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v.9 n.

3 setembro/dezembro 2006
Salvador-BA

ISSN 1808-124x

Gest. Ação Salvador v. 9 n. 2 p.265- 426 set/dez. 2006.

265
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ISSN 1808-124x

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Os artigos enviados à Gestão em Ação são encaminhados aos seus pares para avaliação, preservando-se a identidade dos autores.

266
Sumário/Summary

Editorial
269
Editorial
José Albertino Carvalho Lordelo

Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabi-


lidade social: o caso do CEFET-RN 271
Institutional self evaluation guided to social responsability: the case of CEFET-RN
Dante Henrique Moura

Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercí-


cio da gestão democrática da educação 289
The election of school principals: advances and backward movements in the exercise of the
democratic management
Cláudia Dias Silva

La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construcción 303


The border: unforseeable futures, paradigms in construction
Sérgio Gómez Montero

A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar 319


The education as world-life: of professor to school principal
Amarildo Jorge da Silva
Ana Oliveira Castro dos Santos
Ricardo Roberto Behr

Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial


ao sistema capitalista de produção 339
Social transformation and way of production: from of the system pre-industrialist to the
capitalist system of production
Alexandre Shigunov Neto
Lizete Shizue Bomura Maciel

O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino


do Recife 351
The paper of the pertaining to School Advice in the Municipal System of Education of Recife
Edson Francisco de Andrade

267
Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão
democrática: algumas reflexões 367
National culture, culture of the school organization and the democratic management: some reflections.
Joyce Mary Adam de Paula e Silva

O professor e sua formação: representações de coordenadores


pedagógicos 381
Teacher and his education: pedagogical coordinators’ representations
Renata C. O. Barrichelo Cunha
Guilherme do Val Toledo Prado

A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais 393


The double relation between reading and imaginary as cultural aspects
Gicele Faissal de Carvalho

Gestão da Educação presencial e a distância 407


Classroom and distance-learning administration
Katia Siqueira de Freitas

Instruções editoriais para autores 419


Publishing instructions for Authors

Política Editorial Gestão em Ação (GA) 423


Publishing policies

Publicações Permutadas 425


Exchange Publications

268
Editorial

Nesta edição de Gestão em Ação os pes- periores, tomando com campo de análise, o
quisadores retomam os temas da agenda Sistema Municipal de Ensino de Recife.
política da educação: avaliação institucional,
gestão educacional, cultura e valores na Recorrendo as metáforas para analisar as
organização escolar e as relações entre edu- organizações, Joyce de Paula e Silva apre-
cação e sociedade, postos em relevo e ana- senta um estudo da organização escolar
lisados cientificamente. como fenômeno cultural e aponta os fatores
que dificultam o estabelecimento de uma
Dante Moura analisa as relações entre a cultura de participação na gestão escolar.
reforma da educação profissional e a identi- Gicele Carvalho nos mostra a relação entre
dade institucional, o contexto externo e o a leitura e o imaginário como valores cultu-
planejamento escolar e vai além ao formular rais, produto de suas observações realiza-
proposições para construir a nova identi- das em salas de aulas e na biblioteca de uma
dade de uma instituição tomada como caso escola particular.
na sua pesquisa.
Katia Freitas aborda a gestão da educação
Claudia Silva faz um balanço da eleição de presencial e a distância. Ela mostra como a
diretores escolares e conclui que, sozinha, qualidade da educação está associada com
a prática da eleição do diretor não é capaz a formação e o desempenho do gestor con-
de garantir o exercício da democracia na es- tudo, defende que a capacitação não fique
cola e nos convida a propor caminhos para restrita unicamente ao dirigente mas a toda
superar os atuais modelos de gestão. Já equipe gestora. A pesquisadora finaliza seu
Amarildo Silva, Ana Oliveira dos Santos e artigo levantando novas questões e provo-
Ricardo Behr mergulham na fenomenologia cações que representam um convite a no-
hermenêutica para compreender as relações vos estudos, análises e pesquisas sobre
entre a formação social e histórica de uma esse tema recorrente da Gestão em Ação.
professora e seu estilo de direção. Os auto-
res mostram como essas dimensões estão Renata Cunha e Guilherme Prado discutem
imbricadas. Edson Francisco de Andrade as representações que o coordenador tem
analisa o papel dos Conselhos Escolares, da ação do professor e de sua formação. A
centra sua discussão na questão da auto- partir da escuta de cinqüenta coordenado-
nomia e sua relação com as instâncias su- res os autores concluem que a comunica-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 269-270, set./dez. 2006 269


Editorial

ção é indispensável para a formação, Do México, Sérgio Montero nos apresenta


ressignificação de práticas e interações pro- uma temática sempre atual: a tensa situação
dutivas e que conhecê-las anuncia a possi- na fronteira do México com os Estado Uni-
bilidade de transformações nas relações e dos, mas projetando um olhar sob uma pers-
na escola. pectiva diferente.

Alexandre Neto e Lizete Maciel nos ajudam Nesta edição, Gestão em Ação confirma sua
a compreender as transformações sociais tradição de periódico diverso e aberto,
ocorridas durante o processo de implanta- acolhendo contribuições e análises de pes-
ção do modo de produção capitalista a par- quisadores, docentes, gestores e pós-
tir do século XV e como elas afetaram a vida graduandos que, direta ou indiretamente
humana, tornando-nos prisioneiros do ca- tocam no seu objeto central, a gestão edu-
pital e privando-nos de liberdade. cacional.

Boa leitura.
Dr. José AlbertinoCarvalho Lordêlo
Editor

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Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da
responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

Dante Henrique Moura1

Resumo: Nas instituições educacionais


brasileiras e, particularmente nas de educação
mais profunda dos processos e da função
profissional - EP, ainda não se consolidou a cultura que essas instituições desempenham na
da avaliação institucional. Além disso, as
experiências em curso tendem a privilegiar a busca sociedade. Apesar de essa ser uma visão
por resultados em detrimento da análise dos generalizada, neste trabalho nos circuns-
processos internos e da função que essas
instituições desempenham na sociedade. Assim, crevemos apenas à esfera pública, mais
o artigo tem o objetivo de relatar uma pesquisa especificamente, às escolas técnicas e
realizada no CEFET-RN voltada para a sua auto-
avaliação. Dentre as conclusões, destaca-se a agro-técnicas federais e aos centros fede-
constatação de que o CEFET-RN após a reforma
da EP vem perdendo sua identidade como rais de educação tecnológica, domínio em
excelente agência formadora de técnicos de nível que atuamos.
médio e ainda não conseguiu criar a nova imagem
pretendida: a de um centro universitário
tecnológico que além da formar técnicos de nível Esse quadro vem se alterando ao longo
médio atua nos cursos superiores de tecnologia e
desenvolve pesquisa aplicada e atividades de dos últimos anos, principalmente, na edu-
extensão.
cação superior pública, onde o Programa
Palavras-chave: Educação profissional; Auto- de Avaliação Institucional das Universi-
avaliação; Responsabilidade social.
dades Brasileiras (PAIUB), nascido nos
anos 1993/1994, se encarregou de promo-
ver uma discussão mais profunda sobre
avaliação institucional. Entretanto, não
INTRODUÇÃO abrangeu a maioria das instituições fede-
rais de EP, pois não pertencia a educação
Nas instituições educacionais brasileiras superior, fato que só ocorreu definitiva-
e, particularmente nas de Educação Pro- mente a partir do Decreto n0 5.225/2004.
fissional (EP), ainda não se implantou de- Atualmente, no âmbito da educação supe-
finitivamente a cultura da avaliação rior, o Sistema Nacional de Avaliação da
institucional. E, ainda mais, as experiênci- Educação Superior (SINAES), aprovado
as tendem a privilegiar a busca obsessiva pela Lei n0 10.861/2004, está sendo implan-
por resultados em detrimento da análise tado e também abrange todos os CEFET's.

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Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

Com relação ao SINAES ressaltamos que mente vinculada ao mundo do trabalho,


apresenta algumas mudanças importan- mas que não podem submeter suas ações
tes em relação ao PAIUB. Algumas delas a esse, tendo em vista que em vez de
apontam na direção da prevalência de formarem "trabalhadores qualificados"
dados estatísticos em relação aos aspec- devem buscar a formação integral de ci-
tos mais qualitativos da avaliação, o que, dadãos críticos, reflexivos, competentes
em princípio pode sinalizar a intenção técnica e politicamente, e comprometidos
política de construir rankings das IFES eticamente com as transformações soci-
via avaliação institucional. ais voltadas para a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária.
No que tange às ofertas dos cursos téc-
nicos de nível médio, a então Secretaria Para alcançar os objetivos previstos, di-
de Educação Média e Tecnológica vidimos o texto em quatro seções. Nesta
(SEMTEC) tentou implantar o Sistema de primeira, esclarecemos seus objetivos e
Avaliação Institucional (SAI) a partir de apresentamos as partes que o constitu-
1996/1997 no âmbito das escolas técni- em. Em seguida, discutimos a concepção
cas, agro-técnicas e CEFET's, entretanto, e o significado da avaliação institucional
não obteve êxito, abandonando a idéia nas instituições educativas e, particular-
por várias razões - algumas explicadas mente, nas de EP. Depois, apresentamos
ao longo deste texto. o modelo de auto-avaliação
contextualizada e contrastada praticada
Assim sendo, nosso objetivo central é re- no CEFET-RN2 e a metodologia adotada.
latar uma pesquisa voltada para a auto- Na quarta seção, discorremos sobre as
avaliação do CEFET-RN 2 onde destaca- principais conclusões alcançadas, além de
remos a metodologia adotada e as con- discutirmos os próximos passos a serem
clusões alcançadas, assim como as ações seguidos.
que se estão desencadeando como fruto
desse processo. Com isso, objetivamos CONCEPÇÃO E SIGNIFICADO DA AVA-
estimular a discussão, nas instituições de LIAÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO DE EP
EP e demais centros educacionais, sobre
esse tema na busca da consolidação de Avaliação interna, externa, auto-avalia-
uma cultura da avaliação voltada para a ção e heteroavaliação
melhoria dos processos educacionais e,
conseqüentemente, para a ampliação da O termo avaliação externa está associado
responsabilidade social dessas institui- a processos que ocorrem a partir de um
ções, que têm a função social estreita- patrocinador externo, geralmente alguma

2
MOURA, D. H. La Autoevaluación como instrumento de mejora de calidad: un estudio de caso (El Centro Federal de Educação
Tecnológica do Rio Grande do Norte/CEFET-RN / Brasil). 2003. 516 f. Tese (Doutorado em educação) – Faculdade Educação da Universidade
Complutense de Madrid. Madri.

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Dante Henrique Moura

instância governamental com o objetivo ca de estratégias para não atender ao que


de alterar a imagem, construir rankings ou ele preceituava. Em segundo lugar, por-
tomar decisões, entre outras possibilida- que ao invés de contribuir para a criação
des, sobre: programas sociais; uma insti- de uma cultura avaliativa na rede, acabou
tuição específica; ou um conjunto delas produzindo o efeito contrário, afastando,
(SOBRINHO, 1995; SIMONS, 1999; entre ainda mais, as instituições da avaliação
outros). No âmbito das instituições pú- institucional.
blicas de EP, um caso típico e já mencio-
nado foi o Sistema de Avaliação Por outro lado, os processos de avalia-
Institucional (SAI), o qual foi desativado, ção interna, normalmente, são de iniciati-
entre outros aspectos, porque foi conce- va da própria organização e perseguem
bido de forma que os agentes internos de outras finalidades, como a detecção de
cada instituição objeto de avaliação ti- pontos fortes e debilidades dos proces-
nham o exclusivo papel de prestar infor- sos e dos programas institucionais com
mações à SEMTEC/MEC, a qual era res- o fim de aperfeiçoá-los. Nesse caso, uma
ponsável pelo processamento, análise e das possibilidades é a heteroavaliação
decisões sobre a rede e cada instituição interna que é patrocinada por um setor
avaliada. em direção a outros ou a toda organiza-
ção, situação em que, geralmente, a inici-
Diante dessa realidade o sistema foi am- ativa parte dos níveis mais elevados da
plamente rejeitado por não fazer sentido hierarquia em direção aos de menor status
para as instituições já que no lugar de hierárquico.
estar orientado à melhoria delas, tinha im-
plícito um caráter de punição/premiação, Outra possibilidade de avaliação interna
pois visava à construção de rankings e, que surge como alternativa democrática
em conseqüência, a definição da matriz e participativa é a auto-avaliação - uma
orçamentária da rede. resposta crítica às duas posturas anteri-
ormente apresentadas. Consiste em de-
Afortunadamente, o SAI não teve vida senvolver um processo participativo, no
longa, o saldo foi muito negativo. Em pri- qual, a partir de iniciativa da própria ins-
meiro lugar, porque os gastos públicos tituição e de seus distintos atores, de-
realizados com equipamentos em geral, senvolve-se a avaliação de alguns seto-
computadores e periféricos de informática res. Evidentemente, nesses processos, os
em particular, além de horas de próprios patrocinadores se confundem
consultoria, passagens aéreas e diárias com a audiência/informantes, ou seja,
foram muito elevados. Some-se a isso, a cada unidade administrativa ou acadêmi-
própria energia perdida pelas instituições ca se auto-avalia. Quando isso se esten-
na tentativa de implantá-lo ou ao na bus- de ao contexto institucional, produz-se

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Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

a auto-avaliação institucional (SANTOS diálogo social com os segmentos sociais


GUERRA, 1995; RISTOFF, 1995; SIMONS, implicados na problemática educativa; e
1999). a de garantir a qualidade técnica do pro-
cesso.
Infelizmente, esse tipo de avaliação pade-
ce de uma grande dificuldade. Trata-se da A PESQUISA AUTO-EVALUATIVA
possibilidade e, mais que isso, a probabili- CONTEXTUALIZADA E CONTRASTA-
dade do desenvolvimento de processos DA DO CEFET-RN
endógenos, nos quais se perde a finali-
dade original (melhoria dos processos e O contexto da EP e do CEFET-RN
programas institucionais), convertendo-se
numa forma de transferir todas as res- Esse contexto é muito desafiador, pois o
ponsabilidades e culpabilidades relativas ritmo dos avanços tecnológicos e trans-
às deficiências da instituição aos agentes formações sociais não param como fruto
externos, geralmente às instâncias de go- da busca desenfreada por produtos
verno, no caso das organizações públicas tecnológicos que "precisam alimentar o
(um verdadeiro muro de lamentações). mercado para fortalecer a economia", se-
gundo a apologia hegemônica ao modelo
Desse contexto, e como resposta ao ante- neoliberal de sociedade e à globalização
riormente mencionado, emerge a auto-ava- dos mercados, vigentes em nossos dias3.
liação contextualizada à realidade de cada Isso implica, para o CEFET-RN e outras
instituição e contrastada por agentes ex- instituições de EP, o risco de que os co-
ternos como linha de pesquisa adotada nhecimentos decorrentes dos processos
neste trabalho (SANTOS GUERRA, 1995; formativos proporcionados pela Institui-
RISTOFF, 1995; SOBRINHO, 1995; ção possam tornar-se obsoletos em pou-
DOMÍNGUEZ, 1999; SIMONS, 1999). A co tempo, dependendo de como se conce-
contextualização cumpre a função de par- bam e estruturem as distintas ofertas.
ticularizar o caso, pois é cada coletivo, cada
grupo específico que conhece com mais Dessa forma, o CEFET-RN precisa organi-
profundidade sua própria realidade. O con- zar seu currículo, principalmente nos cur-
traste com os agentes externos tem múlti- sos técnicos4 , a partir de uma sólida base
plas finalidades. Ressaltamos a de evitar de conhecimentos científicos e
os processos endógenos aos quais nos tecnológicos próprios da etapa final da
referimos previamente; a de estabelecer um educação básica e da respectiva formação

3
Em função de não ser o objetivo fundamental do trabalho, não aprofundaremos a análise sobre o neoliberalismo. Para isso, sugerimos ver
ANDERSON (1996); FRIGOTTO (1999); e BURBULES e TORRES (2004).
4
Durante a coleta de dados e até a conclusão da pesquisa em dezembro de 2003, essa era uma situação de difícil solução, já que o Decreto nº
2.208/97 impedia a integração entre os currículos do ensino médio/técnico Entretanto, em 2004, a Instituição estudava outras formas de minimizar
a separação médio/técnico à medida que acompanhava o trâmite do que seria o Decreto ne 5.154/2004. Assim, logo que entrou em vigor esse
instrumento legal o CEFET-RN redirecionou suas atividades para a (re)construção do currículo integrado, que já vigora em 2005.

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Dante Henrique Moura

profissional, a fim de garantir uma forma- ficamos o conceito de avaliação de insti-


ção que proporcione aos estudantes as tuições educativas como sendo um pro-
condições para uma efetiva participação cesso de investigação auto-avaliativa
social, política, cultural e no mundo do contextualizada e contrastada, composta
trabalho e que, uma vez nele, possam en- por quatro fases inter-relacionadas (inici-
frentar as mudanças decorrentes de novos al, processual, final e demorada). Assim,
avanços tecnológicos. deve produzir diálogo entre os distintos
participantes internos e entre a Institui-
Outro aspecto fundamental é a obrigação ção e a sociedade. Também deve promo-
institucional de interatuar com o entorno ver a compreensão da realidade educativa
e, em conseqüência, conhecê-lo profun- em geral e a de um centro em particular. E,
damente a fim de que mais do que satisfa- finalmente, deve estar orientado à melhoria
zer às suas demandas, possa contribuir da qualidade educacional desses centros.
para transformações, nesse mesmo entor-
no, orientadas aos interesses coletivos Como o CEFET-RN atua, principalmente,
inerentes a cada realidade concreta, sem na EP, o que pressupõe uma estreita rela-
perder de vista suas inter-relações com o ção com o mundo trabalho, enfatizaremos
local, o regional e o mundial. dois dos aspectos acima mencionados. A
compreensão do termo diálogo social
Ainda cabe destacar que o CEFET-RN atra- (CABELLO, 1998) e o significado da ex-
vessa nos últimos anos um amplo proces- pressão melhoria da qualidade educativa
so de reconversão em seu campo de atua- de um centro educativo.
ção. Até 1997, a Instituição só oferecia,
praticamente, cursos técnicos de nível O diálogo social está orientado a envolver
médio. Enquanto isso, na época da coleta os agentes internos, trabalhadores, empre-
de dados (MOURA, 2003) já oferecia, além sários, associações comunitárias e de clas-
dos cursos técnicos, o ensino médio, os se, políticos, ONG etc. e, também, campos
níveis básico e tecnológico da EP5, além científicos afins à educação como a Filo-
de estar projetando dois cursos de licen- sofia, a Psicologia, a Sociologia, a Econo-
ciatura, os quais já foram implantados. mia e outros envolvidos com a problemá-
tica educativa. Evidentemente, essa pode
A conceitualização do processo de auto- ser considerada uma visão utópica, mas
avaliação contextualizada e contrastada diante de um problema complexo como o
da EP, não podemos procurar respostas
Em Moura (2003), assumimos e agora rati- que reduzam suas reais dimensões.

5
O Decreto nº 5.154/2004, entre outros aspectos, alterou a denominação dos cursos da EP, os quais passaram a denominar-se: EP técnica de
nível médio; EP tecnológica de graduação e de pós-graduação; e formação inicial e continuada de trabalhadores. Apesar disso, como à época
da coleta de dados a denominação era distinta, em alguns casos, optamos por manter a nomenclatura de então: níveis básico, técnico e
tecnológico da EP.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006 275


Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

À falta desse diálogo, permanecerá a situ- empresários, trabalhadores ou quaisquer


ação atual na qual prevalecem os interes- outros atores sociais definam a concep-
ses do ator mais privilegiado - o econômi- ção de educação praticada nos centros.
co. Esse diálogo pode ser estabelecido a Ao contrário, a idéia é que através dele
partir da abertura dos centros de EP, com seja possível conhecer mais profundamen-
o objetivo de descobrir as reais demandas te os pontos de vista e os interesses do
educativas da sociedade. Esse processo, entorno e, então, elaborar propostas
desenvolvido através de uma metodologia educativas que possam atender às suas
participativa (SOBRINHO, 1995; RISTOFF, necessidades mais profundas. Isso signi-
1995; DOMÍNGUEZ, 1999; GAIRÍN, 1999) fica que se pode, e se deve, ir além do aten-
envolverá os docentes e técnicos do Cen- dimento às demandas aparentes e imedia-
tro na problemática do entorno ao tempo tas. É necessário antecipar-se a essas de-
em que esse se incorporará à realidade do mandas e atuar na direção de contribuir
Centro. para mudanças sociais significativas ori-
entadas às necessidades coletivas.
Ao combinar o diálogo social com as pos-
sibilidades concretas que têm os docen- O segundo aspecto que merece maior pre-
tes e dirigentes de influenciar na concep- cisão é a concepção de melhoria da quali-
ção educacional praticada em cada insti- dade educativa de um centro. Para falar
tuição, se contribuirá para a consecução sobre isso é fundamental ter claro que as
de resultados significativos, sendo neces- instituições de EP, principalmente as pú-
sário blicas e o CEFET-RN em particular, além
dos problemas crônicos de financiamen-
[...] sair do enfoque que
culpabiliza, exclusivamente, as to6 enfrentam outros três grandes desafios.
Reformas e Contra-reformas e a
seus efeitos: rigidez das normas,
instabilidade nas políticas, crise Um deles está relacionado com as discre-
econômica nos investimentos
educacionais, [...] aos educado-
pâncias de oportunidades e de níveis e
res e educadoras ainda lhes resta perfis de conhecimentos prévios dos dis-
o controle de importantes con-
dições internas aos processos
tintos grupos destinatários que acorrem a
educacionais; condições sólidas, esses centros. Uma Instituição como o
que repercutem diretamente so-
bre elementos como método,
CEFET-RN, por exemplo, atua no ensino
avaliação, conteúdo, qualidade médio; nos cursos técnicos, integrados ao
dos processos e dos resultados
[...] (CABELLO, 1998, p.27).
ensino médio e subseqüentes; nos cursos
superiores de tecnologia; nas licenciatu-
Para a autora a aproximação e o diálogo ras; e na formação inicial e continuada de
com o entorno não implica em deixar que trabalhadores, de forma que tem alunos de
6 Não nos aprofundaremos sobre o tema financiamento, por não ser objeto central neste momento. Entretanto, esse é um dos maiores desafios
para a as áreas sociais do país e, em conseqüência para a EP. Por outro lado, o financiamento do CEFET-RN está bastante discutido em Moura
(2003).

276 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Dante Henrique Moura

todas as idades e procedência sócioeco- perguntas relacionadas com as dimensões


nômica-educativa e cultural. ou elementos da avaliação. Embora não
haja consenso sobre essas perguntas-cha-
O segundo é a demanda do mundo do tra- ve as diferenças não são significativas
balho por indivíduos cada vez mais quali- (DOMÍNGUEZ, 1999; SOBRINHO, 1995;
ficados profissionalmente e capazes de RISTOFF, 1995, entre outros). Em geral, po-
gerar soluções e estratégias para enfren- demos considerar as seguintes perguntas
tar para novos problemas; que tenham ini- prévias: A quem avaliar?; Para quem avali-
ciativa e sejam criativos, entre outras ca- ar?; O que avaliar?; Como avaliar?; Quem
racterísticas requeridas. deve avaliar?; Com que se vai avaliar?;
Quando avaliar?; Para que avaliar?.
Dessa forma, embora a Instituição não ori-
ente seus processos educacionais pelas Elaborar e respondê-las resulta em optar
necessidades exclusivas do mundo do tra- por uma determinada concepção de avali-
balho, não pode perder de vista essa di- ação, ou seja, significa planejá-la. Isso de-
mensão sob pena de tornar-se disfuncional manda a tomada de decisões sobre
e, portanto, dispensável para a sociedade. metodologias, técnicas e instrumentos e a
O terceiro repto é a responsabilidade soci- opção por una política de avaliação, a qual
al com os egressos e a sociedade em geral, pode ser dirigida à verificação de resulta-
representada tanto pela capacidade de dos ou à qualidade formal e política dos
(re)inserção sociolaboral de longa dura- processos. Também significa, persuadir-se
ção proporcionada pelas ofertas, como por processos que privilegiem o aumento
pela capacidade desenvolvida pelos egres- de oportunidades educativas públicas,
sos no sentido de atuar como agentes pro- gratuitas e de boa qualidade aos grupos
motores de mudanças sociais em benefí- menos favorecidos ou incrementar a efi-
cio dos interesses sociais e coletivos. cácia daquelas destinadas aos já incluí-
dos, entre outras. Em seguida, apresenta-
Diante do exposto, assumimos neste tra- mos as escolhas deste trabalho (Quadro 1).
balho que orientar a auto-avaliação à
melhoria da qualidade educativa do Sobre o Quadro 1 (p.278) esclarecemos que
CEFET-RN é o mesmo que orientá-la ao relativamente à primeira pergunta as res-
enfrentamento a esses desafios. postas apresentadas ainda precisam ser
desdobradas, ou seja, temos que definir
As dimensões da investigação auto- categorias (ou critérios)7 relacionados com
avaliativa o contexto, objetivos, planos e/ou outros
elementos relacionados com o objeto de
Ao começar um processo avaliativo deve- avaliação. Oportunamente apresentaremos
mos elaborar e responder um conjunto de a estratégia utilizada para definir tais ca-
tegorias.
7
Utilizaremos ao longo do texto o termo categoria

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006 277


Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

QUADRO 1 - Dimensões da avaliação


Pergunta Dimensão Respostas
Contexto, objetivos, planos, estruturas, processos de formação,
O quê? Objeto
processos de gestão etc.

A quem? Pessoal Alunos, professores, equipe dirigente, sistema relacional etc.

Para quem? Patrocinador A equipe de direção, os alunos, os professores e a comunidade.

Mista: quantitativa e qualitativa, com predomínio qualitativo. Estudo de


Como? Metodologia
caso.
Técnicas e
Com que? Entrevistas semi-estruturadas, questionários e análise documental.
Instrumentos

A equipe de direção, professores, técnico-administrativos, alunos e


Quem? Audiência
agentes externos (auto-avaliação contrastada e contextualizada).

Quando? Momento ou Fase Inicial, processual, final e demorada.


Inovação e mudança orientadas à melhoria da qualidade educativa do
Para que? Finalidade
Centro.

FONTE: Moura (2003), a partir de Domínguez (1999)

O planejamento da investigação de pesquisa auto-avaliativa e o desenvolvi-


campo mento do plano de gestão. São dois pro-
cessos inter-relacionados que constituem
A noção de investigação avaliativa orien- um macro-processo (Figura 1). Algo impor-
tada à melhoria da qualidade educativa de tante a ressaltar nessa Figura é o caráter
instituições educacionais permite-nos pro- infinito inerente aos planos de gestão e de
jetar dois processos que ocorrem ao mes- avaliação institucional, representado pela
mo tempo (DOMÍNGUEZ, 1999). A própria espiral que se repete indefinidamente.

FIGURA 1 - Pesquisa auto-avaliativa e plano institucional de gestão

P roce sso d o P rocesso de p esq uisa


P lano estratég ico a va liati v a
de gestão

1. A va liação inicial
d iagn óstica: esta do da
2. E laboração do q uestão sobre o cen tro
program a de (critérios e in dicadores)
in terven ção

3. A p licação 4. A valia ção processu al


form a tiva.

5 . A valia ção som a tiva


de con traste.
6. A valiação do
im pacto d a
form ação

In ovação do
plan o de Ino va ção e m ud ança orienta da à m elhoria da
gestão qualid ade educativa

FONTE: Moura (2003), a partir de Domínguez (1999).

278 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Dante Henrique Moura

Para concluir o planejamento da auto-ava- turalmente, cada um pode atribuir mais ou


liação falta-nos definir os critérios rela- menos importância a uns ou outros as-
cionados com o que avaliar. Na busca des- pectos, além de distintas denominações,
sas respostas analisamos (MOURA, 2003) mas esses elementos estão sempre pre-
distintos modelos de avaliação de centros sentes. Além disso, temos que considerar
educativos (SANTOS GUERRA, 1995; os elementos estruturais comuns a todas
SOBRINHO, 1995 e 2000; RISTOFF, 1995; as organizações como o contexto onde
DOMÍNGUEZ, 1999; GAIRÍN, 1999) e estão localizadas, objetivos e planos, es-
constatamos que, independentemente das truturas, sistema relacional e o conheci-
questões epistemológicas de cada um, mento que produz e transmite (MOURA,
existe um fio condutor relacionado com o 2003).
objeto da investigação.
Assim, a combinação entre os elementos
Os modelos visitados consideram os ele- estruturais e dinâmicos em um sistema de
mentos dinâmicos da instituição, como os coordenadas (Quadro 2) resulta numa boa
processos de relação com o entorno, de referência para orientar a construção de
gestão, de formação e de avaliação. Na- categorias relativas ao que avaliar.

Quadro 2 - Possíveis esferas de investigação sobre o funcionamento e desenvolvi-


mento de uma instituição educativa
Dimensão
Estrutural Processos de Processos Processos Processos
Dimensão relação com de gestão de formação de avaliação
Dinâmica o entorno

Aspectos contextuais
específicos e
características

Objetivos e planos

Estruturas

Sistema relacional

O conhecimento

FONTE: Moura (2003), a partir de Domínguez (1999).

Utilizando o Quadro 2 como roteiro e fa- Para isso, cruzamos cada elemento estru-
zendo uma profunda reflexão e estudos de tural com todos os elementos dinâmicos,
documentos institucionais, construímos produzindo as categorias da auto-avalia-
as categorias que orientaram o processo ção, ou seja, definindo o que avaliaría-
de auto-avaliação. mos.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006 279


Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

Essas categorias não foram totalmente nal do CEFET-RN;


construídas previamente à investigação de 7) Grupos destinatários prioritários.
campo. Na verdade, após a primeira var-
redura na Tabela 2, identificamos cerca de Aspectos contextuais e características
80 categorias e com elas partimos para o versus Processos de avaliação
campo. Durante o processo teórico-prático
8) A socialização dos resultados dos
de confronto das categorias planejadas
processos institucionais de avalia-
com os dados reais emergentes do proces-
ção;
so investigativo, as categorias iniciais fo-
9) Influência da avaliação na retro-
ram sendo alteradas através de um proces-
alimentação da ação dos atores in-
so interativo. Em seguida, apresentamos o
ternos e no funcionamento institu-
conjunto final de categorias, geradas a
cional;
partir do Quadro 2:
10) Relações entre avaliação e mu-
dança institucional.
Aspectos contextuais e características
versus Processos de relação com o entorno Objetos e planos versus Processos de re-
lação com o entorno
1) Demanda do entorno pelas ofer-
tas educacionais; 11) As relações com o entorno e o
2) Imagem institucional; projeto institucional: a influência
3) Estudos do mercado de trabalho das transformações sociais, da re-
nas áreas de atuação do CEFET- forma da EP e do PROEP.
RN.
Objetos e planos versus Processos de ges-
Aspectos contextuais e características tão
versus Processos aspectos de gestão
12) Financiamento e função social;
4) Debilidades resultantes da re- 13) Elaboração e acompanhamento
forma da EP e do PROEP8 e outras do planejamento institucional;
debilidades; 14) Coerência entre os planos e os
5) Fortalezas resultantes da refor- objetivos;
ma da EP e do PROEP e outras for- 15) Plano de Informatização.
talezas.
Objetos e planos versus Processos de for-
Aspectos contextuais e características mação
versus Processos de formação
16) Planos de estudos: elaboração
6) Implicações da reforma da EP e e socialização;
do PROEP sobre a oferta educacio- 17) O ensino médio;
8
Programa de Expansão da EP

280 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Dante Henrique Moura

18) O nível básico da EP/cursos Estruturas versus Processos de formação


SINE;
19) O nível técnico da EP; 31) As gerências educacionais
20) O nível tecnológico da EP; (departamentos acadêmicos): fun-
21) O uso das TIC na configuração ções e coordenação das atividades
e implementação das ofertas; com as demais gerências, órgãos de
22) (Re)inserção sociolaboral e apoio e diretorias;
acompanhamento dos egressos; 32) O trabalho dos estudantes;
23) Plano de capacitação e formação 33) O trabalho docente;
dos dirigentes, dos docentes e téc- 34) O trabalho da equipe pedagógica;
nico-administrativos: elaboração, 35) As reuniões pedagógicas-RP:
participação e retorno para a Insti- temas protagonistas;
tuição e para os profissionais. 36) Influência da estrutura no de-
senvolvimento de ações multi e
Objetos e planos versus Processos de interdisciplinares.
avaliação
Estruturas versus Processos de avaliação
24) Plano de avaliação;
25)Avaliação do desenvolvimento 37) Mecanismos de avaliação e
do plano de gestão. auto-avaliação.

Estruturas versus Processos de relação Sistema relacional versus Processos de


com o entorno relação com o entorno

26) O Conselho Diretor: constitui- 38) Fluxos de comunicação;


ção e participação do entorno; 39) Conflitos com o entorno;
27) a FUNCERN9: objetivos e rela- 40) A cultura de se inter-relacionar
ções com o CEFET-RN. com o entorno e sua influência no
clima institucional.
Estruturas versus Processos de gestão
Sistema relacional versus Processos de
28) Adequação da estrutura aos gestão
objetivos do Centro;
29) Perfil profissional correspon- 41) Comunicação entre os órgãos
dente aos distintos níveis da estru- que tomam as decisões e os que
tura; não participam do processo
30) Coordenação entre os órgãos decisório;
da estrutura. 42) Participação na tomada de deci-
são e conseqüências dessas;
9
Fundação de Apoio ao CEFET-RN

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006 281


Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

43) Clima: influência do contexto Conhecimento versus Processos de forma-


interno e externo; ção
44) Incentivo a uma cultura parti- 51) Planos de pesquisa e extensão e
cipativa e colaborativa. de transferência do conhecimento
produzido ao entorno e à sociedade
Sistema relacional versus Processos de em geral.
formação
Conhecimento versus Processos de avali-
45) Inter-relações entre a equipe ação
dirigente, professores, técnico-ad-
52) Avaliação do Impacto da for-
ministrativos e alunos (valores,
mação na melhoria da qualidade de
respeito e confiança mútua).
vida dos egressos e do entorno
institucional.
Sistema relacional versus Processos de
avaliação A PESQUISA DE CAMPO: COLETA
E ANÁLISE DOS DADOS
46) Avaliação da interação entre os
alunos, professores, técnico-admi- Metodologicamente, optamos por um
nistrativos e dirigentes; modelo misto, quantitativo e qualitativo,
47) Auto-avaliação dos professores com predomínio qualitativo (Quadro 2).
e técnico-administrativos sobre sua Adotamos três técnicas de coleta de da-
própria participação profissional no dos: entrevistas semi-estruturadas; apli-
Centro; cação de questionários e revisão docu-
48) Cultura de avaliação e auto-ava- mental 10 (GOETZ; LECOMPTE, 1988;
liação. PÉREZ SERRANO, 1994). Tendo em vista
a opção pelo predomínio qualitativo, as
Conhecimento versus Processos de rela- entrevistas se constituíram na principal
ção com o entorno fonte de informação da pesquisa. Na Fi-
gura 2 (p.283) representamos o percurso
49) Produção e transferência do co- metodológico da investigação.
nhecimento a partir da interação
com o entorno. No Quadro 3 apresentamos a composição
dos 12 grupos de informantes previamente
Conhecimento versus Processos de gestão definidos e o percentual que os sujeitos de
cada um deles representa relativamente ao
50) Incentivo da gestão às ativida- respectivo universo, tendo como referência
des de pesquisa e extensão. os dados institucionais de 2001.

10
A consulta a documentos foi utilizada para a coleta e para a análise de dados

282 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Figura 2 – Percurso metodológico do processo de pesquisa auto-avaliativa da funcionamento institucional do CEFET-RN
Dante Henrique Moura

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


FONTE: Moura (2003)

283
Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

QUADRO 3 - Grupos de informantes: composição e percentual sobre cada universo

Grupos de Respondentes dos Total de Universo % do


Entrevistados
informantes questionários sujeitos institucional universo
Diretores 5 - 5 5 100
Gerentes [11] 8 - 8 8 100
Docentes 9 36 45 281 16,01
Técnico-
3 5 8 201 4
administrativos

Agentes externos 10 - - - -
Outros chefes de
hierarquia inferior a - 9 9 38 23,68
dos gerentes
Alunos do ensino
- 180 180 1.776 10,13
médio
Alunos do nível
- 50 50 12.227 0,41
básico da EP
Alunos do nível
- 320 320 3.186 10,04
técnico da EP

Alunos do nível
- 55 55 525 10,48
tecnológico da EP

Fonte: Moura (2003)

Sobre o Quadro 3, explicamos que os da- Antes de analisar entrevistas, as transcre-


dos referentes aos técnico-administrativos vemos, pois todas foram gravadas, medi-
e alunos do nível básico não foram utiliza- ante autorização dos informantes (GOETZ;
dos na análise, pois a participação total LECOMPTE, 1988; SIMONS, 1999). Feito
deles não alcançou os 10% dos respecti- isso, efetuamos a primeira ordenação
vos universos. Isso não gerou problemas, temática - agrupamento das contribuições
porque a informação proporcionada pelos de cada grupo com relação às categorias
outros 10 grupos foi suficiente para os fins estabelecidas. Em seguida, procedemos à
da pesquisa. segunda ordenação temática na qual cons-
truímos a visão de cada grupo relativamen-
Coletados os dados, desenvolvemos vári- te a cada categoria. Esse material foi a
os processos intermediários de interpre- principal fonte de informações para a
tação e análise antes de realizar a triangulação entre os grupos de informan-
triangulação entre as contribuições dos tes, o qual foi complementado pelos ques-
distintos grupos. Assim, previamente, tionários e análise documental.
transformamos os dados dos questionári-
os e das entrevistas na visão de cada um Acerca dos dados oriundos dos questio-
dos grupos com relação às 52 categorias. nários, o procedimento foi semelhante ao
das entrevistas, de modo que também cons-
11
Na verdade, em uma linguagem mais adequada à esfera educacional ,os gerentes são chefes de departamentos acadêmicos ou adminis-
trativos. Entretanto, a legislação específica dos CEFET’s estabeleceu essa terminologia esdrúxula ao campo educativo.

284 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Dante Henrique Moura

truímos a visão de cada grupo relativamen- O primeiro eixo diz respeito à postura
te às categorias de auto-avaliação. institucional frente às demandas da socie-
dade e do mundo do trabalho em particu-
Depois, realizamos a triangulação, contras- lar. Sobre isso, concluímos que a Institui-
tando as visões de todos os grupos que ção se conduz mais por reação às ações
responderam aos questionários e os en- do entorno do que em função de um pla-
trevistados, além da análise documental. nejamento prévio, elaborado a partir de
Esta última, utilizada para complementar e seus objetivos, fins e prioridades. Além
aprofundar a análise de algumas categori- disso, concluímos que isso ocorre porque
as cujas contribuições proveniente das o CEFET-RN e seus agentes não compre-
outras fontes não foi suficiente para cons- endem totalmente a sociedade onde estão
truir um indicador confiável relativo à ca- inseridos, nem sabem utilizar adequada-
tegoria abordada. mente, os meios disponíveis para melho-
rar essas relações, por falta de
Dessa maneira, a triangulação capacitação/decisão política de fazê-lo.
correspondeu à fase final da análise dos Apesar disso, também apreendemos que é
dados e funcionou como um operador que muito boa a infra-estrutura e que parte do
transformou a visão dos grupos de infor- pessoal está capacitado/capacitando-se e
mantes, classificadas de acordo com as 52 motivado para realizar essa função.
categorias, em indicadores institucionais,
ou seja, a partir de cada categoria constru- O segundo relaciona-se com a redução do
ímos um indicador através da triangulação. financiamento público que resulta numa
situação-problema: a manutenção e, inclu-
Finalmente, a partir da síntese dos indica- sive, a tentativa de ampliar a função social
dores elaboramos as conclusões da pes- do CEFRET-RN versus a necessidade de
quisa e respectivas propostas de melhora buscar estratégias de complementação or-
(MOURA, 2003). çamentária através da interação com o en-
torno. Nesta esfera, a conclusão funda-
mental é que o CEFET-RN e o governo fe-
CONCLUSÕES deral estão de acordo que a Instituição
deve ampliar a sua interação com o entor-
Para os fins deste trabalho resumimos as no e a sociedade em geral. Entretanto, para
conclusões em três grandes eixos temáticos, o CEFET-RN essa interação deve estar pau-
apesar de que, ao finalizar a pesquisa, em tada pela ampliação de sua função social,
dezembro de 200312 , extraímos muito mais enquanto para a administração federal o
conclusões sobre o CEFET-RN do que as foco deve ser o aumento da capacidade
aqui tratadas. institucional de autofinanciamento13.
11
A íntegra do trabalho está em disponível em http://www.cefetrn.br/academico/projeto_pedagogico/Projeto_Pedagogico.pdf
13
Neste ponto cabe destacar que chegamos a essa conclusão a partir da análise de dados que foram coletados entre outubro e dezembro
de 2001, portanto durante o governo FHC.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006 285


Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

O terceiro eixo trata da identidade da política neoliberal; as dificuldades in-


institucional. Nesse terreno concluímos ternas da própria administração do Cen-
que a Instituição estava deixando de ser tro; e a inadequação do perfil de parte do
referência como excelente escola forma- pessoal docente e técnico-administrativo
dora de técnicos de nível médio face à frente às demandas da nova realidade
reforma da EP e do PROEP, principalmente, institucional.
à separação do ensino técnico/médio
estabelecida pelo Decreto n0 2.208/97, Apesar dessas dificuldades, a pesquisa
além de outros aspectos mencionados nas informa o grande potencial do CEFET-RN
conclusões anteriores. Ademais, ainda para enfrentar a situação. Os informantes
concluímos que a aspiração institucional esclarecem que a Instituição conta com
aponta na direção de consolidar-se como muitos servidores capacitados/ capacitan-
um centro de referência em EP com perfil do-se para atuar nessa nova realidade.
e atribuições bem mais ambiciosos, ou Que também dispõe de infra-estrutura fí-
seja, consolidar-se e ser reconhecida sica de qualidade, além de larga experiên-
como um centro que além do ensino téc- cia na EP, o que lhe permite avançar em
nico atua na educação superior, através outros níveis desse segmento, através de
dos cursos superiores de tecnologia, no um planejamento adequado e sem se afas-
nível básico da EP, na pesquisa aplicada tar da luta pela recomposição orçamentá-
e na extensão. Apesar desse desejo ria institucional visando à implantação de
institucional firme em todos os segmen- políticas educacionais acordes com as re-
tos internos, os próprios informantes re- ais necessidades da classe trabalhadora.
conheceram que essa nova identidade não
estava sendo criada e que, portanto, a A partir das conclusões propusemos es-
sociedade ainda não percebera as mudan- tratégias para enfrentar o desafio de cons-
ças que o CEFET-RN atravessava. Além truir uma nova identidade institucional
disso, constatamos algo ainda mais (MOURA, 2003) visando levar à prática a
preocupante. Parte da própria equipe de idéia do centro federal que oferece o en-
direção, naquele momento, ainda não ha- sino médio14, os três níveis da EP e que
via percebido a profundidade e as impli- realiza a pesquisa aplicada vinculada aos
cações das mudanças. processos educacionais, assim como ativi-
dades de extensão, orientada pela noção
Ainda com relação a essa questão apre- de itinerários formativos verticais.
endemos que contribuíram para consoli-
dar esse cenário, a redução do financia- Para materializar essa idéia, sugerimos à
mento público imposto pela administra- direção do Centro que iniciasse um pro-
ção federal em decorrência da aplicação cesso de construção coletiva de um novo
14
Na verdade, com relação ao ensino médio, a idéia recorrente ao longo da pesquisa (MOURA, 2203) é a de que o CEFET-RN só deveria
continuar oferecendo esse curso em função da proibição legal de oferecer o técnico integrados com o ensino médio.

286 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Dante Henrique Moura

projeto político-pedagógico com o fim de dos planos dos novos cursos técnicos
integrar todas as suas ofertas educacio- de nível médio integrados, que voltaram
nais em um conjunto sistêmico, consis- a fazer parte da realidade acadêmica
tente, coerente e intencionado de ativi- institucional após 7 anos em que foram
dades acadêmicas,orientadas, indisso- proibidos por força da legislação vigen-
ciavelmente, às do ensino, pesquisa e ex- te.
tensão, as quais, deveriam ocorrer em um
ambiente de constante interação com o Dessa forma, em 2005, estamos constru-
mundo do trabalho e a sociedade (MOURA, indo os planos dos cursos superiores de
2003). tecnologia e das licenciaturas, de forma
que em futuros relatos trataremos do
Aceita a proposta, começamos uma nova respectivo processo.
fase do processo integrado do plano de
gestão e de pesquisa auto-avaliativa do Artigo recebido em: 08/09/2005.
funcionamento do CEFET-RN 15 , a qual Aprovado para publicação em: 02/10/2006.

se desenvolve através de investigação-


ação na perspectiva da construção cole- Institutional self evaluation guided to social
responsability : the case of CEFET-RN
tiva. Essa fase iniciou-se em 2004 e du-
rante aquele ano as atividades coletivas Abstract: In Brazilian educational institutions,
mainly in the professional and technological ones,
nos permitiram acordar que a nova iden- are still not be consolidated the culture of the self-
tidade institucional contemplaria: evaluation. Moreover, the experiences in course
tend to privilege the search for results in detriment
of the analysis of its internal processes and the
function that these institutions have in the society.
• EP técnica de nível médio nas Thus, this paper has the objective to relate the
formas integrada e subseqüente; self-evaluation research realized in the CEFET-
RN. Amongst the conclusions, it is distinguished
• EP tecnológica de graduação e that after the professional education reform of
pós-graduação; 1997 this Institution comes losing its identity as a
school that form excellent technician of level
• Formação inicial e continuada de average and still not had obtained the new intended
image: a technological university center that
trabalhadores; beyond forming technician of level average also
• Formação de professores (Licenci- works in higher education and develops applied
research and activities of extension.
aturas).
Keywords: Professional education; Self-
Naquele momento não foi possível evaluation; Social responsibility.

redimensionar todos planos de cursos das


Autoevaluation Institutional orientada a la
ofertas educacionais acima especificadas,
aplicación de la responsabilidad social: el
de modo que nos concentramos nos caso del CEFET-RN
princípios, fundamentos, concepções e Resumen: En las instituciones educativas brasileñas
diretrizes gerais para todo o currículo, além y particularmente en las de educación profesional

15
Nesse ínterim, houve eleições para a direção geral do CEFET-RN e eu fui convidado para ocupar a direção de ensino do Centro e, em
decorrência, disso, coordenar o processo de (re)construção do projeto político pedagógico do CEFET-RN

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006 287


Auto-avaliação institucional orientada à ampliação da responsabilidade social: o caso do CEFET-RN

– EP- todavía no se consolidó la cultura de la GOETEZ, J. P.; LECOMPTE, M. D. Etnografía


evaluación institucional. Además de eso, las y diseño cualitativo en investigación
experiencias en curso tienden a privilegiar la educativa. Madri: Morata, 1988.
búsqueda de resultados en detrimento del análisis de
los procesos internos y de la función que esas
instituciones desempeñan en la sociedad. Así, el MOURA, D. La Autoevaluación como
artículo tiene el objetivo de relatar una investigación Instrumento de Mejora de Calidad: un
realizada en el CEFET-RN encaminado en su Estudio de Caso (El Centro Federal de
autoevaluación. Entre las conclusiones, se destaca Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte
la constatación de que el CEFET-RN después de la / CEFET - RN / Brasil). 2003. 516f. Teses
reforma de la EP viene perdiendo su identidad como (Doutorado em educação) – Faculdade de Educação
excelente agencia formadora de técnicos de nivel da Universidade Complutense de Madri, Madri.
medio y todavía no consiguió crear la nueva imagen
buscada: la de un centro tecnológico que además de PÉREZ SERRANO Investigación cualitativa.
formar técnicos de nivel medio actua en los cursos Retos e interrogantes. Madri: La Muralla,
superiores de tecnología y desenvuelve investigación 1994. vol. I. Métodos
aplicada y actividades de extensión.
RISTOFF, D. Avaliação Institucional: pensando
Palabras-clave: Educación profesional; Autoeva- princípios. In: Avaliação institucional: teoria
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democrático. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. SOBRINHO, J. D. Avaliação institucional,
instrumento de qualidade educativa: a experiência
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y sus retos: democratización y calidad. In:
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centros y profesores. Madri: Síntesis, 1999. Doutor em educação pela Universidade
Complutense de Madri. Engenheiro eletricista pela
FRIGOTTO, G. A Produtividade da escola Universidade Federal do Rio Grande do Norte e
improdutiva: um reexame das relações entre Professor do Centro Federal de Educação
educação e estrutura econômico-social capitalista. Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN).
In:______. A Produtividade da escola E-mail: dante@cefetrn.br
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288 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 271-288, set./dez. 2006


Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício
da gestão democrática da educação

Cláudia Dias Silva1

Resumo: Este artigo aborda o tema da eleição de modo que, em ordens sucessivas,
diretor escolar como um dos construtos que vêm a União, o Estado e o Município
contribuindo para exercício da gestão democrática se vejam com parcelas diversas e
da educação, possibilitando o envolvimento da conjugadas de poder e responsa-
comunidade no processo decisório sobre a bilidade (TEIXEIRA, 1967,
organização e o funcionamento da escola. p.67).
Estabelece uma discussão sobre as diferentes formas
de provimento do cargo de diretor e suas
implicações para o desempenho das atividades e o Além disso, defendia para a administração
sucesso da escola, desvelando que a prática da
eleição do diretor não garante o exercício da gestão
da educação local um modelo de gestão
democrática, na qual o comprometimento com o democrática no qual órgãos colegiados, de
sucesso da instituição deve estar no centro das
ações. composição leiga, Conselhos de Educação,
com um alto grau de autonomia administra-
Palavras-chave: Eleição de diretores escolares;
Gestão democrática da educação. tiva, participariam do processo de tomada
de decisão sobre o funcionamento do sis-
tema educacional. Os conselheiros seriam
representantes diretos dos pais de família e
INTRODUÇÃO da comunidade, eleitos ou nomeados por
autoridades eleitas, competindo-lhes a no-
A discussão sobre a participação da socie- meação e supervisão das autoridades exe-
dade civil na gestão da educação não é algo cutivas.
recente na literatura educacional brasileira.
Na década de 1930, Anísio Teixeira já con- A Constituição Federal do Brasil, promul-
cebia a municipalização da educação como gada em 1988, traz a gestão democrática
um mecanismo de descentralização, que como um dos princípios norteadores da
dotaria as instâncias públicas de autono- oferta do ensino público no país. A inclu-
mia, favorecendo a democratização da edu- são desse princípio no texto legal é resul-
cação. Defendia para a administração edu- tado de reivindicações de movimentos po-
cacional pulares, sindicais e outros segmentos da
[...] um regime especial de distri- sociedade civil pela publicização do Estado,
buição dos poderes públicos en-
carregados de ministrá-la, de uma vez que o país passava por um regime

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Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

militar autoritário e centralizador que se es- agentes escolares, significando uma forma
tendeu no período de 1964 até 1985. de toda a equipe escolar tornar-se co-res-
ponsável pelo sucesso do aluno e, conse-
Em 1996, com a aprovação da Lei de Diretri- qüentemente do funcionamento da unida-
zes e Bases da Educação Nacional, Lei nº de escolar.
9.394/96, se intensifica a discussão sobre a
participação da sociedade nas questões Já o conselho escolar idealizado pela LDB
educacionais. Em seu Artigo 14, a Lei nº deve compor a organização da própria es-
9.394/96 detalha os mecanismos de cola, responsabilizando-se pela tomada de
viabilização da participação das comunida- decisões em todas os campos que envolve
des escolar e local na gestão democrática o trabalho na escola, não restringindo-se
da escola. somente a gestão de recursos financeiros,
como vem se percebendo com a criação e
Art. 14 - Os sistemas de ensino implementação dos órgãos colegiados que
definirão as normas de gestão
democrática do ensino público na executam, basicamente, a gestão dos re-
educação básica, de acordo com
as suas peculiaridades e confor-
cursos do Programa Dinheiro Direto na
me os seguintes princípios: Escola (PDDE). Cury citando Antonio
I - participação dos profissionais Gramsci (2001, p.50) define conselho
da educação na elaboração do como
projeto pedagógico da escola; [...] o lugar onde a razão se apro-
xima do bom senso e ambos do
II - participação das comunida- diálogo público, reconhecendo
des escolar e local em conselhos que todos são intelectuais, ainda
escolares ou equivalentes. que nem todos façam do intelec-
to uma função permanente (grifos
do autor).
A idéia de gestão democrática expressa na
Lei abrange a existência de um projeto peda-
gógico da escola; a participação de profes- GESTÃO DEMOCRÁTICA E DESCEN-
sores e demais trabalhadores da educação TRALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
da escola na sua elaboração e a gestão
colegiada da implantação e execução desse Nos últimos anos, a discussão sobre a ges-
projeto, através de órgãos colegiados com- tão democrática da educação vem consti-
postos por representantes da comunidade tuindo-se em tema recorrente na literatura.
escolar e outros segmentos da sociedade. Essa atenção é decorrente do caráter
centralizador, burocrático, autoritário e
De acordo com Libâneo (2003) o projeto cerceador de práticas participativas que
pedagógico tem por objetivo descentrali- caracterizam o sistema público educacio-
zar e democratizar a tomada de decisões nal brasileiro. Por muitos anos, principal-
pedagógicas, jurídicas e organizacionais na mente no período em que a administração
escola, buscando maior participação dos do Estado brasileiro esteve sob o poder dos

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Cláudia Dias Silva

militares, a administração educacional as- res e dos sistemas de ensino, que para
sumiu um caráter tecnocrático e capitalis- Vitor Paro pode ser concebida como aque-
ta. As escolas se configuravam como um la que está:
lócus de formação dos trabalhadores ne-
Inspirada na cooperação recípro-
cessários para a consolidação do capita- ca entre homens, deve ter como
meta a constituição, na escola de
lismo no país, reprodutores de uma ideo- um novo trabalhador coletivo
logia que visava a construção de uma so- que, sem os constrangimentos da
gerência capitalista e da parce-
ciedade não-participativa e alienada, na lização desumana do trabalho,
qual seus integrantes não exerciam a sua seja uma decorrência do trabalho
cooperativo de todos envolvidos
cidadania. no processo escolar, guiados por
uma 'vontade coletiva', em dire-
ção ao alcance dos objetivos edu-
O início da década de 80 está marcado como cacionais da escola (PARO apud
VINHAES; GRACINDO, 1995,
o período em que o debate sobre os temas
p.161).
da gestão e da autonomia escolar desta-
cou-se nas discussões sobre o funciona- A realização das primeiras eleições diretas
mento da escola pública. Esse período coin- para governador de Estados no Brasil, efe-
cide com o momento de reconstrução da tivadas em 1982, e a posse desses novos
democracia na sociedade brasileira, que governadores no ano seguinte viabilizou a
enfatizava a necessidade de descentra- concretização de muitas experiências de
lização e democratização dos processos participação democrática. Entre os proje-
sociais no Brasil, atribuindo uma forte rea- tos desenvolvidos entre 1983 e 1984,
ção ao centralismo do poder na adminis- Gadotti (1993) destaca o Fórum de Educa-
tração do Estado. No campo educacional, ção do Estado de São Paulo e o Congresso
algumas das maiores conquistas foram a Mineiro de Educação. As Sessões Públicas
liberdade de ação e de decisão em relação do Fórum de Educação do Estado de São
aos órgãos superiores da administração e Paulo propiciaram, pela primeira vez na
a maior participação da comunidade esco- história da educação brasileira, que educa-
lar nos espaços de poder da escola, por dores participassem do processo de elabo-
meio de instâncias como os conselhos es- ração das políticas públicas de educação.
colares. A luta pela democratização da gestão edu-
cacional foi intensa entre 1985 e 1988, ano
De acordo com Mendonça (2001) o proces- da promulgação da Constituição que con-
so de democratização da educação no sagrou o princípio da "gestão democrática
Brasil passou por vários estágios. Inicial- do ensino público".
mente, houve o direito universal ao acesso A participação e a democratiza-
a escola e, posteriormente, o direito a um ção num sistema público de ensi-
no é a forma prática de formação
ensino de qualidade e à participação de- para cidadania. A educação para a
mocrática na gestão das unidades escola- cidadania dá-se na participação no

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Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

processo de tomada de decisão. A criação de um colegiado/conselho escolar


criação dos conselhos de escola
representa uma parte desse pro- que tivesse tanto autoridade deliberativa
cesso. Mas eles fracassam se fo-
quanto poder decisório e repasse de recur-
rem instituídos como uma medi-
da isolada e burocrática. Eles só sos financeiros às escolas e conseqüente-
são eficazes num conjunto de me-
didas políticas, num plano estra-
mente aumento de sua autonomia.
tégico de participação que vise à
democratização das decisões
(GADOTTI, 1993, p.100). Para Vinhaes Gracindo (1995), uma vez que
a administração democrática deve ser ca-
A efetiva participação dos setores popula- paz de desenvolver processos e objetivos
res nas questões educacionais funcionaria na delimitação de suas políticas, na elabo-
como um instrumento de redistribuição do ração de seus planejamentos e no desen-
poder político, que resultaria na constru- volvimento de sua gestão, faz-se neces-
ção da cidadania. Nessa vertente, a auto- sário o exercício de práticas construtivas
nomia e a democratização são entendidas dessa gestão no sistema educacional. De
como processos indissociáveis e necessá- acordo com a autora essas práticas devem
rios para a construção de uma escola públi- envolver: a escolha de dirigentes pela
ca de qualidade, garantindo o acesso de comunidade escolar e local; a forma
toda a população ao sistema de ensino for- colegiada e descentralizada de administra-
mal, bem como a construção das ferramen- ção; a relação entre a escola e a comuni-
tas necessárias para o convívio em socie- dade com a decorrente participação popu-
dade. lar; a liberdade propiciada aos estudantes
A democratização e a descentra-
lização da gestão educacional
e aos professores para a organização de
são processos necessariamente associações e grupos representativos.
indissociáveis e trazem de for-
ma implícita a necessária mu-
dança nas relações de poder. A Bobbio (2000) sinaliza que na gestão de-
descentralização se constitui em
processo necessário à democra- mocrática, as deliberações coletivas devem
tização e ambas são meios para ser tomadas por representantes governa-
se alcançar a efetiva participa-
ção dos cidadãos nas decisões mentais e das organizações da sociedade
que dizem respeito à sua vida in-
dividual e coletiva. Assim, essas
civil, em proporções definidas pelos esta-
se constituem em processos ne- tutos e regimentos internos de cada polí-
cessários para o exercício da
cidadania (BORDIGNON, 1993, tica que esteja sendo definida e/ou
p.72). implementada. Isso atribui um caráter
institucional aos referidos órgãos. Todavia,
Luck et al (1998) sinalizam que o movi-
a forma de escolha e nomeação desses
mento que visava a descentralização e a
representantes deve assumir um caráter de-
democratização da gestão das escolas pú-
mocrático. Discutindo sobre a concepção
blicas concentrou-se em três vertentes
básicas: participação da comunidade esco- mínima de democracia e suas implicações
lar na seleção dos diretores da escola, para o processo de tomada de decisão, o

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Cláudia Dias Silva

autor argumenta que: MECANISMOS DE PROVIMENTO DO


CARGO DE DIRETOR ESCOLAR
(...) mesmo para uma definição
mínima de democracia, como é a
que aceito, não bastam nem a atri- A discussão sobre o processo de escolha
buição a um elevado número de
cidadãos do direito de participar
de diretor escolar vem recebendo muita aten-
direta ou indiretamente da toma- ção dos pesquisadores na produção de
da de decisões coletivas, nem a
existência de regras de procedi- reflexões teórico-conceituais e políticas so-
mento como a da maioria (ou, no bre a gestão democrática da educação. Para
limite, da unanimidade). É indis-
pensável uma terceira condição: Mendonça (2001) a importância dispensada
é preciso que aqueles que são cha- a esse elemento da gestão democrática pode
mados a decidir ou eleger os que
deverão decidir sejam colocados ser compreendida através de dois proces-
diante de alternativas reais e pos-
sos. Um está vinculado ao próprio processo
tos em condição de poder esco-
lher entre uma e outra. Para que eleitoral como fator essencial no exercício
se realize esta condição é neces-
sário que aos chamados a decidir da democracia e o outro, ao espaço que esse
sejam garantidos os assim deno- mecanismo ocupou dentre as reivindica-
minados direitos de liberdade, de
opinião, de expressão das própri- ções dos movimentos sociais. Esse é o pro-
as opiniões, de reunião, de asso- cesso que melhor concretizou a luta contra
ciação etc (BOBBIO, 2000, p.
32). o clientelismo e o autoritarismo na gestão
educacional.

Os ideais dos movimentos que lutavam Apesar de a literatura pertinente ao tema


pela construção de uma sociedade mais fazer referência a diferentes classificações
justa envolviam a construção de um sis- dos tipos de escolha de diretores escolares,
tema educacional democrático, no qual a nesse estudo será utilizada como referência
gestão da escola fosse realizada pelos pró- básica para discussão, as quatro classifi-
prios representantes das comunidades cações apresentadas por Moacir Gadotti e
escolar e local. As políticas educacionais José E. Romão (2004): a nomeação, o con-
deveriam partir de dentro da escola, sen- curso público, a eleição e o esquema misto.
do criada de acordo com cada realidade.
Era imprescindível modificar a estrutura O primeiro mecanismo utiliza-se da prática
do sistema público no país, principalmen- da indicação do diretor por um agente ex-
te das escolas, a fim de garantir o exercício terno à instituição escolar para ocupar um
de práticas menos autoritárias e mais de- cargo de confiança. Na maioria dos casos
mocráticas. Essa reestruturação do siste- esse agente pode ser o prefeito ou o gover-
ma educacional deveria ampliar-se, possi- nador. Essa modalidade não traz segurança
bilitando a participação dos educadores para o diretor, pois ele pode ser substituído
nas discussões sobre as políticas públi- a qualquer momento, de acordo com os in-
cas para a educação no país. teresses políticos e com as conveniências

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 289-301, set./dez. 2006 293


Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

daqueles que o indicaram. Essa prática ba- O concurso público pode ser realizado, pelo
seia-se muito mais em critérios político- menos, de duas formas. Por meio de prova
clientelistas que técnico-acadêmicos. ou através de provas e títulos, que se pro-
põem a aferir o grau de conhecimento
Segundo Paro (1996), o principal problema técnico e a comprovação de formação aca-
com relação à nomeação como critério de dêmica específica para o exercício das fun-
escolha do diretor é a garantia de ções inerentes ao cargo de diretor de esco-
favorecimento dos interesses de políticos la.
clientelistas. Pois, ao servir-se da prática
da nomeação sem adoção de outros critéri- Apesar de apresentar algumas virtudes
os de escolha democráticos que garantam necessárias ao diretor para o exercício do
o respeito aos interesses da comunidade cargo, tais como: a objetividade, a coibição
escolar e local, bem como a coibição de prá- do clientelismo e a possibilidade de aferi-
ticas que resultem em favorecimento ilícito ção do conhecimento técnico, esse meca-
de pessoas, o diretor tende a comprome- nismo vem sofrendo críticas pela própria
ter-se muito mais com os interesses do in- comunidade escolar porque ele acentua a
divíduo ou força política que o nomeou, adoção de critérios objetivos e técnicos e
sem comprometer-se politicamente com os não afere a capacidade de liderança dos
interesses da comunidade que compõe a candidatos. Além disso, o candidato apro-
unidade escolar. Até a promulgação da cons- vado, na maioria das vezes, escolhe a esco-
tituição federal de 1988 esse era o mecanis- la onde vai trabalhar, mas a comunidade
mo que mais prevalecia para a ocupação do escolar não participa do processo de sele-
cargo de diretor escolar. ção desse diretor. Dessa forma,

o concurso acaba sendo demo-


A justificativa apresentada para a adoção crático para o candidato, que, se
do mecanismo de indicação do diretor es- aprovado, pode escolher a escola
onde irá atuar, mas é antidemo-
colar pelo executivo local está baseada, crático em relação à vontade da
pelos que a praticam, na prerrogativa da comunidade escolar, que é
obrigada a aceitar a escolha
democracia representativa. Uma vez que a do primeiro (GADOTTI; ROMÃO,
sociedade civil elege seus representantes 20 0 4, p.94).
para deliberarem a respeito de questões que
dizem respeito à coletividade inteira, essa A eleição pode ser realizada de diferentes
indicação tem legitimidade e evita o contra- formas: voto direto, representativo,
ditório na administração. Entretanto, esse uninominal ou por escolhas através de lis-
procedimento não garante uma administra- tas tríplices ou plurinominais. A adoção
ção democrática, ao contrário, traz muito desse mecanismo é importante para o al-
mais riscos de centralização, autoritarismo, cance do sucesso da escola e o exercício
fisiologismo e nepotismo (GRACINDO, de gestão democrática e colegiada porque
1995). este favorece o desenvolvimento da prá-

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Cláudia Dias Silva

tica do diálogo na escola e resulta em maior Em uma pesquisa realizada em 1999 que
distribuição de poder dentro e fora da es- objetivou fazer o mapeamento da
cola, bem como o alcance do equilíbrio en- descentralização da educação brasileira nas
tre a competência técnico-acadêmica e a redes estaduais do ensino fundamental,
sensibilidade política necessárias ao dire- Parente e Luck (1998) constataram que os
tor para o exercício do cargo (GADOTTI; mecanismos mais utilizados para preenchi-
ROMÃO, 2004). mento do cargo de diretor escolar eram a
indicação e nomeação direta pelas lideran-
Por último, o mecanismo de esquema misto ças partidárias e dirigentes governamentais
combina duas ou mais fases no processo e a eleição direta e outras modalidades. O
de escolha dos diretores. Essas fases po- resultado do estudo apontou a seguinte
dem se constituir em provas que aferem a situação nas escolas: das 26 unidades
competência técnica e a formação do can- federadas pesquisadas, 17 realizavam elei-
didato, e eleições que verificam sua experi- ção direta com a participação da comunida-
ência administrativa, capacidade de lideran- de escolar e local. Dessas, oito utilizavam
ça etc. Nesse mecanismo a comunidade es- como critério de seleção e escolha apenas
colar tem a possibilidade de participar de a eleição; cinco utilizavam um sistema mis-
uma ou mais fases do processo de seleção, to adotando critérios técnicos e eleição;
resultando em um maior vínculo e compro- duas adotavam somente prova de conheci-
misso do diretor com aqueles que o esco- mentos específicos; uma utilizava curso de
lheram. qualificação com aprovação do candidato;
uma adotava como critério a análise do cur-
De acordo com Paro (1996) a defesa da rículo para selecionar os candidatos à elei-
eleição como critério para a escolha de di- ção. Outros seis estados recorriam a forma
retor de escola está baseada em seu caráter tradicional com indicação e nomeação de
democrático. É contraditório pensar na exis- lideranças locais diretamente pelos diri-
tência de uma sociedade democrática, sem gentes políticos.
considerar a democratização das institui-
ções que compõem essa sociedade, possi- De acordo com as autoras supracitadas, a
bilitando, inclusive, à população controlar prática da escolha de diretores escolares
o Estado no provimento de serviços coleti- através de eleição teve início no ano de 1984,
vos em quantidade e qualidade compatí- no Estado do Paraná. Posteriormente, en-
veis com as obrigações do poder público e tre 1985 e 1987, os Estados do Rio Grande
em atendimento aos interesses dessa soci- do Sul, Acre, Mato Grosso e o Distrito Fe-
edade. deral adotaram essa prática. No Distrito
Daí a relevância de se considerar Federal o processo foi interrompido por
a eleição direta, por parte do
pessoal escolar, alunos e comuni- questões políticas e a eleição foi embargada,
dade, como um dos critérios para voltando a ser implementado no ano 1996.
a escolha do diretor de escola pú-
blica (PARO, 1996, p.26-27). Foi no período compreendido entre os anos

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 289-301, set./dez. 2006 295


Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

1990 e 1997 que ocorreu uma expansão das utilize o poder como instrumento de con-
eleições para diretor no âmbito dos esta- quista e atendimento dos interesses da
dos, com o início de processo eletivo em maioria.
oito sistemas estaduais de ensino no país.
A escolha pela eleição de diretor escolar LIMITES E POTENCIALIDADES DO
destaca-se entre as práticas mais MECANISMO DE ELEIÇÃO DE DI-
adotadas, como a que melhor representa RETOR
o desenvolvimento de uma gestão demo-
crática. É importante ressaltar que esse Apesar de ser apontado por pesquisado-
mecanismo não resolverá sozinho todo o res como o mecanismo que mais propicia
problema da escola, pois o verdadeiro o exercício da democracia na gestão edu-
exercício desse modelo de gestão requer cacional, a eleição de diretor escolar apre-
a participação da comunidade escolar e senta algumas limitações que põem em
local no processo de tomada de decisão questio-namento a sua eficácia no que se
sobre as diferentes dimensões - política, refere ao exercício da gestão democráti-
pedagógica e financeira - da gestão da ca. Estudos realizados em diferentes es-
educação. tados brasileiros, na última década, reve-
lam algumas dessas limitações.
A eleição de diretores não pode,
todavia, ser tomada como uma
panacéia que resolverá todos os No Mato Grosso, foram desveladas práti-
problemas da escola e muito me- cas condizentes com a cultura política
nos, em particular, os de nature-
za política. Esta, aliás, tem sido a brasileira nos espaços escolares. O contra-
alegação mais freqüente dos que to clientelístico com os eleitores decorren-
resistem à eleição como alterna-
tiva para a escolha do diretor, ou tes de compromissos e acordos sigilosos
seja, descarta-se a eleição porque pré-eleitorais termina por consolidar
'não é possível atribuir a existên-
cia da democracia a apenas uma distorções e privilégios que comprometem
variável, seja ela o concurso, os a gestão e o funcionamento da escola
cursos, ou, menos ainda, a elei-
ção' (PARO, 1996, p.28-29). (TORRES; GARSKE apud LORDELO,
2003).
Para a escola constituir-se verdadeira-
mente em um espaço de exercício da de- A eleição também consolida o cor-
mocracia é preciso que ocorra mudança porativismo de determinados grupos den-
nas práticas de exercício de poder. É tro da escola, que querem tirar proveito
necessário que os sistemas de ensino da situação, buscando o alcance de bene-
rompam com a verticalização dos proces- fícios para o grupo, sem se comprometer
sos e com as relações de dominação exis- com o coletivo da escola.
tentes na administração da educação pú-
blica, possibilitando que a comunidade Pode-se ainda acrescentar o fortalecimen-

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Cláudia Dias Silva

to de influências dos professores no es- A adoção de eleição para diretor escolar


paço escolar, em detrimento da partici- contribuiu para a diminuição ou elimina-
pação dos pais e de outros trabalhadores ção, nos sistemas em que foi
da escola com a instituição do processo implementada, de práticas tradicionalis-
de eleição direta de diretor escolar (GO- tas alicerçadas no clientelismo e no
MES apud LORDELO, 2003). favorecimento pessoal, prática comum
na escolha de diretor através de nomea-
Médici apud Lordelo (2002), sinaliza que a ção. Contudo, isso não significa dizer que
forma como são organizadas as eleições o clientelismo não tenha deixado de exer-
de diretores termina por resultar em um cer suas influências na instituição esco-
crescimento do corporativismo dos pro- lar. Em algumas situações, permanece-
fessores nas escolas. Nas localidades onde ram aberturas para a penetração da influ-
os professores têm maior participação que ência do agente político na nomeação do
a comunidade local, o desempenho pro- diretor. Em outras, o interior da escola
fissional dos diretores está condicionado passou a comportar práticas clientelistas
ao atendimento dos interesses dos do- quer no processo de eleição, quer duran-
centes, comprometendo todo o seu tra- te o exercício de seu mandato (PARO,
balho com o sucesso pedagógico da es- 1996).
cola. Ainda podem ser acrescentadas: a
interferência de política partidária que se Para exemplificar a permanência da in-
constituía em fator de participação, a opo- fluência político-partidária na eleição de
sição dos professores aos diretores elei- diretor, Paro (1996) cita Zabot (1984) e
tos quando questões corporativas eram Canesin (1993) para relatar as experiênci-
atingidas, os impasses criados com a elei- as do estado do Paraná e da cidade de
ção de diretores de oposição ao governo. Goiânia, onde a eleição foi realizada atra-
vés de lista tríplice e a escolha definitiva
Mendonça (2001) acrescenta que outros do nome do candidato que ocuparia o
problemas e limitações deste processo, cargo estava sob a responsabilidade do
apontados em vários estudos, abrangem Poder Executivo.
fatores como excesso de personalismo
na figura do candidato, falta de preparo No estado do Paraná o tempo exigido,
de alguns deles, populismo e atitudes por decreto estadual, para a escolha do
clientelistas típicos da velha política par- nome do diretor pela Secretaria Estadual
tidária, aprofundamento de conflitos en- de Educação, possibilitou que muitos
tre os segmentos da comunidade escolar, grupos pressionassem os responsáveis
comportamento de apropriação do cargo para a nomeação de candidatos de seu
pelo candidato eleito, dentre outros. interesse (ZABOT apud PARO, 1996).

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 289-301, set./dez. 2006 297


Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

Em Goiânia, apesar do estabelecimento de o autoritarismo existente na escola e a falta


critérios, tais como avaliação de currículos, de participação de professores, alunos,
teste de avaliação, identidade com o projeto funcionários e pais nas decisões. Acredita-
de melhoria do ensino, espírito de lideran- va-se que, uma vez o diretor não tendo sido
ça e outros, alguns candidatos que obtive- escolhido pela comunidade escolar e local,
ram a classificação em primeiro lugar, não estaria mais comprometido com os interes-
foram nomeados pelo Executivo, tendo sido ses do Estado do que com as necessidades
nomeados candidatos indicados por ve- da escola e do grupo. Isso implicava em um
readores (CANESIN apud PARO, 1996). distanciamento da comunidade escolar no
funcionamento da escola.
O autor ainda faz referência ao ocorrido
no estado de Minas Gerais onde a eleição Todavia, a situação ocorrida no Distrito
não foi realizada através de lista Federal mostra que
plurinominal, mas os políticos desres-
peitaram as regras para a eleição de dire- o processo de gestão democráti-
ca nas escolas não conseguiu sair,
tor. Nesse estado, em 1992, ano de elei- ainda, do rol dos modelos tradici-
ções municipais, ocorreram muitas subs- onais, sem avanços na participa-
ção de pais e alunos, professores
tituições de diretores escolhidos pela e servidores na tomada de deci-
SECOM por outros pertencentes a esque- sões, de forma mais ampla, en-
volvendo a distribuição de poder
mas eleitorais de alguns deputados e can- (COUTO apud PARO, 1996, p.
didatos a prefeitos e vereadores a pedido 103).

dos mesmos (MELLO; SILVA apud


PARO, 1996). Um passo muito importante para garantia
da distribuição de poder na escola é a
Em relação às práticas clientelistas desen- mudança de comportamento do diretor, que
volvidas no interior da unidade escolar, deveria deixar de assumir um papel
Paro (1996) relata casos ocorridos em centralizador e autoritário e assumir uma
Goiânia, em 1984, de candidatos que, pa- postura democrática, oportunizando a to-
trocinados por vereadores distribuíam mi- dos os integrantes do corpo da escola a
mos e prometiam favores em troca de vo- participação no processo de tomada de
tos, além do revezamento de alguns direto- decisão, bem como a divisão de poder e
res e secretários de uma mesma escola da responsabilidades para garantir o exercício
rede para se alternarem na direção de uni- da gestão democrática da escola. Paro
dades escolares por longos anos (CANESIN (1996) acredita que o autoritarismo exis-
apud PARO, 1996). tente nas unidades escolares é decorrente
da
conjunção de uma série de
Outra expectativa com relação à eleição era determinantes internos e exter-
a possibilidade de essa conseguir eliminar nos à escola que se sintetizam na

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Cláudia Dias Silva

forma como se estrutura a pró- pais, dos alunos e dos funcionários de


pria escola e no tipo de relações
que aí tem lugar (PARO, 1996, p. forma mais permanente.
104).

A experiência de outros países com a im-


Um aspecto positivo apontado por Paro plantação e o funcionamento do
(1996) proporcionado pela adoção da elei- colegiado/conselho aponta que o maior
ção de diretor é o comparecimento signi- envolvimento dos pais na unidade esco-
ficativo dos vários setores da escola nas lar tende a: elevar a resposta dos educa-
eleições. O estado do Paraná, quando na dores; elevar a confiança das famílias na
realização das eleições em 1983, contou escola; promover maior aproximação en-
com comparecimento de 70% dos pais, os tre professores e pais, pais e filhos, dire-
estudantes também tiveram presença ma- tores e comunidade; atrair sugestões ino-
ciça. vadoras para melhorar a qualidade do en-
sino (MURPHY apud SOBRINHO et al,
Também é importante destacar que a im- 1994).
plantação de eleição não garante a partici-
pação e o envolvimento das pessoas na
condução das ações na escola. É muito CONSIDERAÇÕES FINAIS
comum ouvir reclamações de diretores que
se sentem solitários, desacompanhados e A viabilização de uma gestão escolar que
sobrecarregados de trabalho nas unidades atenda a uma concepção progressista de
escolares, sem o apoio de outros integran- educação, onde todos os sujeitos são vis-
tes do grupo da escola para dividir as tos como cidadãos com direitos a serem
tarefas e partilhar as responsabilidades e atendidos pelo Estado e a participação nas
os problemas. Isso termina por reduzir o questões educacionais, constitui-se em
processo democrático à mera delegação de exercício da cidadania, é muito importante
poderes. para o desenvolvimento da sociedade, bem
como para o funcionamento da organiza-
Sobrinho et al. (1994) atribuem ao proces- ção escolar nesse meio.
so de implantação do colegiado/conselho
a maior possibilidade de mudança no A gestão democrática não resolverá sozi-
funcionamento da escola, conferindo ao nha todos os problemas do sistema de
processo de eleição de diretor resultados ensino no Brasil, mas a sua implementação
mais otimistas. Este órgão possibilita que o é hoje uma exigência da própria sociedade
diretor eleito tenha maior suporte que se quer mais justa e participativa. É
institucional no exercício de suas ativida- importante a garantia dos mecanismos ne-
des, retirando-o do isolamento, uma vez que cessários para o exercício desse modelo de
permite a participação dos professores, dos gestão, bem como a criação de políticas

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 289-301, set./dez. 2006 299


Eleição de diretores escolares: avanços e retrocessos no exercício da gestão democrática da educação

educacionais que partam de dentro da es- The election of school principals: advances
and backward movements in the exercise of
cola, atendendo às suas necessidades e as- the democratic management
segurando a descentralização do processo
Abstract: This article discusses the election of
de tomada de decisão. school principals as one of the constructs that
are contributing to exercise of democratic school
governance, allowing for community
O processo de eleição de diretores escola- involvement in the decision-making process
res é apenas um dos componentes da ges- concerning the organization and the running of
schools. It discusses different forms of
tão democrática do ensino público, que só appointment to the post of principal and its
terá efeito prático eficaz se associada a ou- implications for the development of the
activities and the success of the school, revealing
tras medidas que garantam a participação that the practice of electing the principal does
efetiva dos representantes dos segmentos not guarantee the exercise of democratic
governance, which should comprehend
escolares e da comunidade. A forma de es-
commitment to the success of the institution as
colha e a atuação do diretor escolar podem the center of all actions.
contribuir para a superação de conflitos, Keywords: Election of school principals;
para a melhoria do trabalho, para as rela- Democratic education governanc.

ções intra-escolares e para a qualidade do


Eleccion de directores escolares: avances y
ensino. Mas, para isso acontecer é impor- retrocesos en el ejercicio de la gestion
tante a conjunção de mudanças profundas democratica de la educacion

na própria estrutura da escola e nas rela- Resumen: Este artículo aborda el tema de la
ções que nela se desenvolvem. elección de director escolar como una de las
construcciones que viene contribuyendo al ejercicio
de la gestión democrática de la educación,
Repensar os modelos de gestão atuais e posibilitando el involucramiento de la comunidad
en el proceso decisorio sobre la organización y el
a noção de democratização da escola é
funcionamiento de la escuela. Establece una
fundamental para o aperfeiçoamento dos discusión sobre las diferentes formas de cubrir el
mecanismos de participação existentes. É cargo de director y sus implicaciones para el
desempeño de las actividades y el éxito de la escuela,
preciso considerar a reestruturação dos develando que la práctica de la elección del director
espaços de exercício da gestão democráti- no garantiza el ejercicio de la gestión democrática,
en la cual el compromiso con el éxito de la
ca da educação, atribuindo responsabili- institución debe estar en el centro del las acciones.
dades e significado aos diversos conse-
Palabras clave: Elección de directores escolares;
lhos existentes nas escolas públicas como Gestión democrática de la educación
o conselho/colegiado escolar, o conselho de
classe, a coordenação pedagógica, o grêmio
estudantil e outros, que se constituem em REFERÊNCIAS
espaços privilegiados de democracia na es-
cola e, funcionam de maneira precária e de- BOBBIO, N. O futuro da democracia. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
ficiente.
BORDIGNON, G. Democratização e descentra-
lização: políticas e práticas. Revista Brasileira
Artigo recebido em: 20/01/2006. de Administração da Educação, Brasília, v. 9,
Aprovado para publicação em: 03/11/2006. n.1, p.71-86, jan/jun. 1993.

300 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 289-301, set./dez. 2006


Cláudia Dias Silva

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Sobre o autora:
LIBÂNEO, José C. et al. Educação Escolar:
políticas, estrutura e organização. São Paulo: 1
Claudia Dias Silva
Cortez Editora, 2003. Mestranda em Educação, Faculdade de Educação,
da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA).
LUCK, H. et al. A escola participativa: o Professora Substituta FACED/UFBA.
trabalho do gestor escolar. Rio de Janeiro: Orientador: Dr. José Albertino Lordelo
DP&A, 1998. E-mail: claudias_ba@yahoo.com.br

MENDONÇA, E. F. Estado patrimonial e gestão Endereço Postal: Cond. Bosque Imperial, Ed.
democrática do ensino público no Brasil. Carvalho, Apt.201, São Rafael. CEP 41.250-579,
Educação e Sociedade, Campinas, v. 22, n.75, Salvador/BA, Brasil.
ago, 2001.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 289-301, set./dez. 2006 301


302
La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

Sergio Gómez Montero1

“Por temor a lo manido/ muchas cosas me callo./


En mi corazón hay escritos muchos poemas y
esas canciones/ mías enterradas son las que amo”
Cavafis-Poesía completa

Resumen: El artículo procura hacer un análisis o antes?— conforman las ciencias


– un corte longitudinal— de cuáles han sido los
enfoques teóricos más relevantes para acercarse sociales. Inquietudes intelectuales que
al estudio de la frontera entre México y Esta- agrupo en tres grandes campos de acción
dos Unidos y de los fenómenos sociales en ella
registrados, para poder visualizar a partir de en los que me he movido durante más de
ello presente y futuro de ese territorio complejo, treinta años; campos que paso a mencionar
es el contenido básico de este ensayo, tratando
de realizar así un recorrido somero por un pre- sin jerarquizar, pues para mí todos ellos
sente social en donde las intersecciones son son igualmente significativos: la creación
múltiples y analizando también cómo ellas están
convertidas en la fuente que alimenta la literaria (en particular el ensayo), el análisis
innovación continua de saberes, lo cual pone
político (concretado en ejercicio
en el tapete de la discusión todo un conjunto de
sujetos e instituciones que se mueven en el periodístico) y la docencia e investigación
ecotono fronterizo.
educativas en la universidad. Moverme en
Palabras-clave: Frontera; Sociología; Migración esos tres campos ha implicado siempre
para mí el tener indefectiblemente a mi vera
a la Sociología, ¿la madre de todo mi
batallar intelectual? Si no eso, sí, al menos,
PRESENTACIÓN compañera siempre en las rutas del saber.

Se presenta complejo, en principio, Una segunda razón que me mueve a estar


enunciar brevemente las razones que me aquí es la frontera; ella sí nuestra tierra
han llevado a elaborar este ensayo. Ellas santa, nuestro terreno experimental de
tienen que ver, desde luego, con las todos los días, la herida que no sangra
inquietudes intelectuales que desde pero que hace sangrar y llorar al mismo, la
tiempo atrás me acompañan y las que, tierra de fantasmas obcecados y de
todas ellas, se emparientan de manera obcecados e incansables buscadores de
estrecha con la Sociología y con ese otra vida (la menos pinche, la menos pobre,
universo abigarrado que desde hace la vida en donde pueda uno al menos
tiempo también —¿será acaso el siglo XIX comer, después ya Dios dirá). Me refiero,

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 303


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

claro, a la frontera que se existe entre y si bien, la diferencia hay que respetarla,
México y Estados Unidos, y específi- ella también, en esencia, implica la
camente a la frontera que hay entre Baja existencia de lo otro –sea cosa o sujeto-,
California y California y que me ha tocado lo que pone automáticamente en
vivir (a ambos lados) durante más de 25 funcionamiento la autoafirmación, que
años. no siempre es un proceso pasivo por
ninguna de las partes (las partes que viven
Finalmente la tercera. La razón de ser a entre fronteras). Es decir que en la frontera
partir del diálogo, que puede ser escaso conlleva múltiples dificultades poner la
ahora, pero que se puede enriquecer otra mejilla. Por el contrario, en esencia, la
posteriormente, cuando luego de leer este frontera es campo predilecto de lucha de
escrito, algo, poquito de lo aquí leído, siga contrarios y de allí su esencia conflictiva,
resonando en nuestro interior hacién- más allá de los ecotonos, que sólo implican
donos preguntar: “¿Y bueno, qué carajos una nueva reubicación territorial y un
fue lo que quiso decir el profe Sergio?” De matizado y en ocasiones temeroso
antemano lo expreso: intento hoy escribir intercambio de experiencias sociales.
algo simple, algo sencillo: plantear nuevos
retos, nuevos paradigmas para acercarnos Esa esencia conflictiva de lo fronterizo se
al estudio de la frontera desde el terreno exacerba cuando la frontera hace referencia
de las ciencias sociales. Por razones a territorios geográficos habitados por
expositivas tan sólo, las ejemplificaciones humanos y sobre todo cuando, como hoy
utilizadas se refieren a este lado de la sucede en el caso de nuestra frontera, ella
“Línea”; aunque, sin duda, muchas marca límites entre Norte y Sur y
afirmaciones pueden ser válidas también arropa allí, por ende, toda la violencia que
para el otro lado. ello conlleva. En nuestra frontera – la de
México - Estados Unidos -, socialmente
Corre y se va - como en la Lotería de hablando, el ecotono desaparece y el límite
Tijuana - con… El Valiente… no se presta a dudas: de un lado están los
que aparentemente casi todo lo pueden,
NUESTRA FRONTERA DE TODOS LOS mientras que del otro la pobreza es una
DÍAS marca indeleble desde tiempo atrás. A partir
de ello no debe sorprender la manera en
Visualizar la frontera, cualquier frontera, que los fenómenos sociales que en ella se
desde un punto de vista etno- registran desde hace varios años (quizá
antropológico implica situarnos siempre, veinte o treinta años atrás) y cuya raíz
y quizá antes que nada, en un terreno de esencial han sido y siguen siendo los
conflictos. Toda frontera – en cualquier procesos migratorios (que le dan vida no
terreno - implica límite, es decir diferencia, sólo a los éxodos de indocumentados

304 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

nacionales y extranjeros, sino también a del mar de efluvios teóricos y de caminos


la maquila, a los “transmuters” y a casi recorridos ya cientos de veces?
toda la vida económica de la región), se
hayan convertido paulatinamente en LOS RETOS DE LA CIENCIA SOCIAL
verdaderas danzas de la muerte, cuya
cosecha se diversifica entre quienes Quizá sea excesivo cargarle tanto la mano a
mueren cotidianamente en su intento por la Sociología, pasando por alto los trabajos
“cruzar”, entre los asesinados por los de Bustamante, de Alegría, de Iglesias, de
ajustes de cuenta entre narcotraficantes, Garduño, de Hernández, de Valenzuela o de
entre las que se vuelven “target” de Ganster, por citar a unos pocos que traba-
género como “las muertas de Juárez”, o jan cuestiones sociales de frontera; o
entre quienes sufren las consecuencias Castells, Morin, Bourdieu, Gorz, Gardner,
de la anomia social que cubre con su Foucault, Moscovici, Sennet, Luhman,
manto, particularmente, obvio, a los Maturana, Derrida, etcétera (URSUA,
estratos más pobres de la población. AYESTARÁN, GONZÁLEZ, 2004), en el
campo general de la Sociología
Desde luego, tal dramatización se puede contemporánea. Pero de hecho, a lo que
suavizar si entramos al terreno de los quiero hacer referencia es a algo más de
ecotonos –donde se mezclan y palian de fondo: ¿por qué las ciencias sociales en
muy diversa manera las diferencias - y general se encuentran tan aparentemente
sabemos que allí conviven ya, formando rezagadas respecto a las ciencias duras?
una nueva realidad, fenómenos ¿Por qué ellas, respecto a las segundas,
lingüísticos, educativos, artísticos, no entran todavía a los campos tan
culturales, mediáticos, que dibujan un fascinantes que están abriendo
paisaje menos presagiante que el de las indistintamente la Física (el mundo tan
danzas de la muerte. complejo, pero prometedor, de la
antimateria), la Nanotecnología (ese
Lindo, lindo laboratorio social es la matrimonio tan promisorio entre física y
frontera, nuestra frontera (CUSMINSKY, tecnología), la Robótica (que anuncia
1995; LOWENTHAL; BURGUESS, 1995). un nuevo mundo feliz) o la Biogenética
Pero, frente a ello, ¿qué es lo que ha (donde se puede ubicar, entre otras cosas
hecho y está haciendo hoy la igualmente relevantes, la controversial
Sociología? ¿Qué tanto ella ha clonación)? Campos, los antedichos, que
respondido al cúmulo de retos que están comienzan a dejar atrás las fantasías
allí frente a nuestras narices y ha tratado extremas de la ciencia-ficción, las que cada
de dar respuesta a las problemáticas día nos suenan más a cuentos infantiles.
implícitas? ¿O le han pasado de frente, ¿Qué es lo que realmente hoy está pasando
mientras ella, la Sociología, no logra salir con las ciencias sociales, pregunta que

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 305


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

considero necesario plantear, para entrar acuerpan, se mantiene vigente, inconmo-


luego así al campo específico de los pro- vible su lugar.
blemas sociales de la frontera2?
De hecho, el tiempo de la globalización
Aventuro aquí dos hipótesis de trabajo simple, que se emparentó inicialmente
para contestar mi pregunta antedicha. La sólo o primordialmente con la Economía,
primera de ellas tiene que ver funda- pareciera ser que hoy, luego de menos
mentalmente con el desplazamiento de la preciarla de manera absurda, a quien está
Sociología por dos saberes que, primero llamando para estudiarla más a fondo es a
uno y luego el otro, restaron importancia la Sociología, a través de sus vertientes
al saber sociológico, escindiendo de raíz informacionales, de la teoría del caos o de
(especializando a un grado extremo al la biopolítica.
conocimiento de lo social) a las ciencias
sociales. Es decir, la Sociología fue Pero, segunda hipótesis de trabajo en este
cediendo terreno primero frente a la apartado, ¿podrá la Sociología tradicional
Economía (en su acepción de enfrentar los retos ya no sólo del presente,
macroeconomía) y luego, en el tiempo sino sobre todo del futuro? Aquí,
presente, frente a la Política, convertida contradictoriamente, lo que la Sociología
hoy en la madona que controla se debe de plantear es pensar en el regreso
aparentemente a todos los aparatos a su matriz; es decir, rechazar el proceso
sociales (un poco más adelante retomo de fragmentación especializada a que se
este tema para abordarlo con mayor vio sometida, para volver a considerarse
detalle). Desde luego, ese desplazamiento integrante de un campo único de saberes:
no fue gratuito; él respondió, y sigue el campo de las ciencias sociales, en donde
respondiendo, a las condiciones de los sujetos interesados en ese campo se
operación del sistema social en el tiempo tornan, desde su proceso de formación
presente, tiempo en el cual están hasta en su práctica profesional cotidiana,
operando los sistemas sociales complejos en individuos polivantes, cuyos saberes
que están planteando, como escribe don inciden en el conocimiento de los sistemas
Pablo González Casanova (2004) en un sociales complejos contemporáneos, que
libro que próximamente se publicará, reclaman de ellos, indistintamente,
nuevas posibilidades de estructuración, moverse como peces en el agua, lo mismo
reflexión y acción a las organizaciones en la Sociología, que en la Política, la
sociales. Señalo sólo que allí, la Historia, Economía o la Filosofía, a la vez que estar
como parte de las ciencias sociales, en la bañados de saberes propios de las ciencias
medida que atraviesa longitudinalmente duras (si hacemos una revisión de los
a todas las disciplinas que esas ciencias muchos sociólogos aquí mencionados,
2
Hago mías aquí las reflexiones de Bourdieu (2003) sobre la material.

306 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

fácilmente podemos darnos cuenta de la productivo tiene por <<materia


prima>> el saber, la información,
polivalencia de ellos). la cultura y las relaciones sociales.

Pero, ¿por qué razón tanta crema en los Por un lado subjetividad, por el otro
tacos para ser sociólogo? objetividad, aunque ambas sometidas a una
“vida desequilibrada”, cuya estructura de
Bueno, fundamentalmente, porque vamos saqueo está arrasando tanto al hombre
a ver de qué mundo estamos hablando y como a su entorno espacial. Como sea
así poder estimar el costeo de la tarea. (AREA CIEGA, 2004),

[...] Globalización, postfordismo,


LA KOYAANISQATSI DEL TIEMPO neoliberalismo…,varios conceptos
intentan aferrar las dimensiones
PRESENTE
de una gigantesca mutación
productiva, cultural, social y
antropológica basada en la
¿En dónde estamos situados hoy? Retomo
incorporación masiva de las más
aquí, para situarnos, la noción de “vida sofisticadas tecnologías informá-
ticas y comunicativas, en la
desequilibrada”, Koyaanisqatsi (que dio
descentralización productiva y la
origen a un documental desgarrador, empresa en red, en la reestruc-
turación del mercado de trabajo
musicalizado magistralmente por Philip
hacia la flexibilidad y la precari-
Glass), utilizada por los indios hopis para zación de la existencia entera, en la
expulsión incon-trolada de los
referirse a la devastación del medio
mercados financieros etc.
ambiente. Es decir, hoy estamos hablando
de una nueva etapa capitalista, ¿En dónde estamos situados? Aquí, en
postfordista la llama Alejandro Horowicz donde hoy (DÍA SIETE, 2004, p. 6)
(2004, p.1) en la cual
La humanidad consume los
[…] no estamos hablando de una recursos de la Tierra más
vida cotidiana homogénea, ni de rápidamente que su capacidad
destinos claramente trazados, para sustentar la vida, según un
sino de un sinnúmero de destinos reporte del Fondo Mundial para
individuales que dependen de las la Naturaleza. El porcentaje de
características de la estructura de especies sufrió una caída del
la subjetividad por una parte, y 40% entre 1970 y 2000 como
de la naturaleza de la objetividad consecuencia de la demanda de
nacional por la otra. alimento y agua.

O como Virno (2005) la concibe: Pero, ¿cómo es entonces que la vida


desequilibrada nos afecta? ¿A quién
En la metrópolis postfordista
[…] el proceso de trabajo material afecta primero: a los sujetos o a los
puede describirse empíricamente
como un conjunto de actos
objetos? No, allí no hay principio ni fin;
lingüísticos, como una secuencia no hay dilema entre huevo y gallina; allí,
de aserciones, como interacción
simbólica […] porque el proceso

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 307


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

como lo escribe José Manuel Naredo Sobre ambos temas, la respuesta gira en
(2004, p. 13), torno a la modificación sustantiva del
modelo capitalista en la etapa actual,
[...] en el marco de la llamada
“globalización”, el objetivo caracterizada por Horowicz (2004, p.10)
generalizado del crecimiento
económico promueve la
por el fin de la demanda insuficiente, dada
progresiva explotación y uso la existencia de una producción suficiente
humano masivo de la biosfera, la
corteza terrestre, la hidrosfera y y por ende la existencia de un consumo
la atmósfera, unidos a la esquizofrénico
expansión de asentamientos e
infraestructuras, a ritmos muy El placer ya no determina la dieta
superiores al del crecimiento alimentaria, la salud no determina
demográfico, que están dejando más la dieta alimentaria, la
huellas de deterioro territorial Indumentaria determina todo:
evidentes: ocupación de los suelos una dictadura más imbécil y más
de mejor calidad agronómica para profundamente deshumanizada no
usos extractivos, urbano- se ha visto jamás (HOROWICZ,
industriales e implantación de 2004, p.10).
infraestructuras, reducción de la
superficie de bosques y otros
ecosistemas naturales con gran Y lo que se puede decir de la Indumentaria
diversidad biológica e interés
paisajístico, avance de la erosión, se puede extender a diversas actividades
los incendios y la pérdida de la
humanas igualmente alienantes; es decir
cubierta vegetal etc.
que vivimos en un mundo en donde ya no
¿No acaso lo anterior tiene que ver existen necesidades insatisfechas por
muchísimo con nuestro entorno, con incapacidad productiva (hoy como nunca
nuestra frontera, que sufre la instalación se produce mucho más de lo que se
de regasificadoras, carencia creciente de necesita), sino por problemas de
agua, urbanización siempre al borde del distribución de lo producido, dado que
colapso, cultivos agrícolas extensivos en entre la generación de riquezas y su
las cada vez más escasas tierras agrícolas, apropiación media la propiedad privada,
expansión esquizofrénica de maquila y pues (HOROWICZ, 2004, p.9) hoy como
paisajes costeros dominados cada vez nunca “El capitalismo es esquizofrenia, el
más por edificios de todo tipo destinados capitalismo produce esquizofrenia y
para satisfacer indistintamente al turismo funciona esquizofrénicamente. La esquizo-
y a la industria? frenia es su lógica funcional”.

¿Por qué el radicalismo tan marcado del


Al respecto hay dos problemas a resolver.
brillante sociólogo argentino aquí citado?
Uno, ¿cómo se ha llegado a tal estado de
Quizá por aquello que el médico Hern
destrucción socio-ambiental? Dos, ¿cómo
señalara desde 1990 al apreciar (NAREDO,
es que se permite la reproducción
2004, p.14)
ampliada de la crisis? […] una fuerte analogía entre las
características que definen los

308 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

procesos cancerígenos y la miento exponencial de sus malestares, b)


incidencia de la especie humana
sobre el territorio, apoyándose su surgimiento no obedece a reglas
en las similitudes observadas
entre la evolución de las manchas
regulares y metódicas, c) no hay grados
cancerígenas reflejadas en los de maldad (se es malo y eso es suficiente),
escáneres y las que recoge la
cartografía sobre la ocupación del d) su avance es incontrolable y contamina
territorio. a todo lo que encuentra a su alcance.

Y, más aún, si pudiéramos escanear hoy Margalef (NAREDO 2004, p 19-20)


los comportamientos sociales de los propone un indicador que marca así tal
humanos, para nada sería sorprendente la decadencia del sistema:
existencia de una cartografía similar a las
[… ] la fracción cada vez mayor
anteriores, en donde las zonas de salud se de recursos que reclaman las
funciones (e infraestructuras) de
ven cada vez más restringidas. Allí nada
transporte, administración, control,
fue primero ni nada después: existe un defensa o policía, a la vez que se
reduce la fracción de recursos
entrelazamiento de los malestares, que ligada a verdaderas ganancias de
particularmente evolucionan paralelos los información o al simple disfrute
de la vida.
tres, generándose así entre ellos una
analogía sorprendente. El maestro En otras palabras, vivimos cada vez más
español Naredo (2004) nos lo explica en tensión continua, pues “[…] este
caracterizando a cada uno de esos modelo de gestión parasitaria nos
territorios de desastre. Cito a los tres sin arrastra hacia estados de mayor entropía
que exista orden o jerarquía. Uno, el planetaria” (NAREDO, 2004, p.20).
Meloma, que se caracteriza por: a) un
crecimiento rápido e incontrolado, b) Digo, es dura pero es real esta
metástasis en diferentes lugares, c) Koyaanisqatsi, “vida desequilibrada” en
indiferencia de las células malignas, d) la que hoy nos ha tocado sobrevivir.
invasión y destrucción de los tejidos
adyacentes. Dos, Conurbación Difusa, EL PRESENTE ABIGARRADO
caracterizada por: a) desarrollo urbanístico
movido por ilimitados afanes de lucro, b) Metidos de lleno en la vida desequilibrada
el modelo de la conurbación difusa envía del presente, una primera tarea es
trozos de ciudad a puntos alejados (e reconocer su existencia y admitir que ella
infraestructuras), c) el estilo universal ha modificado sustantivamente las reglas
unifica las tipologías constructivas, d) la cotidianas de sobrevivencia, virtualmente
conurbación difusa y el estilo universal en todos los terrenos en que nos movemos
destruyen los asentamientos y edificios de manera cotidiana. A pesar de que los
preexistentes. Tres, la Anomia Social, rasgos más dolorosos y execrables de esa
cuyas características serían: a) un creci- vida nos lastiman cotidianamente (¿no

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 309


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

nos gobiernan o nos van a gobernar aquí tienen territorio delimitado, sino que ya
en la frontera verdaderos gángsteres, y son capaces de moverse indistintamente
qué hacemos frente a ello?), no siempre desde San Francisco a Panamá y
y no todos estamos concientes de eso. Colombia- , ese neotribalismo sin duda
Es decir que paulatinamente se impone ha afectado la vida cotidiana de nuestros
un estado de indolencia generalizado jóvenes en la frontera, conservando, sí,
frente a la crisis, lo cual dificulta muchos de sus rasgos originales - sus
primero su reconocimiento y luego ya construcciones comunicativas y
no se diga el luchar por transformarla. mediáticas, su tendencia hacia lo icónico,
su marginalidad etcétera (VALEN-
Pero, segunda premisa, también es ZUELA, 1988)-, pero añadiendo hoy a
indudable el hecho de que ese presente ello otros rasgos quizás hasta hoy no
complejo, en donde la vida desequilibrada suficientemente valorados –no por mí,
tiene lugar, trae consigo nuevas realidades reconozco- : una movilidad sorprendente,
que, en un plazo de tiempo muy corto, han que no reconoce territorios ni soberanías
modificado sustantivamente la esencia de nacionales, y sobre todo poseedores de
los fenómenos que desde tiempo atrás, un caudal de prácticas violentas que se
por ejemplo en nuestra frontera, se extienden y enriquecen sin cesar, al
manifiestan cotidianamente. Pongo, al grado de estar convertidos estos grupos
respecto, dos ejemplos, entre un verda- neotribales en verdaderos ejércitos de
dero cúmulo que se pudieran plantear. mercenarios que recorren y dominan
extensiones territoriales cada vez más
Uno, el fenómeno de las tribus urbanas amplias y cuya capacidad de convo-
(COSTA, PÉREZ TORNERO, TROPEA, catoria no tiene límite. ¿Qué tanto este
1996), que nos ilustra sobre los neotribalismo ha rebasado la existencia
problemas de la identidad juvenil en un tradicional de rockers, mods, hippies,
mundo – el de los jóvenes - que se mueve skinheads, punks, chavos banda y
agitadamente entre el culto a la imagen, cholos, que se han considerado en
la autoafirmación y la violencia, y que diferentes momentos los grupos
si bien originalmente se vinculó sobre marginales dominantes de nuestra
todo a las “gangas” de las ciudades sociedad fronteriza? ¿Qué tanto su
norteamericanas o a la mezcla explosiva existencia obliga a revisar más
de interculturalidad de las ciudades rigurosamente nuestro sistema social
europeas o de nuestra misma frontera, hoy complejo de la frontera, para darnos
aparece diseminado y brutalmente cuenta de cómo la operación de las
enriquecido en las zonas más disímbolas neotribus está hoy vinculada al fluir de
del planeta. Llevado a sus extremos por las aguas subterráneas de la política o del
los “marasalvatruchas” – que hoy ya no crimen organizado? ¿Qué tanto su actuar

310 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

provocador, irreverente y agresivo se intra o extranacionales) y que recorre


extiende como una marca de agua que, cada vez mayores distancias (de China o
al igual que un tatuaje, sella hoy la piel Brasil hacia Estados Unidos, de países
de múltiples jóvenes de nuestra frontera africanos o sudamericanos hacia
y ello impacta la vida de la sociedad Europa), sino fundamentalmente como
toda, al originar la existencia de un l a posibilidad de explicarnos esos
cúmulo casi infinito de acciones que fenómenos de una manera diferente,
ponen en riesgo continuo la hoy cada precisamente en el marco de ese presente
vez más endeble seguridad pública? complejo de vida desequilibrada que
¿Qué tanto, en fin, las nuevas tribus hoy nos ha tocado vivir.
urbanas se diferencian de las antiguas?
Así, Attali (1999) lo plantea en estos
Pero, sin duda, el fenómeno más términos:
apasionante - otra vez para mí - que Nómada: Arquetipo humano del
siglo próximo [el autor se refiere
tiene que ver con nuestra frontera, y en aquí al siglo XXI] […] el 5% de
general con todas las fronteras, es la la humanidad se ha hecho
nómada:trabajadores emigrantes,
neomigración, entendida no sólo como refugiados políticos, campesinos
un nuevo flujo de movimientos expulsados de su tierra, además
de no pocos miembros de la
migratorios, sino con las nuevas formas hiperclase […] Dentro de treinta
de asumir la comprensión de esos años, al menos la décima parte
de la humanidad será nómada –
fenómenos, involucrando en ello, aquí de lujo o de miseria.
sí, no sólo a la Sociología, sino a las
ciencias sociales en su conjunto. De ello, o de nociones similares, Rosi
Braidotti (2003, p. 72) extrae la premisa
Parto de una experiencia particular - el siguiente:
[…] toda esa fuerza de trabajo que
diálogo polémico que tengo establecido hoy se clasifica precipitadamente
con colegas mexicanos, españoles e bajo la rúbrica de “migración”
podría ser redefinida como
italianos sobre la materia-, para hacer ciudadanos a tiempo parcial o
algunos planteos. Planteos que ciudadanos temporales. El derecho
de pertenecer a una nacionalidad
devienen desde inicios de los noventa no descansaría entonces en el
de las tesis de Attali contenidas primero espacio – la tierra, el suelo, el
zócalo familiar, el contrato
en Milenio (1995) y luego en Diccio- laboral en un lugar ubicado en el
nario del siglo XXI (1999); de Braidotti interior del Estado-nación—, sino
más bien en el tiempo o el plazo
(2003), y finalmente de Hardt y Negri de la afiliación por parte de un
(2002). Insisto, la neomigración se debe sujeto al espacio social en el que
él/ella funcione […] los itinerarios
entender no sólo como la extensión en del devenir nómadas nos aguardan:
número de la población que se mueve ahora es nuestro turno.

de un lugar hacia otro (en movimientos

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 311


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

En ese esquema, lo que la neomigración de la socialidad y de las movili-


dades respectivas.
nos estaría planteando serían al menos
tres cosas, que expreso aquí de manera Y desde luego, los que estamos totalmente
muy sintética. de acuerdo con eso, somos quienes desde
este lado de la “Línea” estamos viendo el
Uno, el surgimiento de nuevas transcurrir de la neomigración, del noma-
ciudadanías, unas vinculadas a la dismo creciente… Pero no sólo nosotros.
neomigración, otras a la “internetasización” También los que están viendo esos fenó-
de la vida cotidiana (CASTELLS, 2001; menos desde el otro lado, se comienzan a
CHUDNOUSKY, 2004), que tarde que preocupar reactivamente.
temprano plantearán (de hecho ya están
planteando) nuevas relaciones sociales en
el marco planetario; relaciones sociales que DE QUÉ VECINDAD HABLAR
requieren actualizar necesariamente
nuevas alternativas polí-ticas y legales. No es este el momento de desmenuzar el
pensamiento de Samuel Huntington,
Dos, el redimensionamiento que está presente en sus diferentes libros. Tampoco
sufriendo en la vía de los hechos la noción de hincarle diente al reaccionarismo que se
de soberanía (BERGALI; RESTA, 2000), repite (pues siempre ha estado presente en
que ha tenido necesariamente que todos sus libros) en ¿Quiénes somos?
flexibilizarse, a la vez que ha puesto en (2004). Lo que intentaré aquí, siguiendo la
crisis la noción de Nación que nos heredó lógica de esta exposición, es plantear cómo
el liberalismo desde el siglo XVI. Tres, si nuestra situación de estudiosos de las
bien ubicados en los trabajos socialmente ciencias sociales en la frontera puede, a
marginales, el peso demográfico de los contracorriente de las tesis de Huntington,
migrantes al crecer cuantitativamente a través de un conjunto de acciones
también lo ha hecho cualitativamente y eso sociales de muy diversa naturaleza,
está originando respuestas de contra- ejecutadas sincrónica y asincrónicamente
violencia física y de represión política cada por la población mexicana y la mexicana
vez más marcada por parte de los nativos. asentada en Estados Unidos, ir
deconstruyendo la noción etnocentrista y
Frente a ese nuevo universo social, dice hegemónica que permea hoy particu-
Braidotti (2003, p.73), larmente el pensamiento de Huntington, en
aras de permitir que las multiplicidades
[…] la relación entre los
ciudadanos a tiempo completo y complejidades que acompañan al
y las minorías/ migrantes/ sin nomadismo México-Estados Unidos tengan
papeles, emigrados, refugiados
y exiliados ha de redefinirse a una expresión social nueva, diferente, que
través de unas prácticas diferentes garantice que estos nuevos ciudadanos

312 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

(¿ciudadanos de dos países al mismo de origen latinoamericano, y particu-


tiempo?) tengan un espacio binacional larmente mexicana, en Estados Unidos
propio, singular, nuevo de una u otra manera. conforma hoy una realidad otra a la cual
hay que atender.
Así, al separar mañosamente cultura de
individuos y retomar las tesis weberianas Así, por un lado, se hace necesario
de la ética protestante, para Huntington reconocer un complejo proceso de
se vuelve tarea sencilla - en el interior de la desterritorialización que hace vigente no
sociedad multiétnica y multirracial en que sólo lo simple –la doble nacionalidad—,
está convertida hoy la estadounidense - sino más que nada la acción en la práctica
abogar, en respuesta a los desafíos – según de ejercer derechos de todo tipo en dos
este autor - que plantea la inmigración, países diferentes, sin que importe el
retomar aquellos valores y principios tiempo o tipo de permanencia que se
surgidos de la ética protestante, base de la tenga en uno o en otro de esos países.
identidad estadounidense, para que así, sin La existencia de estos nuevos ciudadanos
reticencias, los fundadores de su Nación binacionales reclama la revisión urgente
recuperen los terrenos perdidos ante el de los stata legales, y en general sociales,
acoso inmigratorio tanto de los afroame- hasta hoy vigentes.
ricanos, como particularmente hoy por
parte de los hispanos. Siendo sobre estos Otro aspecto igualmente complejo tiene
segundos en donde recaen los reclamos que ver con las economías nacionales.
más virulentos de este profesor, quien, entre Pues, por un lado, la fuerza de trabajo
otras cosas, al hablar de la identidad nómada le es irremplazable a las
estadounidense olvida, obvio, a los economías receptoras, mientras que a las
pueblos indios que habitaron originalmente expulsoras les son cada vez más vitales
a su Nación. los recursos provenientes de nuestros
trabajadores externos, al margen de que,
ni en uno ni en otro lado, los derechos de
¿QUÉ PLANTEA LO ANTERIOR? esa fuerza laboral se respeten.

Sintetizo otra vez mis ideas (todas ellas Finalmente, lo que considero más tras-
vinculadas, y precisamente por ello cendente, la neomigración resultado del
polémicas, con la neomigración), centrán- nomadismo hoy, vuelve a decir Braidotti
dome sobre todo en lo que tiene que ver (2003, p.74), es necesaria “[...] como proceso
específicamente con México, reconociendo político y, por lo tanto, como proyecto trans-
de antemano, pero de manera muy versal, a través de una multiplicidad de
diferente a lo planteado por Huntington, espacios y estructuras”. Esa nueva realidad
que, en efecto, la presencia de población política que conforma la presencia de

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 313


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

población mexicana en Estados Unidos ha Delfos (JANTSCH, KAHN et al, 1970;


recibido hasta hoy sólo respuestas HAGEN, 1995) y pronosticar escenarios
tradicionales, manteniéndo se virtual- que bien se pueden o no concretar, pues
mente inéditas las posibilidades de las tendencias son cada vez más
construir nuevas estrategias, necesa- inestables y el manejo de los cono-
riamente binacionales, que le den a esa cimientos se dosifica a través de
población la posibilidad de moverse elucubraciones de las más diversas
socialmente con mayor presteza y especies. Pero hoy el futuro plantea
efectividad en un mundo que está algunos escenarios irreductibles e
planteando nuevos e inéditos retos en indudables.
cuestiones laborales, legales, culturales
o educativas. El primero de ellos lo establecen Hardt
y Negri (2002), quienes nos piden
Me pregunto, frente a ese presente entender la enorme pobreza política de
complejo que se conforma particularmente la sociedad contemporánea y la enorme
aquí en la frontera, que se torna así incapacidad de las mayorías para
chiclosa, flexible, vana ocasionalmente, imponer su punto de vista, frente al
¿cuáles son las acciones a emprender, creciente saber de los sectores hoy
insisto que desde el terreno de las ciencias privilegiados de la sociedad. Nunca,
sociales, para ir conformando las como hoy, la dominación se ha tornado
respuestas al presente, pero sobre todo tan compleja, a la vez que difícil y
al futuro que cada vez nos alcanza más? complicada la posibilidad de la liberación
Además, ¿tomando en consideración (no es difícil diseñar futuros fraternales
vehementemente que hablamos de o de esperanza; el problema radica en
política, de economía, de cultura, de concretarlos).
educación, de todo accionar social
virtualmente, cuáles son los quehaceres El segundo es también un escenario
entonces? pesimista, pues implica reconocer que
los procesos que se suponía cam -
biarían, gradual y pacíficamente, las
NUESTRAS TAREAS COMPLEJAS injustas condiciones sociales de vida,
se encuentran cada vez más sometidos
¿Qué depara el futuro a las ciencias a los procesos de dominación y han
sociales en la frontera? Bueno, en perdido toda su capacidad libertaria.
principio, ¿qué depara el futuro a las Me refiero al establecimiento del estado
ciencias sociales en general? Responder de bienestar keynesiano y al potencial
a ello, en lo fácil, conlleva jugar un liberador que procesos tales como lo
poco a la prospectiva basada en técnicas educación se pensaba conllevaban.

314 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

Hoy, tales utopías se han venido al piso. complejos, que en lugar de disminuir
El tercero de esos escenarios lo enuncia consolidan el poder de las mega-
así Wallerstein (1998, p.98) en los futuros corporaciones. Digamos que es el caos
inmediatos y remotos supuestamente el que fortalece a las
sociedades dominantes actuales, pues
[…] se librará una lucha en formas ellas, en la medida que dicho caos se
múltiples: violencia abierta,
batallas electorales y legislativas incrementa, se tornan más consistentes y
casi corteses, debates teóricos expoliadoras. Dado lo anterior, establece
dentro de las estructuras del
conocimiento y llamamientos González Casanova (2004, p. 12), pareciera
públicos a una retórica desco- ser que la única salida opcional para las
nocida y con frecuencia acallada.
organizaciones alternativas es jugar al
mismo juego: la teoría del caos; es decir
Pero dentro de esas luchas atercio-peladas
irá aumentado paulalatinamente el libre
Frente a las organizaciones
albedrío de sectores cada vez más simples a que estamos acostum-
brados, con centralización
amplios de la población y entonces esas
piramidal de decisiones [es decir
luchas se transformarán y mul-tiplicarán partidos políticos actuales o
sindicatos tradicionales], es
y nosotros, dice Horowicz (2004, p. 11)
necesario pensar siempre en
términos de organizaciones de
[…] vamos a aprehender de corporaciones y de complejos
millones de luchas que se van a que combinen las redes con
librar, y esas nuevas luchas nos autonomías y con jerarquías. Las
van a enseñar, como en su organizaciones alternativas no se
momento la Comuna de París, cuál
van a distinguir por mayores
es el nuevo camino […] Nadie
autonomías y menores jerarquías,
sabe cómo va a ser eso.
sino por la mayor participación
de sus integrantes en la rede-
Este tercer escenario, pues, no es ni pesi- finición de unas y de otras.

mista ni optimista. Es, sólo es.


El centralismo leninista, así, por ejemplo,
Pero sepámoslo o no ahora, hay cosas queda ubicado casi como objeto de
que sí podemos saber vinculadas al futuro. museo. A diferencia, la nueva propuesta
organizacional - que debemos concebirla
Así, el mesianismo que prefiguran las no sólo situada en el terreno de la política,
opciones hoy de futuro, nos lleva a sino en la totalidad de lo social- finalmente
establecer la existencia de un orden social nos plantea un futuro que no sólo se
en efecto dominado por el caos.Pero no, prevé, sino que se construye y su
sorpresiva y contra-dictoriamente, de un construcción implica lucha, por lo que se
caos caracterizado sólo por el desorden, debe asumir como problema episte-
sino de uno acompañado siempre de mológico y sobre todo como articulador
procesos organizacionales cada vez más de la ética como poder.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 315


La frontera: futuros imprevisibles, paradigmas en construccion

LA ÉTICA: ¿PUNTO DE EQUILIBRIO nada nos cuesta verificar, a la vez, pues,


O PUNTO DE RUPTURA? que marcan indeleblemente la decadencia
de los viejos modelos de recambio social,
Abordo así, pues, el punto final de esta al hacernos la pregunta de “Bueno, ¿y ahora
disquisición: ¿de qué ética estamos qué?”, parecieran agarrarnos con las manos
hablando? O antes aún: ¿por qué la ética? vacías, si sobre todo reconocemos que ya
Su paciencia como lectores puede ser que ni la ética funciona; al menos, la ética
se esté agotando, y de allí que sólo dedique fundada en valores. Pero si tal ética no
algunas notas dispersas para abordar esta funciona, ¿hay otra que sí funcione?
cuestión. Así, parto de una premisa Esbozo sólo la respuesta, pues buena parte
construida a lo largo de lo hasta aquí de ella nos corresponde a cada quien darla.
expuesto y que fundamentalmente tiene que
ver con la existencia de una realidad social Es decir, el planteo de una nueva ética –
sobrecogedora no sólo por lo que la yo diría que sorprendentemente— nada
caracteriza, sino por el fatalismo implícito tiene que ver con lo social; al menos no
en su reproducción: estamos mal y con lo social entendido como normas de
caminamos hacia lo peor, de ahí entonces convivencia con otros (ojo: convivencia no
que necesitamos construir nuevas reglas sólo entre humanos). En otras palabras, la
del juego para ver si es aún posible nueva ética no es social – al menos no lo es
recomponer el futuro. En otras palabras, si en un primer momento-, sino funda-
se trata de construir nuevas reglas sociales, mentalmente se concibe como un proceso
tiene necesariamente que intervenir la ética, subjetivo; es decir de formación del sujeto.
pero no de la manera tradicional con que, al ¿Qué quiere decir esto? Uf, muchísimas
menos desde los griegos, lo ha venido cosas, pero, en síntesis, conlleva la idea de
haciendo: establecer reglas universales que que, desde el primer momento de su
se tornen, vía la ley, en paradigmas conciencia, el humano debe saber que no
obligatorios para todos. Eso ha sido, desde está solo, pero que en su transcurrir como
los griegos, un fracaso y un engaño tal, es decir como humano, él y sólo él será
continuo, que virtualmente sólo ha el responsable de sí mismo, de la misma
contribuido a llegar a donde hemos llegado. manera que son responsables de sí mismos
Un engaño que hoy nos tratan de nuevo los otros (un “los otros” genérico, que
de vender, hablándonos ostentosamente de incluye a las personas y a las cosas). Ahora
los valores: ¿los valores de quién o quiénes, bien, no se crea que ese proceso de
para qué, si el poder social vigente opera al individuación es nuevo. Más bien yo diría
margen de cualquier valoración y pasa por que es extremadamente remoto y que tiene
encima, así, de cualquier sujeto? que ver, indistintamente, obvio, con el
pensamiento zen, con las tradiciones
El presente complejo y los futuros del caos, chamánicas, con la heterodoxia de los
que particularmente en nuestra frontera cátaros o, un poquito más acá, con las

316 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


Sergio Gómez Montero

enseñanzas del Maestro Eckhart y que yo, con los ojos abiertos, nada veía y
esa nada era Dios; puesto que,
resumiendo burdamente, identificaría con cuando ve a Dios, lo llama una
el respeto a los seres y saberes de todos, a nada. El segundo [sentido es]: al
levantarse, allí no veía nada sino
la impermanencia, al fluir de la conciencia a Dios. El tercero: en todas las
y a la búsqueda continua del punto de cosas nada veía sino a Dios. El
cuarto: al ver a Dios veía a todas
equilibrio. O, si se quiere, tiene que ver las cosas como una nada.
también con lo que José Antonio Marina
(2000, p.229) llama “La inteligencia ética”, ¿Una respuesta es la válida o todas las
la que en términos de ultramodernidad respuestas valen? O, como yo he tratado
nos permite afirmar “[…]que la ética es el de plantear aquí el saber social: ¿qué caso
gran proyecto que la inteligencia humana tiene la pregunta, si no estamos
hace sobre sí misma”. ¿Que allí se encierra capacitados antes para formularla? En otras
el contenido de todos nuestros saberes? palabras, escojan su carta; con qué carta
Puede ser, pero lo que debemos pregun- les gustaría ganar este juego de la Lotería
tarnos más bien es por qué no lo aplicamos. de Tijuana… Cuando lo decidan, todos
Sólo al irle dando respuesta a esa pregunta, juntos podremos gritar: “¡Lotería!”
la ética allí implícita, al consolidar al
sujeto, logrará que éste, entonces sí, Artigo recebido em: 24/08/2005
cambie su presente complejo y vislumbre Aprovado para publicação em: 10/05/2006.

un futuro menos presagiante. Nietzsche,


Foucault, Heidegger (SCOTT, 1990) así The border: unforseeable futures, paradigms
in construction
lo creían, y eso, al menos, también yo lo
creo. Abstract: The article tries to make an analysis - a
longitudinal section of which they have been the
more excellent theoretical approaches to develop
the study of the border between Mexico and the
United States and of the social phenomena there
UN EPÍLOGO CABALÍSTICO registered, to be able to visualize from it present/
displays and future of that complex territory, is
the basic content of this test, treating to make
En fin, terminamos. Permítanme, tan sólo, therefore a brief route by a social present in where
the intersections are multiple and also analyzing
como corolario de este grupo de pinceladas
how they are turned the source who feeds the
y brochazos diversos en torno a las continuous innovation of knowledge, which puts
in the rug of the discussion a whole set of subjects
ciencias sociales en la frontera, utilizar
and institutions that move in border.
precisamente al Maestro Eckhart (2001,
Keywords: Border; Sociology; Migration.
p.87) para reflexionar sobre lo siguiente.
Cuando San Lucas en los Evangelios dice
A fronteira: futuros imprevisíveis, paradig-
“Saulo se levantó del suelo y, con los ojos
mas em construção
abiertos, nada veía”, eso, dice Eckhart,
Resumo: Este artigo procura fazer uma análise –
Me parece que esa palabra tiene um corte longitudinal - de quais têm sido os
cuatro sentidos. Un sentido es enfoques teóricos mais relevantes desenvolvidos
éste: cuando se levantó del suelo, acerca do estudo da fronteira entre o México e os
Estados Unidos e dos fenômenos sociais nela

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006 317


Sergio Gómez Montero

registrados, para poder visualizar o presente e HARDT, M.; NEGRI, A. Imperio. Barcelona:
antever o futuro desse território complexo. Esse Paidós, 2002.
é o conteúdo básico deste trabalho, traçar uma
rota breve sobre a realidade social onde as interse- HOROWICZ, Alejandro. Una máquina de
ções são multiplas e como estas se retro-alimen- pensamientos. Buenos Aires, Política
tam e se convertem na fonte que fomenta a ino- Internacional. Net: Argentina, 2004.
vação contínua de saberes pondo em discussão
todo um conjunto de sujeitos e instituições que se HUNTINGTON, S. P. ¿Quiénes somos?,
movem em torno da fronteira. Barcelona: Paidós, 2004.

Palabras-chave: Fronteira; Sociologia; Migração. JANTSCH, E.; KAHN, H. et al. Pronósticos del
futuro. Madrid: Alianza Editorial, 1970.

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http://www.hipersociología.org.ar/, Buenos Aires, México: Siglo XXI Editores,1998.
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Sobre o autor:
COSTA, P.; PÉREZ TORNERO, J. M.; TROPEA,
F. Tribus urbanas. Barcelona, Espanha, 1996. 1 Sergio Gómez Montero.
Licenciado en Literatura Hispánica e Hispano-
CUSMINSKY, Mogilner, R. California, americana en las Universidades Nacional
Problemas Económicos, Políticos y Sociales. Autónoma de México (UNAM), Puebla y Sonora.
Distrito Federal, México:UNAM, 1995. Catedrático na UNAM, Universidade de Puebla, de
Sinaloa, Autónoma de Chapingo, Pedagógica
Día Siete, n. 226, Distrito Federal, México,2004. Nacional (UPN). Mestre visitante da Estatal de
GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo. Las nuevas San Diego, California. Docente-investigador de la
ciencias y las humanidades. De la academia UPN, subsede Ensenada.
a la política. Barcelona: Anthropos, 2004 E-mail: gomeboka@telnor.net

HAGEN, S. How the world can be the way it Endereço Postal: en EU: PMB-017, P.O. Box
is. USA: Quest Books, 1995. 189003, Coronado, CA, 92178-9003.

318 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 303-318, set./dez. 2006


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

Amarildo Jorge da Silva1


Ana Oliveira Castro dos Santos2
Ricardo Roberto Behr3

Resumo: Neste artigo tem-se como objeto de periência e como ela se manifesta para uma
análise as implicações entre o processo de
aprendizagem pretérita e presente do sujeito e a determinada consciência. Para tanto, a es-
gestão de uma unidade educacional de ensino
fundamental. O objetivo principal do texto é
colha da entrevistada, deu-se em função da
analisar e interpretar a experiência vivida do fazer relação existente entre os membros de um
reflexivo exercendo o ofício de gestora numa
unidade educacional de nível fundamental. Utiliza- grupo de estudos na área da Psicope-
se como arcabouço teórico alguns pressupostos dagogia. A paixão, o entusiasmo, a serieda-
da formação centrada na pessoa. O artigo é
eminentemente qualitativo. A abordagem da de, e o embasamento teórico-prático, no
pesquisa ancora-se no método de fenomenologia pensar, no sentir e no agir de forma crítica e
hermenêutica. Utiliza-se como procedimento de
coleta de dados a técnica de entrevista em criativa demonstrada ao longo desses es-
profundidade de três etapas. O resultado da análise
tudos, nos apontou alguém especial, sin-
e da interpretação da história de vida da gestora
Carmem indica que a sua formação social e gular e acima de tudo, admiravelmente com-
histórica tem implicações no seu modo de atuar
profissionalmente. Indica também implicações
prometida e empenhada com a educa-
noutros papéis que a referida diretora cumpre na ção, nossa atriz social Carmem.
sociedade mais ampla.

Palavras-chave: Processo; Aprendizagem; Gestão. Carmem compartilha conosco sua experiên-


cia vivida no mundo-vida: a educação es-
colar. Num momento de extremo labor e cor-
PALAVRAS INICIAIS
rerias peculiares ao início de mais um ano
escolar, ela abriu espaço e tempo para que,
Os objetivos deste trabalho ancoram-se nas
entre livros, cadernos, giz de cera e aponta-
dobras do processo de descrição, de carac-
dores, fosse possível empreender um pro-
terização, de análise, de compreensão e de
cesso reflexivo sobre si mesma e sua práxis,
interpretação da experiência vivida do fa-
por isso, expressamos desde já nossos agra-
zer reflexivo de uma diretora de escola do
decimentos.
Ensino Fundamental e Pré-Escolar.

PERSPECTIVA METODOLÓGICA
Através do enfoque fenomenológico, pro-
curou-se entender o significado desta ex- Buscar o significado da experiência vivida

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 319


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

de um gerente a partir de seu entendimen- Ressalta-se que o entender do significado


to, a priori, foi caracterizado por muita an- fenomenológico está relacionado com a
gústia e dificuldade de se trabalhar com o experiência vivida do ser, pois conforme o
método fenomenológico hermenêutico entendimento de Van Manen (1990), a ex-
numa abordagem humanista compreensiva periência vivenciada é o ponto de partida e
e construtivista. Em termos efetivos, a bus- de chegada da pesquisa fenomenológica.
ca de compreensão do método fenomenoló- O objetivo da fenomenologia é transformar
gico deu-se no processo de elaboração do a experiência vivenciada, em uma expres-
texto, no qual buscou-se o entendimento e são textual de sua essência (de modo que o
o significado da experiência vivida do que efeito do texto seja de uma só vez um reviver
representa ser um dirigente escolar (geren- reflexivo e uma apropriação refletiva de algo
significante: uma noção pela qual o leitor é
te). Isso remete ao pensamento de Merleau-
intensamente reanimado em sua própria
Ponty (1999, p.1) reportando-se ao ser en-
experiência vivenciada). Experiências vivi-
quanto unidade básica da fenomenologia e
das aglutinam significância hermenêutica à
o seu verdadeiro sentido. Para o autor, "a
medida que nós, reflexivamente, as reuni-
fenomenologia é o estudo das essências: a
mos, dando memória a elas. Através de
essência da percepção, a essência da cons-
meditações, conversações, devaneios, ins-
ciência [...]".
pirações e outros atos interpretativos, nós
atribuímos significação aos fenômenos
Entende-se a fenomenologia enquanto pos-
vivenciados.
sibilidade de pensamento, na qual
Van Manen (1990) observa que quando um
[...] o fenômeno pela consciên-
cia, enquanto fluxo temporal de fenomenologista pergunta pela essência de
vivências e cuja peculiaridade é a um fenômeno (uma experiência vivenciada)
imanência e a capacidade de ou-
torgar significado às coisas exte- ela se torna não muito diferente de um es-
riores. [...] A fenomenologia é forço artístico, de uma tentativa criativa que
uma descrição da estrutura espe-
cífica do fenômeno (fluxo de alguma maneira captura um certo fenô-
imanente de vivências que cons- meno da vida em uma descrição lingüística
titui a consciência) e, como des-
crição de estrutura da consciência que é tanto holística e analítica, evocativa
enquanto constituinte, isto é, e precisa, quanto única e universal, pode-
como condição a priori de possi-
bilidade do conhecimento, o é na rosa e sensitiva. Assim, o tema apropriado
medida em que ele, enquanto para a investigação fenomenológica, é de-
Consciência Transcendental,
constitui as significações e na terminado pelo questionamento da nature-
medida em que conhecer é pura za essencial de uma experiência vivenciada:
e simplesmente apreender (no ní-
vel empírico) ou constituir (no um certo modo de ser no mundo, o que para
nível transcendental) os signifi- Husserl (1980, p.10) se constitui num
cados dos acontecimentos natu-
rais e psíquicos (HUSSERL, "certo modo de um ente ser visado pela
1980, p.7).
consciência".

320 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

Por sugestão de Van Manen (1990, p.25), Para entrevistar nossa atriz social, utilizou-
um dos aspectos do método fenomeno- se a técnica de entrevista sugerida por
lógico é a identificação de temas. Segun- Seidman (1998), que foi desenvolvida em
do ele, três etapas. Foram realizados então, três en-
contros com a entrevistada em seu próprio
Temas fenomenológicos podem local de trabalho. O intervalo entre as en-
ser entendidos como as estrutu-
ras da experiência. Assim, quan- trevistas foi de uma semana seguindo a
do nós analisamos um fenôme-
no, estamos tentando determi-
sugestão de Seidman (1998, p.15), já que o
nar o que os temas são, as estru- espaçamento de três dias a uma semana
turas de experienciar que com-
põem aquela experiência. Seria consiste em um tempo que no entendimen-
simplista, porém, pensar em te- to do autor, "é bom para o entrevistado re-
mas como formulações concei-
tuais ou declarações categóricas. fletir sobre a primeira entrevista, mas não é
Afinal de contas, é experiência tempo o bastante para esquecê-la". [...] Para
vivida que nós estamos tentan-
do descrever, experiência vivi- o entrevistador, esse tempo é bom porque
da não pode ser capturada com
“evita entrevistas idiossincráticas na qual
abstrações conceituais.Nesta
pesquisa, a técnica utilizada foi o participante pode ter tido um dia terrível,
a de campo. Como primeira fase
dela, realizou-se uma pesquisa bi-
estar doente etc."
bliográfica utilizando-se de pu-
blicações que fornecessem a
fundamentação teórico-prática No processo de coleta e registro dos da-
sobre à evolução do conceito de dos, utilizaram-se gravações em áudio e
aprendizagem ao longo do tem-
po, aprendizagem de adultos, anotações de campo, este processo foi
aprendizagem gerencial, bem complementado com a transcrição literal das
como aspectos relacionados ao
método fenomenológico her- gravações efetuadas, realizadas logo após
menêutico que deu suporte à
interpretação dos dados .
as entrevistas. Observaram-se ainda, aspec-
tos não-verbais subjacentes às referidas
Em seguida coletaram-se dados primários entrevistas.
sobre a experiência vivida de uma atriz so-
cial, exercendo o oficio de diretora escolar. No primeiro encontro, enfatizou-se o con-
Para a coleta desses dados foi enfatizado texto da experiência através da reconstru-
como se deu o processo de aprendizagem ção da história de vida da entrevistada.
dessa atriz no exercício de sua função. Os Essa entrevista teve duração de noventa e
estudos de natureza descritiva propõem-se oito minutos. Seu objetivo principal foi
investigar o que é determinado fenômeno, contextualizar a experiência de vida da en-
ou seja, a descobrir as características de trevistada que lhe permitiu ascender ao cargo
um fenômeno como tal. Nesse sentido, são de Supervisora Escolar, Diretora Geral e
considerados como objeto de estudo uma Diretora Pedagógica. Sobre o contexto é
situação específica, um grupo ou um indi- importante ressaltar o pensamento de
víduo (RICHARDSON, 1999, p. 71). Patton (apud SEIDMAN, 1998?, p.10) de

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 321


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

que, "[...] sem o contexto existe pouca pos- rente? Qual foi a sua maior dificuldade na
sibilidade de explorar o significado de uma transição de professora para diretora (ge-
experiência". rente)?

No segundo encontro, destacou-se a expe- A trajetória empreendida para a construção


riência de Carmem como gerente-diretora de do texto fenomenológico, constitui-se de
escola, os diversos procedimentos utiliza- quatro momentos distintos que vão de
dos por ela no desenvolvimento do pro- encontro aos descritos por Bicudo (1997),
cesso gerencial, os obstáculos, as dificul- que são:
dades e as possibilidades de seu trabalho.
a) leitura da descrição espontânea,
Destacou-se ainda, algumas vivências com
que teve como embasamento per-
a sua rede de relacionamentos que tives-
guntas orientadoras;
sem uma relação direta ou indireta com a
sua atividade gerencial. Utilizaram-se as b) leitura do texto na integra para
seguintes questões norteadoras: O que realizar o levantamento de temas;
você faz atualmente como diretora pedagó-
gica? Em que consiste o seu trabalho c) transformação de cada tema en-
gerencial? O que significa para você a ati- contrado na descrição espontânea
vidade gerencial? Essa entrevista teve du- para o discurso fenomenológico;
ração de noventa e seis minutos.
d) busca da essência ou estrutura.

No último encontro, foi pedido para que a Todos esses momentos serão relatados nas
nossa atriz refletisse sobre o significado da próximas seções. Para destacar a experiên-
experiência de ser gerente na sua vida pes- cia de nossa entrevistada das citações di-
soal, profissional, bem como na sua rede retas deste texto, optamos por utilizar-se
de relações e no seu contexto mais amplo. do recurso itálico nas declarações de nossa
Essa entrevista teve duração de oitenta e atriz.
cinco minutos. O objetivo principal desta
entrevista foi a busca de significado na ex- A EXPERIÊNCIA VIVIDA DO SER, DO
periência vivida de ser gerente, bem como FAZER E DO APRENDER GERENCIAL
as conexões intelectuais e emocionais en-
tre o trabalho gerencial e a vida pessoal de Esta seção tem o propósito de empreender
nossa atriz (entrevistada). Utilizaram-se as a compreensão da experiência gerencial de
seguintes questões norteadoras: Como Carmem levando em conta a sua história de
você compreende a atividade gerencial em vida.
sua vida? Que sentido isso tem para você?
O que você acha mais desafiador na prática A experiência vivida como experienciada: o
gerencial? Como você aprendeu a ser ge- caminho para aprender, crescer e mudar vis-

322 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

lumbrando a busca de humildade e de sa- Apesar dessa vivência, desse clima de di-
bedoria reção escolar, Carmem nunca pensou em
tornar-se diretora. Na verdade o seu gran-
Carmem nasceu na ilha de Santa Catarina de desejo era tornar-se professora, por
e tem raízes culturais africanas e portu- isso, foi pega de surpresa quando foi
guesas. Durante sua infância, morou no promovida para ser Diretora Escolar. Em
centro da cidade. A partir dos nove anos suas palavras "ser professora foi sempre
começou a veranear numa praia localizada minha vocação", nossa atriz argumenta:
no norte da ilha e importante reduto da
cultura açoriana. Mora lá até hoje. "desde minha infância sem-
pre tive espírito de liderança.
Todavia na escola eu sem-
"Jamais a natureza, reuniu tanta beleza [...] pre procurei ficar quieta, em
meu canto, porém chegava
pedacinho de terra, beleza sem par [...]".
um momento em que eu aca-
Foi nesse pedacinho de terra, com praia bava tomando a iniciativa
de águas calmas e quentes que Carmem se em relação às tarefas e às
atividades do grupo".
estabeleceu. Tal como as águas da praia,
seu ambiente familiar, de acordo com suas
palavras, era muito calmo, tranqüilo e com Aprendeu sozinha a tocar violão e o faz
muita liberdade. Por conseqüência dessa desde os dez anos. Sempre gostou de mú-
liberdade fez muitos amigos. Sempre gos- sica e seu gosto era tanto, que no colégio
tou de estar com as pessoas e lhe agrada Menino Jesus onde estudou, aprendeu a
muito participar do contexto social. tocar também escaleta, flauta e piano. Mais
tarde utilizou-se da linguagem musical para
Seu pai foi e é seu grande modelo. Sua figu- ficar mais próximo das crianças e ministrar
ra como Diretor de Ensino marcou profun- o ensino, num trabalho voluntário desen-
damente a vida de Carmem. Para ela até volvido na escola onde seu irmão estuda-
hoje, ele é um espelho, um exemplo de li- va. Começava então, sua carreira de pro-
derança, autonomia, ética, de postura e fessora. Aos dezesseis anos foi para a sala
principalmente, de humildade e sabedo- de aula propriamente dita, e desde de en-
ria. Nos seus tempos de infância eles pou- tão, não saiu mais, exercendo funções como
co se viam, pois o pai trabalhava nos perí- professora, supervisora e atualmente como
odos matutino, vespertino e noturno. No diretora pedagógica. Acrescenta que depois
entanto, quando entrava na sala de seu do seu casamento, dar aulas particulares,
pai, nossa atriz pensava: "um dia quero ter foi uma fonte de renda significativa.
uma mesa como essa [...] tantos papéis,
horários de aula, planejamento de ensi- Em sua trajetória de formação acadêmica,
no [...]". cursou o Núcleo Comum Aprofundamento
em Ciências no segundo grau. Iniciou Nu-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 323


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

trição em nível de graduação mais não palavras da entrevistada, dessa forma:


concluiu o referido curso. Nessa fase, mi-
nistrou aulas de música para crianças e “de origem humilde, meu pai
construiu com muita dificulda-
depois de ciências numa escola da rede de a segurança financeira da
municipal. Mais tarde cursou e conclui a família. Trabalhou muito e es-
tudou fazendo muitos sacrifí-
Licenciatura em Pedagogia.
cios. Um deles, por exemplo,
era ir caminhando do bairro
Depois de formada, foi trabalhar numa da Prainha, no centro da cida-
de, até a Carvoeira para fre-
grande escola estadual de Florianópolis qüentar a Universidade Fede-
tornando-se supervisora da escola de pri- ral. Quando meu pai aposen-
meira a quarta série, durante um ano. Em tou-se, teve a iniciativa de en-
caminhar os filhos, queria que
suas palavras, fossem gerentes e não empre-
gados. Por isso, aplicou suas
“acabei sendo supervisora. economias para que os filhos
Esse é um capítulo no meio da fossem independentes. Montou
minha história que deixou mui- negócios próprios para todos
tas marcas. Para mim foi hor- nós: para o odontólogo, mon-
rível, foi um ano que eu não tou um consultório; para o
via a hora de acabar. No en- professor de Educação Física,
tanto, hoje reconheço que essa academia de musculação;
experiência constitui-se na sus- para o irmão mais novo uma
tentação para que eu possa en- empresa de informática e para
frentar os problemas que sur- mim, professora, uma escola,
giram na direção de minha es- que existe desde 1994.”
cola. Através dela aprendi
quase tudo sobre direção es- A escola foi montada na casa onde Carmem
colar e relacionamento com as
professoras, e isto tem me aju- morava, pois, de acordo com seu pai, se a
dado de modo efetivo na dire- escola não desse certo, a casa poderia se
ção de minha escola. As difi-
culdades que enfrentei foram
alugada. Atualmente, esse fato, consiste em
advindas da minha falta de um diferencial, pois, a escola tem um forma-
preparação, pois fui promovi- to escola-casa, aconchegante, diferente,
da de professora da pré-es-
cola para supervisora de pri- personalizado.
meira á quarta série”.
Ao falar do exemplo de personalidade forte
Após um ano exercendo a função de que seu pai representa, Carmem diz que sua
supervisora, a nossa atriz deixou a escola mãe mostra o reverso da moeda, ou seja, é
pública com o projeto de montar a sua uma pessoa dócil, fácil de lidar, que tem fa-
própria escola. Apesar de seu pai não ter cilidade de estabelecer relações de amizade
nenhum envolvimento pedagógico na com os outros, de socialização. Para ela,
direção de sua escola, foi dele a idéia de sua mãe é seu modelo de persistência e te-
criá-la. A idéia nasceu, de acordo com as nacidade. Relata que mesmo tendo dificul-

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Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

dade para enxergar, ela nunca viu ou ouviu tão de autoridade, responsabilidade e prin-
sua mãe reclamar. cipalmente sobre a questão de confiar de
modo integral nas outras pessoas que fa-
Contou também que seu esposo sempre a zem parte de sua rede de relacionamentos
apoiou. Quando montaram a escola ele foi (sócia, marido, filhos, alunos, educadores,
durante seis anos, o contador e administra- educadoras, membros da igreja, membros
dor da escola. Foi muito compreensivo com da comunidade etc.). Carmem conclui refle-
ela, durante os dois primeiros anos de fun- tindo que um dos requisitos para ser uma
cionamento da escola, que absorveu todo diretora eficiente é a humildade, pois, esta
o seu tempo e dedicação. Atualmente, a atitude ajuda a conquistar as pessoas no
entrevistada conta com uma sócia que com- ambiente de trabalho, dentre outras coisas.
partilha com ela as questões administrati-
vas, bem como as questões pedagógicas. Com respeito à formação de seu quadro
Isso tem lhe permitido ter mais tempo para docente, destacou que no início da escola,
dedicar-se a sua família e aos trabalhos as educadoras contratadas não tinham ex-
voluntários e viver melhor sua religiosida- periência e nem formação de terceiro grau.
de. Acredita que, associando sua persona- O quadro foi formado durante o processo e
lidade forte, sua conduta autônoma e sua que a princípio tudo dependia dela, por
religiosidade, poderá prestar bons serviços isso, ter desenvolvido sobremaneira o seu
à comunidade. lado centralizador.

Ao falar de sua relação com os aspectos Sobre as tarefas da escola, Carmem disse
econômicos e financeiros, observou que que durante dois anos fez a faxina. Come-
tem investido muito na escola, e que geral- çou a delegar e que não deu certo, faziam
mente seu rendimento é menor em relação tudo errado, em função dos erros, voltou a
àquele que recebia como funcionária públi- centralizar e a não confiar, abraçando tudo,
ca. Ao longo do tempo, foi aprendendo a para que ninguém fizesse nada errado.
separar a questão profissional da questão
familiar. Salienta sua dificuldade em dizer Salientou que nos primeiros cinco anos da
não, principalmente atuando como diretora escola ela e a empresa se confundiam. Hoje,
escolar. consegue separar o que é pessoa jurídica e
sua atribuição, de sua pessoa física. Aduziu
Como aspecto negativo de sua experiência que nas atividades da escola procura ser
como supervisora e como gerente da sua justa, jamais procurou utilizar dois pesos e
escola, argumentou que seu maior defeito duas medidas. Explicita que o fato de não
foi ser centralizadora e naturalmente muito ter medo de dizer o que pensa, tem lhe aju-
mandona. Tem refletido sobre suas atitu- dado na direção e condução da escola, pois,
des centralizadoras, bem como sobre a ques- considera, que apesar de ser uma escola

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 325


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

pequena (cento e quarenta alunos) é uma las particulares. A outra parte de seu tem-
instituição de ensino, e como tal, possui po será investida em trabalhos comuni-
normas, valores e uma cultura que deve tários. A religião ajuda a consolidar essa
ser respeitada pelos seus usuários. Sali- idéia, um desejo latente, pois, desde
enta que tanto os educadores como as muito pequena já gostava de prestar so-
educadoras que trabalham na sua escola lidariedade. Enfatiza que quando tinha
viram-na ministrando aulas, ou seja, antes treze anos ganhou algum dinheiro do
de ser só diretora, ela também foi profes- seu pai no natal. Usou este dinheiro com-
sora e isso lhe dá mais credibilidade como prando presentes para crianças carentes.
diretora. Este veio de voluntariedade é algo mui-
to forte, que geralmente vem à tona. Nu-
A aprendizagem a partir da experiência, tre ainda, o desejo de voltar a trabalhar
permite a Carmem argumentar, com seu na escola pública. Gostaria de contribuir
quadro docente com relação ao ensino e a com ela, pois sabe que a escola pública
pesquisa, com experiência de causa. A precisa de educadores comprometidos
fala da entrevistada vai de encontro com o seriamente com a questão da educação.
pensamento de Rogers sobre tornar-se
pessoa, de Van Manen sobre tornar-se ser Ao falar de sua religiosidade disse que
humano e de Berger e Luckmann sobre aos catorze anos em função de traumas
papéis. Para Rogers (1997), todo o indiví- da infância teve problemas emocionais e
duo sente necessidade de buscar a si espirituais. Uma amiga levou-a para as-
mesmo e de tornar-se ele próprio. Cada sistir uma palestra sobre o movimento
passagem da vida, cada experiência vivi- espírita. Desde então esta tem sido a sua
da contribui para se tornar um ser humano religião. Salienta que encontrou harmo-
melhor. De acordo com Van Manen (1990), nia nessa religião, tendo em vista que
a pessoa não nasce ser humano, ela se esta trabalha austeramente a questão de
torna humana. O real ser humano é aquele valores e regras de conduta na socieda-
que passa por um processo. Berger e de. Neste período fez diversos trabalhos
Luckmann (1985, p. 103) sobre o desem- voluntários em creches e outras institui-
penho de papéis dizem: ções filantrópicas. Foi com base nessa
experiência que decidiu trabalhar na Es-
[...] ao desempenhar papéis, o cola Pública. No começo de sua carreira
indivíduo participa de um mun-
do social. Ao interiorizar estes como educadora de ensino infantil traba-
papéis, o mesmo mundo torna-
se subjetivamente real para ele.
lhou na escola pública e na seqüência
veio trabalhar no Instituto onde seu pai
Nossa atriz enfatizou também que, caso era diretor.
a escola venha a não dar certo, ela se
garante financeiramente ministrando au- Ainda sobre religiosidade, ressalta que

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Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

sua religião procura ensinar valores pe- O medo de ficar sozinha deve-se ao fato
renes e que a vida é nossa caixa de resso- de seus irmãos mais velhos a excluírem.
nância. Em suas palavras "a vida é um O trauma e o medo da solidão relaciona-
espelho, ela dá de volta o que tu és". Com se com o que era dito pelos irmãos ao
relação à amabilidade no tratamento com afirmarem que ninguém gostava dela, que
as outras pessoas, lembrou a regra de tinham achado ela numa lata de lixo. Ob-
ouro, ou seja, colhemos aquilo que plan- serva que este fato marcou sua infância e
tamos, nem mais, nem menos. Enfocou lhe trouxe problemas emocionais na ado-
também que o ser humano não é perfeito, lescência. Acrescenta que procurou ori-
e em função dessa imperfeição, deve ser entação com pessoas amigas, pois, neste
equilibrado e misericordioso. período de sua vida, tinha uma baixa auto-
estima, problema superado hoje.
"Aprendi que devemos aceitar
as pessoas como elas são. Esta
postura de empatia tem me A experiência de ser gerente: a franqueza e
ajudado na direção da escola, a transparência como código de conduta,
pois todas as crianças e seus de autodesenvolvimento e de auto-realiza-
respectivos pais, possuem per-
sonalidades diferentes. Aque- ção
les pais com os quais é mais
difícil tratar, levo em conta o Ao discorrer a respeito de sua experiência
fato de serem humanos e im-
perfeitos". como gerente, Carmem confirmou o apren-
dizado de sua experiência de supervisora
Ainda para a nossa atriz: escolar como um marco significativo em
sua vida. Propriamente sobre gerencia-
“ Tenho uma outra caracterís- mento, ela relata que começou aos dezesseis
tica forte, marcante: sou eu
mesma e gosto de dizer o que anos, dada sua capacidade espontânea para
penso, expressar minha pró- liderança. Nessa época já participava do
pria opinião. Meu pai foi a grupo espírita de jovens, fazendo parte da
pessoa que me ensinou e me
incentivou a ter minha própria coordenação de encontros regionais e atu-
personalidade. Defendo sem- ando como coordenadora musical em um
pre meus pontos de vista, res- programa de evangelização.
peito os outros, e aprendi com
o tempo, a não ter medo da
crítica. Quando critico, por Nossa atriz ressaltou que foram estas ex-
exemplo, procuro fazê-lo a um periências que permitiram a sua atuação
fato, não à pessoa. Detesto
falsidade. Também não gosto como líder, planejando, organizando e ava-
de ficar sozinha, a solidão me liando a realização de atividades diversas.
incomoda. Por isso, sempre O ensino de música e sua importância no
tive namorado. Gosto de co-
mungar com os outros, de me
processo de evangelização, também fize-
sentir amada”. ram parte dos desdobramentos do pro-
cesso de liderança.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 327


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

As portas da Escola de Aplicação foram Fica evidente que Carmem não planejou
abertas para Carmem devido ao seu desem- ser supervisora escolar. A primeira vista
penho como organizadora e coordenadora ficou muito confusa, porém, a imagem de
voluntária do programa musical para seu pai como diretor, a lhe lembrar que
evangelização realizado num grupo de jo- era uma oportunidade e que ela tinha ca-
vens. A diretora da escola conhecia esse pacidade, a fez encarar o convite como um
trabalho e convidou-a para trabalhar na ins- desafio. Esta reflexão levou a entrevistada
tituição como supervisora escolar. Antes, a aceitar a promoção, tendo em vista que
porém, havia sido professora da pré-escola se ela não conseguisse, teria adquirido al-
na referida instituição. Ganhou destaque guma experiência. Ter sido promovida para
nas reuniões escolares, participando das ocupar o cargo de supervisora foi para
discussões e dos grupos de estudos. O fato ela, uma experiência muito triste, pois
de ter concluído o curso de Pedagogia tam-
bém se constituiu um fator decisivo para “não tinha condições e nem o
preparo que eu tenho hoje, me
sua ascensão profissional. faltava a experiência, até então
eu estava dando aula para edu-
A diretora da escola de aplicação também cação infantil e de quinta a oi-
tava série, eu não dava aula de
foi mentora de Carmem, uma pessoa muito primeira a quarta série, e fui
importante, uma peça chave. Nas palavras ser supervisora de primeira a
quarta, de professoras com mais
de Carmem:
tempo de magistério e mais ex-
periência em administração es-
“Meu pai era importante para colar. Dessa forma, fui jogada
mim como postura de uma di- no rolo, foi muito ruim para
reção de ensino, mas Lúcia foi mim, foi uma frustração muito
meu espelho em termos de grande, pois eu sentia que fal-
como conduzir a direção de uma tava a experiência e o conhe-
escola. Em se tratando de dire- cimento de professora de primei-
ção escolar, Lúcia representa o ra a quarta série”.
meu modelo ideal, pois ela é
um ser humano espetacular: sua
postura, sua ética, sua tranqüi- Esta passagem ratifica o aprendizado atra-
lidade, seu conhecimento de- vés da experiência com erros e acertos
monstrado, Lúcia foi muito im- descrito por Rogers (1997) anteriormente.
portante para mim. Enquanto
fui supervisora eu errei demais,
Ratifica também o pensamento de Van
por não dispor de preparação, Manen (1990) de tornar-se ser humano no
mas sempre dei o melhor de processo vivencial e experiencial.
mim, tentei desempenhar a
função da melhor forma possí-
vel. Refletindo sobre este perío- Ainda com relação a experiência no cargo
do, hoje, tenho consciência que de supervisora, a entrevistada enfatizou
foi de muito aprendizado ape-
com veemência que sua dificulda de
sar de na época ter sido frus-
trante”.
deu-se principalmente pela falta de ex-

328 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

periência e de conhecimento prático. Esta rito de liderança. Para ela, ser um líder
passagem reforça o pensamento de Hill efetivo representa:
(1993) sobre as dificuldades encontradas
“ser um espelho, pois, precisa
pelos gerentes no processo de transição
dar exemplo aos liderados.
de produtor para gerente. Também está ligado à capaci-
dade de influenciar os outros,
pois, provoca reações
No que diz respeito ao relacionamento comportamentais naqueles que
com as professoras por ela lideradas, estão ao seu redor. Dessa for-
Carmem disse que foi terrível e que algu- ma, a recompensa vem através
dos resultados positivos que são
mas pessoas, observando a sua falta de alcançados. Tem que agir como
experiência, causaram-lhe de modo pro- motivador e inspirador, coor-
posital, vários problemas. Relata que por denando as atividades e articu-
lando ações para que as coisas
desconhecer totalmente a prática de alfa- aconteçam. Como diretora, devo
betização de primeira a quarta série, obri- coordenar e articular os sabe-
gou-se a ouvir as professoras que tinham res do meu quadro docente. O
diretor de escola enquanto líder
experiência. Observa que sofria da tem que ter metas, saber aonde
síndrome do domingo à tarde, pois pensar quer chegar, traçar um cami-
em ter que na segunda de manhã enfrentar nho, assumir riscos, tomar de-
cisões e ser responsável por
as dificuldades da sua inexperiência e a aquilo que faz”.
maldade dos invejosos, lhe causava uma
sensação de mal estar. Mesmo assim, quan- Fica evidente com a observação acima, a
do montou a sua escola, relembra em tom importância de se ter claro os propósitos
divertido, já estava calejada e preparada norteadores da direção de uma escola. A
para as situações cotidianas de uma escola efetividade da liderança segundo Carmem,
de educação infantil e ensino fundamental. também está ligada à capacidade do líder
em lapidar os fatores contextuais adequan-
Considera que naquele período em que do-os e adaptando-os aos objetivos traça-
foi supervisora, além das dificuldades da dos, saber priorizar, ter clareza de propósi-
atividade de supervisão, deparou-se ain- to, fazer uma coisa de cada vez.
da com uma questão pessoal, pois, na-
quele período morava muito longe e ti- O aprendizado gerencial, em se tratando de
nha que levantar muito cedo para levar pessoas, deve ser norteado por princípios
seus filhos ao colégio. Enfatiza que na- e valores que direcionam a própria vida.
quele ano fez muito frio, e o fato de ter que Para ela, o grande aprendizado que a vida
acordar as crianças muito cedo lhe cau- nos oferece, refere-se a ter, desenvolver e
sou mais trauma ainda. manter a paciência, a calma e a tranqüilida-
de nas situações de tribulação. O líder
A rápida ascensão profissional de deve assumir o grupo e ser responsável
Carmem pode ser relacionada ao seu espí- pelos resultados, sejam eles, favoráveis ou

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 329


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

não: construir junto com o grupo, ouvir o e naturalmente atender às ne-


cessidades da comunidade. A
que as pessoas têm a dizer, saber o porquê implantação e implementação
das ações, das normas e das práticas quo- de primeira à quarta série, fo-
ram por orientação de meu pai.
tidianas.
Nossa escola segue a linha só-
cio-histórica ou sócio-intera-
Conforme declaração da entrevistada, no cionista de Vygotsky”.
começo de sua escola buscou inspiração
numa diretora concorrente, que a ajudou Carmem enfatiza a idéia da importância do
principalmente em termos da gestão admi- aprendizado a partir do social, e que se deve
nistrativa. Deparou-se com a seguinte ques- considerar que cada aluno aprende de de-
tão: terminada maneira em função do contexto
“agora, eu sei dar aula, porém, da aprendizagem. Ela salienta que a educa-
como vou fazer com as ques- ção representa a essência de liberdade e
tões de direção e gerenciamento
da escola? A atitude da diretora cidadania. A educação não se dá apenas
Cláudia, eu jamais esquecerei, em quatro paredes. A educação é um pro-
foi um gesto muito importante cesso social que influencia e é influencia-
para mim, um gesto muito bo-
nito e muito depreendido, um do pelo meio ambiente, ou seja, pelo con-
gesto muito nobre. Em suma, texto social e natural. Ressalta a importân-
três exemplos nortearam minha
cia de trabalhar por projetos e a necessi-
carreira e minha vida: meu pai
com a questão de ética, conduta dade de se desenvolver um trabalho inter-
e de valores, Lúcia na questão disciplinar, pois, "meu quadro docente está
pedagógica, administrativa e
de supervisão escolar, Cláudia
iniciando e aprendendo trabalhar com
na questão administrativa”. projetos".

A entrevistada observa que começou sua Quanto à mudança pessoal afirma que o tra-
escola com doze alunos e no final do ano balho de gerenciamento na escola tem lhe
de 2001 contava com cento e quarenta e ajudado a reduzir sua ansiedade. Continu-
seis, e um quadro docente de dezesseis ando declara:
educadores. Em suas palavras:
“tenho aprendido a saber es-
perar. Negativamente posso di-
“ fui ao longo do tempo e zer que o fato de estar sempre
gradativamente construindo a exigindo demais de mim mesma
escola e a sua cara: educação tem interferido muito na minha
infantil e fundamental, institui- vida familiar. Delegar e des-
ção de ensino, não é uma cre- centralizar têm sido o grande
che. A cara da escola foi desafio, ou seja, tem sido mui-
construída pela minha aptidão to difícil. Sinto-me frágil prin-
com a educação, pelo prazer. cipalmente com a questão de
Ser gerente-proprietária é di- espelho, imagem pública. A
ferente de ter um emprego, é parceria com o sindicato das
fazer aquilo que a gente gosta escolas particulares foi muito

330 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

importante e vital na consoli- uma criança entrando na escola pela pri-


dação da escola, permitindo
acesso a atualização e assesso- meira vez.
ria para a sua gestão. Ser lí-
der tem seu lado positivo e
Em relação à mudança pessoal relacionada
negativo: positivo porque nin-
guém manda em mim! A me- a atividade de liderança, Carmem acrescenta
lhor coisa é não ter chefe, mas que
ao mesmo tempo tu queres “[...] se eu voltar a dar aula,
um porto [...]”. meu desempenho será diferen-
te e melhor, em função da expe-
Por fim, ser avaliada segundo ela, era algo riência gerencial. Gerenciar
envolve muita organização e
que a deixava inquieta, pois,
responsabilidade, temos que ter
uma visão muito grande, ou
“ninguém me avaliava, eu fa- seja, capacidade de entender o
zia auto-avaliação, mas era todo, bem como as partes. Na
incômodo. Hoje, as professo- escola, estamos investindo na
ras me avaliam criticamente, qualificação docente, temos os
resultado de que nos últimos nossos grupos de estudos vi-
três anos eu tenho delegado sando melhorar o nosso de-
mais responsabilidades. A sempenho enquanto educador
nova sócia assumiu parte da e também enquanto ser hu-
responsabilidade da Direção mano. Eu não teria dificuldade
da Escola. A escola começou em voltar a ser professora.
a funcionar bem quando co- Continuo lecionando música,
mecei a não ter mais medo de imagino a sala de aula, e o fato
que ela fracassasse! [...] de trabalhar com os aspectos
manter a humildade é ter cons- pedagógicos, jamais deixei de
ciência do que sabemos e do estar em contato com a sala
que desconhecemos”. de aula. Tenho paixão por dar
aula. O mais importante é ser
Em se tratando do significado da experiên- um bom profissional, seja como
professor, gerente, faxineiro,
cia gerencial, Carmem relatou que o grande não importa, o que vale, é ser
desafio do aprendizado gerencial é conti- bom naquilo que se faz!”
nuar sendo gerente.
Na avaliação de Carmem o líder centralizador
Gerenciar envolve nossa capacidade de tem pouco tempo para exercer outros papéis,
aprender constantemente. Aprendeu a ser principalmente o papel na família. Mesmo
gerente aliando teoria e prática. O próprio assim,
dia-a-dia da escola e os constantes requeri- “ser gerente me ensinou a ser
precavida, buscar alternativas,
mentos da educação fizeram-me esbarrar capacidade de avaliar e de de-
num nível de conhecimento que precisava cidir sobre aquilo que julgo ser
o melhor para a minha vida.
de atualização. Queria mudar, sair da
Gerenciar implica ter que es-
mesmice, crescer. Assim, decidi cursar a Pós- colher, ter que decidir e que
Lato Sensu em Psicopedagogia e me sinto toda decisão depende de al-
guma exclusão. Aprender a ser

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 331


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

gerente não é um processo rado para refletir sobre o "eu gerente", as


tranqüilo, pelo contrário, é do-
preocupações, os problemas do ofício.
loroso e interfere na questão
pessoal. É um processo de Ressaltou ainda que, falar sobre qualquer
construção constante, um mer- tema em educação, ou sobre o dia-a-dia
gulhar na realidade e que con-
da escola, consiste em uma tarefa relativa-
duz à maturidade”.
mente fácil, mas falar de si mesma é algo
“A formação em Pedagogia que a deixou um tanto quanto incomoda-
me deu a condição para ser da, se sentindo exposta, pois, considera
diretora, todavia contribuiu
que se mostrar é difícil. Por outro lado, a
muito pouco na questão do
gerenciamento efetivo. O fato experiência de fazer parte de um trabalho
de a organização ser própria acadêmico foi desafiadora!
me possibilitou um aprendiza-
do diferente daquele no qual
temos um chefe nos cobrando.
O meu chefe na verdade são IDENTIFICANDO OS TEMAS
os nossos usuários. Conside-
rando a necessidade de nossos
usuários, priorizamos onde e Na construção do significado e da essên-
como investir na escola. Ser cia da experiência vivida de nossa entre-
competente naquilo que se faz,
vistada, a leitura e a releitura do material
independe de ter curso supe-
rior ou não”. coletado pelas entrevistas e anotações de
campo foram fundamentais para encontrar
“O aprendizado como gerente
me ensinou a ser conservado-
categorias e temas. Neste sentido Coffey
ra quando se trata de investi- e Atkinson (1996) salientam que os dados
mentos financeiros. O trata- coletados são dispositivos heurísticos
mento pessoal e respeitoso é
de fundamental importância para descoberta das essências e que de-
no relacionamento com os alu- vem ser pensados de forma dialógica para
nos e com os pais. Minha pos- gerar idéias coerentes com esses próprios
tura enquanto gerente é dar a
cara para bater e ter consci- dados. Esse processo indica que há rela-
ência do porquê das coisas. É ção forte e intrínseca entre a coleta de
importante reconhecer quando dados, a análise e a interpretação: essas
estamos metendo os pés pelas
mãos”. etapas não são distintas, mas guardam uma
inter-relação dinâmica e circulam entre si.
Neste último encontro, Carmem salientou
que as conversas consistiram em momen- A seleção dos temas foi realizada de ma-
tos de reflexão e de paradas para pensar. neira holística, conforme Van Manen
Vivenciou um misto de sentimentos: ao (1990), pois a partir do texto na integra se
mesmo tempo em que sentiu orgulho ao pergunta "qual a sentença na frase que
ver o quanto cresceu como profissional e pode capturar o significado fundamental
como pessoa, sentiu angústia em relembrar do texto no seu todo?". Levando em con-
seus erros e desacertos. Nunca tinha pa- ta o pensamento de Van Manen sobre tema

332 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

e usando a abordagem holística, foram postura humilde podemos efeti-


vamente estar abertos para o
obtidos os temas que nortearam a cons- aprendizado". Ela enfatizou nas
trução deste texto. três entrevistas que sem humil-
dade, primeiro, não se conse-
gue aprender o necessário e se-
Ainda de acordo com Van Manen (1990) gundo, que sem conhecimento
a análise temática é uma simplificação, é (os diversos saberes) não se
chega a lugar nenhum”.
uma fase extremamente importante por-
que envolve síntese e criatividade que
Um aspecto ligado à humildade enfatizado
descreve um aspecto da estrutura da ex-
por Carmem é o referente à religiosidade,
periência vivida. A análise temática é sem-
pois segundo seus preceitos acredita que
pre um processo de redução, ela não con-
segue recuperar o todo, fazer uma ligação "devemos dar o exemplo en-
fiel com a complexidade da realidade. Em quanto líder, porém, por sermos
última instância o projeto de reflexão e ex- seres humanos, sujeitos a co-
metermos erros, devemos estar
plicação fenomenológica é efetuar um con- abertos e sermos flexíveis, e
tato mais direto com a experiência como neste caso, somente a pessoa
vivida. E, ainda o significado ou essência humilde pode adotar este tipo
de postura".
de um f enômeno nunca é simples ou
unidimensional. O significado é multidi-
Ainda sobre humildade é interessante ob-
mensional e multiconfigurado. Fazer pes-
servar no dizer de Kierkegaard (1979, p. 35)
quisa nas ciências humanas é estar envol-
o que ela representa:
vido com a construção artesanal do texto.
Assim, na pesquisa fenomenológica, o A diferença infinita de natureza
propósito da reflexão é experimentar com- entre Deus e o homem, eis o es-
cândalo cuja possibilidade nada
preender o significado essencial de algu- pode afastar. Deus faz-se homem
por amor e diz-nos: Vede o que é
ma coisa. A percepção da essência de um ser homem, mas acrescenta:
fenômeno envolve um processo refletida- tomai cuidado, porque ao mesmo
tempo sou eu Deus [...] e bem-
mente de apropriação, de clarificação e de aventurados os que não se escan-
confecção explícita da estrutura do signi- dalizam de mim. E ele reveste,
como homem, a aparência dum
ficado da experiência vivida. No caso desta humilde servo, é para que essa
pesquisa, vários temas foram identifica- humilde extração a todos mani-
feste que nunca devemos julgar-
dos, conforme apresentados a seguir, to- nos excluídos de nos aproximar-
mos d'Ele, que para isso não é
davia, o tema mais freqüente foi sobre a
necessário prestígio ou crédito.
questão da humildade, que no dizer de Com efeito, ele é humilde. Olhai
para mim, diz, e vinde conven-
Carmem cer-vos do que é ser homem, mas
tomai cuidado também, porque ao
"temos que ter a capacidade de mesmo tempo eu sou Deus [...] e
estar abertos para podermos bem-aventurados aqueles que não
aprender, e somente com uma se escandalizam de mim. Ou in-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 333


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

versamente: Meu Pai e eu somos al, o que foi aprendido com os


um só, e contudo eu sou este ho- muitos erros cometidos, tem
mem de nada, este humilde, este me ajudado a tornar-me uma
pobre, este desamparado, entre-
pessoa mais flexível, mais aber-
gue à violência humana [...] e
bem-aventurados aqueles que não ta, mais confiante, mais huma-
se escandalizam de mim. E este na e menos centralizadora. Atra-
homem de nada que sou é o mes- vés do aprendizado com a ex-
mo que faz que os surdos ouçam, periência vivida daquele meu
que os cegos vejam, caminhem primeiro ano como gerente, tem
os coxos, e se curem os leprosos me permitido compartilhar po-
e ressuscitem os mortos [...] sim, der e responsabilidade com mi-
bem-aventurados os que não se
nha equipe de trabalho, bem
escandalizam de mim.
como, com minha rede de rela-
cionamentos”.
Com respeito ao tema dar exemplo, pode-
se afirmar com base na frase de Escrivão Este ponto ressaltado pela entrevistada
(1995) que alcançar a legitimidade só pe- corrobora sobre-maneira os pressupostos
las palavras é tarefa de pregador, não de de Hill (1993) sobre os novos gerentes. Já
gerente. No entendimento de Carmem, a a visão da entrevistada sobre confiança,
aprendizagem vai de encontro com o pensamento de
Rogers (1983) ao afirmar que a prática, a
“[...] dá-se principalmente em teoria e a pesquisa deixam claro que a abor-
função de nosso interesse indi- dagem centrada na pessoa baseia-se na
vidual e também através da-
quelas pessoas que represen- confiança em todos os seres humanos e
tam um padrão a ser modela- em todos os organismos.
do, todavia, o exemplo pela
prática, e pela reflexão, deve
nortear o trabalho e a postura Sobre o tema experiência Rogers (1983, p.
do líder. O gerente não inspira 22) salienta que sente a necessidade de
confiança se sua prática é dife- tentar algo novo. Para ele, talvez a princi-
rente da sua fala. Em outras
palavras, os liderados não es- pal razão que o leva a arriscar seja a des-
cutam o que você fala, escutam coberta de que, ao fazer algo, aprende,
o que você faz. O que se faz, é errando, ou obtendo êxito. Considera que
muito mais efetivo e inspirador
do que o que se diz, pois, uma aprender, e especialmente aprender com
ação é muito mais representa- a experiência, tem sido um elemento fun-
tiva do que mil palavras”. damental que faz com que sua vida valha
a pena. Tal aprendizado o ajuda a cres-
Quanto ao tema confiança a entrevistada cer. Por isso, continua a arriscar. A obser-
relatou que tem aprendido com o tempo a vação da entrevistada sobre a experiên-
confiar de maneira integral nas pessoas cia e a questão de correr riscos, reforça
que lidera. de modo intenso as palavras de Rogers.
“O aprendizado que obtive no
Literalmente ela disse que
meu primeiro ano como
supervisora escolar, em especi- “agir de forma humilde nos

334 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

permite correr riscos e apren- timos num domínio semântico criado pelo
dermos algo novo. A experi-
ência tem me possibilitado um nosso linguageamento. Finalmente, a
aprendizado efetivo, não autopercepção surge quando usamos a
repetitivo, e este aprendizado noção de um objeto e os conceitos abstra-
tem me influenciado a arris-
car e desenvolver novos pro- tos associados para descrever a nós mes-
jetos profissionais, bem como, mos. Desse modo, o domínio lingüístico dos
novos projetos pessoais. Es- seres humanos se expande mais, de modo a
tar vivo envolve riscos, signi-
fica agir de modo incerto, sig- incluir a reflexão e a consciência.
nifica estar comprometido com
a vida”. Capra (1996, p. 227) enfatiza sobre distin-
ções lingüísticas que
Um outro aspecto ressaltado pela entrevis-
tada com relação ao tema experiência refe- “a unicidade do ser humano re-
side na nossa capacidade para
re-se à questão de comunicação empática
tecer continuamente a rede lin-
tão necessária para o gerenciamento admi- güística na qual estamos embu-
nistrativo e pedagógico de uma escola de tidos. Ser humano é existir na
linguagem. Na linguagem, co-
ensino infantil e de ensino fundamental. A ordenamos nosso comporta-
experiência, nos seus oito anos como dire- mento, e juntos, na linguagem,
tora administrativa (seis anos) e diretora criamos o nosso mundo. O mun-
do que todos vêem, não é o mun-
pedagógica (dois anos) tem lhe ensinado do, mas um mundo, que nós cri-
muito sobre a importância da comunicação amos com os outros. Esse mun-
e da linguagem. do humano inclui fundamental-
mente o nosso mundo interior
de pensamentos abstratos, de
Linguagem e comunicação representam conceitos, de símbolos, de re-
presentações mentais e de
outros temas que pôde ser identificado, os
autopercepção. Ser humano é
quais consideramos de grande importância ser dotado de consciência refle-
para o processo de gerenciamento efetivo, xiva: à medida que sabemos
como sabemos, criamos a nós
bem como, no desempenho dos diversos
mesmos”.
papéis que assumimos em nossa vida. A
respeito de comunicação e linguagem, Por fim, baseada no pensamento
Capra (1996, p. 226, grifo nosso) reportan- vygotskyano a entrevistada diz que "o ser
do-se a teoria de Santiago de Humberto humano é fruto principalmente de seu con-
Maturana e Francisco Varela, enfatizam que texto, de sua capacidade inata e da relação
nossas distinções lingüísticas não são iso- entre ambos". Essas afirmações corroboram
ladas, mas existem na rede de acoplamentos de modo contundente, com as especulações
estruturais que continuamente tecemos por teóricas e com a importância deste tema na
meio do linguageamento. O significado sur- prática de uma liderança efetiva, atuando
ge como um padrão de relações entre essas como líder, administrador, professor, pai ou
distinções lingüísticas, e, desse modo, exis- qualquer papel que tenhamos que assumir.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 335


A educação como mundo-vida: de professora à diretora escolar

PALAVRAS FINAIS: ANÁLISE DOS mo assim, o indivíduo também tem uma


EXCERTOS E REFLEXÕES FINAIS participação nesse processo a qual se dá
de forma dialógica, através do uso da lin-
Falar em fenomenologia, viver uma experi- guagem. Por outro lado, não basta apenas
ência de pesquisa fenomenológica, nos ao indivíduo saber fazer. Ao grupo cabe
aponta um veio metodológico que rompe deixá-lo desempenhar sua função,
com a linearidade unidirecional, cartesiana reconhecê-lo enquanto tal e atribuir a ele a
e racionalista que separa sujeito e objeto, possibilidade de fazê-lo.
espírito e matéria, razão e emoção, corpo e
alma. Sob a perspectiva fenomenológica, o A falta de legitimação de Carmem enquan-
sujeito e seu contexto não existem de forma to supervisora escolar tornou o desenvol-
autônoma ou independente um do outro, vimento de seu fazer pedagógico inviável
por isso, "o ato de pesquisa fenomenoló- causando a ela grandes frustrações. Por
gica visa compreender o vivido e transcen- outro lado, mesmo assim, conseguiu ad-
der o empiricamente dado" (BICUDO, 1997). quirir alguns conhecimentos relacionados
ao dia-a-dia da escola, os quais foram fun-
Com base neste vivido, alguns aspectos damentais posteriormente, no desenvol-
teóricos estudados e discutidos sobre vimento da direção de sua escola. Fica
Aprendizagem gerencial puderam ser evidenciado então, que a aprendizagem
constatados nas reflexões deste trabalho. não é um processo meramente individual,
cognitivo ou de mudança comportamental.
O primeiro deles, diz respeito a mentoria. Ao contrário, está intrinsecamente relaci-
Para aprender a ser gerente, Carmem bus- onado ao contexto social.
cou mentores, modelos que a ajudaram
sobre-maneira a construir o processo de Esse fato aponta para uma questão que
gerenciamento de sua escola. Esses precisa ser urgentemente discutida e repen-
mentores promoveram o desenvolvimento sada nos cursos de graduação: quais os
dela tanto no aspecto individual, quanto princípios norteadores dos currículos e pro-
no aspecto profissional. Ainda hoje são gramas desses cursos? É possível estabe-
referenciais de conduta para ela. lecer a relação teoria e prática nos proces-
sos de aprendizagem? Em que medida a ex-
O segundo, pode ser relacionado à ques- periência tem sido incorporada nos proces-
tão do processo de participação periférica sos de ensino e de aprendizagem? Quais os
legítima. De acordo com os estudos de limites e possibilidades de processos de
Gherardi, Nicolini e Odella (1998), o pro- ensino que ensejem a reflexão crítica e a
cesso de participação periférica legítima construção do conhecimento?
não é automático e não é meramente indi-
vidual ou técnico: depende do grupo. Mes- A rede de relacionamentos também pode

336 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

ser uma fonte de aprendizado e cresci- Artigo recebido em: 17/10/2005.


Aprovado para publicação em: 24/07/2006.
mento profissional. O entorno (outras es-
colas), clientes, fornecedores podem ser
The education as world-life: of professor to
uma fonte de aprendizado profícuo à me- school principal
dida que servem como fomentadores de
Abstract: In this article it is had as analysis object
um processo de reflexão-ação. the implications between the process of past and
present learning of the subject and the
administration of an educational unit of basic
A educação formal, os cursos de atuali- teaching. The main objective of the text is to
zação também têm o seu lugar na apren- analyze and to interpret the lived experience of
doing reflexive exercising manager’s occupation
dizagem gerencial. Apesar de, no início in an educational unit of basic level. It is used as
de sua carreira profissional, Carmem não framework theoretical some presupposed of the
formation centered in the person. The article is
haver conseguido aliar teoria e prática, eminently qualitative. The approach of the
ou seja, aliar os conhecimentos formais research is anchored in the method of
phenomenological hermeneutic. It is used as
adquiridos na universidade as situações procedure of collection of data the interview
concretas de seu fazer profissional, atu- technique in depth of three stages. The result of
the analysis and of the interpretation of the
almente, sente a necessidade premente history of manager’s Carmem life it indicates that
de atualização e crescimento intelectual its social and historical formation has implications
in its way of acting professional. It also indicates
investindo para isso, num curso de espe- implications in another papers that referred
cialização. director executes in the widest society.

Keywords: Process; Learning; Administration.


O processo de liderança também traz
mudança pessoal a ponto de afirmar que La educación como mundo-vida: de pro-
"ser gerente fez a minha vida e a modifi- fesora a directora escolar

cou, nunca mais serei a mesma pessoa!" Resumen: En este artículo se tiene como objeto
de análisis las implicaciones entre el proceso de
aprendizaje pasado y presente del sujeto y la
Para aprender, é preciso ter flexibilida- gestión de una unidad educacional de enseñanza
de para mudar a partir do aprendido. Por- fundamental. El objetivo principal del texto es
analizar e interpretar la experiencia vivida del
tanto, aprendizagem gerencial envolve: hacer reflexivo ejerciendo el oficio de gestora en
una unidad educacional de nivel fundamental.
Utiliza como andamiaje teórico algunos
a) interesse individual;
presupuestos de la formación centrada en la
b) mentoria; persona. El artículo es eminentemente cualitativo.
El abordje de la investigacón se basa en el método
c) processo de reflexão-ação. de fenomenología hermenéutica. Se utiliza como
procedimiento de recolección de datos la técnica
A essência do trabalho de liderança efeti- de entrevista de profundidad de tres etapas. El
resultado del análisis y de la interpretación de la
va está em ouvir e ajudar os outros. Nele, historia de vida de la gestora Carmen indica que su
formación social e histórica tiene implicaciones
a linguagem é fundamental. O diretor não en su modo de actuar profesionalmente. Indica
é mais aquele que controla as atividades, también implicaciones en otros papeles que la
referida directora cumple en la sociedad.
mas aquele que age como facilitador auxi-
liando o grupo a atingir seus objetivos. Palabras-clave: Proceso; Aprendizaje; Gestión.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006 337


Amarildo Jorge da Silva - Ana Oliveira Castro dos Santos - Ricardo Roberto Behr

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CAPRA, F. A teia da vida: uma nova Sobre os autores:


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13.ed. São Paulo: Cultrix, 1996. 1 Amarildo Jorge da Silva
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272f. Tese de Doutorado. UFSC, Santa Catarina. Endereço Postal: Rua Iraúna, 228. Vila A. CEP:
85.866-280, Foz do Iguaçu/PR, Brasil.
GHERARDI, S.; NICOLINI, D.; ODELLA, F.
Toward a social understanding of how people 2 Ana Oliveira Castro dos Santos
learn in organizations. Management Learning. Doutora em Engenharia de Produção,UFSC. Mestre
v. 29, n 3, set. 1998. em Educação, UFSC. Professora Assistente da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do
HUSSERL, E. Investigações lógicas: sexta Amazonas (UFAM).
investigação: elementos para uma elucidação E-mail: aoc1santos@yahoo.com.br
fenomenológica do conhecimento. São Paulo:
Abril Cultural, 1980. Endereço Postal: Universidade Federal do
Amazonas, Departamento de Métodos e Técnicas
KIERKEGAARD, S. A. Diário de um sedutor: (DMT/FACED). Av. Gen. Octávio Jordão Ramos,
Temor e tremor: o desespero humano. São Paulo: 3000, Aleixo, CEP: 69000-000, Manaus/AM,
Abril Cultural, 1979. Brasil.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia


da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fonte, 3 Ricardo Roberto Behr
1999. Doutor em Engenharia da Produção pela UFSC.
Mestre em Administração pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Professor Adjunto da
ROGERS, C. R. Tornar-se pessoa. 5.ed. São Paulo: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Martins Fontes, 1997. E-mail: behr@npd ufes.br

______. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983. Endereço Postal: Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos Avenida Fernando Ferrari, s/n, Goiabeiras, CEP:
e técnicas. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1999. 29060-900, Vitória/ES, Brasil.

338 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 319-338, set./dez. 2006


Transformação social e modo de produção: do sistema pré-
industrial ao sistema capitalista de produção

Alexandre Shigunov Neto 1


Lizete Shizue Bomura Maciel2

Resumo: A opção pelo tema Transformação precursora do movimento capitalista e de


social e a sociedade capitalista, num primeiro
momento, justifica-se pelo interesse em tentar acordo com Friedrich Engels, a
compreender algumas questões relacionadas com
as transformações sociais ocorridas durante o Inglaterra é o país clássico desta
processo de implantação do modo de produção revolução que foi tanto mais
capitalista a partir do século XV; para num segundo poderosa quanto mais silen-
momento, estudar como as transformações ciosamente se fez. É por isso que
processadas na organização do trabalho produtivo a Inglaterra é também o país
tiveram impacto sobre o homem. clássico para o desenvolvimento
do principal produto desta
Palavras-chave: Transformação social; Modo
revolução: o proletariado. É só na
de produção capitalista; Trabalhador.
Inglaterra que o proletariado
pode ser estudado em todos os seus
aspectos e relações (ENGELS,
1985, p.11).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ao longo do presente trabalho estará


implícito o conceito de “transformação
A opção pelo tema Transformação social social”, que designará o processo amplo,
e a sociedade capitalista, num primeiro complexo e lento de mudanças que ocorrem,
momento, justifica-se pelo interesse em principalmente pelo surgimento de novas
tentar compreender algumas questões necessidades dos homens. Isso significa
relacionadas com as transformações dizer que, esse período estudado foi repleto
sociais ocorridas durante o processo de de transformações, em todos os níveis da
implantação do modo de produção sociedade.
capitalista a partir do século XV; para num
segundo momento, estudar como as Pressupondo-se que o modo de produção
transformações processadas na organização adotado pela sociedade exerça influência
do trabalho produtivo tiveram impacto sobre o modo de viver dos homens, para
sobre o homem. Dessa maneira, se tomará este trabalho segmentou-se a história,
como referência a análise da Grã-Bretanha3, segundo o modelo de produção adotado: a
3
O termo Grã-Bretanha que utilizamos ao longo desse texto significa a complexa estrutura política, econômica e social, comumente chamada
de Reino Unido, e formada pela Inglaterra, pela Escócia e pelo País de Gales.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006 339


Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção

sociedade pré-industrial; a sociedade trabalhadores de qualquer possibilidade


industrial, representada pelo sistema de de subsistência, a não ser o trabalho
produção capitalista. assalariado; a preocupação com a
organização e o controle do trabalho; uma
Por sociedade pré-industrial, considera-se profunda revolução cultural; uma
o período de transição entre o modo de metódica e rígida política repressiva
produção feudal e o modo de produção contra os trabalhadores que se negavam
capitalista. Segundo Paul Sweezy (1983), a aceitar as novas relações sociais
o “modo de produção pré-capitalista de impostas; a institucionalização de
mercadorias”, prevaleceu na Europa mecanismos oficiais – através de leis,
ocidental durante os séculos XV e XVI. decretos e documentos oficiais - que
Contudo, cabe aqui uma distinção tinham como função inserir os indivíduos
fundamental, esse momento trás em si nas novas relações de produção de forma
aspectos do modo de produção feudal, a amenizar os conflitos, então existentes,
bem como do modelo de produção em conseguido inicialmente pelo serviço
construção, o modo de produção militar e mais tarde pela escola.
capitalista.

A sociedade industrial ou sociedade O MODO DE PRODUÇÃO NO SÉCULO


capitalista caracteriza-se fundamental- XV
mente pela compra feita pelo capitalista –
que é o homem que detém os instru- O declínio do sistema feudal não pode
mentos e o local de trabalho - da força de ser considerado com sendo resultante de
trabalho do trabalhador. O advento do um único fator, mas sim, da somatória
modo de produção capitalismo torna-se de uma série de fatores, que juntos
evidente, por momentos decisivos, tais determinaram o declínio do sistema
como: as transformações políticas e feudal, enquanto sistema de produção, e
sociais ocorridas no século XVII; a o nascimento do sistema capitalista.
revolução industrial no final do século Dessa maneira, esvazia-se a afirmativa
XVIII e início do século XIX, que se que tenha sido a ampliação do mercado
mostrou principalmente de importância uma condição suficiente para o declínio
econômica. do sistema feudal.

Portanto, a expansão do capitalismo foi O processo de declínio do sistema feudal


um processo lento, irregular e com imensos ocorreu de forma lenta e gradativamente e
conflitos, mas que foi conseguido em foi resultante da ineficiência do feu-
função da somatória de diversos fatores. dalismo enquanto sistema de produção
Entre os quais se destacam: a privação dos capaz de satisfazer as necessidades de uma

340 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006


Alexandre Shigunov Neto - Lizete Shizue Bomura Maciel

sociedade crescente, com “novas” produção” que pudesse suprir as


necessidades, pela cobiça cada vez maior necessidades físicas dos homens é que tem
dos setores dominante, pelos conflitos início o processo de implantação do
internos no antigo modo de produção e sistema de produção capitalista.
pelo crescimento das cidades mercantis.
Partindo do pressuposto de que o
Foi um período de transição entre o capitalismo, enquanto modo de produ-
declínio de uma sociedade e o nascimento ção, se caracteriza pela subordinação
de uma “nova sociedade”, verifica-se, direta do trabalhador assalariado ao
assim, que a forma de viver, pensar e agir capitalista, poder-se-á
dos homens começam a se transformar,
não sendo mais a mesma, ou seja, a prática datar a sua fase inicial na
Inglaterra, não no século XII
social que sustentava a sociedade feudal como faz Pirene (que pensa
principalmente na Holanda), nem
está em declínio, não sendo mais aceita mesmo no século XIV com seu
pela sociedade. comércio urbano e ligas artesanais
como fizeram outros, mas na
segunda metade do século XVI e
O crescimento das cidades mercantis e do início do século XVII, quando o
capital começou a penetrar na
comércio exigiram uma nova forma de produção em escala considerável,
trabalho, e, por extensão um “novo seja na forma de uma relação bem
amadurecida entre capitalista e
homem”, diferente do homem feudal, um assalariados, ou na forma menos
desenvolvida de subordinação dos
homem preocupado agora consigo mesmo
artesãos domésticos que
e com a sua subsistência, possuidor de trabalham em seus próprios lares
para um capitalista chamado
novas habilidades e conhecimentos. “sistema de trabalhar caseiro
(DOBB, 1971, p.31) .
Esses mesmos valores do “novo homem”
contribuirão para o acirramento dos Dessa forma, a maneira como o trabalho
conflitos internos no modo de produção excedente foi apropriado pelos detentores
feudal. Conflitos estes que, também do poder diferiu nos diversos momentos
desencadearão as condições propícias da história, estando diretamente ligados
para a formação e implantação do sistema ao uso de diversos métodos de produção
de produção capitalista. e diferentes níveis de produtividade.

O surgimento de novas carências e a O senhor feudal encontrava uma grande


incapacidade do sistema feudal em dificuldade para auferir maiores rendimen-
satisfazer as exigências produtivas dessa tos, pois a única maneira viável era através
sociedade em crescimento contribuiu para do tempo de trabalho do servo, no entanto,
seu fracasso. Diante dessa inépcia e das em função da baixa produtividade não
exigências de um “novo modelo de podia aumentar essa exploração da força de

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006 341


Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção

trabalho, que estava quase em seu limite. indústria moderna, caracterizado pela
Assim, a solução encontrada foi reduzir o introdução da maquinaria e o surgimento
nível mínimo de subsistência do servo e a das fábricas.
degradação cada vez maior da força de
trabalho, que tendia a cada dia produzir Segundo Marx (1987), a manufatura,
menos. caracterizada pelo exercício dos ofícios dos
trabalhadores em único local pertencente
Segundo Mariano F. Enguita (1989), o ao capitalista, representa o marco inicial da
sistema feudal, enquanto modelo de sociedade e predomina como forma
produção não era tão eficaz quanto possa característica do modo de produção
parecer, pelos altos custos e pela baixa capitalista aproximadamente entre meados
produtividade e complementa, supondo do século XVI e XVIII. O período
que o sistema de produção assalariado é manufatureiro tem duas origens: a forma
mais vantajoso, em termos de produtividade complexa - onde trabalhadores de
e custos, para o capital do que sua forma diferentes ofícios executam suas
antecessora. atividades; a forma simples - formado pela
aglomeração de trabalhadores do mesmo
Cabe aqui uma observação, mesmo após ofício. Portanto, a manufatura é o período
esse processo de transformação e de em que os trabalhadores apesar de
implantação do modo de produção venderem sua força de trabalho ao
capitalista, logo após a Revolução Industrial capitalista, ainda exercem seus ofícios de
durante algum tempo ainda encontra-se forma manual, ou seja, atuam sobre uma
vestígios do antigo sistema de produção realidade objetiva que é o trabalho.
feudal na nova sociedade. Fato represen-
tado, fundamentalmente, pela produção e por A maquinaria emerge no seio do período
uma população essencialmente agrícola e manufatureiro, o período manufatureiro vai
num comércio relativamente pequeno. É preparar e proporcionar as condições
o contraste entre duas sociedades, uma em favoráveis ao advento da fábrica. O
decadência, a sociedade feudal e outra em processo de industrialização não é um
ascensão, a sociedade capitalista. processo fortuito e sem propósito, não
ocorre de forma natural, mas surge
justamente com o propósito de reduzir
O MODO DE PRODUÇÃO CAPITA- custos e aumentar o lucro do capitalista
LISTA como bem explica Marx,

De acordo com Marx (1987), o modo de [...] não é esse o objetivo do


capital, quando emprega maqui-
produção capitalista apresenta duas fases: naria. Esse emprego, como
o período manufatureiro e o período da qualquer outro desenvolvimento

342 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006


Alexandre Shigunov Neto - Lizete Shizue Bomura Maciel

da força produtiva do trabalho, exigia também energia a vapor,


tem por fim baratear as pois embora a fabricação de
mercadorias, encurtar a parte do algodão tenha adotado logo a
dia de trabalho da qual precisa o nova fonte de energia, e em maior
trabalhador para si mesmo, para grau de outras atividades (exceto
ampliar a outra parte que ele dá a de mineração e a metalúrgica),
gratuitamente ao capitalista. A ainda em 1838 um quarto de suas
maquinaria é meio para produzir necessidades energéticas era
mais valia (MARX, 1987, p.424). suprida por fontes hidráulicas. A
razão pra isso não era nem
inexistência de inovação cientí-
Portanto, o processo de industrialização
fica nem falta de interesse dos
e de introdução da maquinaria no processo novos industriais pela revolução
técnica. Pelo contrário, as
produtivo teve seu impulso com a Revolução
inovações científicas abundavam
Industrial. e era rapidamente aplicadas a
problemas práticos por cientistas
que ainda se recusavam a fazer a
A Revolução Industrial constitui um ulterior distinção era o pensa-
mento “puro” e o “aplicado”. E
importante episódio da história da
os industriais absorviam essas
humanidade, caracterizado basicamente inovações com grande rapidez,
onde fossem necessárias ou
pela transformação da sociedade feudal vantajosas, e, acima de tudo,
para a sociedade capitalista. Foi uma aplicavam um rigoroso racio-
nalismo a seus métodos de
transformação social, econômica, política produção, o que caracteriza sempre
e cultural radical e díspar, que ocorreu uma era científica (HOBSBAWM,
1979, p.56).
gradativamente, com início no século
XVIII, na Grã-Bretanha e se espalhou Ao analisarmos esse processo de
posteriormente por toda a Europa. industrialização desencadeado no século
XVIII, mas que teve suas bases
Apesar da Revolução Industrial ter fundamentadas muito antes, é necessário
produzido transformações importantes e compreender que, tal processo só foi
sofisticadas nos processos produtivos, desencadeado em função das necessidades
suas transformações iniciais foram evidentes e latentes da sociedade e da
extremamente simples, como demonstra vinculação, a partir desse momento
Hobsbawm, histórico, da vida humana ao trabalho
assalariado.
[...] a tecnologia da manufatura
de algodão era pois bastante
simples e, como veremos, Para Hobsbawm (1979), as três categorias
também era simples a maioria das
restantes mudanças que,
fundamentais do processo de consolidação
coletivamente, constituíram a da industrialização na Grã-Bretanha foram
“Revolução Industrial”. Exigiam
pouco conhecimento científico as exportações, o mercado interno e a
ou qualificação técnica além de atuação do Governo. As exportações que
que dispunha um mecânico
prático do começo do século foram impulsionadas e subsidias de forma
XVIII. Na verdade, quase não se sistemática e agressiva pelo Governo foram

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006 343


Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção

consideradas, juntamente com a produção primeiras regiões que não teriam


existido se não fosse a
têxtil de algodão, o setor básico do industrialização e que expressa-
ram uma nova forma de sociedade,
processo de industrialização britânico. O o capitalismo industrial, baseada
processo de urbanização e seu mercado numa nova forma de produção, a
“fábrica” (HOBSBAWM, 1979,
interno propiciaram condições favoráveis p.53).
para uma economia industrializada em
grande escala, na medida em que o processo A segunda fase da Revolução Industrial
de industrialização aumentava a demanda Britânica (1873-96), marca uma nova fase
pelos produtos ingleses em seu mercado do industrialismo, que proporcionaria
interno. Desse modo, o incentivo às alicerces muito mais consistentes para o
exportações proporcionava melhorias no crescimento econômico, sendo baseada
transporte marítimo, já o mercado interno nas indústrias de bens de capital, no
impulsionava o transporte terrestre. O carvão, no ferro e no aço. Foi durante
papel do Estado nesse processo foi esse período que ocorreu a conhecida
fundamental, principalmente incentivando Grande Depressão, período marcado
e financiando a inovação técnica e o pela intranqüilidade e estagnação da
desenvolvimento das indústrias de bens de economia britânica. Contudo, e apesar
capital e de consumo. de ser mais evidente na Grã-Bretanha, foi
um fenômeno mundial, atingindo em
Portanto, a transformação do modo de graus diferenciados os demais países.
produção feudal para o capitalista na Sua importância revela-se fundamen-
Grã-Bretanha somente foi possível em talmente no fato de a Grã-Bretanha deixar
virtude de seu mercado interno ser um de ser a precursora do movimento de
excelente e crescente mercado consu- industrialização, passando a ser
midor dos produtos britânicos, de seu “apenas” uma das maiores potências
mercado externo ser muito mais dinâmico mundiais. É o fim da era denominada de
e seguro e pelo papel desempenhado pelo “fase britânica de industrialização” e o
governo nesse processo. início de uma nova, conhecida como
“fase do imperialismo”.
A primeira fase da Revolução Industrial
Britânica (1750-1860), foi baseada na As transformações ocorridas nesse
indústria têxtil. Apesar do algodão perder processo de industrialização, iniciado na
sua força aproximadamente duas décadas Grã-Bretanha, implicou em mudanças na
após o início do processo industrialização, vida do homem, enquanto trabalhador
sua importância é evidenciada por e ser produtivo a serviço do capitalista.
Hobsbawm, ao afirmar que Ou seja, a transformação de uma sociedade
feudal em uma sociedade capitalista
o algodão deu o tom da mudança
industrial e foi o esteio das irá exigir um novo modelo de homem e

344 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006


Alexandre Shigunov Neto - Lizete Shizue Bomura Maciel

conseqüentemente um novo modelo de “novos” interesses da sociedade, ou seja,


trabalhador, com novas exigências e para atender aos interesses do capitalista e
conhecimentos. das fábricas.

Esse processo de transformação, tido por


O SISTEMA DE PRODUÇÃO FABRIL muitos como “evolução” da organização do
E O TRABALHADOR trabalho somente se concretizou após
muitos conflitos entre o trabalhador e
Na análise sobre as implicações que o capital. Comumente tendemos sempre a ter
modelo de produção capitalista impôs aos
a organização atual do trabalho e
trabalhadores levar-se-á em conta a perda nossa atitude frente ao mesmo
são coisas recentes e que nada têm
de autonomia do trabalhador na execução a ver com “a natureza das coisas”.
de suas funções, ou seja, a separação entre A organização atual do trabalho e
a cadência e sequenciação atuais
saber e fazer nas relações sociais de do tempo de trabalho não existiam
trabalho. em absoluto no século XVI, e
apenas começaram a ser
implantadas precisamente ao final
Pode-se considerar que o século XIX foi o do século XVIII e início do século
XIX. São, pois, produtos e
período de consolidação do modelo de construtos sociais que têm uma
história e cujas condições têm que
produção capitalista. O seu desen-
ser constantemente reproduzidas.
volvimento ocorreu, fundamentalmente A humanidade trabalhadora
percorreu um longo caminho
pela exploração e degradação do trabalho, antes de chegar aqui, e cada
ou então, pelo estado de miséria por qual indivíduo deve percorrê-lo para
incorporar-se ao estádio alcançado
passava a classe operária. Contudo, ao (ENGUITA, 1989, p.04).
longo de seu crescimento, o capitalismo
atravessa por algumas crises, durante as O processo de organização do processo
quais se intensifica ainda mais o estado de produtivo para atender às necessidades
depauperamento e de fome da classe das fábricas é um processo gradativo,
trabalhadora. sendo destacáveis as seguintes fases: na
primeira, o capitalista com sua força
O homem a partir da implantação do modo econômica e política consegue expropriar
de produção capitalista, passa a ser visto o trabalhador de sua terra ou de seu
apenas como agente produtivo, e não mais trabalho independente; numa segunda,
enquanto ser com sentimentos, desejos e após retirar a única forma de subsistência
necessidades próprias. É uma profunda e do trabalhador, o capitalista o transforma
radical transformação social, em todos os em assalariado e subordinado a ele; na
níveis, e principalmente no modo de viver última, ocorre a divisão manufatureira do
do homem. Seus costumes e a prática social trabalho, com a subordinação real e
têm que ser alterados para atender aos completa do trabalhador ao capital. Assim,

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006 345


Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção

consolida-se o processo de apropriação A introdução da maquinaria fez com que


pelo capitalista do processo e do produto houvesse uma reestruturação na orga-
do trabalho executado pelo trabalhador. nização do processo produtivo, que
conseqüentemente afetou a vida dos
As tradições, valores e a cultura das trabalhos de forma drástica e radical.
civilizações nas economias de subsis-
tência foram um grande obstáculo para sua Engels (1985) nos apresenta o modelo de
consolidação e para o recrutamento de trabalhador e a maneira como:
mão-de-obra para as fábricas. Como
considera Enguita (1989, p.42) os trabalhadores viviam uma
existência em geral suportável e
levavam uma vida honesta e
essa aversão para o trabalho fabril tranqüila, em tudo piedosa e
fez com que uma massa ingente honrada; a sua situação material
de camponeses e artesãos era bem melhor que a dos seus
expulsos por meios econômicos sucessores; não tinham neces-
ou extra-econômicos de suas sidade de se manter, de trabalhar,
terras ou de seus ofícios preferisse não faziam mais do que desejavam
viver de seus parentes e e, no entanto, ganhavam para as
suas necessidades e tinham tempo
conhecidos, da caridade pública
livre para um trabalho são no
ou do nada a alistar-se como
jardim ou no campo, trabalho que
assalariados. Os vagabundos e
era para eles uma forma de
os pobres, no sentido mais amplo
descanso, e podiam, por outro
de ambos os termos, converte- lado, participar nas distrações e
ram-se no pesado dos séculos XV jogos do seus vizinhos; e todos
a XIX. Para alguns eram a esses jogos, malha, bola etc.,
expressão mais clara e a contribuíam par a manutenção
conseqüência mais grave da da sua saúde e para o seu
dissolução da velha ordem; para desenvolvimento físico (ENGELS,
outros, uma massa de indigentes 1985, p.12).
que se negava a trabalhar. De
qualquer forma, tornavam-se um
elemento dissonante em uma O trabalhador agrícola, que habita no campo,
sociedade que necessitava de
apresenta características e um estilo de vida
forma crescente de regularidade e
estabilidade nos hábitos de diverso dos trabalhadores industriais,
trabalho. Para eles colocou-se em
pois a revolução industrial foi
ação uma coleção de sagas
legislativas em todos os países, que
começaram com fins assistenciais reduzindo inteiramente os traba-
e terminaram por converter-se lhadores ao papel de simples
em uma agressiva política de máquinas, arrebatando-lhes os
mobilização da mão de obra. últimos vestígios de atividade
independente, mas incitando-os,
precisamente por essa razão, a
As transformações no modo de produção e pensar em exigir uma posição
digna de seres humanos (ENGELS,
nas relações sociais de trabalho têm 1985, p.13-14).
implicações diretas sobre a vida, no com-
portamento dos trabalhadores e sobre a Engels (1985), apesar de reconhecer que
própria educação deles. a vida dos camponeses ingleses era mais

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Alexandre Shigunov Neto - Lizete Shizue Bomura Maciel

saudável e mais tranqüila, não a considera do trabalho e de suas condições, surgiu


uma vida digna, pois falta a esses homens também
a preocupação com o mundo que os rodeia. a partir de 1871 obtiveram até o
primeiro reconhecimento legal
Portanto, para Engels o grupo social em do lazer não-religioso, o descanso
condições de lutar por seus direitos, por semanal. No entanto, de modo
geral, seus salários e suas
uma vida digna e pela transformação condições de trabalho dependiam
necessária – a transformação das relações dos contratos que conseguiam
estabelecer com os patrões,
sociais de produção -, é o proletariado. Pois sozinhos ou através de seus
a partir do momento em que, perderem sindicatos (HOBSBAWM, 1979,
p.143).
sua possibilidade de ascensão social,
tornando-se um grupo social estável, O fato de a Grã-Bretanha, nesse período
adquirem as condições necessárias para histórico, ser considerada um país,
lutarem por melhores condições de vida e essencialmente de trabalhadores possi-
de trabalho. bilitou o surgimento do sindicalismo. Uma
conquista importante dos trabalhadores
Nesse sentido, tornava-se para os que possibilitou minimizar as precárias
camponeses muito difícil adaptar-se às condições de trabalho oferecidas, entre-
novas condições de trabalho da fábrica. tanto, esta conquista apenas foi conseguida
Acostumados ao trabalho ao ar livre, aos à base de muitas lutas e reivindicações,
ritmos sazonais, aos abundantes dias de
[...] no começo da década de
festa, a poder abandonar as tarefas a
1870, o sindicalismo foi aceito e
qualquer momento, em suma, a seguir seu reconhecido oficialmente, nos
lugares onde haviam logrado
próprio ritmo em vez de um calendário, um firmar-se. Graças à estrutura
horário e um ritmo impostos, não podiam arcaica da economia britânica,
esse reconhecimento ocorreu não
deixar de sofrer um violento choque. Por apenas para os artífices quali-
isso se negavam a acudir às fábricas e, ficados de ocupações manuais
(como, por exemplo, pedreiros,
quando se viam forçados a fazê-lo, não era alfaiates, impressores etc), como
raro que desertassem em massa, mesmo em também no coração das atividades
básicas, como as tecelagens de
momentos já avançados da industrialização. algodão e as minas de carvão,
bem como no grande complexo
de fabricação de máquinas e
Com o desenvolvimento do modo de navios, atividades nas quais a
parte maior do trabalho
produção capitalista, com as reivin- qualificado continuou a compor-
dicações dos trabalhadores, enfim, em se essencialmente de artífices.
Ainda assim, aquele reconhe-
função das necessidades de uma cimento não atingia mais que
regulamentação do trabalho, principal- uma pequena minoria dos
trabalhadores britânicos, exce-
mente, nas fábricas surgiram por volta da tuadas algumas localidades e
alguns ofícios (HOBSBAWM,
década de 1860 as primeiras legislações
1979, p.143-144).
trabalhistas. Juntamente com a regulação

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006 347


Transformação social e modo de produção: do sistema pré-industrial ao sistema capitalista de produção

As condições de vida dos trabalhadores sem distinção alguma. Só assim, podere-


começou a melhorar em função de alguns mos afirmar que a ciência e seu “progresso”
fatos, tais como: as exigências da classe não são privilégios e sim direitos de todos.
trabalhadora por melhores condições
de vida, e para abafar as manifestações
e insatisfações dos trabalhadores; e a CONSIDERAÇÕES FINAIS
classe trabalhadora tornou-se em uma
opção de mercado consumidor para os Ao findar o presente artigo acreditamos que
capitalistas tenhamos conseguido demonstrar que o
sistema de produção capitalista atendeu e
a sobrevivência das condições de atende aos interesses de um setor social
indústria domiciliar e manufábrica
na segunda metade do século XIX minoritária, os detentores do capital e que
teve conseqüência importante para
a vida e população industriais que
os objetivos dos setores nunca poderiam,
raramente vemos exami-narem. nesse modelo de produção, serem atingidos
Ela significava que só na última
quadra do século a classe conjuntamente.
trabalhadora começou a tomar o
caráter homogêneo de um
proletariado fabril. Antes disso, a As transformações nas relações de
maioria dos trabalhadores man- produção aliadas às circunstâncias
tinha as marcas do período
anterior de capitalismo, tanto em político-sociais ocorridas no seio da
seus hábitos quanto em seus
sociedade, decorrentes também da
interesses: a natureza da relação
de emprego e as circunstâncias de implantação do modo de produção
sua exploração (DOBB, 1971,
p.325).
capitalista foram profundas e contribuíram
para aumentar a pobreza e miséria dos
Portanto, o “progresso” ao invés do que cidadãos.
seria o modo socialmente aceito e
pretendido, não proporciona de forma Enquanto que durante o período feudal o
igualitária a todos membros da sociedade trabalho dos homens, era o trabalho
os mesmos benefícios. E sim, os benefícios agrícola e de subsistência, já no período
advindos desse “progresso” tornam-se de crescimento das cidades mercantis e
privilégios de uma pequena parcela da do comércio o trabalho passa a ser
sociedade. considerado como uma forma de obtenção
de lucro e de riqueza.
Os benefícios que o “progresso” pode
proporcionar à sociedade devem ser O trabalho é a categoria social que exerce
igualmente distribuídos a todos os seus influência sobre a vida dos homens, ou seja,
membros, há necessidade de proporcionar o trabalho enquanto categoria de análise
democraticamente o usufruto de tais influenciará o modo de vida e a forma de
benefícios para todas as classes sociais, ser e pensar dos homens.

348 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006


Alexandre Shigunov Neto - Lizete Shizue Bomura Maciel

As desigualdades sociais existentes hoje Artigo recebido em: 10/08/2005.


Aprovado para publicação em: 03/11/2006.
em nossa sociedade tiveram início no
século XV com a introdução do sistema
de produção fabril e a divisão do trabalho. Social transformation and way of production:
from of the system pre-industrialist to the
Portanto, à medida que a ordem burguesa capitalist system of production
vai se estabelecendo e fortalecendo fica
Abstract: The option by the subject Social
evidente as contradições desse período – transformation and the capitalist society, at a
ao mesmo tempo em que há um aumento first moment, is justified by the interest in trying
to include/understand some questions related to
da produção de riqueza pela introdução the happened social transformations during the
da maquinaria e o trabalho assalariado nas process of implantation of the way of capitalist
fábricas, também ocorre um aumento da production as of century XV. Secondly, to study
how the transformations produced in the
pobreza. organization of the productive work had impacted
the man.

O desenvolvimento, ou como muitos Keywords: Social transformation; Capitalist


preferem chamar de “progresso”, production; Worker.

conseqüente do sistema capitalista não


estava e ainda não está disponível para Transformación social y modo de
producción: del sistema pre-industrial al
todas as pessoas, principalmente para a sistema capitalista de producción
classe trabalhadora, apenas algumas
R e s u m e n : L a o p c i ó n p o r e l t e m a Tr a n s -
podem usufruir plenamente de seus
formación social y la sociedad capitalista, en
benefícios, os detentores do capital. un primer momento, se justifica por el interés
en intentar comprender algunas cuestiones
relacionadas con las transformaciones sociales
O modo de produção capitalista corroborou ocurridas durante el proceso de implantación
para tornar o homem um prisioneiro do del modo de producción capitalista a partir del
siglo XV. En segundo lugar, estudiar cómo las
capital, do próprio trabalho. Em última transformaciones producidas en la
instância, a perda de liberdade do homem. organización del trabajo productivo tuvieron
impacto sobre el hombre.
Procuramos ao longo do texto, demonstrar,
como o significado das palavras P a l a b r a s-c l a v e : T r a n s f o r m a c i ó n s o c i a l ;
Modo de producción capitalista; Trabajador.
“controle”, “regra”, “normas”, “leis” estão
arraigadas ao modo de vida capitalista,
visando tão somente contribuir para que REFERÊNCIAS
o capital tenha um controle absoluto sobre
a vida dos trabalhadores. Todavia, essa DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo.
2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
imposição, não ocorre de forma tranqüila,
pois é seguida de uma resistência, de uma ENGELS, Friedrich. A situação da classe
luta da classe trabalhadora. Nesse trabalhadora na Inglaterra. São Paulo:
Global, 1985.
momento, fica expressa a contradição
social e a luta entre capital X trabalhador ENGUITA, Mariano F. A face oculta da
escola: educação e trabalho no capitalismo.
assalariado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006 349


Alexandre Shigunov Neto - Lizete Shizue Bomura Maciel

HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Administrador formado pela Universidade


Inglesa ao Imperialismo. 2.ed. Rio de Janeiro: Estadual de Maringá (UEM).
Forense, 1979. Orientador: Édis Mafra Lapolli
Email: shigunov@gmail.com
MARX, Karl. O capital: crítica da economia
política. 11.ed. São Paulo: DIFEL, 1987. Livro
2
Primeiro. Volume I. Lizete Shizue Bomura Maciel
Doutora em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
SWEEZY, Paul e outros. A transição do
Mestra em Educação (PUC/SP). Líder do Grupo
feudalismo para o capitalismo. 3.ed. Rio de
de Estudos e Pesquisas em Trabalho Docente e
Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Aprendizagem Escolar (GEPAE) e Professora
do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Sobre os autores: Email: newliz@uol.com.br

1
Alexandre Shigunov Neto
Doutorado em Engenharia e Gestão do Endereço Postal: Universidade Estadual de
Conhecimento. Universidade Federal de Santa Maringá (UEM).Centro de Ciências Humanas
Catarina (UFSC). Mestre em Educação pelo Letras e Artes, Departamento de Teoria e Prática
Programa de Pós-Graduação em Educação da da Educação. Av. Colombo, 5790. Jardim
UEM. Especialista em Economia Empresarial Universitário. CEP: 87.020-900 - Maringa/PR,
pela Universidade Estadual de Londrina. Brasil.

350 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 339-350, set./dez. 2006


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de
Ensino do Recife

Edson Francisco de Andrade1

Resumo: O artigo analisa o papel desempenha- das políticas educacionais como sujeito de
do pelos Conselhos Escolares no Sistema Munici-
pal de Ensino do Recife, considerando como ele- direitos, em condições de intervenção na
mento preponderante do estudo às questões que proposição de decisões que atendam a rea-
incidem no exercício da autonomia desses
colegiados. O texto ainda instiga a reflexão sobre lidade em que sua comunidade está
a importância da atuação dos Conselhos Escola- inserida. Logo, no cerne desse movimento
res na relação com as instâncias superiores do
Sistema, pressupondo a necessária intervenção do de mudanças na gestão educacional, a cri-
conjunto das instâncias de participação munici- ação de instâncias de participação popular,
pal na proposição de políticas educacionais como
garantia da democratização da gestão dos proces- como parte integrante dos sistemas de en-
sos que envolvem o Sistema e não apenas a gestão sino, passou a ser exigida de forma
escolar.
consensual por autores que defendem a
Palavras-chave: Conselho Escolar; Instâncias
democratização da gestão da educação pú-
de participação; Autonomia; Sistema de Ensino.
blica (GADOTTI, 1997; WERLE, 2003;
WITTMANN, 1993).

No Recife, a Lei Orgânica Municipal de 1990


CONSIDERAÇÕES INICIAIS passa a contemplar novas diretrizes com
vista na reformulação do Conselho Muni-
Após a promulgação da Constituição Fe- cipal de Educação (CME). Como também, o
deral de 1988, as mudanças nas políticas Plano Diretor de Desenvolvimento da Ci-
públicas passaram a ser exigidas, sendo dade do Recife reafirma os princípios e di-
configuradas à luz da nova contratualidade retrizes da democratização da gestão,
entre o Estado e a sociedade emergida do explicitando o caráter e competências do
período de centralização do poder - a dita- CME e definindo a realização periódica da
dura militar de 1964. Conferência Municipal de Educação
(COMUDE).
Em relação ao contexto educacional, o mo-
vimento que ganha maior notoriedade é o A criação dessas instâncias pode ser con-
da democratização da gestão escolar, ten- siderada como indicativos de possibilida-
do o objetivo de reconhecer o destinatário des, no que se refere à materialização dos

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 351


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

princípios da gestão democrática e do Buscamos compreender as possíveis


paradigma da co-gestão, na qual aparecem respostas para este problema que levanta-
sob os holofotes do cenário político da mos, a partir das interfaces entre leituras
administração municipal, os atores sociais de nosso marco legal; os discursos evo-
das comunidades escolar e local. cados pelos sujeitos co-participantes de
nossa pesquisa e a produção literária
Têm-se, então, como conseqüência desse correlata às categorias da participação,
movimento, além da reformulação do CME, da autonomia da escola e da democratiza-
e da realização periódica da COMUDE2, a ção da gestão, enfocadas nesse trabalho.
criação dos Conselhos Escolares em 1992;
do Departamento de Gestão Democrática e
das Comissões Regionais de Controle So- AS INSTÂNCIAS DE PARTICIPAÇÃO
cial de Qualidade do Ensino3. DA EDUCAÇÃO MUNICIPAL DO RECIFE

Procuramos ressaltar, dentre as instâncias O Conselho Municipal de Educação


de participação mencionadas, o papel dos
Conselhos Escolares, tanto no que diz res- O Conselho Municipal de Educação (CME)
peito a sua atuação no interior do recinto constitui um dos instrumentos criados pela
escolar, como, sobretudo, nas suas relações Lei Orgânica Municipal do Recife para ela-
com o CME e com a Secretaria Municipal borar as diretrizes globais da Educação no
de Educação, por entendermos que o pro- Município, em conjunto com outros instru-
cesso de democratização da gestão edu- mentos de participação e controle social.
cacional requer o exercício dos princípios Criado através da Lei 10.383 em 01 de se-
da gestão na escola, mas também a obser- tembro de 1971, o CME recebe emenda
vância de que a relação entre as instânci- através da lei municipal n° 16.190/96, com
as do Sistema de Ensino deve imbuir-se regulamentação de consonância com o
do mesmo ideário democrático. Art. 135 da Lei Orgânica Municipal.

Cabe, então, perguntarmos: Uma vez insti- O CME é o órgão do Sistema Municipal de
tuídos, que elementos interferem no exercí- Ensino que tem organização prevista em
cio da autonomia dos Conselhos Escolares Lei, de forma democrática, com caráter de
para o desempenho de suas atribuições no entidade pública de constituição paritária
interior da escola e na sua relação com as e participativa, com representação dos
instâncias superiores do Sistema Municipal segmentos da sociedade civil vinculados
de Ensino do Recife? à educação, assegurada sua autonomia em
relação ao Poder Executivo e as entidades

2
A Conferência Municipal de Educação – COMUDE, constitui a instância de participação, que envolve representantes de conselhos setoriais,
membros de entidades da sociedade civil, dos poderes legislativo e executivo, professores, servidores e estudantes, com o objetivo de
discutirem questões relativas ao Sistema Municipal de Ensino, para dali oferecer propostas de diretrizes e políticas.
3
As comissões Regionais são instâncias de participação eleitas pelos conselheiros escolares de cada RPA e referendadas pelo Conselho
Municipal de Educação para funcionar como fóruns colegiados do processo de avaliação-planejamento-gestão da educação na RPA.

352 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

mantenedoras das escolas privadas insta- Administrativa (RPA), ocorre de forma es-
ladas no Recife. porádica, quando a própria Secretaria de
Educação tem interesse em promover en-
Fica evidente no texto da Lei Municipal contros com o conjunto das RPA's.
nº 16.190/96, a indicação da COMUDE como
instância de participação do Sistema Mu- Desta feita, os atuais embates a serem en-
nicipal de Ensino de Recife (SMER), da qual frentados para que os Conselhos Escola-
espera-se uma contribuição efetiva para a res (CE's) exerçam seu papel de co-gestor
proposição de políticas educacionais que do Sistema dizem respeito à criação de me-
deverão ser analisadas pela Secretaria de canismos que fortaleçam o contato entre
Educação quanto às possibilidades de im- os colegiados escolares para que o exercí-
plantação pelo poder público, sendo todo cio de sua autonomia dentro do Sistema seja
o processo acompanhado pelo CME. a expressão do sentimento externado pelo
conjunto dos segmentos da comunidade
O grande desafio que está posto é justa- escolar.
mente construir as condições necessári-
as para que a realização da Conferência É justo concebermos que numa gestão edu-
Municipal de Educação esteja de fato em cacional que se pretende o cumprimento
consonância com as reais necessidades dos princípios da vivência democrática, a
educacionais do município, no que atuação dos conselhos não pode ser pre-
concerne à sistematização dos conteúdos miada tão-somente pelo seu êxito na con-
a serem discutidos durante a realização dução dos processos de implementação
do evento, considerando, de forma im- das normas e medidas emanadas das ins-
prescindível, a participação dos sujeitos tâncias superiores. É imperativo, portanto,
envolvidos com a promoção da educação pensarmos o papel do conselho como par-
escolar ao longo do processo de elabora- ticipante direto das definições daquilo que
ção das normas que definirão a organiza- será implementado em nível de Sistema.
ção e funcionamento do SMER.
Conforme enfatizamos na leitura do marco
Há também uma atenção de nossa parte legal, a COMUDE constitui o espaço legiti-
com as condições em que é planejada a mamente instituído para fins de proposi-
COMUDE, a forma de debate e sistematiza- ção dos diversos olhares de seus partici-
ção das temáticas e, sobretudo, o tratamen- pantes. Ao consultarmos uma representan-
to a posteriori das suas proposições junto te do segmento pais de um dos quatro con-
às instâncias superiores. Em face das Co- selhos que desenvolvemos a pesquisa, a
missões Regionais de Educação não esta- depoente evocou a seguinte resposta, re-
rem ativas, o contato entre os Conselhos ferindo-se ao questionamento da COMUDE
Escolares de uma mesma Região Político- enquanto espaço de proposição de normas

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 353


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

e medidas de funcionamento do Sistema: nutinho traz e diz como foi, mas


não tem uma continuação, uma
busca de saber no que vai dar,
“Olhe, eu participei dessa últi- que desdobramentos vão ser
ma COMUDE. Eu acho que eles dados, qual é a conseqüência
já têm os materiais, os relatóri- disso pra dentro da escola em
os deles (...) Eu acho que não particular. Eu acho que precisa
está seguindo o que a gente de- uma ponte desses espaços de
bateu não (...) Seria papel nos- discussão e tudo, de delibera-
so, do conselho, ir lá, né, fisca- ção que chegue na escola e que
lizar, cobrar, mas como não isso tenha uma continuidade”
acontece... Eles também não re- (Representante dos professores
passam. Eu acho também que I).
pra eles não é viável repassar,
porque jamais eles vão repas-
sar o que foi decidido lá, o que a O discurso da professora expressa tanto o
gente cobrou. Então, eu acho mesmo incômodo já externado pela repre-
que tudo é decidido lá” (Repre-
sentante da comunidade, quanto à ausên-
sentante dos pais).
cia de uma atitude de busca pelo conselho
É possível inferir do depoimento desse su- escolar, no sentido do acompanhamento do
jeito da pesquisa tanto uma preocupação que vai ser feito das proposições da
com a imobilidade dos conselhos escola- COMUDE. É possível reconhecermos da
res no que se refere ao cumprimento de seu parte desta depoente uma preocupação com
papel de fiscalizador dos processos que se o elo de ligação entre o CE e as instâncias
desenvolvem em nível de sistema, quanto superiores do Sistema.
uma conclusão que vai de encontro aos
princípios da gestão democrática, ou seja, Como condições objetivas para a articula-
o reconhecimento dessa depoente de que ção entre as instância de participação da
após a realização da Conferência Munici- gestão educacional do município, tem-se o
pal de Educação, os passos seguintes re- CME como órgão colegiado mediador, em
velam uma centralização da decisão políti- condições de facilitar o diálogo entre os
ca por parte da Secretaria de Educação. partícipes das diferentes instâncias, como
também, acompanhar mais de perto a im-
O depoimento do representante do segmen- plantação das proposições sistematizadas
to professor no CE, ao responder sobre a a partir da participação do conjunto dos
mesma questão da relação entre o que é
segmentos na COMUDE.
proposto na COMUDE e a materialização
dessas propostas nas políticas educacio-
Quando nos referimos às condições subje-
nais do município, nos diz:
tivas, no entanto, percebemos que a comu-
“Eu acho que morre pelo cami- nicação entre as instâncias do Sistema é
nho. O professor sai represen- precária. Vejamos alguns trechos dos dis-
tante do conselho, vai partici-
par da COMUDE e naquele mi- cursos proferidos por membros pertencen-

354 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

tes a diferentes segmentos dos CE: so de outros conselheiros escolares, que


apenas fizeram menção aos contatos com o
“Nós temos uma distância mui- CME e a Secretaria de Educação quando
to grande aqui. São dois man-
datos que a gente tirou aqui no estas instâncias lhes solicitaram o cumpri-
conselho, a gente nunca tivemos mento de alguma ação, porém, os membros
uma reunião com a secretária
de educação, com o conselho do conselho escolar não mencionaram
municipal. Nunca eu tive essa qualquer momento de encontro com as
oportunidade de ter essa reu-
nião, esse conhecimento, ou esse instâncias superiores no sentido de dis-
elo, né, eu digo assim, cutirem as normas e medidas de funciona-
entrosamento pra discutir, pra
melhorar o sistema, ou até mes- mento do Sistema.
mo o conhecimento de cada con-
selheiro. Pra melhorar esse ter-
mo de convivência, pra melho- Toda a rotina didático-pedagógico-admi-
rar também a escola” (Repre- nistrativa da escola em nenhum momento
sentante da Comunidade).
é reconhecida como parte de um debate
“Eu acho assim, as coisas sistemático com o CME. Diante do que
quando vem pra escola, elas já
percebemos no campo de pesquisa, o papel
vêm determinadas. Ninguém
procura antes saber, ou trazer desenvolvido pelos CE's é bastante defi-
pra que seja feita a discussão. citário em relação a suas possibilidades
Acho que é discutido entre eles
lá, depois chega aqui pra gente objetivas de atuação, em face dessa au-
implementar, ta entendo. Não sência de comunicação com o CME. De-
existe esse diálogo aberto como
se propaga por aí não” (Re- corrente disso cabe ao conselho escolar
presentante da direção). uma atuação com o foco muito mais de
“Olha, eu numa fui consulta- imple-mentador de decisões emanadas
da, então pra mim não é uma das instâncias superiores do que propria-
coisa que funciona em todos os
sentidos, assim, pra todos os mente corroborador do processo de cons-
processos. Se ninguém da Se- trução das políticas a serem implemen-
cretaria de Educação me con-
sultou, nem ao conselho da tadas em nível de Sistema.
escola que faço parte pra tomar
decisões A, B ou C, então, cer-
tamente não teve outras” (Re- Os Conselhos Escolares
presentante dos Professores II).
O Conselho Escolar, no Sistema Municipal
Selecionamos os discursos desses sujeitos, de Ensino do Recife (SMER), é uma entida-
por percebermos uma nítida preocupação de formada por membros das comunidades
em reconhecer que o exercício do papel do escolar e local, sem fins lucrativos, de du-
conselho escolar pressupõe a vivência do ração indeterminada, com atuação junto à
diálogo sistemático com as demais instân- unidade de ensino em que está vinculada e
cias do Sistema. Reconhecemos a mesma disciplinada por regimento próprio.
preocupação quando analisamos o discur-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 355


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

A lei nº 15.709/92 cria os Conselhos Es- É evidente que as possibilidades de atua-


colares nas escolas municipais do Recife, ção dos colegiados não devem se circuns-
regulamentando a gestão democrática de crever a esse plano. Toda a legislação
acordo com o artigo 132, inciso VIII da lei educacional vigente, onde se tem como
orgânica do município do Recife. De acor- foco - subsidiar a conquista progressiva
do com este dispositivo legal, cada unida- da autonomia da escola, pressupõe uma
de de ensino, desde sua data de publica- relação entre o Conselho Escolar e as de-
ção em 26 de outubro de 1992, deve insti- mais instâncias do Sistema Municipal de
tuir seu Conselho Escolar, tendo como ob- Ensino para além da dependência ou da
jetivo central, conforme preceitua o art. 2º completa independência. Desse modo, as
da lei nº 15.709/92, políticas elaboradas no âmbito das ins-
tâncias superiores do Sistema devem
Ajustar as diretrizes e metas passar necessariamente pela inter-relação
estabelecidas pelo Sistema Muni-
cipal de Educação à realidade da com os colegiados.
escola, participando do planeja-
mento didático, acompanhando
e avaliando o processo pedagógi- Ou seja, considerar a possibilidade de pro-
co - administrativo nos seus vári- gressivos graus de autonomia da escola
os aspectos, visando a melhoria
do ensino. significa concebermos a atuação dos
colegiados à luz da interdependência com
A leitura deste artigo permite uma interpre- o Sistema ao qual está vinculado. O oposto
tação, a partir do verbo "ajustar", posto em disso só pode ser compreendido como o
relevo no texto, de que aos Conselhos se exercício da heteronomia por parte do Sis-
reserva a incumbência de implementar as tema, que planeja as políticas, respaldan-
diretrizes e metas (elaboradas nas instânci- do-se em seus interesses internos e imedi-
as superiores), adaptando-as ao contexto atos, deixando aos Conselhos Escolares o
particular em que a escola está inserida. papel de "exercício de uma autonomia res-
trita ao dialogo sobre o já estabelecido".
Como também, o artigo em questão faz
menção as obrigações dos colegiados lo- Nesse entorno, nossa pesquisa se propôs
calizando-as ao espectro restrito da unida- ao estudo das atribuições dos colegiados,
de escolar, pois, os Conselhos devem par- numa perspectiva de correlação entre os
ticipar do planejamento didático, devem documentos que dão sustentação à gestão
também acompanhar e avaliar os processos democrática do ensino público e a
pedagógicos e administrativos que se de- materialização dos princípios que, de acor-
senvolvem no interior da escola, não antes do com a literatura produzida sobre o assun-
da extrema observância de que todas as to, correspondem ao processo de democra-
ações devem tão somente expressar o ajus- tização da gestão educacional. Assim,
te daquilo que fora emanado das instânci- passaremos a discutir a atuação dos Conse-
as superiores do Sistema. lhos Escolares no que concerne a sua pos-

356 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

tura enquanto instância pertencente ao ção o fato de que, mesmo as pesquisas


Sistema Municipal de Ensino. sobre a repercussão da ação dos conse-
lhos nas unidades educacionais ainda não
Qual o sentido da atuação do Conselho atestarem uma efetiva democratização da
Escolar no Sistema: decidir o que imple- gestão (MACIEL, 1995; FLORES, 1997;
mentar ou implementar o já decidido? GUTIÉRREZ; CATANI, 2003), não se con-
testa a relevância do colegiado como "veí-
Vejamos logo de início algumas falas sobre culo de democratização". Fica também
a atuação dos conselhos escolares na rede evidente uma profunda expectativa sobre
municipal: as possibilidades de se expandir os limites
“Temos uma demonstração de suas intervenções; de se considerar os
viva da efetivação dos CE's no
processo eleitoral de escolha de conselhos escolares co-dirigentes do Sis-
dirigentes, eles coordenam as tema e não apenas dirigidos por ele.
unidades. Tudo perfeito? Não!
Tudo certo? Com certeza não!
Mas envolvidos” (Membro do Diante disso, relacionarmos os imperativos
Núcleo de Gestão da Secretaria
de Educação). da decisão partilhada com a discussão so-
“O Conselho Escolar, além de
bre o papel a ser desempenhado pelos Con-
ser uma instância colegiada de selhos Escolares, buscando reconhecer que
gestão e controle social da qua-
lidade da Educação Municipal ações como: a elaboração do projeto peda-
em Recife, também é o mecanis- gógico da unidade de ensino em estreito
mo de fortalecimento da socie-
dade civil, experimentando ao atendimento às suas peculiaridades, como
nível do sistema de ensino, o também, a proposição do regimento da
exercício do poder diretamen-
te” (Ex-Secretária de Educa- escola em consonância com o marco legal
ção do Município). vigente e com as exigências substantivas
“Olha, eu acho que os CE's é de sua comunidade, além do exercício da
uma órgão extremamente im- autonomia para decidirem sobre o orçamen-
portante em uma gestão que seja
democrática. Se a gente tem no to financeiro da escola, têm implicações no
conselho um grupo forte, que diz respeito aos imperativos que ditam
deliberativo, composto por per-
sonagem de diversos segmen- as regras do jogo quando se refere à relação
tos da escola, eu acho muito dos colegiados com as demais instâncias
mais justas as decisões que são
tomadas” (Representante dos do Sistema.
professores III).
Tais considerações nos instigam a rever as
Como percebemos nos discursos, há um implicações que incidem no contexto do
amplo consenso sobre a instituição dos exercício da autonomia dos Conselhos,
colegiados como mecanismo de democrati- quando se trata da sua relação com as ins-
zação da gestão escolar. Chama-nos a aten- tâncias superiores do Sistema4. Desta feita,
4
Entendemos, assim como Saviani (1999, p.120), que só é possível falar em um único sistema educacional, visto que "o sistema resulta da
atividade sistematizada; e a noção sistematizada é aquela que busca intencionalmente realizar determinadas finalidades". Desta feita, utili-
zaremos a expressão 'instância superior do Sistema' quando nos referirmos a Secretaria de Educação e seu Departamento de Gestão Demo-
crática, como também, ao Conselho Municipal de Educação(CME), em face de essas instâncias manterem uma postura de coordenação da
gestão educacional do município, destacando-se por sua acentuada interferência nas decisões políticas, em detrimento do caráter periférico
que os conselhos escolares desempenham suas funções.
Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 357
O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

pretendemos analisar o contexto em que os não estão ativamente inseridos em comis-


colegiados evocam sua palavra e de que sões regionais para encontros sistemáticos
forma suas proposições se incorporam ao com as instâncias superiores do Sistema,
discurso do Sistema. onde deveria ser este o espaço de proposi-
ção de políticas e construção de consen-
Temos como referência para nossas obser- sos a partir dos diversos pontos de vistas
vações, a acepção de que o processo de evocados por seus partícipes.
democratização da gestão educacional deve
transcender as ações que expressam a Em nosso entendimento, é imperativo con-
desconcentração da Gestão. Assim, o siderarmos a representação dos conselhos
ideário de gestão democrática que estamos escolares como sujeitos políticos e pres-
enfatizando, pressupõe a construção de supormos suas intervenções para além dos
acordos à luz da diversidade de pontos de limites da escola e do limite do diálogo a
vista dos membros das instâncias de parti- respeito de algo sempre já estabelecido.
cipação. Isto significa que a atuação dos Nesse contexto, ao assumir o papel de agen-
colegiados precisa ir além do espectro tes políticos, os Conselhos Escolares são
territorial da escola na perspectiva de que chamados a sacrificar seus interesses ime-
os consensos de seus partícipes interfiram diatos e corporativistas e a não se limita-
no plano das proposições de políticas no rem a apresentar projetos alternativos, mas
âmbito do Sistema. a se apresentarem como projetos vivos e
confiáveis de uma gestão educacional co-
Nesse raciocínio, fica posto que o papel a participativa.
ser desempenhado pelos colegiados, ne-
cessariamente, deve está atrelado a uma Em se tratando do processo de conquista
vivência da autonomia na escola, sobretu- da autonomia no âmbito da relação da es-
do de discutir os aspectos peculiares à sua cola com as instâncias superiores do Sis-
própria realidade social, sempre á luz do tema, cabe evidenciar que o respaldo do
marco legal vigente, porém, jamais subal- novo marco legal assinala para a possibi-
terna ao que as instâncias superiores do lidade de uma crescente descentralização
Sistema impõe, como conseqüência de das decisões ao indicar que
suas concepções particulares, a respeito
Os sistemas de ensino assegura-
do que dispõe as orientações legais. rão as unidades escolares públicas
de educação básica que os inte-
gram, progressivos graus de au-
Propomos, então, como hipótese de estu- tonomia pedagógica e administra-
do, que os Conselhos Escolares atuam no tiva e de gestão financeira, ob-
servada as normas gerais de direi-
nível de instância colaboradora com a to financeiro público (Art. 15 -
desconcentração da gestão, todavia, ain- LDB/96).
da não intervém autonomamente nas de-
cisões políticas do Sistema, uma vez que Uma vez já tendo sido instituído a forma

358 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

colegiada como mecanismo de democra- que se faz à luz da imposição de suas


tização da gestão escolar, conforme o paixões. Ser soberano, enquanto indivíduo
disposto no Artigo 14 da LDB- 96, pode- co-responsável pela decisão assinada pelo
se afirmar que cabe de fato aos Conse- coletivo, significa que suas convicções
lhos Escolares a materialização dos prin- precisam ser evocadas, independentemen-
cípios inerentes ao regime democrático, te de serem conciliatórias ou contrapostas
na perspectiva da conquista da autono- aos demais indivíduos do grupo.
mia da escola - algo que indubitavelmente
pautar-se-á pela via do dissenso, sobre- A partir desse entendimento, é possível
tudo, em relação ao embate às posturas compreender que a atuação de indivíduos,
de administração que procuram resistir na perspectiva de exercício da soberania e,
à democracia, se apoiando nas velhas quando necessário, da postura contes-
práticas de centralização das decisões na tatória nas suas relações com o Sistema,
figura do diretor (PARO, 2003, p.11)5. deve está atrelada a um ideal de formação
humana com o foco no reconhecimento de
A relevância do papel a ser desempenha- que a intervenção no espaço público é a
do pelos colegiados pode ser sublinha- única via que conduz a uma racionalização
da por ser uma possibilidade real de se mais justa quanto à aplicação dos recursos
assegurar - ao longo dos estágios da públicos.
proposição, execução e fiscalização das
ações desenvolvidas na escola - a inter- Isso significa dizer que a participação do
venção dos diversos representantes da cidadão - com o foco na transformação da
comunidade escolar e também da comu- realidade sócio-econômica vigente - pres-
nidade circunvizinha à escola. supõe a aquisição de conhecimentos que
subsidiem os indivíduos a conscientização
Esse fato por si só já constitui um passo de que a melhoria do seu entorno, bem como
adiante na reconstrução da democracia de toda a coletividade, não deve ser conce-
no contexto da rotina gestionária da es- bida como concessão das autoridades e
cola pública brasileira. Entretanto, é pre- órgãos centrais.
ciso que cada conselheiro reconheça o
que de fato deve nortear sua postura A autonomia a ser conquistada por cada
como membro de uma instância indivíduo e que servirá de pressuposto
colegiada. Para sermos mais enfáticos, para a atuação autônoma dos colegiados,
podemos dizer que cada membro do requer um movimento de construção de
colegiado deve entender-se como sobe- conhecimentos inerentes à vivência demo-
rano - e não se trata de uma soberania crática. Nesse entorno, o exercício do po-

5
O que nós temos hoje é um sistema hierárquico que pretensamente coloca o poder nas mãos do diretor. Esse diretor, por um lado, é
considerado a autoridade máxima no interior da escola, e isso, pretensamente, lhe daria um grande poder e autonomia, mas, por outro
lado, ele acaba se constituindo, de fato, em virtude de sua condição de responsável último pelo cumprimento da lei e da ordem na escola,
em mero preposto do Estado (PARO, 2003, p.11).

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 359


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

der é analisado pelo cidadão, durante o quista da autonomia no interior da escola


seu processo de formação, como condi- e na relação desta com as demais instâncias
ção primária para o reconhecimento de que do Sistema de Ensino, tem-se a idéia de que
os interesses das elites são defendidos em a participação da comunidade na gestão
todas as frentes por seus intelectuais. escolar constitui substancialmente a al-
ternativa ao autoritarismo que se mantém
Assim, é preciso aprender que a democra- arraigado fortemente à postura gestionária
cia exige o cumprimento de regras claras e assumida quando se trata das relações
de validade comum a todos os segmentos entre as instâncias periféricas e as instân-
sociais, independente da classe social a que cias superiores do Sistema.
estiver vinculado. O aprendizado sobre a
vida democrática exige de cada educando a O que se observa é que o discurso
da participação, quer entre polí-
capacidade de empatizar com a causa pú- ticos e administradores da cúpula
blica - de assumir os riscos da decisão em do sistema do ensino, quer entre
o pessoal escolar e a direção, está
colegiado e, com maior relevo, oportunizar muito marcado por uma concep-
a diversidade de pontos de vista, rejeitan- ção de participação fortemente
atrelada ao momento da execu-
do toda e qualquer forma de manipulação ção. Esses indivíduos, pertencen-
para a instauração de consensos unânimes, tes aos diferentes segmentos do
sistema educacional, querem a
uma vez que as decisões em grupo pressu- participação da comunidade em
tudo, mas, quando se trata de par-
põem divergências entre os partícipes,
ticipar nas decisões, não aceita.
como também, a capacidade de cada indiví- (PARO, 2003, p.50).
duo de compreender qual posição expres-
sa o verdadeiro consenso, como forma de O fato é que quando se discute as regras
fazer valer o desejo da maioria. A esse res- que controlam o jogo numa sociedade de-
peito Moacir Gadotti, em sua obra Auto- mocrática, se reconhece a condição de que
nomia da Escola princípios e propostas,
os próprios legisladores estão sub-
explica que...
metidos às normas vinculatórias.
Um ordenamento deste gênero
A instituição de coletivos nas es-
apenas é possível se aqueles que
colas apresenta-se dialeticamen-
exercem poderes em todos os ní-
te, como uma instância media-
veis puderem ser controlados em
dora que é, ao mesmo tempo um
mecanismo de absorção das ten- última instância pelos possuido-
sões e dos conflitos de interesses res originários do poder funda-
e um instrumento potencial de mental, os indivíduos singulares
inovação e transformação, na (BOBBIO, 1986, p .13).
medida em que abre espaço para a
explicitação daquelas tensões e
conflitos represados, camuflados Isto significa dizer que a discussão do pro-
ou inibidos (GADOTTI, 1997, p. cesso de democratização pretende sempre
29).
a reafirmação de que participar do proces-
Portanto, ao conceber o Conselho Escolar so de decisão na administração pública re-
como instância imprescindível para a con- quer muito mais do que o exercício da cida-

360 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

dania restrito a escolha dos representan- Desta feita, a democratização da gestão


tes através do sufrágio universal. Na rea- educacional não poderia se pautar por ou-
lidade, pretende-se a defesa do sentido de tra premissa, como prioridade de seus prin-
participação que "busca construir cípios, se não o do trabalho enfático na
comunicativamente o consenso pelo diálo- defesa da direção ascendente do exercício
go com todos os envolvidos, e não apenas do poder, onde os indivíduos possam sen-
com aqueles que pensam como nós" tir-se responsáveis pela proposição, não
(GUTIÉRREZ; CATANI, 2003, p.74). apenas pela execução de ações; pela práti-
ca do dissenso como expressão de sua ma-
Sendo assim, a discussão sobre o sentido turidade e compromisso político com as
da atuação das instâncias de participação decisões em prol do coletivo, não apenas
no Sistema se insere numa perspectiva de assevera consensos construídos numa sub-
intervenção mais ampla, onde o fluxo do divisão do grupo que exerce uma sobera-
poder imposto autoritariamente na direção nia à revelia do que pressupõe o regime
descendente (quer dizer, desce do alto para democrático.
baixo) precisa ser posto em situação de
embate, onde se procura pôr em evidência A defesa do poder no sentido ascendente
a possibilidade crescente do exercício do pressupõe não somente o direito ao
poder no espaço público em direção ascen- dissenso dos partícipes das instâncias
dente (quer dizer que vai de baixo para cima). colegiadas, mas, sobretudo, o consenso
construído a partir desses dissentâneos.
Ocorre que numa sociedade como a brasi- Como afirma Alberoni (apud BOBBIO,
leira, marcada por um histórico de relações 1996, p.62), o regime que mantém o con-
heterônomas entre suas classes, fato que senso unânime fictício, como a expressão
se observa ainda com maior evidência na da vontade de todos, pode ser considerado
precária intervenção popular no que diz regimes de democracia totalitária "(...) Ao
respeito às decisões políticas tomadas nas invés de deixarem aos que pensam diver-
instâncias superiores dos sistemas que samente o direito de oposição, querem
formam a estrutura de controle do poder reeducá-los para que se tornem súditos fiéis".
público, os indivíduos acabam integrando
os grupos não como soberanos, mas como Nesse contexto, inerente ao discurso da
subalternos, destaca-se ainda o fato de que democracia está à compreensão de que as
aqueles que ocupam cargos de liderança escolas são locais contraditórios; elas re-
nas instâncias centrais procuram defender, produzem a sociedade mais ampla, enquan-
sempre que possível, o exercício do poder to, ao mesmo tempo contêm espaço para
na direção descendente nas suas relações resistir a sua lógica de dominação. Esse
com as instâncias pertencentes às extremi- espaço de resistência à dominação consis-
dades do organograma do Sistema. te em uma ação, por parte dos sujeitos que
ao participarem das questões que dizem

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 361


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

respeito aos interesses de sua comunidade de que é preciso resistir e atuar numa pos-
escolar, passam a desenvolver um discur- tura de embate à lógica de dominação em
so, em que a linguagem da crítica e a lin- que historicamente foi circunscrita a esco-
guagem da possibilidade constituem o eixo la. Para isso, a persistência pela
central de todas as iniciativas que pleitei- materialização dos princípios do regime
am a melhoria da qualidade dos serviços democrático deve constituir o principal
públicos prestados pela escola. sustentáculo ao exercício de suas atribui-
ções.
As linguagens da crítica e da possibilidade
são propriedades inerentes ao papel de- Dentre as possibilidades que podemos re-
sempenhado pelos Conselhos Escolares. conhecer como decorrentes do processo de
No cumprimento de suas atribuições, cada redemocratização das instâncias públicas
colegiado deve decidir sobre questões que brasileiras, referentes ao contexto educaci-
exigem um posicionamento crítico no sen- onal - notavelmente marcado pelas campa-
tido de perceber o implícito; como também, nhas protagonizadas pelos educadores nos
de alertar-se para as intenções ocultas dos anos 1980 - têm como pressuposto para sua
discursos que emanam das instâncias su- materialização, a instituição dos Conselhos
periores, exigindo dos membros do Escolares, bem como sua efetiva atuação,
Colegiado a capacidade de dialogar com militando em favor da melhoria do ensino
seus pares e elaborar estratégias que pos- público, através da coordenação de proces-
sam facilitar o acordo, sempre na perspecti- sos substanciais, como:
va de propor soluções em benefício dos que
confiaram a esses representantes o poder I - A eleição direta para diretor escolar;
de decidirem em seus nomes.
II - A elaboração do Projeto Político-
Isto significa apenas admitirmos como pos- Pedagógico sob a exigência de que seja
sibilidade de atitude prol democratização construído à luz dos reais interesses da
da gestão educacional, aquela voltada: a) escola e com a participação de suas
para a defesa inconteste dos direitos igua- comunidades escolar e local;
litários entre os segmentos da escola; b)
para o exercício do dissenso, sempre que III - A instituição, em diplomas legais,
suas convicções lhes certificarem de uma das condições objetivas para a con-
leitura diferente dos fatos; c) para a exigên- quista da autonomia da escola;
cia do cumprimento das incumbências do
poder público; d) para a participação do IV - O reconhecimento dos Conselhos
colegiado, respaldado na ética e na autori- Escolares como mecanismo de democra-
dade para contestar posturas autoritárias. tização da gestão escolar.
No que se refere às possibilidades, os Con-
selhos Escolares devem partir da premissa Ressalta-se esses elementos, acima relaci-

362 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

onados, como possibilidades no plano da possibilidades, onde a autonomia financei-


discussão sobre as estratégias para demo- ra exercida de forma responsável pelos seg-
cratizar a gestão escolar e, sobretudo, a re- mentos partícipes dos conselhos
lação da escola com as demais instâncias Deliberativo e Fiscal do Colegiado pode
do Sistema, em face de se trata dos impera- vislumbrar a viabilidade de projetos impor-
tivos indispensáveis para a mudança do tantes para a escola.
paradigma da gestão escolar sob o crivo
do autoritarismo para o paradigma da ges- Essa é uma discussão que nos remete a lei-
tão colegiada. tura do que de fato tem se materializado, no
contexto das unidades de ensino, daquilo
É sempre possível percebermos os impera- que se pressupõe como autonomia finan-
tivos inerentes ao modelo de gestão que ceira dos Conselhos Escolares para decidi-
pressupõe a decisão partilhada relacionan- rem sobre os recursos financeiros que fi-
do-se estreitamente com o papel a ser de- cam sob suas responsabilidades, como tam-
senvolvido pelos Conselhos Escolares, uma bém, de participarem da proposição das
vez que ao asseverarmos essa relação, prioridades orçamentárias estabelecidas
estamos colocando em maior relevo as pos- nas instâncias de centro do Sistema.
sibilidades de uma gestão educacional pau-
tada no reconhecimento da autonomia da A esse respeito, se torna extremante rele-
escola em decidir sobre suas metas e ações vante a análise das circunstâncias que en-
a serem alcançadas. volvem o exercício das funções dos Con-
selhos Escolares, com ênfase nas condições
Isto na verdade significa reconhecer que sob as quais esses colegiados elencam
os sujeitos sociais envolvidos com a esco- suas prioridades de aplicação dos recur-
la e com assento no colegiado terão res- sos financeiros e como suas decisões são
guardado o direito de elaborar o Projeto tratadas no plano da relação com as instân-
Político-Pedagógico da unidade de ensino cias mais elevadas na hierarquia da organi-
em estreito atendimento às suas peculiari- zação institucional do Sistema Municipal
dades, como também, propor um o regimen- de Educação.
to da escola em consonância com as legis-
lações vigentes e com as exigências subs- CONSIDERAÇÕES FINAIS
tantivas de sua comunidade, além de goza-
rem de liberdade para decidirem sobre o Podemos asseverar que a análise da impor-
orçamento financeiro da escola. tância das instâncias de participação para
o processo de democratização da gestão
A questão financeira é muito importante na educacional perpassa pelos imperativos
discussão do processo de democratização que verdadeiramente ditam as regras do
da gestão educacional e deve ser discuti- jogo quando se trata da relação entre os
da, sobretudo, no campo do discurso das Conselhos Escolares e as instâncias superi-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 363


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

ores do Sistema com as quais esses cesso de democratização da gestão educa-


colegiados estão vinculados. Dentre os ele- cional brasileira.
mentos observáveis dessa relação, fatal-
mente se inclui o respeito à autonomia dos É evidente que a observação dos proces-
Conselhos no momento de decidirem sobre sos pedagógicos desenvolvidos na escola
as prioridades da escola no paralelo com o nos conduzem inexoravelmente à análise
que é "permitido pelas instâncias superi- das condições em que cada unidade de en-
ores". sino elabora seu Projeto Político-Pedagó-
gico. E mais, quais ações implementadas
É bem verdade que se temos a intenção de refletem a autonomia da comunidade esco-
abordar esse assunto, utilizando-se tanto lar, como também, quais os possíveis limi-
linguagem da crítica, mas também do reco- tes impostos pelo Sistema, quanto às ações
nhecimento das possibilidades, precisamos elencadas no conjunto dos segmentos da
pontuar a qualidade da relação dos Conse- escola.
lhos Escolares com o Sistema como o fio
Assim, defendemos uma acepção de auto-
condutor de nossa análise.
nomia dos colegiados que só se sustenta
na inter-relação com o conjunto dos seg-
Nesse sentido, o que mais nos instiga é
mentos sociais envolvidos com o proces-
compreendermos que elementos são man-
so educacional. Não se trata de uma con-
tidos na fronteira entre a escola e as instân-
cepção de ação autônoma onde vê a auto-
cias superiores e que podem ser reconheci-
nomia como independência, isolamento;
dos como empecilhos à democratização, no
onde o sujeito assume o completo poder /
contraponto com a simples taxação de que
controle em completa oposição ao poder /
o desinteresse pela participação na escola controle exercido por outros. Ser autôno-
é quase que o único elemento que impede a mo implica, desta forma, um corte radical e
implementação dos princípios da gestão uma ausência total de qualquer dependên-
escolar democrática. cia dos outros. Contudo, esta concepção
corresponde muito pouco ao verdadeiro
No que se refere às discussões de cunho significado da autonomia.
administrativo e pedagógico, mediadas pe-
los Conselhos Escolares, nosso interesse Faz-se necessário, então, que sejam esta-
recai sobre os encaminhamentos que são belecidos os pressupostos sob os quais o
dados as suas deliberações, como também, exercício da autonomia pelos colegiados
quais considerações podem ser feitas acer- deve nortear-se, procurando garantir a in-
ca da interferência das demais instâncias terferência dos Conselhos na elaboração
do Sistema na sua implementação, tais ob- das políticas educacionais do município e
servações são dignas de análises acadêmi- não apenas nas decisões internas da esco-
cas voltadas para a contribuição com o pro- la. Na realidade, defendemos uma atuação

364 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Edson Francisco de Andrade

dos colegiados com a máxima de estar ma, presuponiendo la necesaria intervención del
conjunto de las instancias de participación mu-
contribuindo com a democratização da nicipal en la proposición de políticas
gestão educacional do Sistema, sendo as- educacionales como garantía de la
democratización de la gestión de los procesos
sim, suas intervenções transcendem que envuelven al Sistema y no sólo a la gestión
inexoravelmente o espectro restrito do escolar.

ambiente escolar e se insere no plano da Palabras-clave: Consejo escolar; Instancias de


co-gestão, envolvendo o conjunto das ins- participación; Autonomía; Sistema Educativo

tâncias de participação do município.

REFERÊNCIAS
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Instances of participation; Autonomy; System of
Luis. Participação e gestão escolar: conceitos e
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potencialidades. In: FERREIRA, Naura Syria
Carapeto (Org.). Gestão Democrática da Edu-
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El papel de los consejos escolares en el sis-
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Resumen: El artículo analiza el papel GADOTTI, Moacir Concepção dialética da educa-


desempeñado por los Consejos Escolares en el ção. Petrópolis: Vozes, 1997.
Sistema Municipal de Educación de Recife, con-
siderando como elemento preponderante de _______ e ROMÃO, J. E. Autonomia escolar -
estudio las cuestiones que inciden en el ejercicio Princípios e Propostas. Petrópolis: Cortez,
de la autonomía de esos colegiados. El texto 1997.
además provoca la reflexión sobre la importancia
de la actuación de los Consejos Escolares en la GIROUX, Henry A. Os professores como in-
relación con las instancias superiores del siste- telectuais: rumo a uma pedagogia crítica da

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006 365


O papel dos Conselhos Escolares no Sistema Municipal de Ensino do Recife

aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. _______. Lei nº 15.709/92, de 26 de outubro


de 1992. Cria os Conselhos Escolares nas escolas
MACIEL, Maria José de Oliveira. Gestão Esco- municipais do Recife. Diário Oficial [da Cidade do
lar Democrática: Os Conselhos Escolares Recife], Recife, 1992, p.02-03, 27 out. 1992.
na Rede Municipal do Recife -UFPE. Centro
de Educação. Recife, PE - Dissertação de Mestrado, ________.Lei nº 16.589/2000. Altera a Lei nº
1995. 15.709/92 que dispõe sobre os Conselhos Escola-
res nas Escolas Municipais.
PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da
Escola Pública. São Paulo: Ática, 2003.
Sobre o autor:
WERLE, Flavia O Correia. Conselhos Escola-
res: implicações na gestão da Escola Básica. 1
Edson Francisco de Andrade
Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Mestrando em Educação, Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).Especialista em Programa-
WITTMANN, Lauro Carlos; CARDOSO, Jarbas ção do Ensino da Língua Portuguesa, UFPE.
José. Gestão compartilhada na escola públi- Pedagogo, UFPE. Professor Substituto da UFPE,
ca o especialista na construção do fazer sa- Departamento de Psicologia e Orientação Educa-
ber fazer. Florianópolis: AAESC: ANPAE/SUL, cionais (DPOE).
1993. Orientador: Prof. Dr. Alfredo Macedo Gomes
E-mail: edsonprofessor@uol.com.br
RECIFE. Lei Orgânica do Município do Re-
cife. Promulgada em 04 de abril de 1990. Recife, Endereço Postal: Av. Falcão de Lacerda, n. 299, blo-
1990. co-B, aptº 2, Tejipió - Recife/PE. Cep 50.930-010.

366 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 351-366, set./dez. 2006


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão
democrática: algumas reflexões

Joyce Mary Adam de Paula e Silva

Resumo: Tomando-se como objeto de análise tura provê os grupos e nações com um
alguns aspectos presentes na LDB e na política
educacional implementada pelo governo do Estado referencial que permite ao homem dar um
de São Paulo na última década, serão analisadas sentido para o mundo em que vive e a
neste artigo a viabilidade da implementação de
propostas de democratização da gestão da escola, suas próprias ações.
contempladas nessas políticas, à luz da cultura
escolar e da cultura nacional. O referencial teórico
que orienta as análises deste trabalho, o do estudo A cultura, no entanto, segundo Geertz
das organizações como cultura, tem como (1973), não é uma qualidade e nem um
pressuposto que as organizações possuem, além de
um referencial interno, um referencial mais amplo poder que determina o comportamento
que se relaciona ao universo cultural peculiar às dos indivíduos,mas sim um sistema de
diferentes nações para constituição de sua cultura.
relações e significados que torna inteli-
Palavras-chave: Cultura Escolar; Gestão da
gível e descritível os comportamentos,
Educação; Política Educacional.
valores, crenças e princípios dos diferen-
tes grupos sociais.

INTRODUÇÃO A compreensão de que as organizações


possuem, além de um referencial interno,
Organizações educacionais, assim como um referencial mais amplo que se relacio-
outros tipos de organizações, têm sido na ao universo cultural peculiar às dife-
analisadas como fenômenos culturais. Se- rentes nações para constituição de sua
guindo esta linha de pensamento, algu- cultura orienta os estudos sobre cultura
mas concepções da dinâmica de criação e nacional e cultura das organizações.
legitimação da cultura organizacional e o
papel da cultura nacional nesse contexto As organizações educacionais, por sua
têm sido objeto de reflexão. vez, também desenvolvem um cultura pró-
pria como resultado de suas relações in-
Diferentes concepções de cultura estão ternas e externas. Como afirma Brunet
presentes nessa discussão. Para Lévi- (1995), as organizações escolares, apesar
Strauss (1958) toda cultura é linguagem de estarem situadas num contexto social
e código. De acordo com este autor, a cul- mais amplo, criam sua própria cultura que

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 367


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão democrática: algumas reflexões

expressa os valores, princípios e crenças trução das estruturas organizacionais e


compartilhados por seus membros e que políticas do país. As organizações escola-
a caracterizam. res por sua vez e a política educacional têm
refletido essa prática, conferindo a essas
Nesse sentido, embora as escolas desen- organizações um padrão de comportamen-
volvam sua própria cultura, elas são parte to centralizador e burocratizado.
de uma cultura maior, a cultura nacional,
que fornece referências para a construção Alguns estudos, como os elaborados por
da cultura organizacional. Fullan (1982) e Hoyle (1986), citados por
Glater (1995), destacam como a cultura da
Como afirma Motta (1996), para conhecer e escola pode frustrar mudanças e inovações,
entender as organizações nos diferentes ao promover uma aceitação aparente de tais
países é importante conhecer sua cultura inovações e mudanças permanecendo as
nacional. Isto significa basicamente conhe- mesmas práticas de sempre.
cer as concepções da vida em sociedade,
que caracterizam essas culturas. Nesse sentido, o estudo exposto no pre-
sente artigo pretende estabelecer uma re-
As organizações escolares se orientam pe- lação entre as inovações relativas à ges-
las políticas educacionais elaboradas pe- tão das escolas propostas na política edu-
los órgãos governamentais responsáveis cacional brasileira, principalmente com a
pela educação no país, no entanto, obser- LDB e como estas inovações podem dei-
va-se que diferentes práticas são adotadas xar de serem implementadas se determina-
pelas mesmas, dependendo do grau de fle- dos aspectos da cultura nacional prevale-
xibilidade das relações em seu interior. cerem.

Além do caráter das relações internas às Os referenciais teóricos que orientarão as


organizações escolares, outro elemento reflexões apresentadas são os relacionados
importante na dinâmica das mesmas é o grau à compreensão das organizações como cul-
de autonomia garantido pelas políticas edu- tura, cultura esta que tem um forte com-
cacionais. Práticas democráticas ou ponente determinado pela cultura nacio-
centralizadoras, bem como a elaboração de nal. O delineamento da cultura nacional
regras e normas que vão além do previsto brasileira, elemento importante na análise
na legislação, são reflexos de uma cultura das organizações no Brasil e em especial
interna que tem como um de seus elemen- das organizações educacionais terão como
tos a cultura nacional. referenciais estudos sociológicos, históri-
cos, antropológicos e filosóficos. O deli-
No caso específico do Brasil, pode-se ob- neamento de uma cultura nacional,com
servar uma prática centralizadora na cons- vistas à análise de suas conseqüências na

368 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006


Joyce Mary Adam de Paula e Silva

cultura das organizações pode ter como lógico a respeito das soluções imaginá-
referencial essas diferentes abordagens, rias para conflitos e contradições que a
pela complementaridade que as mesmas realidade não dá conta. Toma um sentido
apresentam. psicanalítico também, quando significa
um impulso à repetição de algo imaginá-
CULTURA DAS ORGANIZAÇÕES NO rio, que cria um bloqueio à percepção
BRASIL E CULTURA NACIONAL da realidade e impede lidar com ela.

Os estudos desenvolvidos por alguns A autora usa o sentido de mito fundador


autores brasileiros como Marilena Chauí para explicitar a constante relação do
(2001), Roberto Da Matta (1979, 1986, passado como origem e que se encontra
1994) e Raimundo Faoro (1984, 1988) em- sempre presente.
bora com abordagens diferentes são
referenciais importantes no delineamento de Diferencia o sentido de formação, adota-
uma cultura brasileira. do por historiadores, do conceito de fun-
dação, destacando que:
A gênese da hierarquia e da centralização
(...) as ideologias que necessaria-
no exercício do poder são as questões mente acompanham o movimen-
to histórico da formação, alimen-
mais fundamentais que serão abordadas tam-se das representações produ-
na constituição da cultura das organiza- zidas pela fundação, atualizando-
as para adequá-las à nova quadra
ções no Brasil, por serem características histórica. É exatamente por isso,
marcantes da formação do Estado brasi- que sob novas roupagens, o mito
pode repetir-se indefinidamente
leiro, presentes a partir da colonização (CHAUÍ, 2001, p.10).
portuguesa, como demonstram os estu-
dos citados. Nesse sentido, é que nas representações
sociais cotidianas e na cultura de um de-
O estudo sobre Mito Fundador e Socieda- terminado grupo social o mito fundador
de Autoritária, realizado por Chauí (2001) estaria presente, definindo muito de suas
é um dos referenciais importantes na com- características.
preensão da cultura brasileira, por trazer
elementos que ampliam a compreensão Roberto da Matta (1994, p.49), em seu
das linguagens, valores e idéias presen- texto "A Obra literária como Etnografia",
tes na sociedade. busca a compreensão de alguns princí-
pios estruturais, categorias e normas
A concepção de mito, segundo essa au- sociais da sociedade brasileira, através
tora, vai além do sentido grego da pala- da obra literária. Afirma que:
vra mythos, da narração pública de feitos
lendários, tomando um sentido antropo- Meu postulado implícito era o

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 369


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão democrática: algumas reflexões

seguinte: se o texto literário 'con- tes classes:


tava uma sociedade, no caso bra-
sileiro, no qual eram poucos os
[...] do lado dos dominantes, ele
estudos especificamente socioló-
opera na produção da visão de seu
gicos da sociedade como tal, o
direito natural ao poder e na
texto literário de fato fazia falar
legitimação desse pretenso direi-
a sociedade. Neste sentido pro-
to natural ao poder por meio das
fundo, a literatura não era, con-
redes de favor e clientela....; do
forme já disse, simplesmente uma
lado dos dominados, ele se reali-
outra fotografia do sistema, mas
za pela via milenarista com a vi-
uma expressão, um meio privile-
são do governante como salva-
giado pelo qual a sociedade podia
dor, e a sacralização- satanização
se manifestar. A narrativa, então,
da política [...] [...] o rei repre-
poderia ser tomada como a pró-
senta Deus e não os governados e
pria sociedade, percebida (lida,
os que recebem o favor régio re-
entendida, falada, classificada)
presentam o rei e não os súditos.
por meio de um certo código.

Por meio dessa metodologia de análise é Essa forma de conceber as relações esta-
que Da Matta (1994) apresenta algumas belece uma estrutura das organizações so-
análises sobre a cultura brasileira, análi- ciais e políticas que não permite a partici-
ses essas que contribuem para a com- pação dos dominados nem pelo exercício
preensão da influência desses elementos do poder e nem pela representação. A tutela
na construção da cultura das organizações. e o favor são as principais formas de poder,
fato que se manifesta historicamente no
Ao citar a frase de Oliveira Vianna "sou Brasil, através do populismo, uma das
capaz de todas as coragens, menos a cora- principais formas de exercício do poder po-
gem de resistir aos amigos!", Da Matta lítico.
(1994) destaca a importância de entender-
mos a realidade brasileira nos termos da Transferindo a idéia do mito fundador
relação entre a lei, escrita e promulgada e para as organizações sociais, teríamos
os amigos. Com esta argumentação, eviden- como uma das características principais,
cia uma característica importante que é a a ausência de participação dos envolvi-
compreensão das redes de relações pessoais dos no processo, uma forte centralização
em contraposição às normas e leis do poder, hierarquização das relações e
estabelecidas. Nesse sentido, o que preva- controle estrito das informações. Os ní-
leceria nesse contexto seria muito mais as veis hierarquicamente superiores é que
relações pessoais do que propriamente as têm as informações, o saber e o significa-
regras de um contrato social. do da lei, podendo tutelar os desprovi-
dos desse conhecimento.
Voltando a falar sobre o mito fundador,
relacionado à figura do governante, Chauí Tais características estão fortemente pre-
(2000, p.86) destaca o modo diferenciado sentes na estrutura da sociedade brasi-
de representação do mesmo, nas diferen- leira, embora Faoro (MENDONÇA, 2000)

370 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006


Joyce Mary Adam de Paula e Silva

destaque as peculiaridades das organi- despender como o mesmo rei o


fizera, que isto é ser verdadeiro
zações burocráticas no Brasil, chamando- amigo (FAORO, 1984 p.171).
a de burocracia estamental, em suas ori-
gens, devido principalmente ao desenvol- Tais aspectos reforçam a idéia da consti-
vimento de um estado patrimonialista: tuição de uma malha de relações onde o
Estado se impõe, desarticulando a socie-
O patrimonialismo, organização
política básica, fecha-se sobre si
dade como um todo, mantendo-a na con-
próprio com o estamento, de ca- dição de desinformada, tendo o monopó-
ráter marcadamente burocrático.
Burocracia não no sentido mo- lio do exercício concreto do poder. Como
derno, como aparelhamento ra- afirma Schwartzman (MENDONÇA, 2000,
cional, mas de apropriação do
cargo - o cargo encarregado de p.56):
poder próprio, articulado com o
príncipe, sem a anulação da esfe- (...) os padrões de relacionamen-
ra própria de competência (MEN to entre Estado e sociedade, que
DONÇA, 2000, p.59). no Brasil tem se caracterizado,
através dos séculos, por uma bu-
rocracia estatal, pesada, todo-po-
Faoro, em obras como "Os donos do Po- derosa, mas ineficiente e pouco
ágil, e uma sociedade acovarda-
der" (1984) e "A pirâmide e o trapézio" da, submetida mas, por isso mes-
(1988), traz elementos fundamentais para mo, fugidia e freqüentemente re-
belde.
a compreensão da estrutura político so-
cial brasileira e por conseqüência da cul- Nesse sentido, as relações que se proces-
tura que permeia as instituições. Destaca sam, passam do campo do envolvimento e
o caráter patrimonialista e o caráter de da cidadania para o campo do reivin-
estamento da burocracia brasileira. dicatório, onde Estado e Sociedade são
instâncias totalmente divorciadas.
Descrevendo os traços da organização
administrativa, social, econômica e finan- Tocqueville (1998, p.75) observa que:
ceira da colônia, Faoro (1984) apresenta a
(...) nas nações em que reina o
característica centralizadora da organiza- dogma da soberania do povo, cada
indivíduo constitui uma porção
ção da colônia, destacando o papel do igual do soberano e participa
estamento burocrático que se forma, para igualmente do Estado. Portanto,
cada indivíduo é tido como tão
garantir essa centralização e o poderio do esclarecido, tão virtuoso, tão for-
rei. Comenta que o funcionário é o outro te quanto qualquer outro de seus
semelhantes.
eu do rei:

A centralização e a ordem patrimonial,


Um cronista do início do século
XVII já define em termos de dou- ao contrário, somente contribuem para
trina, a projeção do soberano no
seu agente: 'os amigos do rei, seus
o estabelecimento de relações de depen-
viso-reis e governadores e mais dência, que são eficientes para o contro-
ministros hão de ser outro ele,
hão de administrar, governar e le, mas não para o exercício da cidadania

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 371


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão democrática: algumas reflexões

e avanço social. Tocqueville (1998, p.99) Todos os aspectos aqui levantados, au-
observa ainda que: xiliam na compreensão da cultura que
permeia as organizações sociais no Bra-
A centralização administrativa, é
verdade, consegue reunir em de- sil, sendo que as organizações educacio-
terminada época e em certo lugar
todas as forças disponíveis da
nais não ficam fora desse processo.
nação, mas é nociva à reprodu-
ção das forças. Ela a faz triunfar
no dia do combate, mas diminui Algumas características que têm sido
com o correr do tempo sua po- apontadas por diferentes autores (PARO,
tência. Portanto pode contribuir
admiravelmente para a grandeza 1998; OLIVEIRA; DUARTE, 2003;
passageira de um homem, mas ADRIÃO; CAMARGO, 2001; MENDON-
não para a prosperidade duradou-
ra de um povo. ÇA, 2000, 2001), a respeito das estru-
turas gestionárias da educação no
Historicamente, a estrutura patrimonial Brasil, são :
brasileira, ressalta a centralização gover-
namental e a desintegração dos núcleos • excessivo grau de centralização ad-
locais e provinciais conferindo à função ministrativa e monopólio de infor-
pública um patriciado administrativo fiel mações;
ao rei, cujo compromisso se dá em • rigidez hierárquica e excessiva bu-
relação a este último e não à sociedade rocracia;
(FAORO, 1984). Nesse sentido, a "buro-
• supervalorização das estruturas
cracia", formalmente, toma um aspecto intermediárias de gestão em detri-
impessoal, mas as relações cotidianas, mento da autonomia das escolas;
se revestem muito mais de um caráter
pessoal, de favores e de amizades. As- • separação entre o planejamento e
a execução;
sim, as leis ficam condicionadas a essas
formas de interação, constituindo-se no • alijamento da comunidade e pais
que Roberto Da Matta (1994, p.139) defi- no processo decisório da escola.
ne como a diferença entre a casa e a rua:

Tudo isso nos leva a entender O mito fundador, já citado, que caracteri-
melhor os mesquinhos rituais de za o processo participativo e decisório e
fuga da isonomia política, como
o 'sabe com quem está falando?!' as relações Estado e Sociedade, também
e o 'jeitinho, que são formas bra- nas organizações educacionais está pre-
sileiras de 'corromper' e - eis o
ponto que não é percebido - de sente. De um lado, a excessiva centrali-
relacionar a letra dura (porque es- zação e monopólio de informações que
crita, fixa, universal, automática
e anônima) da lei com as gradações estão presentes nas diferentes camadas
e posições hierarquicamente di- da estrutura decisória no sistema edu-
ferenciadas que cada 'conhecido'
ocupa numa rede socialmente de- cacional dificultam tanto a autonomia da
terminada de relações pessoais. escola quanto a participação dos envol-

372 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006


Joyce Mary Adam de Paula e Silva

vidos diretamente no processo educativo. forma de resistência, seja como forma de


É comum o comportamento, nas escolas, ausência. Como forma de resistência, en-
de cerceamento de autonomia seja pe- contra-se a oposição sistemática de gru-
dagógica ou administrativa, justificada pos que defendem maior participação no
pela interpretação legal equivocada ou processo decisório e que não aceitam
pela autoridade exercida dentro dos pa- mudanças governamentais propostas,
drões das relações pessoais e de mesmo que elas se constituam em peque-
clientelismos. De outro lado, encontra- nos avanços nesse processo. Como for-
se uma massa amorfa dentro da escola ma de ausência encontra-se os que con-
que espera que as receitas venham pron- sideram não ser sua tarefa o pensar e de-
tas, ora sacralizando ora satanizando cidir sobre o processo educativo e admi-
o Estado, como afirmou Chauí (2001). nistrativo da educação e esperam que os
Para exercer a autonomia, é preciso que órgãos governamentais tomem as deci-
os participantes se sintam co-responsá- sões por esse grupo.
veis pelo processo e não simplesmente
executores. Partindo-se desse referencial aqui des-
crito é que o artigo propõe uma reflexão
Paro (1998, p.11) ilustra bem essa situa- sobre as inovações em termos de demo-
ção ao discutir a figura do diretor de cratização da organização da escola,
escola, com as seguintes palavras: trazidas pela política educacional da últi-
ma década e a possibilidade de tais ino-
O que nos temos hoje é um siste- vações serem implementadas.
ma hierárquico que pretensa-
mente coloca todo o poder nas
mãos do diretor. Não é possível
falar das estratégias para se trans-
POLÍTICA EDUCACIONAL E GESTÃO
formar o sistema de autoridade DA ESCOLA NA ÚLTIMA DÉCADA:
no interior da escola, em direção
a uma efetiva participação de seus PRINCIPAIS INOVAÇÕES
diversos setores, sem levar em
conta a dupla contradição que
vive o diretor de escola hoje. Esse Tomando-se como referência principal a
diretor, por um lado, é conside- ultima LDB e a política implementada
rado a autoridade máxima no in-
terior da escola, e isso, pelo governo do Estado de São Paulo
pretensamente, lhe daria um gran-
na última década, serão analisadas aqui
de poder e autonomia; mas, por
outro lado, ele acaba se constitu- as principais inovações em termos de
indo, de fato, em virtude de sua
condição de responsável último
gestão da educação e da escola, contem-
pelo cumprimento da Lei e da pladas nessas políticas, à luz das carac-
Ordem na escola, em mero
preposto do Estado. terísticas das organizações sociais e da
cultura nacional, no Brasil.
O peso da cultura centralizadora auxilia
no imobilismo das escolas, seja como Os períodos que antecederam a promul-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 373


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão democrática: algumas reflexões

gação da Constituição de 1988 e da LDB novas formas de organização das estrutu-


de 1996, foram períodos de grande movi- ras de poder nos sistemas educacionais e
mentação social, no sentido de democrati- nas escolas. Não basta estar no texto da lei,
zação do Estado e de maior participação é necessário que os implementadores este-
popular, através das diferentes entidades jam imbuídos dos princípios de democrati-
profissionais, partidos políticos etc. O zação para que as inovações sejam
caráter centralizador, autoritário e introduzidas. Como já afirmado anteriormen-
patrimonialista presente na cultura das te, esse modelo tradicional, não permite, por
organizações sociais e políticas no Brasil, um lado, a participação efetiva dos envol-
se acirrou com o regime militar, afastando vidos no processo educativo e por outro
a maioria da população dos processos lado, a população, não tendo bem claro seus
decisórios, fato que gerou reações, no direitos de cidadania, não se sentindo ca-
sentido de uma retomada da publicização paz de fazer parte do processo decisório,
do estado. se ausenta e se exime desse direito.

As reivindicações dos setores democrá- A seguir, serão destacados alguns prin-


ticos organizados, vinham no sentido de cípios presentes, tanto na LDB de 1996,
reivindicar reformas no funcionamento como na legislação da educação que foi
do Estado, de maneira a assegurar a re- implantada no Estado de São Paulo na
presentação da sociedade civil organiza- última década, que caminham na direção
da em conselhos que garantissem, além de uma gestão democrática e que no coti-
da participação dos setores sociais na diano dos sistemas educacionais e esco-
elaboração das políticas, também maior las ainda não foram implementados de
fiscalização e controle da ação do Estado fato.
( ADRIÃO; CAMARGO, 2001).
A LDB, promulgada em 1996, traz em seu
No setor da educação, estes mesmos texto muito dos princípios da gestão de-
anseios da sociedade como um todo esti- mocrática do ensino, reivindicações pre-
veram presentes na elaboração da LDB sentes durante muito tempo na luta por
de 1996, onde a pressão de organizações democratização da gestão da educação.
sociais por uma democratização da ges- Ressalvado o aspecto da tomada do dis-
tão da educação foi bastante forte. curso democrático por forças conserva-
doras, como forma de controle das forças
O modelo gestionário centralizado, progressistas, não se pode negar alguns
hierarquizado e fortemente influenciado por avanços incorporados à legislação.
uma cultura patrimonialista, que caracteri-
zou a constituição do estado brasileiro, No artigo 14 está estabelecido que os
dificulta, no entanto, a implementação de sistemas de ensino definirão normas de

374 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006


Joyce Mary Adam de Paula e Silva

gestão democrática do ensino público, Básicas das Escolas de 1998, estabelecidas


conforme os seguintes princípios: pelo Governo do Estado de São Paulo, que
serviu de base para que as escolas estadu-
I - Participação dos profissionais da ais elaborassem seus regimentos escolares
educação na elaboração do projeto estabelece que:
pedagógico da escola;
Artigo 7º - A gestão democráti-
II - Participação das comunidades es- ca tem por finalidade possibili-
tar à escola maior grau de auto-
colar e local em conselhos escolares nomia, de forma a garantir o
ou equivalentes. pluralismo de idéias e de con-
cepções pedagógicas, asseguran-
do o padrão adequado de quali-
Tais princípios trazem algumas inovações dade do ensino ministrado.

na concepção da gestão do processo de Artigo 9º - Para melhor conse-


ensino. Em primeiro lugar, um maior cução de sua finalidade, a ges-
tão democrática na escola far-
envolvimento dos que executam o proces- se-á mediante a: I - participa-
so educacional com seu planejamento, tra- ção dos profissionais da escola
na elaboração da proposta pe-
ta-se de uma inovação no sentido de que dagógica; II - participação dos
pressupõe a superação da separação entre diferentes segmentos da comu-
nidade escolar -direção, profes-
elaboração e execução, princípio taylorista sores, pais, alunos e funcionári-
que permeou as concepções de política os- nos processos consultivos e
decisórios, através do Conselho
educacional no Brasil até então. Em segun- de Escola e a Associação de Pais
do lugar o estabelecimento da participa- e Mestres.

ção da comunidade escolar e local, através


de organismos formais como os Conselhos Observa-se que o princípio de participação
de Escola. tanto dos diretamente envolvidos, como
profissionais da escola e alunos, como ou-
O artigo 12 da LDB também apresenta uma tros setores de apoio no processo pedagó-
inovação na direção da gestão democráti- gico, como pais e comunidade, está presente
ca, na medida em que dá às escolas maior na legislação. Órgãos como o Conselho de
autonomia, estabelecendo que cabe a es- Escola e a Associação de Pais e Mestres
tas a elaboração e execução de sua propos- têm sua composição e finalidades defini-
ta pedagógica. das formalmente nas normas e legislações
do Estado de São Paulo.
A legislação da educação no Estado de São
Paulo, na última década, também avança no A composição do Conselho de Escola e
sentido de estabelecer como princípio a sua natureza, presente nas Normas Regi-
gestão democrática da educação. Os arti- mentais Básicas das Escolas do Estado
gos 7º e 9º das Normas Regimentais de São Paulo, no capítulo III, artigo 16,

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 375


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão democrática: algumas reflexões

estabelece que: das estruturas intermediárias do sistema


de ensino.
O conselho de escola, articulado
ao núcleo de direção, constitui-se
em colegiado de natureza consul- No artigo 10, do título II das Normas Re-
tiva e deliberativa, formado por gimentais Básicas das Escolas do Estado
representantes de todos os seg-
mentos da comunidade escolar. de São Paulo fica estabelecido que a au-
tonomia da escola, em seus aspectos ad-
As atribuições do Conselho de Escola, en- ministrativos, financeiros e pedagógicos
contram-se definidas na Lei Complemen- será assegurada mediante:
tar 444/85, do Estado de São Paulo, que
I- Capacidade de cada escola, coleti-
em seu artigo 95, § 5º estabelece que com- vamente, formular, implementar
pete ao mesmo deliberar sobre: e avaliar sua proposta pedagógica
e seu plano de gestão;

• Diretrizes e metas da unidade es- II- Constituição e funcionamento do


colar; conselho de escola, dos conselhos
de classe e série e associação de
• Alternativas de solução para os pais e mestres e do grêmio estu-
problemas de natureza adminis- dantil;
trativa e pedagógica;
III- Participação da comunidade es-
• Projetos de atendimento psico- colar, através do conselho de es-
pedagógico e material ao aluno; cola, nos processos de escolha ou
indicação de profissionais para o
• Programas especiais visando à exercício de funções, respeitada
integração escola- família-comu- a legislação vigente;
nidade;
IV- Administração dos recursos finan-
• Criação e regulamentação das ins- ceiros, através da elaboração,
tituições auxiliares da escola; execução e avaliação do respec-
tivo plano de aplicação, devida-
• Prioridades para aplicação de re- mente aprovado pelos órgãos ou
cursos da Escola e das institui- instituições escolares competen-
ções auxiliares; tes, obedecida a legislação espe-
cífica para gastos e prestação de
• As penalidades disciplinares a que contas de recursos públicos.
estiverem sujeitos os funcionári-
os, servidores e alunos da unida-
de escolar. Observa-se que a política educacional
materializada na legislação, tanto na LDB,
O princípio da autonomia da escola, pre- quanto nas normas do ensino no Estado
sente nessa legislação constituiu-se em de São Paulo, introduzem certa inovação,
avanço e inovação no processo gestionário que transfere à unidade escolar e aos en-
do ensino. Dar às escolas a incumbência volvidos uma maior autonomia e respon-
da elaboração da proposta pedagógica, bem sabilidade pelo processo pedagógico.
como a gestão dos recursos financeiros, Como afirma Libâneo (2004, p.30):
permite às mesmas maior poder decisório,
C onforme o ideário neoliberal,
poder este que antes estava ao encargo colocar a escola como centro das

376 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006


Joyce Mary Adam de Paula e Silva

políticas, significa liberar boa à comunidade interna e externa à escola


parte das responsabilidades do
Estado, dentro da lógica do mer- as condições de participação real.
cado, deixando às comunidades e
às escolas a iniciativa de plane-
jar, organizar e avaliar os servi- Confrontando essas inovações propostas
ços educacionais. Na perspectiva
sócio-crítica significa valorizar as para o sistema educacional e para as insti-
ações concretas dos profissionais tuições escolares com as características da
na escola, decorrentes de sua ini-
ciativa, de seus interesses, de sua cultura nacional brasileira, já destacada
participação, dentro do contex- anteriormente, observa-se que esta não
to sócio-cultural da escola, em
função do interesse público dos contribui para o estabelecimento de uma
serviços educacionais prestados cultura de participação. A hierarquização
sem, com isso, desobrigar o Esta-
do de suas responsabilidades. das relações, baseada em uma concepção
patrimonialista, coronelista e de poder
Tomando-se então a perspectiva sócio- pessoal, a excessiva centralização do po-
crítica, é necessário que o sistema, a es- der, e a ausência de uma consciência de
cola e toda sua comunidade estejam cidadania dificultam o estabelecimento
preparados para o exercício dessa au- dessa cultura de participação nas organi-
tonomia, criando uma nova cultura, que zações educacionais. Por mais que a lei
contemple aspectos como: quebra das contemple inovações nesse sentido, não
concepções hierárquicas da gestão da há terreno fértil para que elas sejam
escola, permitindo maior participação de implementadas, a não ser por meio de um
todos os envolvidos no processo peda- trabalho constante das lideranças, tanto
gógico; incentivo à autonomia pessoal no sentido de esclarecer o conteúdo des-
e do grupo no sentido de propor inova- sas inovações quanto no sentido de mu-
ções e fazer avaliações reais do pro- dança de atitudes.
cesso educacional e correções de rumo
quando necessário. Como afirma Chauí (2001, p.90),

porque temos o hábito de supor


Essa nova cultura necessita estar presen- que o autoritarismo é um fenô-
te, no caso das estruturas educacionais meno político que, periodicamen-
te, afeta o Estado, tendemos a não
no Estado de São Paulo, desde órgãos da perceber que é a sociedade brasi-
Secretaria Estadual de Educação, passan- leira que é autoritária e que dela
provém as diversas manifestações
do por supervisores de ensino e diretori- do autoritarismo político.
as de ensino, até chegar à unidade es-
colar. É necessário que as estruturas Tal frase nos remete à reflexão de que
do sistema educacional permitam à uni- o processo de participação e democra-
dade escolar o exercício da autonomia tização das estruturas sociais e em par-
e que as unidades escolares propiciem ticular no caso do sistema educacional

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 377


Cultura nacional, cultura das organizações escolares e a gestão democrática: algumas reflexões

depende em grande medida da conside- REFERÊNCIAS


ração, por parte dos envolvidos nesse
processo, do quanto as ações são fruto
ADRIÃO, T.; CAMARGO, R. B. A gestão demo-
dessa cultura estabelecida e das possi- crática na Constituição Federal de 1988. In: OLI-
VEIRA, R.P.; ADRIÃO,T. (Org.). Gestão, Fi-
bilidades da mudança do paradigma que nanciamento e Direito à Educação. 2.ed. v.1,
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Artigo recebido em: 20/07/2006. onal. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br>
Aprovado para publicação em: 14/08/2006.
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object of this study and they will be seen under Climate: the california experience. American
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Cultura nacional, cultura de la organi- de antropologia brasileira. Rio de Janeiro:
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FIRESTONE, W. A. Using reform:
Resumen: Se toma como objeto de análisis Conceptualizing district initiative. Educational
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estas políticas, a la luz de las discusiones sobre la Globo, 1984.
cultura de las organizaciones sociales y de la cultura
nacional. El referencial teórico que orienta los _______.A pirâmide e o trapézio. 3.ed.Rio de
análisis de este trabajo, el estudio de las Janeiro: Globo,1988.
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presupuesto que las organizaciones poseen, además GEERTZ, C. The interpretation of cultures.
de un referencial interno, un referencial más New York: Basic Books Inc.Publishers, 1973.
amplio que se relaciona con el universo cultural
peculiar de las diferentes naciones para la GLATTER, R. A Gestão como meio de Inovação.
In: NÓVOA, A. As organizações escolares em
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Palabra clave: Cultura de las Organizaciones
GOMES, R. Cultura escolar e identidade dos
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378 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006


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Paris: Poln, 1958. gimentais Básicas das Escolas do Estado de
São Paulo. D. O. de 21 de março 1998.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da es-
cola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, ______. Secretaria de Educação. Lei Comple-
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MENDONÇA, E. F. A regra e o jogo. São Paulo: TOCQUEVILLE, A. A democracia na Améri-


Laplane:FE Unicamp.2000. ca. Leis e Costumes. v.1. São Paulo: Martins
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MOTTA, F.C.P. Cultura Nacional e Cultura Sobre a autora:


Organizacional. In: VASCONCELOS, J. et al. Re-
1
cursos humanos e subjetividade. Rio de Ja- Joyce Mary Adam de Paula e Silva
neiro: Vozes, 1996. Pós-Doutorado, Universidad Complutense de
Madrid (UCM) - Espanha. Doutora em Educação.
NÓVOA, A. As organizações escolares em Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. Professora Assistente do Departamento de
Educação-I.Biociências, Universidade Estadual
OLIVEIRA, D. A. Política e trabalho na esco- Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP)- Rio
la. Administração dos sistemas públicos de educa- Claro.
ção básica. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. Email: joyce@rc.unesp.br

PARO, V. Gestão democrática da escola pú- Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
blica. São paulo: Ática, 1998. Filho, Instituto de Biociências de Rio Claro, De-
partamento de Educação. Av. 24a, n.1515 -Vice-
Diretoria. BELA VISTA, CEP 13506-900 - Rio
Claro/SP - Brasil

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 367-379, set./dez. 2006 379


380
O professor e sua formação: representações de coordenadores
pedagógicos

1
Renata C. O. Barrichelo Cunha
2
Guilherme do Val Toledo Prado

Resumo: De acordo com a literatura que valoriza ordenação Pedagógica e a Formação de


a formação de professores no contexto de trabalho
e a produção de conhecimentos a partir das Professores/as nas Escolas - defendida
experiências docentes, o coordenador pedagógico junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas
tem sido apontado como formador de professores
nas escolas. O presente artigo se propõe a discutir em Educação Continuada (GEPEC), na
as representações que o coordenador tem da ação
Faculdade de Educação da UNICAMP.
do professor e de sua formação, com base nos
dados da tese de doutoramento defendida na
Faculdade de Educação da Universidade de
Campinas. Compreender as representações sociais
A tese parte do princípio de que valorizar
dos coordenadores, valorizando as interações a formação no contexto de trabalho dos
comunicativas, permite reconhecer o tipo de
formação que é possível estabelecer nos horários professores possibilita a legitimação de
de trabalho docente coletivo na escola, encontrar saberes que orientam práticas e que in-
e confrontar posições, analisar as contradições e
evidenciar discussões que apelem à ressignificação formam teorias, na mesma medida em que
das relações e práticas de formação. as teorias iluminam práticas e orientam
Palavras-chaves: Coordenação Pedagógica; mudanças.
Formação centrada na escola;Representações
sociais.
Existe, atualmente, uma valorização das
práticas de formação continuada3 de pro-
fessores, uma vez que o mundo contem-
porâneo coloca múltiplos e novos desa-
INTRODUÇÃO fios aos profissionais. A diversidade,
imprevisibilidade e instabilidade da pós-
A educação continuada de professores, modernidade (SILVA, 2000) repercutem na
a formação centrada na escola e a ação agenda social, cultural e econômica e a
do coordenador pedagógico como medi- nível educativo, valorizando a inovação,
ador do trabalho docente coletivo são autonomia, formação contínua e reflexão,
temáticas presentes na tese de doutora- exercício da colegialidade, a investiga-
mento - Pelas Telas, Pelas Janelas: A Co- ção-ação, projetos com identidade local,
3
Por formação continuada estamos assumindo a definição de Placco e Silva (2000, p.27), para quem a educação continuada é um “um
processo complexo e multideterminado, que ganha materialidade em múltiplos espaços/atividades, não se restringindo a cursos e/ou
treinamentos, e que favorece a apropriação de conhecimentos, estimula a busca de outros saberes e introduz uma fecunda inquietação
contínua com o já conhecido, motivando viver a docência em toda a sua imponderabilidade, surpresa, criação e dialética com o novo”.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006 381


O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

currículos alternativos etc. Novas exigên- se o coordenador é o responsável por


cias ao saber e ao saber fazer profissio- agenciar a formação na escola, qual a
nais solicitam que os professores "gerem" representação que ele tem da ação do
novos modelos de práticas que envolvam professor e de sua formação? Essa inter-
a partilha de experiências, dinâmicas re- rogação revela-se pertinente porque pen-
flexivas e a construção de conhecimentos. sar a formação continuada na escola supõe
desvelar e lidar com a representação que
Valorizar a formação centrada na escola os coordenadores têm dos professores.
é assumir, de antemão, a convicção de
que o professor - e o coordenador - são
sujeitos que fundamentam suas práti- A PRODUÇÃO SOBRE O COORDENA-
cas numa opção de valores e em idéias DOR PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃO
que os ajudam a esclarecer as situações NA ESCOLA
(SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1998)
e que a escola é o lugar onde os profes- A formação continuada-formação em ser-
sores e coordenadores aprendem a sua viço - dos professores é compreendida por
profissão, articulando suas experiências, Garrido (2000) e Christov (1998) como ta-
saberes e idéias (CANÁRIO, 1999). refa principal do coordenador pedagógico.

Essa formação centrada na escola, com Com a tarefa de subsidiar e organizar as


ênfase na reflexão sobre a prática do reflexões dos professores, favorecendo a
professor, acontece, preferencialmente, tomada de consciência sobre suas ações,
nos horários de trabalho docente coletivo. Garrido (2000) destaca que o trabalho do
É justamente essa discussão que inte- professor-coordenador é estimular o pro-
ressa ao presente artigo: diante da lite- cesso de decisão e proposição de alterna-
ratura educacional brasileira (PLACCO, tivas para os problemas da prática medi-
2000, 2002; GUIMARÃES; MATE; BRU- ante uma constante atividade reflexiva,
NO, 1998; BRUNO; ALMEIDA; propiciando condições para o desenvol-
CHRISTOV, 2000; ALMEIDA; PLACCO, vimento profissional dos professores, que
2001) que aponta o coordenador peda- passam a assumir a autoria de suas práti-
gógico como mediador 4 e interlocutor cas.
privilegiado entre os professores nas re-
flexões sobre suas práticas, atribuindo- Christov (1998) justifica a necessidade
lhe a responsabilidade de formador dos dessa formação como decorrência de uma
professores, a questão que se coloca é: realidade que se modifica continuamente

4
Assumimos a idéia de mediação como definida por Placco (2002, p.95): “a reflexão e os questionamentos do professor quanto à sua
prática pedagógica se encontram e se confrontam com os questionamentos e fundamentos teóricos evocados pelo Coordenador Pedagógico-
Educacional, num movimento em que ambos se formam e se transformam”. Essa parceria seria traduzida em um processo formativo
de ambos.

382 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006


Renata C. O. Barrichelo Cunhaa - Guilherme do Val Toledo Prado

e que demanda atualizações mediante a pensam, planejam e as respostas que rece-


reflexão. bem de seus alunos.

Orsolon (2001) reconhece o coordenador A pesquisa de Garcia (1995), contudo,


como agente de mudanças das práticas dos explicita que a atribuição do coordenador
professores com base nas articulações que pedagógico como agente desencadeador de
realiza e na medida em que desvela e um processo de formação contínua dos
explicita contradições escola-sociedade e professores no interior das escolas é re-
reprodução-transformação nas práticas cente, sofrendo ainda com um modelo de
dos mesmos. Em pesquisa anterior formação dos próprios coordenadores, que
(ORSOLON, 2000), a autora pesquisou quais pressupõem que os professores já estejam
as ações do coordenador são capazes de devidamente educados e formados e que
desencadear um processo de mudança nas possam executar as suas atividades docen-
práticas dos professores. Levantou algu- tes para as quais já deveriam estar prepara-
mas atitudes importantes ao exercício da dos. Mesmo admitindo que a realidade so-
coordenação: a) desafiar para a realização fre transformações permanentes e que é
de algo diferente, repensando o costumeiro preciso revê-la continuamente para atuar
modo de fazer; b) questionar o professor de com mais propriedade e que estudar é algo
forma direcionada, isto é, através de per- que faz parte da profissão docente, muitos
guntas que permitam passar do nível des- coordenadores ficam desapontados ao
critivo ao nível interpretativo, transformando constatar que os professores têm uma for-
os confrontos em potenciais de reconstru- mação inconclusa, parcial, provisória. A ex-
ção, dando sentido ao que se observou e pectativa recíproca, dos professores para
ao que depois se define como objetivo a com os coordenadores é, inversamente,
prosseguir; c) estabelecer uma atitude de proporcional: os professores esperam que
parceria para fazer e refletir na e sobre a os coordenadores saibam mais, melhor e
ação; d) demonstrar atitude de respeito não cometam falhas, pois são os "especia-
frente ao modo de trabalhar do professor, listas" da escola e deveriam ter as respos-
levando em conta seu conhecimento prá- tas prontas para todos os problemas que o
tico, bem como suas dificuldades e facili- cotidiano apresenta.
dades.
Espera-se, portanto, que o coordenador seja
Valorizando também o exercício da reflexão um mediador entre os professores, promo-
no grupo de professores, Clementi (2001) vendo reflexões sobre a prática, alimentan-
argumenta que o apoio do coordenador do-os com subsídios teóricos, garantindo o
oportuniza o amadurecimento das intuições, trabalho docente coletivo, oportunizando
possibilitando a superação de algumas uma formação centrada na escola e
contradições entre o que os professores apromoção de mudanças.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006 383


O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

A PESQUISA COM AS COORDENADO- professores e de sua formação - e o enca-


RAS minhamento é feito pelo "recorte" de uni-
dades do texto completo produzido para
A pesquisa de doutoramento orientou-se a ocasião do exame de qualificação do
por um conjunto de questões, dentre as doutorado. Para a análise do material al-
quais se destaca: qual a representação guns passos sugeridos por Minayo (1994)
que os coordenadores têm da ação do foram adotados: organização do material
professor e de sua formação? a ser analisado (definição de unidades de
registro, que foram frases ditas pelas co-
Para responder a essa pergunta a pesqui- ordenadoras), exploração do material,
sa dialogou com cinqüenta coordenado- análise do conteúdo subjacente ao que
res pedagógicos, no contexto de três gru- está sendo manifesto e as tentativas de
pos que se reuniram quinzenalmente du- interpretação.
rante um semestre para discutir a forma-
ção de professores e a ação do coorde- Importante destacar o que está sendo en-
nador pedagógico5. Os encontros foram tendido por representações sociais nes-
registrados por escrito e audiogravados, se texto. As representações sociais cons-
compondo dados relativos a registros es- tituem a "atmosfera social e cultural" com-
critos pessoais da pesquisadora, regis- posta por palavras, idéias e imagens que
tros escritos das coordenadoras, avalia- nos cercam individual e coletivamente
ções escritas finais e "falas" audiogra- (MOSCOVICI, 2003). Elas são socialmen-
vadas. te construídas e partilhadas, configuran-
do como uma forma de conhecimento6
O olhar que dirige as interações entre co- apoiada na experiência pessoal e que ori-
ordenadores e professores e que define entam a vida cotidiana das pessoas.
o tipo de formação que é possível esta-
belecer nos horários de trabalho docente Segundo Tura (2004), também apoiado em
coletivo na escola será analisado com o Moscovici, as representações sociais são
apoio da teoria das Representações Soci- saberes utilizados pelas pessoas nas suas
ais, de Moscovici (2003) e outros autores vidas cotidianas e que comportam visões
influenciados por suas obras ou que man- compartilhadas pelos grupos. São essas
têm afinidade com seus principais con- visões que determinam condutas desejá-
ceitos e pressupostos. veis ou indesejáveis e dirigem as relações
dos indivíduos entre si e com o mundo.
A análise do conteúdo, diante do con-
junto de materiais é temática (BARDIN, As representações, para Moscovici, teri-
2000) - o que os professores dizem dos am duas funções: convencionalizar obje-
5
Outras questões da pesquisa foram discutidas em Cunha e Prado (2005).
6
O conhecimento não é compreendido como descrição/cópia, mas como produção de interações e comunicações relativas aos interesses
humanos nele implicados (DUVEEN, 2003).
384 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006
Renata C. O. Barrichelo Cunhaa - Guilherme do Val Toledo Prado

tos, pessoas, acontecimentos, enquadran- Leme (1993, p.49) confirma que nas repre-
do-os em modelos partilhados pelo gru- sentações sociais prevalecem as memóri-
po, permitindo interpretar, distinguir e co- as e conclusões preestabelecidas e argu-
nhecer o sentido das coisas; e prescrever, menta que classificamos e rotulamos para
influenciando a mente de cada sujeito, de organizarmos a realidade. "O rótulo con-
maneira a serem re-pensadas e re-citadas. fere uma afiliação e uma posição em uma
matriz de identidades" que se converte
Integrar a novidade, interpretar a realida- numa imagem comunicável. Nesse proces-
de e orientar condutas e relações sociais so atribuímos um valor positivo e ou ne-
seriam mecanismos de funcionamento das gativo, e uma certa posição numa ordem
representações (TURA, 2004) que traba- hierárquica.
lham em paralelo a um processo definido
por Moscovici como ancoragem. As pessoas e grupos criam representa-
ções através da comunicação e da co-
Ancorar significa classificar e nomear/ro- operação. As representações brotam da
tular algo. Para Moscovici, a representa- comunicação social, das inter-relações
ção é um sistema de classificação e de sociais e depois de criadas "circulam, se
alocação de categorias e nomes que re- encontram, se atraem e se repelem e dão
velam uma "teoria" da sociedade e da na- oportunidade ao nascimento de novas
tureza humana. Essas classificações são representações, enquanto velhas repre-
feitas a partir de aproximações com pro- sentações morrem" (MOSCOVICI, 2003,
tótipos que pretendem "reconhecer" um p.41).
padrão. Os protótipos favorecem opiniões
feitas e conduzem a decisões supera- Produzem na comunicação uma visão co-
pressadas, com base em generalizações ou mum (leitura do mundo cotidiano), dizen-
particularidades. O que está em jogo nas do sobre o estado da realidade. Partindo
classificações de coisas não-familiares é a do princípio de que cada vez que expo-
necessidade de definir o que está conforme mos uma idéia dizemos algo de nós mes-
ou divergente da norma, o que pode pro- mos, de nossa identidade e de nossa vi-
mover estigmatiazações. são sobre a realidade, conhecer as repre-
sentações traduzidas na comunicação
Ancorar implica, portanto, "prioridade do permite acessar diferentes facetas da re-
veredicto sobre o julgamento e do alidade (JODELET, 2005).
predicado sobre o sujeito" (MOSCOVICI,
2003, p.64). A conclusão tem prioridade so- Fica claro que são através dos intercâm-
bre a premissa e antes de ver e ouvir uma bios comunicativos, num esforço de com-
pessoa, nós já a julgamos, classificamos e preensão do mundo através de idéias es-
criamos uma imagem dela. pecíficas que as representações sociais

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006 385


O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

são estruturadas e transformadas, além de formal de cada uma de nossas formas de


projetadas de maneira a influenciar outros, atividade impediria a realização das ativi-
a estabelecer certa maneira de criar sentido dades cotidianas básicas.
para o mundo.
O pensamento que orienta nosso cotidia-
Para enfatizar o poder da comunicação, no é pautado por ultrageneralizações, que
Moscovici cita Tristan Tzara (2003, p.42): são
"Nós pensamos através de nossas bocas". [...] juízos provisórios que a prá-
tica confirma ou, pelo menos, não
As relações sociais envolvem e dependem refuta, durante o tempo em que,
baseados neles, formos capazes de
de convenções lingüísticas (conversação), atuar e de nos orientar (HELLER,
que vão criando uma base comum de 2000, p.34).
significância entre seus praticantes que
Nosso pensamento - e comportamento-
incluem imagens e de idéias consideradas
ultrageneralizadores são construídos de
certas e reciprocamente aceitas.
duas maneiras: de um lado assumimos este-
reótipos, analogias e esquemas já elabora-
Isso é o que aconteceu na conversação com
dos; por outro, esses mesmo estereótipos
as coordenadoras que participaram dessa
são "impingidos" pelo meio em que vive-
pesquisa.
mos e que muitas vezes não são percebidos
de forma crítica.
AS REPRESENTAÇÕES DAS COORDE-
NADORAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO
Além da espontaneidade e pensamento
DOS PROFESSORES NO TRABALHO
ultrageneralizador, a vida cotidiana é ainda
DOCENTE COLETIVO
heterogênea, hierárquica e organizada atra-
vés de uma rotina (CARVALHO, 1994).
O terreno das expectativas das coorde-
nadoras em relação aos professores é o
As representações sociais como saberes
cotidiano. Na vida cotidiana, como nos
utilizados pelas pessoas em suas vidas coti-
ensina Heller (2000), estão em funciona-
dianas, orientadas por rotinas, atividades
mento todos os aspectos da individuali-
heterogêneas e ultrageneralizações, com-
dade dos sujeitos: seus sentidos, capaci-
portando visões compartilhadas por grupos,
dades intelectuais, habilidades mani-
estruturam o meio social e caracterizam um
pulativas, sentimentos, paixões, idéias,
determinado grupo social (GUERREIRO,
ideologias. A atuação de cada sujeito no
1999).
cotidiano é, ainda, pautada pela esponta-
neidade e por motivações efêmeras, assi- Os grupos de coordenadoras ouvidos na
milando as exigências sociais de forma pesquisa mostraram-se coesos na forma
"não tematizada", uma vez que refletir de pensar a formação do professor e sua
sobre o conteúdo de verdade material ou relação de formação na escola. É fato que,

386 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006


Renata C. O. Barrichelo Cunhaa - Guilherme do Val Toledo Prado

como destaca Heller (2000), como pessoas social. As coordenadoras, a partir das
comuns que somos, tendemos a considerar representações expressas nos diálo-
e analisar o mundo de uma maneira seme- gos entre os grupos, confirmam suas
lhante. Nessa perspectiva isso acontece maneiras de se relacionar com os
porque nunca conseguimos nenhuma in- professores, a partir do olhar que lhes
formação que não tenha sido distorcida por dirigem.
representações e por imagens e hábitos
aprendidos, recordações preservadas e ca- Considerando, portanto, as falas das coor-
tegorias culturais estabelecidas (DUVEEN, denadoras como representações, retoma-
2003, p. 33). mos a questão que orienta parte da investi-
gação: o que dizem alguns coordenadores
As representações enquanto visões com- sobre a formação dos professores e de sua
partilhadas pelos grupos são inferidas disponibilidade nos momentos de formação
nesse trabalho a partir das "falas" trans- e trabalho docente coletivo? Vejamos:
critas dos registros em áudio e também a
partir de registros escritos produzidos na “Ano a ano encontro dificulda-
des para trabalhar com os pro-
avaliação final do trabalho. fessores em função da forma-
ção”.
Como saber se temos realmente "represen-
“De um modo geral, as pro-
tações sociais" a analisar nesse trabalho? fessoras esperam coisas pron-
Recorremos aos critérios de Xavier (2002) tas, esperam que o coordena-
dor traga receitas prontas. Às
para responder a essa questão: vezes embarco nessa demanda
e dou pronto mesmo. Fico an-
• As representações constituem uma gustiada em ter que esperar ou
na falta de reação do profes-
modalidade de conhecimento parti- sor”.
cular que traduzem teorias sobre o
mundo social e que viabilizam a co- “Tem muito professor com pre-
guiça de ler e estudar e que não
municação e a organização dos com-
reflete sobre o trabalho.
portamentos. Essa "teoria" sobre os
professores, explicitada ou inferida Existe dificuldade [dos profes-
sores] de integrar o que estu-
nas falas das coordenadoras nos in-
dam com a ação”.
formam uma certa representação.
“As professoras não têm inte-
resse. As que tem interesse, às
• As representações sociais como sis-
vezes, depois de aprender tudo,
temas de organização da realidade saem da escola e é preciso re-
organizam as relações dos indivídu- começar a equipe novamente”.
os com o mundo e orientam suas
“O professor tem preguiça de
condutas e comportamentos no meio
ler...”

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006 387


O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

“Alguns professores têm uma de...", identificando, portanto, um determi-


postura tradicional na sala,
apesar do discurso moderno”. nado estereótipo de professor. Esses ró-
tulos determinam uma matriz de identida-
“Os professores têm dificulda- des e o estigmatiza.
de de integrar o que eles estu-
dam com a ação... Ele precisa
interiorizar a ação, transformar Essa identidade reduzida à descrição
o discurso em prática”
("aquilo que é") pode se transformar em
“O professor precisa pensar e uma proposição perfomativa (AUSTIN,
refletir” 1998, apud SILVA, T. 2000) entendida como
aquelas capazes de "produzir" o fato que
“O professor não raciocina e é
levado por modismos” supostamente deveria "descrevê-lo".
Butler (1999, apud SILVA, 2000) destaca
“O professor espera que a co-
ordenadora resolva tudo, não que a eficácia produtivas dos enunciados
tem iniciativa, dependem sem- performativos depende de sua incessante
pre de condução”. repetição.
“O professor é muito depen-
dente para buscar informações Moscovici (2003) chama nossa atenção
e para ir buscar novas infor-
para uma particularidade do pensamento
mações”.
social: a conclusão tem prioridade sobre a
“Os professores não se valori- premissa da mesma maneira que o veredic-
zam, colocam-se na posição de
to tem prioridade sobre o julgamento.
subordinados, estando sempre
à espera de ordens, não toman- Quando estamos categorizando objetos ou
do iniciativa, prejudicando as- pessoas recorremos a protótipos armaze-
sim o processo educativo e a
dinâmica da escola”. nados na memória, estabelecemos valores
positivos ou negativos. Julgamos as pes-
“Os professores têm dificulda- soas antes mesmo de vê-las e ouvi-las,
de para reconhecer que preci-
sam aprender e querem só coi- como também as classificamos e criamos
sas práticas... acham que a teo- uma imagem delas.
ria é chata, monótona”
As coordenadoras conhecem seus profes-
As coordenadoras referem-se aos profes- sores, mas são levados a classificar e julgá-
sores explicitando uma representação de los, denotando uma ultragene-ralização ca-
acomodação, dependência, falta de inicia- racterística de nossos tempos que
tiva, dificuldade para refletir sobre a pró- desqualifica e responsabiliza o professor
pria ação. Elas classificam e rotulam os por sua formação e atuação, ignorando
professores (ancoragem), mantendo um dis- condições de trabalho e formação inicial e
curso depreciativo pautado pela idéia de continuada.
"O professor é...", "O professor precisa

388 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006


Renata C. O. Barrichelo Cunhaa - Guilherme do Val Toledo Prado

AS POSSIBILIDADES DE RESSIG- na medida em que os sujeitos tomem


NIFICAÇÃO DAS COORDENADORAS consciência das representações. Conhecê-
las, nesse sentido, permite encontrar e con-
Segundo Heller (2000), a ultrageneralização frontar posições, analisar as contradições
é inevitável na vida cotidiana. com vistas a ajustes e adaptações, evi-
denciar discussões, elaborar respostas,
Para Moscovici (2003), as representações dialogar sobre conflitos, conscientizar e
como "ambiente real e concreto" dirigem refletir (JODELET, 2005).
o que fazemos e falamos. E isso também é
inevitável. As representações sociais são estrutu-
rantes dos contextos e, ao mesmo tempo,
Isso significa que estamos fadados à repe- motores da mudança social. Consideran-
tição? do-se que outras representações podem
ser construídas nas comunicações e que
Heller explica que o grau de ultragenera- outros sentidos e significados podem ser
lização - provisório! - nem sempre é o conferidos às interações, alguns coorde-
mesmo e que a rigidez das formas de pen- nadores apresentaram outras elaborações
samento e comportamento cotidianos é ao final de um semestre de discussões.
apenas relativa, isto é, podem se modificar Essa sutil mudança pode ser justificada
lentamente na atividade permanente. Se pela possibilidade de revisão "das repre-
toda ultrageneralização é uma regra pro- sentações", propiciada pela comunica-
visória porque se antecipa e julga aos fa- ção no grupo.
tos e pessoas, muitas vezes ela não se
confirma e exige outra acomodação. Da mesma forma, as proposições perfor-
mativas podem ser interrompidas, questi-
Já Moscovici (2003, p.45) nos explica que onadas e contestadas (BUTLER, 2000
as pessoas e grupos não são receptores apud SILVA, 2000). É nessa interrupção
passivos, compondo uma "sociedade que reside a possibilidade de produção de
pensante" que reivindica pensar, produzir novos enunciados e representações.
e comunicar idéias. As representações
sociais como formas de conhecimento Alguns fragmentos das falas das coorde-
apresentam-se diversas e heterogêneas, nadoras podem esclarecer essa compreen-
vulneráveis a conflitos e lutas que elabo- são:
ram novas formas de representação.
As discussões me ajudaram a
visualizar os assuntos sob outro
Esses conflitos, que normalmente decor- prisma. Exemplo: o resgate da
rem das antecipações e julgamentos, apa- auto-estima e valorização do
professor merece consideração!
recem e permitem a mudança de práticas

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006 389


O professor e sua formação: representações de coordenadores pedagógicos

“Eu passei, na medida do pos- ção é indispensável para a formação,


sível, a ouvir mais o grupo,
permitindo que todos partici- ressignificação de práticas e interações
pem, pesquisem e até dirijam o produtivas e que conhecê-las anuncia a
HTPC”. possibilidade de transformações nas re-
“Consegui trazer para o HTPC lações e na escola.
um maior momento de troca de
experiências”.

“Estou procurando fazer o Artigo recebido em: 31/01/2006


Aprovado para publicação em: 07/10/2006.
HTPC de uma forma que não
seja chata, nem insuportável, e
sim uma hora de conversa com
trocas de experiências”. Teacher and his education: pedagogical
coordinators’s representations
“Sobre a influencia das discus-
sões no grupo, nos horários de Abstract: According to the literature on the value
HTPC, em minha escola, pro- of the teachers’ education in the job context and
curei dividir a responsabilida- the production of knowledge from the teaching
de do mesmo: cada HTPC uma experiences, the pedagogical coordinator is
professora prepara, vi que sur- indicated as teachers’ educator in the schools. This
tiu resultados, com as profes- article intends to discuss the coordinator ’s
representations of the teacher’s action and his
soras participando mais”.
education, based on the data of the doctoral thesis
being developed in the Education College at
“Acredito que esse horário (o Campinas University. Understanding the
HTPC) é o início de um traba- coordinators’ social representations by emphasizing
lho que vem enriquecer nossa the communicative interactions is a way to
prática enquanto docentes. Não recognize the type of education that can be
me achando a única responsá- established in the teachers’ group work time at
school, to find and compare positions, to analyse
vel, compartilho e delego a to-
the contradictions and to make clear discussions
dos a oportunidade de contribuir that appeal to the resignification of the education’s
para esta formação, portanto, relations and practices.
acredito que não só eu, mas
todo o grupo cresceu junto”. Keywords: Pedagogical coordination; Education
developed in school; Social representations.

Quando as coordenadoras se propõem a


El professor y su formation: representacio-
ouvir os professores, dividir responsabili- nes de coordinadores pedagogicos
dades, oferecer outras oportunidades de
Resumen: De acuerdo con la literatura que
participação, trocar experiências, sinalizam valoriza la formación de profesores en el contexto
uma mudança na forma de enxergar o pro- de trabajo y la producción de conocimientos a
partir de las experiencias docentes, el coordinador
fessor e seu potencial de contribuição na pedagógico fue señalado como formador de
formação compartilhada no grupo. profesores en las escuelas. El presente artículo se
propone discutir las representaciones que el
coordinador tiene de la acción del profesor y de
su formación, en base a los datos del test de
A pesquisa confirma, apesar de não ter sido doctorado en curso en la Facultad de Educación de
estruturada previamente para analisar as la Universidade de Campinas. Comprender las
representaciones sociales de los coordinadores,
representações sociais, que a comunica- valorizando las interacciones comunicativas,

390 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006


Renata C. O. Barrichelo Cunhaa - Guilherme do Val Toledo Prado

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atuação do coordenador pedagógico-educacional.
In: AGUIAR, M. A. S.; FERRETO, N. S. C. (Orgs.) 1
Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha
Para onde vão a orientação e a supervisão Doutora, Universidade Estadual de Campinas
educacional? Campinas, SP: Papirus, 2002. p. (UNICAMP). Especialista em Psicopedagogia, Ins-
95-106. tituto Sedes Sapientiae (ISS, Brasil). Professora
da Pós-Graduaçãoação da Faculdade Dom Bosco.
PLACCO, Vera M. N. S; SILVA, Sylvia H. S. A Orientador: Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo
formação do professor: reflexões, desafios e pers- Prado.
pectivas. In: BRUNO, Eliane B.; ALMEIDA, E-mail: renata_bcunha@yahoo.com.br
Laurinda R.; CHRISTOV, Luiza H. (Orgs.). O co-
ordenador pedagógico e a formação docente. Endereço Postal: Rua Fernando Febeliano da
São Paulo: Loyola, 2000. p.25-32. Costa, n.1419, Apto. 161. CEP: 13416-253,
Piracicaba/SP, Brasil.
SACRISTAN, Gimeno; PÉREZ-GÓMEZ, A.I.
Compreender e transformar o ensino. Porto 2
Guilherme do Val Toledo Prado
Alegre: ArtMed, 1998. Doutor em Educação, UNICAMP. Mestre em
Educação, UNICAMP. Coordenador do Grupo de
SILVA, Ana Maria C. A formação contínua de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada
professores: uma reflexão sobre as práticas e as (GEPEC).
práticas de reflexão em formação. Educação e E-mail: toledo@unicamp.br
Sociedade, Campinas, v. 21, n.72, p.89-109, ago.
2000. Endereço Postal: Rua Luís Gama, n. 733, Apto.
43. CEP: 13.070-170 Campinas/ SP, Brasil.

392 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 381-392, set./dez. 2006


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

Gicele Faissal de Carvalho1

Resumo: O presente artigo tem como objetivo do Ensino Fundamental, oportunizando a


apresentar experiências e reflexões no trabalho
com literatura, com a finalidade de melhorar a todas elas o contato prazeroso com o texto
qualidade do ensino e da aprendizagem, num mo-
vimento articulado com o trabalho da gestão, es-
literário, buscando a familiaridade com a
tabelecendo a dupla relação leitura e imaginário leitura ativa e criativa e o despertar do
como valores culturais. Propõe-se uma reflexão
sobre a prática pedagógica, sempre focando o in- imaginário como valor cultural.
centivo à leitura na prática social, enfatizando o
prazer de ler e valorizando situações de envol-
vimento do leitor com a história no estímulo à Ressalta também os aspectos educacio-
leitura comum, permitindo a interação com o nais, psicológicos, criativos e culturais
imaginário. Segundo pesquisa de Baudelot, Cartier,
e Detz (1999), a relação do leitor com a obra é que permeiam os trabalhos em que a lite-
afetiva, ela se manifesta pela sua identificação
ratura desempenha o papel norteador.
com a história, com os personagens, prolongan-
do ao mesmo tempo nas leituras, experiências ou
questionamentos pessoais.
Neste sentido, focaliza se o papel do gestor
Palavras-chave: Leitura; Criatividade; Valores; como estimulador de práticas pedagógi-
Cultura.
cas que promovam o interesse pela leitu-
ra, e a participação dos professores e to-
dos os atores envolvidos na comunidade
INTRODUÇÃO
escolar em projetos educativos visando a
melhoria da qualidade do ensino pelos
Esse artigo fundamenta-se em observações
caminhos da leitura.
feitas em vários ambientes de uma escola
da rede particular em Teresópolis, cidade EDUCAÇÃO E LEITURA EM TEMPOS
serrana do estado do Rio de Janeiro, du- DE MUDANÇA
rante atividades realizadas em salas de aula
e na biblioteca. O ensino não apresenta sinais de melhoria
qualitativa, como pode ser observado a par-
Mostra algumas experiências em que a lite- tir dos resultados obtidos pelos 2.199.214
ratura infantil foi o roteiro das atividades de concluintes e egressos do ensino mé-
realizadas com crianças das séries iniciais dio, participantes da oitava edição do Exa-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 393


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

me nacional do Ensino Médio (ENEM), • a compra anual de livros não didáti-


em 2005, que obtiveram média de de- cos per capita por adulto alfabetiza-
sempenho de 39,41 na parte objetiva e do é de 0,66%;
de 55,96 na redação. Além disso, o Brasil
• 61% dos adultos alfabetizados têm
também não apresentou um bom resulta-
muito pouco ou nenhum contato
do no Programa Internacional de Avalia-
com livros;
ção de Alunos (PISA).
• De cada 10 não-leitores, 7 não têm
Segundo o especialista Marcos Bagno condições de adquirir livros;
(1995, p. ), doutor em Lingüística da USP,
as notas baixas no Pisa são resultado da • 73% dos livros concentram-se ape-
maneira equivocada com que a escola en- nas nas mãos de 16% da população;
cara o ensino de Língua Portuguesa: • Média de leitura anual: Brasil (1,8 li-
Pesquisas apontam que o grande vro/habitante), Inglaterra (4,9 livro/
foco do ensino de língua portu- habitante), EUA (5,1 livro/habitan-
guesa está na gramática, pois a
maior parte dos professores de- te), França (7 livro/habitante).
dica setenta por cento de suas
aulas às normas, quando a ênfase
deveria ser na leitura e na escrita.
A escola, por sua vez, não tem se apresen-
Citando o artigo de Ana Maria Machado tado como um espaço institucional onde a
sobre o mau resultado do Brasil no Pisa. leitura, o estudo e a pesquisa vêm se reali-
Para ela, "o fato é que a escola brasileira zando dinamicamente por todos aqueles
não sabe mesmo ensinar a ler. E a socieda- que fazem parte da comunidade seja por
de não dá a mínima importância para falta de interesse ou por falta de conheci-
isso". No artigo, ela fala sobre o sucesso mento de sua importância.
do USSR, um programa inglês que envol-
ve as famílias no incentivo à leitura. E Há algum tempo tem se apontado a neces-
elogia o projeto do MEC "Literatura em sidade de ampliação dos espaços de leitura
Minha Casa", que, segundo ela, vai tornar nas escolas, onde as discussões e possí-
o governo federal o maior comprador de veis desdobramentos possam proporcionar
livros do mundo, feito digno de figurar no atividades de integração e reflexão sobre o
livro dos recordes2 grande poder da literatura como processo
civilizatório e educativo, como forma
Segundo a fonte Câmara Brasileira do Li- de vincular as pessoas ao mundo, sendo
vro em 2001, o cenário brasileiro está as- ponto de chegada e ponto de partida,
sim delineado: pois completa em si uma jornada de
trabalho de desenvolvimento de idéias e
Fonte: http://www.educational.com.br . Acesso em 11 de dezembro de 2005.

394 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006


Gicele Faissal de Carvalho

questionamentos. A literatura nos propor- • ler para investigar- quando propor-


ciona a oportunidade de viver chegadas e cionamos uma leitura crítica que dê
partidas "como os dois lados da mesma ao aluno a oportunidade de refletir
viagem", idéia apresentada na música En- sobre as questões implícitas no texto
contros e Despedidas de Milton Nasci- (sociais, políticas, morais, culturais);
mento. • ler para conhecer- os conteúdos
que fazem parte do seu cotidiano e
Antenor Gonçalves Filho (2000) sustenta que tornam possível a compreensão
uma reflexão sobre o poder da palavra e a da sua realidade;
palavra do poder, expressos na literatura e
• ler para discutir- é na discussão que
na qual se procura explorar o que ela pode
se sustentam as bases de argumen-
conter enquanto instância educativa e for-
tação, tão relevantes na comunica-
madora de valores de cultura, porém vemos ção e na troca de experiências, quan-
que os avanços da tecnologia e os hábitos do os conhecimentos se ampliam;
sociais têm proporcionado mudanças
significativas na vida humana, especial- • para criar e recriar textos- desenvol-
vendo a oralidade na autonomia do
mente no que se refere à socialização.
pensamento e a oportunidade de
transportar a sua história para o tex-
As posturas individualistas afastam, dia-a-
to compreendendo-a melhor;
dia, o homem das suas relações sociais. E
nesse contexto, se questiona como proce- • ler para formar e transformar- momen-
der diante da tarefa de educar sem que haja to em que a educação se dá na
interação. transcendência das linhas dos li-
vros.
È na interação dos sujeitos que acontece a
educação, na inter-relação dos saberes Os leitores procuram as suas próprias his-
onde as trocas de experiências e visões de tórias nos textos literários e de uma forma
mundo oportunizam a formação do homem. poética ou fantasiosa, encontram caminhos
"Não é no silêncio que os homens se fa- que os levam à novas reflexões e explica-
zem, mas na palavra", dizia Paulo Freire ções para seus questionamentos.
( apud GONÇALVES FILHO, 2000, p.12)
Educação e leitura são realidades que ne-
Educar para transformar, mote das discus- cessitam de novas atitudes. As mudanças
sões contemporâneas, se apresenta como educacionais, sociais, políticas e científicas,
um desafio que tem como aliado o cenário nos levam a refletir sobre a educação das
literário, sobretudo nos diferentes tipos crianças, sobre a educação do educador,
de leituras: sobre a formação dos cientistas, enfim, so-
bre a formação de um ser humano que não

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 395


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

queira mais viver sob a hegemonia dos sis- Gianni Rodari (1982) defende assim seu
temas impostos hierarquicamente. ponto de vista:

Educação dá poder e consciência ao ser hu- Não é, portanto, de se admirar


que a imaginação nas nossas es-
mano de sua situação dentro das esferas colas, ainda seja tratada como a
familiar, escolar, social e planetária, atribu- parente pobre, em desvantagem
com a atenção e com a memória;
indo-lhe um papel histórico na construção que escutar pacientemente e re-
do mundo. cordar escrupulosamente consti-
tuem até agora as características
do modelo escolar o mais cômo-
E como registrar sua historicidade sem a do e maleável (RODARI, 1982,
p.9).
oportunidade de ler e criar, de ler e provo-
car inventividade, de ler e transpor as li-
nhas do livro, deixando o imaginário levar Através do seu trabalho, ele nos mostra que
as emoções a uma nova interação da leitu- os setores mais poderosos da sociedade
ra, associando-a as suas experiências de realmente não têm nenhuma intenção de
vida ou as suas expectativas de mudança? privilegiar a imaginação e a criatividade, pois
não desejam que as pessoas aprendam a
Essa é a importância que deve ser atribuída pensar, já que o pensamento criativo seria
à literatura como matéria formadora huma- a arma mais eficaz de transformação do
na, na transposição dos valores reais da mundo e, portanto, uma ameaça à ordem
educação proclamados nas intenções dos social conhecida, estabelecida e vantajosa
textos. para eles.

O IMAGINÁRIO NA BUSCA DA IDEN- A maneira de conduzir o trabalho com a lei-


TIFICAÇÃO tura pode ser vantajosa ou não. No caso
afirmativo, a ampliação do campo cultural
Quando lê a criança deixa sua imaginação vai ser desenvolvida de acordo com o con-
funcionar sem regras. É um momento de junto de valores que forem agregados ao
identificação com personagens, com a sua conhecimento.
história, com seus conhecimentos e valo-
res. Embora atuando mais fortemente na infân-
cia, o imaginário, que representa a história
Por muito tempo e ainda hoje, algumas es- de vida do indivíduo, constitui-se um forte
colas excluíram e excluem a leitura prazerosa aliado na busca da identificação junto à li-
ligada às experiências de vida e à curiosi- teratura. As histórias trazem significados
dade do leitor em relação à cultura geral, que à imagem do leitor revelam passeios
privilegiando uma leitura obrigatória, sem fantásticos pelo reino da fantasia onde tudo
significados, provocando desinteresse e pode acontecer.
falta de estímulo aos leitores.

396 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006


Gicele Faissal de Carvalho

No livro O menino que aprendeu a ver, Aqui insere-se o trabalho da gestão esco-
Ruth Rocha (1997) nos apresenta uma his- lar. Uma escola gerida de maneira autoritá-
tória cujo personagem foi associando cada ria não contribui para a construção efetiva
palavra decifrada ao mundo que o rodeava, da participação de todos os membros da
ao mesmo tempo que se inseria enquanto comunidade escolar na definição das polí-
ser criativo. Muito antes de decodificar os ticas que regulam os espaços de convivên-
nomes que João passou a ler, ele já os tinha cia coletiva e na elaboração dos projetos
marcado na sua história de vida, nas suas pedagógicos e administrativos.
brincadeiras, nas suas curiosidades e des-
cobertas e todas as palavras antes vividas Partindo de livres interpretações da reali-
no seu imaginário, puderam ser dade de cada um, a troca de informações
decodificadas e tornadas reais. aumenta e as mentalidades (trans)formam-
se, permitindo que o processo educacional
Em, O papel roxo da maçã, de Marcos seja viabilizado nessa constante inter-rela-
Bagno (1995), a menina Rosa, alimenta o ções de saberes. Além disso, valoriza-se
seu imaginário quando transcende os sen- também outras fontes de sabedoria, so-
tidos de visão, audição e tato ao pegar o bretudo aquela relacionada à história oral,
papel roxo da maçã, e travar com ele um repassada pelas lideranças comunitárias,
diálogo cheio de mistérios e descobertas. pelas pessoas mais velhas, pela "gente an-
tiga", conferindo um grau de sabedoria ge-
Textos literários criativos acenam para a li- rada principalmente pela experiência de vida.
beração do imaginário do leitor, estimulan-
do a sua participação na história. Além A construção da leitura no espaço escolar
disso, o exercício da ludicidade, implícito merece cuidados especiais por parte do
no ato de ler e imaginar, permite a leitura de professor. O livro de literatura é um objeto
mundo e expande a capacidade da criança rico e cheio de oportunidades para o lei-
para compreender e interpretar sua histó- tor, na constante busca de cultura e
ria, realizando sonhos, (trans)formando apreensão de valores, por isso precisa ser
valores e atualizando experiências. analisado na sua forma e no seu conteúdo.

A CULTURA, A IMAGINAÇÃO E A Moreira e Silva (2000) apresentam a afir-


CRIATIVIDADE NA PRÁTICA PEDA- mação de Giroux e Simon:
GÓGICA
Pode parecer remota a relação
entre cultura e pedagogia apli-
O espaço escolar (ainda) é aquele que cada à sala de aula. A cultura é
organizada em torno do prazer
disponibiliza a cultura formal e que deveria e da diversão, enquanto a peda-
oportunizar a dinâmica de informações nas gogia é definida principalmente
em termos instrumentais. A
relações internas e externas.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 397


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

cultura situa-se no terreno do co- livre a interpretação subjetiva.


tidiano, ao passo que a pedagogia
geralmente legitima e transmite
a linguagem, os códigos e os va- A função criativa da imaginação pertence
lores da cultura dominante. A
cultura é apropriada pelos alunos ao homem e é condição necessária da vida
e ajuda a validar suas vozes e ex- cotidiana, manifestando-se nas brincadei-
periências, enquanto a pedagogia
valida as vozes do mundo adulto, ras infantis quando combina na simples
bem como o mundo dos profes- recordação de impressões vividas, suas
sores e administradores da escola
(MOREIRA; SILVA, 2000, p. 97) curiosidades, e descobertas, construindo
uma nova realidade, possibilitando a in-
Escolas que despertam futuros e produ- terferência do imaginário num diálogo
zem professores e alunos mais felizes e ativo com a cultura, modificando a dinâmi-
bem qualificados estão intensamente en- ca educacional.
volvidas com o conhecimento. Neste con-
texto vemos a importância das atividades E o que é cultura?
pedagógicas estarem associadas a proje-
tos que permitam a participação da co- Para Werneck (2003), admitindo-se a exis-
munidade escolar, com a participação e o tência da cultura em todos os aspectos da
envolvimento de todos na busca da qua- vida social, como produto da ação huma-
lidade educacional. na, esta explicita seu caráter processual,
contínuo e mutante. É a revelação dinâmi-
A utilização, nas aulas, de metodologias ca decorrente do agir humano.
como a dramatização, leitura e releitura
de textos ou histórias, exercícios autobi- Muniz Sodré (apud WERNECK, 2003) en-
ográficos, técnicas como a clarificação tende que:
de valores e os enfoques socioafetivos,
Cultura é o conjunto dos instru-
como sugerem Puig (1998) e Araújo & mentos de que dispõe a mediação
simbólica (língua, leis, ciência,
Aquino (2001), podem ser um caminho artes, mitos) para permitir ao
para demonstrar a autonomia dos profes- indivíduo ou ao grupo a aborda-
gem do real.Os instrumentos di-
sores, pautada na gestão democrática. tos culturais são "equipamentos"
coletivos ou grupais postos à dis-
posição de todos (WERNECK,
Deixar que a criança descubra nas pala- 2003, p.85).
vras a sua capacidade perceptiva, o senso
criativo, a sua historicidade, pelos cami- Interferindo no convívio social e atuando
nhos da literatura, não é tarefa simples, sobre os sujeitos, a cultura é o produto das
requer dos profissionais que atuam no noções repassadas nos saberes transmiti-
campo literário, que deveria permear to- dos pelos meios de comunicação, que nos
das as disciplinas, uma atitude de respeito dias atuais tem na programação da televi-
ao inconsciente de cada leitor, deixando são (desenhos, noticiários, novelas, pro-

398 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006


Gicele Faissal de Carvalho

gramas de variedades) sua principal fonte se apresenta com pouca e até mesmo au-
de referência, pelo convívio social, incluin- sência de oportunidades para experimen-
do os acontecimentos familiares, pela lite- tar atividades onde a imaginação tenha
ratura e por outras manifestações expres- lugar de destaque em contra partida en-
sivas da produção humana. contra-se presente freqüentemente a im-
posição do gramaticismo, dificultando a
Esses "saberes" modificam hábitos, pen- prática da reflexão da criação e da escrita
samentos e posturas, agregando valores por parte do aluno.
ou contra-valores ao sujeito, construindo,
então, novos conhecimentos, que vão Qualquer educador, pai, professor, biblio-
sendo processados para o seu aprimora- tecário, pedagogo etc., quando leva o li-
mento intelectual, social e moral. vro à criança tem o mesmo objetivo - criar
nos pequenos o hábito de ler para que a
No Brasil, durante muitos anos, a discri- literatura seja uma forma de enriqueci-
minação social, se apoiava entre outros mento cultural. Quanto mais e melhor uma
fatores na posse do diploma de bacharel, criança lê, mais ela gosta de ler; quanto
de doutor, contra o analfabeto, o iletrado. mais hábil na leitura, mais autonomia tem
A letra era usada para dominar, para con- para buscar os livros como fonte de co-
trolar a vida dos que não sabiam ler. nhecimento, informação e prazer.

A organização social da cultura sempre foi A literatura é, sem dúvida, uma das formas
direcionada para marcar posições de poder de recreação mais importantes na vida da
e classe social, no entanto, boa parte das criança por manipular a linguagem verbal,
classes pobres, tem uma forte e rica heran- pelo papel que desempenha no seu cres-
ça cultural popular. cimento psicológico, intelectual e espiri-
tual, pela riqueza de motivações, de su-
A cultura popular registrada e difundida gestões e de recursos que oferece ao ima-
através de contos, mitos, crendices, repen- ginário.
tes, cantigas, compõem um acervo literário
que não pode ser relegado, mas sim legiti- A atuação do imaginário, proporcionada
mado por ser historicamente construído pela literatura, na sua própria experiência
ao longo da nossa formação, alimentando de vida através está assim descrita por
nossa história, a história do Brasil. Lygia Bojunga (apud MIGUEZ, 2000):

A valorização da leitura como um dos mei- Um dia eu dei pra transformar


coisa curta: transformava uma
os de apropriação cultural nos remete a dor em vírgula; virava um alívio
em ponto de exclamação; trans-
uma reflexão sobre as dificuldades de formava uma esperança em pon-
aprendizagem na escola. O contexto atual to de interrogação. Gostei. Me senti

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 399


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

meio feiticeira.Achei tão bom po- los, pois a criatividade trabalha com ma-
der transformar o que eu sentia
em história que eu resolvi que era teriais colhidos da realidade.
assim que queria viver: transfor-
mando. Foi por isso que eu me
É criativa a mente que trabalha, que
virei em escritora (MIGUEZ,
2000, p.82). sempre faz perguntas, que descobre pro-
blemas onde os outros encontram res-
A imaginação é necessária até para se postas satisfatórias, que recusa o codifi-
refazer o caminho de volta. Quando as cado, e não se deixar inibir pelo confor-
histórias imaginárias são narradas pelas mismo.
crianças, possuem variados graus da coe-
rência interna: algumas são desconexas, E como as práticas pedagógicas vêm
outras articuladas promovendo o pensamen- sendo realizadas para estimular a cria-
to reflexivo. Estas construções fantásticas tividade o não o conformismo? Elas es-
preparam a "estrada" para a construção do timulam o pensar, provocam a reflexão
pensamento lógico, crítico e autônomo. e o questionamento?
Rodari (1982) apresenta a perspectiva de
Dewey sobre a função da imaginação: Germes da imaginação criativa, reforça
Vygotski (apud RODARI, 1982, p.139),
A função própria da imaginação é a visão manifestam-se nas brincadeiras dos ani-
de realidades e possibilidades que não se mais: assim, manifestam-se ainda mais
mostram nas condições normais da per- na vida infantil.
cepção sensível. Seu objetivo é penetrar
claramente no remoto, no ausente, no Se a criatividade é tão importante no de-
obscuro. Não só a história, a literatura, a senvolvimento das habilidades e compe-
geografia, os princípios das ciências, mas tências do educando, o professor deve
também a geometria, e a aritmética contêm promovê-la, pois não é mais ele que trans-
uma quantidade de argumentos sobre os mite o saber pronto. Ele é sim um adulto
quais a imaginação deve operar, para que pronto a desenvolver em si mesmo hábi-
possam ser compreendidos (RODARI, tos de criação, da imaginação, de constru-
1982, p.142). ção em uma série de atividades (produção
pictórica, plástica, dramática, musical,
Todos podem ser criativos, se não quise- afetiva, moral, lúdica, lógica, lingüística),
rem viver em uma sociedade repressiva, abordando todos os aspectos cognos-
em uma família repressiva, em uma escola citivos.
repressiva. É possível uma educação pela
"criatividade", quando permitimos que o Em uma escola que tenha essa prática pe-
pensamento seja divergente, quando pro- dagógica, o educando não é mais um con-
porcionamos um ambiente rico de estímu- sumidor de cultura e valores, é um criador

400 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006


Gicele Faissal de Carvalho

e produtor de valores e de cultura. pode transmitir sabedoria ou loucura,


direcionando o homem em seu processo
Segundo Rodari (1982): de formação.
No passado falava-se de criati-
vidade referindo-se quase sempre Por isso, considera-se que a literatura seja
às atividades expressivas e ao
jogo, praticamente em oposição uma fabricadora de sentidos e os escrito-
às outras experiências, tais como res, fabricantes de fantasias que deixam
a conceituação matemático-cien-
tífica ou a pesquisa histórico-ge- refletir no imaginário do ser social, sua
ográfica. O fato de que mesmo ideologia, estimulando-o a se encontrar
pessoas empenhadas e bem dis-
postas releguem o papel da nela, a se identificar por meio de seu juízo
criatividade aos momentos de de valor.
menor empenho é talvez a me-
lhor prova de que o sistema desu-
mano em que vivemos tem como Toda obra literária possui conteúdos de
um de seus principais objetivos a
repressão das potencialidades cri- valor a serem transmitidos ao leitor, que
ativas da humanidade (RODARI, se revelam na compreensão da realidade,
1982, p.141).
decorrentes das várias leituras que se pos-

A LITERATURA E A QUESTÃO DOS sam fazer da conduta humana, e não da


JUÍZOS DE VALOR obra fechada em si mesma.

Muitas vezes o termo valor está corre- Antenor Gonçalves Filho (1992) citando
lacionado ao aspecto econômico, porém Max Weber apresenta sua posição na
sua utilização também pode significar seguinte afirmativa:
o que vale para o homem e que está implí-
O destino de uma época cultural
cito nos seus bens morais e culturais. que "provou da árvore do conhe-
cimento" é ter de saber que pode-
mos falar a respeito do sentido
Max Weber, já nos advertia em algum lugar do devir do mundo, não a partir
de sua obra (apud FILHO, 2000, p.90) do resultado de uma investigação,
por mais perfeita que seja, mas a
dizia que a pretensão de que o conheci- partir de nós próprios que temos
mento deve ser "isento de valores" é, em de ser capazes de criar este senti-
do. Temos de admitir que "cos-
si, um juízo de valor. mo-visões" nunca podem ser o
resultado de um avanço do co-
nhecimento empírico, e que,
Assim sendo, caberia a questão que
portanto, os ideais supremos que
explicita quais os juízos de valor implíci- nos movem com a máxima força
possível, existem, em todas as
tos em um estudo sobre a literatura, pois
épocas, na forma de uma luta com
ela não tem uma proposta de neutralidade. outros ideais que são, para outras
pessoas, tão sagrados como o são
Mesmo sem ter a pretensão de ensinar,
para nós os nossos (GONÇALVES
acaba nos ensinando e muito. Esse ensino FILHO, 1992, p.113).

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 401


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

A AQUISIÇÃO DE VALORES CULTU- do estado do Rio de Janeiro, com alunos


RAIS PELO IMAGINÁRIO de uma turma de 2ª série.

Só libertando o imaginário da criança pela Durante uma aula de Contos, na bibliote-


literatura é que ela descobrirá as várias ca da escola, a professora apresentou um
possibilidades de conhecer e interpretar a baú bem decorado, com um acervo bas-
vida, as pessoas e o mundo. tante variado, de livros de literatura infan-
til, para estimular a curiosidade, deixando
O processo de reflexão crítica, de auto- que as crianças explorassem seu conteú-
conhecimento e identidade, que a leitura do livremente de acordo com seu interes-
permite, em um ato individual e espontâ- se individual ou coletivo.
neo se revela na expressão de prazer e de
liberdade. Além disso, a leitura possibilita a Após a exploração inicial, as crianças
descoberta de si mesmo, através do jogo destacaram alguns títulos que foram per-
de palavras e personagens que se confun- cebidos de grande interesse, e logo apro-
dem com a vida do leitor e que ampliam as veitados pela professora para iniciar um
possibilidades de aquisição de valores cul- trabalho.
turais pelo imaginário.
Brincadeiras e brinquedos para meninos e
Werneck (2003, p.34), apresenta a visão meninas foi o tema abordado após a dis-
de Edgar Morin, que afirma que o imagi- cussão surgida a partir do título destacado
nário participa da construção de todo o - A Cinderela das bonecas, de Ruth Rocha
conhecimento, e é na infância que são (2004). Contada a história, a professora
percebidos os preconceitos, atitudes e va- questionou sobre os tipos de brincadeiras
lores expressos nas relações sociais e so- que as crianças gostavam e percebeu a
bretudo nas relações familiares, principal- dicotomia entre "brincadeiras de meninos"
mente pela força dos vínculos afetivos aí e "brincadeiras de meninas".
estabelecidos. A influência desses valores
nas manifestações comportamentais do Propôs, então, uma atividade em que os
indivíduo é gradual e se revelam na sua meninos e as meninas pudessem participar
forma de ver e agir no mundo. em conjunto. As meninas trariam as bone-
cas bem arrumadas e os meninos enfeitari-
am os carrinhos das bonecas para um des-
UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA file, a ser apresentado para os alunos da
Educação Infantil.
A atividade que será aqui relatada foi
vivenciada no ano de 2005, em uma escola Durante os preparativos da atividade, ocor-
particular de Teresópolis, cidade serrana reu que a mãe de um dos meninos questio-

402 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006


Gicele Faissal de Carvalho

nou os objetivos da mesma se colocando A ilustração, feita pelo autor do livro, foi
contra a realização da tarefa de "enfeitar influenciada pelo pintor surrealista belga
carrinho de boneca", uma vez que, segun- Magritte, o que oportunizou a pesquisa
do ela, colocava seu filho em uma situa- sobre este movimento artístico e literário
ção constrangedora e numa posição ridí- de origem francesa e uma releitura de obras
cula. Ainda segundo os pais, seu filho de grandes mestres como Salvador Dali e
estava se sentindo envergonhado. Miró.

A situação descrita revela as limitações CONSIDERAÇÕES FINAIS


impostas pelo preconceito e pelos condi-
cionamentos impostos por modelos vi- A literatura infantil não alimenta apenas a
gentes que sufocam a liberdade de opini- alma dos pequenos pelos múltiplos cami-
ões e ações. O imaginário social está im- nhos do imaginário, atinge também jovens
pregnado por atitudes e valores que di- e adultos, resgatando a criança que deve
ferenciam gêneros, raças e posições soci- permanecer em todos para continuarem
ais, prejudicando o desenvolvimento da olhando o mundo com mais afeto.
personalidade da criança e alimentando
a sua incapacidade para se aventurar a Tonucci (1997) apresenta um poema de
conhecer e experimentar o novo. Gianni Rodari que representa bem o que
foi exposto acima:
Uma outra experiência, realizada com a
turma de 3ª série, desta mesma escola, uti- Um dia num campo de ovelhas
Vi um homem de verdes orelhas
lizando o livro Aviãozinho de Papel, de Ele era bem velho, bastante
idade tinha
Ricardo Azevedo (1994), possibilitou a Só sua orelha ficara verdinha
todos o contato com diferentes valores Sentei-me então a seu lado
A fim de ver melhor, com
culturais pelos caminhos da literatura. cuidado
Senhor, desculpe minha ousadia,
mas na sua idade
O texto é poético e carregado de situações De uma orelha tão verde, qual a
onde o imaginário infantil pode viajar e utilidade?
Ele me disse, já sou velho, mas
encontrar suporte para dialogar com lem- veja que coisa linda
De um menininho tenho a
branças ou realidades captadas pelas
orelha ainda
vivências dos leitores. A história de um É uma orelha-criança que me
ajuda a compreender
aviãozinho, lançado de uma janela por um O que os grandes não querem
homem e o seu percurso apresenta uma mais entender
Ouço a voz de pedras e
trajetória permeada de situações repletas passarinhos
de idéias, lembranças e sentimentos, facil- Nuvens passando, cascatas e
riachinhos
mente reconhecidas no cotidiano das cri- Das conversas de crianças,
anças e a chegada do avião ao seu destino. obscuras ao adulto

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 403


A dupla relação: leitura e o imaginário como valores culturais

Compreendo sem dificuldade o Artigo recebido em: 31/01/2006.


sentido oculto Aprovado para publicação em: 15/12/2006.
Foi o que o homem de verdes
orelhas
Me disse no campo de ovelhas
(RODARI, apud TONUCCI,
The double relation between reading and
1997, p.13).
imaginary as cultural aspects

O texto de literatura infantil é hoje um Abstract: The aim of this article is to present
experiences and thoughts about working with
objeto real, com uma linguagem verbal e
literature, establishing the double relation between
ou visual que realiza uma revisão de mun- reading and imaginary as cultural aspects. We
propose a reflection upon the pedagogical
do, na perspectiva da infância, apresentan-
practice, emphasizing the pleasure of reading and
do-lhe valores e conceitos para serem ava- giving importance to situations when the reader
gets involved with the story, stimulating the
liados, criticados e reformulados, tendo
common reading, allowing interaction with the
ainda a propriedade de informar. Coloca a imaginary. According to Baudelot Cartier and
Detz's research (1999), the relationship between
criança a par do que ela tem o direito de
the reader and the text is affective - it can be seen
saber, refletir e discutir, facilitando sua through his/her identification with the story and
characters prolonging at the same time at reading
compreensão e apresentando novas pers-
practice, experiences or personal questions.
pectivas para as várias situações que lhe
Keywords: Reading; Creativity; Values; Culture.
afligem.

Formar crianças leitoras num mundo ma- La doble relacion: lectura y el imaginario
como valores culturales
terialista onde o consumo exagerado de
supérfluos predomina e imperiosamente Resumen: Este artículo tiene como objetivo
presentar experiencias y reflexiones en el trabajo
sobrepõe-se ao ato de ler, tão significati- con la literatura, estableciendo la doble relación
vo para a construção de uma sociedade lectura e imaginario como valores culturales. Se
propone una reflexión sobre la práctica pedagó-
que necessita resgatar os valores éticos, gica enfatizando el placer de leer y valorizando
morais e culturais, é um compromisso da situaciones de involucramiento del lector con la
historia en el estímulo a la lectura común,
escola que deve promover uma educação permitiendo la interacción como el imaginario.
de qualidade, resgatando um direito que Según la investigación de Baudelot, Cartier y Detz
(1999), la relación del lector con la obra es
é de todos, o de saber ler e utilizar-se da afectiva, ella se manifiesta por su identificación
leitura para sua inserção social num mun- con la historia, con los personajes, prolongandose
al mismo tiempo en las lecturas, experiencias o
do mais justo e cheio de oportunidades cuestionamientos personales.
para aqueles que conquistaram o saber
Palabras clave: Lectura; Creatividad; Valores;
pelo sabor das leituras. Cultura.

Não aproveitar a grande aventura de traba-


lhar com as crianças através da literatura, REFERÊNCIAS:
significa uma grande perda de tempo e de
ARAÚJO, U.F.; AQUINO, J. G. tema Os direi-
oportunidade para descobrir a essência de tos humanos na sala de aula: a ética como
cada um de nós. transversal. São Paulo: Moderna, 2001.

404 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006


Gicele Faissal de Carvalho

AZEVEDO, Ricardo. Aviãozinho de Papel. São ______. O menino que aprendeu a ver. São
Paulo: Cia das Letrinhas, 1994. Paulo: Quinteto Editorial, 1997.

BAGNO, Marcos. O papel roxo da maçã. Belo RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São
Horizonte: Lê,1995. Paulo: Summus, 1982.

FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura TONUCCI, Francesco. Com os olhos de crian-
infantil na sala de aula. São Paulo: Contexto, ça. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
2004.
WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro:
GONÇALVES FILHO, Antenor. Educação e li- uma parceria entre professor, alunos e co-
teratura. Rio de Janeiro: DP&A,2000. nhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

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ginário Infantil:o lugar da literatura na sala Janeiro: Forense Universitária, 2003.
de aula. Rio de Janeiro: Zeus, 2000.

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; SILVA, Sobre a autora:


Tomaz Tadeu da (Orgs.). Currículo, cultura e
sociedade. Tradução de Maria Aparecida Batis- 1 Gicele Faissal de Carvalho
ta. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000. Especialista em Educação Infantil, Centro Uni-
versitário Serra dos Órgãos (UNIFESO). Pedagoga.
PUIG, Josep. Ética e valores: métodos para Professora do Curso de Pedagogia do UNIFESO.
um ensino transversal. São Paulo: Casa do Psi- Aluna ouvinte do curso de Mestrado em Educação,
cólogo, 1998. Universidade Católica de Petrópolis (UCP).
Orientadora: Dra.Vera Rudge Werneck
ROCHA, Ruth. A Cinderela das bonecas. São
Paulo: FTD, 2004. Endereço Postal: Rua Aguapeí, n.131. Bairro de
Fátima, Teresópolis, RJ. CEP: 25.960-630.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 393-405, set./dez. 2006 405


406
Gestão da educação presencial e a distância

Katia Siqueira de Freitas1

Resumo: O texto discute a formação inicial e ministração, planejamento, inspeção, su-


continuada de profissionais de educação para a gestão
neste campo do conhecimento. Apresenta a pervisão e orientação educacional" tanto
problemática de cursos presencias e a distancia
relacionados à formação continuada em serviço
em cursos de graduação quanto de pós-
desses profissionias. graduação, o muitos programas e cursos,
Palavras-chave: Formação em serviço; Gestão presencias e a distancia passaram a ser
da Educação; Programas a distancia. oferecidos.

Os programas e cursos nessa linha, na sua


grande maioria, são implementados na
APRESENTAÇÃO
condição de extensão universitária, algu-
mas vezes provocados pelas Secretarias
As pesquisas desenvolvidas nos últimos
de Educação dos estados ou dos municí-
anos, indicam uma correlação entre a qua-
pios, outras vezes espontaneamente con-
lidade do processo educacional e o de-
duzidos pelas universidades e instituições
sempenho dos gestores educacionais.
de ensino superior ou empresas de
Assim, as políticas educacionais, nacio-
consultoria. Em menor freqüência, porém
nais e internacionais, passaram a enfatizar
cada vez em maior número, eles são
a figura do gestor da escola básica, dos
disponibilizados como pós-graduação lato
sistemas e redes de ensino, de universida-
sensu, ou seja, especialização, e, em me-
des e instituições de ensino superior, como
nor escala ainda, como cursos de pós-gra-
um elemento chave para a melhoria da qua- duação stricto sensu. O Ministério de Edu-
lidade da educação em todo mundo. cação também têm contribuído com inici-
ativas voltadas para a qualificação, em
No Brasil, especialmente, a partir de 1996 larga escala, dos gestores municipais de
com a promulgação da Lei de Diretrizes e educação e gestores escolares.
Bases da Educação Nacional - LDB nº 9394/
96, cujo artigo 64 estabelece a formação Este texto pretende realizar uma discus-
dos profissionais de educação para a ad- são sobre possibilidades de formação ini-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006 407


Gestão da educação presencial e a distância

cial e continuada de profissionais de edu- lazer, a economia, as técnicas de pesquisa,


cação para a gestão. Apresenta alguns as responsabilidades e o papel dos
questionamentos sobre a formação conti- gestores que muda com freqüência e de
nuada e em serviço de gestores munici- modo imprevisível. Assim, as lideranças
pais de educação e de gestores de unida- constituídas também se alternam a depen-
des escolares no Brasil. der dos interesses e da conclusão de cada
projeto e dos objetivos almejadas. O trei-
INTRODUÇÃO namento multifuncional passou a fazer
parte desse mundo do trabalho como uma
A consolidação da democracia e da políti- alternativa para enfrentar os desafios das
ca neo-liberal provocaram inúmeras mu- mudanças desejadas, previsíveis ou não
danças no trabalho e na vida das pessoas. (BRIDGES, 2001) . Nesse mesmo contexto,
Além do mais, à proporção que a socieda- se inserem os sistemas escolares, tanto os
de se institucionaliza, organiza seu siste- mais tradicionais quanto os mais avança-
ma de ensino e as instituições educacio- dos, assim como todos os seus elemen-
nais, mais aumenta a necessidade de estu- tos facilitadores ou complicadores.
dos, pesquisas e experiências sobre a me-
lhor forma de geri-las. As teorias gestoras tomaram novas confi-
gurações para atender à sociedade da co-
Este tema tornou-se crucial na sociedade municação e do conhecimento que agora,
do conhecimento e das comunicações via além do trabalho gestor presencial, convi-
eletro - eletrônica. Nessa sociedade, a ad- ve com o trabalho gestor em rede e a dis-
ministração tradicional que fragmentava o tância. Algumas competências gerencias
trabalho, sobretudo o físico, em cargos e ficaram obsoletas e foram substituídas por
os alocava em departamentos não encon- outras necessárias. Neste cenário a lingua-
tra mais guarida. As ações administrati- gem também muda porque mudam os
vas rotineiras e fechadas em um mesmo referencias, as políticas, as posturas e as
ambiente de trabalho deram lugar à comu- intenções. As organizações passam a ser
nicação interativa (presencial ou não), ao entendidas como organização de pessoas
diálogo entre pessoas e rede de pessoas, não de pessoal ou de recursos humanos;
entre pessoas e dados, entre pessoas e a autoridade é resultado da conquistada e
meio ambiente, entre pessoas e comuni- não do exercício do cargo ou da função; a
dade real ou virtual, entre pessoas de uma solidariedade, a cooperação e a confiança
ou de muitas organizações e a socieda- tornam-se elementos centrais nas relações
de. Com simples clicar é possível o diálo- organizacionais e delas dependem a parti-
go com pessoas ou pesquisar obras em cipação coletiva presencial ou virtual. A
qualquer parte do mundo. Nessa nova con- virtualidade passa a fazer parte do cotidia-
figuração, transformaram-se o trabalho, o no das organizações sociais, inclusive da

408 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006


Katia Siqueira de Freitas

escola e demais instituições educacionais, nando muito comum e bastante usada no


que agora são ao mesmo tempo coesas e campo educacional, trata-se de uma pla-
dispersas com seus endereços eletrônicos taforma on-line onde os conteúdos são
capazes de interligar alunos do mundo in- disponibilizados em uma linguagem
teiro. É possível, pois, afirmar que o mun- multimídia. Ele possibilita que professo-
do ficou plano e bem menor, para usar a res e alunos on line interajam através de
imagem de Thomas Friedman . chats, blogs, murais de recado, fotos, e-
mail, fóruns, outros. Um dos exemplos de
A solidificação da educação a distancia, plataforma bem conhecido por gestores e
por exemplo, trouxe junto novos concei- professores é o eproinfo, muito usado nos
tos de escola e de universidade, e cursos virtuais disponibilizados pelo MEC.
consequentemente de ensino - aprendiza-
gem e gestão. É possível dar aulas, ensi- Algumas questões podem logo serem con-
nar, monitorar, gerir a partir da própria casa sideradas: como preparar os gestores, pro-
ou de uma "lan house" em qualquer local, fessores e estudantes para atuarem neste
cidade ou país e a qualquer hora. Os fa- cenário que convive com desafios tradici-
mosos três turnos de trabalho, manhã, tar- onais não resolvidos e com novos desafi-
de e noite, agora podem ser quatro, consi- os do mundo da educação virtual, como
derando os cursos a distância cujos alu- gerir-los?
nos e professores navegam durante a
madrugada. Nessa nova configuração tam- Em todo o mundo, há uma pressão para
bém do ensinar, do aprender e do gerir que a educação responda de modo efici-
pessoas ou rede de pessoas, é impossí- ente, eficaz e ainda com eficiência social
vel, manter na linha de frente, os tradicio- às novas demandas desse mundo cada vez
nais ensinamentos tayloristas/fordistas da mais veloz, interligado por redes de comu-
divisão do trabalho e do trabalho em série. nicação, interdependente e cheio de con-
tradições. A gestão tornou-se a grande
Um dos grandes desafios no campo da esperança da sociedade que se organiza
educação é como gerir as tradicionais ins- cada vez mais em instituições físicas ou
tituições de ensino no mundo globalizado virtuais. Entretanto, é importante pergun-
e a nova instituição de ensino que minis- tar quem são os gestores no campo edu-
tra aulas a distância através de um ou cacional? Qual o perfil desses gestores?
mais meios de comunicação, como correio Que formação eles têm? Qual o nível de
eletrônico, videoconferência, fax, com au- escolaridade? Como está sendo
las gravadas em CD ou DVD, faz orienta- implementada a preparação desse gestor?
ção por telefone, usa correio postal e se Como estão sendo conduzidos os cursos
movimenta em ambiente virtual de apren- presenciais e a distancia relacionados à
dizagem. O ambiente virtual está se tor- formação continuada em serviço de

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006 409


Gestão da educação presencial e a distância

gestores educacionais? Que experiências am curso de licenciatura e 31.940 eram pós-


e práticas, voltadas para os sistemas mu- graduados. Apenas 53,18 % dos gestores
nicipais de educação básica e unidades licenciados tinham pós-graduação (em-
escolares, são desenvolvidas? É preciso bora os dados não afirmem que a pós-gra-
indagar: de que forma o gestor educacio- duação era em gestão da educação), sen-
nal está reagindo frente a essas mudanças? do que 18.613 (ou seja 58,27%) desses úl-
timos se concentravam no sul e sudeste
Vejamos quem são os gestores educacio- do país. O norte e o centro-oeste apresen-
nais brasileiros, que nível de escolaridade tavam, na época, os menores índices com
eles têm e como estão distribuídos nacio- relação a este tema.
nalmente.
Se considerarmos os gestores dos siste-
NÍVEL DE ESCOLARIDADE DOS mas municipais de educação, de universi-
GESTORES dade e de instituições de ensino superior,
a diversidade de área e de nível de forma-
Segundo dados apresentados pelo Insti- ção também é consideravelmente ampla,
tuto Nacional de Estudos e Pesquisas em além do mais a grande maioria não tem for-
Educação Anísio Teixeira (INEP ), em 2004, mação em gestão.
havia mais diretores de escolas básicas
com pós-graduação no sul do Brasil do O item escolaridade dos gestores educa-
que no resto do país, ocasionando uma cionais no Brasil não poderia ser mais
discrepância regional com relação à essa dispar. Discute-se muito mais a formação
questão. Além da diversidade de nível de de gestores ou dirigentes municipais de
formação, há também uma diversidade nos educação e de dirigentes escolares do que
cursos de formação inicial. a dos dirigentes de universidades e insti-
tuições de ensino superior (IES). Mas,
Os gestores procedem das mais diversas nesse segmento existem problemas não
áreas do conhecimento e de vários níveis resolvidos com a formação dos gestores.
educacionais. Naquele mesmo ano, os da- O Instituto Internacional de Planejamento
dos do INEP apontavam que havia 394 da Educação(IIPE/UNESCO) tem imple-
gestores de escolas de educação básica mentado projetos internacionais voltados
cujo nível educacional era apenas corres- para o estudo dessa questão e identifica-
pondente ao ensino fundamental incom- do que ainda é necessário desenvolver um
pleto, 838 só tinham completado o curso trabalho sistemático de preparação de
fundamental, 3.255 tinham curso médio sem gestores para as universidades e institui-
magistério, 37.523 tinham concluído curso ções de ensino superior .
de magistério, 5.099 terminaram o curso
superior sem licenciatura, 60.058 possuí- O Plano Nacional de Educação- PNE- apro-

410 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006


Katia Siqueira de Freitas

vado em 2001- dispõe sobre a ampliação uma preparação especifica para conviver
da oferta de cursos de formação em admi- com as novas demandas que enfrentam e
nistração escolar nas instituições públi- resolver os desafios de modo satisfatório
cas de nível superior, afirmando que em com transparência e ética.
cinco anos, 50% dos diretores, pelo me-
nos, possuam formação específica em ní- Usando as palavras de Norberto Bobbio
vel superior e que, no final da década, to- ( 2004, p.77)
das as escolas contem com diretores ade-
[...] por sistema democrático en-
quadamente formados em nível superior, tende-se hoje preliminarmente
um conjunto de regras proce-
preferencialmente com cursos de especia- dimentais, das quais a regra da
lização. Estamos em 2007 e, apesar do gran- maioria é a principal mas não a
única...
de esforço político que vem sendo empre-
endido, não há dados que indiquem que o Essa é uma das transformações que fazem
Brasil conseguiu atingir esta meta ou que parte do mundo de todos os gestores de
vá conseguir em curto prazo. Os dados do educação (quer sejam gestores escolares,
INEP já citados, evidenciam que a situa- municipais, de IES ou de universidades),
ção da formação dos gestores do ensino logo é precisa aprender a lidar democrati-
básico era gritante em 2004 e não há da- camente com situações conflitantes, é pre-
dos novos que indiquem mudança subs- ciso vivenciar experiências práticas e
tancial. aprofundar o estudo teórico.

O GESTOR EDUCACIONAL FRENTE O contexto da globalização acelerada, a


ÀS TRANSFORMAÇÕES... economia de mercado, a grande valoriza-
ção do desenvolvimento científico e
Para Sander ( 1995, p. 157) a tecnológico, as grandes inovações no cam-
po das tecnologias das comunicações do
[...] qualidade da gestão correta-
mente concebida e exercida de- final do século XX, tiveram todos esses
pende, em grande medida, da ca-
pacidade institucional para cons-
grande impacto nas políticas públicas e nas
truir e distribuir o conhecimen- vidas das pessoas . Desse modo, as polí-
to, definido como fator chave
dos novos padrões de desenvol- ticas educacionais e a legislação têm deter-
vimento e da nova matriz das minado mudanças substantivas na gestão
relações sociais tanto a nível
nacional como no âmbito inter- da coisa pública. Há uma urgência para que
nacional. os gestores sejam profissionais que de-
monstrem mérito e competência comprova-
Com a ênfase atual que é dada á comuni- da no exercício de suas funções, sejam lí-
cação, à participação e à gestão democrá- deres democráticos, éticos, congreguem os
tica da educação, o papel do gestor tor- liderados em torno de objetivos nobres, de-
nou-se mais importante ainda. É preciso senvolvam líderes proativos, participativos

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006 411


Gestão da educação presencial e a distância

e democráticos, respeitem os valores hu- pre mais amplos e profundos na sociedade


manos e o meio ambiente. Além disso, o moderna. Assim, o PNE enfatiza a forma-
gestor deve ser capaz de compartilhar su- ção permanente (em serviço) dos profissi-
cessos e acatar responsabilidades. O pa- onais da educação, determinando que, em
pel de vitima ou de irresponsável por er- todos os Estados, sejam implementados
ros cometidos não pode fazer parte do programas diversificados de formação con-
seu repertório. Mas, como é preparado este tinuada e atualização voltados para a
gestor que além do administrativo deve melhoria do desempenho da função ou car-
cuidar para que o processo e os resulta- go de diretores de escolas, os quais devem
dos pedagógicos sejam de qualidade, deve ocorrer com a colaboração dos Municípios
ser um comunicador, um amimador e ter, e das universidades. Isto é relevante tam-
naturalmente, competência técnica, polí- bém porque um dos objetivos do referido
tica e humana? Que conteúdos, habilida- Plano é democratizar a gestão do ensino
des e competências os cursos de forma- público, obedecendo os princípios da par-
ção de gestores, oferecidos na atualidade, ticipação dos profissionais da educação na
enfatizam? elaboração do projeto pedagógico da es-
cola e a das comunidades escolar e local
em conselhos escolares ou equivalentes.
A FORMAÇÃO DE GESTORES EDU-
CACIONAIS O PNE, com vigência para dez anos, é um
dos instrumentos legais cuja observância
Dentre as políticas públicas brasileiras pode gerar
destacamos as educacionais, voltadas [...] grandes mudanças, no panora-
ma de desenvolvimento, da inclu-
para a formação inicial e a formação e atu-
são social, da produção científica e
alização em serviço, presencial e a distân- da cidadania do povo brasileiro
(PNE, 2001).
cia, dos gestores da educação e de suas
equipes de gestores. Na formação inicial é Esse Plano prevê a criação de um amplo
preciso superar a histórica dicotomia en- sistema interativo de educação a distância,
tre teoria e prática e o divórcio entre a for- com vistas à ampliação das possibilidades
mação pedagógica e a formação no campo de atendimento nos cursos presenciais, re-
dos conhecimentos específicos que serão gulares ou de educação continuada. A for-
trabalhados cotidianamente. mação continuada, parte da estratégia de
melhoria permanente da qualidade da edu-
Contudo, como declara o PNE, a formação cação, propiciará abertura de novos hori-
continuada dos gestores em educação as- zontes na atuação profissional e, se a dis-
sume particular importância, em decorrência tância, incluirá sempre uma parte presencial,
do avanço científico e tecnológico e de com encontros coletivos e a busca de seu
exigência de níveis de conhecimentos sem- aperfeiçoamento técnico, ético e político.

412 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006


Katia Siqueira de Freitas

O PNE prevê, ainda, o desenvolvimento de Igualmente, os gestores dos sistemas de


programas de educação a distância que educação a distancia podem não conhe-
possam ser utilizados também em cursos cer fisicamente seus liderados.
semi-presenciais modulares.
Essas questões devem ser inseridas nos
O conteúdo programático desses cursos cursos de formação dos gestores, especi-
presenciais e a distância está atendendo as almente daqueles que atuam as escolas e
reais necessidades desse novo cenário de nos sistema públicos de ensino. Uma rápi-
mudanças no mundo do trabalho? Será da análise dos conteúdos desses cursos
que os gestores educacionais estão prepa- permite visualizar que a grande maioria dos
rados para lidar com a tecnologia dos cur- cursos examinados é consistente nas ofer-
sos a distância? tas: tem programação didática muito se-
melhante. Raramente introduzem as novas
Podemos afirmar, sem medo de errar, que o tecnologias ou novas abordagens de como
vertiginoso crescimento dos cursos de trabalhar com esse mundo semi-presencial
educação a distancia está criando uma or- ou semi-virtual, se é que pode ser chama-
ganização educacional virtual, talvez mes- do assim. Como gerir uma instituição
mo um novo sistema educacional virtual, presencial que também oferece cursos a
entendendo-a como aquela que sabemos distancia? Esta é outra questão que ainda
que existe, usufruímos dos seus serviços, não encontra abrigo nos referidos progra-
contribuímos com seus serviços, mas nem mas de ensino.
sempre ela é vista no mundo físico em ape-
nas um local com um endereço concreto No geral, há desinformação sobre as inter-
em um certo bairro. Com a virtualidade, as relações entre processos gestor e peda-
instituições e seus trabalhadores estão fi- gógico e as possibilidades dos meios de
sicamente em vários locais ( em casa, em comunicação presencias e virtuais. O as-
viagens) e mesmo assim podem fazer suas pecto pedagógico continua sendo defini-
atividades. do, na maior parte das vezes, depois dos
interesses dos setores financeiros e admi-
Pois bem, esta virtualidade em educação nistrativos pelos órgãos competentes. A
está crescendo muito no Brasil e no mun- grande maioria dos gestores não lida bem
do. O docente on line ou tutor faz parte com as questões gerencias da educação a
desse mundo. Ele pode trabalhar à noite, distancia ou presencial, porque não é pre-
durante a madrugada em sua casa, aten- parado para tal. A grande ênfase nos refe-
der a todos os alunos sob sua responsa- ridos cursos de formação ainda é a gestão
bilidade, interagir on line, sem jamais ver democrática e os instrumentos de partici-
fisicamente os alunos, a instituição pação disponíveis nos sistemas de ensi-
educativa ou ser visto pessoalmente. no e nas escolas, embora, contraditoria-

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006 413


Gestão da educação presencial e a distância

mente, na maioria das vezes os gestores gestores em educação participem de cur-


participem sem a companhia dos seus sos presenciais ou a distancia com suas
liderados. equipes de trabalho, pois o trabalho
gestor é atualmente percebido como co-
Contudo, devemos citar um bom exemplo letivo. A complexidade das ações exigidas
de trabalho de formação de gestores em do gestor educacional contrasta com a
conjunto com sua equipe de trabalho con- boa parte da formação profissional indi-
forme uma das tendências atuais, trata-se vidual e a relação entre trabalho profissi-
da experiência de "Formação Continuada onal na escola, no sistema de ensino, na
dos Profissionais em Educação" , desen- IES, na universidade.
volvida pela Secretaria Municipal de Edu-
cação, Cultura e Desporto de São Gabriel MAIS QUESTIONAMENTOS E ALGU-
do Oeste - Mato Grosso do Sul. Neste tra- MAS SUGESTÕES
balho todos foram envolvidos: gestores,
professores, servidores técnico-adminis- O que efetivamente mudou nos cursos de
trativos, motoristas e merendeiros. Foi formação de gestor educacionais? Como
garantido um dia por mês no Calendário as novas responsabilidades imputadas a
Escolar das três redes escolares ( estadu- esses gestores e sua equipe estão sendo
al, municipal e privada) para essa Forma- discutidas nos referidos cursos? O que tais
ção Continuada, viabilizando o atendi- cursos têm de relevante para a nova práti-
mento de profissionais de todas as redes ca que se impõe nos contextos semi
de forma sistemática e permanente. A presencial e virtual da educação atual?
referida experiência se baseia numa con-
cepção ampla de gestão educacional, que As questões apresentadas tiveram o ob-
articula os aspectos administrativos e jetivo apenas de inquietar os planejadores
pedagógicos numa política integrada de dos cursos de formação de gestores. Não
formação continuada e de valorização houve a pretensão de esgotar os
profissional coletiva. Esse bom exemplo questionamentos ou de responde-los, mas
pode ser seguido por outras instituições de chamar a atenção para as suas novas
que desejam melhorar a gestão da edu- necessidades partir das atuais tendências
cação. do cenário político e educacional. Há que
se buscar novas formas de definir conteú-
De igual forma, o PROGESTÃO- Programa dos de cursos de formação de gestores
de Capacitação a Distância para Gestores da educação, é preciso ouvi-los mais e
Escolares, organiza as atividades de estu- envolve-los nas definições a serem toma-
do para a equipe gestora das escolas pu- das. Que lições podemos aprender? É
blicas. A sugestão que fica é de que os possível indicar algumas possibilidades

414 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006


Katia Siqueira de Freitas

decorrentes: a preparação coletiva da participação da comunidade.

equipe gestora, a necessidade de renovar 23. Editar pelos sistemas de ensi-


a preparação dos gestores e a atualização no, normas e diretrizes gerais
desburocratizantes e flexíveis, que
dos conteúdos dos cursos com a introdu-
estimulem a iniciativa e a ação
ção de elementos relacionados com o inovadora das instituições esco-
mundo virtual da educação e da sua lares.
24. Desenvolver padrão de ges-
gestão.
tão que tenha como elementos a
destinação de recursos para as ati-
É importante a leitura cuidadosa do PNE vidades-fim, a descentraliza-ção,
a autonomia da escola, a eqüida-
que, dentre outras coisas define, como de, o foco na aprendizagem dos
indicado anteriormente, a implementação alunos e a participação da comu-
de um sistema interativo de educação a nidade.
25. Elaborar e executar planos
distância. Além disso com relação a ges- estaduais e municipais de educa-
tão, determinar no seu item 11.3.2 os ção, em consonância com este
PNE.
seguintes objetivos a serem perseguidos,
26. Organizar a educação básica
sendo importante, conveniente e neces- no campo, de modo a preservar
sário a inclusão desses conhecimentos e as escolas rurais no meio rural e
imbuídas dos valores rurais.
de estratégias relacionadas nos cursos de 27. Apoiar tecnicamente as es-
gestores: colas na elaboração e execução
de sua proposta pedagógica.
28. Assegurar a autonomia admi-
11.3.2 Gestão nistrativa e pedagógica das esco-
las e ampliar sua autonomia fi-
19. Aperfeiçoar o regime de co-
nanceira, através do repasse de
laboração entre os sistemas de
recursos diretamente às escolas
ensino com vistas a uma ação
para pequenas despesas de manu-
coordenada entre entes federa-
tenção e cumprimento de sua
tivos, compartilhando responsa- proposta pedagógica.
bilidades, a partir das funções 29. Informatizar, em três anos,
constitucionais próprias e suple- com auxílio técnico e financeiro
tivas e das metas deste PNE.** da União, as secretarias estaduais
20. Estimular a colaboração en- de educação, integrando-as em
tre as redes e sistemas de ensino rede ao sistema nacional de esta-
municipais, através de apoio téc- tísticas educacionais.
nico a consórcios intermunicipais 30. Informatizar progressiva-
e colegiados regionais consulti- mente, em dez anos, com auxílio
vos, quando necessários. técnico e financeiro da União e
21. Estimular a criação de Con- dos Estados, todas as secretarias
selhos Municipais de Educação e municipais de educação, atenden-
apoiar tecnicamente os Municí- do, em cinco anos pelo menos, a
pios que optarem por constituir metade dos Municípios com mais
sistemas municipais de ensino. de 20.000 habitantes.
22. Definir, em cada sistema de 31. Estabelecer, em todos os Es-
tados, com auxílio técnico e fi-
ensino, normas de gestão demo-
nanceiro da União, programas de
crática do ensino público, com a

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006 415


Gestão da educação presencial e a distância

formação do pessoal técnico das rificar a eficácia das políticas públicas em


secretarias, para suprir, em cinco
matéria de gestão da educação. A adoção
anos, pelo menos, as necessida-
des dos setores de informação e dessas medidas requer a formação de re-
estatísticas educacionais, plane- cursos humanos qualificados e a informa-
jamento e avaliação.
tização dos serviços.
32. Promover medidas adminis-
trativas que assegurem a perma-
nência dos técnicos formados e
com bom desempenho nos qua- Artigo recebido em: 10/12/2006.
dros das secretarias. Aprovado para publicação em: 21/12/2006.
33. Informatizar, gradualmente,
com auxílio técnico e financei-
Classroom and distance-learning adminis-
ro da União, a administração das tration.
escolas com mais de 100 alunos,
conectando-as em rede com as Abstract: This paper discusses professional
secretarias de educação, de tal training of educational administrators reviewing
forma que, em dez anos, todas as the issues related to classroom-based educational
escolas estejam no sistema. programs as well as distance-learning in-service
training of educational managers.
34. Estabelecer, em todos os
Estados, com a colaboração dos Keywords: In-service training; Educational
Municípios e das universidades, management; Distance-learning programs.
programas diversificados de for-
mação continuada e atualização
visando a melhoria do desempe- La sala de clase y la administración de la
nho no exercício da função ou educación de la distancia
cargo de diretores de escolas.
Resumen: El articulo discute el entrenamiento
35. Assegurar que, em cinco profesional de los administradores educativos que
anos, 50% dos diretores, pelo repasan las ediciones relacionadas con los progra-
menos, possuam formação espe- mas educativos en la sala de clase así como el
cífica em nível superior e que, entrenamiento en servicio en la distancia de los
no final da década, todas as es- encargados educativos.
colas contem com diretores ade-
quadamente formados em nível Palabras claves: Entrenamiento en servicio;
superior, preferencialmente com Gerencia educativa; Programas que aprenden de
distancia.
cursos de especialização.
36. Ampliar a oferta de cursos
de formação em administração REFERÊNCIAS
escolar nas instituições públicas
de nível superior, de forma a per-
mitir o cumprimento da meta an- BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia.
terior (PNE, 2001, p.75). São Paulo: Paz e terra, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa


A Educação é uma preocupação de estado
do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988,
que repercute em todos os rincões do pais. organização dos textos, notas remissivas e índi-
ces por Juarez de Oliveira, 5 ed. São Paulo: Sa-
raiva, 1991. (Série legislação brasileira).
É importante implantar sistemas de infor-
mação sobre os cursos de formação de BRASIL. Plano Nacional da Educação, Lei N.
10.172 de 10-01-2001. Disponível em http://
gestores em educação e consolidar um sis-
www.abrelivros.org.br/abrelivros/dados/anexos/
tema de avaliação - indispensável para ve- 129.pdf. Acesso em 10 de dezembro de 2006.

416 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006


Katia Siqueira de Freitas

BRIDGES, William. Conduzindo a organização Sobre a autora:


sem cargos. In: HESSELBEIN, Frances et al. O
líder do futuro. São Paulo: Futura, 2001. 1
Katia Siqueira de Freitas
Ph.D. em Administração Educacional, The
FRIENDMANN, Thomas. O mundo é plano: Pennsylvania State University (PSU), EUA. Pro-
uma breve história do século XXI. Rio de Ja- fessora e Pesquisadora da Universidade Católica
neiro: Objetiva, 2005. do Salvador (UCSal), Programa de Mestrado em
Políticas Sociais e Cidadania.
INFORMATIVO INEP, Ano 3, n. 72. 12 de jan. E-mail: katiasf@ufba.br
de 2005. Disponível em: <http://www.inep.
gov.br/informativo/pdf/informativo72.pdf>. Endereço Postal: Universidade Catolica de Salva-
Acesso em 2 de dezembro de 2006. dor. Av. Anita Garibaldi, n. 2981. Rio Vermelho,
CEP: 41940-450, Salvador/ BA, Brasil.
SANDER, Benno. Gestão da educação na Amé-
rica Latina: construção e reconstrução do
conhecimento. Campinas, São Paulo: Autores
Associados, 1995.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 407-417, set./dez. 2006 417


418
Instruções editoriais para autores
Publishing instructions for authors

A GESTÃO EM AÇÃO (GA) é uma publicação quadrimestral e irá considerar para fins de
publicação trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes modalidades:
GESTÃO EM AÇÃO (GA) is published quarterly and considers for publication original works that are classified
in one of the following areas:

– Resultados de pesquisas sob a forma de artigos/Results of research;


– Ensaios/Essays;
– Resumos de teses/Summaries of MA or Ph.D;
– Dissertações/Theses or dissertations;
– Monografias/Monographs;
– Estudos de caso/Case Studies.

A aceitação para publicação de qualquer trabalho está subordinada à prévia aprovação do


Conselho Editorial da GA e ao atendimento das condições especificadas.
The acceptance forpublication of any work is subject to the approval of the Editorial Committee of the Gestao
em Acao and to meeting any specified conditions. In order to be considered, submissions should be:

– Os trabalhos deverão ser entregues em três vias impressas e em disquete WinWord 7.0
ou superior (contendo o texto completo, tabelas etc.).
– Delivered in one of three ways printed and floppy or compact disc in 7,0 WinWord or superior
(containing the complete text, tables etc.).

– Devem estar de acordo com a NBR6022/2003, norma referente a artigo em publicação


periódica científica impressa.
– To be in accordance with NBR 6022/2003, the norm specified for articles published in scientific
journals.

– Devem ter entre 8 e 20 páginas e obedecer o seguinte formato: papel tamanho A4;
espaçamento de 1,5 linhas; margens 2,5cm; fonte Times New Roman 12 e parágrafo
justificado.Na etiqueta do disquete deverá constar o título do trabalho, o nome do
autor, a instituição a que está vinculado, e-mail e telefone de contato.
– Between 8 and 20 pages in the following format: paper sized A4; spacing of 1,5 lines; edges 2,5cm; font
Times New Roman 12 with justified paragraphs.
– Indicate, on the label of the floppy or compact disc, the title of the work, the name of the author, the
institution the author is affiliated with, email and telephone number.

– Os dados sobre o autor (nome completo, endereço postal, telefone, e-mail, titulação
acadêmica, cargo, função e vinculação institucional) e o título completo do artigo,
devem ser colocados em página de rosto. Mestrandos e doutorandos devem indicar o
nome dos seus orientadores. Na primeira página do texto deve constar o título comple-
to do artigo, omitindo-se o nome do autor.
– Indicate on the inital page, the author's full name, postal address, telephone, email, academic title,
position, function and institional connection) and the complete title of the article.
– The first page of the text should contain the complete title of the article, omitting the name of the author.
– MA and Ph.D. theses must indicate the name of the principal advisors or comitte members.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 419-421, set./dez. 2006 419


– As citações e notas devem ser apresentadas de acordo com a NBR 10520/2002.
– To present citations and notes in accordance with NBR 10520/2002.

– Citações curtas: integradas ao texto, entre aspas, seguidas de parênteses com o sobre-
nome do autor, ano da publicação e indicação da página. Citações longas: serão separa-
das do texto (parágrafo único), corpo menor que o do texto, espaço simples, com
indicação do autor, ano e página.
– Short citations will be integrated to the text, between quotations marks, followed of parentheses with the
last name of the author, year of the publication and the page number.
– Long citations will be separated within the text as a paragraph, a smaller size font than the text, single
space, indicating the author, year and page.

– As menções a autores, no decorrer do texto, devem seguir o sistema de citação Autor/


Data (Ver NBR 10520/2003).
– Citations of authors must follow the system Author/Data (see NBR 10520/2003).

– Figuras, gráficos, tabelas, mapas etc. devem ser apresentados em folhas separadas
do texto (com a devida indicação dos locais onde serão inseridos); devem ser numera-
dos, titulados e apresentar indicações sobre as suas fontes.
– Figures, graphs, tables, maps etc. should be on separate pages of the text (with indication of the
places where they are to be inserted); all should be numbered, titled and with sources specified.

– Siglas e abreviações, quando mencionadas pela primeira vez no texto deverão estar
escritas por extenso.
– Acronyms and abbreviations should be spelled out when first mentioned in the text.

– Os artigos podem ser apresentados em português, espanhol, francês ou inglês e devem


ser acompanhados de um resumo informativo no idioma original e em inglês (Abstract),
de até 10 linhas e de no máximo três palavras-chave (ver NBR 6028/1990, da ABNT).
– The articles can be submitted in Portuguese, Spanish, French or English and must include an abstract
or summary in the original language and in English of up to 10 lines and with a maximum of three key
words (see NBR 6028/1990, of the ABNT).

– As referências bibliográficas devem ser completas, apresentadas ao final do artigo, em


ordem alfabética, obedecendo às Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABNT (NBR 6023/2002), por exemplo:
– Bibliographical references must be complete, located at the end of the article, in alphabetical order
(see - ABNT NBR 6023/2002). For example:

Monografias - autor; título; edição; imprenta (local, editor e ano de publica-


ção); descrição física (nº de páginas/volumes); série ou coleção.
Monographs - author; title; edition; publisher (place, publisher and year of publication);
number of páges/volume, series or collection.

Artigos em periódicos – autor; título; nome do periódico; local onde foi


publicado; número do volume e do fascículo; páginas inicial e final do
artigo; mês; ano.
Periodical articles - author; title; name of the periodical; place where published;
number of the volume; initial and final page numbers of the article; month; year of
publication.

ESTÊVÃO, C. V. A administração educacional em Portugal: teorias apli-


cadas e suas práticas. Revista de Administração Educacional, Recife,
v.2, n.6, p.9-20, jul./dez.2000a.

420 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 419-421, set./dez. 2006


Heller, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCA-


CIONAIS – INEP. Ministro dá posse ao Conselho do FUNDEF. 27 de
maio de 1998. Disponível em:< http://www.inep.gov.br/notícias/news>
Acesso em: 12 fev.2003

– Serão fornecidos, gratuitamente, ao autor principal de cada artigo cinco exemplares do


número da revista em que seu trabalho foi publicado. A Gestão em Ação não se obriga a
devolver os originais das colaborações enviadas. Os textos assinados são de responsabili-
dade de seus autores.
– Each main author of each article will receive five copies of the volume of the journal. Gestão em Ação
will not return the originals of any submissions. The authors are responsible for the accuracy of all
texts.

– As colaborações deverão ser encaminhadas para:


– Submissions shold be sent to:

Revista Gestão em Ação


A/c Dr. José Albertino carvalho Lordelo,
Universidade Federal da Bahia
Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público
Av. Adhemar de Barros, Campus Universitário de Ondina, Pavilhão.IV –
Salvador, BA, Brasil CEP. 40.170-110,
ou para o e-mail:gaufba@ufba.br;
website: http://www.gestaoemacao.ufba.br

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.3, p. 419-421, set./dez. 2006 421


422
Política Editorial Gestão em Ação (GA)

TÍTULO I - DO OBJETIVO

Art. 1º A Gestão em Ação (GA), editada sob a parceria e responsabilidade da Linha de Pesquisa Políticas
e Gestão em Educação (LPGE), do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do
Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA)- tem por objetivo a difusão de
estudos, pesquisas e documentos relativos à educação superior, à pós-graduação e aos processos da
gestão, da educação presencial, aberta,continuada e a distância, bem como questões relativas às políticas
públicas, planejamento, descentralização e municipalização do ensino, autonomia, avaliação e financi-
amento.

TÍTULO II - DO PÚBLICO ALVO

Art. 2º A Gestão em Ação (GA) tem como público-alvo docentes e alunos de pós-graduação, pesquisa-
dores e gestores de instituições de ensino superior e de pesquisa, gestores de associações científicas e
profissionais, dirigentes e técnicos da área da Educação e demais órgãos envolvidos na formação de
pessoal e produção científica.

TITULO III - DAS RESPONSABILIDADES

Art. 3° As responsabilidades da Gestão em Ação (GA) serão exercidas por um Editor, um Conselho
Editorial e um Comitê Científico.

§1° Exercerá a função de Editor um Professor Doutor vinculado à Faculdade de Educação da


Universidade Federal da Bahia (FACED), ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFBA, à Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação (LPGE) e ao Centro de Estudos
Interdisciplinares para o Setor Público (ISP), voluntariamente.
§2° Compete ao Editor:
I. convocar e coordenar as reuniões do Conselho Editorial e do Comitê Científico;
II. distribuir os artigos recebidos para publicação ao Comitê Científico e/ou aos consultores ad hoc;
III. coordenar os trabalhos de editoração, produção e distribuição da revista.

Art. 4° Compete ao Conselho Editorial elaborar a política editorial do periódico.

§1° Integram o Conselho Editorial da revista 17 membros com mandato temporário:


I - um representante do ISP;
II - um representante da LPGE;
III - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidade
científica internacional, indicados pelo ISP;
IV - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidade
científica internacional, indicados pela LPGE;
V - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidade
científica internacional, indicados pelo PGP/LIDERE;
VI - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidade
científica internacional, indicados pelo Comitê Científico.
§2° Os membros do Conselho Editorial serão designados, com número igual de suplentes, para
um mandato de dois anos, sendo possível a prorrogação de mandato.
§3° Não há limite de prorrogação do mandato de suplentes.

Art. 5° O Comitê Científico tem por competência emitir pareceres sobre as contribuições encaminhadas
à GA e opinar sobre sua qualidade e relevância.

§1° O Comitê Científico será constituído por membros, escolhidos por sua competência acadêmi-
ca e científica em áreas relacionadas à pós-graduação, podendo ser substituídos a critério do
Conselho Editorial.

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.2, p. 423-424, maio/ago. 2006 423


Art. 6° Compete ao PGP/LIDERE, a LPGE e ao ISP manter a Secretaria-Executiva da GA sob a
coordenação do Editor.

Art. 7° Compete à Líder de Publicações e Coleta de Dados do PGP/LIDERE a divulgação,


editoração, produção gráfica, controle de assinantes e distribuição das versões eletrônicas e
impressas da GA.

TÍTULO IV - DA PERIODICIDADE E DAS SEÇÕES DA REVISTA

Art. 8º A Gestão em Ação terá periodicidade quadrimestral e contará com as seguintes seções:
- Editorial;
- Estudos - divulga trabalhos de caráter acadêmico-científico (conforme especificado no
Art.10º).

Art. 9° A revista terá divulgação impressa e eletrônica.


§1° A revista impressa será distribuída gratuitamente, a título de permuta, para progra-
mas de pós-graduação, pró-reitorias de pós-graduação e bibliotecas de instituições de
ensino superior, órgãos públicos, mantendo possibilidade de subscrição para assinaturas.
§2° A publicação eletrônica da revista terá acesso gratuito.

TÍTULO V - DA ORIENTAÇÃO EDITORIAL

Art. 10º Serão aceitos trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes moda-
lidades: resultados de pesquisas sob a forma de artigos: ensaios; resumos de teses; dissertações;
monografias; estudos de caso.

Art. 11º O autor será comunicado do resultado da avaliação do seu trabalho em até 90 (noventa)
dias.

Art. 12º Serão remetidos a cada autor 05(cinco) exemplares do número em que for publicada a
sua colaboração.

Art. 13º A publicação de artigos não é remunerada, sendo permitida a reprodução total ou parcial
dos mesmos, desde que citada a fonte.

Art. 14º Os artigos assinados serão de responsabilidade exclusiva de seus autores, não refletindo,
necessariamente, a opinião da GA/PGP/LIDERE/ISP/FACED.

Art. 15º A critério do Conselho Editorial da GA, poderão ser aceitas e publicadas colaborações
em língua estrangeira.

Art. 16º Os originais podem ser adaptados para fins de editoração, em adequação às normas da GA.

Art. 17° As colaborações para a GA devem ser enviadas à redação, de acordo com as normas
editoriais.

Art. 18° Toda autoria dos pareceres e dos artigos, durante o processo de avaliação, será mantida
em sigilo.

TÍTULO VI - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 19° Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na aplicação do presente Regimento serão
dirimidos pelo Conselho Editorial da GA.

424 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.2, p. 423-424, maio/ago. 2006


Publicações Permutadas

AE AMBIENTE E EDUCAÇÃO FÓRUM DE COORDENADORES


FURG UMESP

AMAZONIA GESTÃO EM REDE


UFAM CONSED

CADERNO CRH LINGUAGENS EDUCAÇÃO E SOCIEDADE


EDUFBA UFPI

CADERNOS CAMILLIANI O&S- ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADE


Revista da São Camilo/ES UFBA

CADERNOS DE DIREITO FESO QUAESTIO - REVISTA DE ESTUDOS DE


Fundação Educacional Serra dos Orgãos/RJ EDUCAÇÃO
UNISO
CADERNOS DE PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO REVISTA AVALIAÇÃO
USP RAIES/UNICAMP

CADERNOS PPG-AU REVISTA BRASILEIRA DE INOVAÇÃO


UFBA FINEP/RJ

CADERNOS UFS REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA E


UFS ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO
ANPAE
CIÊNCIA HOJE
Instituto CIÊNCIA HOJE REVISTA CANADART
UNEB/ABECAN
EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
UNEB REVISTA CIÊNCIA & EDUCAÇÃO
UNESP
EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
REVISTA CIENTÍFICA ECCOS
CEDES
UNINOVE
EDUCAÇÃO EM FOCO: REVISTA DE
REVISTA DA AATR
EDUCAÇÃO
Associação de Advogados de Trabalhadores
UFJF Rurais no Estado da Bahia - AATR
EDUCATIVA REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
UCG UNEMAT

ENSAIO- Avaliação e Políticas Públicas REVISTA DA FAEEBA


em educação UNEB
Fundação CESGRANRIO
REVISTA DE CIÊNCIAS MÉDICAS E
FÊNIX BIOLÓGICAS
NUPEP/UFPE ICS/UFBA

FORMADORES: VIVÊNCIA E ESTUDOS REVISTA DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOS


Faculdade Adventista da Bahia UNISO

FORUM CRÍTICO DA EDUCAÇÃO REVISTA DE EDUCAÇÃO


ISEP CEAP

Gest. Ação, Salvador, v.9, n.2, p. 425-426, maio/ago. 2006 425


REVISTA DE MEDICINA DE TERESÓPOLIS REVISTA PROPOSIÇÕES
Fundação Educacional Serra dos Orgãos/RJ UNICAMP

REVISTA DO MESTRADO EM EDUCAÇÃO REVISTA REFLEXÃO E AÇÃO


UFS UNISC/RS

REVISTA EDUCAÇÃO REVISTA SÉRIE-ESTUDOS


PUC/RS UCDB/MS

REVISTA EDUCAÇÃO TEIAS - REVISTA DA FACULDADE DE


UNISINOS EDUCAÇÃO DA UERJ
UERJ
REVISTA EDUCAÇÃO
UFSM/RS TEMAS EM EDUCAÇÃO
UFPB
REVISTA EDUCAÇÃO ESPECIAL
UFSM/RS VER A EDUCAÇÃO
UFPA
REVISTA EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
UMESP

REVISTA EDUCAÇÃO EM QUESTÃO REVISTA DE EDUCACIÓN - PAIDEIA


CCSA/UFRN Universidad de Concepción - Chile

REVISTA EDUCAÇÃO ESPECIAL REVISTA DIÁLOGO IBEROAMERICANO


UFSM/RS Universidad de Granada - Espanha

REVISTA EM ABERTO REVISTA DO FÓRUM PORTUGUÊS


INEP DE ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
Universidade de Lisboa/Faculdade de
REVISTA ESTUDO E DEBATE Psicologia e Ciências da Educação-
UNIVATES/RS Portugal

REVISTA IDEAÇÃO REVISTA DE FILOSOFIA Y TEOLOGIA


Unioeste ALPHA OMEGA
Ateneo Pontificio Regina Apostolorum-
REVISTA INTER-AÇÃO Roma-Itália
UFG
REVISTA FUENTES
REVISTA INTERFACE Universidad de Sevilla - Espanha
UFRN
REVISTA PORTUGUESA DE EDUCAÇÃO
REVISTA LINHAS CRÍTICAS Universidade do Minho - Portugal
UnB
REVISTA PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E
REVISTA LINHAS DO PROGRAMA DE CULTURA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E CULTURA Colégio Internato dos Carvalhos-Portugal
UDESC/SC
REVISTA TAREA
Asociación de Publicaciones Educativas-
Perú

426 Gest. Ação, Salvador, v.9, n.2, p. 425-426, maio/ago. 2006

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