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Trabalho Interprofissional e Colaborativo como

instrumento para fortalecimento da Rede de


Atenção Psicossocial

UNIDADE 1
O percurso do cuidado em
SaúdeMental
APRESENTAÇÃO DA UNIDADE

Olá, caro aluno!

O olhar sobre a loucura e a assistência à saúde mental sofreram diversas


modificações historicamente, marcado pela exclusão e sofrimento. A
Reforma Psiquiátrica Brasileira configurou uma nova realidade, garantindo
os direitos da pessoa com transtornos mentais e o cuidado em liberdade.
Além disso, a partir da consolidação dessa reforma como política de governo
e das diversas iniciativas e documentos em defesa dos direitos dos pacientes
psiquiátricos, o modelo assistencial em saúde mental foi reorganizado,
priorizando a oferta de tratamento em serviços de base comunitária. Portanto,
esta unidade tem a intenção de apresentar como caminhou o cuidado em
saúde mental até a atualidade, bem como instrumentaliza-lo para atuação na
Rede Atenção Psicossocial.
Aula 01- Olhares sobre a loucura e o cuidado em saúde mental

Para entendermos a configuração atual do cuidado em Saúde Mental,


precisamos voltar um pouco para conhecermos todo o percurso trilhado,
lutas travadas e conquistas alcançadas. O passado marcado pela
desassistência, que muitos usuários lutam para esquecer, hoje precisa ser
lembrado para que possamos, sobretudo, JAMAIS RETROCEDER a ele!

✓ Quando você escuta a palavra loucura, o que vem a sua cabeça?

Se você procurar em dicionários encontrará alguns conceitos. Porém,


nem sempre esse entendimento foi compatível ao que temos nos dias atuais.
O entendimento da loucura e consequentemente o “lugar” do louco na
sociedade teve diferentes perspectivas durante o percurso histórico.

✓ E por que é tão importante fazer esse resgate histórico?

Conhecer para saber o porquê é tão importante valorizarmos e


lutarmos pelo cuidado em liberdade. Já imaginou o quanto tantas vidas foram
ressignificadas? Novas oportunidades de voltar para família, de construir
laços, de VIVER... Então, vamos conhecer um pouco?
A história da loucura é a história de uma prática e de um saber
idealizado coletivamente, atrelados com os tempos, as culturas e a sociedade
dos seres humanos (GONÇALVES, 2005).
A loucura nem sempre foi considerada algo negativo ou ligada uma
doença. Na Grécia antiga ela já foi considerada até mesmo um privilégio,
sendo vista como manifestação divina, de modo que suas palavras eram tidas
como um importante saber (FRASSON et al., 2008). Esse, no entanto, foi o
único período que houve uma inferência positiva, pois a partir de então, ao
longo do tempo, a loucura foi se afastando do seu papel de portadora da
verdade e foi se encaminhando em uma direção completamente oposta.
No Final da idade média a loucura ainda era entendida como parte da
experiencia humana, de modo que a sabedoria e loucura estavam muito
próximos. A grande expressão dessa proximidade estava relacionada à
linguagem das artes (AMARANTE e OLIVEIRA, 2004).
A partir do século XV a face da loucura passa a assombrar a
imaginação do homem ocidental, sendo associando a figura possessa ou
endemoniada, e a partir de então se configura um percurso obscuro, a partir
de mecanismos de exclusão. Foucault (2000) relata que, ainda na Idade
Média, uma das experiencias que marca esse redirecionamento foi o “nau
dos loucos”, onde estes eram enviados a terras distantes, com saída pelo mar,
com a ideia de purificação pela água. O autor também reforça que nessa
época acontecia de alguns loucos serem chicoteados publicamente e que no
decorrer de uma espécie de jogo eles eram perseguidos numa corrida
simulada e escorraçados da cidade a bastonadas.
Historicamente, a partir do período em que o louco é definido como
aquele que foge dos padrões de normalidade, passa a ser excluído da
sociedade. Desta forma, não havia a menor preocupação com a criação de
propostas de tratamentos para a recuperação dessas pessoas (SARAIVA,
SANTOS e SOUSA, 2016). Esta exclusão gerou a necessidade de abrigar os
doentes mentais em ambientes segregadores, como uma forma de extirpá-los
do meio social (SANTOS e MIRANDA, 2015).
Os primeiros estabelecimentos criados para circunscrever a loucura
destinavam-se simplesmente a retirar do convívio social as pessoas que não
se adaptavam a ele, inicialmente idealizados os leprosários existente na
época, começou-se a utilizar para estes sujeitos “inadequados”, mas que não
possuíam finalidade de tratar, apenas de alocar essas pessoas para excluí-los
da sociedade. No próximo período histórico, Renascença (século XV e XVI),
essa relação começa a mudar e no decorrer do século XVII a loucura se fixa
no hospital (FRASSON et al., 2008).
Na Europa através da instituição do internamento que nasceu de uma
inquietação com a pobreza, a loucura foi percebida como consequência da
própria miséria, pela incapacidade de trabalho e integrada ao grupo dos
acusados de imoralidade, leprosos, sifilíticos e outros grupos de excluídos.
Neste período, os loucos eram “mostrados em grades para o público que os
visitavam como se fossem monstros, animais, apontando o dedo, refletindo
sobre o que não se deve ser” (TOMMASI, 2005).
Vale salientar que essas internações eram de interesse
político/religioso. De acordo com Foucalt, (1979), apenas no século XVIII
que definitivamente, emerge a apreensão do fenômeno da loucura como
objeto do saber médico, caracterizando-o como doença mental e, portanto,
passível de cura e o hospital surge como espaço terapêutico.
Philippe Pinel (1745-1826) foi um importante nome neste novo
cenário, influenciado pelos ideais do Iluminismo e da Revolução Francesa
(Século XVIII), sendo um dos primeiros a libertar os pacientes dos
manicômios das correntes, propiciando-lhes uma liberdade de movimentos
por si só terapêutica. Nesse contexto, os transtornos mentais passam a ser
considerados como resultado das tensões sociais e psicológicas excessivas,
de causa hereditária ou, ainda, originadas de acidentes físicos, desprezando
a crendice popular de que fossem resultado de possessão demoníaca
(MILLANI e VALENTE, 2008).
No advento da modernidade no século XIX, são criados os asilos ou
hospitais psiquiátricos e os loucos são por sua vez tratados como doentes
mentais. A internação passa a ter cunho terapêutico, porém os manicômios
continuaram funcionando como depósito de psicóticos e laboratório
científico, sem nenhuma perspectiva de humanização (MELO, 2012).
O tratamento utilizado eram práticas desumanas. Vejamos algumas
práticas terapêuticas, descritas por um estudo realizado por Guimarães et al
(2013) que buscou relatos de profissionais que detalharam a vivência de
diversos modos de tratamentos dispensados à pessoa com transtorno mental,
como:
Choque Cardiozílico
As convulsões ocasionadas pelo cardiazol ocorriam rápida e violentamente
e eram difíceis de controlar. Às vezes, eram tão severas que causavam
fraturas espinhais nos pacientes. Com a chegada de outros métodos para
tratar pessoas com transtornos mentais, como os neurolépticos e a
eletroconvulsoterapia, o cardiazol foi gradualmente descontinuado no final
dos anos 40 e não mais utilizado. Hoje, sua importância é unicamente
histórica.

Eletroconvulsoterapia (ECT)
Esse tratamento era um dos poucos recursos disponíveis que contribuíam
para diminuir a agitação e amenizar sintomas psicóticos. Contudo, a ECT
ocasionava medo e uma experiência traumatizante para o paciente e até
mesmo para quem a aplicava. Era utilizada por alguns trabalhadores da
enfermagem como instrumento punitivo e coercitivo.

Cubículo ou cela forte


Eram celas fortes, que consistiam em pequenas salas, individuais,
fechadas, com portas de material reforçado, que continham uma ou duas
aberturas, na parte superior para o profissional observar a pessoa no
interior do cubículo e na parte inferior para entregar as refeições.
Lençol de contenção e camisa de força
A camisa de força ou colete conferia grande risco de queda. Essas técnicas
foram adotadas ou tiveram seu uso intensificado a partir da extinção dos
cubículos.

Ao longo dos anos, a assistência psiquiátrica esteve a manutenção da


segregação do portador de transtorno mental do espaço familiar e social. As
pessoas com transtorno mental eram marginalizadas e não recebiam
tratamento digno, muitas vezes sendo tratados com violência e, por não
serem estimulados, suas potencialidades eram reduzidas até se tornarem
incapazes de regressar ao convívio social (ANDRADE e PEDRÃO, 2005).
Por muito tempo perdurou estigma e exclusão que reproduziram
diferentes formas de produzir maior sofrimento a pessoas com transtorno
mental. Até que surgiram algumas lutas surgiram buscando mudar esta
realidade.
Na próxima aula abordaremos como acontece essa reconfiguração no
cuidado em saúde mental, com ênfase no cenário Brasileiro.

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