RITA GOMES (**)


ANTÓNIO PIRES (**)
MARIA DE JESUS MOURA (***)
LILIANA SILVA (**)
SOFIA SILVA (**)
MÓNICA GONÇALVES (**)

O cancro é segundo Ogden (1999) “um cres- doença de mau prognóstico, as taxas de cura e
cimento incontrolável de células anormais que sobrevivência aumentaram significativamente,
produzem tumores chamados neoplasias”. Estes permitindo igualmente, um melhoramento da
tumores podem ter origem benigna (não se espa- qualidade de vida dos doentes, proporcionado
lham pelo corpo) ou maligna, que apresentam por um desenvolvimento crescente de técnicas
metastização de outros órgãos. Sendo uma doen- terapêuticas mais eficazes, bem como uma me-
ça actual, com uma elevada incidência, o dia- lhoria ao nível dos cuidados de saúde e preven-
gnóstico pode ocorrer em qualquer idade. No ção da doença. Contudo, a doença oncológica
que concerne ao cancro infantil, a etiologia é ao continua a afectar e invadir a vida de muitas cri-
nível hematológico – leucemias e linfomas – que anças e suas famílias. Sendo a infância um pe-
se caracterizam pela proliferação de células anor- ríodo de importantes aquisições ao nível social e
mais da medula e dos outros tecidos sanguíneos cognitivo para a criança, quando o diagnóstico
e a incidência verifica-se entre o 1 e os 4 anos de de cancro surge nesta altura, este período pode
idade. Embora o cancro seja, normalmente, uma ser comprometido, na medida em que a rotina
altera-se, devido a hospitalizações frequentes,
separação da família, perturbações das experiên-
cias de socialização, bem como realização de pro-
cedimentos médicos geradores de stress e de dor
(Harbeck-Weber & Conaway, 1994).
(*) Agradecimentos: Agradecemos ao Serviço de
Pediatria do Instituto Português de Oncologia de Lis-
Ao receber o diagnóstico de doença oncoló-
boa e à Associação Acreditar, toda a disponibilidade gica, a criança tem que enfrentar uma vida cheia
demonstrada, bem como a todos os técnicos que em de incertezas e situações totalmente novas e do-
conjunto possibilitaram a realização desta investiga- lorosas, nomeadamente meios de intervenção
ção. médicos agressivos, condicionamentos alimenta-
(**) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-
boa. res, internamentos regulares que exigem um
(***) Instituto Português de Oncologia, Lisboa. afastamento da família e contacto com pessoas

519
estranhas, a dor física e o sofrimento psicoló- existência de algumas variáveis que permitem pre-
gico. Habitualmente, os tratamentos têm inúme- dizer o comportamento parental, tais como variá-
ros efeitos colaterais que debilitam o estado físi- veis demográficas, relacionadas com a doença,
co e consequentemente, o psicológico, como sen- pré e co-ocorrência de acontecimentos da vida
do, a queda do cabelo, náuseas e vómitos, pro- indutores de stresse, personalidade da criança e
blemas gastrointestinais e orais, existindo a pos- dos pais, estilos de coping, satisfação conjugal e
sibilidade de sequelas neuropsicológicas que con- suporte social. Para além disso, existem autores
dicionarão o futuro da criança. Vários autores pos- que defendem que os pais têm uma adaptação sa-
tulam que o impacto e ajustamento à doença são tisfatória nos anos após o diagnóstico (Hoekstra-
determinados não só pelas próprias característi- Weedbers, Jaspers, Klip & Kamps, 2000, citado
cas da doença, mas também pela família em que in Baider, Cooper & De-Nour, 2000), ao contrá-
o impacte é tão grande ou maior do que o pró- rio, outros há que referem existir sequelas mes-
prio indivíduo doente (Palterson & Garwick, ci- mo após o fim dos tratamentos (Kazak et al., ci-
tado in Baider, Cooper & De-Nour, 2000). Assim, tado in Baider, Cooper & De-Nour, 2000). Estas
nas famílias de doentes oncológicos, os níveis de duas posições antagónicas mostram a existência
perturbação psicológica atingem valores muitas de factores que influenciam a adaptação dos pais
vezes superiores aos dos próprios doentes (Hari- à situação de risco, que é o cancro infantil.
son et al., Kazak et al., Nijboer et al., Northouse No que diz respeito à intervenção psicológica
et al., citados in Baider, Cooper & De-Nour, 2000). nesta situação de risco, parece imprescindível a
Ter uma criança com doença crónica constitui sua existência, na medida em que pode prevenir
uma situação de stresse e impacto significativo e até mesmo evitar perturbações nas próprias fa-
na família (Santos, 1998). A vida altera-se mílias, promovendo um melhor ajustamento do
completamente, na medida em que a criança e a comportamento parental, sendo que a família tem
sua família vivem num mundo de incertezas e vindo a constituir-se, ao longo dos tempos, como
dúvidas em relação ao futuro, tendo que uma importante fonte de recursos. Existem vá-
confrontar-se com novas exigências e inúmeras rios modelos de intervenção que visam ajudar a
readaptações, uma vez que a doença atinge família a mobilizar os seus recursos para lidarem
vários níveis como, financeiro, ocupacional, com a doença, prevenir o isolamento da criança
pessoal e na interacção quer dentro quer fora da e da família em relação aos seus suportes sociais,
família (Gonçalves & Pires, 2001). Estas reduzir o impacte da doença na família, criar um
múltiplas alterações às diferentes fases da ambiente de maior comunicação e compreensão
doença pelas quais a família passa são muitas entre a família e os profissionais de saúde, Tra-
vezes exigidas num curto espaço de tempo tamento Psicossocial da criança e da família, Mul-
(Silva, Pires, Gonçalves, & Moura, 2001). Desde tiple Family Discussion Group Model (MFGs),
a fase do choque inicial com o diagnóstico até à Intervenções Cognitivo-Comportamentais, Focu-
fase terminal ou recuperação, passando pelos sed Family Grief Therapy (FFGT), entre outros.
tratamentos, remissões e recaídas, a família Sendo o cancro infantil uma situação de risco
vivência uma série de sentimentos negativos e para a criança e a sua família, onde toda a dinâ-
expectativas ao longo do tempo, que se tra- mica familiar fica comprometida, uma vez que
duzem, fundamentalmente, numa sensação de todos os seus membros são afectados e todas as
comprometimento do futuro (Gonçalves & Pires, suas rotinas se alteram e reajustam, parece evi-
2001). Segundo Rutter (1989, citado in Pires, 1990), dente que o comportamento parental vai em lar-
o desenvolvimento equilibrado da criança com ga escala influenciar a adaptação da criança do-
cancro depende, sobretudo, das respostas e signi- ente à nova situação. Não obstante, é imperativo
ficados que as figuras parentais oferecem às ne- estudá-lo para melhor perceber a gestão das difi-
cessidades específicas da criança, às suas solici- culdades com que a família se depara na situação
tações sociais, assim como às interacções que disruptiva de doença crónica e prolongada. Assim
eles iniciam, mantendo a reciprocidade das mes- o objectivo último desta investigação é a criação
mas, sendo que o mesmo autor dá o nome de de uma teoria que explique o comportamento pa-
sensitividade a essa capacidade. Hoekstra-Wee- rental de crianças com cancro, tendo em conta,
bers, Jaspers, Klip e Kamps (2000), postulam a que apesar de um aumento de estudos que se fo-

520
calizam no impacte psicológico da doença onco- As crianças tinham no momento do diagnóstico
lógica nos pais de crianças doentes, nomeada- entre os 14 meses e os 14 anos de idade.
mente, no que se refere às experiências emocio- Assim, os participantes foram: Mãe 1, de 32
nais particulares destes pais, estes não utilizem anos, casada, com dois filhos, à sua filha de 6
uma metodologia qualitativa específica ao com- anos foi-lhe diagnosticado um neuroblastoma,
portamento em estudo, assente nas interacções dois meses antes da entrevista; Mãe 2, de 34 anos,
estabelecidas e no contacto directo com as vi- divorciada, apenas com uma filha de 7 anos a
vências dos pais que se encontram na situação, quem foi diagnosticado uma leucemia, um mês e
particularmente angustiante. Deste modo, os meio antes da entrevista; Mãe 3, de 30 anos, ca-
dados desta investigação são recolhidos através sada com duas filhas, a filha mais velha de 7 anos
de entrevistas semi-estruturadas, e analisados à encontrava-se no momento da entrevista com uma
luz do método da Grounded Theory, permitindo recaída de um neuroblastoma de estadio IV, sen-
a emergência de um modelo explicativo directa- do que o seu primeiro diagnóstico foi realizado
mente a partir da realidade encontrada. Para um ano e dois meses antes da entrevista e a Mãe
além da criação de um modelo explicativo, esta 4, de 31 anos, casada, com apenas um filho de 2
investigação pretende constituir-se como base de anos de idade a quem foi diagnosticado uma leu-
reflexão para uma melhor intervenção com estas cemia linfoblástica aguda, dois meses antes da
famílias, promovendo o encontro com as dificul- entrevista. Mãe 5, de 41 anos, casada, com qua-
dades e sofrimentos por elas vivenciados, bem tro filhos, tendo a criança 4 anos de idade aquan-
como, contribuir para o desenvolvimento e evo- do do diagnóstico; Mãe 6, de 43 anos, casada,
lução da prática clínica, no sentido de uma pre- com dois filhos, sendo que a criança doente tinha
venção eficaz de perturbações familiares que pro- 4 anos quando foi diagnosticada, tendo falecido
piciará um melhor ajustamento e adaptação da com 8 anos; Mãe 7, de 42 anos, divorciada, com
criança e dos pais à doença oncológica. dois filhos, a criança tinha 8 anos quando lhe foi
diagnosticado o cancro, acabando por morrer um
ano depois, com 9 anos de idade; Mãe 8, de 46
MÉTODO anos, casada, com dois filhos, tendo a criança fa-
lecido com 10 anos, não referindo a idade do
O presente estudo tem um carácter explorató- diagnóstico. Pai 9, de 36 anos, casado, com um
rio. Neste contexto, pretende construir uma teo- filho de 3 anos de idade a quem foi diagnostica-
ria sobre o comportamento parental de mães de do um cancro, sete meses antes da entrevista;
crianças com cancro. O método utilizado permi- Mãe 10, de 35 anos, casada, com dois filhos, em
tiu clarificar e compreender as experiências pas- que o mais novo, de 3 anos de idade foi diagnos-
sadas pelas mães das crianças doentes. A Groun- ticado com um tumor cerebral, oito meses antes
ded Theory é um método cujo objectivo é criar da entrevista; Mãe 11, de 34 anos, casada, com
um novo modelo e não desenvolver ou testar a dois filhos, sendo que o filho de 3 anos foi dia-
aplicabilidade de uma teoria já existente. Tem gnosticado com uma leucemia, dois meses antes
como aspectos vitais para a construção dessa teo- da entrevista; Mãe 12, de 29 anos, casada, ao seu
ria, a codificação teórica, os processos sociais bá- único filho de 3 anos de idade, foi diagnosticado
sicos, saturação e codificação substantiva (Gla- um Penet (tumor no omoplata), dois anos e seis
ser, 1978). meses antes da entrevista; Mãe 13, 29 anos, di-
vorciada, com dois filhos, um deles diagnostica-
Participantes do com uma leucemia aos 3 anos, sendo que o
diagnóstico foi feito seis meses e meio antes da
Os participantes deste estudo são dezasseis entrevista; Mãe 14, de 43 anos, casada com dois
mães e um pai (num total de dezassete entrevis- filhos, à filha de 13 anos de idade foi-lhe dia-
tas) de crianças com cancro, com idades compre- gnosticado um cancro, um mês antes da realiza-
endidas entre os 21 e os 49 anos. Treze destas ção da entrevista; Mãe 15, de 39 anos, separada,
entrevistadas pertencem a trabalhos realizados com três filhos, sendo que a um dos filhos foi-
anteriormente (Gonçalves & Pires, 2001; Silva, -lhe diagnosticado uma leucemia, catorze dias
Pires, Gonçalves, & Moura, 2001; Silva, 2002). antes da entrevista; Mãe 16, de 39 anos, casada,

521
com dois filhos, ao de 3 anos foi-lhe diagnosti- codificação aberta que consistiu em denominar
cado uma leucemia, onze dias antes da entrevis- algumas frases ou parágrafos das entrevistas que
ta; e a Mãe 17, de 21 anos, casada, com duas fi- constituíram um incidente, para posteriormente,
lhas, cuja uma delas, aos 14 meses de vida, foi fazer corresponder a cada um deles uma catego-
diagnosticada um com um tumor na nádega, uma ria conceptual. A comparação dos incidentes apli-
semana antes da realização da entrevista. cáveis a uma mesma categoria, permitiu-nos
Treze entrevistas foram realizados em diver- perceber e detectar as suas propriedades. Conse-
sos serviços do Instituto Português de Oncologia quentemente, isso conduziu-nos ao próximo pas-
(IPO) e quatro na Associação de Pais e Amigos so, a codificação teórica. Depois de tomarmos
de Crianças com Cancro (Acreditar). algumas notas sobre as categorias conceptuais e
suas propriedades, começaram a ficar claras al-
Procedimento gumas das relações existentes entre as diferentes
categorias. Procedemos, então, à escrita dos me-
Os dados foram recolhidos através de entre- morandos, que as definem e as relacionam. Atra-
vistas. A cada mãe entrevistada foi explicado o vés da comparação e das relações estabelecidas
objectivo do estudo, bem como, a importância da entre as diferentes categorias, foi possível assis-
sua colaboração, assegurando o anonimato e a tir à emergência do processo social básico ou ca-
confidencialidade das informações adquiridas. tegoria central. Esta emergência permitiu a pas-
As entrevistas foram gravadas, tendo sido pedi- sagem para a codificação selectiva que se apre-
do, previamente o consentimento para tal. sentou como a maior dificuldade deste trabalho,
O tipo de entrevista utilizado para a realização na medida em que nesta fase, toda a informação
desta investigação, foi semi-estruturada, com ques- (categorias e suas propriedades) que não se rela-
tões abertas, de modo a permitir uma recolha de cionou com a categoria central foi posta de lado,
dados qualitativos necessários à construção do sendo que este tipo de codificação exigiu uma
modelo. As questões abertas constituem uma selecção e integração das categorias e suas pro-
vantagem para este tipo de estudo, na medida em priedades directamente relacionadas com a cate-
que permitem uma maior relação de cooperação goria central. Depois da emergência do processo
entre entrevistadas e entrevistador, uma vez que social básico e de encontradas as categorias que
proporciona às mães falar mais aberta e esponta- se relacionam com o mesmo, procedeu-se à cons-
neamente, dando flexibilidade às suas respostas, trução de um esquema teórico construído a partir
permitindo a exploração aprofundada dos as- dos dados tendo em conta a categoria central e
pectos relevantes do tema específico e assim re- todas as categorias que a explicam.
colher o máximo de informação possível (Ghi-
glione & Benjamin, 1992, citado in Gonçalves &
Pires, 2000). Como forma de promover este es- RESULTADOS
paço de partilha, a atitude do entrevistador foi de
ouvinte activo e empático, sendo que todas as Da análise dos dados recolhidos através de
entrevistas tiveram como questão inicial: “Como entrevistas, construímos um modelo teórico que
tem sido a sua experiência como mãe/pai do/a explica o Comportamento Parental de Mães de
(nome da criança)?” Crianças com Cancro, que se encontra esquema-
tizado na Figura 1. Para a construção deste mo-
Análise dos Dados delo ou teoria, identificámos uma categoria –
Ocultar –, entre algumas outras, a qual foi con-
Depois de toda a informação recolhida, trans- siderada, a categoria central ou processo social
creveram-se as entrevistas procedendo mais tar- básico. Este comportamento é uma constante ao
de à sua análise. O processo de análise de dados longo de todo o processo de doença oncológica e
foi realizado de acordo com a Grounded Theory, explica uma boa parte do comportamento das mães
tendo sido por isso, codificados, categorizados, que têm um filho com cancro, sendo que é pos-
comparados entre si, estabelecendo-se relações sível observá-lo nas cinco fases desse mesmo
entre as diversas categorias que emergiram da sua processo, são elas: a fase de pré-diagnóstico, a
análise. O processo de análise iniciou-se com a de participação do diagnóstico, a do interna-

522
FIGURA 1
Ocultar ao longo da Evolução da Doença

OCULTAR - Só acontece aos outros


- Vários diagnósticos
Pré- - Esperança num outro dia-
- Confirmação do gnóstico
-Diagnóstico
Diagnóstico - Ocultação do diagnóstico

- Não partilham o diagnóstico


I N FA N T I L

Participação - Choque ao - Não proferir a palavra


do Diagnóstico - Normalização da vida quo-
Diagnóstico - Palavra Pesada tidiana
- Normalização das relações
- Manter a imagem
- Utilização de outros termos

- Sofrimento
Internamento - Gravidade da - Mentira
Doença - Presença constante
- Brincar com a situação
C A N C R O

- Necessidade de ser forte


- Não chorar
- Dor
- Efeitos Secundários
Tratamentos - Minimizar a dor
- Pressionar
- Ocultar Informação - Igualização do comportamento
- Não explicar

- Dias Contados - Necessidade de ser forte


- Medo da Morte - Não pensar
- Fim Anunciado - Mentira
Recaída
- Autopercepção da - Sofrer à vez
Morte - Normalização da vida quo-
tidiana

mento, a dos tratamentos e por último a fase da ocultarem e esconderem essa desconfiança para
recaída. elas, para a criança e para os demais. Mais tarde,
Quando os primeiros sintomas aparecem as nesta fase de pré-diagnóstico, depois de uma
mães correm para as urgências, para que o pro- longa investigação, através de exames médicos
blema dos seus filhos seja diagnosticado o mais é-lhes participado e confirmado o diagnóstico.
rapidamente possível. Muitas vezes, estas mães Contudo, até obterem esta confirmação, os mé-
já estão desconfiadas que os seus filhos possuem dicos põem em jogo outras possibilidades (vá-
uma doença grave; as manifestações que o corpo rios diagnósticos) que são considerados pelas
doente apresenta, em alguns casos, são tão evi- mães como menos graves e mais fáceis de acei-
dentes que elas próprias pensam na possibilidade tar, depositando esperança nelas (esperança num
da existência de cancro. Mas, mesmo assim elas outro diagnóstico), como forma de ocultarem o
afastam esse pensamento, refugiam-se na ideia diagnóstico definitivo. Desta forma, parece que
de que só acontece aos outros, na tentativa de também os técnicos, nomeadamente os médicos

523
se esforçam por utilizar estratégias que podem con- (Normalização das Relações), para que esta se
duzir a uma reprodução deste comportamento. Quan- aperceba o menos possível das implicações e con-
do o médico põe em hipótese de que o diagnós- dicionantes que a doença exige e provoca. Como
tico de cancro não é o único possível para a cri- outra estratégia de ocultar as mães tentam man-
ança as mães enchem-se de esperança e confian- ter a imagem da criança. Esta estratégia é dirigi-
ça no futuro, ao mesmo tempo que afastam cada da aos outros, pessoas exteriores à família. Esta
vez mais a hipótese dos seus filhos possuírem tentativa de manterem a imagem é muitas vezes
uma doença oncológica. Não obstante, este com- observada quando as mães tentam à força fazer
portamento dos técnicos permite às mães oculta- os outros acreditarem que os seus filhos doentes
rem, esconderem e negarem aquilo que mais tar- não se modificaram e transformaram em outras
de é confirmado. crianças depois de terem passado por todo este
Apesar disso, algumas mães referem ter sido processo doloroso. Como se o cancro não os ti-
bom a preparação que alguns médicos tiveram o vesse afectado nem física, nem psicologicamen-
cuidado de dar, antes da participação do dia- te. Esta estratégia de manter a imagem é utiliza-
gnóstico, afirmando que esse comportamento, da por estas mães, por um lado, para combater o
permitiu-lhes atenuar a reacção inevitável de choque receio do estigma e por outro para evitar situa-
que a verdade lhes causou. Depois da mãe rece- ções em que as pessoas, principalmente os avós,
ber a notícia pelo médico, chegou à altura de visto serem eles uma importante fonte de apoio,
contar ao marido e aos outros membros da famí- não consigam fornecer o suporte e a ajuda dese-
lia, ao mesmo tempo que tem de conversar com jados, desenvolvendo comportamentos de desa-
a criança e explicar-lhe o porquê do seu interna- juda. O facto das mães normalizarem a vida quo-
mento, muitas vezes, imediato. Nesta altura, as tidiana, de manterem a imagem e sobretudo de
mães reconhecem ter sido difícil dar a notícia aos não proferirem a palavra cancro, parece consti-
seus maridos, evitando até telefonar, para não par- tuir-se, por vezes, como estratégias inconscien-
tilharem o diagnóstico com os outros, como se tes, para elas próprias não se confrontarem com
só elas pudessem tomar conhecimento da palavra a realidade da doença dos seus filhos. Com a vi-
e da doença muitas vezes fatal. Mas como o ine- da normalizada e com a ausência da palavra será
vitável tem que acontecer elas convocam a famí- mais fácil para estas mães ocultarem a realidade
lia mais próxima, aquela de quem esperam um do cancro infantil.
verdadeiro apoio e conversam. Durante essa con- Assim, parece que nesta etapa, o comporta-
versa, ou reunião familiar, elas ocultam a pala- mento de ocultar é o de não proferir a palavra
vra, confessando-nos ser considerada pela socie- cancro. As mães não a pronunciam à criança, aos
dade em geral e por elas em particular, uma pa- outros e a elas próprias, evitando que os restan-
lavra pesada, carregada de uma enorme fatalida- tes membros da família também o façam, como
de, uma vez que aparece sempre ligada à morte, forma de esconderem a palavra pesada. Existem
funcionando quase como sinónimos. Deste mo- mães que usam outros termos como neuroblas-
do, as mães recusam-se a dizer aos seus filhos o toma, tumor, bicho e dói-dói, para explicarem às
nome da doença que eles possuem, obrigando suas crianças doentes o que elas têm, quando
muitas vezes os outros (familiares e amigos) a estas as questionam quanto ao que se passa. E a
fazê-lo também. Os familiares vêem-se obriga- este respeito, citando uma mãe que em conversa
dos a não prenunciarem a palavra cancro junto com a sua filha vítima de recaída dizia: “Olha R.
da criança e também junto da mãe (não proferir tu vais ter que voltar a fazer tratamentos, porque
a palavra). Como se recusam a explicar aos seus parece que tens outra vez ai o neuroblastoma a
filhos aquilo que se passa na realidade com eles, chatear-te” (sic). Este exemplo parece reflectir
estas mães normalizam a vida quotidiana, não bem este comportamento de ocultar que passa
alterando as rotinas a que a criança esteve sem- não só por ocultar a palavra pesada, mas tam-
pre sujeita, tentando não alterar as relações da bém, por ocultar, normalizando as alterações do
criança com os outros, mantendo as mesmas re- quotidiano que o cancro começa a impor.
gras, direitos e obrigações, pedindo aos outros que Na terceira fase, a do internamento as mães
não se comportem de forma diferente, que não reconhecem ser mais difícil ocultar. Já não se
mudem a sua postura diante da criança doente trata de se mobilizarem e de mobilizarem toda a

524
família para não mencionarem a palavra pesada, questionadas quanto ao desaparecimento de um
porque o impacte que o ambiente das enferma- menino, respondem mentindo, escondendo e ocul-
rias provoca na criança e em quem a acompanha tando a morte deste, dizendo que o tratamento
é tal que se torna difícil esconder ou ocultar, acabou e que por isso ele regressou a casa (men-
aquilo que nesta fase aparece materializado no tira). Outra estratégia que algumas mães utilizam
rosto de cada criança que lá se encontra. Por for- para ocultar a gravidade da doença e o sofrimen-
ça dos procedimentos médicos a que a criança to por que estão a passar a criança e a família,
doente é sujeita os sofrimentos físico e psicoló- diz respeito ao facto destas brincarem com a si-
gico começam a dominá-la, o que promove na tuação em que os seus filhos se encontram.
criança uma enorme desconfiança, ao mesmo Assim, durante a fase do internamento a criança
tempo que uma grande curiosidade em relação não se consegue aperceber que os outros meni-
ao que se passa. Elas começam a fazer pergun- nos em estado avançado são espelho daquilo que
tas, às quais é difícil as mães responderem, sen- a criança se poderá vir a transformar, porque só
do que um dos comportamentos adoptados por pensa em brincar, porque tudo para elas é um
estas mães é esconderem a realidade da doença convívio, um encontro, uma brincadeira, porque
dos seus filhos, dizendo, por exemplo, que bre- as enfermarias da pediatria estão cheias de dese-
vemente, estes regressarão a casa, mesmo sem nhos, de pinturas, de brinquedos, para que o am-
saberem se de facto isso vai acontecer (menti- biente não seja sentido pelas crianças como hos-
ra). As crianças saturadas de serem tocadas e til e pouco acolhedor. Mas, as brincadeiras não
magoados pelos técnicos perguntam-lhes se são apenas com os outros meninos, também as
amanhã serão novamente picadas. A este respei- mães e os técnicos recorrem a brincadeira, por
to, também os técnicos muitas vezes, ocultam a um lado, como forma de aliviar o sofrimento, e
realidade fugindo à pergunta ou simplesmente por outro para poderem arranjar um caminho de
dizendo que não (mentira). Em muitos casos, fuga às perguntas difíceis que as crianças lhes
mães e técnicos esforçam-se para responderem colocam. O ambiente nas enfermarias, por vezes,
de forma coerente, ainda que inconsistente à cri- é tão bom, a relação que as crianças doentes es-
ança. Nesta fase, as mães optam por sacrificar as tabelecem com cada técnico é de tal confiança
suas vidas profissionais e centrarem-se somente que aquando do regresso a casa elas sentem-se
na criança, sendo que a presença constante é tristes, querendo regressar ao hospital para reve-
um dos seus grandes objectivos. As mães estão rem aqueles que consideram amigos. Contudo,
sempre presentes, para que os seus filhos não se pensamos que esta tristeza é também promovida
sintam sozinhos e de alguma forma abandonados pelo isolamento que muitas destas crianças so-
por elas. O facto de estarem sempre com a crian- frem quando regressam a casa, por se encontra-
ça permite-lhes controlarem melhor a situação. rem fechadas sem poderem sair à rua. Elas não
Este controlo pode-se manifestar sobre vários as- sabem, porque lhes ocultaram sempre que a do-
pectos, deste modo, elas podem decidir quem es- ença que possuem é um cancro e por isso pro-
tá em condições de visitar os seus filhos. Quando vavelmente fatal. Esta forma de brincarem com a
um membro da família se apresenta na enferma- situação é possível junto da criança doente, exacta-
ria para a visita, desesperado ou revoltado, não mente pelo desconhecimento que tem sobre a sua
aceitando o sofrimento da criança, as mães pre- doença, mas, as mães reconhecem que esconder
ferem que este não a visite, porque sem ter con- isto dos adultos é complicado, uma vez que eles
seguido o controlo emocional desejado, atingin- conhecem a doença e atribuem-lhe um peso e
do, desta forma, o limite, será difícil ocultar à uma fatalidade que mais tarde é transmitida à
criança que ela se encontra numa situação de do- criança que se angustia e, é precisamente isso
ença grave. Desta forma, o comportamento de que as mães querem evitar.
ocultar, diz sobretudo respeito ao ocultar a gra- É nesta fase que a criança começa a sentir-se
vidade da doença. Quando as crianças são inter- mas frágil devido à progressão da doença e ao
nadas, encontram nas enfermarias meninos igual- início dos tratamentos. Perante a fragilidade e
mente doentes, muitos deles em situações termi- por vezes a agonização da criança as mães refe-
nais, acabando por morrer e desaparecer do in- rem sentirem necessidade de serem fortes, evi-
ternamento. As mães quando inocentemente tando serem o espelho onde o sofrimento dos seus

525
filhos se reflecte. Elas não podem chorar, des- que as alterações físicas se começam a eviden-
moronar, nem deprimir, têm que ser fortes, re- ciar e a transformar numa fonte de grande angús-
correrem a toda a sua força interior, que pensa- tia para criança e para sua família. Talvez por
vam não existir, para se manterem firmes e aguen- esta fase se caracterizar por um período de gran-
tarem a caminhada longa que terão de percorrer, des expectativas e incertezas quanto ao futuro da
serem fortes de modo a aguentarem a entrada criança doente, as mães muitas vezes ambivalen-
numa luta, muitas vezes desleal. Tudo isto, per- tes e inseguras, não conseguem responder de for-
mitir-lhes-á ocultar aos seus filhos a situação ma adequada às solicitações dos técnicos, no que
complicada em que se encontram, transmitindo- se refere ao facto de estes tentarem vencer a re-
lhes força, segurança e optimismo, sendo que sistência que algumas crianças cansadas de so-
cada criança encontrará no rosto da sua mãe ale- frer apresentam, não conseguindo igualmente es-
gria, confiança e segurança, que lhes proporcio- conder e ocultar aquilo que mais atormenta os
nará um alívio do sofrimento. seus filhos doentes, a dor. É nesta fase que o
É claro que tudo aquilo que aqui foi descrito é corpo doente é sacrificado por agulhas e catéte-
diferente consoante a idade da criança. Quando res que provocam uma reacção na criança de re-
esta já não é mais uma criança, mas uma adoles- cusa aos procedimentos médicos e por vezes aos
cente, torna-se mais difícil para a mãe ocultar próprios técnicos, sendo comum as crianças fa-
qualquer aspecto relacionado com a doença, isto zerem birras, baterem e espernearem como for-
porque a consciência que um adolescente tem de ma de manifestarem a sua revolta e o seu cansa-
si e do seu bem estar físico é diferente do de uma ço. Os técnicos que querem realizar o seu traba-
criança. O adolescente questiona-se, interroga- lho, exigem às mães que acalmem e segurem a
-se, tenta arranjar justificativas para situação em criança de modo a poderem efectuar o seu tra-
que se encontra, facto que se traduz mais tarde balho. É em episódios como estes que as mães se
numa enorme revolta difícil de controlar, conter vêem obrigadas a ocultar a dor aos seus filhos.
e gerir. Mas mesmo que as diferenças entre cri- Elas conversam com as crianças, tentando mini-
anças e adolescentes sejam tão significativas, as mizar a dor, dizendo que não dói, quando estão
mães optam sempre, com mais ou menos dificul- conscientes de que vai doer, proporcionando-lhes
dade, por ocultar a gravidade da doença aos seus um ambiente tranquilizador, protector e securi-
filhos durante esta fase. zante. Mas não é apenas a dor que nesta fase se
Os tratamentos, que constituem a quarta fase constitui como principal objectivo do comporta-
do desenvolvimento da doença oncológica, são mento parental de ocultação, também os efeitos
realizados em ambulatório, sendo que, desta for- secundários são aspectos importantes a escon-
ma, a criança muda novamente de cenário. Nesta der nesta fase. Assim, as mães referem que a ten-
fase, as crianças vêem-se confrontadas com o facto tativa de esconderem ou ocultarem as manifes-
de voltarem ao hospital frequentemente, o que é tações físicas desagradáveis provocadas pelos
um sinal evidente de que não estão curadas. Assim, efeitos secundários é muitas vezes falhada pela
as mães tentam ocultar que o tempo de interna- dor que os tratamentos e os exames médicos pro-
mento não foi suficiente para os seus filhos se vocam, sendo difícil para elas fazerem-no, uma
restabelecerem. Mais uma vez, as crianças ficam vez que conscientes da realidade, reconhecem
confusas, por um lado, as mães asseguram-lhes que a dor e o mal estar físico do seu filho doente
que estão melhores e que o pior já passou, por se constituem como uma força potencializada,
outro elas são obrigadas a continuarem a fre- difícil de vencer. Contudo, e mesmo sendo com-
quentar o hospital e a deixarem-se tocar e picar plicado ocultar e esconder toda esta situação, as
pelos técnicos. Apesar das mães terem um trunfo mães recorrem a algumas estratégias. Uma delas
para este comportamento de ocultação, que é o foi relatada por uma das mães que dizia que quan-
facto do seu filho voltar para casa ao fim de cada do a filha iniciou os tratamentos, todos lá em ca-
sessão de tratamentos, elas sentem-se muitas sa (mãe, pai, irmã e a criança) cortaram o cabelo
vezes impotentes na realização deste comporta- muito curto, dizendo que era uma moda de famí-
mento, uma vez que os tratamentos são procedi- lia, para que a criança não se olhasse no espelho
mentos médicos dolorosos e intensos que des- e se sentisse diferente e principalmente, doente.
troem as defesas orgânicas dos seus filhos, sendo Assim, algumas mães recorrem a esta estratégia

526
de igualização do comportamento para ocultar a za de que a morte está próxima. Assim, na fase
manifestação mais características das pessoas com da recaída as mães preocupam-se em ocultar a
cancro, a queda do cabelo. morte e a aproximação de um fim. Contudo, esta
Um outro aspecto que surge nesta fase, mes- é uma tarefa difícil de desempenhar, porque o
mo dependendo, obviamente da idade da criança corpo da criança doente já está dominado pelo
e da sua curiosidade, é a criança pressionar a cancro, no momento em que a fase terminal se
mãe para que esta lhe diga exactamente o que começa a aproximar, sendo difícil para as mães,
são os tratamentos, a criança quer saber ao que por um lado acreditarem na cura, e por outro,
está sujeita sempre que vem ao hospital. As ocultarem para elas próprias a gravidade da si-
mães evitam ceder a esta pressão, não explican- tuação em que se encontram os seus filhos, no
do no que é que consiste cada sessão de trata- entanto, elas preferem não pensar, como forma
mentos, ocultando assim mais um aspecto da de não se confrontarem e, consequentemente de
doença. As mães dizem ser importante oculta- ocultarem o medo da morte. As mães referem
rem informação, para que os tratamentos proce- que é um momento de preparação de todos para
dam da melhor forma, porque temem que a ex- a morte da criança, o que torna este comporta-
plicação impressione o seu filho doente, agindo mento ainda mais difícil de realizar. As mães
este, mais tarde, por oposição, recusando-se a afirmam que quando as suas crianças se encon-
realizar os tratamentos, contribuindo assim, para tram numa situação de recaída, o mais difícil de
o aumento da resistência, muitas vezes, já exis- esconder é a autopercepção da morte que a cri-
tente. Não obstante, e como foi referido anterior- ança vai adquirindo, ao mesmo tempo que o seu
mente, estas mães não desistem e recorrem, mes- corpo começa a dar sinais de que vai deixar de
mo que por vezes lhe seja quase impossível, a funcionar. As crianças fazem perguntas, e quan-
este comportamento, como forma da criança do-
do já se encontram numa fase terminal, pergun-
ente não tomar conhecimento da situação grave
tam directamente se vão morrer. As mães pen-
em que se encontra.
sam em explicar à criança o que vai acontecer,
A última fase, a da recaída é caracterizada,
mas reconhecem que é difícil explicar a uma cri-
sobretudo por uma grande decepção. As mães
ança tão pequena a sua própria morte. Então, re-
sentem que todo o sofrimento e sacrifícios ante-
correm à ocultação para esconderem o fim anun-
riormente realizados, não serviram de nada e
ciado, respondem à criança mentindo, dizendo
vêem-se, mais uma vez, a braços com uma si-
tuação difícil de gerir, de aceitar e de ocultar, que esta não vai morrer, ao mesmo tempo que
sentindo, mais do que nunca, a necessidade de lhes injectam mais uma dose de morfina, uma
serem fortes. Essa situação que possui a qualida- vez que mais nada há a fazer, se não diminuir o
de de ser ainda mais grave, uma vez que com a mais possível a dor física e a agonização, na me-
obtenção de conhecimento, tomam consciência dida em que o hospital se recusa a ficar com do-
que a doença dos seus filhos é, agora, algo in- entes terminais e os técnicos se defendem recei-
controlável e possivelmente fatal, uma vez que tando apenas grandes doses de morfina. Os pais
pior que o diagnóstico de cancro é o aparecimen- nesta fase, sofrem à vez, isto é, o casal não pode
to de uma recaída, isto porque, muitas vezes os ir a baixo na mesma altura. Quando um dos côn-
químicos utilizados no primeiro diagnóstico já juges chora, desespera, o outro tem de estar aten-
não surtem qualquer efeito, sendo difícil arranjar to e assumir o papel de lutador e de “normali-
outros para a nova situação. As mães de crianças zador”, sendo que a normalização da vida quo-
em recaída sentem que os seus filhos têm os dias tidiana surge novamente como estratégia para a
contados. Deste modo, tentam preparar-se para ocultação, a rotina familiar mantêm-se e as mães
o pior, na medida em que o medo da morte se tentam não ser tão condescendentes, para que a
apresenta na sua força máxima. Mas mesmo com criança não perceba que está gravemente doente.
um fim anunciado as mães tentam ocultar as- Não obstante, isto não é fácil, uma vez que ten-
pectos relacionados com a doença. Nesta fase, tam esconder aquilo que é praticamente uma cer-
como na anterior, a dor é a principal preocupa- teza para os pais, tendo estes medo que se cons-
ção, mas elas já não têm como escondê-la. A titua também, uma certeza para a própria criança
única coisa que ainda podem esconder é a certe- doente.

527
CONCLUSÃO psíquica ao perceber a angústia dos seus pais, o
que faz com que ela perca os seus referenciais
Existem muitos estudos sobre o comporta- primários, na medida em que vê os seus pais com-
mento parental e alguns deles sobre a doença on- pletamente diminuídos e impotentes, incapazes
cológica. Contudo, parecem ainda insuficientes de assumir o seu papel de protectores, não po-
para revelarem a realidade por que passam os dendo evitar o seu sofrimento (Harbeck-Weber
pais de crianças com cancro. Sendo que o com- & Conaway, 1994). Como forma de evitar este
portamento parental vai, em larga escala, influ- sofrimento psíquico, os pais sentem necessidade
enciar a adaptação da criança doente à nova si- de serem fortes, para não se tornarem no espelho
tuação, torna-se imperativo estudá-lo para me- reflector de todo o sofrimento do seu filho doen-
lhor perceber a gestão das dificuldades com que te. Para isso, e desde o início, os pais pensam ser
a família se depara na situação disruptiva da do- fundamental ocultar aspectos da doença, especí-
ença crónica e prolongada. Assim, este estudo ficos a cada fase, por que passa o seu filho, na
teve como objectivo conhecer a vivência destes medida em que o sofrimento da família é causa-
pais, tendo por base os seus testemunhos con- do pela gravidade da doença, bem como pela an-
tados na primeira pessoa, em que a sua análise siedade em relação à prestação de cuidados e à
foi efectuada de acordo com o Método da Groun- capacidade de lidar com as emoções. Desde os
ded Theory, construindo-se um modelo explica- primeiros sintomas, passando pela confirmação
tivo do seu comportamento. Embora este modelo do diagnóstico, não esquecendo os tratamentos e
tenha sido elaborado de forma a explicar o com- internamentos longos e muitas vezes agressivos,
portamento parental nesta situação de risco e, os pais experimentam diferentes estados emocio-
mesmo que alguns pais que hoje vivem esta ex- nais que vão influenciar o seu ajustamento à do-
periência se possam rever nele, este acaba por ença (Rait & Lederberg, 1996) e, consequente-
ser sensível aos sujeitos entrevistados, bem co- mente, influir na realização do comportamento de
mo ao próprio investigador. ocultar. É por este facto que os pais referem que,
Sabe-se que a existência de doença crónica na por vezes, têm que sofrer à vez, não podendo de-
criança afecta grandemente os pais, constituindo- monstrar o seu estado emocional depressivo, re-
se uma fonte de stress, provocando um grande voltado ou angustiado.
impacto nos mesmos, que se vêem a braços com Com afirma Pires (2001) são vários os facto-
uma situação nova e de risco, muitas vezes de res de que depende a acção parental e o seu ajus-
vida, para o seu filho (Santos, 1998). Podendo tamento. Assim, este comportamento de ocultar
considerar-se cinco fases no desenvolvimento e vai ser diferente, consoante a fase da doença em
evolução da doença oncológica, uma primeira que a criança se encontra, bem como a idade da
etapa que diz respeito a um período de pré-dia- própria criança, o funcionamento de cada família
gnóstico, passando pela participação do mesmo, e as estratégias de coping. Não obstante, a idade
pelos internamentos e tratamentos, até à última da criança é um factor importante nesta acção,
fase, a da recaída, observa-se em todas elas o im- na medida em que em certas idades é mais difícil
pacto significativo que o cancro provoca na cri- ocultar certos aspectos, uma vez que a criança
ança e na sua família, ao mesmo tempo que se tem um desenvolvimento intelectual e social di-
identificam, através dos relatos, algumas das es- ferente daquele que têm as crianças mais peque-
tratégias que os pais utilizam, para atenuarem esse nas, que são, por norma, mais fáceis de iludir ou
impacto negativo. Deste modo, as mães/pais mos- enganar. Um outro factor mencionado anterior-
tram uma preocupação central, a de ocultar dife- mente, diz respeito ao funcionamento familiar
rentes aspectos da doença, inerentes a cada fase, específico. Verificou-se através dos dados, dife-
atingindo, por isso, diferentes formas, não só a rentes funcionamentos familiares, que mais tarde
eles próprios, mas também aos seus filhos doen- se traduziram na utilização de estratégias dife-
tes e às pessoas que fazem parte das suas esferas rentes para a concretização do comportamento
familiar e social. Esta preocupação é, sobretudo, ocultar, o que está relacionado também com o
direccionada para a criança, uma vez que para último factor, as estratégias de coping.
ela não pesa apenas a dor física que sente pela si- Os pais de crianças com cancro pensam ser
tuação de risco que atravessa, mas também a dor imperativo manter os seus filhos doentes, naqui-

528
lo a que Glaser e Strauss (1965), chamaram de seguirem ocultar e esconder todos estes aspectos.
contexto fechado, que se define pelo conheci- Os pais referem não ser fácil, sobretudo porque
mento que somente a família e os técnicos têm algumas crianças começam a pressioná-los para
sobre a realidade da situação de risco em que a conseguir saber algo sobre os procedimentos
criança se encontra, sendo que ela própria possui médicos a que são sujeitas. Mas, também contra
um desconhecimento total sobre a sua doença. isso os pais preferem não explicar, como forma,
Assim, observa-se que numa primeira fase, a do por um lado de não prejudicarem a boa adapta-
pré-diagnóstico, estes pais esforçam-se por ocul- ção já conseguida, e por outro de não aumenta-
tarem uma confirmação da existência de cancro, rem a resistência que em certos casos se instala,
utilizando para isso estratégias, algumas delas prejudicando o processo de doença. Para que es-
inconscientes, como acreditar que só acontece ta acção se realize com sucesso, os pais referem
aos outros, como forma de esconderem e afasta- a necessidade de serem fortes. Esta necessidade
rem delas, do filho doente e dos outros a possi- é potencializada na fase da recaída, onde o medo
bilidade de doença grave. Contudo, também os da morte se transforma no sentimento predomi-
técnicos, nomeadamente os médicos, utilizam nante, uma vez que percebem que o seu filho
estratégias, como fazer vários diagnósticos, que tem os dias contados e por isso um fim anuncia-
conduzem a uma reprodução deste comporta- do, de que ele próprio se começa a aperceber. É
mento. Com a confirmação de cancro, os pais nesta fase, que muitas vezes existe uma mudança
sentem que o mundo desabou sobre eles, sendo- de contexto. Torna-se difícil continuar a realizar
lhes difícil partilharem-no com alguém, mesmo as mesmas estratégias para ocultar, uma vez que
que muito próximo, preferindo, na maioria das a criança começa a ter uma autopercepção da
vezes não o fazer, por receio do estigma que o morte, o que implica que esta se comece a inter-
cancro sempre acarretou, ao longo da evolução rogar e a interrogar os outros, quanto ao seu es-
dos tempos. Mesmo que acabem por partilhar o tado clínico, passando muitas vezes do contexto
diagnóstico, os pais esforçam-se para que a regra fechado para o contexto de suspeição (Glaser &
entre os membros da família seja não proferir a Strauss, 1965). Mas, mesmo assim, sendo difícil
palavra, considerada pesada, mantendo a ima- ocultar qualquer aspecto dos referidos anterior-
gem que a criança tinha antes de ficar doente, ao mente, os pais não desistem de fazê-lo, mesmo
mesmo tempo que tentam normalizar a vida quo- que isso implique, não pensar, mentir, sofrer à
tidiana e as relações, sem alterar rotinas direitos vez, ao mesmo tempo que um esforço quase in-
e obrigações. Parece, então, claro que a preocu- frutífero em normalizar a vida quotidiana.
pação destes pais é não deixarem que as crianças Este comportamento de ocultar, foi na presen-
passem do contexto fechado para o de suspeição. te investigação o comportamento que melhor pa-
Neste último, a criança começaria a aperceber-se rece explicar o comportamento parental na situa-
e a desconfiar da sua situação clínica (Glaser & ção de risco do cancro infantil, mas é apenas uma,
Strauss, 1965). entre outras das preocupações para estas mães/
Nas fases que se seguem (internamentos e tra- /pais. Sendo que como afirmam Hoekstra-Wee-
tamentos) ocultar torna-se mais difícil, porque as ber, Jaspers; Klip e Kamps (2000) que construí-
manifestações físicas são cada vez mais eviden- ram um modelo onde se debruçam sobre o ajus-
tes, tornando difícil escondê-las ou ocultá-las da tamento parental ao diagnóstico de doença onco-
criança, dos outros e deles próprios. No entanto, lógica, existem inúmeras variáveis relacionadas
eles não desistem de recorrer à ocultação para a com a doença, que se associam. A adaptação da
minimização do sofrimento da criança, que na doença ou ajustamento parental, como já foi re-
opinião deles, passa por esta ter o menos conhe- ferido nesta investigação, está relacionada com a
cimento possível sobre a sua própria doença. necessidade de ocultar aspectos sobre a doença,
Eles tentam ocultar informação, a gravidade da que nas mães em questão se constitui como um
doença, o sofrimento, a dor e os efeitos secun- comportamento, por vezes, difícil de executar.
dários, brincando com a situação, estando sem- No entanto, quando realizado com sucesso pode-
pre presentes junto da criança, minimizando a rá tornar-se num importante impulsionador para
dor, não chorando e igualando o comportamento, uma melhor adaptação da criança e dos seus pais
sendo frequente recorrerem à mentira para con- à doença. Não obstante, outros comportamentos

529
poderiam ter sido abordados e investigados com tamos, a possibilidade de entrevistar mães que
os pais destas crianças em risco. tenham optado por não ocultar, a fim de esclare-
Esta investigação teve também como objecti- cer aspectos que neste modelo, parecem pouco
vo, por um lado levantar novas ideias e questões claros. Seria, também interessante perceber quais
para estudos futuros, e por outro deixar algumas as estratégias de ocultar que estas mães utilizam
sugestões para uma intervenção cada vez mais e que permanecem constantes na interacção entre
especializada com estes pais. Assim, sugere-se a criança, pais e técnicos.
que numa fase pré-diagnóstica, os pais sejam acom-
panhados e apoiados por técnicos especializados,
como os Psicólogos, com o objectivo de os pre-
REFERÊNCIAS
parar para o diagnóstico de doença oncológica,
que implica inúmeras e importantes alterações na Baider, L., Cooper, C. L., & De-Nour (2000). Cancer
vida da criança e da família, que durante algum and the Family. Chichester: John Wiley & Sons.
tempo vão ter como cenário principal, um hos- Glaser, B. (1978). Theoretical Sensitivity. San Francis-
pital oncológico, onde encontram crianças na mes- co: Sociology Press.
ma situação que o seu filho doente. Este acom- Glaser, B. G., & Strauss, A. L. (1965). Awareness of
panhamento deverá ser o quanto possível, fre- Dying. New York: Aldine Publishing Company.
quente e efectivo de modo a que a ajuda técnica Gonçalves, M., & Pires, A. (2001). Estudo do Compor-
produza efeitos mais duradouros, num processo tamento Parental Face ao Cancro. In A. Pires (Ed.),
de doença prolongada, que exige tomadas de de- Crianças (e Pais) em Risco (pp. 155-175). Lisboa:
cisão importantes, bem como um planeamento ISPA.
Harbeck-Weber, C., & Conaway, L. P. (1994). Child-
de acção específico.
hood Cancers: Psychological Issues. In R. A. Ol-
No que diz respeito à sugestão de questões a son, L. Mullins, J. B. Guillman, & J. M. Chaney
investigar em futuros estudos, observa-se ao lon- (Eds.), The Sourcebook of Paediatric Psychology
go dos vários trabalhos realizados no mesmo tema, (pp. 98-110). Boston: Allyn and Bacon.
ideias e assuntos pertinentes, para a continuação Hoekstra-Weebers, J., Jaspers, J., Klip, E. C., & Kamps,
e evolução do modelo encontrado. Deste modo, W. A. (2000). Factors Contributing to the Psycho-
e visto que as informações até agora recolhidas, logical Adjustment of Paediatric Cancer Patientes.
não são suficientemente esclarecedoras no que diz In L. Baider, C. L. Cooper, & A. K. De-Nour (Eds.),
respeito a crianças que se encontrem numa fase Cancer and the Family (pp. 257-271). England: John
de recaída, na medida em que até agora se entre- Wiley & Sons.
vistou mães cujas crianças tinham falecido com Ogden, J. (1999). Psicologia da Saúde. Lisboa: Climepsi.
Pires, A. (1990). Determinantes do Comportamento Pa-
a doença e mães que tinham conhecido o diagnós-
rental. Análise Psicológica, 8 (4), 445-452.
tico há poucos meses e estavam no início dos
Pires, A. (2001). Introdução à Grounded Theory. In A.
tratamentos, parece relevante entrevistar mães Pires (Ed.), Crianças (e Pais) em Risco (pp. 39-63).
que estejam a vivenciar a recaída do seu filho Lisboa: ISPA.
doente. Para além disso, uma outra questão se Pires, A. (2001). Parentalidade em Risco. In A. Pires (Ed.),
levanta, a informação até agora recolhida não é Crianças (e Pais) em Risco (pp. 15-37). Lisboa: ISPA.
suficiente, no que diz respeito à situação de re- Rait, D., & Lederberg (1989). The Family of the Cancer
caída, não sendo, por isso, possível edificar uma Patient. In J. Holland (Ed.), Handbook of Psycho-
fronteira, bem delimitada, entre esta fase e uma oncology (pp. 585-597). New York: Oxford Uni-
outra, mais avançada que poderá corresponder a versity Press.
uma fase terminal ou de morte. Esta sugestão Santos, S. V. (1998). A Família da Criança com Doença
prende-se com uma possível ampliação do mo- Crónica: Abordagem de algumas características. Aná-
lise Psicológica, 8 (1), 65-76.
delo vigente, que consistirá na inclusão desta úl-
Silva, L. (Ed.) (2002). Crianças em Risco: Comporta-
tima fase. Para melhor desenvolver o modelo da mento Parental Face ao Cancro (Monografia de
presente investigação que tem como processo Licenciatura em Psicologia Clínica). Lisboa: Insti-
social básico ocultar, propomos ainda a possibi- tuto Superior de Psicologia Aplicada.
lidade de se estudar este comportamento, não só Silva, S., Pires, A., Gonçalves, M., & Moura, M. J.
nas mães, mas também nos técnicos, visto que (2001). Cancro Infantil e Comportamento Parental.
estes também o realizam. Por último, acrescen- Psicologia, Saúde & Doenças, 3 (1), 43-60.

530
RESUMO ABSTRACT

Na presente investigação estudou-se o comporta- Parent behaviour was studied in child cancer situa-
mento parental na situação de cancro infantil. Foram tion. Seventeen semi-structured interviews were ana-
analisadas dezassete entrevistas semi-estruturadas, de lysed based on the Grounded Theory method. Thirteen
acordo com o método Grounded Theory. Treze das en-
interviews belong to previous studies (Gonçalves &
trevistas pertencem a estudos anteriores (Gonçalves &
Pires, 2001; Silva, Pires, Gonçalves, & Moura, 2001; Pires, 2001; Silva, Pires, Gonçalves, & Moura, 2001;
Silva, 2002). Desde o aparecimento dos primeiros sin- Silva, 2002). Since the appearance of the first symp-
tomas até à fase da recaída, passando pela participação toms until the relapse stage, the diagnostic participa-
do diagnóstico, internamento e tratamentos, a principal tion, the hospitalization and the treatments, the main
preocupação que estes pais experimentam é a de ocul- concern that these parents experiment is to hide as-
tar aspectos relacionados com a doença, nomeadamen- pects related with the illness, namely, the confirmation
te, a confirmação do diagnóstico, o choque do mesmo, of the diagnostic, his impact, the heavy word, the suf-
a palavra pesada, o sofrimento, a gravidade da doença,
a dor, os efeitos secundários e a possibilidade de morte. fer, the illness gravity, the pain, the secondary effects
Para isso os pais desenvolvem estratégias, tais como: and death possibility. For that, parents develop stra-
não proferir a palavra, mentir, brincarem com a situa- tegies, as: not speaking the word, lie, place with the si-
ção, não chorar, igualização do comportamento, não tuation, not crying, equalize the behaviour, not thin-
pensar, sofrer à vez, entre outras; que lhes permitem king, suffer by place, among others, that allow them to
realizar ocultar ao mesmo tempo que procuram ada- achieve the behaviour and at the same time try to adapt
ptar-se e adaptar os seus filhos doentes de forma mais themselves and their ill children in the best possible
adequada possível. Deste modo, consideram que o facto
way. So they consider that something that provides a bet-
da criança não tomar conhecimento sobre os aspectos
da sua doença é um importante factor para uma adapta- ter adaption is the child unknowingness about the as-
ção bem conseguida. pects of her illness.
Palavras-chave: Cancro infantil, comportamento pa- Key words: Child cancer, parental behaviour, Groun-
rental, Grounded Theory, ocultar. ded Theory, hide.

531
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 533-550

Abordagem psicológica da obesidade


mórbida: Caracterização e apresentação
do protocolo de avaliação psicológica

LUZIA TRAVADO (*)


RUTE PIRES (*)
VILMA MARTINS (*)
CIDÁLIA VENTURA (*)
SÓNIA CUNHA (*)

INTRODUÇÃO dieta e/ou no uso de fármacos. Apesar destes re-


gimes terapêuticos proporcionarem uma redução
A obesidade é considerada pela Organização de peso numa fase inicial, estes não são habitual-
Mundial de Saúde um problema de saúde pública mente satisfatórios, pois que, após a sua finaliza-
que tende a aumentar nos países industrializados, ção a grande maioria dos pacientes obesos recu-
sendo que a obesidade mórbida (OM) é uma ver- pera em pouco tempo o peso perdido (Franques,
são patológica desta. Classifica-se por um Índice 2003), chegando a níveis ainda mais altos que os
de Massa Corporal igual ou superior a 40 Kg/m2 anteriores (Garner & Wooley, 1991). A dificul-
(IMC=peso/altura2 ≥ 40 Kg/m2) e é considerada dade em manter o peso perdido a longo prazo e a
uma doença crónica multi-factorial com conse- frustração face a estes regimens de tratamento
são partilhados por quase todos os obesos que des-
quências nefastas para a saúde e qualidade de vi-
te modo continuam a ganhar peso. Este tipo de
da dos indivíduos.
insucesso no tratamento desta patologia deve-se
De um modo geral, o obeso mórbido tem um em grande parte ao seu carácter unimodal, em
longo historial de tentativas de redução de peso, que se privilegia uma intervenção biológica, bio-
algumas das quais sob a orientação de técnicos química e prescritiva, característica do modelo
de saúde, consistindo na sua maior parte numa biomédico, em detrimento dos aspectos psicos-
sociais do indivíduo no seu processo de doença e
de tratamento (Reis, 1998). As variáveis psicoló-
gicas, nomeadamente as de personalidade, pare-
cem ter um importante papel nesta patologia (Gra-
na, Coolidge, & Merwin, 1989), pelo que, uma
(*) Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central), Hos- abordagem terapêutica que contemple as dimen-
pital de S. José, Equipa de Psicoterapia. sões biopsicossociais do indivíduo através de

533
uma equipa multidisciplinar deve ser privilegia- É sabido que as significações de doença e de
da de modo a assegurar o êxito do tratamento tratamento influenciam os processos de adesão
desta patologia e a sua manutenção a longo pra- dos indivíduos ao tratamento (Turk & Meichen-
zo, contribuindo para a melhoria de saúde, quali- baum, 1991), ou seja, o modo como eles conce-
dade de vida, bem-estar e satisfação dos indiví- bem a sua doença (i.e., identidade, etiologia, evo-
duos que dela sofrem. Este tipo de abordagem é lução, consequências e controlabilidade; Leven-
recomendada pelas sociedades científicas inter- thal, Nerenz & Steele, 1984), tratamento, seus efei-
nacionais (e.g., International Federation for the tos e grau de mudança comportamental exigido,
Surgery of Obesity, IFSO) no tratamento desta relação com os profissionais de saúde, com o sis-
patologia associada à proposta de realização de tema de saúde e com os recursos sociais (Reis,
uma cirurgia e praticada em vários centros (e.g., 1999).
Centro de Obesidade do Centro Hospitalar Uni- Deste modo, devem ser tidas em consideração
versitário de Liège Ourthe-Amblève; Ambulató- algumas variáveis psicológicas e sociais do indi-
rio de Obesidade do Hospital das Clínicas da Fa- víduo com OM que fazem parte do seu processo
culdade de Medicina da Universidade de São Pau- de doença e que dão lugar à abordagem psicoló-
lo, AMBESO). gica enquanto parte integrante do processo de tra-
Recentemente a cirurgia bariátrica1 ganhou tamento destes doentes (Kinzl, Traweger, & Biebl,
relevo como uma importante opção terapêutica 2003; Valley & Grace, 1987). Vários autores re-
para esta doença, e é considerada a forma mais ferem a importância da avaliação psicológica e
eficaz de a controlar a longo prazo (Delin & An- da adequação cognitiva e comportamental do pa-
derson, 1999). Este facto leva a que muitos do- ciente ao tratamento como factores de prognós-
entes a encarem como “tábua de salvação”, de- tico deste (DiGregorio & Moorehead, 1994; Glinski,
positando no cirurgião e na cirurgia todas as es- Wetzler, & Goodman, 2001; Sannen, Himpens,
peranças e expectativas. No entanto, esta crença & Leman, 2001).
excessiva e irrealista no “milagre cirúrgico” (Rab- Com efeito, a existência de alterações psico-
ner & Greenstein, 1991) (i.e., parte biológica do patológicas e/ou de personalidade com signifi-
tratamento) poderá colocar em risco o êxito do cado clínico têm sido descritas como podendo com-
tratamento, pela consequente desresponsabiliza- prometer o tratamento, nomeadamente através da
ção que ela poderá implicar por parte do doente não-adesão. Os estudos sobre as características
neste processo. A isto acresce a tendência dos psicológicas desta população referem como alte-
pacientes obesos em desejarem ser participantes rações mais frequentes, a nível psicopatológico e
passivos no seu tratamento (Randolph, 1986). de personalidade, a perturbação borderline (Black,
Contudo, a cirurgia bariátrica requer uma forte Goldstein, & Mason, 1992) e a nível emocional,
adesão do paciente aos seus requisitos pós-cirúr- as de tipo depressivo, sendo as de tipo ansioso as
gicos (i.e., modificações alimentares, comporta- segundas mais prevalentes (Black, Goldstein, &
mentais e de estilo de vida) para garantir a eficá- Mason, 1992; Glinski, Wetzler, & Goodman, 2001).
cia do tratamento. Como referem Valley e Grace O psicoticismo é praticamente inexistente (Glinski,
(1987) um obeso que consiga uma perda de peso Wetzler, & Goodman, 2001). A compulsão para
significativa, mas que continue a comer compul- comer (binge-eating) é uma das alterações com-
sivamente precipitando complicações médicas, portamentais mais perturbadoras e pervasivas,
não pode ser considerado sucesso terapêutico, ou sendo o ritual alimentar acompanhado, na maio-
ria destes doentes, por reacções emocionais de
seja, é um processo incompleto em que as variá-
irritabilidade, desinibição e raiva (Lang e col., 2000).
veis comportamentais foram negligenciadas.
Vários autores referem outras complicações psi-
cológicas associadas à obesidade. Por exemplo,
Stunkard e Wadden (1992), referem a distorção
da imagem corporal, baixa auto-estima, discrimi-
1
Designa os diversos tipos de técnicas cirúrgicas
nação/hostilidade social, sentimentos de rejeição
utilizadas no tratamento da obesidade mórbida, sendo e exclusão social, problemas funcionais e físicos,
a gastroplastia com banda insuflável por via laparos- história de abuso sexual, perdas parentais preco-
cópica, uma das mais recentes. ces, história familiar de abuso de álcool, ideação

534
suicida, problemas familiares/conjugais, senti- ao nível do estilo de vida (Freys e col., 2000). Co-
mentos de vergonha e auto-culpabilização, agres- mo critérios de suspensão do agendamento de ci-
sividade/revolta, insatisfação com a vida, isola- rurgia têm sido referidas as seguintes condições
mento social, absentismo, psicossomatismo, en- clínicas: perturbação alimentar de tipo compulsi-
tre outros. A baixa qualidade de vida, a que acres- vo (binge-eating disorder), bulimia, abusos físi-
ce a co-morbilidade mais frequente desta popula- cos e/ou sexuais, abuso/dependência de substân-
ção (i.e., diabetes, hipertensão, apneia nocturna, cias, estados maníacos, psicoses e ideação e in-
problemas osteo-articulares, etc.) tem sido refe- tenção suicida até à sua remissão total, e as per-
rida em diversos estudos (Sullivan, Sullivan & Kral, turbações ansiosas e depressivas, problemas con-
1987; Larsen, 1990; Kral, Sjöström, & Sullivan, jugais/familiares, perturbações de personalidade
1992; Favretti, O’Brien, & Dixon, 2002), bem e perturbação de stresse pós-traumático até à sua
como, a sua melhoria significativa, independen- remissão parcial (Ayad, 2004). Constata-se que,
temente da quantidade de peso perdido após a ci- de um modo geral, os autores diferem na “rigi-
rurgia (Dixon & O’Brien, 2002; Diniz, Sander, dez” dos critérios que definem, sendo que alguns
& Almeida, 2003). contemplam parâmetros que constituem contra-
Embora exista alguma controvérsia relativa- indicação absoluta para a cirurgia, enquanto ou-
mente ao grau de perturbação psicológica desta tros definem níveis de contra-indicação e indi-
população, nomeadamente quanto à existência cam linhas orientadoras para o adequado trata-
de uma maior prevalência de doença psiquiátrica mento de determinadas perturbações psicológi-
comparativamente à população geral, esta pers- cas prévias à realização de cirurgia (e.g., Char-
pectiva não é corroborada por muitos dos estu- les, 1987). No entanto, apesar destas divergên-
dos neste domínio (Stunkard, Stinnett, & Smoller, cias, há fortes evidências de que haja uma me-
1986; Grana, Coolidge, & Merwin, 1989). No en- lhoria da psicopatologia prévia no período pós-
tanto, os autores são consensuais no que diz res- -cirúrgico, independentemente da técnica usada
peito à importância do seu despiste prévio à ci- e, possivelmente da doença psiquiátrica de base
rurgia (Valley & Grace, 1987; Charles, 1987). A (van Gemert, Severeijns, Greve, Groenman, & Soe-
existência de alterações do foro psicológico, ters, 1998; Dixon & O’Brien, 2002; Maddi, Fox,
contudo, não é por si só impeditivo da realização Khoshaba, Harvey, Lu, & Persico, 2001).
do tratamento, mas estas deverão ser tidas em con- Salientam-se os indicadores de qualidade de
sideração nas opções a tomar face ao mesmo (Glinski, vida e de psicopatologia como sendo, do ponto
Wetzler, & Goodman, 2001; Benotti & Martin, de vista psicossocial, os mais sensíveis aos be-
2004; Segal, 2003), sendo que, o grau de psico- nefícios do tratamento.
patologia é sugerido em alguns estudos (e.g., No Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Cen-
Valley & Grace, 1987) como constituindo o “ele- tral) – Hospital S. José a OM tem merecido uma
mento-chave” para o desenvolvimento quer de maior atenção desde que no início de 2002 se
complicações médicas quer de psicológicas na fa- constituiu uma equipa multidisciplinar para o seu
se pós-cirurgia. tratamento, que envolve as especialidades de Ci-
Neste sentido, têm sido sugeridos por alguns rurgia Laparoscópica, Psicologia Clínica, Dieté-
autores critérios de índole psicológica para a se- tica entre outras, com o objectivo de optimizar o
lecção dos candidatos a cirurgia, que a contra- êxito do tratamento, a qualidade de vida e bem-
-indicam ou que os remetem para tratamento pré- estar dos seus doentes. A abordagem psicológi-
vio. Como contra-indicação absoluta ou critérios ca, inserida no contexto desta equipa e seus obje-
de exclusão têm sido referidas as seguintes con- ctivos, estrutura-se ao longo das três principais
dições clínicas: as psicoses, alcoolismo e atraso fases do processo de tratamento: (1) pré-cirurgia,
mental (por impedirem uma tomada de decisão (2) internamento e (3) pós-cirurgia e follow-up.
informada/consentimento informado), e a buli- Foi criada uma nova consulta externa designada
mia nervosa (Terra, 1997) e nunca ter frequenta- Consulta de Psicoterapia/Obesidade e desenvol-
do um programa de tratamento para perda de pe- vido um protocolo de avaliação psicológica e de
so, considerando a cirurgia como tratamento de actuação psicoterapêutica (ver Esquema 1) de
primeira escolha, falta de motivação e colabora- modo a corresponder às necessidades específicas
ção na implementação das necessárias mudanças desta população e às expectativas da equipa.

535
ESQUEMA 1
Protocolo da abordagem psicológica e psicoterapêutica com os pacientes OM: Fases de
intervenção, objectivos e metodologias

1.ª Fase: Pré-cirurgia


- Avaliação psicológica (protocolo: entrevista semi-estruturada e questionários clínicos) e emissão de
parecer técnico;
- Didácticas para compreensão do tratamento e do seu papel e obtenção de um compromisso escla-
recido de participação activa.

2.ª Fase: Internamento


- Preparação psicológica do paciente para o internamento, cirurgia, período pós-cirúrgico imediato e
adesão aos seus requisitos.

3.ª Fase: Pós-cirurgia e Follow-up


- Psicoterapia cognitivo-comportamental em formato individual e grupal.
- Reavaliação psicológica.

Numa primeira fase e previamente à cirurgia, vo-comportamental que incide na modificação


este protocolo inclui: (1) avaliação e caracteriza- de significações e comportamentos desadaptati-
ção psicológica de cada paciente, com emissão vos associados à OM.
de parecer técnico sobre as condições psicoló- Neste estudo apresenta-se a caracterização psi-
gicas deste para realização de cirurgia, que inclui cológica da população de obesos mórbidos ava-
critérios clínicos de morbilidade psicológica e de liados durante aproximadamente dois anos, entre
motivação, colaboração e responsabilidade do pa- Fevereiro de 2002 e Maio de 2004. O protocolo
ciente face ao processo de tratamento e mudan- de avaliação psicológica que foi desenvolvido e
ças associadas; com base nestes foram definidos que é actualmente utilizado, os critérios de selec-
graus de prioridade para a realização de cirurgia, ção dos candidatos a cirurgia, e o delineamento
tendo em consideração a estabilidade emocional
da abordagem psicoterapêutica enquadrada num
do paciente e sua adesão aos requisitos do trata-
modelo compreensivo de base psico-educacional.
mento, ou o seu encaminhamento para consulta
de especialidade prévio ao mesmo; (2) didácticas
sobre os requisitos do tratamento nas suas ver-
METODOLOGIA
tentes (i.e., bio-psico-social), com ênfase no pa-
pel do doente, e modificação de crenças desada-
ptativas face à cirurgia e processo de tratamento;
(3) obtenção de um compromisso/contrato escla- Participantes
recido de participação activa neste tratamento
por parte do doente. Este compromisso é um acrés- Indivíduos com OM avaliados na Consulta de
cimo ao tradicional Consentimento Informado e Cirurgia Geral/ Laparoscopia do Centro Hospita-
pretende contribuir para uma maior consciencia- lar de Lisboa (Zona Central) – Hospital S. José e
lização, participação activa e responsabilidade considerados do ponto de vista médico candida-
do paciente no processo de tratamento e suas de- tos a cirurgia bariátrica, foram enviados à con-
cisões, mantendo o seu valor simbólico como “do- sulta de Psicoterapia/Obesidade para avaliação
cumento” (Rasera & Shiraga, 2003). psicológica e parecer técnico prévio à realização
A proposta de realização de cirurgia é, assim, da cirurgia. Esta avaliação realiza-se habitual-
coadjuvada por uma abordagem de cariz cogniti- mente em duas consultas.

536
Instrumentos de Avaliação avaliação psicológica do obeso mórbido na fase
pré-cirurgia contribuem para a emissão do pare-
A metodologia utilizada inclui uma entrevista cer psicológico e tomada de decisão relativamen-
clínica semi-estruturada e questionários clínicos te à necessidade de encaminhamento do doente
de auto-avaliação. A entrevista semi-estruturada para consultas de especialidade (e.g., Psiquiatria
foi desenvolvida para esta população, com o obje- e/ou Psicologia Clínica) de acordo com critérios
ctivo de obter dados qualitativos relativamente a específicos que contemplam a gravidade da per-
aspectos relevantes da história de obesidade do turbação psicopatológica.
paciente, sua motivação e expectativas face ao A Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS)
tratamento, conhecimento sobre o procedimento (Zigmond & Snaith, 1983) é uma escala de auto-
terapêutico, padrão de comportamento alimentar -avaliação, frequentemente utilizada e desenvol-
actual e estilo de vida. Os questionários clínicos vida para uso em contexto hospitalar. Consiste
de auto-avaliação proporcionam dados quantita- em 14 itens divididos em duas sub-escalas, de
tivos e comparativos e foram seleccionados com Ansiedade (7 itens) e de Depressão (7 itens) que
o objectivo de obter uma caracterização de cada conjuntamente produzem um resultado total.
indivíduo sobre parâmetros considerados perti- Um resultado entre 8-10 para cada sub-escala é
nentes, tais como: personalidade e psicopatolo- considerado borderline, e um resultado igual ou
gia (MCMI-II), ansiedade e depressão (HADS), superior a 11 é indicador de presença de ansieda-
qualidade de vida (MOS-SF/20), e auto-conceito de ou depressão (Carrol et al., 1993). Para a in-
(ICAC), que a seguir se descrevem. terpretação clínica do resultado total foi proposto
O Inventário Clínico Multiaxial de Millon (2.ª que um valor ≥ 19 fosse considerado indicador
versão) – MCMI-II (tradução portuguesa) é um de perturbação emocional significativa (Razavi et
inventário clínico de avaliação da personalidade al., 1990). No entanto, de acordo com Ibbotson e
que permite a identificação de características de col. (1994), um resultado total ≥ 15 já apresenta
personalidade normal, síndromes clínicos e per- uma capacidade discriminativa de perturbação
turbações de personalidade, tendo sido utilizado emocional com um valor preditivo positivo de
no nosso estudo para a realização de diagnóstico 41% para “casos psiquiátricos”.
diferencial e identificação de psicopatologias es- A escala Medical Outcome Studies Short-Form
pecíficas. É constituído por 175 itens com for- Health Survey (MOS-SF/20) foi construída com
mato de resposta Verdadeiro/Falso, sendo o tem- o objectivo de avaliar o funcionamento e bem-
po de aplicação relativamente breve (15 a 25 mi- -estar de pessoas que sofrem de doenças cróni-
nutos). É composto por 26 escalas: 4 escalas de cas. É uma escala de auto-avaliação, breve, de
precisão e validade, 10 escalas de personalidade fácil compreensão e preenchimento, constituída
básica: Esquizóide (1), Evitante (2), Dependente por 20 questões sobre seis dimensões da qualida-
(3), Histriónica (4), Narcísica (5), Antisocial (6A), de de vida: a) actividade física (FF), refere-se à
Agressiva (6B), Compulsiva (7), Passiva-Agres- influência do estado de saúde na realização de vá-
siva (8A), e Auto-Derrotista (8B), 3 escalas de rias actividades físicas do quotidiano); b) o tra-
perturbação de personalidade: Esquizotípica (S), balho (RF), refere-se à influência do estado de
Borderline (C) e Paranóide (P), 6 escalas de sín- saúde em actividades diárias habituais; c) as per-
dromes clínicos de gravidade moderada – Eixo I cepções sobre o estado de saúde (HP), refere-se
DSM-III-R: Ansiedade (A), Somatoforme (H), às auto-avaliações sobre o estado de saúde actual;
Bipolar (N), Distimia (D), Dependência de Ál- d) as percepções da dor (D), solicita uma avalia-
cool (B), Dependência de Drogas (T) e 3 escalas ção da intensidade da dor percebida; e) activida-
de síndromes clínicos de gravidade elevada – Ei- de social (FS), refere-se à influência do estado
xo II DSM-III-R: Perturbação de Pensamento (SS), de saúde nas actividades sociais habituais; f) a
Depressão Major (CC) e Alucinações (PP), e ain- saúde mental (SM), refere-se ao afecto ou estado
da a avaliação do risco de suicídio. Os resultados de humor em geral, incluindo estados depressi-
são traduzidos num perfil interpretado de acordo vos, ansiosos e bem-estar psicológico. A escala
com a elevação e co-variância das escalas. Trata- permite obter um resultado global quantitativo
-se de um instrumento de avaliação para popu- da qualidade de vida, resultante do somatório dos
lações clínicas, cujos resultados, no âmbito da quantitativos das seis dimensões referidas. Quan-

537
to maior é o resultado obtido melhor é a qualida- 2. Análise Quantitativa dos Dados
de de vida percebida do paciente (valores totais
entre um mínimo de 11 e um máximo de 74). Os Procedeu-se a uma análise estatística dos da-
estudos sobre a validade da escala revelaram que dos utilizando o SPSS 11.5. Efectuou-se uma aná-
apresenta bons índices e que é um bom instru- lise exploratória dos dados utilizando medidas
descritivas e o teste não-paramétrico de Spear-
mento discriminativo entre pacientes com “mau
man para obter os coeficientes de correlação.
estado de saúde” e a população geral (Stewart, Hays
& Ware, 1988).
Morbilidade Psicológica: Psicopatologia, al-
O Inventário Clínico do Auto-Conceito (Vaz Serra, terações da personalidade e emocionais
1987) é utilizado para medir aspectos sociais e
emocionais do auto-conceito. É constituído por Os resultados médios e desvio padrão para a
20 itens medidos numa escala tipo Likert (de 1 a população de obesos mórbidos avaliada através
5) e avalia as seguintes dimensões de auto-con- da escala de personalidade (MCMI-II) são apre-
ceito: aceitação-rejeição social (F1), auto-eficá- sentados no Quadro 1.
cia (F2), maturidade psicológica (F3) e impulsi- Como se pode constatar estes revelam algu-
vidade-actividade (F4). No que respeita à cota- mas alterações com significado clínico ao nível
ção, quanto melhor for o auto-conceito do indi- da personalidade básica, nomeadamente, da per-
víduo, maior a pontuação total obtida. Esta pode sonalidade compulsiva (77), e um aumento su-
variar de um mínimo de 20 a um máximo de 100 gestivo de patologia (ainda que abaixo do valor
pontos. de corte ≥ 75) nas escalas de personalidade es-
Este modelo de avaliação psicológica desen- quizóide (64), evitante (69), dependente (73),
volvido pelas autoras constitui o actual protocolo histriónica (68), narcísica (70), anti-social (62),
de avaliação psicológica para esta população agressiva (63), passiva-agressiva (60) e auto-
utilizado no Centro Hospitalar de Lisboa (Zona -derrotista (68). Os sujeitos tendem a apresentar-
Central) – Hospital S. José. se de forma favorável ou com uma personalidade
atraente (desejabilidade social=72). Nas escalas
de perturbação da personalidade e nas escalas de
RESULTADOS síndromes clínicos de gravidade moderada e ele-
vada não se registaram alterações significativas.
Relativamente ao risco de suicídio verificou-se
1. Características Socio-demográficas e Clí- que em termos médios é de 0,5 (valores entre 0 a
3), ou seja, existe mas é considerado ligeiro,
nicas dos Pacientes
sendo que 138 indivíduos (73,4%) referem não
terem ideação ou intenção suicida e 50 (26,6%)
Foram avaliados 212 pacientes, 29 do sexo mas-
referem algum grau da mesma2.
culino (13,7%) e 183 do sexo feminino (86,3%) Relativamente à presença de alterações emo-
com OM, com uma média de idade de 41,1±11,76 cionais (ver Quadro 2) verificou-se um resultado
anos (idades compreendidas entre 16 e 65 anos), médio para a ansiedade de 9,1, valor considerado
com um peso médio de 125,2±23,25 Kg e média borderline o que significa uma tendência para
de IMC de 46,6±7,86 Kg/m2. Apresentam uma distúrbios de ansiedade, para a depressão um va-
escolaridade média de 9,2±4,32 anos (0-17 lor médio de 7,0 considerado sem significado clí-
anos), relativamente ao estado civil, 67% são ca- nico, e um valor médio total de 16,1 que indica
sados/união de facto, 19,8% solteiros, 7,6% di- segundo alguns autores (Ibbotson e col., 1994) a
vorciados, 5,7% outros. Quanto à situação pro- presença de alterações emocionais com signifi-
fissional 63,7% são empregados, 25,9% desem- cado clínico.
pregados/domésticas, 3,8% estudantes. Relativa-
mente a tentativas anteriores de perda de peso
2,3% nunca fizeram, 33,4% fizeram programas
de redução de peso auto-geridos, 84,6% fizeram- 2
Os dados sobre este factor só estavam disponíveis
-no com orientação de especialista. para 188 sujeitos.

538
QUADRO 1
Valores médios e desvios padrão da amostra nas escalas do Inventário Clínico de Personalidade
(MCMI-II )

Escalas de Validade Média D.P.

V - Validade 0 .28
X - Sinceridade 61,9 17.31
Y - Desejabilidade 71,9 15.47
Z - Alteração 49,0 22.88

Escalas Básicas de Personalidade


1. Esquizóide 64,2 15.70
2. Evitante 68,6 20.02
3. Dependente 72,5 24.66
4. Histriónica 67,8 17.37
5. Narcísica 69,5 17.90
6A. Antissocial 61,7 13.81
6B. Agressiva 63,4 18.19
7. Compulsiva 77,0 13.86
8A. Passiva-Agressiva 59,8 27.21
8B. Auto-Derrotista 67,5 24.20

Escalas de Perturbação da Personalidade


S. Esquizotípico 59,6 15.70
C. Borderline ou Estado-Limite 60,7 20.57
P. Paranóide 68,4 13.94

Escalas representativas de Síndromes Clínicos (gravidade moderada)


A. Ansiedade 63,1 31.80
H. Somatoforme 63,5 17.74
N. Bipolar 55,5 12.81
D. Distímia 50,7 35.38
B. Abuso/dependência de Álcool 47,0 16.44
T. Abuso/dependência de Drogas 54,2 15.08

Escalas representativas de Síndromes Clínicos (gravidade elevada)


SS. Perturbação de Pensamento 55,9 18.72
CC. Depressão Major 58,3 18.55
PP. Alucinações 59,9 13.36

Factor de Risco (indicador da presença de ideação suicida) 0,5 .44

539
QUADRO 2
Valores médios e desvios padrão da amostra no ICAC, HADS, MOS-SF/20

Questionário Resultados médios e DP Resultados médios e DP nas sub-escalas

HADS Total 16,1 ± 7.36 (A) Ansiedade 9,1 ± 4.02


(D) Depressão 7,0 ± 4.16

MOS-SF/20 Qualidade de VidaTotal 39,0 ± 13.88 (HP) Percepção de saúde 12,5 ± 4.98
(FF) Actividade Física 1,9 ± 1.81
(RF) Trabalho 1,0 ± 0.97
(D) Percepção de Dor 2,3 ± 2.94
(FS) Actividade Social 4,3 ± 1.80
(SM) Saúde Mental 16,8 ± 7.14

ICAC Auto-Conceito Total 69,1 ± 10.59 (F1) Aceitação/rejeição social 17,9 ± 3.84
(F2) Auto-eficácia 19,0 ± 2.80
(F3) Maturidade psicológica 15,2 ± 3.22
(F4) Impulsividade/actividade 11,2 ± 2.59

Qualidade de Vida entre algumas variáveis, que passamos a discri-


minar: a) O IMC correlaciona-se negativamente
Como se pode ver no Quadro 2, a qualidade com a qualidade de vida (MOS-SF/20) e com a
de vida em termos globais é de 39,0, considerada escolaridade, e positivamente com o peso, com
baixa comparativamente com outras populações as alterações emocionais de ansiedade (HADSA)
clínicas, nomeadamente, doentes tratadas a can- e com a maior parte das subescalas do MCMI-II,
cro da mama (de 48,5 em Travado & Matos, nomeadamente, validade: sinceridade (X) e alte-
2001). A actividade física é a área mais desfavo- ração (Z); personalidade básica: evitante (2) e
ravelmente afectada (1,9 num máximo de 6), auto-derrotista (8B); perturbação de personalida-
sendo que todas as outras apresentam valores mé- de: esquizotípica (S) e paranóide (P); síndromes
dios baixos indicando um impacto moderada- clínicos de gravidade moderada: ansiedade (A),
mente negativo na sua percepção sobre estado de distimia (D) e abuso/dependência de álcool (B) e
saúde e vivência quotidiana (trabalho, percepção síndromes clínicos de gravidade elevada: pertur-
de dor, actividade social e saúde mental). bação do pensamento (SS), depressão major (CC)
e alucinações (PP). Pode dizer-se que quanto
Auto-Conceito maior é o IMC menor é a qualidade de vida e
maior é o nível de alteração emocional e psico-
O auto-conceito médio total na nossa popula- patologia. b) A idade correlaciona-se positiva-
ção é de 69,1, que segundo Vaz Serra (1986) se mente com o auto conceito total, aceitação/re-
pode considerar dentro de valores médios para a jeição social (F1) e auto-eficácia (F2) e com a
população normal (70.4±7.8). Relativamente às compulsividade (7). Correlaciona-se negativamen-
dimensões avaliadas de auto-conceito, tal como te com o peso e qualidade de vida (MOS-SF/20)
se pode ver no Quadro 2, e segundo o autor refe- em todas as suas dimensões. Deste modo, quanto
rido encontram-se todos dentro dos valores mé- mais idade tem o indivíduo melhor é o seu auto-
dios para a população normal. -conceito, mais tendência à compulsividade e
menor o seu peso e qualidade de vida. c) A aná-
lise da variável sexo3, evidencia diferenças signi-
Correlação entre variáveis

As correlações entre os vários parâmetros são


apresentadas no Quadro 3. 3
Para esta variável foi utilizada uma análise estatís-
Foram encontradas correlações significativas tica de comparação de médias (T-teste).

540
QUADRO 3
Correlação entre as variáveis mais relevantes
Idade IMC HADS A HADS D AC Total MCMI 7 Factor Risco

Idade 1.00 -.044 -.046 -.055 .232** .321** -.010


Sexo -.107 .053 -.150 -.036 -.013 -.298** .009
Escolaridade -.345** -.281** -.169* -.106 .088 -.374** -.087
Peso -.219** .785** .063 .050 -.111 -.143 .077
IMC -.044 1.00 .173* .096 -.134 .098 .074
HADS A -.046 .173* 1.00 .591** -.109 .049 .317**
HADS D -.055 .096 .591** 1.00 -.203* .017 .359**
Hads total -.060 .147 .876** .899** -.184* .044 .382**
MOS QVT -.148* -.169* -.676** -.673** .053 -.191* -.255**
Percep. Saúde -.170* -.179* -.491** -.513** .033 -.153* -.151*
Activ.Física -.275** -.101 -.325** -.306** -.120 -.256** .014
Trabalho -.298** -.166* -.344** -.299** -.094 -.283** -.024
Perc. Dor -.219** .002 -.415** -.496** .111 -.153* -.098
Activ. Social -.197** -.215** -.377** -.390** .158* -.257** -.120
Saúde Mental .015 -.121 -.678** -.629** .137 -.094 -.315**
AC total .232** -.134 -.109 -.203* 1.00 .099 -.139
Ac/Rej Social .212** -.090 -.153 -.274** .864** .115 -.117
Auto-eficácia .256** -.124 -.057 -.126 .733** .069 -.127
Matur. Psicol. .094 -.136 -.042 -.121 .760** .099 -.095
Impul/Activid .145 -.017 -.074 -.047 .731** .115 -.013
Validade -.013 .012 -.008 .038 -.103 .097 -.073
Sinceridade .052 .246** -.511** .503** -.040 -.032 .564**
Desejabilid. .176* .023 -.060 -.116 .361** .411** -.099
Alteração -.002 .242** .694** .674** -.172* -.029 .580**
Esquizóide 1 .168* .181* .291** .445** -.238** .296** .190**
Evitante 2 .048 .257** .526** .532** -.234** .006 .333**
Dependente 3 .186* .174* .195* .189* -.020 .203** .065
Histriónica 4 -.034 -.009 -.070 -.162* .298** -.143 .048
Narcísica 5 .014 .094 -.062 -.111 .247** -.016 .110
Antissocia 6 A -.117 .072 .152 .148 .057 -.197** .232**
Agressiva 6B -.026 .048 .058 .049 .143 .057 .208**
Compulsiva 7 .321** .098 .049 .017 .099 1.00 -.128
Pass/Agrss 8A -.100 .155 .522** .455** -.070 -.168* .473**
Auto-Derr 8B .050 .228** .629** .592** -.183* -.018 .444**
Esquizotípic S .006 .287** .464** .532** -.167* .047 .439**
Borderline C -.068 .187* .634** .557** -.062 -.073 .526**
Paranóide P .032 .241** .155 .146 .045 .227** .206**
Ansiedade A .067 .230** .669** .659** -.125 .125 .427**
Somatoform H .151* .184* .525** .525** .011 .200** .281**
Bipolar N -.095 .063 .113 -.074 .263** -.135 .056
Distimia D .051 .233** .649** .704** -.187* .069 .534**
Dep. Álcool B -.046 .207** .483** .470** -.110 -.075 .322**
Dep. Droga T -.028 .097 .353** .260** .077 -.123 .375**
Pert. Pens. SS -.024 .237** .485** .518** -.113 -.055 .513**
Dp. Major CC .018 .234** .656** .655** -.163* .031 .565**
Alucinação PP -.034 .217** .338** .304** .073 .223** .297**
Factor Risco -.010 .074 .317** .359** -.139 -.128 1.00

**p*.01
*p*.05

541
ficativas (p<0,01) entre os dois sexos para as 3. Análise Qualitativa dos Dados
variáveis, peso e algumas subescalas do MCMI-
-II, verificando-se uma tendência do sexo mas- A partir dos dados da entrevista clínica semi-
estruturada procedeu-se a uma análise de con-
culino para apresentar mais peso (148,35Kg pa-
teúdo da qual se extraíram categorias de resposta
ra os homens e 121,20Kg para as mulheres) e
por item, que se apresentam no Quadro 4. Em
resultados mais elevados na escala de persona-
seguida descrevemos os seus aspectos mais rele-
lidade antissocial (68,37 para os homens e 60,63 vantes.
para as mulheres) (6A) e abuso/dependência de A maioria dos indivíduos com OM seguidos
álcool (B) (54,81 para os homens e 45,73 para as na Consulta Multidisciplinar do Centro Hospita-
mulheres), e uma tendência do sexo feminino lar de Lisboa (Zona Central) – Hospital S. José
para apresentar valores mais elevados na com- para tratamento cirúrgico da sua doença, tem his-
pulsividade (7) (78,86 para as mulheres e 66,00 tória familiar de obesidade, início da obesidade
para os homens). d) A ideação suicida surge cor- na infância (38.3%) e evolução gradual de peso
relacionada negativamente com a qualidade de ao longo do seu ciclo vital associada a aconteci-
vida total e sua dimensão de saúde mental (SM) mentos de vida, sendo a 1.ª gravidez o mais re-
e positivamente com praticamente todas as sub- ferenciado (60.7%) como início e factor de agra-
escalas do MCMI-II, à excepção das sub-escalas vamento da obesidade. A maioria seguiu progra-
de compulsividade (7), personalidade histriónica mas estruturados de perda de peso orientados por
(4), dependente (3), narcísica (5) e distúrbio bi- especialistas, sem resultados satisfatórios ao ní-
polar (N), bem como, para o auto-conceito em vel da diminuição de peso e, sobretudo, da sua
qualquer das suas dimensões. Pode assim dizer- manutenção. Os benefícios que mantêm após se-
rem sujeitos a estes programas, reportam-se es-
-se que a presença de ideação suicida sugere uma
sencialmente às regras alimentares. Apontam
menor qualidade de vida e uma tendência para o
como causas mais relevantes da sua obesidade,
aumento dos níveis de perturbação emocional e os hábitos alimentares desadequados (57.2%), a
mesmo de psicopatologia. e) A sub-escala da com- compulsão para comer/falta de auto-controlo (31.4%),
pulsividade (7) do MCMI-II revela correlações alterações do seu estado emocional/humor (29.6%)
positivas com a idade, a desejabilidade (Y), as e acontecimentos de vida precipitantes (22.0%).
personalidades esquizóide (1) e dependente (3), Referem como principais consequências do ex-
e perturbação da personalidade paranóide (P), cesso de peso, sintomas físicos (68.1%), proble-
distúrbio somatoforme (H) e alucinações (PP). mas funcionais (62.0%), aparecimento/agrava-
Verificam-se correlações negativas com algumas mento de doenças (38.7%) e insatisfação com o
dimensões da qualidade de vida (FF, RF, FS) e corpo/auto-imagem (35.0%). Têm historial de
sexo. Os valores de compulsividade (7) aumen- problemas psicológicos/psiquiátricos, sendo na
tam com a idade, com algumas perturbações de sua maioria acompanhados por especialista.
personalidade, e são mais evidentes nas mulhe- No que respeita aos principais motivos subja-
res. Ao mesmo tempo o seu aumento é revelador centes à tomada de decisão face à cirurgia, os pa-
de menor qualidade de vida. f) A variável auto- cientes manifestam melhoria dos problemas de
conceito também apresenta correlações significa- saúde (51.7%), eficácia da cirurgia na perda de
peso (34.7%) e melhoria da auto-estima (25.2%),
tivas com outras variáveis. Está correlacionada
sendo o seu grau de motivação bastante elevado
positivamente com a idade, a desejabilidade (Y),
(92.5%). Expressam ter apoio por parte dos fa-
as personalidades histriónica (4) e narcísica (5), miliares directos e família alargada no que res-
e distúrbio bipolar (N), e correlacionada negati- peita à realização do tratamento. Apresentam-se
vamente com a personalidade esquizóide (1) e bastante expectantes face aos resultados, cen-
evitante (2), depressão major (CC) e dependên- trando-se maioritariamente na diminuição de pe-
cia de álcool (B), ou seja, quanto maior é o auto- so (80.0%), bem-estar emocional e psicológico
-conceito, maior é a idade e maior os valores de (51.5%), melhoria dos problemas de saúde (40.0%)
alguns tipos de personalidade, e menores os ní- e da funcionalidade (33.8%). Salientam a impor-
veis de depressão e dependência de álcool. tância de assumir um papel activo nas fases pré e

542
QUADRO 4
Protocolo de Entrevista Semi-Estruturada com categorias de análise de conteúdo de resposta por
item e respectivas percentagens na população estudada

ANÁLISE QUALITATIVA N total = 212

A. HISTORIAL DE PROBLEMAS PSICOLÓGICOS/PSIQUIÁTRICOS


- Não 49.6%
- Sim: 50.4%
- Sim, mas nunca teve acompanhamento 7.6%
- Sim, c/ acompanhamento de médico de família 5.9%
- Sim, c/ acompanhamento psicoterapêutico 10.9%
- Sim, c/ acompanhamento psiquiátrico 26.1%

B. HISTORIAL DA OBESIDADE
1. a) Evolução ponderal associada a etapas do ciclo de vida: 47.8%
- 1ª infância 38.3%
- 2ª infância 10.6%
- Idade escolar 19.1%
- Puberdade/Adolescência 31.9%
b) Acontecimentos de vida 67.3%
- Casamento 18.7%
- Gravidez (1.ª) 60.7%
- Gravidez (2.ª ou subsequentes) 16.8%
- Menopausa 3.7%
c) Evolução ponderal associada a acontecimentos de vida significativos e acidentais 40.3%
d) Modificações no estilo de vida 12.6%

2. Atribuições causais
- Hábitos alimentares desadequados 57.2%
- Compulsão para comer/falta de auto-controlo 31.4%
- Alterações do estado emocional 29.6%
- Alterações hormonais 13.9%
- Factores metabólicos 11.3%
- Factores hereditários 5.7%
- Acontecimentos de vida 22%
- Sedentarismo 3.8%
- Não sabe 4.9%
- Outros 15.6%

3. Antecedentes familiares de obesidade


- Sem antecedentes familiares 27.9%
- Parentes em 1.º grau obesos 66.2%
- Parentes em 2.º grau obesos 28.1%
- Não sabe 1%

4. Tentativas anteriores de perda de peso


- Nunca fez programa de perda de peso 2.3%
- Programa de perda de peso auto-gerido 33.4%
- Programa de perda de peso orientado por especialistas 84.6%

continua na página seguinte

543
continuação da página anterior

5. Benefícios mantidos após os programas


- Nada 42.4%
- Regras alimentares 44.6%
- Regras de comportamento alimentar (auto-controlo) 27.2%
- Implementação de actividade física 4.3%

6. Apoio de outros significativos


- Sim: 93.4%
- Conjuge/companheiro 42.4%
- Pais 15.2%
- Filhos 44.4%
- Outros familiares/família alargada 33.3%
- Amigos 19.2%
- Vizinhos 1%
- Colegas 3%
- Médico 1%
- Mais ou menos 0.9%
- Não 5.7%

7. Consequências
- Sintomas físicos 68.1%
- Problemas funcionais 62%
- Doenças 38.7%
- Dificuldade na aquisição de vestuário 27.6%
- Insatisfação com o corpo/auto-imagem 35%
- Sintomas psicológicos 23.9%
- Problemas sociais/profissionais 23.3%
- Problemas interpessoais/relacionais 11.5%
- Problemas sexuais/conjugais 20.2%
- Outros 4.6%
- Não sabe 0.8%

C. MOTIVAÇÃO E EXPECTATIVAS FACE AO TRATAMENTO


8. Motivos subjacentes à tomada de decisão face à cirurgia
- Melhoria dos problemas de saúde associados 51.7%
- Eficácia da cirurgia na perda de peso 34.7%
- Ineficácia de outros tratamentos 21.8%
- Melhorar a auto-estima 25.2%
- Melhorar a nível estético 21.8%
- Outros 22.4%

9. Grau de motivação face ao tratamento


- 0 a 4 (baixo) 0%
- 5 a 7 (moderado) 7.5%
- 8 a 10 (elevada) 92.5%

10. Expectativas dos resultados do tratamento


- Diminuição de peso 80.0%
- Bem estar emocional e psicológico 51.5%
- Melhorias a nível interpessoal 20.8%
- Melhoria a nível estético 9.2%
- Melhoria a nível funcional 33.8%
- Melhoria dos problemas de saúde 40.0%
- Outros 19.2%
continua na página seguinte

544
continuação da página anterior

11. Papel do doente


- Antes da cirurgia: 45.4%
- Não sabe 4.5%
- Activo 70.5%
- Passivo 25%
- Depois da cirurgia: 93.8%
- Não sabe 2.2%
- Activo 60.4%
- Passivo 37.4%

D. CONHECIMENTO SOBRE O TRATAMENTO


12. Dificuldades antecipadas
- Mudança no comportamento alimentar, face às especificidades de cada uma das fases 44.6%
- Auto-controlo 20.5%
- Mudanças no estilo de vida 9.0%
- Procedimentos médicos 5.7%
- Nenhumas 24.1%
- Outros 8.0%
- Não sabe 3.4%

13. Confronto com dificuldades antecipadas


- Reestruturação/reorganização da vida diária 24.7%
- Cirurgia como incentivo/motivação para ultrapassar dificuldades 26.0%
- Apoio dos técnicos de saúde 9.6%
- Auto-controlo 31.5%
- Apoio de familiares/amigos 16.4%
- Não sabe 3.7%

14. Necessidade de Informação médica


- Não 25.5%
- Moderada 20.6%
- Sim 53.9%

15. Dúvidas sobre o procedimento terapêutico


- Alterações alimentares (mudanças específicas a realizar na dieta – conteúdo) 17.9%
- Alterações do comportamento alimentar (modo) 6.0%
- Procedimento cirúrgico 36.9%
- Eficácia do tratamento 4.8%
- Manutenção do peso perdido a longo prazo 1.2%
- Efeitos secundários da cirurgia (físicos e emocionais) 8.3%
- Outros 26.2%
- Sem dúvidas 28.6%

E. PADRÃO DE COMPORTAMENTO ALIMENTAR E ESTILO DE VIDA


16. Padrão do comportamento alimentar actual
- Preferência por alimentos hipercalóricos 84.1%
- Padrão alimentar desregrado: 94.7%
- Come depressa 65.1%
- Come em pé e/ou frente à televisão 38.1%
- Mastiga rapidamente 49.2%

continua na página seguinte

545
continuação da página anterior

17. Factores precipitantes do comportamento alimentar disfuncional


- Alterações no estado emocional/humor 74.2%
- Gula 19.4%
- Fome 16.1%

18. Perturbações do comportamento alimentar


- Ingestão compulsiva/crises de voracidade alimentar 43.1%
- Sweet-eaters 1.5%
- Comportamento bulímico 1.5%
- Ingestão nocturna 21.5%
- Alteração sazonal afectiva 15.4%
- Petisco contínuo 44.6%
- Indisciplina nas refeições 70.8%
- Outros 12.3%

19. Caracterização do estilo de vida


- Exercício físico estruturado 3.6%
- Exercício físico não estruturado 11.6%
- Sedentarismo 84.1%

pós-cirurgia (70.5% e 60.4%, respectivamente). psicológica dos indivíduos com OM seguidos na


No entanto, apresentam um estilo de vida cara- Consulta Multidisciplinar do Centro Hospitalar
cterizado pelo consumo excessivo de alimentos de Lisboa (Zona Central) – Hospital S. José efe-
hipercalóricos (84.1%), padrão alimentar desre- ctuada através de medidas clínicas de psicopa-
grado (94.7%) e sedentarismo (84.1%), que se tra- tologia, alterações de personalidade e emocio-
duzem em alterações do comportamento alimen- nais, qualidade de vida e auto-conceito, e de di-
tar, sendo as mais significativas a indisciplina nas mensões qualitativas relativamente a aspectos re-
refeições (70.8%), o petisco contínuo (44.6%), levantes da história de obesidade do paciente,
compulsividade/crises de voracidade alimentar sua motivação e expectativas face ao tratamento,
(43.1%) e ingestão nocturna (21.5%). Antecipam conhecimento sobre o procedimento terapêutico,
como dificuldades do tratamento, as mudanças e padrão de comportamento alimentar actual e
no comportamento alimentar no que respeita às estilo de vida. Apresenta-se também o protocolo
especificidades de cada uma das fases do mesmo de avaliação psicológica do indivíduo com OM e
(44.6%) e procedimentos médicos (24.1%), e como critérios para emissão de parecer técnico sobre
estratégias para lidar com essas dificuldades, o os candidatos a cirurgia bariátrica.
auto-controlo (31.5%), a motivação face à cirur- Conforme esperado, a população de indiví-
gia (26.0%) e a reestruturação/reorganização da duos com OM que recorre a tratamento para o
sua vida diária (24.7%). Referem uma considerá- referido problema de saúde neste hospital é maio-
vel necessidade de informação médica (74.5%) ritariamente do sexo feminino, tem um IMC
para esclarecer algumas dúvidas sobre o procedi- muito elevado, apresenta antecedentes familiares
mento cirúrgico (36.9%) e as alterações alimen- e início de obesidade na infância e um compor-
tares associadas (17.9%). tamento alimentar disfuncional, o que sugere a
presença de factores hereditários e adquiridos,
com aprendizagem de comportamentos favorá-
DISCUSSÃO veis ao desenvolvimento e manutenção da sua
doença (Santinho Martins & Soares, 1983). Afir-
Neste estudo apresenta-se a caracterização mam a necessidade de assumir um papel activo

546
no tratamento, embora se verifique um desfasa- do esta situação se verifica, encaminha-se o pa-
mento entre esta posição e o seu comportamento ciente para tratamento especializado (Psiquiatria/
alimentar e estilo de vida actuais, extensível à /Psicologia Clínica) ou, em caso de acompanha-
posição assumida por alguns autores que os des- mento já estabelecido, remete-se para o especia-
crevem como participantes passivos (e.g., Ran- lista até indicação do melhor momento para rea-
dolph, 1986). Estes dados reforçam a tendência lização da cirurgia atendendo à estabilização do
que os indivíduos obesos mórbidos têm para se seu quadro clínico. Nesta fase procede-se à re-
apresentar socialmente de uma forma favorável, avaliação psicológica e emissão de parecer técni-
dissimulando dificuldades pessoais e procurando co. Pelo acima exposto, o parecer técnico é, pois,
a aceitação e aprovação dos outros, neste caso temporal na medida em que o seu objectivo não
particular tendo em vista a selecção para a cirur- é a exclusão de pacientes, mas sim assegurar a
gia. melhor adesão e colaboração destes face aos pres-
Apesar de não apresentarem perturbação psi- supostos do tratamento global.
copatológica e de personalidade com significado Apesar de não apresentarem um grau de per-
clínico, em termos de média estatística, revelam turbação emocional marcadamente superior ao
contudo, algumas alterações de personalidade da população normal, as características psicoló-
sugestivas de instabilidade psicológica, entre as gicas dos indivíduos com OM indicam a exis-
quais se salienta a personalidade compulsiva. Acres- tência de factores de risco de saúde mental, que
ce a presença de alterações emocionais ligeiras poderão ser reduzidos com um tratamento multi-
de ansiedade, que estão conforme a observação disciplinar deste tipo, prevenindo e actuando so-
clínica e o reportado por estes pacientes, como bre a psicopatologia. A equipa está ciente de que
precipitantes do comportamento compulsivo de o tratamento da OM é benéfico para os doentes
comer. Estes resultados estão de acordo com a em termos da sua saúde global, ou seja, a nível
perspectiva de alguns autores (e.g., Glinski, Wetzler físico/biológico, psicológico e social e procura
& Goodman, 2001) que conceptualizam o binge gerir o melhor momento para a realização do mes-
eating como indicador de dificuldade em lidar mo, atendendo aos custos pessoais para o sujeito
com emoções negativas. e para a sociedade.
Não se verificou a existência de psicoticismo, Os resultados referentes à qualidade de vida
como esperado. A ideação suicida está presente são corroborados por outros estudos que avaliam
em cerca de 1/4 dos casos, associada a uma ele- este parâmetro (Sullivan, Sullivan, & Kral, 1987;
vação significativa da morbilidade psicológica, Larsen, 1990; Kral, Sjöström, & Sullivan, 1992).
servindo como factor discriminativo desta e in- Eram esperados resultados baixos, atendendo
dicador para despiste de psicopatologia nesta po- às dificuldades com que estes doentes se depa-
pulação (Travado e col., 2004). No entanto, é de ram, do ponto de vista funcional, social e psico-
referir que os elevados desvios padrão nas esca- lógico que têm um impacto negativo ao nível da
las de avaliação de personalidade, psicopatologia qualidade de vida. Consideramos pois, funda-
(MCMI-II) e de alterações emocionais (HADS), mental que esta dimensão seja contemplada num
indicam uma grande heterogeneidade da popu- protocolo como o que apresentamos, para uma
lação nos parâmetros avaliados. Salvaguardamos adequada caracterização desta população.
que estes resultados facultam uma leitura global Relativamente ao auto-conceito os resultados
e reducionista destas dimensões, ocultando os da- não foram de encontro ao esperado por se enqua-
dos individuais de cada paciente. Isto é, embora drarem nos parâmetros normais para a população
haja uma grande parte da população que não re- geral, o que contraria os dados de alguns estudos
vela psicopatologia nem alterações da personali- que referem uma pobre auto-eficácia, auto-con-
dade, outros há que apresentam alterações bas- fiança (Tanco et al., 1998) e auto-estima por par-
tante significativas. Este facto comprova a ne- te destes pacientes (Glinski et al., 2001). Uma vez
cessidade da avaliação psicológica prévia à rea- que esta população tem tendência à desejabili-
lização da cirurgia, como forma de seleccionar dade social (i.e., apresentar uma imagem favorá-
os candidatos que reunam as melhores condições vel de si próprio) e esta variável se encontrar cor-
para o êxito do tratamento, e do adiamento desta relaccionada positivamente com o auto-conceito
nos casos que têm alterações significativas. Quan- total, sugere a existência de um enviesamento no

547
sentido positivo. Por outro lado, o auto-conceito da qual apresentaremos em breve os resultados
não apresenta correlações significativas com per- preliminares.
turbações da personalidade, nem com outros as- Em resumo, a abordagem psicológica é uma
pectos psicopatológicos, nomeadamente, ideação vertente imprescindível no tratamento desta pa-
suicida (Travado e col., 2004). Deste modo, con- tologia, numa concepção biopsicossocial de saú-
sideramos que esta escala não será a mais indi- de que contribui para assegurar o êxito do mes-
cada para avaliar o referido parâmetro nesta po- mo.
pulação, sendo menos relevante no protocolo de
avaliação desta patologia.
O protocolo de avaliação que aqui se apre- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
senta permite-nos obter resultados quantitativos
e qualitativos das dimensões anteriormente des- Ayad, F. (2004). Psychological factors contributing to
critas. Consideramos que a avaliação objectiva the development of obesity and the conditions that
através de questionários estandardizados é im- must be treated preoperatively. In L. F. Martin (Ed.),
portante, uma vez que permite obter dados obje- Obesity surgery (pp. 67-93). New York: McGraw-
Hill.
ctivos, do ponto de vista clínico e comparativo, Bennoti, P., & Martin, L. (2004). Preoperative evalua-
para emissão dum parecer técnico. Por seu turno, tion and preparation of bariatric surgery candidates.
a entrevista clínica semi-estruturada sugere-nos In L. F. Martin (Ed.), Obesity Surgery (pp. 95-109).
dados pertinentes para a abordagem psicológica, New York: McGraw-Hill.
sobretudo na vertente psico-educativa. Permite Black, D. W., Goldstein, R. B., & Mason, E. E. (1992).
conhecer melhor o historial de obesidade, mo- Prevalence of mental disorder in 88 morbidly obe-
tivação e expectativas face ao tratamento, infor- se bariatric clinic patients. American Journal of Psy-
chiatry, 149 (2), 227-234.
mação sobre o processo terapêutico, padrão de
Carroll B. T., Kathol R. G., Noyes R. et al. (1993). Scre-
comportamento alimentar e estilo de vida do ening for depression and anxiety in cancer patients
paciente, fornecendo elementos úteis para o pa- using the Hospital Anxiety and Depression Scale.
recer técnico em termos do momento adequado General Hospital Psychiatry, 15, 69-74.
para a realização da cirurgia, essenciais para a Charles, S. C. (1987). Psychiatric evaluation of morbi-
definição de objectivos psicoterapêuticos especí- dly obese patients. Gastroenterology Clinics of North
ficos. Assim, a entrevista clínica é um instrumen- America, 16 (3), 415-432.
to crítico na recolha de informação necessária Delin, C. R., & Anderson, P. G. (1999). A preliminary
comparasion of the psychological impact of
para o delineamento da abordagem psicológica
laparoscopic gastric banding and gastric bypass
personalizada em cada fase do processo de tra- surgery for morbid obesity. Obesity Surgery, 9,
tamento, quer em formato individual, quer gru- 155-160.
pal. DiGregorio, J. M., & Moorehead, M. K. (1994). The
Preconiza-se este modo de actuação como for- psychology of bariatric surgery patients: A clinical
ma de maximizar as capacidades do indivíduo no report. Obesity Surgery, 4, 361-369.
seu processo de tratamento, promovendo a sua Diniz, M. T., Sander, M. F., & Almeida, S. R. (2003).
autonomia conceitual-afectiva (Reis, 1998), ou Critérios de eficácia do tratamento cirúrgico e
avaliação da qualidade de vida. In A. B. Garrido
seja, a reflexão e construção de significações adapta- (Ed.), Cirurgia da obesidade (pp. 309-316). São
tivas de doença e tratamento. Este modelo cen- Paulo: Editora Atheneu.
trado no paciente e nas suas competências de mu- Dixon, J. B., & O’Brien, P. E. (2002). Changes in co-
dança, pode constituir em nossa opinião, uma morbilities and improvements in quality of life
mais valia no tratamento destes doentes com van- after LAP-BAND placement. The American Jour-
tagens acrescidas para a manutenção dos bene- nal of Surgery, 184, 51S-54S.
fícios pessoais a longo prazo, ao invés de um Favretti, F., O’Brien, P. E., & Dixon, J. B. (2002). Pa-
tient management after LAP-BAND placement.
modelo centrado na doença.
The American Journal of Surgery, 184, 38S-41S.
Neste sentido foi desenvolvida uma interven- Franques, A. R. M. (2003). Participação do psiquiatra e
ção psicoterapêutica adequada às características do psicólogo na fase perioperatória: Participação
e necessidades desta população e fases do pro- do psicólogo. In A. B. Garrido (Ed.), Cirurgia da
cesso de tratamento que se encontra em curso e obesidade (pp. 75-79). São Paulo: Editora Atheneu.

548
Freys, S. M., Tigges, H., Heimbucher, J., Fuchs, K. H., Rabner, J. G., & Greenstein, R. J. (1991). Obesity sur-
Fein, M., & Thiede, A. (2001). Quality of life fol- gery: Expectation and reality. International Jour-
lowing laparoscopic gastric banding in patients nal of Obesity, 15, 841-845.
with morbid obesity. Journal of Gastrointestinal Randolph, J. (1986). Enhancing psychosocial adaptation
Surgery, 5, 401-407. to gastric portioning for morbid obesity. CMAJ,
Garner, D. M., & Wooley, S. C. (1991). Confronting the 134 (15), 1359-1361.
failures of behavioral and dietary treatment for Rasera, I., & Shiraga, E. C. (2003). Informações ao pa-
obesity. Clinical Psychology Review, 11, 729-780. ciente e seu consentimento. In A. B. Garrido (Ed.),
Glinski, J., Wetzler, S., & Goodman, E. (2001). The psy- Cirurgia da obesidade (pp. 47-52). São Paulo: Edi-
chology of gastric bypass surgery. Obesity Surgery, tora Atheneu.
11, 581-588. Reis, J. C. (1998). O Sorriso de Hipócrates: A integra-
Grana, A. S., Coolidge, F. L., & Merwin, M. M. (1989). ção biopsicossocial dos processos de saúde e doen-
Personality profiles of the morbidly obese. Journal ça. Lisboa: Vega.
of Clinical Psychology, 45 (5), 762-765. Reis, J. (1999). Modelo metateórico da psicologia da
Ibbotson, T., Maguire, P., Selby, P., Priestman, T., & saúde para o séc. XXI: Interacção ou integração
Wallace, L. (1994). Screening for anxiety and biopsicossocial? Análise Psicológica, 17 (3), 415-
depression in cancer patients: The effects of disea- -433.
se and treatment. European Journal of Cancer, 30, Razavi, D., Delvaux, N., Farvacques, C., & Robaye, E.
37-40. (1990). Screening for adjustment disorders and
International Federation for the Surgery of Obesity. Sta- major depressive disorders in cancer in-patients.
tement on morbid obesity and its treatment (1997). British Journal of Psychiatry, 156, 79-83.
Obesity Surgery, 7, 40-41. Sannen, I., Himpens, J., & Leman, G. (2001). Causes of
International Federation for the Surgery of Obesity. The dissatisfaction in some patients after adjustable
Cancun IFSO statement on bariatric surgeon qua- gastric banding. Obesity Surgery, 11, 605-608.
lifications (1998). Obesity Surgery, 8, 36. Santinho Martins, A., & Soares, C. (1983). A terapia
Kinzl, J. F., Traweger, C., Trefalt, E., & Biebl, W. (2003). comportamental na obesidade. Comunicação apre-
Psychosocial consequences of weight loss follo- sentada no III Encontro Nacional de Psicoterapia
wing gastric banding for morbid obesity. Obesity Comportamental, Lisboa.
Surgery, 13 (1), 105-110. Scheen, A. J., Rorive, M., Letiexhe, M., Devoitille, L.,
Kral, J. G., Sjöström, L. V., & Sullivan, M. B. E. (1992). & Jandrain, B. (2001). Comment je traite… Un su-
Assessment of quality of life before and after jet obèse par une approche multidisciplinaire: L’exemple
surgery for severe obesity. American Journal of du Centre de l’Obésité du CHU Ourthe-Amblève.
Clinical Nutrition, 55, 611S-614S. Revue Médicine Liège, 56 (7), 474-479.
Lang, T., Hauser, R., Sclumpf, R., Klaghofer, R., & Segal, A. (2003). Seguimento dos aspectos psíquicos. In
Buddeber, C. (2000). Psychische komorbidität und A. B. Garrido (Ed.), Cirurgia da obesidade (pp.
lebensqualität von patienten mit morbider 287-292). São Paulo: Editora Atheneu.
adipositas und wunsch nach gastric banding. Stewart, A., Hays, R., & Ware, J. (1988). The MOS short-
Schweiz Med Wochenschr, 130, 739-748. form General Health Survey: Reliability and
Larsen, F. (1990). Psychosocial function before and after validity in a patient population. Medical Care, 26
gastric banding surgery for morbid obesity: A pros- (7), 724-735.
pective psychiatric study. Acta Psychiatrica Scan- Stunkard, A. J., Stinnett, J. L., & Smoller, J. W. (1986).
dinavica, suppl 356 (82), 1-57. Psychological and social aspects of the surgical
Leventhal, H., Nerenz, D. R., & Steele, D. J. (1984). treatment of obesity. American Journal of Psychia-
Illness representations and coping with health try, 143 (4), 417-429.
threats. In A. Baum, S. Taylor, & J. Singer (Eds.), Stunkard, A. J., & Wadden, T. A. (1992). Psychological
Handbook of psychology and health (Vol. 4, pp. aspects of morbid obesity. American Journal of
219-252). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Asso- Clinical Nutrition, 55 (suppl 2), 5245-5325.
ciates. Sullivan, M. B., Sullivan, L. G., & Kral, J. G. (1987).
Maddi, S., Fox, S. R., Khoshaba, D., Harvey, R., Lu, J., Quality of life assessment in obesity: Physical,
& Persico, M. (2001). Reduction in psychopato- psychological, and social function. Gastroentero-
logy following bariatric surgery for morbid obese. logy Clinics of North America, 16 (3), 433-442.
Obesity Surgery, 11 (6), 680-685. Tanco, S., Linden, W., & Earle, T. (1998). Well-being
Mahoney, H. J., & Mahoney, K. (1970). Permanent and morbid obesity in women: a controlled therapy
weight control. New York: W. W. Norton. evaluation. Journal of Eating Disorders, 23 (8),
Millon, T. (1999). Millon Clinical Multiaxial Inventory- 325-339.
II – MCMI-II (2.ª ed. rev.) (adaptação espanhola de Terra, J. L. (1997). Le point de vue du psychiatre sur le
A. Ávila-Espada, & F. J. Gómez). Madrid: TEA traitement de l’obésité morbide par gastroplastie.
Ediciones (Original publicado em 1987). Annales de Chirurgie, 51 (2), 177-182.

549
Travado, L., Cunha, S., Pires, R., & Ventura, C. (2003). cológica dos doentes candidatos a cirurgia. Neste es-
Caracterização psicológica da população de obesi- tudo apresenta-se a caracterização psicológica da
dade mórbida seguida na consulta multidisciplinar população com OM, avaliada entre Fevereiro de 2002
do Hospital de São José. Trabalho apresentado nas e Maio de 2004, duma consulta de especialidade hos-
XVI Jornadas Médicas dos Hospitais S. José e pitalar. A metodologia desenvolvida inclui uma entre-
Desterro, Lisboa. vista clínica semi-estruturada e questionários de auto-
Travado, L., & Matos, J. N. (2001). Who lives longer -avaliação das dimensões de personalidade (MCMI-
and better? A study with treated breast cancer wo- -II), ansiedade e depressão (HADS), qualidade de vida
men. Liberdade, Anais Científicos da Universidade (MOS-SF/20) e auto-conceito (ICAC). Foram avalia-
Independente, 2 (4), 145-153. dos 212 pacientes com uma média de idades de 41,1
Travado, L., Ventura, C., Martins, V., Pires, R., & Mar- anos e um IMC de 46,6Kg/m2. Apresentam-se os re-
tins, C. (2004). Obesidade mórbida: Ideação sui- sultados obtidos e o protocolo de avaliação psicológica
cida, o fiel da balança? Comunicação apresentada desenvolvido. Salienta-se a importância da avaliação
nas 5as Jornadas sobre Comportamentos Suicidá- psicológica para parecer técnico e os seus dados qua-
rios, Luso. litativos para delineamento dos objectivos psicotera-
Turk, D., & Meichenbaum, D. (1991). Adherence to pêuticos e psico-educativos, como modo imprescin-
self-care regimens: The patient’s perspective. In J. dível ao sucesso deste processo de tratamento.
J. Sweet, R. H. Rozensky, & S. M. Tovian (Eds.), Palavras-chave: Obesidade mórbida, caracterização
Handbook of clinical psychology in medical psicológica, protocolo de avaliação.
settings (pp. 249-267). New York: Plenum Press.
Valley, V., & Grace, D. M. (1987). Psychosocial risk
factors in gastric surgery for obesity: Identifying ABSTRACT
guidelines for sreening. International Journal of
Obesity, 11, 105-113. Morbid obesity (MO) is a pathological type of
van Gemert, W. G., Severeijns, R. M., Greve, J. W., obesity considered a serious health problem to the
Groenman, N., & Soeters, P. B. (1998). Psycholo- individuals who have it. Its treatment should be based
gical functioning of morbidly obese patients after on a biopsychosocial model of the individual and his/
surgical treatment. International Journal of Obe- her illness process for assuring short and long term
sity, 22, 393-398. treatment success. The psychological approach, cogni-
Vaz Serra, A. (1986). O Inventário Clínico de Auto-con- tive-behaviour based, is structured along the 3 main
ceito. Psiquiatria Clínica, 7 (2), 67-84. phases of the treatment process: (1) pre-surgery; (2)
Vaz Serra, A. (1987). Auto-conceito e locus de contro- inpatient; (3) post-surgery and follow-up. The first
lo. Psiquiatria Clínica, 8 (3), 143-146. phase of this approach corresponds to the psychologi-
Zigmond, S. A., & Snaith, R. P. (1983). The Hospital cal assessment of the patients that are candidates to
Anxiety and Depression Scale. Acta Psychiatrica. surgery. This study presents the psychological cha-
Scandinavica, 67, 361-370. racterization of the MO population, assessed between
February 2002 and May 2004, of a hospital specialized
consultation. The developed methodology includes a
semi-structured interview and self-assessment ques-
RESUMO tionnaires of personality (MCMI-II), anxiety and de-
pression (HADS), quality of life (MOS-SF/20) and
A obesidade mórbida (OM) é uma versão patoló- self-concept (ICAC). 212 patients were assessed with
gica de obesidade considerada um grave problema de a mean age of 41.1 years old, and a BMI of 46.6Kg/m2.
saúde para os indivíduos que dela sofrem. O seu trata- We present the data and the protocol we developed for
mento deve ser baseado numa abordagem biopsi- psychological assessment. We emphasize the impor-
cossocial do indivíduo e do seu processo de doença tance of the psychological assessment for technical
que assegure o êxito do tratamento, a curto e longo advice before surgery and its qualitative data for de-
prazo. A abordagem psicológica de cariz cognitivo- signing the psycho-educational and psychotherapeutic
comportamental estrutura-se ao longo das 3 principais objectives, as fundamental to the success of the treat-
fases do processo de tratamento: (1) pré-cirurgia, (2) ment process.
internamento e (3) pós-cirurgia e follow-up. A primei- Key words: Morbid obesity, psychological cha-
ra fase desta abordagem corresponde à avaliação psi- racterization, protocol for psychological assessment.

550
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 551-570

Utentes da consulta externa de grávidas


adolescentes da Maternidade Júlio Dinis
entre os anos de 2000 e 2003 (*)

BÁRBARA FIGUEIREDO (**)


ALEXANDRA PACHECO (***)
RUTE MAGARINHO (****)

1. INTRODUÇÃO tudo do ponto de vista social e psicológico e re-


sulta em consequências adversas, quer para a mãe
A gravidez na adolescência é uma das ques- quer para o bebé.
tões realçada no relatório sobre o estado de saú- A gravidez na adolescência é um problema
de dos jovens na União Europeia, dado que im- largamente presente no nosso país, muito em-
plica um significativo aumento do risco para pro- bora, desde há duas décadas a esta data, se assis-
blemas sociais, económicos e de saúde da mãe e ta a uma diminuição do número de gravidezes
do bebé (European Commission, 2000). Como em mães com menos de 20 anos de idade1, 2, se-
veremos, esta problemática que está largamente guindo a tendência observada nos restantes paí-
presente em Portugal tem origem num conjunto ses de Europa (Clearie, 1985; Justo, 2000; Pear-
diverso de circunstâncias desfavoráveis, sobre- ce, Cantisani & Laihonen, 1999; Santos, 1997) e

1
(*) Agradecimentos: Queremos agradecer a todas as Em 1985, Portugal (26.0) situava-se em segundo
mães que voluntariamente participaram neste estudo, lugar a seguir à Grécia (com 28.6) (sendo nesse ano a
assim como às Dras. Ana Marques, Ana Rodrigues, média nos países europeus de 14.2); em 1995, situava-
Cristina Cabeleira e Raquel Costa que colaboraram na -se ainda em segundo lugar (16.6), mas agora a seguir
recolha dos dados apresentados neste artigo. ao Reino Unido (com 22.0) (quando a média nos paí-
Apoios: Serviço de Saúde e Desenvolvimento Hu- ses europeus foi de 9.8).
2
mano da Fundação Calouste Gulbenkian (Proc. 48914/ Tendo em conta os dados publicados pelo Instituto
02-04). Nacional de Estatística, também Justo (2000) salienta
(**) Departamento de Psicologia da Universidade que, em Portugal, ao aumento de nascimentos ocor-
do Minho. ridos em mães com menos de 20 anos entre 1947 e
(***) Investigadora no Departamento de Psicologia 1977, segue-se um decréscimo entre 1977 e 1996. Os
da Universidade do Minho. valores que este autor apresenta têm a vantagem de se-
(****) Médica Obstetra. Responsável pela Consulta rem relativos, quer à fertilidade em mães adultas, quer
Externa de Obstetrícia de Grávidas Adolescentes da Ma- ao total de indivíduos do sexo feminino, e mostram
ternidade Júlio Dinis (Porto). que a diminuição que se refere ultrapassa a diminuição

551
nos Estados Unidos (Arias, MacDorman, Stro- 1998; Furstenberg & Brooks-Gunn, 1985; Kier-
bino & Guyer, 2004). Com efeito, segundo o Eu- nan, 1995; Smith, 1993; Stevens-Simon & McAnar-
rostat (1999), o índice de fertilidade em mães ney, 1996). Assim, não obstante a variabilidade
com idades entre os 15 e os 19 anos é, em Por- que também é notada, as mães adolescentes são
tugal, largamente superior à média dos países eu- sobretudo jovens que vivem em áreas mais po-
ropeus: em 1997, o número de nascimentos por bres e degradadas, que estão mais desprotegidas
1.000 mulheres com idades entre os 15 e os 19 ou são mais vulneráveis do ponto de vista psi-
anos, foi de 17.0, o que corresponde a um valor cológico e social, nomeadamente porque foram
4 vezes superior ao de outros países da União excluídas do sistema escolar ou estão desempre-
Europeia, particularmente Holanda e Suécia, só gadas (Social Exclusion Unit, 1999). Estudos
ultrapassado pelo Reino Unido (25.0). No entan- mais recentes verificam que iguais circunstâncias
to, a situação não é comparável ao que acontece desfavoráveis podem também ser encontradas
em outros países como os Estados Unidos (com junto dos pais dos bebés das mães adolescentes
um índice de 86.7, em 1999 e 42.9, em 2002) (e.g., Ekeus & Chirstensson, 2003; Pirog-Good,
(Arias, MacDorman, Strobino, & Guyer, 2003; 1995).
Ventura, Abma, Mosher, Henshaw, et al., 2003) e As adolescentes que engravidam, com signi-
o Brasil (85.3, em 1998) (da Silva, Simões Bar- ficativa frequência viveram condições adversas
bieri, Bettiol, & Lamy-Filho, 2003; Simões, Sil- no decurso da sua trajectória de desenvolvi-
va, Bettiol, Lamy-Filho, Tonial, & Mochel, 2003). mento, tais como: maternidade adolescente da
A maior parte dos estudos disponíveis, condu- mãe (Davis, 1989; Hogan & Kitagawa, 1985; Hol-
zidos em Portugal e nos restantes países ociden- den, Nelson, Velasquez, & Ritchie, 1993; Kier-
tais, dá conta do mesmo panorama: a gravidez nan, 1995; Zabin & Hayworth, 1993), ausência
ocorre sobretudo junto das adolescentes que vi- do pai (Barnett et al., 1991; Ellis, Bates, Dodge,
vem nas situações mais desfavorecidas do ponto Ferrgusson, Horwood, et al., 2003; Hogan & Ki-
de vista social, económico, pessoal e cultural. As tagawa, 1985; Holden et al., 1993), instituciona-
condições sociais e económicas desfavoráveis, lização precoce (Botting, Rosato, & Wood, 1998),
mais correntemente assinaladas como estando na abuso físico ou sexual (Michael, Gagnon, Lau-
origem da gestação na adolescência, são: a po- man, & Kolat, 1994; Parker, Soeken, & Torres,
breza, os baixos níveis educacionais e a exclusão 1993), instabilidade, inadequação ou falta de su-
do sistema escolar e do emprego, em estudos pervisão familiar (Barnett, Papini, & Gbur, 1991;
realizados quer no nosso país (Almeida, 1987; Hogan & Kitagawa, 1985; Holden et al., 1993;
Grande, 1997; Jongenelen, 1998; Pacheco, Cos- Miller, McCoy, Olson, & Wallace, 1986; Zabin
ta, & Figueiredo, 2003a; Pacheco, Figueiredo, & Hayworth, 1993). Verifica-se que o risco de
Costa, & Magarinho, 2003b; Silva & Nóbrega, uma gravidez na adolescência aumenta de forma
1983), quer nos restantes países ocidentais (e.g., significativa à medida que aumenta o número de
Alvarez, Burrows, Zvaighat, & Santiago, 1987; condições adversas durante a infância, as quais
Bynner & Parsons, 1999; Chase-Lansdale & têm um efeito cumulativo e são, na opinião de
Brooks-Gunn, 1994; Coley & Chase-Lansdale, alguns autores, as principais circunstâncias de
risco para a gestação na adolescência e, mais do
que a idade, os principais factores responsáveis
pelos efeitos negativos observados sobre as ado-
lescentes e seus bebés (Hillis, Anda, Dube, Fe-
esperada, tendo em conta a redução do índice de
litti, Marchbanks, & Marks, 2004). Por outro la-
fertilidade na população em geral, assim como a do, quando sucede na adolescência, a gestação
redução da população jovem. Mais autores verificam a não foi muitas vezes, nem planeada nem dese-
redução do número de nascimentos na população jada, o que compromete negativamente o envol-
adolescente, em diversos países de Europa, mesmo vimento com a gravidez e os cuidados pré-natais
quando se considera a diminuição do índice de
fertilidade e da população jovem, observando que as
(Crosby, DiClemente, Wingood, Rose, & Lang,
mulheres tendem cada vez mais a ter menos filhos e a 2003).
ter os filhos em idades mais avançadas (Pearce, Outras características são também apontadas
Cantisani, & Laihonen, 1999). em associação com a maternidade na adolescên-

552
cia, tais como: início precoce da actividade se- portamento (Apfel & Seitz, 1997; Hann, Osofsky,
xual, falta de conhecimentos a respeito da sexua- & Culp, 1996; Miller, Miceli, Whitman, & Bor-
lidade e uso muito pouco frequente de contra- kowski, 1996) e padrões inseguros de vinculação
cepção (Holden et al., 1993; Wellings, Wads- (Broussard, 1995; Frodi, Grolnick, Bridges, &
worth, Johnson, Field, et al., 1996). As atitudes Berko, 1990; Susman, Kalkose, Egeland, & Wald-
negativas em relação ao sexo (e.g., Boxer, 1992), man, 1996).
as atitudes positivas em relação à gravidez e as Estas consequências são correntemente mais
atitudes irrealistas em relação ao exercício da pa- visíveis nas adolescentes mais novas, em relação
rentalidade (e.g., Jaccard, Dodge, & Dittus, 2003a, às de mais idade (e.g., Chang et al., 2003; Kir-
2003b; Murry, 1995) fazem igualmente prever a chengast & Hartman, 2003), e nas adolescentes
gravidez na adolescência. com experiências adversas durante a infância ou
Com frequência a exclusão social é causa, mas na actual gravidez, diminuindo significativamen-
também consequência agravada pela gravidez na te quando viveram/vivem em contextos mais fa-
adolescência, que torna mais desfavorável uma voráveis (Hillis et al., 2004).
situação que é já de si desfavorável à partida (Fes- Saliente-se, por último, que esforços efectivos
sler, 2003; Figueiredo, 2000). Na sequência da têm sido desenvolvidos em Portugal, durante os
gravidez, verifica-se um outro conjunto de situa- últimos anos, no sentido de prevenir a gravidez
ções adversas, dado que está significativamente na adolescência (Escola do Cerco, 1997; Men-
aumentado o risco de a adolescente voltar a en- des, Horta, Paulo, & Lopes, 1997) e de minimi-
gravidar antes dos 20 anos de idade (Furstenberg zar os seus efeitos adversos sobre a mãe e o bebé
& Brooks-Gunn, 1985; Wellings, Wadsworth, John- (Figueiredo, 2001; Figueiredo, Matos, Magari-
son, Field, et al., 1996), assim como são corren- nho, Martins, Jongenelen et al., 2000; Silva, Ca-
tes as dificuldades obstétricas e os problemas de bral, & Zuckerman, 1993).
saúde da mãe (Irvine, Bradley, Cupples, & Bo- O presente estudo tem por principal objectivo
ohan, 1997). Em consequência da gravidez, cer- caracterizar as condições relativas à gravidez na
ca de metade das mães adolescentes rompe o seu adolescência em Portugal. Ao analisar as mudan-
relacionamento com o companheiro (Allen, 1998), ças que ocorrem ao longo da gestação, em áreas
deixa de estudar (Furstenberg & Brooks-Gunn, significativas da vida da adolescente, pretende
1985; Hobcraft & Kiernan, 1999), perde o em- também contribuir para o melhor conhecimento
prego ou reduz as suas possibilidades de pro- das dificuldades associadas a esta problemática.
gressão profissional (Bynner & Parsons, 1999;
Furstenberg & Brooks-Gunn, 1985), ou ainda,
vive sozinha (Allen, 1998), em condições precá- 2. MÉTODO
rias ou de baixo rendimento económico (Fursten-
berg & Brooks-Gunn, 1986; Speak, Cameron,
Woods, & Gilroy, 1995). 2.1. Participantes
Os seus filhos com mais frequência tendem a
morte fetal, nascimento prematuro e baixo peso à A amostra é constituída por 161 adolescentes
nascença (Apfel & Seitz, 1997; Botting, Rosato, grávidas, com idade igual ou inferior a 18 anos à
& Wood, 1998; Chang, O’Brien, Nathanson, Man- data provável do parto, aleatoriamente seleccio-
cini, & Witter, 2003; da Silva et al., 2003; San- nadas durante o terceiro trimestre de gestação,
tos, 1997; Simões et al., 2003; Kirchengast & Hart- no período entre Janeiro de 2000 e Dezembro de
man, 2003; Wang & Chou, 2003), ser admitidos 2003, do total de casos atendidos na Consulta
em hospitais e ser vítimas de acidentes, ser alvo Externa de Obstetrícia para Grávidas Adolescen-
de negligência ou de abuso (Baranowski, Schil- tes da Maternidade Júlio Dinis (MJD, Porto).
moeller, & Higgins, 1990; Zuravin & DiBlasio,
1996), pelo que a taxa de mortalidade infantil é 2.2. Instrumentos
particularmente elevada no grupo de mães ado-
lescentes. Observa-se ainda um maior número de O Questionário da Consulta de Grávidas Ado-
crianças com atrasos no desenvolvimento cogni- lescentes da Maternidade Júlio Dinis (Figueire-
tivo, baixo rendimento escolar, problemas de com- do, 2000) é composto por 125 questões, adminis-

553
tradas sob a forma de uma entrevista, que são nheiros – refere-se as seguintes dimensões: 1)
cotadas a partir de um conjunto de opções dispo- dados sociais e demográficos (grávida e compa-
níveis, previamente fixadas. Recolhe dados so- nheiro); 2) condições anteriores de existência
ciais e demográficos relativos à grávida e ao com- (grávida e companheiro); 3) outros dados rela-
panheiro, nomeadamente: idade, naturalidade, es- tivos à família de origem; 4) história obstétrica;
colaridade, estatuto profissional, estado civil, es- 5) dados relativos ao relacionamento com o com-
trutura familiar, hábitos de consumo, estado de panheiro e com a família de origem e do compa-
saúde física e psicológica e antecedentes pesso- nheiro; 6) dados relativos à actual gravidez, in-
ais. Informa a respeito da família de origem da cluindo: a) planeamento/conhecimento, b) acei-
grávida, em aspectos como: número de irmãos, tação, c) hábitos de consumo e d) acompanha-
idade dos pais, estado civil dos pais, situação pro- mento médico. Num primeiro momento, todas as
fissional dos pais, escolaridade dos pais, hábitos dimensões consideradas foram caracterizadas com
de consumo dos pais, estado de saúde física e psi- recurso a análises descritivas dos dados. Num
cológica dos pais e antecedentes pessoais dos segundo momento, o teste de qui-quadrado per-
pais. Faz o levantamento das circunstâncias ante- mitiu estudar o significado estatístico das asso-
riores de vida, físicas e psicológicas de risco, da ciações entre variáveis relativas à grávida e va-
adolescente e do seu companheiro, por exemplo: riáveis relativas ao companheiro. Num terceiro
morte de um dos pais, separação dos pais, insti- momento, e dependendo do tipo de variáveis em
tucionalização, abuso/negligência, violência do- estudo (ordinais ou dicotómicas), testes não pa-
méstica, consumo de álcool ou substâncias ilíci- ramétricos para amostras emparelhadas ou testes
tas e suicídio. Abrange ainda a sexualidade (por de qui-quadrado (respectivamente) foram empre-
exemplo: inicio da actividade sexual, conheci- gues para testar diferenças ou associações entre:
mento e uso de métodos contraceptivos) e a actual grávida/companheiro; grávida/família de origem;
gravidez, nomeadamente as condições em que grávida/família do companheiro.
decorre (tipo de gestação, planeamento da gra-
videz e do parto, conhecimento da gravidez, acei- 3.1.1. Dados sociais e demográficos: grávida e
tação da gravidez, regularidade no acompanha- companheiro
mento médico, etc.).
As adolescentes que tomaram parte deste es-
2.3. Procedimentos tudo têm, na sua grande maioria, naturalidade
portuguesa (98.8%) (as restantes 1.2% são origi-
Todas as utentes foram contactadas na Con- narias de outros países) e residem quase todas na
sulta Externa de Obstetrícia para Grávidas Ado- Área do Grande Porto. As suas idades estão com-
lescentes da MJD, entre Janeiro de 2000 e De- preendidas entre os 12 e os 18 anos (média=16.06
zembro de 2003, e foram entrevistadas individu- anos). A maior parte dos companheiros tem tam-
almente, por psicólogas do Departamento de Psi- bém naturalidade portuguesa (94.4%) (os res-
cologia da Universidade do Minho, após consen- tantes são originários em 3.8% dos casos dos
timento informado. A participação no estudo foi PALOP e em 1.9% dos casos de outros países),
voluntária. mas são significativamente mais velhos (t(159)=
-14.354, p=.000), com idades entre os 14 e os 37
anos (média=20.53 anos). Em mais de um quarto
3. RESULTADOS dos casos (31.9%) ambos os pais têm idade
inferior a 19 anos (cf. Quadro 1).
Toda a amostra é alfabetizada, mas poucas grá-
3.1. Condições de existência das grávidas ado- vidas possuem a escolaridade obrigatória, pois
lescentes e seus companheiros 78.3% têm menos de 9 anos de estudo (média de
anos completos de estudo=6.94 anos); o mesmo
A apresentação dos resultados relativos ao se constata com os companheiros, visto que
primeiro objectivo deste estudo – a caracteriza- grande parte tem também menos de 9 anos de
ção das condições de existência das grávidas ado- estudo (71.8%) (média de anos completos de es-
lescentes atendidas na consulta e seus compa- tudo=7.10 anos), não sendo significativas as di-

554
ferenças entre pais e mães quanto ao número de tejam significativamente mais vezes ocupados
anos completos de estudo (t(141)=-.158, p=.875). do que as adolescentes (X2(1)=60.924, p=.000),
A maioria das adolescentes está desocupada, pois a maior parte trabalha (73.8%) ou estuda
não estando nem a trabalhar nem a estudar (3.1%), um número elevado também não tem ocu-
(66.5%); no entanto, algumas estão empregadas pação (23.1%). Observa-se ainda uma associação
(21.2%) ou a estudar (12.3%). Quando emprega- entre companheiro e grávida ao nível da respe-
das têm geralmente profissões do tipo manual ctiva situação profissional: estar empregado/estar
[não especializado (84.1%) ou especializadas (11.1%)], desempregado (X2(1)=5.347, p=.014).
sendo menos frequente na amostra as profissões As profissões dos companheiros são igual-
não manuais [não especializadas (0%) ou espe- mente mais do tipo manual [não especializado
cializadas (4.8%)]. Embora os companheiros es- (65.1%) e especializado (27.6%)] do que do tipo

QUADRO 1
Dados sociais e demográficos: Grávida e companheiro

Grávida Companheiro
% %

Idade 12-14 8.7 0.6


15-16 49.7 6.9
17-18 41.6 24.4
≥19 0 68.1

Anos de estudo <9 78.3 71.8


≥9 e ≤12 15.4 16.3
>12 6.3 11.9

Estatuto ocupacional Empregada(o) 21.2 73.8


Profissão Manual 95.2 92.7
Não especializado 84.1 65.1
Especializado 11.1 27.6
Não Manual 4.8 7.3
Não especializado 0 4.9
Especializado 4.8 2.4
Estuda 12.3 3.1
Desempregada(o) 66.5 23.1

Estado civil Casada(o) 13.0 13.7


Regime de coabitação 43.5 47.8
Solteira/o 43.5 38.5

Agregado familiar A viver com a família 78.2 77.7


Com o companheiro/a 36.6 39.8
Sem o companheiro/a 41.6 37.9
A viver sem a família 21.8 22.3
Com o companheiro/a 20.6 21.1
Sem o companheiro/a 1.2 1.2

Paridade Primigestas 85.7


Primiparas 94.4

555
não manual [não especializado (4.9%) e não ma- longo da sua trajectória desenvolvimental (mé-
nual especializado (2.4%)], não se verificando dia=2.401) do que os companheiros (média=1.471),
diferenças significativas entre o tipo de profis- (t(156)= 4.667, p=.000). Não se observa uma as-
sões no grupo de grávidas e no grupo de compa- sociação significativa entre a presença/ausência
nheiros (X2(1)=0.451, p=.372). No entanto, não de condições anteriores adversas de existência
se estabelece qualquer associação significativa entre as grávidas e seus respectivos companhei-
entre mães e pais em relação a terem profissões ros (X2(1)=0.709, p=.254).
de tipo manual ou não manual (X2(1)=0.120, p=.893). Quanto ao tipo de circunstâncias adversas, no-
A amostra divide-se quase equitativamente te-se que cerca de um quarto das participantes
pelas grávidas que são solteiras (43.5%) e as que tem pais separados ou divorciados (28.6%); re-
vivem em regime de coabitação (43.5%), as res- cebeu cuidados parentais por substitutos na fa-
tantes são casadas (13.0%), à semelhança do que mília (23.6%), fora da família (5.0%), ou por pa-
se verifica com os seus companheiros. drasto/madrasta (10.6%); em muitos casos os
Em termos do agregado familiar, três situa- pais das grávidas foram eles próprios pais ado-
ções são mais usuais e ocorrem com frequência lescentes (37.3%); algumas participantes estive-
semelhante na amostra em estudo: a adolescente ram mais de um mês sem contacto com os pais
viver com a família e sem o companheiro (41.6%); (22.4%), são órfãs de pelo menos um dos pais
a adolescente viver com a família e com o com- (15.5%), foram precocemente institucionalizadas
panheiro (36.6%); a adolescente viver sem a fa- (6.2%) ou adoptadas (0.6%). Regista-se também
mília, mas com o companheiro (20.6%). Conse- um elevado número de adolescentes com história
quentemente, as participantes vivem a maior par- anterior de tentativa de suicídio (9.3%), maus-tra-
te das vezes com a família (78.2%) (em apenas tos ou negligência (11.8%), abuso sexual (3.1%)
21.8% dos casos sem a família) e a maior parte ou que esteve internada mais de um mês para
das vezes com o companheiro (57.2%) (em ape- receber cuidados hospitalares (3.7%). Existem
nas 42.8% dos casos sem o companheiro). É pou- ainda relatos frequentes de condições físicas de
co comum que a grávida não viva nem com a fa- grande precariedade (6.2%), isolamento social
mília nem com o companheiro (1.2%). ou familiar (0.6%), problemas com a justiça (3.1%),
emigração (2.5%), violência doméstica (13.0%),
3.1.2. Condições anteriores de existência: grá- incapacidade física (0.6%) ou psicológica (1.2%),
vida e companheiro alcoolismo (18.0%) ou consumo de substâncias
ilícitas (13.7%) na família de origem das partici-
A maioria das adolescentes (73.3%) preenche, pantes (cf. Gráfico 2).
ou uma (19.9%), ou duas (15.5%), ou três ou Em relação aos companheiros, os seguintes acon-
mais (37.9%) das condições adversas anteriores tecimentos anteriores adversos foram sinaliza-
de existência listadas no estudo. Do mesmo mo- dos: separação ou divórcio dos pais (21.8%), mor-
do, também a maioria dos companheiros (61.1%) te de pelo menos um dos pais (16.6%), mais de
refere a presença de uma condição (24.8%), em um mês sem contacto com os pais (17.9%), cui-
12.7% dos casos duas, e em 23.6% dos casos mais dados parentais por substitutos na família (13.5%),
do que duas condições adversas anteriores de exis- fora da família (1.9%) ou por padrasto/madrasta
tência. Verificam-se diferenças significativas no (8.3%), pais adolescentes (6.5%), instituciona-
grupo de grávidas e no grupo de companheiros, lização precoce (3.2%) ou adopção (1.3%). Foi
em relação a terem ou não terem acontecimentos ainda referida, em relação ao companheiro, ten-
adversos ao longo das suas trajectórias de desen- tativa de suicídio (1.3%), história de maus-tratos
volvimento, com maior presença de aconteci- e negligência (8.3%) e internamento hospitalar
mentos adversos na grávida e maior ausência com mais de um mês de duração (6.4%). Também
desses mesmos acontecimentos no companheiro, se encontram presentes problemas com a justiça
comparativamente ao que seria de esperar se a (5.7%), condições físicas de grande precariedade
distribuição desses incidentes pelos grupos fosse (3.2%), violência doméstica (7.7%), isolamento
atribuível ao acaso (X2(1)=5.328, p=.014). As grá- social ou familiar (0.6%), emigração (4.5%), in-
vidas adolescentes relatam ainda um significati- capacidade física (1.3%) ou psicológica (0.6%),
vo maior número de acontecimentos adversos ao alcoolismo (12.1%) e consumo de substâncias

556
ilícitas (5.1%) na família de origem do compa- grande precariedade (X2(1)=9.715, p=.033), vio-
nheiro. lência doméstica (X2(1)=4.894, p=.050), alco-
Observa-se uma associação significativa entre olismo (X2(1)=5.329, p=.030) na família de ori-
a presença de determinados acontecimentos adver- gem, e problemas com a justiça (X2(1)=11.134,
sos na grávida e a presença dos mesmos aconte- p=.027), têm companheiros que descrevem, em
cimentos adversos no companheiro. As grávidas número superior ao que seria de esperar numa
adolescentes que relatam maus-tratos ou negli- distribuição ao acaso, as mesmas condições
gência (X2(1)=11.097, p=.006), cuidados paren- adversas de existência.
tais por substitutos fora da família (X2(1)=23.809, Analisando por outro lado as diferenças entre
p=.007), internamento hospitalar por mais de um o grupo de grávidas e o grupo de companheiros,
mês (X2(1)=7.539, p=.048), condições físicas de em relação ao tipo de acontecimentos adversos

GRÁFICO 1
Condições anteriores de existência: Grávida e companheiro

**p<.01; *p<.05

557
presentes ao longo do desenvolvimento, verifica- abitação (12.1%), são separados/divorciados
se que as grávidas, em contraponto aos compa- (14.3%), solteiros (2.1%) ou viúvos (3.6%). Têm
nheiros, relatam mais situações de: pais adoles- menos de 43 anos de idade em 44.4% dos casos
centes (X2(1)=43.486, p=.000), cuidados paren- e em 18.3% dos casos estão desempregados.
tais por substitutos na família (X2(1)=5.379, Relativamente aos hábitos de consumo das
p=.014), abuso sexual (X2(1)=4.922, p=.033), ten- mães das adolescentes, verifica-se que: 28.3% fu-
tativa de suicídio (X2(1)=10.078, p=.001) e con- ma, 23.2% consome regularmente álcool (1.3% é
sumo de substâncias ilícitas na família de origem alcoólica) e 2.6% consome substâncias ilícitas.
(X2(1)=6.738, p=.007); enquanto que os compa- No que concerne aos hábitos de consumo dos pais
nheiros, relatam mais situações de problemas das adolescentes, constata-se que: cerca ou mais
com a justiça (X2(1)=1.303, p=.193). de metade fuma (64.0%) ou consome regu-
larmente álcool (48.6%), muitos são alcoólicos
3.1.3. Outros dados relativos à família de ori- (7.1%) ou consumidores de substâncias ilícitas
gem: grávida (3.6%).

Na sua maior parte, as mães das participantes 3.1.4. Dados relativos à sexualidade: grávida
são casadas (62.7%), mas estão sobre-represen-
tados na amostra os casos de coabitação (10.5%), Para todas as grávidas a menarca ocorreu en-
separação/divórcio (16.3%), viuvez (6.5%) ou de tre os 8 e os 16 anos (média=11.96 anos) e a coi-
mães solteiras (3.9%). A maioria tem menos de tarca entre os 9 e os 18 anos de idade (média=
43 anos de idade (66.3%) e um número elevado 15.02 anos); mais de metade da amostra (67.7%)
foi mãe antes dos 18 anos (33.1%). Um número teve a primeira relação sexual antes dos 16 anos
significativo (31.7%) está desempregada. de idade.
Os pais das participantes muitas vezes estão Quase todas as participantes (98.1%) tem
casados (67.9%), outros vivem em regime de co- conhecimento de pelo menos um método contra-

QUADRO 2
História obstétrica e gravidez actual

Grávida
%

História Planeamento familiar 59.8


Obstétrica Primigestas 85.7
Primiparas 94.4
Interrupção gravidez Involuntária 5.0
Voluntária 1.2

Gravidez Actual Planeamento Planeada 47.8


Não planeada 52.2
- desejada 26.7
- não desejada 25.5
Conhecimento > 1.º trimestre 25.3
Participação ≥ 1 mês após conhecimento 48.7
Primeira consulta > 1.º trimestre 43.3
Consumo Tabaco 21.7
Álcool 1.2
Substâncias ilícitas 0.6

558
ceptivo; os métodos mais conhecidos são a pílula do companheiro (média=3.39) (t(158)=15.305,
(94.4%) e o preservativo (92.5%), enquanto os p=.000). Contudo, na comparação entre a quali-
espermicidas (16.8%) e o DIU (21.7%) são pra- dade do relacionamento da grávida com o com-
ticamente desconhecidos na amostra. Apesar de, panheiro com a qualidade do relacionamento da
no geral, as adolescentes conhecerem os méto- grávida com a família do companheiro não se en-
dos contraceptivos, apenas pouco mais de me- contram diferenças significativas (X2(1)=0.722,
tade os usou pelo menos uma vez (59.8%); mais p=.238). Quando se analisa a qualidade do rela-
frequentemente, a pílula (39.1%) e o preservati- cionamento da grávida com o companheiro e a
vo (30.4%). qualidade do relacionamento da grávida com a
sua família, verificam-se associações significa-
3.1.5. História obstétrica tivas, que mostram um maior número de grávi-
das com um relacionamento ‘bom’ ou ‘muito bom’
A maior parte das adolescentes é primípara com o companheiro tem em maior número um
(94.4%); no entanto, 14.3% da amostra já esteve relacionamento ‘bom’ ou ‘muito bom’ com a fa-
grávida pelo menos uma vez, pois: 5.6% tem um mília de origem, do que o número que seria de es-
filho presentemente a viver com elas, 2.5% perar numa distribuição ao acaso (X2(1)=8.728,
referem gravidez anterior com morte neo-natal, p=.002). No entanto, não existe uma associação
5.0% relatam interrupção involuntária e 1.2% in- significativa entre um melhor ou pior relaciona-
terrupção voluntária de gravidez. Uma pequena mento com o companheiro e um melhor ou pior
percentagem (2.5%) têm uma doença ginecológi- relacionamento com a família do companheiro
ca e 1.9% (assim como 1.9% dos companheiros) (X2(1)=0.239, p=.392).
tem uma doença sexualmente transmissível. Só
uma adolescente está grávida de gémeos, pelo que 3.1.7. Dados relativos à actual gravidez
99.4% da amostra tem uma gestação simples.

3.1.6. Dados relativos ao relacionamento com 3.1.7.1. Planeamento/Conhecimento


o companheiro e com a família de
origem e do companheiro Metade das adolescentes da amostra planeou a
actual gravidez (47.8%), a outra metade, em par-
Na maioria dos casos as adolescentes qualifi- tes idênticas, não planeou mas desejou (26.7%) e
cam de ‘bom’ ou ‘muito bom’ o relacionamento não planeou nem desejou a gravidez (25.5%).
com o pai do bebé (85.7%), poucas descrevam- Para a maioria da amostra o conhecimento da
no como ‘razoável’ (11.8%) ou ‘mau ou muito gravidez ocorreu no primeiro trimestre de gesta-
mau’ (2.5%). Cerca de três quartos das grávidas ção (86.7%); em alguns casos, o conhecimento
dizem ter um relacionamento ‘bom’ ou ‘muito da gravidez só aconteceu no segundo trimestre
bom’ com a sua família de origem (76.8%), as (12.1%); e para um número reduzido apenas no
restantes relatam um relacionamento ‘razoável’ terceiro trimestre da gravidez (1.2%).
(15.1%), ‘mau ou muito mau’ (6.9%), ou ‘ine- A primeira pessoa a saber da gravidez foi ge-
xistente’ (1.3%). Mais de metade da amostra re- ralmente o pai do bebé (52.8%); mas muitas ado-
fere um relacionamento ‘bom’ ou ‘muito bom’ lescentes deram a conhecer a gravidez em pri-
com a família do companheiro (61.4%), mas mui- meiro lugar à mãe (21.1%), a outros familiares
tas participantes qualificam-no de ‘razoável’ (19.6%), (15.5%) ou a amigos ou profissionais (10.6%).
‘mau ou muito mau’ (10.8%) ou ‘inexistente’ (8.2%). Mais de metade das adolescentes deu a conhe-
Comparando a qualidade do relacionamento cer a gravidez imediatamente após tomar conhe-
da grávida com o companheiro, com a família de cimento do facto (52.2%); muitas adolescentes só
origem e com a família do companheiro, verifi- o fizeram ao fim de um mês (22.5%), algumas
ca-se que a qualidade do relacionamento da grá- deram a conhecer a gravidez após um a dois me-
vida com o companheiro é significativamente me- ses do seu conhecimento (12.6%), as restantes só
lhor (média=4.78) do que a qualidade do relacio- o fizeram após três ou mais meses (12.7%). Mui-
namento com a sua família de origem (média= tas grávidas contaram de imediato ao pai do bebé
3.89) (t(159)=10.291, p=.000) e com a família da gravidez (49.1%); um número significativo

559
GRÁFICO 2
Qualidade do relacionamento com o companheiro, com a família de origem e com a família
do companheiro

contou no primeiro mês após conhecimento (29.5%), guns tivessem uma aceitação ‘moderada’ (11.3%)
outras informaram o companheiro da gravidez e outros uma ‘má’ ou ‘muito má’ aceitação ini-
entre o primeiro e o segundo mês (7.0%), as res- cial da gravidez (14.5%). Menos de metade das
tantes contaram depois de três ou mais meses (14.4%). famílias reagiu de inicio ‘bem’ ou ‘muito bem’ à
Cerca de um terço das adolescentes (33.8%) in- gravidez (45.6% das famílias da adolescente e
formou os respectivos pais logo após tomar co- 49.4% das famílias do companheiro), pelo que a
nhecimento que estava grávida, 36.3% fê-lo no maior parte reagiu ‘mal’ ou ‘muito mal’ (31.6%
primeiro mês, algumas informaram os pais ao das famílias da adolescente e 23.7% das famílias
fim de dois meses (9.6%) e um número relevante do companheiro) ou apenas com ‘moderação’ (22.8%
só o fez após três ou mais meses da tomada de das famílias da adolescente e 26.9% das famílias
conhecimento desse facto (20.3%). do companheiro).
No terceiro trimestre, a adolescente tem uma
3.1.7.2. Aceitação ‘boa’ ou ‘muito boa’ aceitação da gravidez em
82.3% dos casos; no entanto, uma pequena per-
Em mais de metade dos casos, a adolescente centagem tem uma aceitação ‘má’ ou ‘muito má’
teve uma ‘boa’ ou ‘muito boa’ aceitação inicial (2.5%) e algumas aceitam de forma ‘moderada’
da gravidez (58.1%); no entanto, uma em cada (15.2%). Do mesmo modo, a grande maioria dos
quatro teve uma aceitação inicial ‘má’ ou ‘muito companheiros aceita ‘bem’ ou ‘muito bem’ a gra-
má’ (25.3%) e algumas aceitaram apenas de for- videz (83.5%), embora alguns tenham uma acei-
ma ‘moderada’ (15.6%). Do mesmo modo, a maio- tação ‘moderada’ (8.9%) e outros uma ‘má’ ou
ria dos companheiros aceitou inicialmente ‘bem’ ‘muito má’ aceitação da gravidez (7.6%). Cerca
ou ‘muito bem’ a gravidez (74.2%), embora al- de três quartos das famílias aceita ‘bem’ ou ‘mui-

560
to bem’ à gravidez, no terceiro trimestre (76.1% mais positiva na grávida (média=5.07) e menos
das famílias da adolescente e 75.2% das famílias positiva na família de origem (média=4.90) (t(156)=
do companheiro), embora algumas ainda aceitem 3.223, p=.002) e na família do companheiro
‘mal’ ou ‘muito mal’ (6.3% das famílias da ado- (média=4.80) (t(151)=3.828, p=.000).
lescente e 9.1% das famílias do companheiro) Verifica-se uma associação significativa entre
ou apenas com ‘moderação’ (17.6% das famílias a aceitação inicial da gravidez pela adolescente e
da adolescente e 15.7% das famílias do compa- pelo companheiro, ou seja, quando a adolescente
nheiro). aceita melhor, um número maior de companhei-
Existem diferenças significativas entre a acei- ros do que o esperado numa distribuição ao aca-
tação inicial da gravidez pela mãe, em relação à so também aceita positivamente a gravidez, e quan-
aceitação inicial do pai, da sua família de origem do a adolescente aceita pior, um número mais
e da família do pai do bebé: A aceitação inicial elevado de companheiros do que o esperado re-
da adolescente é normalmente menos positiva fere uma aceitação menos positiva da gravidez
(média=3.56) do que a aceitação inicial do com- (X2(1)=30.380, p=.000). De igual modo, verifi-
panheiro (média=3.94) (t(158)=-4.416, p=.000), ca-se uma associação entre a aceitação inicial da
da família de origem (média=4.09) (t(157)=-4.531, gravidez pela adolescente e pela sua família: as
p=.000) e da família do companheiro (média=4.25) adolescentes que aceitam melhor a gravidez fa-
(t(155)=-5.963, p=.000). Por altura do terceiro zem em maior número parte de famílias que acei-
trimestre de gestação verifica-se uma diferença tam também mais positivamente a gravidez, en-
significativa em sentido contrário, entre a acei- quanto que as adolescentes que aceitam pior a
tação da gravidez pela adolescente, pela sua fa- gravidez associam-se a famílias que aceitam me-
mília de origem e pela família do companheiro, nos positivamente a gravidez, num número supe-

GRÁFICO 3
Aceitação da gravidez: Grávida, companheiro, família de origem e família do companheiro

561
rior do que seria esperado numa distribuição alea- primeiro trimestre de gestação (56.7%) [no pri-
tória (X2(1)=3.329, p=.048). A mesma relação é meiro (4.5%), segundo (26.1%) ou terceiro (26.1%)
encontrada entre a aceitação inicial da gravidez mês de gravidez]; contudo, muitas só foram acom-
pela adolescente e aceitação inicial da gravidez panhadas a partir do segundo trimestre (20.5%)
pela família do companheiro: as adolescentes que [no quarto (18.5%) ou quinto mês de gravidez
aceitam pior a sua gravidez tem em maior nú- (12.0%)] e um número importante de adolescen-
mero companheiros cujas famílias aceitam tam- tes somente no último trimestre de gestação (13.8%).
bém menos positivamente a gravidez (X2(1)= As adolescentes elegem habitualmente a mãe
4.603, p=.023). No que se refere à aceitação da (40.6%) ou o companheiro (23.1%) para as acom-
gravidez no terceiro trimestre de gestação, igual panharem na primeira consulta de obstetrícia;
associação significativa foi observada entre a acei- existem, porém, algumas que vão sozinhas à con-
tação da adolescente e do companheiro (X2(1)= sulta (14.4%). Posteriormente, em cerca de um
85.979, p=.000), a aceitação da adolescente e da terço dos casos, as adolescentes vêm à MJD acom-
sua família (X2(1)=3.329, p=.048) e a aceitação panhadas pelo companheiro (26.4%), ou pela res-
da adolescente e da família do companheiro (X2(1)= pectiva mãe (33.3%), ou vêm sozinhas (23.3%).
56.352, p=.000). No entanto, a maioria das adolescentes entra na
Quando se analisa a relação entre a aceitação consulta sozinha (49.4%), embora algumas en-
da gravidez pelo pai do bebé, mas agora com a trem com a mãe (25.6%); poucas são as que en-
aceitação da gravidez pela sua família de origem, tram com o companheiro (15.4%).
verifica-se, do mesmo modo, uma associação signi- No terceiro trimestre de gravidez, cerca de três
ficativa: quando o pai aceita melhor a gravidez a quartos das adolescentes da amostra já sabe qual
sua família tende igualmente a aceitar mais posi- o sexo do bebé (70.4%) e decidiu qual o nome a
tivamente a gravidez, enquanto que os pais que dar-lhe (76.1%). A grande maioria também já pla-
aceitam pior a gravidez pertencem geralmente a neou em que instituição quer que o parto se rea-
famílias que também aceitam mais negativamente lize (96.2%) e um número considerável (75.0%)
a gravidez, quer inicialmente (X2(1)=16.714, p=.000), gostava de ter companhia no parto. Quase todas
quer por altura do terceiro trimestre de gestação as mães (94.3%) referem que após o parto terão
(X2(1)=68.012, p=.000). o apoio de pessoas próximas para cuidar do filho.

3.1.7.3. Hábitos de Consumo 3.2. Mudanças nas condições de existência das


grávidas adolescentes e seus companhei-
Mais de uma em cada cinco adolescentes afir- ros ao longo da gestação
ma ter hábitos tabágicos no terceiro trimestre de
gestação (21.7%) e quase metade fumava antes Os resultados relativos ao segundo objectivo
de engravidar (47.2%). No que diz respeito ao deste estudo – a caracterização das mudanças nas
consumo de álcool, um número bastante mais re- condições de existência das adolescentes atendi-
duzido de adolescentes refere consumo regular das na consulta e seus companheiros, ao longo
por altura da concepção (3.7%) ou durante a ges- da gestação, – referem-se a testes não paramétri-
tação (1.2%). Relativamente ao consumo de subs- cos para amostras emparelhadas e a testes de
tâncias ilícitas, 0.6% consome na gravidez e 5.0% qui-quadrado considerando a avaliação das se-
consumia antes de engravidar. A maioria dos com- guintes dimensões à concepção e no terceiro tri-
panheiros tem também hábitos tabágicos (70.6%), mestre: 1) estatuto ocupacional; 2) estado civil;
alguns têm história de consumo de substâncias 3) agregado familiar; 4) relacionamento (com o
ilícitas (17.4%) ou consumo actual (9.4%), mui- companheiro, a família de origem e a família do
to consomem regularmente álcool (23.6%), sen- companheiro); 5) aceitação da gravidez; 6) hábi-
do em alguns casos alcoólicos (1.2%). tos de consumo (cf. Gráfico 4).

3.1.7.4. Acompanhamento Médico 3.2.1. Estatuto ocupacional

Para mais de metade das adolescentes, a pri- A maior parte das adolescentes que participa-
meira consulta de obstetrícia ocorreu durante o ram no estudo está desempregada e não estuda

562
GRÁFICO 4
Mudanças nas condições de existência: Grávida e companheiro

por altura do terceiro trimestre de gravidez (66.5%), e apenas uma pequena percentagem volta a tra-
enquanto que por altura da concepção, um maior balhar durante os primeiros meses de gestação
número de adolescentes estava empregada ou a (2.5%) (X2(1)=11.636; p=.000).
estudar (65.2%), pelo que se verifica uma mu- A maior parte dos companheiros está ocupado
dança significativa no estatuto ocupacional das no terceiro trimestre de gravidez (76.7%), da mes-
utentes (X2(1)=32.316; p=.000), sendo que 34.2% ma forma que à concepção (80.5%), não se veri-
da amostra passa de um estado de ocupação para ficando mudanças significativas no estatuto ocu-
um estado de desocupação ao longo da gravidez pacional dos companheiros ao longo da gestação
(cf. Gráfico 4). (X2(1)=0.626; p=.257). No momento da concep-
No que se refere especificamente a estudar, a ção, poucos são os companheiros que estudam
percentagem de adolescentes que já não frequenta (9.4%); no terceiro trimestre da gravidez, só uma
a escola por altura da concepção é elevada (68.3%), percentagem ainda menor está a estudar (5.0%),
mas essa percentagem aumenta significativamen- mas estas diferenças não são estatisticamente signi-
te ao terceiro trimestre (85.7%), verificando-se ficativas (X2(1)=2.344; p=.094). No momento da
que um número significativo de utentes deixa de concepção, a maior parte dos companheiros está
estudar durante a gestação (19.3%) (X2(1)=13.764; a trabalhar (74.8%), situação que se mantém no
p=.000). terceiro trimestre de gravidez (73.6%), não se ve-
No que se refere ao emprego, um número im- rificando mudanças significativas (X2(1)=0.050;
portante de adolescentes está empregada quando p=.462).
engravida (38.5%), comparativamente ao nú-
mero mais reduzido que se encontra empregada 3.2.2. Estado civil
após a 24.ª semana de gestação (21.1%), pelo que
muitas adolescentes ficam sem emprego (19.9%) À semelhança do que se verificou para o esta-

563
tuto ocupacional, também se observa uma mu- dez (3.1%; N=5) (X2(1)=21.146; p=.000) (cf.
dança significativa no estado civil das adoles- Gráfico 4).
centes no decorrer da gravidez, dado que 26.1% Assim, os principais aspectos a assinalar
casam ou ficam a viver com o companheiro du- quanto à alteração na estrutura familiar das mães
rante os últimos meses de gravidez (N=42) e ape- adolescentes entre a concepção e o terceiro tri-
nas 2.5% das adolescentes deixa de viver com o mestre de gravidez são os seguintes: depois de
companheiro neste período (N=4) (X2(1)=19.182; grávida, a adolescente passa a viver com o com-
p=.000). panheiro (em 28.6% dos casos), e embora algu-
No que concerne ao estado civil dos compa- mas adolescentes deixem a família para ir viver
nheiros, por altura da concepção, os companhei- sozinhas com o companheiro (o que se verifica
ros são em maioria solteiros (66.5%) e os restan- em 7.4% dos casos), a situação mais corrente é o
tes estão casados ou a viver em regime de coabi- companheiro ir viver com a adolescente que per-
tação (33.5%). No terceiro trimestre da gravidez, manece com a família (o que se verifica em 36.6%
a situação altera-se, dado que menos de metade dos casos da amostra).
dos companheiros permanecem solteiros (38.5%),
pelo que se verifica uma mudança significativa 3.2.4. Relacionamento (com o companheiro, a
(X2(1)=25.218; p=.000). família de origem e a família do compa-
nheiro)
3.2.3. Agregado familiar
Na altura da concepção, a grande maioria das
No terceiro trimestre de gravidez, embora me- adolescentes (85.7%) mantinha um relaciona-
nor, é ainda elevado o número de mães que per- mento estável com o pai do bebé; no entanto, al-
manece a viver com a família (78.2%), pelo que gumas referem um relacionamento instável
esta continua a ser a circunstância mais frequente (11.8%) ou ocasional (2,5%). Por altura do ter-
na amostra em estudo, assim como continua a ceiro trimestre de gravidez, na maioria dos casos
ser mais frequente a circunstância de a adoles- as mães adolescentes qualificam de estável o seu
cente viver com a família sem o companheiro relacionamento com o pai do bebé (80.6%), em-
(41.6%). Logo a seguir, estão duas situações cuja bora algumas mães descrevam esse relaciona-
frequência aumenta significativamente: a adoles- mento como instável (16.9%) ou ocasional (2.5%).
cente viver com a família e o companheiro (36.6%) As mudanças observadas na percepção das
e a adolescente viver com o companheiro sem a adolescentes acerca da qualidade do seu relacio-
família (20.5%). Algumas adolescentes vivem sem namento com o pai do bebé são estatisticamente
a família e sem o companheiro (1.2%) . significativas e indicam que, no terceiro trimes-
A grande maioria das adolescentes vive com a tre de gravidez, percepcionam o relacionamento
família quer à concepção (81.4%), quer ao ter- com o pai do bebé como mais instável do que quan-
ceiro trimestre de gestação (78.3%), não se re- do engravidaram. Com efeito, 8.7% (N=14) das
gistando qualquer mudança significativa nesta mães percepcionam a qualidade da relação com
condição (X2(1)=0.482; p=.298) (cf. Gráfico 4). o pai do bebé no terceiro trimestre de gravidez
Um número reduzido de adolescentes afirma como pior do que à concepção e apenas 3.7% (N=6)
que o pai do bebé faz parte do agregado familiar consideram a qualidade da relação com o pai do
no momento da concepção (31.7%); no entanto, bebé no terceiro trimestre de gravidez como me-
também nesta dimensão se observa uma profun- lhor do que à concepção (Z=-1.966, p=.049) (cf.
da alteração durante a gravidez, pois no terceiro Gráfico 2).
trimestre o pai faz parte do agregado familiar na
maior parte dos casos (57.1%) (cf. Gráfico 4). 3.2.5. Aceitação da gravidez
Com efeito, os resultados mostram que um nú-
mero significativo de adolescentes passou a vi- No terceiro trimestre surgem mudanças signi-
ver com o companheiro (28.6%; N=46) e que ficativas na aceitação da gravidez, que se tradu-
apenas muito poucas adolescentes deixaram de zem por uma melhoria da aceitação da grávida,
viver com o pai do bebé na sequência da gravi- do companheiro e das famílias de ambos. Com

564
efeito, um número significativo de mães diz acei- 4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
tar agora melhor (81.4%; N=131), embora algu-
mas digam aceitar agora pior o facto de estarem No presente estudo que desenvolvemos sobre
grávidas (2.5%; N=4) (Z=-9.780, p=.000), o mes- as adolescentes atendidas na Consulta Externa de
mo acontecendo, quer com os pais dos bebés, Obstetrícia para Grávidas Adolescentes da MJD,
pois 72.7% (N=117) aceitam agora melhor en- encontrámos uma sobre-representação de condi-
quanto que apenas 5.6% (N=9) aceitam agora ções existenciais menos favoráveis, tais como:
pior a gravidez (Z=-8.140, p=.000), quer com a baixos níveis de escolaridade, empregos de baixa
família da grávida, visto que 51.6% (N=83) acei- remuneração, exclusão do sistema de ensino ou
de emprego, ou seja, as mesmas condições adver-
tam agora melhor e apenas 2.5% (N=4) aceitam
sas que foram apontadas em estudos empíricos
pior a gravidez (Z=-7.883, p=.000), quer ainda
realizados, quer no nosso (e.g., Almeida, 1987;
com a família do companheiro, já que 40.4%
Grande, 1997; Jongenelen, 1998; Pacheco et al.,
(N=65) aceitam agora melhor e só 2.5% (N=4)
2003; Silva & Nóbrega, 1983), quer nos demais
aceitam pior a gravidez (Z=-6.706, p=.000) (cf. países ocidentais (e.g., Coley & Chase-Lansdale,
Gráfico 3). 1998; Stevens-Simon & McAnarney, 1996).
Com efeito, observamos que: em mais de um quar-
3.2.6. Hábitos de consumo to da amostra ambos os pais são adolescentes
(31.9%); a maior parte das vezes quer a grávida
No terceiro trimestre de gestação não muitas (78.3%) quer o companheiro (71.8%) não têm a
adolescentes afirmam ter hábitos tabágicos (21.7%); escolaridade obrigatória; embora muitos compa-
contudo, antes de engravidarem cerca de metade nheiros estejam empregados (73.8%) a maioria
fumava (47.2%). Por consequência, verifica-se das grávidas está desempregada (66.5%); quase
que um número significativo de adolescentes dei- todas as adolescentes (95.2%) e companheiros
xou de fumar no decorrer da actual gravidez (26.7%), (92.7%) têm profissões de baixa qualificação.
embora algumas estejam a fumar mais do que fu- Muito embora não se encontre grande variabi-
mavam antes de engravidar (1.2%) (X2(1)=23.111; lidade nas restantes características sociais e de-
p=.000). No que diz respeito aos hábitos de mográficas da amostra, verifica-se alguma hete-
consumo de álcool, só um número reduzido de rogeneidade no que se refere ao agregado fami-
adolescentes refere consumo regular (3.7% por liar: não obstante a maior parte das adolescentes
altura da concepção e 1.2% durante a gravidez). viver com a família (78.2%), um número elevado
Já em relação ao consumo de substâncias ilícitas, coabita com o companheiro (57.2%), sendo a si-
acontece essencialmente à concepção (5.0%) e é tuação mais corrente viver com a família sem o
quase inexistente ao terceiro trimestre (0.6%), o companheiro (41.6%), contudo, muitas adoles-
que revela uma mudança significativa nos hábi- centes vivem com a família e o companheiro
tos de consumo de substâncias ilícitas nas grávi- (36.6%) ou só com o companheiro (20.6%).
A presença de um número elevado de circuns-
das adolescentes (X2(1)=5.601; p=.018). No en-
tâncias adversas na trajectória desenvolvimental,
tanto, a grande maioria dos companheiros tem há-
quer das mães adolescentes (e.g., Barnett et al.,
bitos tabágicos, o que se verifica quer à conce-
1991; Botting, Rosato, & Wood, 1998; Davis,
pção (71.7%), quer ao terceiro trimestre de ges- 1989; Ellis et al., 2003; Hillis et. al., 2004; Hob-
tação (70.6%). O consumo de álcool, verifica-se craft & Kiernan, 1999; Hogan & Kitagawa, 1985;
por parte dos companheiros tanto à concepção Holden et al., 1993; Kiernan, 1995; Miller et al.,
(26.1%, dos quais 0.6% são alcoólicos), como no 1986; Parker, Soeken, & Torres, 1993; Zabin, 1993),
terceiro trimestre de gravidez (24.8%, dos quais nomeadamente quando se compara adolescentes
1.2% são alcoólicos). Uma diminuição significa- que engravidam com adolescentes que não en-
tiva no uso de substâncias ilícitas pelos compa- gravidam, quer dos seus companheiros (e.g., Ekeus
nheiros foi observada no decorrer da gravidez & Chirstensson, 2003; Pirog-Good, 1995), tem
(X2(1)=4.545; p=.024): 17.6% têm consumo de sido salientada em muitos estudos, alguns dos
substâncias ilícitas à concepção e apenas 9.4% quais no nosso país (e.g., Pacheco et al., 2003b).
no terceiro trimestre (cf. Gráfico 4). À semelhança do que foi observado nessas in-

565
vestigações, encontramos a presença de pelo me- apresentamos neste artigo é que a maternidade
nos uma condição desenvolvimental adversa em na adolescência se associa geralmente à presença
73.3% das grávidas e 61.1% dos companheiros. de condições muito desfavoráveis, quer do ponto
São particularmente de assinalar na amostra as de vista económico e social, quer do ponto de
situações de maternidade na adolescência dos vista desenvolvimental, podendo ser portanto con-
pais em estudo (em 37.3% das grávidas e 6.5% siderada uma situação de risco. Tais condições
dos companheiros), separação parental (em 28.6% podem ter funcionado como circunstâncias de
das grávidas e 21.8% dos companheiros), sepa- risco, contribuindo para a gravidez na adolescên-
ração em relação aos pais (em 22.4% das grávi- cia, mas são igualmente susceptíveis de poten-
das e 17.9% dos companheiros), abuso de subs- cializar dificuldades e práticas de cuidados pa-
tâncias na família (em 13.7% das grávidas e 5.1% rentais menos adequadas, como podem com fre-
dos companheiros), história de maus tratos ou quência ser observadas junto de mães adolescen-
negligência (em 11.8% das grávidas e 8.5% dos tes (Figueiredo, 2000; Zuravin & DiBlasio, 1996).
companheiros), tentativa de suicídio (em 9.3% Uma segunda conclusão refere-se ao elevado
das grávidas e 1.3% dos companheiros), proble- número de mudanças que muitas adolescentes
mas com a justiça (em 3.1% das grávidas e 5.7%
tem que enfrentar durante a gestação assim como
dos companheiros) e consumo de substâncias ilí-
para lidar com as exigências que tais mudanças
citas (em 5.0% das grávidas e 17.4% dos compa-
obrigam.
nheiros).
Prestar uma ajuda adequada a uma população
Uma das dificuldades associadas à vivência da
maternidade na adolescência é por certo o facto de em risco obriga ao conhecimento detalhado das
obrigar à gestão de um número acrescido de mu- circunstâncias que efectivam esse mesmo risco,
danças, para além daquelas que geralmente ca- tal como foi objecto do presente estudo. Tendo
racterizam a experiência de maternidade em qual- em conta os resultados obtidos, podemos con-
quer idade. Talvez por isso a relação com o pai cluir que uma boa parte das utentes atendidas na
do bebé deteriora-se consideravelmente durante nossa consulta necessita de um apoio suplemen-
a gestação. Por exemplo, o estatuto ocupacional tar adequado às suas necessidades específicas de
da grávida sofre alterações no sentido de uma tipo económico, social, ocupacional, psicológico
maior instabilidade, dado que uma em cada três e desenvolvimental. No entanto, o estudo mostra
adolescentes passa de ocupada a desocupada (34.2%), também que uma outra boa parte parece estar ca-
19.3% deixa de estudar e 19.9% fica sem empre- paz de mobilizar ou ter à sua disposição os re-
go, entre a concepção e o terceiro trimestre de ges- cursos necessários à sua boa adaptação à gravi-
tação. Com efeito, no decurso da gravidez, a ado- dez. Caracterizar e prestar ajuda à maternidade
lescente tem não só que se adaptar às mudanças na adolescência obriga a ter em conta ambas as
físicas, psicológicas e sociais associadas à mater- situações, sob pena de podermos ficar com uma
nidade enquanto período de desenvolvimento (Fi- imagem deformada da realidade, que dificulta a
gueiredo, 2001a), como tem ainda que lidar com prestação de cuidados adequados às necessida-
as exigências normativas do período desenvolvi- des de cada mãe.
mental que atravessa, a adolescência (Figueire-
do, 2001b). Para além disso, tem igualmente que
se adaptar a um outro vasto conjunto de mudan- REFERÊNCIAS
ças que a gravidez implicou no seu estatuto ocu-
pacional, social e relacional, tal como mostra o Allen, I., & Dowling, S. (1998). Teenage mothers: De-
presente artigo, também assinaladas em Portugal cision and outcomes. London: Policy Studies Ins-
por outros autores (Almeida, 1987; Jongenelen, titute.
1998; Pacheco et al., 2003b). Almeida, J. (1987). Adolescência e maternidade. Lis-
boa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Alvarez, M. L., Burrows, R., Zvaighat, A., & Santiago,
M. (1987). Sociocultural characteristics of pregnant
5. CONCLUSÃO and nonpregnant adolescents of low socioeconomic
status: a comparative study. Adolescence, 22, 149-
Uma primeira conclusão a tirar do estudo que -156.

566
Apfel, N., & Seitz, V. (1997). The firstborn sons of Afri- Ekeus, C., & Christensson, K. (2003). Reproductive
can American teenage mothers: perspectives on risk history and involvement in pregnancy and child-
and resilience. In S. Luthar, J. Burack, D. Cicchetti, birth of fathers of babies born to teenage mothers
& J. Weisz (Eds.), Development psychopathology – in Stockholm, Sweden. Midwifery, 19 (2), 87-95.
perspectives on adjustment, risk, and disorder (pp. Ellis, B. J., Bates, J. E., Dodge, K. A., Fergusson, D.
486-506). Cambridge: Cambridge University Press. M., Horwood, L. J., Pettit, G. S., & Woodward, L.
Arias, E., MacDorman, M. F., Strobino, D. M., & Guyer, (2003). Does father absence place daughters at spe-
B. (2003). Annual summary of vital statistics – cial risk for early sexual activity and teenage preg-
2002. Pediatrics, 112 (6), 1215-1230. nancy? Child Development, 74 (3), 801-821.
Baranowski, M. D., Schilmoeller, G. L., & Higgins, B. European Commission (2000). Report on the state of
S. (1990). Parenting attitudes of adolescent and ol- young people’s health in the European Union.
der mothers. Adolescence, 25 (100), 781-790. Eurostat (1999). Statistical Office of the European Com-
Barnett, J. K., Papini, D. R., & Gbur, E. (1991). Fami- munities. In www.europa.eu.int/comm./eurostat
lial correlates of sexually active pregnant and non-
Fessler, K. B. (2003). Social outcomes of early child-
pregnant adolescents. Adolescence, 26 (102), 457-
bearing: important considerations for the provision
-472.
of clinical care. Journal for Midwifery Women’s Health,
Botting, B., Rosato, M., & Wood, R. (1998). Teenage
mothers and the health of their children. Popula- 48 (3), 178-185.
tion Trends, 93, 19-28. Figueiredo, B. (2000). Maternidade na adolescência: Con-
Boxer, A. M. (1992). Adolescent pregnancy and parent- sequências e trajectórias desenvolvimentais. Aná-
hood in the transition to adulthood. In M. K. Mar- lise Psicológica, 18 (4), 485-499.
garet, & F. M. Testa (Eds.), Early parenthood and Figueiredo, B. (2001). I Am a Teenage Mother. In Men-
coming of age in the 1990s (pp. 46-54). New Bruns- tal Health Promotion of Adolescents and Young
wick: Rutgers. People, Mental Health Europe and European Com-
Broussard, E. R. (1995). Infant attachment in a sample mission, Directory of Projects in Europe, p. 69.
of adolescent mothers. Child Psychiatry and Hu- Figueiredo, B. (2001a). Perturbações psicopatológicas
man Development, 25 (4), 211-219. da maternidade. In C. Canavarro (Ed.), Psicologia
Bynner, J., & Parsons, S. (1999). Young people not in da gravidez e da maternidade (pp. 161-188). Coim-
employment, education and training and social ex- bra: Quarteto Editora.
clusion. Analysis of the British Cohort Study 1970 Figueiredo, B. (2001b). Maternidade na adolescência:
for the Social Exclusion Unit. Do risco à prevenção. Revista Portuguesa de Psi-
Chang, S. C., O’Brien, K. O., Nathanson, M. S., Man- cossomática, 3 (2), 221-238.
cini, J., & Witter, F. R. (2003). Characteristics and Figueiredo, B., Matos, R., Magarinho, R., Martins, C.,
risk factors for adverse birth outcomes in pregnant Jongenelen, I., Guedes, A., Lopes, L., Gameiro, H.,
black adolescents. Journal of Pediatrics, 143 (2), & Soares, I. (2000). Ser jovem e ser mãe: Um pro-
250-257. grama de prevenção psicológica para mães ado-
Chase-Lansdale, P. L., & Brooks-Gunn, J. (1994). Cor- lescents??. In J. Ribeiro, I. Leal, & M. Dias (Eds.),
relates of adolescent pregnancy and parenthood. In Actas do 3.º Congresso Nacional de Psicologia da
C. B. Fisher, & R. M. Lerner (Eds.), Applied de- Saúde (pp. 11-24). Lisboa: ISPA.
velopmental psychology (pp. 207-235). New York: Frodi, A., Grolnick, W., Bridges, L., & Berko, J. (1990).
McGraw-Hill, Inc. A comparison between infants of adolescent and
Clearie, A. F. (1985). International trends in teenage adult mothers on affective and master related mea-
pregnancy: an overview of sixteen countries. Bilo-
sures. Adolescence, 25, 363-374.
gy and Society, 2 (1), 23-30.
Furstenberg, F., & Brooks-Gunn, J. (1985). Adolescent
Coley, R., & Chase-Lansdale, L. (1998). Adolescent
fertility: causes, consequences and remedies. In D.
pregnancy and parenthood: recent evidences and
future directions. American Psychologist, 53 (2), M. L. Aiken (Ed.), Applications of social science to
152-166. clinical medicine and health policy. New Jersey:
Crosby, R. A., DiClemente, R. J., Wingood, G. M., Ro- Rutgers University Press.
se, E., & Lang, D. (2003). Correlates of unplanned Grande, C. (1997). Subsídios para o estudo da gravidez
and unwanted pregnancy among African-American e da maternidade em adolescentes: Análise compa-
female teens. American Journal of Preventive Me- rativa numa perspectiva ecológica de mães ado-
dicine, 25 (3), 255-358. lescentes com adolescentes sem história de gravi-
da Silva, A. A., Simões, V. M., Barbieri, M. A., Bettiol, dez em duas freguesias do Porto. Tese de Mestrado
H., Lamy-Filho, F., Coimbra, L. C., & Alves, M. T. não publicada, Universidade do Porto, Porto.
(2003). Young maternal age and preterm birth. Pae- Hann, D. M., Osofsky, J. D., & Culp, A. M. (1996). Re-
diatric and Perinatal Epidemiology, 17 (4), 332-339. lating the adolescent mother-child relationship to
Davis, S. (1989). Pregnancy in adolescents. Pediatric preschool outcomes. Infant Mental Health Journal,
Clinics of North America, 36, 665-680. 17 (4), 302-309.

567
Hillis, S. D., Anda, R. F., Dube, S. R., Felitti, V. J., Mar- Miller, C. L., Miceli, P. J., Whitman, T. L., & Bor-
chbanks, P. A., & Marks, J. S. (2004). The asso- kowski, J. G. (1996). Cognitive readiness to parent
ciation between adverse childhood experiences and and intellectual-emotional development in children
adolescent pregnancy, long-term psychosocial con- of adolescent mothers. Developmental Psychology,
sequences, and fetal death. Pediatrics, 113 (2), 320- 32, 533-541.
-327. Murry, V. M. (1995). An ecological analysis of pre-
Hobcraft, J., & Kiernan, K. (1999). Childhood poverty, gnancy resolution decisions among African Ame-
early motherhood, and adult social exclusion. rican and Hispanic adolescent females. Youth and
Analysis for the Social Exclusion Unit, CASE pa- Society, 26 (3), 325-350.
per 28, LSE. Pacheco, A., Costa, R., & Figueiredo, B. (2003a). Estilo
Hogan, D., & Kitagawa, E. (1985). The impact of social de vinculação, qualidade da relação com as figuras
status, family structure, and neighbourhood on the significativas e da aliança terapêutica e sintoma-
fertility of black adolescents. American Journal of tologia psicopatológica: Estudo exploratório com
Sociology, 90, 825-855. mães adolescentes. International Journal of Clini-
Holden, G., Nelson, P., Velasquez, J., & Ritchie, K. cal and Health Psychology, 3 (1), 35-59.
(1993). Cognitive, Psychosocial, and reported se- Pacheco, A., Figueiredo, B., Costa, R., & Magarinho, R.
xual behaviour differences between pregnant and (2003b). Caracterização Social e Demográfica das
nonpregnant adolescents. Adolescence, 28 (111), Utentes da Consulta Externa de Grávidas Adoles-
557-572. centes da Maternidade Júlio Dinis no ano 2000.
Irvine, H., Bradley, T., Cupples, M., & Boohan, M. Acta Pediátrica Portuguesa, 34 (4), 227-238.
(1997). The implications of teenage pregnancy and Parker, B. M. J., Soeken, K., & Torres, S. (1993). Phy-
motherhood for primary health care: unresolved sical and emotional abuse in pregnacy: a compara-
issues. British Journal of General Practice, 47, 323- sion of adult and teenage women. Nursing Re-
-326. search, 42 (3), 173-178.
Jaccard, J., Dodge, T., & Dittus, P. (2003). Maternal dis- Pearce, B., Cantisani, G., & Laihonen, A. (1999). Chan-
ges in fertility and family sizes in Europe. Popu-
cussions about pregnancy and adolescents, attitu-
lation Trends, 95, 33-40.
des toward pregnancy. Journal Adolescent Health,
Pirog-Good, M. (1995). The family background and
33 (2), 84-87.
attitudes of teen fathers. Youth & Society, 26 (3),
Jaccard. J., Dodge, T., & Dittus, P. (2003). Do adoles-
351-376.
cents want to avoid pregnancy? Attitudes toward
Santos, R. (1997). Gravidez em mães adolescentes: Es-
pregnancy as predictors of pregnancy. Journal of
tudo no distrito de Beja 1986-1991. Acta Médica
Adolescent Health, 33 (2), 79-83.
Portuguesa, 10, 681-688.
Jongenelen, I. (1998). Gravidez na adolescência – uni-
Silva, M., & Nóbrega, J. (1983). Estudo do Parto em
formidade e diversidade no desenvolvimento. Tese Mães Adolescentes Portuguesas. Arquivo Clínico
de Mestrado não publicada, Universidade do Porto, da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, 8, 29-42.
Porto. Silva, O. S., Cabral, H., & Zuckerman, B. (1993). Ado-
Justo, J. (2000). Gravidez adolescente, maternidade ado- lescent pregnancy in Portugal: effectiveness of
lescente e bebés adolescentes: Causas, consequên- continuity of care by an obstetrician. Obstetrics
cias, intervenção preventiva e não só. Revista Por- and Gynecology, 81, 142-146.
tuguesa de Psicossomática, 2 (2), 97-147. Simoes, V. M., da Silva, A. A., Bettiol, H., Lamy-Filho,
Kiernan, K. (1995). Transition to parenthood: Young F., Tonial, S. R., & Mochel, E. G. (2003). Chara-
mothers, young fathers – associated factors and cteristics of adolescent pregnancy, Brazil. Revista
later life experiences. Welfare State Programme, de Saúde Pública, 37 (5), 559-565.
Discussion Paper WSP/113, LSE. Smith, T. (1993). Influence of socioeconomic factors on
Kirchengast, S., & Hartmann, B. (2003). Impact of ma- attaining targets for reducing teenage pregnancies.
ternal age and maternal somatic characteristics on British Medicine Journal, 306, 1232-1235.
newborn size. American Journal of Human Biolo- Social Exclusion Unit (1999). Teenage Pregnancy. Re-
gy, 15 (2), 220-228. port Presented to Parliament by the Prime Minister
Mendes, M. F., Horta, R., Paulo, P., & Lopes, M. J. by Command of Her Majesty. London: Stationery
(1997). From maternal-child health to the achieve- Office Limited.
ment of autonomy. Sexualidade e Planeamento Fa- Speak, S., Cameron, S., Woods, R., & Gilroy, R. (1995).
miliar, 15/16, 3-7. Young single mothers: barriers to independent li-
Michael, R., Gagnon, J., Lauman, E., & Kolat, G. (1994). ving. Oxford: Family Policy Studies.
Sex in America. Boston: Little Brown and Co. Stevens-Simon, C., & McAnarney, E. (1996). Adoles-
Miller, B., McCoy, J., Olson, T., & Wallace, C. (1986). cent pregnancy. In W. H. R. DiClemente, & L.
Parental discipline and control attempts in relation Ponton (Eds.), Handbook of Adolescent Health
to adolescent sexual attitudes and behavior. Jour- Risk Behavior (pp. 313-332). New York: Plenum
nal of Marriage and the Family, 48, 503-512. Press.

568
Susman-Silman, A., Kalkose, M., Egeland, B., & Wald- quer da grávida, quer do seu companheiro. Outras cir-
man, I. (1996). Infant temperament and maternal cunstâncias desfavoráveis foram observadas, pois
sensivity as predictors of attachment security. muitas vezes a gravidez não foi desejada, não foi pla-
Infant Behavior and Development, 19, 33-47. neada, o acompanhamento médico foi tardio e verifi-
Ventura, S. J., Abma, J. C., Mosher, W. D., & Hen- ca-se consumo de tabaco.
shaw, S. (2003). Revised pregnancy rates, 1990-97, Os resultados sugerem também que uma importante
and new rates for 1998-99: United States. National dimensão do problema é a drástica mudança que acon-
Vital Statistics Report 31, 52 (7), 1-14. tece em diversas áreas de vida da adolescente, particu-
Wang, C. S., & Chou, P. (2003). Differing risk factors larmente ao nível do seu estatuto ocupacional, estatuto
for premature birth in adolescent mothers and adult matrimonial, agregado familiar e relacionamento com
mothers. Journal of the Chinese Medical Associa- o companheiro, que frequentemente se deteriora no de-
tion, 66 (9), 511-517. curso da gravidez.
Wellings, K., Wadsworth, J., Johnson, A, Field, J., et al. Em conclusão, este estudo alerta para as dificulda-
(1996). Teenage sexuality, fertility and life chan- des e situações de risco nas quais a gravidez na adoles-
ces. A report prepared for the Department of Health cência pode ocorrer e contribui para a necessária me-
using data from the National Survey of Sexual lhor compreensão da especificidade associada a esta
Attitudes and Lifestyles. problemática, imprescindível à resposta adequada às
Zabin, L., & Hayworth, S. (1993). Adolescent sexual reais necessidades das mães. Mostra ainda que uma
behavior and child bearing. California: Sage Publi- ajuda suplementar justifica-se em muitos casos, dadas
cations. as circunstâncias desfavoráveis em que a gravidez na
Zuravin, S., & DiBlasio, F. (1996). The correlates of
adolescência se verifica, que o presente artigo retracta.
child physical abuse and neglect by adolescent
Palavras-chave: Gravidez na adolescência, caracte-
mothers. Journal of Family Violence, 3 (2), 149-
rísticas sociais e demográficas, circunstâncias adversas
-166.
de existência, serviços de saúde.

RESUMO ABSTRACT

O presente estudo tem por principal objectivo cara- The principal aim of the present study is to chara-
cterizar as condições relativas à gravidez na adoles- cterize the conditions in which adolescent pregnancy
cência em Portugal. Ao analisar as mudanças que occurs in Portugal. As its analyses the changes that
ocorrem ao longo da gestação, em áreas significativas
may happen during the gestation, in significant areas
da vida da adolescente, pretende também contribuir
of the adolescent life, a contribute to a better under-
para o melhor conhecimento das dificuldades associa-
standing of the difficulties associated with this proble-
das a esta problemática.
matic is also intended.
Uma amostra de 161 adolescentes, atendidas na Con-
A sample of 161 pregnant adolescent outpatients of
sulta Externa de Obstetrícia da Maternidade Júlio Di-
nis (MJD, Porto), no período entre Janeiro de 2000 e the Julio Dinis Maternity Hospital Service for Adoles-
Dezembro de 2003, foi entrevistada, durante o terceiro cent Mothers between 2000 and 2003 were interview,
trimestre de gestação, com base no Questionário da during the third trimester of pregnancy, on the base of
Consulta de Grávidas Adolescentes da MJD (Figuei- a 125 close questions questionnaire (Questionário da
redo, 2000), composto por 125 perguntas fechadas, des- Consulta de Grávidas Adolescentes da MJD; Figuei-
tinadas à recolha de dados sociais e demográficos, res- redo, 2000), collecting information about socio-demo-
peitantes à adolescente, ao companheiro e à família de graphic data regarding the subject, the partner and the
origem, bem como ao levantamento das circunstâncias family of origin, as well as about medical, psycholo-
médicas, psicológicas e sociais de risco em que a gra- gical and social risk circumstances related with pre-
videz decorre. gnancy.
À semelhança do que tem sido reportado por diver- As literature has been pointing out, in Portuguese as
sos autores, em estudos realizados em Portugal, assim in other countries studies, we observed an over-repre-
como noutros países, encontramos, na nossa consulta, sentation of cases belonging to the most unprivileged
uma elevada frequência de casos pertencentes às ca- population, despite the variability on the socio-demo-
madas mais desfavorecidas da população, não obstante graphics of the sample: low educational levels, preca-
a variabilidade social e demográfica da amostra, com rious economic situations, unemployment and low qua-
predomínio de: baixos níveis de escolaridade, situa- lification professions. Our results also indicate the high
ções de precariedade económica, desemprego e profis- frequency of problems on the family of origin and of
sões de reduzida qualificação. Os dados indicam ainda previous adverse life experiences regarding the ado-
a presença muito frequente de experiências anteriores lescent, as well as the partner. We found other unfavo-
de vida adversas e de problemas na família de origem, rable circumstances, as commonly the pregnancy is

569
not planned, not desired, not medically assisted and may occurs and gives us the necessary better compre-
tobacco is used. hension of the specificities related to this problem to
Our data also suggest that one important dimension the assistance of the real mother’s needs. It also shows
of the problem is the great changes that occur in se- that in many cases a supplementary help is justified,
veral areas of the adolescent life, especially on their
taking in account the adverse circumstances in which
occupational status, marital status, familiar aggregate,
and relationship with the partner, which is worse by the pregnancy occurs that this article shows.
the end of the pregnancy. Key words: Adolescent motherhood, socio-demo-
In conclusion, this study alerts for several difficul- graphic characteristics, adverse life circumstances, health
ties and risk conditions in which adolescent pregnancy services.

570
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 571-583

Diferenças do valor preditivo da Teoria da


Acção Planeada na intenção de adoptar
comportamentos preventivos para o cancro
de pele: O papel do optimismo e da percepção
da doença em indivíduos saudáveis (*)

MARIA JOÃO FIGUEIRAS (**)


NUNO CORREIA ALVES (**)
CARLOS BARRACHO (**)

INTRODUÇÃO 1973. Em Portugal, a incidência do cancro da


pele tem vindo a aumentar, com uma média de
O cancro de pele é um dos tumores com maior 800 casos novos diagnosticados por ano (Dia
prevalência no mundo inteiro, tendo sido cara- Nacional da Prevenção do Cancro da Pele –
cterizado como uma epidemia não declarada (Mar- 4.6.04)
tin, 1995). Apesar da grande maioria deste tipo Existe evidência científica de que a maioria
de tumores ser curável quando detectado preco- dos casos de cancro da pele está associada à ex-
cemente, esta doença tem um efeito devastador posição solar (English et al., 1997). Assim, redu-
na saúde e aparência dos indivíduos. De acordo zir a quantidade de exposição solar é um dos ob-
com a American Cancer Society (ACS, 1998), a jectivos principais da prevenção do cancro da
incidência do melanoma tem aumentado desde pele. Esta prevenção é realizada sob a forma de
campanhas que visam a tomada de consciência e
o aumento do conhecimento do público em ge-
ral, sobre os perigos da excessiva exposição aos
raios solares. De acordo com a literatura existen-
(*) Este estudo é parte do projecto de investigação: te nesta área, existem resultados de programas
Health Beliefs and Common-Sense Models Of Illness: de educação para a saúde que apontam para um
Implications For Beliefs About Prevention; financiado aumento do conhecimento sobre o cancro da pe-
pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – POC
TI/FEDER – Ref. 36366/2000. le, mas não tiveram efeito na alteração de com-
(**) Instituto Piaget – Campus Universitário de Al- portamentos relativos ao uso de protectores so-
mada. lares, ou de vestuário protector (ex., Loescher et

571
al., 1995). Igualmente, estudos anteriores veri- Ajzen & Fishbein, 1980) tem demonstrado ser
ficaram que as atitudes em relação aos banhos de um dos modelos com maior poder preditivo (Ar-
sol e ao estar bronzeado nem sempre são congru- mitage & Conner, 2000; Sheeran, Conner, & Nor-
entes com o nível de conhecimento que os indi- man, 2001). Este modelo é uma extensão da teo-
víduos possuem (Bennetts et al., 1991). Outros ria da acção racional (Ajzen & Fishbein, 1980),
estudos referem os aspectos da relação entre a que postula que o comportamento do indivíduo
procura de uma aparência física mais atraente e está sob o controlo da vontade, e pode ser ex-
os comportamentos de exposição solar artificial plicado pela intenção de adoptar certos compor-
(Hillhouse, Turrisi, & Kastner, 2000; Hillhouse, tamentos, assim como pelos factores que podem
Turrisi, Holwiski, & McVeigh, 1999). Nas cama- influenciar essa intenção. Estes factores são as
das mais jovens, a influência social dos pares po- atitudes em relação ao comportamento (definidas
de influenciar positivamente a adopção de certos como positivas ou negativas no que diz respeito
comportamentos preventivos, como por exemplo à avaliação do comportamento), e as normas sub-
em relação a fumar ou beber, o que poderia tam- jectivas (definidas como as expectativas daque-
bém ter um efeito no caso da redução da exposi- les que são importantes para o indivíduo sobre o
ção solar (Jackson & Aiken, 2000). Uma revisão desempenho do comportamento). A Teoria da Acção
da literatura sobre os aspectos psicológicos rela- Planeada (TAP) é uma extensão deste modelo e
cionados com a exposição solar e o estar bron- inclui o conceito de “controlo percebido” sobre o
zeado (Arthey & Clarke, 1995), sublinhou que desempenho de um dado comportamento, como
os resultados de diferentes estudos são consisten- um determinante da intenção e do comporta-men-
tes no que se refere ao aumento do conhecimento to. A inclusão deste conceito baseia-se na assum-
sobre os perigos da exposição solar e da neces- pção de que a uma maior percepção de controlo
sidade de protecção, mas que este conhecimento corresponde uma maior probabilidade de que o
não se traduz em comportamento de protecção desempenho do comportamento tenha sucesso.
ou de prevenção. Por exemplo, um estudo recen- No entanto, vários comportamentos relacionados
te verificou que os indivíduos que percepciona- com a saúde não estão apenas dependentes da
vam os efeitos negativos do cancro da pele na vontade, e por isso esta dimensão corresponde
sua aparência, mas não na sua saúde em geral, também à percepção da facilidade ou da dificul-
apresentavam uma maior probabilidade de ado- dade em desempenhar o comportamento (Trafi-
ptar um comportamento preventivo para o can- mow, Sheeran, Conner, & Finlay, 2002). De acor-
cro da pele (Jones et al., 2000). A crença sobre a do com Azjen (1991), a percepção de controlo
forma como as doenças podem ser prevenidas e percebido é função de crenças de controlo, e as
o nível de controlo que os indivíduos sentem que normas subjectivas são função de crenças nor-
têm sobre os factores que podem afectar a sua mativas. Investigações realizadas no sentido de
saúde reflectem uma percepção de que medidas identificar preditores da intenção de adoptar com-
preventivas podem reduzir a probabilidade de portamentos preventivos para o cancro da pele
eventos adversos (Smith et al., 1999). O aparente basearam-se em outros modelos de cognição so-
insucesso de campanhas de prevenção, ou de pro- cial, como por exemplo o modelo de crenças de
gramas de intervenção, em produzir alterações saúde (Becker, 1974). No entanto, quer com o
do comportamento ilustra a necessidade de iden- modelo de crenças de saúde, quer com a teoria
tificar factores que podem ter uma maior influ- da acção racional, verificou-se que a quantidade
ência na promoção deste tipo de comportamen- de variância explicada era baixa (Clarke et al.,
tos preventivos. Neste sentido, a aplicação de 1997). Uma das limitações deste tipo de modelos
modelos de cognição social baseados em crenças prende-se com o facto de não conseguirem ex-
individuais sobre a saúde e a doença pode con- plicar comportamentos relacionados com a saúde
tribuir para a identificação destes factores e da que são aparentemente irracionais (Horne & Wein-
forma pela qual estes podem influenciar a inten- man, 1998), como por exemplo ter uma forte
ção de adoptar comportamentos preventivos. De percepção do risco de vir a contrair cancro do
acordo com a literatura existente sobre a aplica- pulmão e continuar a fumar. Outra limitação diz
ção de modelos de cognição social ao contexto respeito ao facto de se focarem exclusivamente
da saúde, a Teoria da Acção Planeada (Ajzen, 1991; em aspectos cognitivos, não contemplando os as-

572
pectos emocionais e de personalidade como facto- duos optimistas têm maior probabilidade de
res que podem contribuir para a tomada de deci- adoptar comportamentos saudáveis do que os in-
são relativa à intenção de adoptar comportamen- divíduos pessimistas (Scheier & Carver, 1992).
tos preventivos. Schwarzer (1994) salienta que o termo optimis-
O modelo de auto-regulação (Leventhal et al., mo pode incluir diferentes tipos de cognições.
1998), embora menos utilizado no contexto dos Pode implicar uma orientação defensiva que po-
comportamentos preventivos, tem contribuído derá sustentar os comportamentos de risco, ou
para a compreensão dos factores subjacentes à inversamente, uma orientação funcional que po-
selecção, início e adopção de comportamentos derá contribuir para a adopção de medidas pre-
relacionados com a saúde. A representação da ventivas.
ameaça ao estado de saúde, juntamente com os Pretendemos assim avaliar se estas variáveis
mecanismos de coping, e a avaliação dos resul- podem contribuir para explicar variância na in-
tados, são os componentes principais do esforço tenção de adoptar comportamentos preventivos
do indivíduo em regular o seu comportamento. A para o cancro da pele, utilizando como modelo
representação de uma doença é constituída por de referência a Teoria da Acção Planeada. Neste
vários atributos (ex.: identidade, consequências, sentido, os objectivos do estudo são (1) investi-
etc.) que exercem uma influência importante na gar em que medida a Teoria da Acção Planeada
selecção e manutenção dos comportamentos pode predizer a intenção de adoptar comporta-
relacionados com a saúde. Estudos realizados mentos preventivos para o cancro da pele numa
nas últimas décadas indicam que os indivíduos amostra de indivíduos saudáveis de nacionali-
têm esquemas mentais, ou protótipos de doença, dade portuguesa, e (2) avaliar se o poder predi-
que influenciam o seu comportamento (Bishop, tivo da Teoria da Acção Planeada está relaciona-
1991; Meyer et al., 1985). A avaliação da repre- do com a representação emocional do cancro da
sentação cognitiva da doença tem sido realizada pele, e com os níveis de optimismo.
através do uso de entrevistas (Leventhal, Diefen- Para tal, foram colocadas as seguintes ques-
bach, & Leventhal, 1992) e, mais recentemente, tões de investigação:
através de questionários (Moss-Morris et al.,
2002). Vários estudos utilizaram esta abordagem 1 - Quais são as crenças individuais sobre o
através do Questionário de Percepção da Doença cancro da pele em termos da representa-
(IPQ-R; Moss-Morris et al., 2002), que inclui, na ção da doença e das dimensões da Teoria
sua mais recente versão até à data, oito dimen- da Acção Planeada, em indivíduos saudá-
sões ou componentes: identidade, duração (agu- veis?
da, crónica e cíclica), consequências, controlo do 2 - Existem diferenças significativas nas cren-
tratamento, controlo pessoal, coerência da doen- ças de acordo com a representação emo-
ça, representação emocional e atribuições cau- cional da doença e o optimismo?
sais. Este questionário tem uma versão adaptada 3 - Existem diferenças no poder preditivo da
para a população portuguesa, realizada com per- Teoria da Acção Planeada em indivíduos
missão dos autores, e que tem sido utilizada em com
diferentes contextos de saúde e doença (Figuei- a) Uma percepção mais negativa da
ras & Jerónimo, 2003; Figueiras, Machado, & doença?
Alves, 2002). No presente estudo foi apenas uti- b) Um maior nível de optimismo?
lizado o componente relativo à representação emo-
cional da doença, dado que se trata de indivíduos
saudáveis; e uma variável de personalidade, o opti- METODOLOGIA
mismo (Scheier & Carver, 1987) que tem sido
utilizada em diversos estudos no âmbito da psi-
cologia da saúde. Tem sido referido por diferen- Participantes
tes autores que o conceito de optimismo expres-
sa a ideia de que os indivíduos vêem a vida e a Os participantes foram indivíduos de ambos
eles próprios de forma positiva. De maneira ge- os sexos, com idades entre os 18 e os 65 anos, de
ral, tem sido descrito na literatura que os indiví- nacionalidade portuguesa, recrutados de forma

573
aleatória em diferentes locais de trabalho, espa- pele seria: difícil, mau, insensato, indesejável,
lhados pelo País (empresas, bancos, supermer- inadequado, desvantajoso, preocupante, inútil-fá-
cados, câmaras municipais, etc.) A amostra foi cil, bom, sensato, desejável, adequado, vantajo-
constituída por 348 indivíduos de ambos os se- so, securizante, útil). O coeficiente de consistên-
xos com uma média de idade de 30.9 (9.5), dos cia interna foi de 0.90.
quais 70% são mulheres. A participação foi vo-
luntária. Norma subjectiva
Foi avaliada com um item “As pessoas que
Procedimento são importantes para mim pensam que eu (escala
de 7 pontos – não deveria … deveria) adoptar
Os participantes completaram um questioná- comportamentos que previnem o cancro da pele”.
rio de auto-preenchimento que incluía medidas
sobre a representação emocional do cancro da Controlo percebido
pele, atitudes em relação à adopção de compor- Foi avaliado com três itens (escala de 7 pon-
tamentos preventivos para o cancro da pele, nor- tos variando entre sem controlo – controlo total)
mas subjectivas, controlo percebido, intenção de (ex. “Que tipo de controlo sente que tem sobre a
adoptar comportamentos preventivos e optimis- prática de comportamentos que podem prevenir
mo. Os questionários foram distribuídos no local o cancro da pele?”) O coeficiente de consistência
de trabalho após ter sido obtido consentimento interna foi de 0.67.
das respectivas entidades patronais. Os questio-
nários foram recolhidos por um assistente de in- Intenção
vestigação, ou devolvidos por via postal. Foi avaliada com um item. “Tem intenção de
adoptar comportamentos preventivos em relação
Medidas ao cancro da pele?” (escala de 7 pontos variando
entre não tenciono – tenciono).
a) Percepção de doença
Foi criada uma versão para indivíduos sau- c) Optimismo
dáveis da componente relativa à representação Foi utilizada uma versão traduzida e adaptada
emocional da doença do Revised Illness Perce- num estudo anterior (Figueiras, 2000) do Life
ption Questionnaire (IPQ-R) (Moss-Morris et Orientation Test (LOT) (Scheier & Carver, 1985).
al., 2002), traduzido e adaptado experimental- Esta medida é composta por 8 itens com uma
mente com permissão dos autores. Esta compo- escala de resposta de 5 pontos (tipo Likert) va-
nente é constituída por 5 itens, com uma escala riando de discordo completamente a concordo
de resposta de 5 pontos (tipo Likert), variando completamente. O valor total corresponde à so-
entre discordo plenamente (1) e concordo plena- ma dos itens. Quanto mais alto o valor, maior o
mente (5). No presente estudo esta variável pode nível de optimismo. O coeficiente de consistên-
variar entre 5 e 25. A um valor mais alto corres- cia interna foi de 0.71.
ponde uma representação emocional da doença
mais negativa. O coeficiente de consistência in-
terna (alpha de Cronbach) foi de 0.82 . Análise

b) Teoria da acção planeada Foram calculadas as variáveis a partir da soma


Todas as dimensões foram avaliadas através dos itens que as constituem. Para efeitos de
de diferenciais semânticos com 7 pontos. análise recorreu-se ao cálculo da média do item
para os componentes da Teoria da Acção Planea-
Atitudes em relação ao comportamento pre- da. Foram efectuadas as correlações entre os
ventivo para o cancro da pele componentes do modelo e realizada uma análise
Esta componente foi avaliada através de oito de regressão linear no sentido de avaliar o seu
diferenciais semânticos (7 pontos) que deram ori- poder preditivo de acordo com as representações
gem a uma medida de atitudes (ex. adoptar com- emocionais do cancro da pele e dos níveis de opti-
portamentos que possam prevenir o cancro da mismo.

574
RESULTADOS
Diferenças significativas nas crenças sobre o
cancro da pele
Crenças individuais sobre o cancro da pele
Foram realizados testes t de student para
O Quadro 1 ilustra os valores médios da re- grupos independentes, no sentido de investigar a
presentação emocional do cancro da pele e do opti- existência de diferenças significativas entre in-
mismo. Verificou-se que a representação emo- divíduos com uma representação emocional do
cional é bastante negativa, e que o nível de opti- cancro da pele mais negativa ou mais positiva. O
mismo é elevado. No que se refere aos compo- mesmo procedimento foi realizado em relação
nentes da Teoria da Acção Planeada (Gráfico 1), aos níveis de optimismo. Assim, procedeu-se à
verifica-se uma forte intenção de vir a adoptar divisão da mediana, criando dois grupos inde-
comportamentos preventivos para o cancro da pendentes. Um valor acima da mediana para a
pele, uma forte crença na importância que outros representação emocional do cancro da pele, signi-
significantes atribuem ao comportamento, uma fica uma representação mais negativa, e um va-
atitude positiva em relação ao comportamento lor abaixo da mediana, uma representação mais
preventivo, e uma crença forte no controlo per- positiva. Para os níveis de optimismo, um valor
cebido sobre o comportamento. acima da mediana significa maior optimismo, e

QUADRO 1
Médias da representação emocional e optimismo (n=391)

Crenças de doença Média (DP) Variação

Representação Emocional 16.7 (4.1) 5 – 25


Optimismo 27.9 (4.0) 8 – 40

GRÁFICO 1
Valores médios das componentes da TAP (n=391)

575
um valor abaixo da mediana, um nível mais baixo cional mais negativa referem uma intenção mais
de optimismo. forte (p<0,001), conferem maior importância ao
No que se refere à representação emocional que outros significantes atribuem ao comporta-
do cancro da pele, verificou-se que existem dife- mento (p<0,01), e apresentam uma crença mais
renças significativas na intenção de vir a adoptar forte no controlo percebido do que os indivíduos
comportamentos preventivos, e na norma subje- com uma representação emocional mais positiva
ctiva. Os indivíduos com uma representação emo- (p<0,05) (Gráfico 2).

GRÁFICO 2
Diferenças nas variáveis de cognição social usando a divisão pela mediana – Representação
emocional (mais negativa/menos negativa) (n=391)

GRÁFICO 3
Diferenças nas variáveis de cognição social usando a divisão pela mediana – LOT (mais
optimista/menos optimista) (n=391)

576
Relativamente aos níveis de optimismo, veri- optimismo, as correlações entre os componentes
ficaram-se diferenças significativas nas atitudes da TAP são mais fortes do que nos indivíduos
em relação aos comportamentos preventivos e à menos optimistas (Quadro 2).
percepção de controlo percebido. Indivíduos com Seguidamente, procedeu-se à análise de re-
maiores níveis de optimismo têm uma atitude gressão linear para a amostra total, com o obje-
mais positiva (p<0,01) e uma maior percepção ctivo de identificar quais são os preditores da in-
de controlo sobre o comportamento (p<0,001) do tenção de adoptar comportamentos preventivos
que os indivíduos com níveis de optimismo mais para o cancro da pele. Verificou-se que a variân-
baixos (Gráfico 3). cia total explicada foi de 25%, e todos os compo-
nentes são preditores significativos da intenção
Poder preditivo da Teoria da Acção Planeada (Quadro 3). Procedeu-se em seguida à análise de
regressão linear para os indivíduos abaixo e aci-
No sentido de avaliar o poder preditivo da TAP ma da mediana nas variáveis representação emo-
de acordo com a representação emocional do can- cional e optimismo. Os resultados indicam que
cro da pele, e dos níveis de optimismo, proce- para os indivíduos com uma representação emo-
deu-se inicialmente à análise de correlações en- cional mais negativa a variância explicada é de
tre os componentes da Teoria da Acção Planeada. 21%, em que todos os preditores contribuem de
Todos os componentes se correlacionaram de forma significativa. Para os indivíduos com uma
forma significativa com a intenção de adoptar representação emocional mais positiva, a variân-
comportamentos preventivos para o cancro da pe- cia explicada é de 23%, e apenas a norma subje-
le (Figura 1). Igualmente foram realizadas as cor- ctiva e as atitudes em relação ao comportamento
relações entre os componentes da TAP tendo em revelaram significância estatística (Quadro 4).
conta a divisão da mediana para as variáveis re- No que se refere ao optimismo, verificou-se que
presentação emocional da doença e optimismo. To- para os indivíduos com níveis mais altos de opti-
das as correlações foram estatisticamente signifi- mismo, a variância explicada foi de 37% e todos
cativas, verificando-se que nos indivíduos com os preditores contribuíram de forma estatistica-
uma representação emocional mais negativa a cor- mente significativa. Para os indivíduos com um
relação mais forte é entre a percepção de contro- nível mais baixo de optimismo, a variância ex-
lo sobre o comportamento e a intenção (Quadro plicada foi de 16% e apenas as atitudes em rela-
2). Nos indivíduos com um nível mais alto de ção ao comportamento preventivo e a norma sub-

FIGURA 1
Correlações entre as variáveis de cognição social e a intenção comportamental (n=391)

577
QUADRO 2
Correlações entre as variáveis de cognição social e a intenção comportamental usando a divisão
pela mediana para as variáveis representação emocional do cancro da pele e optimismo (n=391)

Representação Emocional Optimismo

Mais negativa Menos negativa Mais optimistas Menos optimistas

Atitudes .39*** .42*** .45*** .37***


Norma Subjectiva .26*** .37*** .39*** .30***
Controlo Percebido .33*** .35*** .48*** .27***

*** = p≤.001

QUADRO 3
Preditores de cognição social da intenção de adoptar comportamentos preventivos para o cancro
da pele (n=391)

Preditores Adj. R2 β Sig.

Atitudes 2% .19 ***


Norma Subjectiva 15% .26 ***
Controlo Percebido 8% .21 ***

Total 25%
F=37,2 ***

*** = p≤.001

QUADRO 4
Preditores de cognição social da intenção de adoptar comportamentos preventivos para o cancro
da pele usando a divisão pela mediana para a variável representação emocional (n=391)

Mais negativa Mais positiva


(F=14,2; p≤.001) (F=27,1; p≤.001)

Preditores Adj. R2 β Sig. Adj. R2 β Sig.

Atitudes 2% .17 * 16% .31 ***


Norma Subjectiva 6% .22 ** 7% .28 ***
Controlo Percebido 13% .27 *** – – n.s.

Total 21% 23%

* = p≤.05; ** = p≤.01; *** = p≤.001

578
QUADRO 5
Preditores de cognição social da intenção de adoptar comportamentos preventivos para o cancro
da pele usando a divisão pela mediana para a variável optimismo (n=391)

Mais optimista Menos optimista


(F=18,2; p≤.001) (F=30,6; p≤.001)

Preditores Adj. R2 β Sig. Adj. R2 β Sig.

Atitudes 3% .22 ** 4% .23 **


Norma Subjectiva 9% .28 *** 12% .26 ***
Controlo Percebido 25% .34 *** – – n.s.

Total 37% 16%

* = p≤.05; ** = p≤.01; *** = p≤.001

jectiva contribuíram de forma estatisticamente que a representação emocional mais negativa


significativa (Quadro 5). contribui para um aumento da percepção de con-
trolo e uma maior intenção comportamental. Uma
possível explicação para as diferenças relativa-
DISCUSSÃO mente à norma subjectiva, relaciona-se com o
carácter de gravidade desta doença, e da forma
Este estudo analisou as crenças de indivíduos como as emoções negativas e socialmente parti-
saudáveis sobre o cancro da pele no que se refere lhadas poderão ter um papel promotor de uma
aos componentes da TAP, à representação emo- intenção comportamental preventiva. Por outro
cional da doença e aos níveis de optimismo. Os lado, a protecção da pele e estar bronzeado estão
resultados indicaram que em média os indiví- associados a uma forte componente social. Uma
duos têm uma representação emocional negativa forte barreira encontrada no que se refere à pro-
sobre o cancro de pele e que apresentam um ní- tecção da pele, relaciona-se com o facto de ter
vel de optimismo elevado. uma aparência bronzeada estar associado a ser sau-
O padrão de correlações entre os componentes dável e atraente (Arthey & Clarke, 1995). Estu-
da TAP é significativo, e semelhante ao encon- dos posteriores verificaram que normas sociais
trado em diferentes estudos que utilizaram este em relação ao uso de protectores solares, ou ter
modelo. De forma geral, os indivíduos apresen- um amigo, ou pais que utilizam protectores so-
tam uma atitude positiva em relação ao compor- lares, está relacionado com uma maior intenção
tamento preventivo, consideram importante aqui- de realizar o comportamento (Martin et al., 1999).
lo que “outros significantes” acreditam ser ade- As diferenças encontradas nos componentes
quado praticar em relação a esta doença, têm da TAP, no que se refere aos níveis de optimis-
uma crença forte na capacidade de controlar o com- mo, reflectem-se nas atitudes em relação ao com-
portamento e uma forte intenção de vir a adoptar portamento preventivo e na percepção de con-
um comportamento preventivo para o cancro da trolo sobre o mesmo. Os indivíduos mais opti-
pele. Existem, contudo, diferenças significativas mistas têm uma atitude mais positiva e uma maior
entre indivíduos que têm uma representação emo- percepção de controlo sobre o comportamento
cional mais negativa e mais positiva, nas compo- preventivo. Um factor comum a estes resultados
nentes norma subjectiva, controlo percebido, e é o facto de a percepção de controlo percebido
intenção comportamental. Este resultado sugere emergir como o componente mais saliente no

579
contexto estudado. Segundo um estudo recente sustente a crença de que um maior controlo
(Trafimow et al., 2002), o controlo percebido é sobre o comportamento pode reduzir a probabi-
uma amálgama de duas variáveis: (1) o controlo lidade de vir a ter a doença. Quando se considera
percebido é a medida em que o indivíduo consi- a divisão da mediana em relação ao optimismo a
dera que o comportamento está sob o seu contro- percentagem de variância explicada é diferente
lo; (2) a dificuldade percebida, refere-se à medi- entre indivíduos com níveis de optimismo baixo
da em que o comportamento é considerado fácil e alto. Além disso, verifica-se uma diferença nos
ou difícil. Neste sentido, a dificuldade percebida preditores da intenção comportamental. Nos in-
é distinta de controlo, e quando esta é percepcio- divíduos mais optimistas, a percepção de contro-
nada como mais importante, o controlo percebi- lo sobre o comportamento contribui com 25%
do é um melhor preditor do comportamento. No dos 37% da variância explicada, enquanto que
caso específico deste estudo, apenas avaliámos a nos indivíduos menos optimistas, esta variável
intenção de adoptar um comportamento preven- não contribui significativamente para a intenção
tivo para o cancro da pele, que apesar de ser um de adoptar comportamentos preventivos para o
comportamento que pode requerer a cooperação cancro da pele. Este resultado enfatiza o papel
de outros, parece ser percepcionado como estan- do optimismo, enquanto traço de personalidade,
do sob o controlo do próprio. Outro aspecto im- no contexto da intenção de adoptar comporta-
portante a considerar neste contexto é que pro- mentos preventivos. Nomeadamente, levanta a
teger-se dos raios solares pode ter implicações questão sobre o papel que o optimismo poderá
para a aparência física no sentido de “ser atra- ter na auto-regulação do comportamento relacio-
ente”. Por exemplo, os indivíduos que fazem so- nado com a saúde. Por um lado, o optimismo po-
lário, justificam esta decisão com o facto de se de estar relacionado com a “ilusão” de controlo;
sentirem mais atraentes (Hillhouse et al., 1996). por outras palavras, sermos optimistas em rela-
Da mesma forma, o estar bronzeado é socialmen- ção aquilo que consideramos que está sob o nosso
te valorizado e percepcionado como atraente, es- controlo e não acerca de futuros eventos per se.
pecialmente pelas camadas mais jovens (Hill- Por outro, o optimismo pode ser entendido no
house et al., 2000). A percentagem de variância sentido de atrair eventos ou situações positivas e
explicada pela TAP em relação à intenção de evitar ou prevenir acontecimentos negativos. Estas
adoptar comportamentos preventivos para o can- interpretações levam-nos ao conceito de “opti-
cro da pele situa-se abaixo dos valores referidos mismo irrealista” como sendo o produto da “ilu-
por estudos anteriores, em relação à intenção de são” de controlo; ou a tendência para perceber os
adoptar comportamentos preventivos de maneira eventos mais sobre controlo do que na realidade
geral (Sheeran et al., 2001). Uma explicação pos- estão, ou poderão estar. Outra situação é quando
sível poderá relacionar-se com o tipo de intenção as pessoas são mais optimistas para elas do que
comportamental em estudo, relativamente a uma para os outros (Harris & Middleton, 1994), o que
doença que o indivíduo pode considerar como im- poderá ter implicações para a adopção de com-
provável. No entanto, quando se considera a di- portamentos preventivos. No caso específico do
visão da mediana em relação à representação emo- presente estudo, em que se inquiriram indivíduos
cional do cancro da pele, a percentagem de vari- saudáveis, os resultados levam-nos a levantar al-
ância explicada desce ligeiramente e verifica-se gumas questões sobre o valor funcional do opti-
uma diferença nos preditores significativos. No mismo individual no contexto da TAP no que se
grupo de indivíduos com uma representação emo- refere ao cancro da pele. Uma questão relaciona-
cional mais negativa, a percepção de controlo é o se com a importância de distinguir entre quando
preditor mais significativo da intenção de ado- se trata de atingir um determinado objectivo em
ptar um comportamento preventivo, enquanto termos de comportamento relacionado com a saú-
que nos indivíduos com uma representação mais de, e mantê-lo. Outra questão refere-se à diferen-
positiva, as atitudes em relação ao comporta- ça entre o valor do optimismo em relação a um
mento são o melhor preditor da intenção com- objectivo, e o seu valor em relação a uma amea-
portamental. Poderá existir aqui alguma associa- ça. Schwarzer (1999) defende que se, por exem-
ção entre a representação emocional e o medo de plo, o indivíduo não se sente em risco, não vê
vir a ter a doença, levando este a que o indivíduo razão para adoptar um comportamento preven-

580
tivo. Isto pode levar anos até acontecer uma vez Armitage, C., & Conner, M. (2000). Social cognition
que não se trata de atingir um objectivo, mas sim models and health behaviour: A structured review.
Psychology and Health, 15 (2), 173-189.
de um processo de auto-regulação perante a ava-
Arthey, S., & Clarke, V. A. (1995). Suntanning and sun
liação de uma ameaça que pode nunca vir a re- protection: A review of the psychological litera-
sultar na adopção de um comportamento preven- ture. Social Science and Medicine, 40 (2), 265-274.
tivo. Por outras palavras, o que poderá ser enten- Becker, M. H. (1974). The health belief model and per-
dido como prevenção, e como promoção da saú- sonal health behaviour. Thorofare, NJ: Slack.
de, e o seu impacte no comportamento relacio- Bennetts, K., Borland, R., & Swerissen, H. (1991). Sun
protection behaviour of children and their parents
nado com a saúde em indivíduos saudáveis. at the beach. Psychology and Health, 5, 279-287.
Este estudo apresenta também algumas limi- Bishop, G. D. (1991). Understanding the understanding
tações, nomeadamente no que se refere ao facto of illness: Lay disease representations. In J. A.
de se focar na intenção de adoptar um comporta- Skelton, & R. T. Croyle (Eds.), Mental represen-
mento preventivo e não no comportamento em tation of health and illness (pp. 32-59). USA: Sprin-
ger-Verlag.
si. Por outro lado, por se tratar de um estudo trans- Clarke, V. A., Williams, T., & Arthey, S. (1997). Skin
versal não foi possível avaliar a contribuição des- type and optimistic bias in relation to sun pro-
tes preditores para a prática do comportamento. tection and suntanning behaviours in young adults.
Consideramos também que outras variáveis, co- Journal of Behavioural Medicine, 20, 207-221.
mo por exemplo a percepção de vulnerabilidade English, D. R., Armstrong, B. K., Kricker, A., & Fle-
ming, C. (1997). Sunlight and cancer. Cancer Cau-
para esta doença, deveriam ter sido incluídas. Fu-
ses Control, 8, 271-283.
turas investigações deverão explorar de forma Figueiras, M. J. (2000). Illness Perceptions and reco-
prospectiva qual o papel da representação emo- very from myocardial infarction in Portugal. Tese
cional, e do optimismo na predição do comporta- de doutoramento não publicada, Guy’s Kings and
mento preventivo para o cancro da pele em indi- St. Thomas’ Schools of Medicine, Dentistry and
víduos saudáveis. Além disso, a possível relação Biomedical Sciences, University of London, Lon-
dres.
entre a adopção de comportamentos preventivos Figueiras, M. J., & Jerónimo, A. (2002). Modelos de
para o cancro da pele e a sua relação com a per- senso-comum da epilepsia: Implicações para a
cepção individual da vulnerabilidade à doença, ne- qualidade de vida. Psicologia, Teoria, Investigação
cessita de aprofundamento. e Prática, 7 (2), 301-315.
De forma geral, pensamos que os resultados Figueiras, M. J., Araújo, V. A., & Alves, N. C. (2002).
Os modelos de senso-comum das cefaleias cróni-
do presente estudo contribuem de forma signifi-
cas: Relação com o ajustamento marital. Análise
cativa para fornecer indicadores importantes no Psicológica, 20 (1), 77-90.
processo de tomada de decisão sobre a intenção Harris, P., & Middleton, W. (1994). The illusion of con-
de adoptar comportamentos preventivos para o trol and optimism about health: On being less at
cancro da pele em indivíduos saudáveis. Embora risk but no more in control than others. British
de maneiras diferentes, a representação emocio- Journal of Social Psychology, 33, 369-386.
Hillhouse, J. J., Stair, A., & Adler, C. M. (1996). Pre-
nal da doença e o optimismo parecem influenciar dictors of sunbathing and sunscreen use in college
esta intenção e deverão ser considerados quando undergraduates. Journal of Behavioural Medicine,
se delinearem acções e intervenções no âmbito 19, 543-561.
da promoção da saúde. Hillhouse, J. J., Turrisi, R., Holwiski, F., & McVeigh,
S. (1999). An examination of psychological va-
riables relevant to artificial tanning tendencies.
Journal of Health Psychology, 4 (4), 507-516.
REFERÊNCIAS Hillhouse, J. J., Turrisi, R., & Kastner, M. (2000). Mo-
delling tanning salon behavioural tendencies using
Ajzen, I. (1991). The theory of planned behaviour. appearance motivation, self-monitoring and the theo-
Organizational Behaviour and Human Decision ry of planned behaviour. Health Education Rese-
Processes, 50, 179-211. arch, Theory & Practice, 15 (4), 405-414.
Ajzen, I., & Fishbein, M. (1980). Understanding atti- Horne, R., & Weinman, J. (1998). Predicting treatment
tudes and predicting social behaviour. Englewood adherence: An overview of theoretical models. In
Cliffs, NJ: Prentice-Hall. L. B. Myers, & K. Midence (Eds.), Adherence to
American Cancer Society (1998). Cancer facts and fi- treatment in medical conditions. Amsterdam: Har-
gures – 1998. Atlanta, GA: Author. wood Academic.

581
Jackson, K. M., & Aiken, L. S. (2000). A psychosocial Trafimow, D., Sheeran, P., Conner, M., & Finlay, K. A.
model of sun protection and sunbathing in young (2002). Evidence that perceived behavioural con-
women: The impact of health beliefs, attitudes, trol is a multidimensional construct: Perceived con-
norms and self-efficacy for sun protection. Health trol and perceived difficulty. British Journal of So-
Psychology, 19 (5), 469-478. cial Psychology, 41, 101-121.
Jones, F., Harris, P., & Chrispin, C. (2000). Catching
the sun: An investigation of sun-exposure and skin
protective behaviour. Psychology, Health and RESUMO
Medicine, 5 (2), 131-141.
Leventhal, H., Diefenbach, M., & Leventhal, E. (1992).
O presente estudo avaliou o valor preditivo da Teo-
Illness cognition: Using common-sense to under-
ria da Acção Planeada na intenção de adoptar compor-
stand treatment adherence and affect cognition in- tamentos preventivos para o cancro da pele em indiví-
teractions. Cognitive Therapy and Research, 16 (2), duos saudáveis. Pretendemos identificar quais os pre-
143-163. ditores da intenção comportamental quando foram con-
Leventhal, H., Leventhal, E. A., & Contrada, R. J. (1998). siderados factores como a representação emocional da
Self-regulation, health and behaviour: a perceptual- doença e os níveis de optimismo. Os resultados indica-
cognitive approach. Psychology and Health, 13, ram que existem diferenças significativas nos compo-
717-734. nentes da Teoria da Acção Planeada entre indivíduos
Loescher, L. J., Buller, M. K., Buller, D. B., Emerson, com representações emocionais mais positivas vs. mais
J., & Taylor, A. M. (1995). Public education pro- negativas, assim como entre os níveis de optimismo. A
jects in skin cancer. Cancer, 75, 651-656. percepção de controlo percebido sobre o comporta-
Martin, R. H. (1995). Relationship between risk factors, mento foi o preditor mais significativo da intenção com-
knowledge, and preventive behaviour relevant to portamental para prevenir o cancro da pele. O nível de
skin cancer in general practice patients in south optimismo influencia de forma positiva a intenção com-
Australia. British Journal of General Practice, 45, portamental, contribuindo de forma significativa para
365-367. a percepção de controlo sobre o comportamento. Os
Martin, S. C., Jacobsen, P. B., Lucas, D. J., Branch, K. resultados indicam ainda que os níveis de optimismo e
A., & Ferron, J. M. (1999). Predicting children’s a representação emocional da doença desempenham
sunscreen use: Application of the theories of rea- um papel importante no que se refere à intenção com-
soned action and planned behaviour. Preventive portamental para prevenir o cancro da pele e devem
Medicine, 29, 37-44. ser considerados quando se desenham intervenções ou
Meyer, D., Leventhal, H., & Gutman, M. (1985). Com- outros tipos de acção para a prevenção do cancro da
mon-sense models of illness: The example of hy- pele em indivíduos saudáveis.
pertension. Health Psychology, 4, 115-35. Palavras-chave: Teoria da Acção Planeada, cancro
Scheier, M. F., & Carver, C. S. (1987). Dispositional da pele, percepção da doença, representação emocio-
optimism and physical well-being: The influence nal, optimismo, crenças.
of generalized outcome expectancies on health.
Journal of Personality, 55, 169-210.
Scheier, M. F., & Carver, C. S. (1992). Effects of opti- ABSTRACT
mism on psychological and physical well-being:
Theoretical overview and empirical update. Cogni- The present study assessed the predictive value of
tive Therapy and Research, 16 (2), 201-228. the Theory of Planned Behaviour on the intention to
Schwarzer, R. (1994). Optimism, vulnerability, and self- adopt preventive measures for skin cancer in healthy
beliefs as health related cognitions: A systematic individuals. The identification of the predictors of beha-
overview. Psychology and Health, 9, 161-180. vioural intention for skin cancer was done after taking
Schwarzer, R. (1999). Self-regulatory processes in the into consideration the emotional representation of the
adoption and maintenance of health behaviours. The disease and the level of dispositional optimism. The
role of optimism, goals, and threats. Journal of Health results indicated that there are significant differences
Psychology, 4, 115-127. on the components of the Theory of Planned Beha-
Sheeran, P., Conner, M., & Norman, P. (2001). Can the viour between individuals with positive vs. negative
theory of planned behaviour explain patterns of health emotional representation of skin cancer, as well as the
behaviour change? Health Psychology, 20 (1), 12- level of dispositional optimism. Perceived control over
-19. the behaviour was found to be the most significant pre-
Smith, B., Sullivan, E., Bauman, A., Powell-Davies, G., dictor of intention to adopt preventive measures for
& Mitchell, J. (1999). Lay beliefs about the pre- skin cancer. Dispositional optimism has an important
ventability of major health conditions. Health Edu- influence on the explained variance on intention, being
cation Research (Theory and Practice), 14 (3), 315- the perception of perceived behaviour control the most
-325. significant predictor. Furthermore, the results also in-

582
dicate that the emotional representation of skin cancer
and dispositional optimism may have an important role
for the adoption of preventive measures and should be
considered for designing health promotion intervention
in healthy individuals.
Key words: Theory of Planned Behaviour, skin can-
cer, illness perceptions, emotional representation, dis-
positional optimism, health beliefs.

583
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 585-595

Auto-eficácia na diabetes: Conceito e


validação da escala

MARIA GRAÇA PEREIRA (*)


PAULO ALMEIDA (*)

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA siderados como causas interdependentes do com-


portamento, ou seja: os determinantes internos
A introdução e o desenvolvimento da Teoria do comportamento (crenças, expectativas, ...) e
da Auto-Eficácia deve-se à concepção e aos tra- os determinantes externos (consequências, refor-
balhos de Albert Bandura, no contexto dos mo- ços, punições, ...) são parte de um sistema de in-
delos cognitivos de modificação do comporta- fluências interactivas que afectam não só o com-
mento e com base na designada Teoria da Apren- portamento, mas também o próprio sistema.
dizagem Social (Bandura, 1989). Um outro aspecto saliente da Teoria da Cogni-
Bandura rejeita as perspectivas mecanicistas ção Social refere-se à capacidade humana de Au-
do ser humano ao considerar que ele possui ca- to-Regulação do comportamento. Através da acção
pacidades superiores que lhe possibilitam utilizar no seu meio ambiente, da criação de mecanismos
símbolos (cognições) e realizar predições quanto de apoio cognitivo e da criação de consequências
à ocorrência dos acontecimentos e criar meca- para as suas próprias acções, as pessoas têm a
nismos que lhe permitem exercer controlo dire- capacidade de exercer influência sobre o seu com-
ctamente sobre aqueles que afectam a sua vida portamento. Através da representação verbal e
quotidiana. imagética, o ser humano processa e preserva as
Na perspectiva de Bandura, o comportamento experiências de forma a servirem de guia para o
do ser humano deve ser analisado em função de futuro. A capacidade para idealizar resultados fu-
turos potencializa estratégias com a finalidade de
uma interacção recíproca e contínua entre as con-
alcançar esses objectivos.
dições ambientais, as cognições e as acções do
De acordo com a Teoria Cognitiva da Apren-
sujeito. Nesta perspectiva, designada pelo autor
dizagem Social, a motivação e o comportamento
de “determinismo recíproco” (Bandura, 1978, 1989),
seriam determinados pela perspectiva dos acon-
os factores situacionais e disposicionais são con-
tecimentos. Este mecanismo de controlo anteci-
patório agrupa três tipos de expectativas: (a) Ex-
pectativas de resultado da situação (situation-out-
come), em que as consequências são determina-
das pelos acontecimentos ambientais, sem acção
(*) Universidade do Minho, Departamento de Psico- pessoal; (b) Expectativas de resultado da acção
logia, Braga. (action-outcome), em que os resultados ou as

585
consequências derivariam de uma acção, e (c) soais quanto à sua capacidade para realizar um
Percepção de auto-eficácia, que se centra na cren- comportamento específico desejado. Não reflecte
ça pessoal quanto às capacidades para realizar as competências pessoais, mas sim as crenças, os
uma acção específica necessária à obtenção de julgamentos, as avaliações sobre o que pode o
um resultado determinado (Bandura, 1989, 1992). indivíduo realizar com as competências que pos-
A auto-eficácia e as expectativas de resultado da sui para executar comportamentos específicos
acção referem-se à percepção que se pode mudar em situações determinadas; tem uma elevada pre-
a realidade e lidar com os riscos ou ameaças dictibilidade em relação a tarefas comportamen-
através de uma acção preventiva. Na realidade tais específicas. Não é, como podemos deduzir,
são difíceis de distinguir, porque operam em con- uma característica generalizada da personalida-
junto não sendo possível a segunda sem a pri- de, podendo variar, na mesma pessoa, de tarefa
meira. para tarefa.
A teoria da Auto-Eficácia é um componente O conceito de auto-eficácia tem provado ser
chave na teoria de Bandura. Postula que a inicia- um constructo bastante versátil e heurístico, com
ção, persistência ou abandono de uma estratégia aplicações em muitas áreas e especialidades da
ou comportamento são particularmente afectados Psicologia. Apesar de as primeiras pesquisas se
pelas crenças pessoais quanto às suas competên- centrarem no domínio da ansiedade e controlo da
cias e probabilidade de lidar e ultrapassar as exi- ansiedade, as investigações posteriores estende-
gências ambientais (Bandura, 1989; Lent & ram o conceito para o domínio da aprendizagem
Maddux, 1997). “As percepções pessoais de efi- e educação, organizacional, aconselhamento e psi-
cácia influenciam o tipo de cenários antecipa- coterapia, controlo e manutenção da saúde (Lent
tórias que as pessoas constróem. Aqueles que pos- & Maddux, 1997; Schwarzer & Fuchs, 1996).
suem um sentido elevado de eficácia visualizam Em qualquer dos domínios a mudança comporta-
cenários de sucesso, os quais fornecem guias po- mental é facilitada pelo sentido de controlo pes-
sitivos para a realização. Os que se auto-avaliam soal. Quando se acredita que se pode actuar para
como ineficazes estão mais propensos à visuali- resolver um problema, haverá maior propensão a
zação de cenários de insucesso que prejudicam a fazê-lo e a sentir-se mais implicado numa deci-
sua realização através do acentuar dos aspectos são. Níveis diversos de auto-eficácia podem pro-
negativos. Um sentido de eficácia elevado favo- mover ou limitar a motivação para agir. De acordo
rece a construção cognitiva de acções eficazes, e com o Modelo da Cognição Social, supõe-se que
a percepção de acções eficazes fortalece as auto- uma auto-eficácia elevada se relacionaria com
percepções de eficácia. As crenças de auto-efi- melhor saúde, realização escolar ou integração
cácia habitualmente afectam o funcionamento social. A aquisição de um sentido de auto-eficá-
cognitivo através da acção conjunta das opera- cia deriva da avaliação das experiências passa-
ções de processamento de informação e da moti- das, do comportamento dos outros e das infor-
vação (Bandura, 1989). As crenças de auto-efi- mações e incentivos fornecidos pelos outros signi-
cácia determinam o nível de motivação, tal como ficativos (Bandura, 1978, 1989).
se reflecte na quantidade de esforço empregue As crenças de eficácia relativas à adesão tera-
para alcançar um objectivo e o tempo que persis- pêutica são de dois tipos: eficácia quanto ao re-
tirão em face dos obstáculos. Quanto mais forte sultado – crenças quanto à possibilidade de um
a crença nas capacidades pessoais, maior e mais comportamento dar origem a um resultado dese-
longos serão os esforços (Bandura, 1989). jado (i.e., fazer exercício físico permite controlar
A mudança comportamental, de acordo com o valor da glicemia) e crenças de auto-eficácia –
Bandura, depende das expectativas quanto ao re- crenças pessoais quanto à capacidade para exe-
sultado e das expectativas de eficácia pessoal. As cutar um comportamento (i.e., sou capaz de rea-
expectativas quanto ao resultado consistem na lizar desporto três vezes por semana). No geral,
crença que um comportamento próprio, particu- as crenças de auto-eficácia parecem ser mais sa-
lar conduz a uma consequência específica. São lientes para a adesão a planos terapêuticos mais
crenças sobre a consequência de um acto. A per- difíceis e exigentes, como é o caso do requerido
cepção de auto-eficácia enquadra-se no controlo para o tratamento da diabetes (Horne & Wein-
pessoal das acções, refere-se às expectativas pes- man, 1996).

586
As percepções de auto-eficácia podem afectar comportamentos relativamente simples, como
a saúde de duas formas diferentes. Uma, seria escovar os dentes, comportamentos que exijam re-
através da execução de comportamentos que in- pertórios comportamentais mais complexos são
fluenciam a saúde. A segunda seria através do menos explicáveis por aquelas abordagens (O’Leary,
impacte na resposta fisiológica de stresse, a qual, 1992).
quando ocorre muito frequente, intensamente ou As crenças de auto-eficácia envolvem fre-
por longos períodos de tempo, pode afectar uma quentemente competências técnicas necessárias à
vasta área de domínios da saúde (O’Leary, 1992). execução de um comportamento. Por exemplo,
Quer as expectativas de resultado, quer as de níveis elevados de competências podem ser re-
eficácia têm influência na adopção de comporta- queridos para pesquisar a glicemia sanguínea,
mentos saudáveis, na eliminação de hábitos ne- administrar insulina, praticar exercício físico, adiar
fastos ou no controlo da doença. Para a adopção a satisfação de impulsos ou a procura de prazer
de comportamentos saudáveis, em primeiro lu- (como o ingerir alimentos ricos em hidratos de
gar, os sujeitos formam uma intenção e só poste- carbono – bolos, chocolates, ...); finalmente, com-
riormente executam a acção. As expectativas de petências para uma interacção efectiva com os
resultado são importantes para a formação da in- outros são também necessárias, como o resistir à
tenção, mas menos para o controlo da acção. Ex- pressão dos pares (O’Leary, 1992), tal como é
pectativas de resultado positivas encorajam a de- exigido aos pacientes com diabetes.
cisão de mudança comportamental. Após esta fa- A auto-eficácia tem sido descrita como uma
se, as expectativas de resultado são ultrapassadas variável de relevo para a adopção de um vasto
pois torna-se prioritário implementar ou manter leque de comportamentos relacionados com a saú-
o comportamento. Nesta fase, as percepções de de. Revisões compreensivas estão disponíveis
auto-eficácia continuam a exercer uma influên- (Bandura, 1989, O’Leary, 1985, O’Leary, 1992)
cia controladora. A auto-eficácia, pelo contrário, e abrangem domínios como o controlo da dor, o
parece ser crucial em ambos os momentos da au- consumo de cigarros, o comportamento sexual e
to-regulação do comportamento relativo à saúde. a adopção de medidas de protecção face às doen-
A percepção de auto-eficácia foi explorada ças sexualmente transmissíveis e o HIV, o com-
como um factor de protecção da resposta fisio- portamento e as perturbações alimentares (Abu-
lógica de stresse. Representa a “avaliação secun- sabha & Achterberg, 1997), a reabilitação car-
dária” no modelo transaccional de stresse de La- díaca ou a adesão a regimes médicos complexos
zarus, referindo-se à apreciação das competên- (como é o caso do auto-tratamento da diabetes).
cias pessoais para lidar com os agentes ameaça-
dores. Os sujeitos que acreditarão possuir as ca-
pacidades adequadas para enfrentar ou controlar Dimensões Avaliadas
um agente stressor de forma a evitar dano mani- A escala de auto-eficácia relativa à diabetes é
festarão menor ansiedade e uma resposta fisioló- a tradução da “Self Efficay Diabetic Scale” (Gros-
gica também reduzida. sman, Brink, & Hauser, 1987). Esta escala foi de-
As crenças de auto-eficácia influenciam o com- senvolvida com base na teoria de Auto-Eficácia
portamento através dos efeitos nas escolhas de de Bandura e pretende avaliar as percepções pes-
comportamentos alternativos, do esforço dispen- soais relativas à competência, capacidades e meios
dido, da activação face às condições e da persis- para os adolescentes lidarem de forma adequada
tência face às dificuldades. com as exigências impostas pela diabetes. Con-
Os comportamentos relativos à saúde e à do- siste em 35 itens seleccionados de um conjunto
ença variam na sua complexidade e no número
mais vasto por 3 pediatras diabetologistas, com
de competências necessárias para a sua execu-
base na sua relevância.
ção. Quanto maior o nível de competências exi-
Os itens foram agrupados em 3 sub-escalas,
gidas, tanto mais importantes serão as perce-
com base na análise de conteúdo:
pções de auto-eficácia na determinação do resul-
tado. Enquanto as expectativas de resultado (ba- 1) Auto-eficácia específica para a diabetes
seadas na teoria da acção racional ou no modelo (SED-D: 24 itens): Exemplo de item: En-
das crenças relativas à saúde) são predictoras de carregar-me sozinho de tomar a insulina;

587
2) Auto-eficácia relativa a situações médicas - Crianças e adolescentes nascidos entre 1980
(SED-M: 5 itens): Saber que dose de insu- e 1987 (idades compreendidas entre 10 e 18
lina tomar quando fico doente; e anos, inclusive);
3) Auto-Eficácia em situações gerais (SED- - Utentes da Consulta de Diabetologia Pediá-
G: 6 itens): Explicar a um professor as trica do Departamento de Pediatria do Hos-
minhas opiniões, numa aula. pital de S. João (Porto);
- Preencham os critérios da ISPAD (Interna-
As instruções convidam os sujeitos a avaliar a
tional Society for Pediatric and Adolescent
sua percepção de eficácia para resolver tarefas
Diabetes) e da IDF (International Diabetes
relativas à diabetes, ao tratamento ou à sua vida
Federation – Europe) (1995) para o diagnós-
em geral. As respostas são assinaladas numa es-
tico de Diabetes Tipo 1;
cala com 5 alternativas (1- Não consigo com cer-
- Diagnosticadas pelo menos há 1 ano;
teza; 2- Não consigo; 3- Talvez consiga; 4- Con-
- Estarem em regime de ambulatório (não in-
sigo; 5- Consigo com certeza).
ternados);
Na cotação apenas são notadas as respostas
- Ausência de gravidez;
positivas, de 1 (Talvez consiga) a 3 (Consigo com
- Ausência de doença aguda;
certeza), obtendo-se resultados para cada sub-
- Desenvolvimento intelectual normal.
-escala e um resultado total (SED-T), sendo os
valores mais elevados indicadores de maior Do universo de diabéticos elegíveis para a pre-
percepção de Auto-eficácia. sente investigação responderam ao questionário
168 sujeitos (96% do total), amostra considerada
estatisticamente representativa (Almeida &
METODOLOGIA Freire, 2000). Destes, foram eliminados onze por
incapacidade física, mental ou indevido preen-
chimento dos questionários. A amostra final fi-
Amostra cou reduzida a 157 sujeitos, o que perfaz 90% da
população.
No presente estudo recorremos a uma amostra A participação dos doentes foi voluntária,
de conveniência, constituída por utentes da Con- sendo o consentimento precedido de informação
sulta de Diabetologia Pediátrica do Departa- sobre o âmbito e a finalidade do estudo.
mento de Pediatria do Hospital de S. João – Por-
to, num universo estimado em 175 sujeitos ele- Caracterização Geral da Amostra
gíveis, com base no último censo (Fontoura e
col., 1997). A amostra é constituída por 157 adolescentes,
Todo o processo de investigação foi submeti- sendo 77 (49%) do sexo masculino e 80 (51%)
do e aprovado pela Comissão de Ética do Hospi- do sexo feminino (Quadro 1). As idades estão
tal de S. João. compreendidas entre os 10 anos e 18.9 anos,
Os critérios de inclusão dos pacientes no es- estando os sujeitos distribuídos de forma homo-
tudo foram os seguintes: génea ao longo do intervalo estabelecido. A mé-
dia das idades é 15 anos (dp=2.2anos).

QUADRO 1
Distribuição da amostra por género e idade (anos)

N Média Desvio Padrão Mínimo Máximo

Masculino 77 14.8 2.2 9.3 18.9


Feminino 80 15.2 2.3 10.4 18.6
Total 157 15.0 2.2 9.3 18.9

588
QUADRO 2
Escalões etários da amostra (n=157)

Idade N %

≤13 anos 36 22.9


>13 ≤15 46 29.3
>15 75 48.7
Total 157 100

QUADRO 3
Características educativas da família (n=157)

Nível educativo (anos de escolaridade) Pai Mãe

1.º Ciclo ou inferior (≤4 anos) 57.3% 64.3%


2.º Ciclo (>4 ≤6) 14.7% 12.8%
3.º Ciclo (>6 ≤9) 12.1% 7.0%
Ensino Secundário (>9 ≤12) 7.6% 9.5%
Ensino Superior (>12) 8.3% 6.4%

A amostra foi dividida em três grupos etários, A quase totalidade dos adolescentes está in-
de acordo com a fase de desenvolvimento da ado- serida no sistema de ensino (95%).
lescência: Adolescência Inicial (idade inferior a O diagnóstico da diabetes foi realizado em mé-
13 anos – 22.9% da amostra), Intermédia (idade dia aos 8.3 anos (dp=3.5 anos). Como se pode
compreendida entre os 13 e os 15 anos – 29.3% verificar pelos dados, apresentados no Quadro 4,
dos sujeitos) e Tardia (acima de 15 anos – 48.7%). existe uma grande proximidade na idade de dia-
O Quadro 2 permite analisar mais pormenoriza- gnóstico da diabetes em ambos os sexos.
damente a distribuição etária da amostra. A duração média da doença é de 6.7 anos
A maioria dos sujeitos (81.5%) está inserida (dp=3.9 anos), havendo, tal como para a idade de
em famílias nucleares e, em 8.9% dos casos, co- diagnóstico, uma grande proximidade entre sexo
habitam ainda com outros familiares (família alar- feminino e masculino (Quadro 5).
gada). Em famílias monoparentais vivem 7% dos
sujeitos e 2.5% estão inseridos em famílias re- Procedimento
constituídas.
A maior parte das famílias situa-se num nível No dia da Consulta de Diabetologia Pediátri-
social médio ou baixo, segundo a classificação so- ca, os doentes (e família, uma vez que são meno-
cial de Graffar. Assim, a maioria dos adolescen- res) foram contactados sendo-lhes explicados
tes (51%) é oriunda de famílias de nível IV (mé- os objectivos e a metodologia do trabalho de in-
dio-baixo). No nível III (classe social média) en- vestigação, a sua utilidade bem como o pedido
contrámos 20.4% dos sujeitos; na categoria in- de consentimento para participar no estudo. O
ferior temos 11.5%. Os níveis sociais mais ele- questionário foi distribuído de forma individual
vados (nível I, com 7.6% e nível II, com 9.6%) aos adolescentes, tendo estes sido encaminhados
são os menos representados. para um local onde pudessem responder com pri-
Este perfil socio-económico é confirmado pe- vacidade, durante o período que mediava entre a
la análise do nível de escolaridade dos progeni- colheita de sangue para análise e a Consulta de
tores, conforme Quadro 3. Endocrinologia Pediátrica.

589
QUADRO 4
Idade de diagnóstico, por género

N Média Desvio Padrão Mínimo Máximo

Masculino 77 8.1 3.8 .9 15.7


Feminino 80 8.5 3.3 1.1 15.8
Total 157 8.3 3.5 .9 15.8

QUADRO 5
Duração da doença, por género

N Média Desvio Padrão Mínimo Máximo

Masculino 77 6.4 4.0 1 17.5


Feminino 80 6.4 3.7 1.2 15
Total 157 6.4 3.9 1 17.5

Estudo da Versão Original avaliar a congruência entre os seus itens e sua


inclusão em dimensões ou sub-escalas (Almeida
Os autores realizaram estudos de fiabilidade & Freire, 2000). A inclusão dos itens em dimen-
do instrumento recorrendo ao Coeficiente de sões distintas teve em conta, sempre que possí-
Kuder-Richardson. Foram encontrados coefici- vel, uma metodologia semelhante à descrita pelo
entes α=.90 para o Total da escala, α=.92 para a autor ou então, baseados nos resultados das aná-
SED-D, α=.70 para a SED-M e α=.60 para a
lises de componentes principais, com o método
SED-G. É referida uma correlação entre o SED-
de rotação Varimax. Procedemos a alterações das
-T e o Locus de Controlo Interno (r=.42, p<.001),
dimensões propostas pelos autores unicamente
bem como com o Controlo Metabólico (r=.25,
quando elas não colocavam em causa o racional
p<.05).
teórico que presidiu à construção do mesmo. A
selecção dos itens para a escala ou sub-escalas
Estudo da Versão Portuguesa obedeceu aos seguintes critérios: (1) validade
Para a selecção e organização por dimensões convergente com o item que satura (valor de cor-
dos itens incluídos na versão final da escala foi relação item – componente igual ou superior a
realizada uma análise da fiabilidade do teste atra- 0.40) e (2) pelo menos 3 itens em cada compo-
vés da homogeneidade dos itens (consistência nente.
interna das escalas e sub-escalas). Para tal, foram A nossa versão foi construída a partir da tra-
calculadas as correlações do item com o total de dução da versão original, não sendo considerado
escala e/ou sub-escala (excluindo o respectivo necessário realizar qualquer alteração ao conteú-
item) e o alfa de Cronbach. Este índice permite do dos itens.
verificar se os itens que compõem cada uma das
sub-escalas do teste estão ou não correlaciona- Fiabilidade
dos entre si, ou seja, se representam de forma pa-
ralela o mesmo constructo (Almeida & Freire, A fiabilidade da escala (e sub-escalas) foi cal-
2000). culada a partir do alfa de Cronbach, sendo de
Para além da fiabilidade procedemos a uma α=.90 para a escala total, conforme Quadro 6.
análise da validade. Neste sentido, procuramos Com base nesse estudo psicométrico procede-

590
QUADRO 6
Coeficientes de consistência interna de Cronbach do SEDS
Alfa de Cronbach Escala Total: .90 (Versão original: KR-Alfa .92)

Sumário da Escala: Média=143.72; Desvio Padrão=14.63 (n=158)

Item Média se eliminado Variância se eliminado Correlação Item – total da escala Alfa se item eliminado

Seds1 138.98 206.50 .45 .89


Seds2 139.70 201.22 .43 .89
Seds3 139.36 201.56 .54 .89
Seds4 139.03 208.59 .32 .90
Seds5 139.15 206.28 .35 .90
Seds6 139.74 201.46 .44 .89
Seds7 139.46 200.72 .56 .89
Seds8 140.06 199.54 .47 .89
Seds9 139.68 200.30 .54 .89
Seds10 139.83 199.56 .51 .89
Seds11 139.65 199.20 .54 .89
Seds12 139.31 201.70 .47 .89
Seds13 140.27 196.10 .38 .90
Seds14 139.76 200.93 .51 .89
Seds15 139.48 201.09 .51 .89
Seds16 139.72 199.62 .51 .89
Seds17 140.59 196.05 .49 .89
Seds18 139.34 200.64 .54 .89
Seds19 139.21 203.29 .58 .89
Seds20 139.25 203.54 .42 .89
Seds21 139.15 206.60 .37 .90
Seds22 139.76 198.77 .51 .89
Seds23 139.76 197.17 .58 .89
Seds24 139.39 203.38 .43 .89
Seds25 140.36 207.17 .22 .90
Seds26 139.41 203.81 .49 .89
Seds27 139.98 204.05 .30 .90
Seds28 139.41 202.88 .49 .89
Seds29 139.31 205.05 .38 .89
Seds30 139.13 205.19 .44 .89
Seds31 139.59 208.79 .15 .90
Seds32 140.79 212.04 .03 .90
Seds33 139.39 201.42 .51 .89
Seds34 139.56 203.31 .47 .89
Seds35 139.78 200.53 .36 .90

QUADRO 7
Alfa de Cronbach Escala Auto-Eficácia Situações Médicas
Alfa da versão de estudo: .62 (Versão Original: KR-Alfa: .70)

Sumário da Escala: Média=19.43; Desvio Padrão=2.96 (n=158)


Item Média se eliminado Variância se eliminado Correlação item – total da escala Alfa se item eliminado

Seds11 15.36 6.24 .36 .49


Seds17 16.30 5.35 .34 .51
Seds22 15.47 5.49 .49 .41
Seds31* 15.30 7.13 .11 .62
Seds34 15.27 6.72 .37 .50
* Item a eliminar

591
QUADRO 8
Alfa de Cronbach Escala Auto-Eficácia Situações Gerais:
Alfa da versão de estudo: .63 (Versão Original: KR-Alfa: .60)

Sumário da Escala: Média=24.96; Desvio Padrão=2.75 (n=158)


Item Média se eliminado Variância se eliminado Correlação item – total da escala Alfa se item eliminado

Seds21 20.39 6.17 .30 .53


Seds25* 21.60 6.26 .09 .63
Seds27 21.22 4.91 .34 .51
Seds28 20.65 5.11 .55 .42
Seds29 20.55 5.67 .35 .50
Seds30 20.37 6.04 .33 .52

* Item a eliminar

QUADRO 9
Alfa de Cronbach Escala Auto-Eficácia Tratamento da Diabetes
Alfa da versão de estudo: .87 (Versão Original: KR-Alfa: .92)

Sumário da Escala: Média=99.33; Desvio Padrão=10.63 (n=158)


Item Média se eliminado Variância se eliminado Correlação item – total da escala Alfa se item eliminado

Seds1 94.59 107.00 .49 .86


Seds2 95.31 103.48 .43 .86
Seds3 94.96 104.73 .49 .86
Seds4 94.64 108.98 .32 .87
Seds5 94.76 107.69 .33 .87
Seds6 95.35 103.58 .46 .86
Seds7 95.07 103.29 .57 .86
Seds8 95.67 101.74 .50 .86
Seds9 95.29 102.73 .56 .86
Seds10 95.44 102.40 .51 .86
Seds12 94.91 103.52 .49 .86
Seds13 95.88 100.44 .35 .87
Seds14 95.37 103.30 .52 .86
Seds15 95.08 103.63 .51 .86
Seds16 95.32 102.09 .53 .86
Seds18 94.95 103.38 .53 .86
Seds19 94.82 105.77 .54 .86
Seds20 94.86 106.42 .35 .87
Seds23 95.37 100.92 .57 .86
Seds24 95.00 105.28 .42 .86
Seds26 95.02 105.99 .46 .86
Seds32 96.40 111.14 .04 .88
Seds33 95.00 103.59 .53 .86
Seds35 95.39 103.66 .33 .87

592
mos a algumas alterações que tiveram como obje- Validade
ctivo melhorar a fiabilidade e a homogeneidade
dos itens. Na sub-escala SED-M (Quadro 7) foi Para investigar a validade do constructo pro-
cedemos a uma análise de componentes princi-
eliminado um item – 31 – visto ser baixa a sua
pais, com rotação Varimax e com uma definição
correlação com a sub-escala a que pertence e por prévia de 3 componentes, tal como sugerido pe-
o valor de alfa passar de .50 para .62; na sub-es- los autores.
cala SED-G (Quadro 8) foi eliminado o item 25, A organização dos itens em 3 componentes
permitindo o valor de alfa passar de .53 para .63 explica 36,9% da variância total, mas apresenta
e também por ser muito baixa a sua correlação algumas diferenças relativamente à versão dos
com a sub-escala. autores (Quadro 10).

QUADRO 10
Estrutura do “Self-Eficacy Diabetes Scale”
(Loadings significativos ≥..40)

Itens Componente 1 Componente 2 Componente 3

14 .66
23 .66
16 .65
7 .64
15 .64
33 .58
1 .57
8 .54
3 .53
12 .53
34 .52
18 .50
9 .46
11 .44
10 .41
2 .40
24 .40
20 .70
28 .69
22 .64
19 .63
27 .55
30 .51
35 .49
26 .42
21* .39
32 .64
13 .64
17 .51
6 .45

Variância Explicada 25.2% 6.1% 5.6%

*Item a manter, dada a relevância do seu conteúdo

593
O componente 1, que explica 25,2% da va- Bandura, A. (1978). The Self System Reciprocal Deter-
riância dos resultados, é essencialmente com- minism. American Psychologist, 33, 344-358.
posto pelos itens referentes à “Auto-eficácia re- Bandura, A. (1989). Human Agency in Social Cognitive
Theory. American Psychologist, 44 (9), 1175-1358.
lativa ao tratamento”, mais o item 11 (SED-Mé- Bandura, A. (1992). Exercise of Personal Agency through
dico: Conversar sozinho com a enfermeira ou o the Self-Efficacy Mechanism. In Ralf Schwarzer
médico e dizer o que preciso) e pelo item 34 (SED- (Ed.), Self-efficacy: Through Control of Action.
-Médico: Cumprir o que o médico recomenda pa- Washington, USA: Hemisphere Publishing Corpo-
ra tratar a diabetes). ration.
O segundo componente explica 6,1% da va- Fontoura M., Tsou, R. M., Carvalho, J., Guerreiro, C.,
& Santos, N. T. (1997). Pediatric and Adolescent
riância dos resultados e congrega itens referentes
Diabetes Mellitus: Experience of the Pediatric En-
aos três domínios (Auto-eficácia relativa ao Tra- docrinology Unit – Hospital S. João-Porto. Dia-
tamento da Diabetes – 5 itens, à Comunicação betes Nutrition & Metabolism, 10, Suppl. 1.
com o médico – 1 item, e Geral – 5 itens). Ape- Grossman, H. Y., Brink, S., & Hauser, S. T. (1987).
sar de pertencerem aos vários domínios, os itens Self-efficacy in adolescent girls and boys with
do segundo componente têm como tema comum Insulin Dependent Diabetes Mellitus. Diabetes Ca-
a afirmação do paciente em situações de inter- re, 10, 324-329.
Horne J., & Weinman J. (1996). Predicting treatment
acção social, pelo que o designaremos de “Eficá- adherence: An overview of theoretical models. In
cia social”. Mark Conner, & Paul Norman (Eds.), Predicting
O terceiro componente explica 5,6% da va- Health Behaviour. Philadelphia, USA: Open Uni-
riância dos resultados, sendo composto por três versity Press.
itens referentes ao tratamento da diabetes, por ISPAD, IDF, & WHO (1995). Consensus Guidelines
dois itens referentes à comunicação com o mé- for the management of Insulin Dependent (Type 1)
Diabetes Mellitus in Childhood and Adolescence.
dico e um relativo à auto-eficácia em situações
London: Freund Publishing House, Lda.
gerais. O denominador comum ao conteúdo Lent, R. W., & Maddux, J. E. (1997). Building a socio
destes itens parece ser a orientação para um cognitive bridge between social and counselling
estilo de vida em que se destaca a afirmação psychology. The Counselling Psychologist, 25 (2),
pessoal, pelo que a designaremos “Confiança”. 240-255.
Por não saturarem em qualquer componente O’Leary, A. O. (1992). Self efficacy and health: Beha-
os itens 4, 5 e 29 foram retirados da versão final. vioural and stress-physiological mediation. Cogni-
tive Therapy and Research, 16 (2), 229-245.
A versão final da escala de Auto-Eficácia re- O’Leary, A. O. (1985). Self efficacy and health. Cogni-
lativa à Diabetes ficou reduzida a 30 itens, como tive Research and Therapy, 23 (4), 437-451.
resultado quer da análise de consistência interna, Schwarzer, R., & Fuchs R. (1996). Self-efficacy and health
quer da validade. Apesar de alguns dos itens (2, behaviours. In Mark Conner, & Paul Norman
21 e 24) apenas saturarem nos componentes com (Eds.), Predicting Health Behaviour. Philadelphia,
valores liminares, optámos pela sua manutenção USA: Open University Press.
na escala, devido à importância do conteúdo dos
itens. Os 30 itens estão agrupados em 3 compo-
nentes, tal como na versão original: 1) “Auto-efi- RESUMO
cácia relativa ao tratamento”; 2) “Eficácia so-
O presente estudo descreve a adaptação para uma
cial”; 3) “Confiança”.
amostra portuguesa da Escala de Auto-Eficácia rela-
tiva à Diabetes (SEDS) – (Grossnman, Brink & Hau-
ser, 1987). Esta escala está baseada na teoria da auto-
REFERÊNCIAS -eficácia de Bandura e pretende avaliar as percepções
pessoais relativas à competência, capacidades e meios
Abusabha, R., & Achterberg, C. (1997). Review of Self- para os adolescentes lidarem adequadamente com a dia-
efficacy and locus of control for nutrition and health betes.
related behaviour. Journal of American Diabetic Asso- A amostra do nosso estudo é composta por 175 ado-
ciation, 97 (10), 1122-1132. lescentes provenientes do Serviço de Endocrinologia
Almeida, L., & Freire, T. (2000). Metodologia da Inves- do Hospital S. João, no Porto. A escala composta por
tigação em Psicologia e Educação. Braga: Psiqui- 35 itens agrupados em 3 sub escalas foi submetida a
librios. uma análise das suas propriedades psicométricas na

594
amostra portuguesa seguindo uma metodologia seme- ser, 1987) in a Portuguese sample. This scale is based
lhante aos autores originais. in self-efficacy theory of Bandura and intends to
A versão portuguesa apresenta um alfa global de assess personal perceptions towards competency, skills
.90. Os alfas para as sub escalas: auto-eficácia em and means for adolescents to manage diabetes.
situações médicas, auto-eficácia em situações gerais e The sample in our study is composed by 175 ado-
auto-eficácia face ao tratamento da Diabetes são res- lescents from the Endocrinology Service in S. John´s
pectivamente de: .62., .63 e .87. A versão final da es- Hospital in Oporto. The scale with 35 items grouped in
cala ficou reduzida a 30 itens. Os itens estão agrupa- three subscales, was assessed in terms of its psycho-
dos em 3 componentes tal como na versão original: metric properties following a methodology similar to
auto-eficácia relativa ao tratamento, auto-eficácia so- the original authors.
cial, e confiança. The Portuguese version shows an alpha of .90. The
Palavras-chave: Diabetes, auto-eficácia, adolescen- alphas for the subscales: self efficacy in medical si-
tes. tuations, self-efficacy in general situations and self-
efficacy towards treatment of diabetes are respecti-
vely: .62, .63, and .87. The final version was reduced
ABSTRACT to 30 items. The items are grouped in three compo-
nents as the original version: self-efficacy towards treat-
This study describes the adaptation of the Self effi- ment, social self-efficacy and trust.
cacy Diabetes Scale (SEDS) (Grossman, Brink & Hau- Key words: Diabetes, self-efficacy, adolescents.

595
Análise Psicológica (2004), 3 (XXII): 597-605

Dificuldade em perceber o lado positivo


da vida? Stresse em doentes diabéticos com
e sem complicações crónicas da doença (*)

ISABEL SILVA (**)


JOSÉ PAIS-RIBEIRO (***)
HELENA CARDOSO (****)

A diabetes mellitus é uma doença crónica mui- Com o passar dos anos, as pessoas com diabe-
to frequente na nossa sociedade. Em 2000, a Or- tes podem vir a desenvolver uma série de com-
ganização Mundial de Saúde (OMS) estimava plicações, que podem ter um espectro espantosa-
que o número de pessoas com diabetes no mun- mente alargado. Não existe praticamente ne-
do atingisse os 177 milhões. Em Portugal, cal- nhum órgão ou sistema orgânico que não possa
cula-se que existam entre 400 a 500 mil diabéti- ser afectado por esta doença e aproximadamente
cos e estima-se que esse número continue a au- 40% das pessoas com diabetes vem a desenvol-
mentar drasticamente. ver complicações tardias da diabetes. Estas com-
A OMS considera ainda que, no mundo, o nú- plicações evoluem de uma forma silenciosa e,
mero de mortes relacionado com a diabetes é de, muitas vezes, já estão instaladas há algum tempo
aproximadamente, 4 milhões de pessoas por ano quando são detectadas.
e, em Portugal, esta doença constitui a quarta As variáveis psicológicas que têm vindo a ser
causa de morte (e sabemos que, provavelmente, foco de análise no contexto da diabetes e suas se-
o número de mortes se encontrará subestimado). quelas são numerosas, destacando-se a adesão ao
tratamento, ansiedade, depressão, estratégias ado-
ptadas para lidar com a doença, stresse, auto-es-
tima, auto-conceito, intrusividade, crenças rela-
cionadas com a diabetes e seu tratamento, entre
(*) Trabalho realizado com o apoio da bolsa Praxis outras. Porém, parece comum a tão distintas áreas
XXI BD/21804/9 da Fundação para a Ciência e a Tecno-
logia.
de interesse o facto destas serem abordadas de
(**) Hospital Geral de Santo António – Serviço de uma perspectiva negativa.
Endocrinologia. Desde a II Guerra Mundial, a Psicologia con-
(***) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Edu- sagrou-se à cura, concentrando-se na reparação
cação da Universidade do Porto. do dano, com base num modelo de doença para a
(****) Hospital Geral de Santo António – Serviço
de Endocrinologia e Instituto de Ciências Biomédicas compreensão do comportamento humano. Esta
Abel Salazar – Universidade do Porto. quase exclusiva atenção à patologia conduziu a

597
um desequilíbrio entre as fraquezas e forças do até mesmo, prejudiciais para outros (Feinglos,
ser humano e a uma negligência de conceitos po- Hastedt, & Surwit, 1987; Surwit & Feinglos, 1983;
sitivos, de que são exemplo a realização, quali- Surwit et al., 2002). Para outros autores, esta
dades, virtudes, recursos, satisfação, bem-estar, ampla incoerência ao nível dos resultados, que
prazer, felicidade, optimismo, esperança e pros- poderá resultar do desprezo a que têm sido vota-
peridade da comunidade, bem como daquilo que das as diferenças individuais dos doentes nestes
faz com que a vida valha a pena ser vivida (Mad- estudos, não fornece um apoio suficientemente
dux, 2002; Seligman, 2002; Seligman & Csik- forte para que as técnicas de gestão do stresse se-
sentmihalyi, 2000). Na última década do século jam utilizadas como tratamento complementar na
XX e início do presente século, parece afirmar- diabetes (Bradley, 1994; Czyzewski, 1988).
-se na Psicologia o interesse em entender e pro- Algumas das técnicas cuja utilização é suge-
mover os factores que permitem aos indivíduos, rida pela literatura para lidar com situações em
comunidades e sociedades florescer. que o deficiente controlo metabólico parece ser
A abordagem das variáveis psicológicas rela- mediado pelo stresse são o relaxamento, o biofe-
cionadas com a diabetes parece reflectir esta he- edback, a modelagem, resolução de problemas,
rança da Psicologia, tendo vindo a centrar-se, de apoio dos pares e treino de competências sociais
igual forma, particularmente nos aspectos nega- (Czyzewski, 1988). Mas a técnica que é, sem
tivos. dúvida, mais amplamente estudada é a primeira.
Entre essas variáveis estudadas salienta-se o As abordagens do stresse que usam técnicas
stresse. Nos anos 80, despertou o interesse pelo de relaxamento conduzem a resultados pouco cla-
estudo da relação entre stresse e diabetes, ou mais ros ou contraditórios (Aikens, Kiolbasa, & So-
especificamente, entre aquele e o controlo glicé- bel, 1997; Fisher, Delamater, Bertelson, & Kirk-
mico, estimulado pela evidência crescente de que ley, 1982). Segundo Bradley (1994), a evidência
existe uma associação causal entre a hiperglice- sugere que as técnicas de relaxamento podem ser
mia crónica e as subsequentes complicações da benéficas para os indivíduos que sentem que o
diabetes. Reflexo desse interesse são os estudos stresse perturba o seu controlo glicémico e que
desenvolvidos pelo Diabetes Control and Com- estão a experimentar um stresse considerável. Po-
plications Trial (DCCT) e pelo United Kingdom rém, acrescenta que é pouco provável que as técni-
Prospective Diabetes Study Group (UKPDS). cas de relaxamento tenham efeitos negativos, ex-
É amplamente reconhecido que o stresse pode cepto se os indivíduos apresentarem um excelen-
precipitar o início da diabetes e que desempenha te controlo metabólico e não se fizer a devida
um papel importante ao longo do curso desta do- correcção nas unidades de insulina ou quando os
ença, existindo boas razões teóricas para esperar valores de glicemia já se encontram baixos, uma
que a gestão do stresse seja valiosa para o trata- vez que, em ambas as situações, o doente corre o
mento desta doença (Bradley, 1988; Bradley, 1994; risco de ter uma crise hipoglicémica.
Casteleiro, 2001). Cox e Gonder-Frederick (1992) consideram que
É usualmente aceite que a actividade do siste- o treino do relaxamento é benéfico para os doen-
ma nervoso simpático relacionada com o stresse tes com diabetes tipo 2, mas que os resultados
perturba o controlo da diabetes, pela mobilização em relação à diabetes tipo 1 são inconsistentes.
das hormonas contra-reguladoras, e que as inter- Por sua vez, Surwit et al. (2002) constataram que
venções de gestão do stresse promovem a activi- o treino de técnicas de gestão do stresse está asso-
dade do sistema nervoso parassimpático, contra- ciado a uma pequena, mas significativa, redução
riando os efeitos do stresse. Todavia, os indiví- no valor de hemoglobina A1c em doentes com
duos parecem diferir na extensão em que as técni- diabetes tipo 2.
cas de gestão do stresse são benéficas (Bradley, De uma forma geral, os efeitos positivos do
1988). relaxamento são mais frequentemente observa-
Para alguns investigadores, existe uma evi- dos do que os efeitos negativos, mesmo nos in-
dência crescente de que as técnicas de gestão do divíduos com diabetes tipo 1 com bom controlo
stresse poderão constituir uma valiosa ajuda pa- metabólico antes do treino de relaxamento.
ra a gestão da diabetes para alguns indivíduos, Um mecanismo pelo qual as técnicas de rela-
enquanto podem ser completamente inúteis ou, xamento podem ser benéficas para o controlo me-

598
tabólico é a redução das alterações de humor que, 55,4% do sexo feminino; com idades compreen-
por sua vez, reduz a variabilidade da corrente san- didas entre 16 e 84 anos (M=48,39; DP=16,90);
guínea na pele e, consequentemente, a variabilidade variando o seu nível de escolaridade entre zero e
da absorção da insulina injectada subcutaneamente. 17 anos (M=6,59; DP=4,25); dos quais 59,8%
Um outro mecanismo pelo qual as técnicas de ges- apresentava complicações crónicas da doença.
tão do stresse podem contribuir para melhorar o
controlo glicémico é pela mediação comportamen- Material
tal, minimizando os comportamentos perturbados
associados a períodos de stresse (Bradley, 1988). Os participantes responderam à Escala de Ava-
As intervenções de gestão do stresse podem liação de Acontecimentos de vida e à Hospital
quebrar o ciclo vicioso, no ponto em que os acon- Anxiety and Depression Scale:
tecimentos de vida causam mudança na glicose Escala de Avaliação de Acontecimentos de vi-
do sangue, quer influenciando a actividade de de- da (LES) – A LES, instrumento de avaliação do
terminadas hormonas, quer minimizando as reac- stresse através dos acontecimentos de vida ocor-
ções comportamentais a esses acontecimentos. O ridos ao longo do último ano, foi desenvolvida
ciclo vicioso também pode ser quebrado no pon- por Sarason, Johnson e Siegel (1978). É um ins-
to em que a perturbação glicémica aumenta o nú- trumento de auto-relato constituído por 47 itens,
mero de acontecimentos de vida se o indivíduo que permitem ao respondente indicar aconteci-
usar o relaxamento para lidar com o humor dis- mentos que tenha experimentado ao longo do
fórico associado aos níveis de glicemia no san- último ano, avaliando-os separadamente em re-
gue (Bradley, 1988). lação à sua desejabilidade e ao impacte que tive-
A relação entre stresse psicológico e diabetes ram na sua vida. Demonstra vantagem sobre ou-
demonstra ser mais complexa do que se cria ini- tras escalas ao fazer a importante distinção entre
cialmente – a diabetes e o stresse podem influen- os acontecimentos de vida desejáveis ou indese-
ciar-se de forma mútua, directa e indirectamente, jáveis, bem como ao permitir ao respondente ava-
existindo entre eles uma relação bidireccional (Cox liar o grau de impacte que esses acontecimentos
& Gonder-Frederick, 1992; Fisher et al., 1982; Lloyd tiveram na sua vida. A escala demonstra ser bem
et al., 1999), e as técnicas para a gestão do stresse aceite pela população diabética e os seus itens
podem ter um impacte diferente conforme os in- provaram conservar-se actuais, apesar de data-
divíduos. rem dos anos 70 e de alguns se terem baseado
Mais recentemente, a investigação começou a nos de instrumentos desenvolvidos ainda nos anos
debruçar-se sobre a relação entre a presença de 60. O formato da LES leva os respondentes a ava-
complicações crónicas da diabetes e o stresse re- liarem separadamente se os acontecimentos são
velado pelos doentes. Alguns estudos têm demons- desejáveis ou indesejáveis e a intensidade do seu
trado que os doentes com uma ou mais complica- impacto. Este instrumento permite-nos avaliar se-
ções crónicas apresentam valores de stresse mais paradamente stresse positivo, stresse negativo e
elevados do que os doentes sem complicações cró- stresse total revelado pelo indivíduo ao longo do
nicas (Herschbach et al., 1997). último ano. Os resultados do estudo da versão por-
No presente estudo, procurámos perceber se tuguesa da LES sugerem que este poderá consti-
existem diferenças ao nível do stresse entre doen- tuir um instrumento importante para investiga-
tes diabéticos que sofrem de complicações cró- ção, dado apresentar uma razoável fidelidade e
nicas da doença e doentes sem diagnóstico de se- as suas duas subescalas se relacionarem de forma
quelas e tentámos reflectir sobre o seu significado. significativa com medidas dependentes do stresse,
nomeadamente com a ansiedade e a depressão
(Silva, Pais-Ribeiro, Cardoso, & Ramos, 2003).
MÉTODO Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS)
– Escala de auto-resposta desenvolvida por Zig-
mond e Snaith, em 1983, e que tem como obje-
Participantes ctivo identificar de forma válida, fiel e prática
sintomas de depressão e ansiedade. Apresenta co-
Foram avaliados 316 indivíduos com diabetes, mo importante vantagem sobre outras escalas o

599
facto de ter sido concebida de forma a evitar in- tência de uma correlação estatisticamente signi-
dicadores físicos, que pudessem induzir em erro ficativa, ainda que fraca, entre os sintomas de an-
na avaliação de populações médicas. A versão siedade e o stresse negativo (r(316)=0,39; p<0,0001)
portuguesa da escala (ainda em estudo – Ribeiro, e aqueles e o stresse total (r(316)=0,19; p<0,01).
Baltar, Ferreira, Meneses, Martins, & Silva) re- Todavia, estes sintomas não revelam estar corre-
vela ser de fácil compreensão, resposta rápida e lacionados de forma estatisticamente significa-
bem aceite pelos respondentes. Trata-se de uma tiva com o stresse positivo.
escala fiel e possui uma razoável validade con- Finalmente, os sintomas de depressão revelam
vergente-discriminante. estar correlacionados de forma estatisticamente
significativa com o stresse positivo (r(316)=-0,19;
Procedimento p<0,01) e com o stresse negativo (r(316)=0,28;
p<0,0001), ainda que essa correlação seja fraca.
Os participantes responderam aos questioná- Porém, estes sintomas não se correlacionam de
rios no contexto de uma entrevista pessoal, após forma estatisticamente significativa com o stres-
consentimento informado. Os dados relativos à se total.
presença de complicações crónicas da diabetes
foram recolhidos a partir dos processos médicos
dos doentes. DISCUSSÃO

Ao contrário do que poderíamos esperar, os


RESULTADOS doentes com complicações crónicas da diabetes
não revelam apresentar maior stresse negativo do
Procedeu-se à análise dos dados através da uti- que os restantes doentes. Porém, parecem apre-
lização do programa Statistical Package for So- sentar menor stresse positivo na sua vida ao lon-
cial Sciences (SPSS), versão 12 para Windows. go do último ano.
Os resultados sugerem que os doentes diabé- Ao sistematicamente valorizarmos uma pers-
ticos que sofrem de complicações crónicas da pectiva negativa das variáveis psicológicas que
doença não se distinguem de forma estatistica- estudamos, estamos simultaneamente a negligen-
mente significativa dos doentes sem sequelas da ciar aspectos relevantes. Quando, na análise do
diabetes quanto ao stresse negativo revelado ao stresse, salientamos apenas o impacte dos acon-
longo do último ano. Todavia, uma análise cui- tecimentos negativos na vida dos indivíduos
dadosa dos dados também revela que os dois com doença crónica ou a doença crónica como
grupos de doentes se distinguem quanto ao stresse fonte de stresse negativo, criamos um viés na for-
positivo (t(314)=4,12; p<0,0001) e ao stresse to- ma como planeamos possíveis estratégias de in-
tal (t(314)=3,40; p<0,01) nesse período de tem- tervenção psicológica dirigidas a estes doentes.
po. Observou-se que os doentes com complica- A literatura revela ser profícua em análises so-
ções crónicas não só revelam menos stresse po- bre a eficácia da utilização de estratégias de ges-
sitivo (M=3,87; DP=4,86 / M=6,69; DP=6,58), tão do stresse como o relaxamento muscular pro-
como também revelam menos stresse total (M=5,25; gressivo, treino autogénico, biofeedback, mode-
DP=3,27 / M=7,15; DP=5,69) quando compara- lagem, resolução de problemas, apoio dos pares
dos com os indivíduos diabéticos sem sequelas e treino de competências sociais em doentes dia-
da doença. béticos. Porém, mostra-se omissa no que concer-
Os dois grupos de doentes distinguem-se, ain- ne à análise e intervenção sobre a dificuldade dos
da, em relação aos sintomas de depressão (t(314) indivíduos com diabetes perceberem os aconteci-
=2,31; p<0,05), mas não quanto aos sintomas de mentos que ocorrem na sua vida como positivos.
ansiedade. Os indivíduos com complicações cró- Para além disso, é possível que a não distin-
nicas da diabetes revelam maior nível de depres- ção, na grande maioria dos estudos, entre stresse
são (M=5,90; DP=4,51) do que aqueles a quem positivo e stresse negativo contribua para a in-
não foram diagnosticadas sequelas da doença consistência dos resultados encontrados pelos di-
(M=4,75; DP=4,11). ferentes estudos.
A análise dos dados revela, também, a exis- Será legítimo, a partir dos resultados revela-

600
dos pelo presente estudo, colocar a hipótese de medo, receio, hostilidade, tristeza, letargia, dis-
que a utilização de técnicas de gestão do stresse tresse). Estes dois afectos desempenham um pa-
centradas exclusivamente em experiências nega- pel importante na discriminação entre a ansie-
tivas, nomeadamente de tensão, seja insuficiente dade e a depressão, pois, ainda que o afecto ne-
para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos gativo elevado seja um componente comum às
com diabetes que sofrem de complicações cróni- duas perturbações, o baixo afecto positivo é rela-
cas da doença. tivamente específico da depressão (Clark, Beck,
Parece-nos importante, também, o desenvolvi- & Stewart, 1990; Clark & Watson, 1991; Wat-
mento de futuros estudos que permitam perceber son, 1988a; Watson, Clark, & Carey, 1988; Wat-
se os doentes diabéticos com sequelas sofrem de son, Clark, & Tellegen, 1988; Watson & Telle-
uma dificuldade em perceber o lado positivo da gen, 1985).
vida ou para compreender o que faz com que a Clark e Watson (1991) formularam um mode-
sua vida valha a pena ser vivida, bem como se lo teórico, denominado Modelo Tripartido, que
essa dificuldade antecede ou é consequência do oferece uma ponte entre vários modelos teóricos
aparecimento dessas complicações crónicas. e que sublinha as diferenças entre ansiedade e
Os doentes com e sem sequelas distinguem- depressão. De acordo com este modelo, os sinto-
se, como referimos, quanto ao nível de sintomas mas de depressão e de ansiedade podem ser divi-
depressivos, mas não em relação ao nível de an- didos em três grupos (Watson et al., 1995). Em
siedade. Por outro lado, também constatámos que primeiro lugar, muitos sintomas dos dois cons-
os sintomas de depressão revelam estar correla- trutos são fortes sinais de distresse ou afecto ne-
cionados de forma negativa e estatisticamente signi- gativo e não são específicos, isto é, esses sinto-
ficativa com o stresse positivo. mas são experimentados quer pelos indivíduos
Algumas das perspectivas que procuram ex- ansiosos, quer pelos deprimidos. Este grupo não
plicar a ansiedade e a depressão podem contri- específico inclui sintomas que se destacam nos
buir para uma maior compreensão destes resul- dois tipos de perturbação, como insónia, irritabi-
tados. lidade e dificuldade de concentração, sintomas
Alguns investigadores defendem que ansieda- esses que são os responsáveis pela forte associa-
de e depressão não são conceitos fenomenologi- ção entre medidas de ansiedade e de depressão.
camente diferentes e facilmente distinguíveis e Todavia, cada construto é caracterizado por um
que as medidas dos dois construtos se correlacio- grupo único de sintomas. Se a anedonia (ausên-
nam, porque muitos dos sintomas avaliados pe- cia de experiências emocionais positivas) é rela-
los instrumentos são não específicos. Sugerem tivamente específica da depressão, manifesta-
que existe um factor de distresse geral – frequen- ções somáticas de tensão e estimulação são rela-
temente denominado afecto negativo –, comum tivamente específicas da ansiedade. Este modelo
aos dois estados afectivos (Burns & Eidelson, defende que a depressão e ansiedade são melhor
1998). diferenciadas se não enfatizarmos os sintomas
Destacaremos aqui a perspectiva de Watson e não específicos e nos focarmos nos grupos de sin-
Tellegen (1985), que definem dois factores: o tomas únicos.
afecto positivo e o afecto negativo. Apesar des- Estes modelos são apoiados por alguns estu-
tas denominações sugerirem que se tratam de dos, nomeadamente por um estudo realizado por
dois extremos de um mesmo continuum, alguns Gençöz (2002), cujos resultados são perfeitamen-
autores crêem tratar-se de factores ortogonais, te congruentes com o modelo do afecto positivo-
dimensões independentes e não correlacionadas -negativo (Watson & Tellegen, 1985) e com o mo-
ou com baixa correlação entre elas (Galinha & delo tripartido (Clark, Steer, & Beck, 1994; Clark
Pais Ribeiro, 2004; Watson, 1988a; Watson, 1988b; & Watson, 1991), que sugerem que, apesar do
Watson & Tellegen, 1985). O afecto positivo en- afecto negativo ser um componente partilhado
volve experiências que dão prazer (como, por pela ansiedade e pela depressão, o baixo afecto
exemplo, sentir-se entusiasmado, activo, alerta, positivo é específico da depressão.
determinado), enquanto o afecto negativo se re- Ao orientarmos a avaliação e intervenção psi-
fere a sentimentos de transtorno e de estimulação cológica no stresse em doentes com diabetes pa-
desagradável (como, por exemplo, sentir culpa, ra o afecto negativo, descuramos uma questão de

601
extrema importância – valorizamos aspectos co- mo, e que essa correlação negativa se mantém es-
mo tensão, sentimentos de transtorno e de esti- tatisticamente significativa mesmo quando são
mulação desagradável e negligenciamos a difi- controladas variáveis como ansiedade-traço, mes-
culdade do indivíduo em viver experiências que tria, neuroticismo e auto-estima.
lhe dão prazer, que o façam sentir-se entusiasma- A literatura sugere, ainda, que a dimensão da
do, activo, alerta, determinado, isto é, ignoramos personalidade pessimismo-optimismo desempe-
essa dificuldade em viver experiências emocio- nha um papel importante num amplo conjunto de
nais positivas. resultados comportamentais e psicológicos de pes-
Assim, será importante procurarmos compre- soas que se estão a confrontar com adversidade
ender se os doentes diabéticos com sequelas cró- (Carver et al., 1993). Segundo de Ridder et al.
nicas revelam menor stresse positivo justamente (2004), Oliveira (2004), e Scheier, Weintraub e
por apresentarem elevado nível de depressão e, Carver (1986), a investigação sugere que o opti-
logo, ausência de experiências emocionais posi- mismo pode, inclusive, ter implicações na forma
tivas. como o indivíduo lida com o stresse na sua vida
A investigação sugere que o humor pode afe- e nas suas expectativas de obtenção de resulta-
ctar a avaliação que o indivíduo faz de determi- dos positivos.
nada situação e que o aumento do afecto negati- Os indivíduos optimistas diferem dos indiví-
vo conduz a uma diminuição do optimismo, o que duos pessimistas em relação à forma como abor-
significa que os indivíduos que revelam maior dam os problemas e revelam adaptar-se de forma
afecto negativo são menos capazes de imaginar mais favorável a importantes transições na sua
de que forma as coisas positivas poderão acon- vida do que estes últimos (Carver & Scheier, 2002;
tecer nas suas vidas (de Ridder, Fournier, & Ben- Carver & Scheier, 2003). As pessoas optimistas
sing, 2004; Dewberry & Richardson, 1990). Al- diferem das pessimistas no tipo de estratégias de
guns estudos têm vindo a sugerir que os indiví- coping que apresentam face a situações hipoté-
duos optimistas revelam apresentar menos sinto- ticas, mas também face a uma doença grave e a
mas depressivos (Reivich & Gilham, 2003), en- ameaças específicas à saúde. De forma geral, os
quanto outros referem que o optimismo está pre- indivíduos optimistas tendem a utilizar mais es-
dominantemente correlacionado com o afecto po- tratégias de coping de resolução de problemas do
sitivo e o pessimismo com o afecto negativo (Mar- que os pessimistas e, quando a adopção desse ti-
shall, Wortman, Kusulas, Hervig, & Vickers, 1992). po de estratégia não é possível, tendem a adoptar
O optimismo, neste contexto, é percebido em estratégias de aceitação, uso do humor e reestru-
termos de expectativas generalizadas de um re- turação positiva da situação. Os indivíduos pes-
sultado positivo mais directamente referente à pes- simistas tendem a lidar com as situações stres-
soa, ao seu comportamento ou saúde (Oliveira, santes através da negação e descomprometendo-
2004). Os optimistas são as pessoas que esperam se dos objectivos com os quais o stressor está a
obter resultados positivos mesmo quando as si- interferir, independentemente se alguma coisa po-
tuações são difíceis, considerando que os proble- de ou não ser feita, desistindo com maior facili-
mas na sua vida se devem a causas temporárias, dade de os alcançar (Carver & Scheier, 2000; Car-
específicas e externas, sentindo-se capazes e mais ver & Scheier, 2003; Scheier et al., 1989; Scheier
motivados para se moverem em direcção aos ob- et al., 1986). A investigação sugere que os indi-
jectivos que desejam alcançar, enquanto os pes- víduos optimistas adoptam estratégias de coping
simistas poderão ser definidos como pessoas que mais eficazes e que as pessoas com melhores re-
esperam resultados negativos e que tendem a atri- pertórios de coping tendem a avaliar as situações
buir os problemas na sua vida a factores perma- stressantes mais como desafios do que como amea-
nentes, gerais e internos (Carver & Scheier, 2002; ças (Lopez, Snyder, & Rasmussen, 2003; Rei-
Reivich & Guilham, 2003; Snyder, 2000; Sny- vich & Gilham, 2003).
der, Rand, & Sigmon, 2002). Assim, se as expectativas de resultados bem
Num estudo realizado por Scheier, Carver e sucedidos parecem levar as pessoas a renovar os
Bridges (1994), estes autores constataram que seus esforços para alcançar objectivos (Scheier
existe uma relação negativa, moderada e estatis- et al., 1989; Scheier et al., 1986), é possível que os
ticamente significativa entre depressão e optimis- indivíduos diabéticos menos optimistas, ao não

602
se sentirem confiantes em relação ao futuro e, so- Em conclusão, a diabetes é uma doença ainda
bretudo, ao confrontarem-se com a adversidade, sem tratamento absolutamente satisfatório, não
não exerçam esforços continuados no sentido de sendo possível evitar totalmente o desenvolvi-
alcançar os seus objectivos, negligenciando o mento de complicações crónicas nestes doentes.
tratamento. É possível que ao longo do curso da Sabemos que estes doentes provavelmente terão
sua doença, os doentes diabéticos menos opti- de (con)viver com as sequelas da diabetes vários
mistas vão lidando com o stresse em geral e com anos, desde a sua manifestação até à sua morte.
o stresse especificamente relacionado com a ges- Urge, por isso, uma mudança desta preocupação,
tão da doença de formas que poderão não favo-
quase exclusiva, da Psicologia com a reparação
recer o bom controlo metabólico e, logo, que po-
do que é mau e desagradável na vida, isto é, com
dem contribuir para o desenvolvimento ou agra-
o que é negativo. Essa preocupação é, sem dúvi-
vamento de sequelas crónicas da diabetes.
Os resultados por nós encontrados num estudo da, essencial, mas também nos parece impres-
anterior permitiram constatar que os doentes dia- cindível que seja desenvolvido um esforço no
béticos com complicações crónicas da doença sentido de melhorar a compreensão do que é que
adoptam menos estratégias de coping instru- pode fazer com que, mesmo em condições difí-
mental e de coping por distracção, adoptando mais ceis, os doentes diabéticos percebam a sua vida
frequentemente estratégias de preocupação emo- como valendo a pena ser vivida e a avaliem co-
cional (Silva, 2003), o que nos parece ser consis- mo sendo positiva e boa, melhorando também o
tente com a hipótese destes doentes revelarem ser entendimento do que pode contribuir para que
menos optimistas do que os doentes que não de- sintam que vale a pena envolverem-se activa-
senvolveram sequelas da diabetes e, logo, tam- mente na gestão da sua doença, colaborando na
bém menos capazes de perceberem os aconteci- prevenção das complicações crónicas.
mentos que ocorrem nas suas vidas como positi-
vos.
A investigação sugere que os doentes com dia- REFERÊNCIAS
betes tipo 1 que são optimistas apresentam expe-
ctativas positivas em relação à potencial eficácia Aikens, J. E., Kiolbasa, T. A., & Sobel, R. (1997). Psy-
do tratamento e maior adesão aos auto-cuidados chological predictors of glycemic change with re-
da doença (de Ridder et al., 2004). laxation training in non-insulin-dependent diabetes
Alguns estudos têm, ainda, vindo a sugerir que mellitus. Psychotherapy and Psychosomatics, 66,
o optimismo poderá, também, ter efeitos directos 302-306.
(possivelmente fisiológicos) no indivíduo, nomea- Bradley, C. (1988). Stress and diabetes. In S. Fisher, &
damente no que diz respeito à reactividade car- J. Reason (Eds.), Handbook of life stress cognition
and health (pp. 383-400). Local: John Wiley &
diovascular, sendo que as pessoas optimistas re-
Sons Ltd.
velam tensão arterial mais baixa e menor frequên- Bradley, C. (1994). Contributions of psychology to dia-
cia de batimentos cardíacos em resposta a tarefas betes management. British Journal of Clinical Psy-
stressantes do que os indivíduos pessimistas (Scheier chology, 33, 11-21.
et al., 1989). Estes potenciais efeitos directos po- Burns, D. D., & Eidelson, R. J. (1998). Why are depres-
derão também desempenhar um papel significa- sion and anxiety correlated? A test to the tripartite
tivo no controlo metabólico e desenvolvimento model. Journal of Consulting and Clinical Psycho-
de complicações crónicas da doença. logy, 66 (3), 461-473.
Só a realização de estudos de carácter longitu- Carver, C. S., Pozo, C., Harris, S. D., Noriega, V., Scheier,
dinal nos permitirá alcançar uma maior compre- M. F., Robinson, D. S., Ketcham, A. S., Moffat, F.
L., & Clark, K. C. (1993). How coping mediates
ensão da relação entre complicações crónicas da
the effect of optimism on distress: a study of wo-
diabetes e stresse (em particular, entre aquelas e
men with early stage breast cancer. Journal of Per-
a menor percepção de ocorrência de aconteci- sonality and Social Psychology, 65 (2), 375-390.
mentos de vida positivos na vida destes doentes), Carver, C. S., & Scheier, M. F. (2002). Optimism. In C.
bem como do papel desempenhado pela depres- R. Snyder, & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of po-
são e anedonia, optimismo/pessimismo, e estra- sitive psychology (pp. 231-243). USA: Oxford Uni-
tégias de coping nessa relação. versity Press.

603
Carver, C. S., & Scheier, M. (2003). Optimism. In S. J. Herschbach, P., Duran, G., Waadt, S., Zettler, A., Amm,
Lopez, & C. R. Snyder (Eds.), Positive psycholo- C., Marten-Mittag, B. et al. (1997). Psychometric
gical assessment: A handbook of models and mea- properties of the questionnaire on stress in patients
sures (pp. 75-89). USA: American Psychological with diabetes – revised (QSD-R). Health Psycho-
Association. logy, 16 (2), 171-174.
Casteleiro, V. M. (2001). Stressful life events as pre- Lloyd, C. E., Dyer, P. H., Lancashire, R. J., Harris, T.,
Daniels, J. E., & Barnett, A. H. (1999). Association
dictors of Hispanic children’s risk for type 2 dia-
between stress and glycemic control in adults with
betes mellitus. Dissertation submitted to the Facul-
type 1 (insulin-dependent) diabetes. Diabetes Care,
ty of the University of Miami in partial fulfillment 22 (8), 1278-1283.
of the requirements for the degree of Doctor of Lopez, S. J., Snyder, C. R., & Rasmussen, H. N. (2003).
Philosophy. Coral Gables, Florida. Striking a vital balance: developing a complemen-
Clark, D. A., Beck, A. T., & Stewart, B. (1990). Cogni- tary focus on human weakness and strength through
tive specificity and positive-negative affectivity: positive psychological assessment. In S. J. Lopez,
Complementary or contradictory views on anxiety & C. R. Snyder (Eds.), Positive psychological asses-
and depression? Journal of Abnormal Psychology, sment: A handbook of models and measures (pp. 3-
99 (2), 148-155. -20). USA: American Psychological Association.
Clark, D. A., Steer, R. A., & Beck, A. T. (1994). Com- Maddux, J. E. (2002). Stopping the “Madness”. In C. R.
mon and specific dimensions of self-reported an- Snyder, & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of positive
xiety and depression: Implications for the cognitive psychology (pp. 3-9). USA: Oxford University Press.
and tripartite model. Journal of Abnormal Psycho- Marshall, G. N., Wortman, C. B., Kusulas, J. W., Her-
vig, L. K., & Vickers, R. R. (1992). Distinguishing
logy, 103 (4), 645-654.
optimism from pessimism: relations to fundamental
Clark, L. A., & Watson, D. (1991). Tripartite Model of
dimensions of mood and personality. Journal of Per-
anxiety and depression: Psychometric evidence sonality and Social Psychology, 62 (6), 1067-1074.
and taxonomic implications. Journal of Abnormal Oliveira, J. H. B. (2004). Psicologia positiva. Porto: Edi-
Psychology, 100 (3), 316-336. ções ASA.
Cox, D. J., & Gonder-Frederick, L. A. (1992). Major Reivich, K., & Gilham, J. (2003). Learned optimism: the
developmentes in behavioral diabetes research. measurement of explanatory style. In S. J. Lopez, &
Journal of Consulting and Clinical Psychology, 60 C. R. Snyder (Eds.), Positive psychological asses-
(4), 628-638. sment: A handbook of models and measures (pp. 57-
Czyzewski, D. (1988). Stress management in diabetes -74). USA: American Psychological Association.
mellitus. In M. L. Russell (Ed.), Stress manage- Sarason, I. G., Johnson, J. H., & Siegel, J. M. (1978).
ment for chronic disease (pp. 270-288). New York: Assessing the impact of life changes: development
Pergamon Press. of the life experiences survey. Journal of Consul-
ting and Clinical Psychology, 46 (5), 932-946.
de Ridder, D., Fournier, M., & Bensing, J. (2004). Does
Scheier, M., Carver, C., & Bridges, M. (1994). Distin-
optimism affect symptom report in chronic disea-
guishing optimism from neuroticism (and trait an-
se? What are its consequences for self-care beha- xiety, self-mastery, and self-esteem): a reevaluation
viour and physical functioning? Journal of Psycho- of the Life Orientation Test. Journal of Personality
somatic Research, 56 (3), 341-350. and Social Psychology, 67 (6), 1063-1078.
Dewberry, C., & Richardson, S. (1990). Effect of anxie- Scheier, M. F., Mathews, K. A., Owens J. F., Mago-
ty on optimism. The Journal of Social Psychology, vern, G. J., Lefebvre, R. C., Abbott, R. A., & Car-
130 (6), 731-738. ver, C. S. (1989). Dispositional optimism and re-
Feinglos, M. N., Hastedt, P., & Surwit, R. S. (1987). covery from coronary artery bypass surgery: the
Effects of relaxation therapy on patients with type beneficial effects on physical and psychological
1 diabetes mellitus. Diabetes Care, 10, 72-75. well-being. Journal of Personality and Social Psy-
Fisher, E. B., Delamater, A. M., Bertelson, A. D., & Kirk- chology, 57 (6), 1024-1040.
ley, B. G. (1982). Psychological factors in diabetes Scheier, M. F., Weintraub, J. K., & Carver, C. S. (1986).
and its treatment. Journal of Consulting and Clini- Coping with stress: divergent strategies of opti-
mism and pessimism. Journal of Personality and
cal Psychology, 50 (6), 993-1003.
Social Psychology, 51 (6), 1257-1264.
Galinha, I., & Pais Ribeiro, J. (2004). Abordagem teó-
Seligman, M. E. P. (2002). Positive psychology, posi-
rica ao conceito de afecto. In J. Pais Ribeiro, & I. tive prevention, and positive therapy. In C. R. Sny-
Leal (Eds.), Actas do 5.º Congresso Nacional de der, & S. J. Lopez (Eds.), Handbook of positive
Psicologia da Saúde (pp. 51-58). Lisboa: ISPA. psychology (pp. 3-9). USA: Oxford University Press.
Gençöz, T. (2002). Discriminant validity of low posi- Seligman, M. E. P., & Csiksentmihalyi, M. (2000). Po-
tive affect: is it specific to depression? Personality sitive psychology: an introduction. American Psy-
and Individual Differences, 32, 991-999. chologist, 55 (1), 5-14.

604
Silva, I. (2003). Qualidade de vida e variáveis psicoló- Zigmond, A. S., & Snaith, R. P. (1983). The hospital
gicas associadas a sequelas da diabetes e sua evo- anxiety and depression scale. Acta Psychiatric Scan-
lução ao longo do tempo. Dissertação apresentada dinavia, 67, 361-370.
à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educa-
ção da Universidade do Porto para a obtenção do
grau de Doutor em Psicologia.
RESUMO
Silva, I., Pais-Ribeiro, J., Cardoso, H., & Ramos, H.
(2003). Contributo para a adaptação da Life Events
Survey (LES) à população diabética portuguesa. O presente estudo teve como objectivo perceber se
Revista Portuguesa de Saúde Pública, 2, 49-60. existem diferenças ao nível do stresse entre doentes
Snyder, C. R. (2000). Hypothesis: there is hope. In C. R. diabéticos que sofrem de complicações crónicas da
Snyder (Ed.), Handbook of hope: theory, measures, doença e doentes sem diagnóstico de sequelas e proce-
and applications (pp. 3-21). USA: Academic Press. der a uma reflexão sobre o significado de tais diferen-
Snyder, C. R., Rand, K. L., & Sigmon, D. R. (2002). ças. Foi avaliada uma amostra de conveniência de 316
Hope theory. In C. R. Snyder, & S. J. Lopez (Eds.), indivíduos com diabetes, dos quais 55,4% do sexo fe-
Handbook of positive psychology (pp. 3-9). USA: minino; com idades compreendidas entre 16 e 84 anos
Oxford University Press. (M=48,39; DP=16,90); variando o seu nível de escola-
Surwit, R. S., & Feinglos, M. N. (1983). The effect of ridade entre zero e 17 anos (M=6,59; DP=4,25), dos
relaxation on glucose tolerance in non-insulin-de- quais 59,8% sofria de complicações crónicas da doen-
pendent diabetes. Diabetes Care, 6, 176-179. ça. Os doentes com complicações crónicas da diabetes
Surwit, R. S., van Tilburg, M. A. L., Zucker, N., McCaskill, não apresentam maior stresse negativo do que os res-
C. C., Parekh, P., Feinglos, M. N. et al. (2002). Stress tantes doentes; contudo, apresentam menor stresse po-
management improves long-term glycemic control in sitivo na sua vida ao longo do último ano. Os resulta-
type 2 diabetes. Diabetes Care, 25 (1), 30-34. dos são discutidos à luz das perspectivas teóricas actu-
Watson, D. (1988a). Intraindividual and interindividual ais, nomeadamente do papel do optimismo na hipoté-
analyses of positive and negative affect: Their re- tica relação entre percepção de stresse e complicações
lation to health complaints, perceived stress, and da diabetes.
daily activities. Journal of Personality and Social Palavras-chave: Diabetes, stresse, afecto positivo,
Psychology, 54 (6), 1020-1030. optimismo.
Watson, D. (1988b). The vicissitudes of mood measu-
rement: Effects of varying descriptors, time frames,
and response formats on measures of positive and
ABSTRACT
negative affect. Journal of Personality and Social
Psychology, 55 (1), 128-141.
Watson, D., Clark, L. A., & Carey, G. (1988). Positive The aim of the present study is to understand and to
and negative affectivity and their relation to an- discuss the perception of stress differences between
xiety and depressive disorders. Journal of Abnor- diabetic patients with chronic complications of disease
mal Psychology, 97 (3), 346-353. and diabetic patients without sequel of disease. Partici-
Watson, D., Clark, L. A., & Tellegen, A. (1988). Deve- pants include 316 diabetic patients, 55.4% female, ages
lopment and validation of brief measures of po- between 16 and 84 years of age (M=48,39; DP=16,90);
sitive and negative affect: The PANAS scales. Jour- 59.8% with chronic complications. We do not found
nal of Personality and Social Psychology, 54 (6), differences between the two groups for negative stress
1063-1070. perception; however at the level of positive stress per-
Watson, D., Clark, L. A., Weber, K., Assenheimer, J. ception patients with chronic complication shows lower
S., Strauss, M. E., & McCormick, R. A. (1995). perception of positive stress. Positive perception of stress
Testing the Tripartite Model: II Exploring the sym- events seems to be related with less sequel of disease
ptom structure of anxiety and depression in stu- suggesting that positive characteristics of personality
dent, adult, and patient samples. Journal of Abnor- like, for example, optimism, can play an important role
mal Psychology, 104 (1), 15-25. in a hypothetical link between stress and chronic com-
Watson, D., & Tellegen, A. (1985). Toward a consen- plications.
sual structure of mood. Psychological Bulletin, 98 Key words: Diabetes, stress, positive affect, opti-
(2) 219-235. mism.

605
LEITURAS

PERTURBAÇÕES DE ELIMINAÇÃO NA IN- pode ser facilitada por atitudes educacionais. Assim, é
FÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA (2004) – Luí- dada ênfase ao contexto relacional e cultural onde de-
sa Barros. Lisboa: Climepsi Editores, Colecção corre esse processo, nomeadamente no que se refere ao
ensino da higiene e às diferentes fases de aprendiza-
Psicológica 17, 180 pp.
gem do controlo da higiene. São definidos critérios pa-
ra a intervenção e são abordadas as questões especí-
ficas que se podem colocar em relação a crianças com
Finalmente está disponível um manual de interven-
doenças crónicas e a crianças com atraso de desenvol-
ção na enurese e na encoprese com utilidade e aplica-
bilidade na prática clínica, numa perspectiva pragmá- vimento ou deficiência.
tica que, sem pôr de parte um modelo integrador de Os terceiro e quarto capítulos são dedicados à enu-
concepções organicistas de disfunção maturativa, de rese, nomeadamente à caracterização do problema e ao
concepções dinâmicas de disfunção relacional e de seu tratamento. Definido o conceito são apresentados
concepções desenvolvimentistas, escolhe claramente os critérios de diagnóstico e discutidas as hipóteses
estas últimas, ligando a enurese e a encoprese ao de- causais com destaque para as que estão relacionadas
senvolvimento cognitivo e socioafectivo e ao desen- com determinantes psicológicos. São apresentadas as
volvimento de competências de auto-regulação e auto- diferentes metodologias de intervenção na enurese,
controlo comportamental. As concepções desenvolvi- quer as relacionadas com as atitudes dos pais, quer os
mentistas têm a vantagem de tomar como ponto de tratamentos farmacológicos e psicológicos.
partida os processos de desenvolvimento orgânico e Nos quinto e sexto capítulos a autora segue o mes-
psicológico normais para compreender as diferentes mo esquema anterior, começando por caracterizar a
perturbações de eliminação, permitindo níveis de inter- encoprese e analisar os seus determinantes causais pa-
venção diferentes: prevenção, detecção precoce e in- ra, seguidamente, apresentar também as principais me-
tervenção especializada. todologias terapêuticas, incluindo o caso das crianças
O livro da Prof.ª Doutora Luísa Barros (Faculdade com atraso de desenvolvimento e deficiência.
de Psicologia e de Ciências da Educação, Univ. Lis- O capítulo sétimo é todo ele dedicado à avaliação
boa) está essencialmente organizado em duas partes. das perturbações de eliminação. Nele se destaca a en-
A primeira parte é dedicada a uma vasta revisão do trevista de avaliação, quer no que se refere à recolha
controlo dos esfíncteres como tarefa de desenvolvi- de informação sobre a criança e sobre a perturbação de
mento. A segunda parte diz respeito aos métodos e eliminação, quer no que se refere à avaliação de resul-
técnicas de avaliação e de intervenção educacional e tados da intervenção.
terapêutica na enurese e na encoprese. Nos capítulo oitavo e nono são apresentados deta-
lhadamente os programas de intervenção propostos pe-
Após uma breve introdução, o segundo capítulo é la autora para a enurese e para a encoprese. São pro-
dedicado ao desenvolvimento. Este é o contexto onde gramas de intervenção psicológica de natureza cogni-
a autora integra o controlo dos esfíncteres como tarefa tiva-comportamental que envolvem técnicas específi-
do desenvolvimento que decorre naturalmente mas que cas, cuja eficácia e resultados têm sido exaustivamente

607
estudados. Estes dois capítulos constituem parte es- rística principal é a presença de crises recorrentes de
sencial do livro, uma vez que têm aplicabilidade clíni- ansiedade grave e intensa (ataques de pânico) não re-
ca directa. lacionadas com situações ou circunstâncias concretas.
Finalmente, no capítulo décimo são apresentadas pro- A sua prevalência oscila entre os 2 e os 3% da popu-
postas de promoção da adesão. Trata-se de um capítulo lação geral, com idade de início entre os 25 e 30 anos
com grande originalidade neste tipo de manuais e que, e distribuição mais frequente no sexo feminino do que
ao mesmo tempo, tem utilidade essencial para os técni- no masculino numa proporção de 2:1.
cos que monitorizam regularmemte o comportamento
de adesão. Assim, começa por analisar os determinan- É sobre a perturbação de pânico que trata este livro
tes da adesão insatisfatória ao diagnóstico e ao trata- da autoria de José Pinto Gouveia (psiquiatra, Hospitais
mento no contexto da interacção pais-filho. Depois, apre- da Universidade de Coimbra e FPCE da Univ. Coim-
senta as metodologias de promoção da adesão, quer bra), Serafim Carvalho (psiquiatra, Hospital Maga-
em termos educacionais, quer de automonitorização, lhães Lemos, Porto) e Lígia Margarida Fonseca (psi-
programa de contingências e estratégia de resolução de cóloga, psicoterapeuta cognitivo-comportamental), cu-
problemas. ja finalidade é divulgar o estado actual dos conheci-
Em anexos finais, o livro inclui ainda um conjunto mentos sobre o pânico, quer junto dos indivíduos que
de instrumentos auxiliares, tais como exemplos de re- sofrem com este tipo de perturbação, quer entre os técni-
gistos e fichas de informação do médico assistente. cos de saúde. Pelas suas características fundamental-
mente técnicas, é um livro claramente dirigido aos técni-
A autora, situando-se claramente na perspectiva da cos e, muito menos, ao público em geral. Ou seja, cum-
psicologia da saúde, tem contribuído decisivamente pa- pre excepcionalmente bem enquanto manual sobre a
ra o desenvolvimento da psicologia pediátrica em Por- perturbação de pânico dirigido e médicos, psicólogos e
tugal. Com este trabalho coerente e de grande rigor cien- outros técnicos de saúde mas está longe de ser uma
tífico, dá mais uma valiosa contribuição para a forma- obra de divulgação junto do grande público e, muito me-
ção específica dos psicólogos e de outros técnicos de nos, um manual de auto-ajuda para indivíduos que so-
saúde para lidarem com as perturbações de eliminação, fram com essa perturbação.
um problema clínico relativamente frequente e habitu- Sendo uma obra que faltava em língua portuguesa,
almente tratado de forma pouco rigorosa e com avalia- está organizada em 9 capítulos que proporcionam uma
ção escassa dos resultados das metodologias utilizadas. revisão bastante completa e actualizada de vários as-
Trata-se de uma obra que poderá ser útil aos que pectos, a saber:
trabalham em áreas tão diferentes como a educação, a
saúde e a reabilitação. No primeiro capítulo os autores apresentam aspe-
A partir da publicação deste livro é também possí- ctos históricos da perturbação de pânico, mostrando
vel aos pais, aos médicos e aos psicólogos terem uma como as designações das categorias psicopatológicas
perspectiva mais precisa das possibilidades das dife- têm estado na dependência dos contextos sociais e cul-
rentes escolhas que podem fazer em matéria de mode- turais onde emergem.
los de intervenção nas perturbações de eliminação e do No segundo capítulo são abordados critérios de dia-
que podem esperar de cada um deles. gnóstico e classificação, com destaque para uma aná-
lise cuidadosa da co-morbilidade com a perturbação de
Isabel Trindade pânico.
No terceiro capítulo os autores abordam a impor-
tância clínica da perturbação de pânico, enquanto no
quarto capítulo descrevem detalhadamente o quadro
clínico e o curso da perturbação, bem como as moda-
PÂNICO. DA COMPREENSÃO AO TRATA- lidades evolutivas para depressão, agorafobia, hipo-
condria e abuso de substâncias.
MENTO (2004) – José Pinto Gouveia, Serafim
No quinto capítulo são estudados os aspectos rela-
Carvalho, & Lígia Fonseca. Lisboa: Climepsi cionados com a avaliação clínica, incluindo as tarefas
Editores, Colecção Manuais Universitários 32, de diagnóstico diferencial e o recurso a escalas de ava-
282 pp. liação muito úteis no estudo de casos.
No sexto e sétimo capítulos os autores desenvolvem
os modelos teóricos sobre o pânico, respectivamente
A ansiedade patológica é uma manifestação fre- os modelos biológicos e psicológicos. Entre estes últi-
quente em muitas perturbações psiquiátricas e, ao mes- mos é dado um desenvolvimento muito aprofundado
mo tempo, é uma manifestação principal nas perturba- dos modelos cognitivos.
ções de ansiedade propriamente ditas. Entre estas, a Nos oitavo e nono capítulos são abordados, respe-
perturbação de pânico é uma das mais frequentes e ge- ctivamente, os tratamentos biológicos e psicológicos
radora de sofrimento e graus diversos de incapacidade, da perturbação de pânico, de uma forma clara e bas-
particularmente em indivíduos jovens. A sua caracte- tante útil para a prática clínica.

608
Finalmente, o livro termina com um décimo capítu-
lo sobre a perturbação de pânico nos cuidados de saú- Após um primeiro capítulo sobre determinantes bio-
de primários que, embora curto, inclui instrumentos in- lógicos da saúde e da doença, o autor percorre sucessi-
teressantes para o diagnóstico precoce e para a inter- vamente ao longo da obra grandes temas essenciais da
venção terapêutica. psicologia da saúde, a saber:

Pela descrição dos conteúdos da obra pode verifi- - Percepções, crenças e cognições
car-se que se trata de uma publicação exaustiva sobre - Psicologia da saúde diferencial
a perturbação de pânico, que assume a forma de revi- - Stresse e saúde
são da literatura especializada e actualizada, em rela- - Comportamento alimentar, uso de substâncias (ta-
ção à qual se percebe que foi feita por autores com baco, álcool e drogas) e comportamento sexual
experiência clínica sólida. Suplanta largamente algu- - Comunicação em saúde
mas publicações do género sobre a mesma temática - Avaliação psicológica na saúde e na doença
(Klergman e col., 1993; Massana, 1997; Nutt, 1999; Ros - Doença crónica, cuidados paliativos e morte
& Lupresti, 1999; Ruiz e col., 2001; Zal, 1990, entre - Rastreios
outros). Mostra uma preocupação central com a clíni- - Efeito placebo e dor
ca, quer no plano do rigor do diagnóstico quer da inter-
venção terapêutica. Os diferentes tipos de tratamentos Sobre estes conteúdos, que na verdade poderiam ser
(biológicos e psicológicos) estão solidamente contex- os conteúdos programáticos de uma cadeira de intro-
tualizados nos modelos teóricos respectivos, elucidan- dução à psicologia da saúde para psicólogos e outros
do bastante bem os objectivos e aplicabilidade dos pro- técnicos de saúde, podem desde já fazer-se algumas
tocolos de tratamento cognitivo-comportamental que, considerações gerais. Neste género de trabalhos de in-
como se sabe, são praticamente indispensáveis na in- trodução, de que também é exemplo o livro de Antho-
tervenção com indivíduos com perturbação de pânico. ny J. Curtis, publicado pela Routledge em 2000, há
Pena não discutir a psicoterapia de apoio, não referir a que fazer escolhas. No caso deste livro de M. Forshaw
perspectiva existencial nem a utilidade dos grupos de é importante referir a inclusão de capítulos sobre psi-
ajuda mútua como métodos complementares utilizados cologia da saúde diferencial, sobre comunicação em
nalguns países para indivíduos com perturbação de pâ- saúde, sobre rastreios e sobre o efeito placebo, porque
nico. são temas habitualmente não tratados neste género de
Trata-se de uma obra muito útil para a prática clíni- publicações e que são centrais neste campo científico.
ca, especialmente para psiquiatras e psicólogos. No capítulo sobre psicologia diferencial, o autor abor-
da as questões se relacionam com diferenças entre os
José A. Carvalho Teixeira indivíduos em contextos de saúde e doença que podem
ser determinadas pela cultura, género, idade, nível
intelectual e deficiência, bem com pelo locus de con-
trolo, personalidade, optimismo, neuroticismo, hipo-
condria e, até, as diferenças individuais no caso do com-
portamento dos próprios técnicos de saúde. Digamos
que para que este capítulo fosse completo só faltaria
ESSENTIAL HEALTH PSYCHOLOGY (2002) referir as diferenças relacionadas com o estatuto socio-
– Mark Forshaw. London: Arnold, 236 pp. -económico e algumas situações específicas de fragili-
dade social.
No capítulo sobre comunicação e saúde são revistos
A ideia de “psicologia da saúde essencial” é a de um os aspectos fundamentais dos comportamentos de co-
livro que se situa a meia distância entre, por um lado, municação na saúde e na doença quer na transmissão
uma obra introdutória e um manual tipo livro de texto, de informação, quer no plano da comunicação persua-
por outro. Se foi esse o objectivo do autor, Mark For- siva que tem por finalidade influenciar os comporta-
shaw (School of Health and Social Sciences, Univ. mentos dos utentes. A comunicação em saúde é estu-
Coventry), pode dizer-se que foi plenamente consegui- dada quer no plano da relação dos técnicos com os
do. utentes, quer no plano da relação entre os próprios
O autor começa por referir que o livro não contem utentes e das relações interprofissionais. Estes dois úl-
tudo o que o leitor quer saber sobre psicologia da saú- timos aspectos, juntamente com a abordagem da co-
de, o que, aliás, nenhum livro só por si pode conter. De municação escrita em saúde constituem mais valias
resto, a finalidade desta obra é apresentar o que o autor que não são habitualmente tratadas neste género de
considera essencial ou nuclear no campo científico, num textos.
estilo discursivo e pouco referenciado, que é muito No capítulo sobre rastreios são abordadas as impli-
claro e compreensível. Pode discutir-se se as opções cações psicológicas dos resultados positivos e negati-
feitas foram ou não as melhores, mas não há dúvida vos, quer dos verdadeiros quer dos falsos, bem como
que a finalidade é atingida com qualidade. os problemas da baixa adesão à prática de exames de

609
rastreio que podem ser relevantes em termos de detec- sível agrupar as comunicações em três blocos: experi-
ção precoce de problemas de saúde. O tema das impli- ências de intervenção em vários Centros de Saúde, sim-
cações psicológicas dos rastreios é um tema que tam- pósios e comunicações temáticas.
bém é abordado no livro introdutório de M. Pitts sobre
Preventive Psychology, mas que neste trabalho de M. Nas experiências de intervenção em vários Centros
Forshaw é, a meu ver, melhor conseguido. de Saúde referem-se os artigos de Maria João Barros
Os capítulos sobre stresse, comportamento alimen- (Centro de Saúde de Sete Rios / Comissão Distrital de
tar e uso de substâncias são equilibrados, embora sem Luta Contra a SIDA) sobre o papel do psicólogo na
referência suficiente à actividade física. infecção VIH/SIDA, de Teresa Alcaso (Centro de Saú-
Todos os capítulos do livro indicam leituras com- de de Rio de Mouro) sobre formação de voluntários,
plementares que, no geral, são adequadamente escolhi- de Margarida Brígido (Centro de Saúde do Cacém)
das e enunciam algumas questões para o estudo ulte- sobre as atitudes dos médicos de família em relação à
rior por parte dos leigos, o que resulta bem. intervenção dos psicólogos nos Centros de Saúde, de
Porém, em minha opinião, a obra tem algumas in- Maria Lucinda Pimentel, Carla Costa & Hugo Ramos
suficiências relacionadas com o facto de não serem (Centro de Saúde de Almada) sobre a consulta psico-
tratados temas essenciais em psicologia da saúde, tais lógica a propósito de vários casos clínicos, de Inês Mau-
como as metodologias qualitativas de investigação em rício (Centro de Saúde da Reboleira) sobre a consulta
saúde, os métodos e técnicas de intervenção psicológi- psicológica e a prevenção da depressão pós-parto, de
ca em saúde e os aspectos psicológicos relacionados Paulo Passos (Centro de Saúde de Braga) sobre as acti-
com a promoção da saúde, a prevenção e a mudança vidades clínicas e projectos realizados, de Luís Robert
de comportamentos. Todavia, os modelos teóricos são (Centro de Saúde da Lapa) sobre a consulta psicológica
abordados parcialmente no capítulo sobre percepções, e, finalmente, de Isabel Mesquita (Centro de Saúde de
crenças e cognições, no qual são apresentados o mo- Algueirão-Mem Martins) a propósito de um caso clíni-
delos de crenças de saúde, teoria da motivação prote- co de cancro da próstata.
ctora, teoria do comportamento planeado, auto-eficácia Em relação aos simpósios realizados, as actas in-
e modelo de auto-regulação. Ou seja, o livro poderia cluem os artigos de Luísa Barros (Faculdade de Psi-
ser bastante melhor do que é se abordasse aqueles te- cologia e Ciências da Educação da Universidade de Lis-
mas essenciais. boa) sobre objectivos e metodologias de intervenção
em psicologia pediátrica, de José A. Carvalho Teixeira
José A. Carvalho Teixeira (ISPA) sobre uma experiência de formação de médicos
de família para a promoção da adesão a rastreios on-
cológicos, de Ivone Patrão (Centro de Saúde de Peni-
che) sobre investigação e intervenção psicológica no
comportamento de adesão ao rastreio do cancro do
colo do útero, de Paulo Vitória, Carlota Simões Rapo-
so, Filipa Peixoto, & M. Pais Clemente (Conselho de
ACTAS DA IV CONFERÊNCIA “PSICOLOGIA Prevenção do Tabagismo) sobre prevenção do tabagis-
mo nos jovens – Projecto ESFA, de Paulo Vitória, Ca-
NOS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS”
mila Canteiro, Luís Oliveira, & M. Pais Clemente (Con-
(2004) – Rita Correia, Isabel Trindade, & José A. selho de Prevenção do Tabagismo) sobre o programa
Carvalho Teixeira (Eds.). Lisboa: ISPA, Colec- “serviços de saúde sem tabaco”, de Helena Carmo (Cen-
ção Actas, 211 pp. tro de Saúde de Alvalade) sobre o papel do psicólogo
na consulta de desabituação tabágica e, ainda, de Rita
Correia (Centro de Saúde da Parede) sobre participa-
Trata-se do volume de actas que reúne textos das ção do psicólogo nos cuidados continuados.
comunicações apresentadas em 2002 na IV Conferên- Por último, no referente a outras comunicações te-
cia Psicologia nos Cuidados de Saúde Primários, de- máticas foram incluídos os textos da autoria de Ana
dicada ao tema ‘Consulta psicológica em Centros de Isabel Campino (Centro de Saúde de Carnaxide) sobre
Saúde’. Tal como as actas anteriores, da III Confe- a abordagem da sexualidade no atendimento a jovens,
rência, que foram publicadas em 2000, este volume em de José A. Carvalho Teixeira (ISPA) sobre formação
análise é mais um documento que dá testemunho sobre profissional para a colaboração entre psicólogos e mé-
o que tem sido a intervenção dos psicólogos nos Cen- dicos de família e, por último, de Susana Leote (Centro
tros de Saúde no nosso país, uma realidade que se tem de Saúde da Lapa) sobre intervenção psicológica com
procurado fazer reflectir nestas conferências realizadas adolescentes no projecto “Aparece”.
periodicamente de dois em dois anos.
O conteúdo deste volume de actas é muito diversi- A leitura dos artigos publicados neste volume de
ficado, reflectindo a diversidade de intervenções que actas que, todavia, não integra todas as comunicações
os psicólogos realizam nos Centros de Saúde. Todavia, apresentadas, põe em evidência uma experiência pro-
de acordo com o programa científico da reunião, é pos- fissional muito rica e diversificada em Centros de Saú-

610
de e permite identificar a importância da visibilidade entre outros), sempre com a finalidade de mostrar co-
social da psicologia na organização para a inserção pro- mo é que as ideias filosóficas informam e inspiram as
fissional na equipa de cuidados de saúde primários. terapias existenciais, apresentando no final os dilemas
Tal como publicações anteriores, este volume de actas e paradoxos da existência e alguns aspectos críticos em
dá conta de mais uma etapa histórica no campo da in- relação à própria filosofia existencial.
tervenção psicológica em Centros de Saúde. Seguidamente, o livro está organizado em 6 capítu-
los fundamentais, cada um dos quais focalizado numa
Rita Correia abordagem, a saber:

- Análise do Dasein de L. Binswanger e M. Boss


- Logoterapia de V. Frankl
- Abordagem Existencial-Humanista de Rollo May,
J. Bugental, I. Yalom e Kirk Schneider
- Abordagem de R. Laing
EXISTENTIAL THERAPIES (2003) – Mick - Escola Britânica de Análise Existencial de Emmy
Cooper. London: Sage Publications, 169 pp. van Deurzen, E. Spinelli e Hans Cohn
- Terapias Existenciais Breves de J. Bugental e de
F. Strasser e A. Strasser
Este é o livro que faltava na área que se poderia de-
nominar por história e sistemas em terapias existen- Cada um destes capítulos está organizado de uma
ciais, disponibilizando uma panorâmica geral muito forma em que, após uma revisão das influências prin-
compreensiva, rigorosa e praticamente exaustiva das cipais que inspiraram os autores, é caracterizada deta-
diferentes abordagens que existem no campo das psi- lhadamente a abordagem, sempre com preocupações
coterapias existenciais. cronológicas, e termina com uma perspectiva crítica
A finalidade principal deste livro – introduzir o lei- sobre a abordagem em análise. Cada capítulo tem refe-
tor às diversas terapias existenciais – é plenamente rências bibliográficas muito completas, específicas e
atingida e de uma forma muito clara. De tal modo, que actualizadas.
o leitor fica bem esclarecido sobre as diferenças que Os sétimo e penúltimo capítulo é muito importante
existem, por exemplo entre as abordagens de Binswan- porque apresenta uma análise detalhada das várias di-
ger, Frankl, Bugental, Laing e Yalom, para citar ape- mensões da prática psicoterapêutica, situando as dife-
nas alguns autores. Adicionalmente, o livro pretende rente abordagens ao longo de três eixos fundamentais:
interessar cada vez mais técnicos de saúde para as abor-
dagens existenciais, discutir quais são as expectativas - Fenomenologia – Existencialismo
dos clientes em relação à perspectiva existencial, iden- - Patologização – Não patologização
tificar as potencialidades e limitações de cada aborda- - Directividade – Não-directividade
gem, além de definir qual o tipo de escolhas e dilemas
com que se confrontam os terapeutas existenciais. Pode Este capítulo permite identificar de forma clara as
afirmar-se que, no essencial, estes objectivos são tam- semelhanças e as diferenças que existem entre as vá-
bém plenamente atingidos. O leitor fica de facto com rias abordagens terapêuticas existenciais.
ideias muito claras sobre como é a prática da psicote- Finalmente, no último capítulo da obra o autor dis-
rapia existencial, a identificar os aspectos comuns e di- cute os desafios futuros e as questões em aberto com
ferentes que existem entre as diversas abordagens e ain- que se confrontam as terapias existenciais, com desta-
da recolhe sugestões para outras leituras. Como escre- que para a demonstração da sua eficácia terapêutica e
veu Emmy van Deurzen (New School of Psychothera- o estabelecimento de diálogo com outras abordagens
py and Counselling, UK), este livro disponibiliza uma psicoterapêuticas. O autor mostra aqui qual a sua pers-
revisão excelente, clara e crítica da abordagem exis- pectiva para superar dialecticamente os conflitos que
tencial tal como ela é praticada correntemente. existem entre as diversas perspectivas existenciais, no-
meadamente em torno daquelas polaridades e do dis-
Mick Cooper é Senior Lecturer em Aconselhamento curso existencial, defendendo uma compreensão dinâ-
na Universidade Strathclyde (Grã-Bretanha) e psicote- mica e de-construtiva das estruturas opostas e dos signi-
rapeuta existencial, que se define a si próprio como se ficados.
situando entre a perspectiva existencial e a terapia cen- Por todas as razões, é um livro que não só é reco-
trada no cliente. mendado mas também é recomendável para todos os
O livro inicia-se com um capítulo sobre filosofia que se interessam pelas terapias existenciais.
existencial, que assinalando conceitos fundamentais,
como o de existência, o método fenomenológico, as José A. Carvalho Teixeira
escolhas livres, o projecto, autenticidade, etc., dá tam-
bém conta da diversidade de pontos de vista (Heideg-
ger, Kierkegaard, Marcel, Buber, Sartre, Merleau-Ponty,

611
CLINICAL HEALTH PSYCHOLOGY AND PRI- res, R. J. Gatchel e M. S. Oordt, começam por intro-
MARY CARE (2003) – Robert J. Gatchel & Mark duzir a informação médica que permite aos psicólogos
S. Oordt. Washington: APA Books, American colaborar de maneira informada com os médicos em
problemas de saúde comuns, tais como:
Psychological Association, 261 pp.
- Diabetes mellitus
- Hipertensão arterial
Trata-se de um dos primeiros, senão o primeiro li- - Doenças cardiovasculares
vro norte-americano sobre intervenção da psicologia - Asma brônquica
clínica no sistema de cuidados de saúde primários, in- - Dor
troduzindo uma perspectiva de colaboração com os ou- - Insónia
tros técnicos de saúde e sistematizando as técnicas que - Obesidade
têm aplicabilidade nesse contexto de saúde. Nesse as- - Doenças gastrointestinais
pecto pode considerar-se uma obra de referência, em
particular no que se refere às intervenções, com cará- Em cada capítulo os autores descrevem e caracteri-
cter eminentemente prático. zam as implicações psicológicas e psicossociais da do-
ença em causa e abordam detalhadamente as estraté-
O primeiro capítulo do livro delimita, do ponto de gias de intervenção psicológica que podem ser utiliza-
vista dos autores, o que é a psicologia clínica da saúde das em benefício do bem-estar psicológico e da quali-
nos cuidados primários, destacando que não se trata dade de vida do doente, no contexto específico da con-
apenas de intervir sobre a saúde mental dos indivíduos sulta psicológica nos cuidados primários de saúde.
mas sim sobre a saúde no sentido global. Tem o mérito Adicionalmente, alguns capítulos dedicam-se às in-
de situar o modelo biopsicossocial da saúde e da doen- tervenções psicológicas noutras áreas, nomeadamente:
ça, que é adaptado ao contexto dos cuidados de saúde
primários e, sobretudo, identifica os modelos psicoló- - Mudança de comportamentos relacionados com
gicos nos cuidados primários. Este último aspecto é tabagismo, consumo excessivo de álcool, drogas
uma mais valia desta obra, particularmente para com- e sedentarismo
preender como é que o psicólogo pode inserir-se na - Confronto com doença crónica ou terminal
equipa de cuidados de saúde primários em termos de - Utilização excessiva de serviços de saúde
modelos de colaboração: colaborador independente não-
-integrado, prestador de cuidados psicológicos nos cui- É importante notar que nos EUA, a perspectiva de-
dados primários, consultor na área da saúde compor- nominada psicologia clínica da saúde está predomi-
tamental, consultor da equipa e modelos combinados. nantemente focalizada nas doenças e nos seus aspectos
São discutidas vantagens e desvantagens de cada mo- curativos, o que é claramente insuficiente no contexto
delo, a nosso ver com bastante interesse para reflectir dos cuidados de saúde primários. Contudo, os autores
sobre as implicações que as mudanças em curso actual- fizerem um esforço louvável, mas na nossa opinião in-
mente no sistema de saúde em Portugal podem ter para suficiente, em incluir áreas mais relacionadas com a
o papel do psicólogo nos cuidados de saúde primários. saúde e com a própria prestação dos cuidados de saú-
Muito importante também é o reconhecimento de de, em dois capítulos: um sobre mudança de comporta-
que a intervenção psicológica nos cuidados de saúde mentos de risco para a saúde e outro sobre comporta-
primários exige o desenvolvimento de competências mentos de procura de cuidados de saúde. Este último é
profissionais específicas para o contexto, que são abor- particularmente inovador. Apesar disto, não deixa de
dadas na parte final do primeiro capítulo, com desta- ser relevante que cerca de dois terços da obra seja de-
que para a avaliação psicológica focalizada, gestão efi- dicada à intervenção psicológica com indivíduos doen-
ciente do tempo de consulta, domínio de técnicas cogni- tes.
tivas e comportamentais e centração na mudança de com- O último capítulo é dedicado a algumas reflexões
portamentos, integração na equipa, entre outras. sobre o futuro da intervenção psicológica neste contex-
O segundo capítulo é dedicado à organização duma to de saúde.
consulta e/ou serviço de psicologia nos cuidados de
saúde primários, desenvolvendo aspectos profissionais Seja como for, este livro interessará certamente a
e interprofissionais que podem ser cruciais para a in- todos os que estudam e/ou praticam a intervenção psi-
serção do psicólogo e para o sucesso da implantação cológica nos cuidados de saúde primários, especifica-
da psicologia nos cuidados de saúde primários. A inte- mente nos Centros de Saúde. Para além dos psicólo-
gração na equipa, o desenvolvimento de relações in- gos, os outros técnicos das equipas dos cuidados de
terprofissionais-chave, a integração na cultura dos cui- saúde primários ficarão a saber o que podem esperar
dados primários e alguns aspectos éticos são aborda- dos psicólogos. Nele encontram informação fundamen-
dos de forma clara e compreensiva, adaptável à nossa tal para o desenvolvimento de boas práticas e para uma
realidade. prestação de cuidados psicológicos de qualidade.
Seguidamente, nos 8 capítulos seguintes, os auto- Apesar do “peso” excessivo das doenças (onde, não

612
aborda o cancro, a infecção VIH/SIDA nem a depres- podem ser úteis no trabalho psicológico com indiví-
são, que são problemas clínicos centrais nos cuidados duos doentes; a delimitação do campo da psicologia
primários) e de não abordar a intervenção psicológica clínica da saúde nos cuidados primários e, ainda, a re-
em áreas fundamentais como a saúde materna, saúde
flexão sobre a organização da consulta e/ou serviço de
infantil, saúde do idoso e cuidados continuados, huma-
nização e qualidade, no essencial este livro vale por psicologia nos cuidados primários.
três áreas-chave que aborda: a sistematização baseada
na evidência das diferentes técnicas psicológicas que José A. Carvalho Teixeira / Isabel Trindade

613
NOTAS DIDÁCTICAS

Comunicação em saúde
Relação Técnicos de Saúde – Utentes

JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*)

1. INTRODUÇÃO - Sugerir e recomendar mudanças de com-


portamento
- Recomendar exames de rastreio
1.1. O que é a comunicação em saúde - Informar sobre a saúde e sobre as doenças
- Informar sobre exames médicos que é ne-
Comunicação em saúde diz respeito ao estudo cessário realizar e sobre os seus resultados
e utilização de estratégias de comunicação para - Receitar medicamentos
informar e para influenciar as decisões dos indi- - Recomendar medidas preventivas e activi-
víduos e das comunidades no sentido de promo- dades de auto-cuidados em indivíduos do-
verem a sua saúde. entes.
Esta definição é suficientemente ampla para
englobar todas as áreas nas quais a comunicação Assim, a comunicação é um tema transversal
é relevante em saúde. Não se trata somente de em saúde e com relevância em contextos muito
promover a saúde, embora esta seja a área estra- diferentes:
tegicamente mais importante. - Na relação entre os técnicos de saúde e os
De facto, comunicação em saúde inclui men- utentes dos serviços de saúde
sagens que podem ter finalidades muito diferen- - Na disponibilização e uso de informação
tes, tais como: sobre saúde, quer nos serviços de saúde quer
- Promover a saúde e educar para a saúde nas famílias, escolas, locais de trabalho e
- Evitar riscos e ajudar a lidar com ameaças na comunidade
para a saúde - Na construção de mensagens sobre saúde
- Prevenir doenças no âmbito de actividades de educação para
a saúde e de programas de promoção da saú-
de e de prevenção, que visam a promoção
de comportamentos saudáveis
- Na transmissão de informação sobre riscos
(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis- para a saúde em situações de crise
boa. - No tratamento dos temas de saúde nos meios

615
de comunicação social, na Internet e outras quada (formatada ou personalizada) às necessi-
tecnologias digitais (CD Rom, DVD) dades daquela pessoa naquele momento, o que
- Na educação dos utentes com a finalidade influencia, por seu turno, o modo como se con-
de melhorar a acessibilidade dos serviços fronta com os sintomas da doença e se relaciona
de saúde com os próprios técnicos.
- Na formação dos técnicos de saúde Finalmente, pode influenciar os comportamen-
- Nas relações interprofissionais em saúde tos de adesão às recomendações de saúde (ade-
- Nas intervenções e afirmações públicas são medicamentosa e a exames para rastreio, dia-
dos técnicos de saúde gnóstico e/ou controlo de doenças, bem como a
- Na comunicação interna nas organizações medidas terapêuticas e de reabilitação), desen-
de saúde volvimento de auto-cuidados na doença crónica
- Na qualidade do atendimento dos utentes e adesão a comportamentos preventivos relevan-
por parte de funcionários e serviços. tes para reduzir riscos para a saúde a nível ali-
mentar, sexual, etc. e para adopção de estilos de
Esta nota didáctica centra-se no primeiro con- vida mais saudáveis.
texto: a comunicação na relação entre os técni- Comunicação efectiva em saúde tem influên-
cos de saúde e os utentes dos serviços de saúde. cia importante a nível individual e a nível comu-
nitário:
1.2. Importância da comunicação em saúde - A nível individual ajuda a tomar consciên-
cia das ameaças para a saúde, pode influ-
A importância dos processos de comunicação
enciar a motivação para a mudança que vi-
em saúde é dada pelo seu carácter:
sa reduzir os riscos, reforça atitudes favorá-
- Transversal – A várias áreas e contextos de veis aos comportamentos protectores da saú-
saúde, quer nos serviços de saúde quer na de e pode ajudar a adequar a utilização dos
comunidade serviços e recursos de saúde
- Central – Na relação que os técnicos de - A nível da comunidade pode promover mu-
saúde estabelecem com os utentes no qua- danças positivas nos ambientes socio-eco-
dro da prestação dos cuidados de saúde nómicos e físicos, melhorar a acessibilida-
- Estratégico – Relacionado com a satisfação de dos serviços de saúde e facilitar a ado-
dos utentes. pção de normas que contribuam positiva-
mente para a saúde e a qualidade de vida.
Os processos de informação e comunicação
em saúde têm importância crítica e estratégica Em resumo, os processos de informação e co-
porque podem influenciar significativamente a municação em saúde podem influenciar os resul-
avaliação que os utentes fazem da qualidade dos tados da actividade dos técnicos em termos de
cuidados de saúde, a adaptação psicológica à do- ganhos em saúde, no que se refere à morbilidade,
ença e os comportamentos de adesão medica- bem-estar psicológico e qualidade de vida dos
mentosa e comportamental. utentes e são excelentes analisadores da qualida-
A avaliação que os utentes fazem da quali- de dos cuidados e das competências dos técnicos
dade dos cuidados de saúde prestados pelos té- de saúde.
cnicos em grande parte é a partir da avaliação
que fizeram das competências comunicacionais
dos técnicos de saúde com os quais interagiram. 2. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO ENTRE OS
Os processos de adaptação psicológica às do- TÉCNICOS DE SAÚDE E OS UTENTES
enças também podem ser influenciados pela
comunicação dos técnicos de saúde, uma vez É muito fácil existirem problemas de comu-
que, quando uma pessoa adoece e procura ajuda nicação entre técnicos de saúde e utentes, quanto
num serviço de saúde, o controlo do stresse liga- mais não seja porque, sobretudo em consultas e
do ao adoecer também pode ser influenciado po- outras intervenções, as agendas são diferentes. Se-
sitivamente pela transmissão de informação ade- não, vejamos:

616
- Para os técnicos de saúde a agenda é: Quais cionais dos técnicos de saúde. Os utentes gosta-
são os sintomas? Que doença é esta? O que riam de ter mais tempo para falar, mais tempo
mostra o exame clínico? Qual é o diagnós- para fazer perguntas, mais informação sobre os
tico? Que exames é necessário fazer? Quais exames que é preciso realizar e os seus eventuais
são os resultados dos exames? Que medidas resultados, mais informação sobre o diagnóstico
terapêuticas são necessárias? Que medidas da doença e sobre o seu tratamento e reabilitação
de reabilitação são necessárias? e maior sensibilidade para as suas preocupa-
- Para os utentes a agenda é: Porquê eu? Por- ções...
quê agora? Qual a causa disto? O que é que
me pode acontecer? O que é que os técni- 2.2. Principais problemas de comunicação na
cos vão fazer comigo? O que é que isto si- relação dos técnicos de saúde com os uten-
gnifica para a minha vida, família e tra- tes
balho?
As dificuldades de comunicação entre técni-
Vê-se perfeitamente que, com estas agendas cos e utentes podem ter a ver com três aspectos
tão diferentes, para o utilizador dum serviço de fundamentais:
saúde, quer esteja numa consulta quer a realizar
- Transmissão de informação pelos técnicos
um exame de imagem ou outro, é muito fácil exis-
de saúde
tirem dificuldades de comunicação entre técni-
- Atitudes dos técnicos de saúde e dos uten-
cos e utentes, que tendem a ser ainda mais facili-
tes em relação à comunicação
tadas sempre que em simultâneo houver: longas
- Comunicação afectiva dos técnicos de saú-
esperas e consultas ou intervenções rápidas; en-
de
trevistas centradas mais nos técnicos do que nos
- Literacia de saúde dos utentes.
utentes; ansiedade por parte do utente e atribui-
ção de valor escasso à comunicação com o uten-
te. 2.2.1. Transmissão de informação pelos técni-
cos de saúde
2.1. A insatisfação com a qualidade dos cui- Os principais problemas que podem ocorrer
dados na transmissão de informação pelos técnicos de
saúde são:
Enquanto utilizadores dos serviços de saúde,
os indivíduos necessitam mais do que cuidados - Informação insuficiente, imprecisa ou am-
físicos, nomeadamente necessitam, de atenção ao bígua sobre comportamentos de saúde (por
seu bem-estar psicológico, medos específicos e exemplo, regimes alimentares, exames de
ansiedades relacionadas com saúde e doenças, rastreio), natureza da doença que afecta o
exames a realizar e tratamentos, qualidade de vi- utente, exames complementares e tratamen-
da, crises pessoais e familiares, etc. tos
Sempre que não há resposta adequada a essas - Informação excessivamente técnica sobre
necessidades há insatisfação dos utentes em re- resultados de exames ou causa da doença
lação ao comportamento dos técnicos de saúde e - Tempo escasso dedicado à informação em
uma avaliação negativa da qualidade dos cuida- consultas e intervenções mais centradas nos
dos que foram prestados. técnicos do que nos utentes.
Os estudos que existem nesta área põem em
evidência de forma consistente que os utentes dos A informação em saúde necessita de ser clara,
serviços de saúde queixam-se e criticam os de- compreensível, recordável, credível, consistente
sempenhos comunicacionais dos técnicos de saú- ao longo do tempo, baseada na evidência e per-
de, quer no quadro de consultas quer de outras sonalizada. Esta personalização significa que a
intervenções. informação é “à medida” das necessidades de in-
Quer dizer: parte significativa da insatisfação formação do utente naquele momento, adaptada
dos utentes com a qualidade dos cuidados de saú- ao seu nível cultural e adaptada ao seu estilo co-
de tem a ver com os desempenhos comunica- gnitivo.

617
Há quem necessite de muita informação sobre 2.2.3. Comunicação afectiva dos técnicos de
o problema de saúde, os exames e os tratamentos saúde
e há quem prefira pouca informação. Por outro
lado, a natureza da informação necessária pode Problemas de comunicação na relação entre
variar de indivíduo para indivíduo. Por exemplo, os técnicos de saúde e os utentes podem relacio-
em relação à realização de exames e mesmo de nar-se com os processos de comunicação afe-
intervenções cirúrgicas há quem necessite de in- ctiva dos técnicos de saúde, em particular quan-
formação sensorial (o que vou sentir), há quem do ocorrem:
necessite de informação de confronto (o que pos- - Distanciamento afectivo, relacionado com
so fazer) e há quem necessite de informação de o evitamento de temas difíceis da doença
procedimento (o que vai acontecer). grave, ameaçadora ou terminal ou de resul-
tados positivos de exames que se realiza-
A personalização da informação em saúde per- ram (as “más notícias”). Pode levar facil-
mite economizar tempo, aumentar a satisfação dos mente à banalização
utentes e facilitar a sua intenção de virem a ado- - Desinteresse pelas preocupações do utente
ptar os comportamentos esperados. tem em relação ao seu futuro
- Dificuldade em funcionar como fonte de
2.2.2. Atitudes dos técnicos de saúde e dos uten- apoio emocional e de transmissão de segu-
tes em relação à comunicação rança.
Atitudes negativas e desfavoráveis dos técni-
cos de saúde e dos utentes em relação à comuni- 2.2.4. Baixa literacia de saúde dos utentes
cação podem conduzir a problemas comunica- A literacia de saúde é a capacidade para ler,
cionais relativos à sua interacção. compreender e lidar com informação de saúde,
Os técnicos de saúde encorajam pouco as per- capacidade em relação à qual é importante ter
guntas por parte dos utentes, tendem a falar em conta que há desigualdades de oportunidades
mais do que a ouvir, não se interessam por co- em relação à comunicação em saúde para indiví-
nhecer qual a perspectiva do utente nem as suas duos com estatuto socio-económico baixo e nível
preocupações e expectativas. Induzem atitudes pas- educacional baixo.
sivas por parte dos utentes, quando a participação Baixa literacia de saúde é a dificuldade em
activa tem efeito positivo na recepção da comu- compreender qual é o seu estado de saúde e quais
nicação, confere maior percepção de controlo e, são as necessidades de mudança de comporta-
portanto, menos stresse e menor ansiedade; e evi- mentos, planos de tratamentos e de auto-cuida-
tam recolher dados sobre a situação pessoal, fa- dos, que pode relacionar-se com literacia geral
miliar ou profissional do utente. baixa, nível de conhecimentos baixos sobre saú-
Os utentes adoptam com frequência atitudes
de ou inibição resultante do embaraço e medo do
passivas e dependentes, concordantes com as in-
ridículo.
fluências sociais e culturais tradicionais das rela-
ções entre os leigos e os peritos.
O contexto de referência no qual ocorrem as 2.3. Consequências dos problemas de comuni-
interacções é dominado pelo modelo biomédico cação entre os técnicos de saúde e os uten-
(que valoriza excessivamente as técnicas de dia- tes
gnóstico e de tratamento e desvaloriza o sofri-
As consequências dos problemas de comuni-
mento e a comunicação) e pelo modelo autoritá-
cação na relação entre os técnicos de saúde e os
rio de influência social dos técnicos de saúde, no
utentes podem ser variadas:
qual o paradigma relacional é de tipo parental e
o paradigma comunicacional é de tipo perito/lei- - Insatisfação dos utentes com a qualidade dos
go. Particularmente, não é eficaz na comunica- cuidados de saúde
ção persuasiva, que exige um modelo de coope- - Erros de avaliação, porque não se identifi-
ração que tenha em conta as atitudes, crenças e cam queixas relacionadas com crises pes-
expectativas do utente. soais, dificuldades de adaptação e/ou psico-

618
patologia e se focaliza-se no primeiro pro- técnicos de saúde assenta predominantemente nos
blema apresentado, que nem sempre é o mais aspectos biomédicos, técnicos e assistenciais e
importante tende a negligenciar aspectos centrais como a co-
- Comportamentos de adesão mais insatisfa- municação em saúde, essencial também na hu-
tórios manização dos serviços.
- Mais dificuldades no confronto e adaptação Assim, é desejável aumentar as oportunidades
à doença por não saber o que fazer (incerte- de formação relacionada com competências de
za), ter recebido informação contraditória comunicação, quer na formação académica, quer
(ambiguidade) ou até por se sentir incom- na formação pós-graduada e profissional dos técni-
preendido cos de saúde, nomeadamente no que se refere a:
- Comportamentos inadequados de procura
de cuidados, quer procura excessiva e/ou re- - Competências básicas de comunicação, tais
corrente dos serviços de saúde quer procura como escuta activa, perguntas abertas e té-
alternativa. cnicas facilitadoras
- Treino assertivo
Particularmente, as dificuldades relacionadas - Resolução de conflitos e negociação
com a transmissão de informação e com atitudes - Como transmitir más notícias
inadequadas dos técnicos em relação à comuni- - Como transmitir informação sobre medidas
cação podem resultar em comportamentos de preventivas, exames, tratamentos e auto-
adesão insatisfatórios em relação a adopção de cuidados, enfatizando mais os comporta-
comportamentos saudáveis, realização de exa- mentos desejáveis do que os factos técnicos
mes de rastreio e de diagnóstico, tratamentos me- - Como transmitir informação de saúde es-
dicamentosos, desenvolvimento de auto-cuida- crita
dos, realização de outras consultas e adesão a me- - Elaboração de guidelines.
didas de reabilitação. O utente não compreendeu
o que é necessário fazer, não se recorda do que Os técnicos de saúde devem tornar-se cada vez
foi dito, não teve possibilidade de fazer pergun- melhores comunicadores e melhores utilizadores
tas ou não acredita que valha a pena seguir as re- das tecnologias de informação.
comendações dos técnicos...
Seja como for, podem ser consequências gra- 3.2. Desenvolvimento da assertividade e empo-
vosas para o bem-estar dos utentes e dos técnicos werment dos utentes
de saúde e podem ter custos económicos para os
indivíduos e para a comunidade. Importa desenvolver acções destinadas a pro-
mover competências de comunicação e mais em-
powerment nos utentes, quer nos serviços de saú-
3. COMO MELHORAR A COMUNICAÇÃO de quer na comunidade, de forma a que os uten-
ENTRE OS TÉCNICOS DE SAÚDE E tes se tornem mais pro-activos na procura de in-
OS UTENTES formação sobre saúde.
Nos serviços de saúde trata-se de aumentar o
A melhoria dos processos de comunicação que seu nível de participação, ajudar a identificar as
ocorrem na relação entre os técnicos de saúde e preocupações, incentivar a fazer, antes da con-
os utentes exigem uma intervenção dupla sobre sulta, exames ou tratamentos, uma lista do que
os técnicos de saúde e sobre os utentes com a querem falar ou perguntar, assegurar que conse-
finalidade de desenvolver as suas competências gue fazer as perguntas que quer fazer.
de comunicação. Na comunidade trata-se de contribuir para o
desenvolvimento da literacia de saúde, através de
3.1. Formação dos técnicos de saúde actividades nas escolas, locais de trabalho, gru-
pos comunitários e, ainda, de aumentar o acesso
Há necessidade de desenvolver as competên- à Internet, o que é essencial para aumentar a aces-
cias comunicacionais dos técnicos de saúde, prin- sibilidade à informação de saúde, bem como o
cipalmente porque a formação universitária dos contacto com técnicos e serviços de saúde.

619
4. CONCLUSÃO Weinman, J. (1997). Doctor-patient communication. In
Andrew Baum e col. (Eds.), Cambridge Handbook
A qualidade da comunicação entre os técnicos of Psychology, Health and Medicine (pp. 284-287).
Cambridge: Cambridge University Press.
de saúde e os utentes está relacionada com maior
consciencialização dos riscos e motivação para a
mudança de comportamentos, facilitação de es- RESUMO
colhas complexas em saúde e nas doenças, ada-
ptação à doença e qualidade de vida, comporta- Os processos de comunicação em saúde têm impor-
mentos de adesão e comportamento de procura tância central na relação entre os técnicos de saúde e
de cuidados. Ou seja, tem influência sobre o es- os utentes. Assim, identificam-se os principais proble-
mas de comunicação que podem ocorrer nos serviços
tado de saúde e a utilização dos serviços. Assim: de saúde e definem-se estratégias cuja finalidade é o
- Compreender a informação sobre saúde e desenvolvimento das competências comunicacionais
dos técnicos de saúde e dos utentes.
doenças é um direito de todos nós Palavras-chave: Comunicação em saúde, relação
- Melhorar a comunicação em saúde é um técnicos de saúde / utentes, competências comunica-
imperativo ético para os técnicos de saúde cionais.
e, ao mesmo tempo, é uma responsabilida-
de de todos.
ABSTRACT

Health communication processes are very important


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
in health professionals / health consumers interaction.
In this paper the author identifie many communication
Carvalho Teixeira, J. A. (1996). Comunicação e cuida- problems in health services and some strategies to de-
dos de saúde. Desafios para a psicologia da saúde. velopment of health professional’s skills communica-
Análise Psicológica, 14 (1), 135-139. tion.
Taylor, S. E. (1998). Patient-practitioner interaction. In Key words: Health communication, health profes-
Shelley Taylor (Ed.), Health Psychology (pp. 341- sionals / health consumers interaction, communication
-377). New York: McGraw-Hill. skills.

620
O demente, a família e as suas necessidades

FILOMENA C. BAYLE (*)

1. INTRODUÇÃO jovem e de actualidade, sobretudo se a indumen-


tária acompanha a moda “new age”. Estas preo-
A população idosa duplicou nos últimos qua- cupações, existentes a princípio na mulher, es-
renta anos, devido à melhoria da qualidade de tenderam-se posteriormente ao homem.
vida, das condições sociais e económicas e aos A sociedade actual, forte a nível dos meios de
progressos da Medicina para manter o indivíduo comunicação, retirou aos mais velhos o direito à
no melhor estado de saúde possível. palavra, sobretudo a sua identidade tradicional
Como refere Forette (2000), hoje é-se velho de cofre de sabedoria, de transmissor, veiculador
mais tarde e a tendência é envelhecer com mais do saber intergeracional. Pela sua experiência de
saúde. vida, o idoso era um conselheiro que impedia, por
Pela primeira vez na história da Humanidade vezes, decisões intempestivas. Os conhecimentos
coexistem quatro gerações, modificando as es- hoje mudam constantemente, acabando o idoso
truturas sociais, as relações individuais e a dinâ- por ficar confinado a um papel secundário, ou
mica intergeracional. O perfil físico, fisiológico mesmo desvalorizado. Ele já não sabe tudo e, por
e psicológico das pessoas com 60 ou 80 anos ho- vezes, tem a impressão que já não sabe nada
je é completamente diferente daquele que existia deste mundo em constante mudança. Estas trans-
nos anos quarenta. A longevidade trouxe atitudes formações tiveram repercussões sobre a imagem
diferentes e encara-se o envelhecimento de uma social do idoso e, automaticamente, sobre os as-
forma diferente da que se encarava ontem. Nos pectos psicológicos. Enquanto trabalha tem um es-
dias de hoje, deseja-se ser jovem durante mais tatuto. Porém, a partir do momento que entra na
tempo e para isso recorre-se a todo o tipo de es- reforma, perde a sua identidade social e se ele
tratégias que possam atrasar qualquer marca de não transforma a perda do seu trabalho noutras
envelhecimento. Utilizam-se as salas de ginásti- actividades positivas, a sua saúde física e psico-
ca para manter a forma, procura-se ter um bom lógica pode degradar-se.
aspecto físico e a saúde no melhor nível possí- Nos nossos dias, o olhar em relação ao idoso é
vel, recusa-se a mudança corporal recorrendo à angustiante, onde cada um se projecta neste sen-
cirurgia plástica, dando de novo um “look” timento insuportável da morte que se aproxima e
da vida que chega ao fim, visualizando a morte:
a sua e através do outro. Como medida de pro-
tecção, foram-se encontrando apelos diferentes
para os momentos diferentes do envelhecimento,
(*) INUAF - Instituto Universitário D. Afonso III, passando-se da terceira para a quarta e, breve-
Loulé. mente, para a quinta idade, como se estes de-

621
graus permitissem pôr cada vez mais à distância divórcio, que tem aumentado ultimamente
um destino que é, para todos, incontornável. nesta faixa etária
A esperança média de vida sem incapacidade - A nível pessoal, há a transformação física e
aumenta mais depressa que a esperança média de um corpo que mostra progressivamente ou
vida. Os especialistas em gerontologia dizem-nos repentinamente os seus limites, sobretudo
que é uma sorte envelhecer hoje em dia, porque quando as doenças se manifestam; há a trans-
é-se velho mais tarde e a tendência é envelhecer formação psicológica com a perda das ca-
com mais saúde; para outros (o senso comum), pacidades mnésicas a partir dos 50 anos,
as reticências são grandes e é sem hesitações que das capacidades de identificação perceptiva
consideram que o envelhecimento é a maior das entre os 70-80 anos, e a linguagem após os
infelicidades. Mas sobretudo, é o mau envelhe-
75 anos, afectando a capacidade de digres-
cimento, a incapacidade, a dependência e a de-
são associativa e, por vezes, deterioração a
mência que causam medos e angústias por vezes
nível de outras capacidades intelectuais. O
superiores à própria morte.
aumento da dependência e das doenças pro-
O termo envelhecimento tem um duplo senti-
do: a senescência que remete para o biológico e voca necessariamente uma mudança a nível
o avanço de idade, que é um elemento cronoló- relacional, quer no casal quer dos pais em
gico. A idade biológica ou funcional e a idade relação aos filhos, o que pode ser visto co-
cronológica nem sempre coincidem. Os factores mo algo de profundamente humilhante. Es-
exógenos podem fazer avançar a senescência, ta forma de tratar, de gerir estas dificulda-
assim como as condições de vida difíceis, os trau- des neste período de mudança – envelhece-
matismos; no sentido inverso, a manutenção de -se como se vive – vai depender da fragili-
actividade física regular, um bom equilíbrio psi- dade e da vulnerabilidade do sujeito, sobre-
cológico podem evitar as suas consequências. Sa- tudo em caso de doença. Quando o indiví-
bemos hoje que a senescência está na encruzilha- duo perdeu a sua “pulsão de vida” renuncia
da entre o património genético e o percurso da a qualquer projecto de ordem material, re-
vida intelectual e colectiva. lacional, intelectual ou espiritual.
Também não se pode datar exactamente o prin-
cípio do envelhecimento psicológico. É um pro- Se, para uns, os sintomas do mau envelheci-
cesso de decrescimento pulsional inverso ao que mento estão relacionados com o sistema familiar,
o indivíduo encontrou durante a adolescência e que evita o questionamento desta fase etária, des-
está interdependente da segurança de base adqui- locando a angústia de todos os membros sobre o
rida durante a relação primária. A mudança é im- paciente designado, para outros, o mau envelhe-
portante durante o envelhecimento, onde o indi- cimento está somente ligado à deterioração bio-
víduo se vai confrontar com dificuldades a vários lógica. Qual é a parte de responsabilidade de um
níveis, sobretudo quando ele tem menos utensí- e de outro neste processo de envelhecimento?
lios de protecção: Mas sobretudo como intervir para melhorar as
condições de vida do idoso? O isolamento, as ca-
- A nível social, o idoso passa da actividade
rências sociais, afectivas e económicas, podem
(trabalho) à inactividade (reforma), o que
levar muitos idosos ao suicídio por desespero,
implica necessariamente um olhar diferente
em relação a si e aos outros, como a “utili- sobretudo se a dependência, as dificuldades sen-
dade” social com o seu leque de papéis, fun- soriais e de locomoção aumentam no quotidiano.
ções e estatutos. Como passar de uma vida É da nossa responsabilidade individual e colecti-
ritmada pelas semanas de trabalho, a outra va devolver ao idoso o direito à palavra, à dis-
onde existe uma grande elasticidade e dis- cussão e, sobretudo, a decisão relativa ao seu fu-
ponibilidade de tempo? Este período deli- turo e pensamos que a Psicologia da Saúde de-
cado pode trazer dificuldades importantes a verá intervir mais junto desta população. Em ter-
nível familiar, sobretudo a nível conjugal, mos de saúde pública devemos falar de envelhe-
com uma necessidade de restruturação das cimento “optimizado”, num contexto social e cul-
relações. A sua inadequação pode levar ao tural e não universal.

622
2. A PSICOLOGIA DA SAÚDE E O IDOSO os óculos de sol diminui os problemas de
catarata e outras patologias oculares; o tra-
A Psicologia da Saúde tem um papel funda- tamento hormonal de substituição na meno-
mental nos cuidados de saúde primários e, em par- pausa evita um certo número de doenças. A
ticular, utilizando as palavras de Carvalho Teixei- hormona anti-envelhecimento talvez traga
ra (1999), poderíamos alargar também ao idoso: um dia melhorias a nível do funcionamento
«no tratamento… promoção e manutenção da saú- fisiológico que permita dar ao Homem um
de, prevenção das doenças e interacção do sujei- melhor conforto de vida
to com os técnicos e serviços de saúde.» - A nível psicológico é necessário sensibili-
Esta intervenção começa cedo, diríamos mes- zar a população, após a reforma, para que
mo sem exagerar que a garantia de um bom en- invista em novas áreas, novas representa-
velhecimento começa a nível dos cuidados de saú- ções, sobretudo de si próprio, de forma a
de primários (Bayle, 2002), isto é, para um bom desinvestir pretensões anteriores e investir
envelhecimento é necessário ter um bom nasci- novas à medida das suas capacidades, para
mento e, para isso, só a intervenção durante a que não fique mentalmente paralisado com
gravidez e o parto vão permitir a tricotagem dos a perda de juventude e o medo da morte
laços vinculativos entre os pais e o bebé, propor- que se aproxima
cionando a garantia de segurança de um bom de- - A nível social, motivar o idoso para outras
senvolvimento do indivíduo durante a sua vida e, ocupações quer intelectuais, sociais e fí-
por consequência, a obtenção de uma resiliência sicas e salientar o benefício do desporto e a
que garanta uma entrada e uma estadia de boa sua consequente melhoria da condição físi-
qualidade nas chamadas terceira e quarta idades. ca e da saúde em geral.
Portanto, um primeiro aspecto fundamental da
Neste eixo de intervenção social é importante
Psicologia da Saúde é uma intervenção precoce a
implicar cada indivíduo em rastreios que promo-
nível da manutenção e promoção da saúde que
vam a saúde e a prevenção, intervir nas crises de
terá repercussões a curto, médio ou longo prazos.
vida e de envelhecimento (é um momento que
Um segundo aspecto é a constituição de uma
vai necessitar a adaptação do próprio idoso, as-
rede de intervenção que englobe os médicos de
sim como da família) e, ainda, identificar os in-
família, os geriatras e o pessoal dos serviços de
divíduos de risco e orientá-los para as consultas
saúde que ponham a funcionar sistemas de inter-
de avaliação e de diagnóstico.
venção de forma a melhorar a qualidade de vida
do idoso. Para isso, há que formar os técnicos de
uma forma acelerada sobre as especificidades da 2.2. Papel dos técnicos de saúde
psicologia do envelhecimento e reflectir sobre as
Os médicos de família têm um papel impor-
modalidades de intervenção a nível social e co-
tante a este nível, orientando os idosos a partir
munitário.
dos primeiros sintomas; e se os sinais são dete-
ctados precocemente, mais fácil vai ser a inter-
2.1. Eixos de intervenção venção, melhorando notavelmente a sintomato-
logia do paciente. A instalação de consultas psi-
Vários eixos fundamentais podem ser delinea-
cológicas de avaliação do estado psicológico do
dos, quer a nível individual, quer a nível comuni-
indivíduo, possibilitará também a informação so-
tário:
bre a doença e a sua eventual evolução.
- Promoção de saúde e prevenção de doenças O diagnóstico precoce do idoso em vias de de-
visando a modificação do comportamento menciação é fundamental, pois permite pôr a fun-
das populações de forma a diminuir o enve- cionar programas que façam face ao défice cogni-
lhecimento patológico tivo, sobretudo perturbações da memória, racio-
- A nível de saúde pública, sabemos que tratar cínio, dificuldades a nível da linguagem e do pen-
a hipertensão arterial, não fumar e ter uma samento abstracto, distúrbios do comportamento,
actividade física, contribuem para prevenir da percepção e da personalidade, levando a difi-
os acidentes vasculares cerebrais; utilizar culdades individuais e familiares.

623
O diagnóstico precoce da depressão do idoso para um lugar desconhecido para eles. Estes re-
parece-nos também importante em termos de Saú- ceios podem provocar agressividade, o que é
de Pública. Ela é, frequentemente, sub-avaliada culturalmente inaceitável, sobretudo se o idoso
mas faz parte das patologias psiquiátricas mais começa a manifestar sinais de demência que po-
frequentes, sobretudo num período onde a fragi- dem ser interpretados como a extremização do
lidade e a vulnerabilidade aumentam. Há que dis- mau carácter do familiar e não como uma doença
tinguir entre depressão propriamente dita e sinto- que se instala, por vezes lentamente, outras de
mas depressivos ligados a dificuldades de ada- uma forma abrupta. Para evitar desgastes desne-
ptação ao meio, às modificações funcionais ou cessários, programas de informação sobre esta
intelectuais, à transformação da identidade social doença degenerativa deveriam ser implementa-
e os lutos ou dificuldades da vida de um ser hu- dos de uma forma sistemática, assim como reu-
mano. Nessa altura, há que avaliar o lugar que niões entre os familiares para eles poderem iden-
ele ocupa a nível das interacções familiares. Dei- tificar-se também com as vivências dos outros
xar a família com este paradoxo “como mudar intervenientes. Isto evita sentimentos de culpabi-
sem nada mudar”, deveria ser como transformar lidade nos próprios filhos e eventuais desgastes
as relações actuais noutras diferentes, encontran- em termos de saúde, sobretudo para aquele que
do uma distância diferente que não traga sofri- se ocupa do doente.
mento a uns e outros, intervindo no momento do São também importantes, os Centros de Dia
anúncio de uma doença que vai levar a curto, que poderão integrar os doentes crónicos, tendo
médio ou longo prazo, à dependência e à demên- uma função de protecção de dia em relação aos
cia, que é incapacitante não só para o indivíduo, indivíduos dependentes, e também um centro de
mas também para as pessoas à sua volta, como actividades que têm como finalidade manter se-
os familiares. não mesmo melhorar o estado destes utentes.
É necessário intervir junto da família, dando Finalmente, em relação ao tratamento, reabi-
as informações necessárias para a compreensão litação e adaptação à doença há necessidade de
da doença do familiar para que a visão do seu alargar as estruturas de centros de dia e de inter-
comportamento mude; mude, mas também no namento temporário para os indivíduos isolados
acompanhamento do utente e familiares, impli- que necessitam um certo tipo de cuidados, mas
cando-os na mudança de comportamento, ajusta- também para prevenir o cansaço das famílias e
mento e stresse face à doença; e comunicando a para elaborar parâmetros de qualidade das ins-
existência dos serviços que poderão intervir jun- tituições, afim de evitar maus tratos do idoso a
to do doente como alternativa possível para evi- nível institucional, e alargar os cuidados palia-
tar o esgotamento das famílias ou, pelo menos, tivos, para minimizar o sofrimento no fim de vi-
manter o estado do doente, evitando assim a sua da.
deterioração e dando-lhe a melhor qualidade de Devemos dar ao idoso a segurança do nosso
vida. apoio, dando-lhe ajuda e assistência, respeitando
a sua integridade física e psicológica, valorizan-
2.3. Papel dos recursos comunitários do a sua opinião e o seu empenhamento para uma
melhor qualidade de vida. A Organização Mun-
O apoio domiciliário é importante, sobretudo dial de Saúde considera que a qualidade de vida
para aqueles que mantém uma certa autonomia é o bem estar físico, mental e social completo e
mas necessitam de um determinado apoio, pois não se define pela ausência de doença (Ribeiro,
encontram-se isolados, por vezes em zonas ru- 1994).
rais, ou mesmo em zonas urbanas. Eles necessi-
tam de alguém que os acompanhe aos serviços
de saúde e aos serviços públicos e os apoie na 3. O DEMENTE
aquisição dos bens de primeira necessidade.
A institucionalização dos idosos provoca re- A doença de Alzheimer tornou-se uma preo-
ceios para o próprio idoso que, de repente, tem o cupação de Saúde Pública, devido às incidências
sentimento de ser abandonado pelos familiares e, epidemiológicas a nível do idoso e as repercus-
muito particularmente, pelos filhos que os levam sões a nível da família.

624
O tempo médio de evolução desta doença, ron- zendo dificuldades de adaptação e problemas de
da os 8 anos e meio, levando por vezes a proble- ordem afectiva. Os distúrbios do comportamento
mas financeiros e a dificuldades de organização, aumentam progressivamente, com inconsciência
sobretudo porque nas estruturas familiares actu- de qualquer tipo de perigo, agressividade, desini-
ais a mulher tem um papel activo no exterior da bição sexual e perda das regras sociais adquiri-
família e não pode, como no passado, ocupar-se das anteriormente.
do familiar, trazendo-o para a sua própria casa. As perturbações da demência, levam o indiví-
O diagnóstico da doença de Alzheimer é feito duo a um sentimento de insegurança que se tra-
através de dados clínicos e neuropatológicos. É duz por reacções agressivas, problemas compor-
considerado como um distúrbio neurovegetativo, tamentais e disfuncionais que poderão ser lidos
com uma evolução variável segundo os indiví- de uma forma multicausal. Os primeiros sinto-
duos, onde aparece o declínio a nível cognitivo, mas, o anúncio do diagnóstico, o agravamento
sobretudo o raciocínio e o pensamento abstracto, dos défices e a entrada em instituição, levam a
o declínio da memória a curto prazo, os défices a novas relações familiares que alternam entre a
nível da linguagem, dificuldades de adaptação a culpa e a agressividade, a angústia e a vergonha,
nível social, familiar e individual. A demência é trazendo sofrimento a nível dos diferentes mem-
irreversível, pode ser súbita, por vezes com uma bros da família.
evolução rápida. É necessário fazer um acompanhamento com
Representa entre 50 a 70 % das demências e uma equipa especializada pluridisciplinar no cam-
existem actualmente estudos sobre os factores de po da gerontologia. Estes cuidados visam dimi-
risco que podem levar a este tipo de demência, nuir o sofrimento psicológico, aceitar a doença,
como os factores externos e também os genéti- favorecer a adaptação ao doente, prevenir o iso-
cos. Pode aparecer por volta dos 40 anos, mas a lamento, o esgotamento, o mau trato, e há que de-
prevalência aumenta a partir dos 65 anos, atin- senvolver habilidades no doente de forma a di-
gindo nesta altura os 30-40 %, e é mais frequente minuir os sintomas.
em indivíduos do sexo feminino.
Na maioria dos casos, os primeiros sintomas
passam desapercebidos, na medida em que os 4. O DEMENTE, A FAMÍLIA E AS SUAS
familiares vão interpretá-los, por um lado, como NECESSIDADES
um traço de carácter negativo sobretudo se o in-
divíduo anteriormente era alguém de relaciona- Minuchin (1981) definiu a estrutura familiar
mento difícil ou banalizando, atribuindo a res- como um conjunto invisível de necessidades fun-
ponsabilidade ao envelhecimento; por outro cionais que organiza o modo como os elementos
lado, a ideia de que «os velhos têm comporta- da família interagem uns com os outros. A partir
mentos iguais aos das crianças», leva muitas ve- destas interacções, formulam-se regras que vão
zes a atitudes de tolerância importantes por falta padronizar as condutas no seio da família.
de informação das características desta patolo- A família é um sistema, e uma mudança num
gia. Irremediavelmente o diagnóstico da deterio- dos membros provoca necessariamente repercus-
ração aparece mais tarde, quando os sintomas sões sobre todos os membros da célula familiar
começam a ser bastante visíveis ou insuportáveis (ibid.). A doença crónica provoca um mal estar
pelos familiares, como a amnésia, com perturba- familiar, sobretudo devido à mudança progres-
ções graves a nível da memória, que pode ir até siva, mas por vezes abrupta do familiar que, a
ao não reconhecimento dos familiares próximos, pouco e pouco, muda de comportamento ou per-
como os cônjuges, filhos ou netos, a desorienta- de capacidades. Ele que antes foi um modelo de
ção espacial, por vezes com fuga ou a perda tem- referência e de imitação, torna-se de repente de-
poral (já não sabe a idade dele próprio, ou dos pendente, levando a uma inversão de papéis en-
outros à sua volta, não sabe o dia, o mês, o ano). tre os filhos e pais, ou por vezes a nível conjugal.
Aparecem as apraxias, afasias ou agnosias, le- A situação de crise provocada pela doença vai
vando a dificuldades importantes a nível da co- levar as famílias ou a atitudes de desadaptação,
municação. O pensamento deteriora-se e podem mantendo a homeostasia, ou então a mudanças
aparecer delírios, alucinações e depressões, tra- que levarão necessariamente a uma adaptação

625
em relação à doença, redefinindo fronteiras, re- outro tipo de actividades manuais. Promover a
estruturação as funções e atitudes comporta- integração dos doentes em grupos para desenvol-
mentais. As mudanças estruturais a nível da fa- ver ou manter as capacidades cognitivas. Os gru-
mília, das suas funções, dos seus deslocamentos, pos de discussão também são importantes, para
leva a que é hoje difícil ocupar-se de um idoso e, dar um enquadramento temporal e espacial e
muito em particular, do demente. levá-los a uma realidade da vida quotidiana.
Frequentemente, trata-se o sintoma expresso Os cuidados à família levam a um sistema de
pela lesão psíquica, esquecendo-se o ser humano apoio para a auxiliar a adaptar-se durante a do-
e os seus familiares. A doença do familiar traz ença do familiar e de acordo com a sua evolução.
necessariamente sofrimento variável, pois o indi- Para isso, há que adaptar os cuidados em relação
víduo existe num contexto biopsicosocial, com às suas necessidades específicas, e as informa-
expressões emocionais de medo, ansiedade, de- ções sobre a doença e a sua evolução são funda-
pressão, desespero e ameaças, por vezes indes- mentais. Trabalhar com a família, para que seja
critíveis, e uma realidade que se aproxima – a um colaborador potencial na prestação de cuida-
morte. Pode levar, mesmo, ao isolamento do dos ao doente, pois ela é o elemento de afecto
cônjuge ou dos outros membros. essencial.
Porém, não cabe só à família ocupar-se do de-
mente. A sociedade também tem uma responsa-
bilidade, através do desenvolvimento de apoio a 5. CONCLUSÃO
nível social, psicológico às pessoas e familiares.
Trabalhar com os familiares para integrar o A Psicologia da Saúde tem um papel funda-
demente a nível social, manter as suas compe- mental nos cuidados de saúde do idoso, pois atra-
tências, reduzir as lacunas entre o que ele era vés das suas intervenções poderá: sensibilizar a po-
antes, o que é hoje e o que será amanhã, para le- pulação para a sua vida após a reforma; permitir a
var ao luto do passado, à realidade do presente e reflexão sobre novos objectivos de vida, de forma
a uma expectativa concreta em relação ao ama- a manter a actividade física, social e mental; apoiá-
nhã. Calman (1984) considera que para melhorar -lo e acompanhá-lo no decurso do seu envelheci-
a qualidade de vida do doente é necessário: pri- mento, de forma a promover e manter a saúde pre-
meiro, ter objectivos realistas; segundo, avaliar e venindo as doenças; orientar no tratamento do pa-
definir o problema e as prioridades do doente; ciente e intervir junto da família, e, finalmente, co-
planear os cuidados, o que implica o fornecimen- laborar com os técnicos e serviços de saúde.
to de informação e discussão do problema com o Mas a garantia de um bom envelhecimento co-
doente e a sua família; implementar planos de meça a nível dos cuidados de saúde primários.
acção pelo doente e técnicos de saúde – objecti-
vo que pode ser alcançado melhorando os sinto-
mas físicos e psicológicos; e, por último, avaliar REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
os resultados da intervenção e avaliar o proble-
ma de novo. Bayle, F. C. (2002). O Passado Presente – o « Presente
Os modelos de intervenção psicológica com » do Passado e o Presente no Passado. O Idoso em
este tipo de doentes podem ser distinguidos (1) 2000 – actualidades e perspectivas na Intervenção
pelo grau de directividade (não directivos ou di- Psicossocial. Loulé: Inuaf-studia.
Calman, K. (1984). Quality of life in cancer patients –
rectivos) e (2) pelo formato (individual ou gru- an hypothesis. Journal of Medicine and Ethics, 10,
po). Nessa base, as técnicas directivas relacio- 124-127.
nam-se com as terapias comportamentais ou cogni- Carvalho Teixeira, J. A. (1999). Formação em psicolo-
tivas e as técnicas não directivas relacionam-se gia e cuidados de saúde primários. Análise Psico-
com as terapias de apoio e dinâmicas. lógica, 17 (3), 577-582.
A nível grupal, vários modelos podem ser Forette, F. (2000). Libération, 22 e 23 de Abril.
Minuchin, M. (1981). Family therapy techniques. Cam-
apresentados segundo o grau de deterioração. A
bridge: Harvard University Press.
arte-terapia é um dispositivo interessante para Ribeiro, J. L. P. (1994). A importância da qualidade de
este tipo de doentes que, a um dado momento, se vida para a psicologia da saúde. Análise Psicoló-
vão centrar sobre um objecto a construir, ou um gica, 2-3, 179-191.

626
RESUMO ABSTRACT

A população idosa duplicou nos últimos quarenta anos In the last forty years, the percentage of the elderly
devido à melhoria da qualidade de vida e aos progres- in the population doubled due to a better quality of life
sos da Medicina, aumentando não só a longevidade, and to a higher medical efficiency, resulting in a lon-
como a esperança média de vida sem incapacidade. No ger life and an improved expectation of life without
entanto, é o mau envelhecimento, a incapacidade, a de- disability. Still, aging in bad conditions such as a handi-
pendência e a demência que causam medos e angústias cap, disability, dependency and dementia frequently
por vezes superiores à própria morte. causes fear and anguish, sometimes superior to those
A Psicologia da Saúde tem um papel fundamental caused by death itself.
junto do idoso e em particular do demente à volta de Health Psychology is essential for aging people,
um eixo individual e outro colectivo, que abordaremos and specially the demented, in two ways: individually
neste trabalho. As famílias dos dementes isoladas che- and, as shown hereafter, collectively. Isolated families
gam por vezes ao esgotamento. Tentaremos dar alter- of demented people sometimes get totally “burnt out”.
nativas possíveis para melhorar a qualidade de vida do The purpose of this work is to focus on the needs of
demente e da família, dando um especial relevo às suas the demented and their families in order to improve
necessidades. their quality of life.
Palavras-chave: Idoso, demente, família. Key words: Elder people, insane, family.

627

Você também pode gostar