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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

O Marco Civil da Internet - desafios para a


educação
Nelson De Luca Pretto - nelson@pretto.info
Maria Helena Silveira Bonilla - bonillabr@gmail.com

Introdução
Em meados do século passado, mais precisamente durante o final da década de 1960 e
ao longo das duas seguintes, iniciava-se, basicamente nos Estados Unidos, a ideia de
articular-se as redes de comunicação de dados já existentes. Começa a configurar-se a
criação de uma rede das redes, uma metarrede, que veio a ser conhecida, rapidamente
como Internet, ainda escrita, naquele tempo, com o I maiúsculo. Jovens programadores
espalhados pelos laboratórios de universidades e centros de pesquisa da Califórnia,
Massachusstes e Utah, começaram a trocar informações via rede de dados,
configurando-se, nos anos 1970, a primeira rede denominada ARPANET (LEVY, 2012).
Nos anos 1980 essa rede se desdobra, constituindo a MILNET, exclusiva dos militares
americanos, e a ARPNET é expandida para outras universidades e centros de pesquisa
no mundo inteiro, com o nome de Internet. Era uma internet de uso quase que exclusivo
da academia.
Na final da década de 1980, Tim Berners-Lee, trabalhando na Organização Europeia
para Investigação Nuclear (CERN - Organisation Européenne pour la Recherche
Nucléaire, em frances), o Laboratório Europeu de Partículas Físicas, propôs a ideia de
um Identificador Universal de Documento (Universal Document Identifier) para acessar
cada informação disponível na rede, ainda uma rede pequena e interna aos laboratórios
de pesquisa (BERNERS-LEE, 1998). Mais adiante, em 1990 escreveu um programa
chamado "WorldWideWeb", um hipertexto distribuído ainda somente dentro da
comunidade científica e, no verão de 1991, distribui mais amplamente o programa,
transformando radicalmente a ideia de rede. Estava criada, assim, a World Wide Web, a
conhecida Web (www), a interface gráfica para o uso da rede, e que terminou
configurando-se quase como sinômino da própria internet. O importante a destacar desta

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história é que todo esse movimento liderado por Berners-Lee poderia não ter dado em
nada se ele tivesse patenteado a criação. Como afirma Howard Rheingold, outro dos
pioneiros da internet, “ele recusa-se a patentar a solução. [...] Ele queria usá-la. E sabia
que seria mais útil para ele e outros cientistas se muito mais pessoas a usassem”
(RHEINGOLD, 2012, p. 147, tradução nossa).
A partir de então, a web se populariza, chega a toda a sociedade, com a abertura para o
uso comercial. Desta forma, em tese, qualquer cidadão podia estar conectado à rede,
desde que tivesse uma linha telefônica, um modem e um local (provedor) para poder
fazer a conexão com o primeiro ponto da rede mundial.
Importante ressaltar que a principal característica de todo esse movimento,
exaustivamente já descrito e analisado por diversos autores e inúmeros trabalhos
(CASTELLS, 2003; LEVY, 2012, RHEINGOLD, 2012 e outros), foi conectar redes
diferentes, sem procurar transformar cada uma delas em uma única rede. A partilha livre
e aberta dos códigos e o uso cooperativo dos recursos possibilitou a criação de
protocolos para essa comunicação, e o protocolo TCP/IP (Internet Transfer
Porotocol/Internet Protocol) terminou se configurando como sendo o protocolo de
comunicação da rede, que viabilizou a troca de dados entre diversos computadores
espalhados pelo mundo. Outro princípio que sustentou o funcionamento da internet - e
que, em teoria, como veremos ao longo deste texto, ainda deve sustentá-la - é o princípio
de que todo dado que é recebido por um nó na rede deve ser repassado adiante, sem
nenhuma cobrança e sem nenhuma verificação do conteúdo deste dado.
Estes princípios são a base da internet e possibilitaram o desenvolvimento da
multiplicidade de aplicativos que permitem a circulação de informações e a comunicação
generalizada, pois, uma vez que cada projeto é disponibilizado na rede, conta com o
apoio e colaboração de muitos desenvolvedores (hackers), profissionais ou amadores,
do mundo inteiro, para seu aperfeiçoamento. Ainda, a circulação de informações e a
comunicação ampla permitem que cada sujeito, em qualquer ponto do planeta, desde
que conectado, possa constituir-se num ponto “emissor"1, compartilhando suas ideias,

1utilizamos o termo “emissor” entre aspas, por entendermos que ele é próprio das mídias de massa e, no
contexto das redes horizontais, precisa ser ressignificado, indicando que todo participante dessas redes
passa a ser um interagente, aquele que, ao mesmo tempo, recebe, emite, participa, dialoga, interage, ou
seja, usa, plenamente, os processos comunicacionais horizontalizados.

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sua cultura, seus referenciais e, assim, contribuir para uma visão mais ampla e complexa
da própria sociedade. Portanto, esses princípios devem ser defendidos a todo o custo,
sob pena de não termos, caso eles sejam afetados, mais a possibilidade de usar a rede
com a liberdade que caracterizou o seu nascimento e o uso que dela estamos fazendo,
desde os primeiros anos até os dias de hoje.
Mas nem tudo se desenvolveu, ao longo deste tempo, da maneira como se previa nos
primeiros anos. As grandes corporações de telecomunicações começaram a perceber
na internet, de um lado, um bom negócio que precisa ser “melhor administrado”, e alguns
governos, de outro lado, um negócio que demandaria ser controlado. Inicia-se uma
verdadeira guerra pelo controle do funcionamento da internet, com os modelos de
negócios das grandes corporações de telecomunicações assumindo um papel
protagonista neste embate. Mais uma vez trazendo Howard Rheingold, ao discutir os
movimentos das grandes corporações que ambicionam cercar/controlar a rede
(enclosure), é importante considerar que
o conflito sobre quem tem o direito de usar a mídia digital para criar
e disseminar a propriedade intelectual é uma guerra pelo controle
político do poder de informar, persuadir, educar, debater e inovar.
Argumentos sobre a 'neutralidade da rede' ou o licenciamento do
espectro eletromagnético pode exigir que você seja tanto nerd de
tecnologia como um expert da política para compreendê-los, mas
você pode ter certeza de que as decisões legislativas e judiciais que
forem tomadas agora determinarão que no futuro inovadores terão
que pedir permissão antes de inventar a World Wide Web ou uma
empresa caseira de um motor de busca (RHEINGOLD, 2012, p.
213/4, tradução nossa).

É neste contexto que, no Brasil, ganham força os debates sobre a criação de uma
legislação própria para a rede, uma espécie de Constituição para o seu funcionamento,
que ficou conhecido como Marco Civil da Internet, que garanta o direito à comunicação
horizontalizada, sem discriminação de qualquer ordem, a todos os cidadãos. Analisar
esse movimento, bem como as potencialidades do Marco Civil da Internet, especialmente
para a educação, é o objetivo deste artigo. Mas antes, importante se pensar sobre o
direito à comunicação e as condições concretas da situação brasileira, pois são sobre
essas bases que podemos pensar a educação brasileira.

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O Direito à Comunicação

A comunicação faz parte da constituição do ser humano, pois é ela que garante a
possibilidade do social, da relação com o outro, do entendimento entre os sujeitos, da
transmissão do saber historicamente acumulado, da coordenação das ações, do
estabelecimento de normas, o que nos torna, segundo Mario Osório Marques (1999, p.
59), cidadãos singularmente autônomos e socialmente atuantes e corresponsáveis pelo
mundo que temos. Portanto, a comunicação é tão antiga quanto o próprio homem e,
embora a liberdade de pensamento e expressão apareça como um dos ideários das
revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, destacando-se nas principais
declarações de direitos dessa época, a exemplo da Declaração Francesa de Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, e mais tarde, já no século XX, na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, o tema da comunicação, enquanto fluxo de
informação, só passa a ser mais intensamente discutido no século XX, com a
disseminação e empoderamento dos meios de comunicação de massa, constituindo-se
como uma área do conhecimento.
Durante todo o século XX, segundo Eugenio Trivinho (1999, p. 181-182), procedimentos
práticos, categorias e esquemas teóricos pretenderam dar fundamentação científica à
Comunicação, convencionando-se encerrar o processo comunicacional em torno do
emissor e do receptor, destacando-se na relação entre eles mediadores sociais e
culturais, tais como a codificação, o contexto, o canal, a mensagem, o signo, o sentido,
o ruído. Para Raimunda Gomes (2007), destacam-se como focos de pesquisa os meios
de comunicação de massa, o conteúdo de suas mensagens, sendo a informação a maior
protagonista do processo, e o impacto dessas mensagens nas sociedades. Para esta
autora, a “onipotência das chamadas mídias obscureceu por muito tempo a práxis do
processo original: a comunicação” (GOMES, 2007, p. 35), embora alguns autores já
denunciassem as fissuras da teoria da comunicação em voga, a exemplo de Brecht, que
fez a crítica à transformação ocorrida com o rádio, que de um meio de comunicação que
permitia a interação e a mobilização política, passa a operar na perspectiva da
radiodifusão, com emissão controlada pelos monopólios e a serviço da lógica mercantil.
(FREDERICO, 2007)

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Foi somente no final do século XX, com a emergência das tecnologias da informação e
comunicação, mais especialmente com a internet, que emerge um outro processo
comunicacional, em rede, horizontalizado, interativo, que permite a realização de trocas
simbólicas (informações, sons, imagens) personalizadas, individualizadas e
descentralizadas. Neste novo processo, as categorias elementares da então Teoria da
Comunicação, segundo Trivinho (1999, p. 182-183),
perdem o seu caráter distinto, ora porque se imbricam, se
sobrepõem ou se mesclam umas às outras, ora porque se
ofuscam mutuamente, se auto-anulam e se desfiguram, com
a agravante de que esse processo implosivo deixa de
comprometer tão somente a natureza dos elementos básicos
para deixar ainda em risco o próprio edifício esquemático sob
o qual se finca a teoria. Comparecem aqui todas as
características de uma era da confusão, expressão
correspondente à fase atual da sociedade tecnológica.

Decorre daí a “'liberação' da palavra” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 25), ou a hibridização das
funções de emissor e receptor, uma vez que, a partir dos sistemas e ferramentas de
comunicação próprios da web 2.0 (blogs, softwares sociais, twitter, wikis) e da
emergência dos dispositivos móveis, todo sujeito social que possua acesso ao
ciberespaço pode produzir e distribuir informações, e não apenas consumi-las, a partir
de qualquer lugar do planeta. Para os referidos autores, o fenômeno da “liberação da
emissão é correlata ao aumento da esfera pública mundial e da emergência de novas
formas de conversação e de veiculação da opinião pública, agora também planetária” (p.
25), o que provoca o surgimento de novas mediações e de novos agentes do processo
comunicacional. Em consequência, tensões se estabelecem, quer em torno dos modelos
de negócios do sistema estabelecido, que têm dificultado o acesso de boa parte da
população aos serviços de conexão, gerando a chamada “exclusão digital”, quer na
relação entre os cidadãos e os governos, quer ainda na legislação que tenta regular os
novos sistemas emergentes.
É no bojo dessas tensões que aparece a necessidade de tomar a comunicação como
um direito de todo cidadão. O primeiro movimento nessa direção se dá com a publicação,

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em 1980, do Relatório MacBride2, da Comissão Internacional para o Estudo dos


Problemas da Comunicação, da Unesco. Segundo Venício Lima (2008), o Relatório “foi
o primeiro documento oficial de um organismo multilateral que não só reconhecia a
existência de um grave desequilíbrio no fluxo mundial de informação e comunicações,
mas apresentava possíveis estratégias para reverter a situação”, incluindo “as primeiras
formulações sobre o 'direito à comunicação', que abarca o 'direito à informação' e avança
em relação às repetidas distorções na utilização dos princípios de liberdade de
expressão e de liberdade de imprensa.” Em decorrência, conferências regionais sobre
políticas culturais e políticas nacionais de comunicação, sob o patrocínio da Unesco,
foram realizadas em várias partes do mundo, bem como a Cúpula Mundial sobre a
Sociedade da Informação foi organizada e realizada, em duas etapas, em Genebra
(2003) e em Tunis (2005).
Ao longo desse período, os movimentos em favor do reconhecimento do direto à
comunicação - e a própria UNESCO - sofreram forte oposição dos conglomerados
globais de mídia e dos países hegemônicos, que lançaram “uma ofensiva mundial a favor
do 'livre fluxo da informação', bandeira com 'poder de fogo' equivalente ao princípio da
liberdade de imprensa” (LIMA, 2008), o que enfraqueceu o debate sobre a comunicação
como direito humano.
No entanto, tal debate ganha força novamente, no início deste novo milênio, incluindo o
Brasil, em virtude do poder que vai sendo centralizado nas mãos das grandes
corporações de telecomunicações, com forte articulação internacional, que impõem seus
modelos de negócios, sem que o governo possa adequadamente atuar, quer regulando
o sistema, quer ofertando serviços para a população de baixa renda, que fica submetida
aos altos custos e à baixa qualidade dos serviços ofertados pelas teles. Neste novo ciclo
de debates, duas frentes são abertas sobre o direito à comunicação, uma mais legalista,
que toma o direito à comunicação como uma evolução dos direitos à liberdade de
expressão e à informação, e portanto um direito humano universal, que deve ser
protegido; e outra mais alargada, que vem se destacando com mais força, e que abarca

2O relatório intitula-se Um mundo e muitas vozes, mas ficou conhecido como Relatório MacBride,
em uma alusão ao então presidente da Comissão Internacional, o jurista e prêmio Nobel da Paz Sean
MacBride.

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reivindicações em torno de ações destinadas à democratização da comunicação, da


proposição de políticas públicas e da criação de um marco legal que assegure a liberdade
de informação, a garantia de acesso às TIC para todos, tanto no que diz respeito aos
dispositivos, quanto à conexão, e o apoio à produção de conteúdos locais, por todos os
grupos sociais.
Nesta segunda perspectiva, a comunicação é tomada na sua potencialidade de
promotora de direitos, uma vez que vivemos numa sociedade marcada pela
desigualdade, por preconceitos e pela violação constante dos direitos básicos dos
cidadãos. Para que esses direitos possam ser defendidos, protegidos, reivindicados,
bem como outros possam ser reconhecidos, efetivados, disponibilizados, é fundamental
que todos os sujeitos sociais tenham acesso aos meios de produção e veiculação das
informações, bem como condições de participar dos processos de formulação e
monitoramento das políticas relacionadas a cada um desses direitos. É no debate sobre
as questões sociais que os problemas vão se tornando “visíveis” e possíveis soluções
vão sendo construídas. Assim, a livre circulação de ideias, experiências e opiniões
possibilitam a emergência de novos discursos e práticas sociais e a criação de espaços
privilegiados de reconstrução da realidade, tornando a comunicação um instrumento de
poder, e, portanto, promotora de direitos, como vimos nos recentes movimentos da
população brasileira, em junho de 2013, denunciando insatisfação pelas condições
sociais e reivindicando seus direitos, mobilizados nas redes e nas ruas (PRETTO,
2014a). Logo, as redes digitais constituem-se no locus, ou são articuladoras das lutas
mais significativas pelos direitos dos cidadãos, e, segundo Bia Barbosa e João Brandt
(2005), do importante Coletivo Intervozes3, constranger o direito à comunicação dificulta
a promoção de todos os demais direitos.
Portanto, é a comunicação, hoje, uma questão central para a humanidade, a base para
uma organização social mais justa e igualitária, plena e democrática. Ainda, exerce um
papel educativo, uma vez que possibilita ao sujeito aprender, ter acesso ao
conhecimento, a compreender melhor o mundo e ser capaz de interferir em seu entorno
e na sociedade.

3“Coletivo Brasil de Comunicação Social é uma organização que trabalha pela efetivação do direito
humano à comunicação no Brasil.” http://intervozes.org.br

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A liberdade de acesso da população a todos os meios de


comunicação, dos mais elementares aos mais sofisticados e
a liberdade de uso desses canais de comunicação segundos
suas necessidades, contribuem para o avanço da cidadania
que se realiza não apenas pela possibilidade de participação
na comunicação, mas essencialmente porque potencializa a
ação cidadã na busca pela ampliação dos demais direitos.
(SANTOS, 2013, p.95)

Ou seja, para que todo cidadão tenha voz e vez, e possa atuar ativamente em sociedade,
é fundamental o reconhecimento e a viabilidade do direito à comunicação, sem
condicionamentos ou impedimentos de quaisquer ordens, cabendo ao Estado a garantia
de seu exercício, sem limitá-lo à mera recepção passiva das informações produzidas de
forma centralizada e distribuídas de forma massiva, expressão de um ponto de vista
hegemônico. Para que as minorias, as culturas locais, os pontos de vista dissidentes,
contrários e contraditórios possam emergir e tensionar o hegêmonico, é fundamental que
a esses grupos seja garantido o acesso aos meios de comunicação horizontalizados,
que permitem a todos se comunicarem com todos, sem o controle externo dos meios.
Nesse contexto, a internet passa a se configurar como a grande possibilidade
comunicacional e de expressão das diferenças e, por isso, a delimitação de um marco
legal que garanta o princípio de neutralidade da rede é fundamental, pois impede
bloqueios ou discriminação dos fluxos de informação, possibilitando igualdade de direitos
a todos, ou seja, que a comunicação e a informação processada por qualquer um seja
equivalente a de qualquer outra pessoa, em qualquer ponto da rede.

O Marco Civil da Internet no Brasil


A história da presença da internet no país é marcada por lutas e avanços na busca da
implantação de uma rede que seguisse os modelos iniciais preconizados pelos seus
criadores. Desde o início de sua implantação, no final dos anos 1980, a internet no país
foi se constituindo como um esforço conjunto do setor acadêmico, governo e sociedade
civil, esta representada pelo chamada terceiro setor.

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As primeiras conexões com as redes mundiais se deram com a rede Bitnet, através de
duas conexões, sendo uma a partir da UFRJ e uma do LNCC (MCT), respectivamente
no Rio de Janeiro e em São Paulo. A partir destas conexões, diversas outras
universidades e instituições de pesquisas podiam acessar a rede de forma
compartilhada, como sempre foi o princípio da rede. De acordo com Michel Stanton, do
departamento de informática da PUC-Rio,
a organização das redes brasileiras, no final de 1991, foi
eminentemente cooperativa, onde cada instituição participante
custeava seu enlace de telecomunicações ou para o Rio ou para
São Paulo. (É interessante notar que o enlace direto entre o Rio e
São Paulo era custeado pelo governo federal, para manter a
harmonia nacional.) Uma solução definitiva para o problema de
projetar uma rede nacional deveria adotar uma topologia de malha,
o que seria mais robusto, e poderia até reduzir custos de
telecomunicações, pela maior utilização de enlaces mais curtos.
(STANTON, 1998)

De acordo com Imre Simon, uma “outra ligação pioneira que deve ser mencionada é
aquela realizada pela rede Alternex, ligada ao IBASE, uma Organização Não-
Governamental que se ligou à rede USENET, via linha discada internacional, em julho de
1989” (SIMON, 1997). A partir do CNPq, em 1989, inicia-se a implantação de um projeto
denominado de Rede Nacional de Pesquisa (RNP) que passa, então a liderar a
implantação da rede com a instalação do primeiro backbone nacional em 1991, com links
de 9.600 bps (SIMON, 1997).
Com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, mais conhecida como ECO 92, no Rio de Janeiro, entidades civis e
acadêmicas viabilizaram a conexão via internet do evento, constituindo-se num
importante marco da história da internet no país. Mais uma vez, “respondendo a
demandas de entidades civis e acadêmicas, o Ministério de Ciência e Tecnologia liderou
a criação de uma comissão nacional para acompanhar e coordenar o desenvolvimento
da Internet no país”, segundo artigo de um dos pioneiros da internet, Carlos A. Afonso
(2011, p. 17), que, na época, junto com o sociólogo Betinho, atuavam no IBASE e, desta
forma, demandavam que o acesso não se limitasse à comunidade acadêmica, mas que

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pudesse estar disponível às diversas ONG existentes no país. Nascia assim o Comitê
Gestor da Internet (CGI.br), com a missão de ser o
formulador, orientador ou executor de políticas relacionadas ao
desenvolvimento da Internet no país. O decreto original de criação
destacava quatro campos de atuação: supervisionar o
desenvolvimento dos serviços Internet; avaliar e recomendar
padrões e procedimentos operacionais e técnicos; coordenar a
designação de nomes de domínio “.br” e números IP; publicar
estatísticas sobre a Internet (AFONSO, 2011, p. 17).
Dessa forma, a internet foi se implantando no país pela ação do CGI.br e da RNP, que
atuava de forma integrada com as Instituições Federais de Ensino Superior, instalando
nela os chamados Pontos-de-Presença (POP) que teriam a função de implantar a rede
nos Estados, articulando os demais setores não acadêmicos, como os governos
estaduais e municipais e a sociedade civil através das ONG. O acesso comercial passa
a se dar a partir do ano de 1995, sendo esta uma história que ainda merecerá
aprofundamento. Para o que nos interessa neste artigo, importante trazer, mais uma vez,
Carlos Afonso, com o detalhamento das mudanças na governança da internet no país.
Carlos Afonso:
No final de 2002 entidades civis e acadêmicas construíram uma
proposta de aprofundamento da representação e dos objetivos do
CGI.br, entregue a representantes da Casa Civil em fevereiro de
2003. O governo federal decidiu então nomear um comitê de
transição para ‘estudar e propor um novo modelo de governança da
Internet no Brasil’. Desse comitê fizeram parte tanto membros
antigos do CGI.br como representantes que defendiam novas
propostas. O resultado deste processo foi sacramentado no decreto
4.829, de 3 de setembro de 2003, que definiu uma estrutura
pluralista de governança em que os membros não governamentais
da comissão teriam maioria e seriam escolhidos pelos seus próprios
setores ou grupos de interesses, e melhor precisou suas atribuições.
(AFONSO, 2011, p. 18).
A atuação do CGI marcou a governança da internet brasileira, tendo sido destacado
internacionalmente este modelo, uma vez que, em todo o mundo, a temática de como
garantir o funcionamento aberto e democrático da rede é um tema presente. Um dos
marcos desta atuação foi a formulação de princípios norteadores da internet no país,
princípios esses que serviram de base para o que veio a ser conhecido posteriormente
como Marco Civil da Internet. Mais uma vez Carlos Afonso: “o resultado foi um exemplo

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de consenso pluralista, sintetizado em dez princípios que tornaram-se uma referência


nos debates internacionais sobre governança da Internet” (2011, p. 21).
São os seguintes os princípios:
1. Liberdade, privacidade e direitos humanos
O uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de
expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos
humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação
de uma sociedade justa e democrática.
2. Governança democrática e colaborativa
A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente,
multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da
sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação
coletiva.
3. Universalidade
O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio
para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a
construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em
benefício de todos.
4. Diversidade
A diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e sua
expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças,
costumes ou valores.
5. Inovação
A governança da Internet deve promover a contínua evolução e
ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.
6. Neutralidade da rede
Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios
técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos,
comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de
discriminação ou favorecimento.
7. Inimputabilidade da rede
O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e
não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os
princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do
respeito aos direitos humanos.
8. Funcionalidade, segurança e estabilidade
A estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede
devem ser preservadas de forma ativa através de medidas técnicas
compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das
boas práticas.
9. Padronização e interoperabilidade
A Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a
interoperabilidade e a participação de todos em seu
desenvolvimento.
10. Ambiente legal e regulatório

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O ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet


como espaço de colaboração.”4
Mas estes princípios não bastariam. Com a expansão do sistema de telecomunicações,
privatizados desde o ano 1998, a partir da promulgação da Lei Geral da
telecomunicações (Lei 9.472/97), inicia-se mais uma etapa na luta pela garantia de
acesso público aos recursos da comunicação. A universalização do sistema já estava
prevista na referida lei a partir da instituição de um Fundo de Universalização dos
Serviços da Telecomunicações (FUST) que, no entanto, ao longo de todos esses anos
não foi utilizado para os seus fins. Não trataremos deste importante tema pois o mesmo
já foi bastante discutido, como em Queiroz (2010), e seus relatórios de gestão estão
disponíveis no site da Anatel5.
Assim, desde o final dos anos 1990, discute-se no Brasil formas de se regular o acesso
e uso da internet no país. A primeira iniciativa na linha de uma regulação da rede
acontece em 1999 com o Projeto de Lei (PL) 84, proposto pelo senador Eduardo Azeredo
(PSDB/MG) objetivando tipificar crimes praticados na internet. A lei foi logo denominada
pelos ativistas de AI-5 Digital, gerando ampla mobilização nas redes. Um agregador da
luta contra esse projeto de lei foi o movimento “Mega-Não - diga não a vigilantismo”.6 O
referido PL passou praticamente 11 anos parado no Congresso e, em 2011 voltou à baila
pelo mesmo Eduardo Azeredo, agora Deputado Federal.
Neste meio tempo, governo e sociedade civil mobilizaram-se em defesa da ideia de
primeiro se ter um Marco que regulamentasse o uso da internet para, somente depois se
pensar em algum tipo de legislação que tipificasse crimes. Também, tivemos uma
sucessão de projetos de leis que tramitaram no cenário internacional, voltadas para o
controle dos fluxos nas redes, a exemplo do já citado PL 84/99 que terminou aglutinando
outros projetos de lei que já estavam em tramitação para tipificar condutas realizadas
mediante uso de sistemas digitais e rede de computadores, e as leis PIPA, SOPA e
ACTA7, todas apresentadas com o argumento de proteger os direitos dos internautas,

4 http://www.cgi.br/resolucoes/documento/2009/003, acesso: 22 ago. 2014.


5 http://www.anatel.gov.br
6 https://meganao.wordpress.com/
7 SOPA (Stop Online Piracy Act), PIPA (Protect IP Act), ACTA(Anti-Counterfeiting Trade Agreement)

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mas tratando a internet como um ambiente criminoso, e deixando explícita a intenção de


vigilância, cerceamento de liberdades, e quebra de privacidade.
No Brasil, o que se buscou, ao longo deste tempo, foi garantir que a rede mantivesse
sua dinâmica livre e aberta. No período que vai de 1999 até meados do ano 2000, a
discussão sobre a necessidade de um marco regulatório para a internet que não fosse
centrada em uma lógica de criminalização vai ocorrendo na surdina dos movimentos
sociais e do próprio Congresso Nacional. Em janeiro de 2008 é realizada na Câmara dos
Deputados uma audiência pública organizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática em conjunto com a Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado para retomar a discussão sobre o tema 8, já que havia
possibilidade de que o antigo projeto 84/99, aprovado pelo Senado, retornasse à Câmara
na forma de substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). A organização dos
ativistas contrários ao, como já dito, AI-5 Digital, intensificou-se. Foram diversas ações,
como pode ser acompanhada na linha do tempo acima referida, dia de blogagens contra
o movimento, produção de peças gráficas que eram distribuídas e ocupavam as redes,
tuitagens coletivas em dias de discussão no Congresso, entre outras9. Ao longo de 2008
uma petição pública “Em defesa da liberdade e do progresso do conhecimento na
internet brasileira” circulou na internet e terminou sendo entregue ao Congresso com
mais de 160 mil assinaturas. O texto da petição recupera a história da internet ao afirmar:
A Internet é uma rede de redes, sempre em construção e coletiva.
Ela é o palco de uma nova cultura humanista que coloca, pela
primeira vez, a humanidade perante ela mesma ao oferecer
oportunidades reais de comunicação entre os povos. E não falamos
do futuro. Estamos falando do presente. Uma realidade com
desigualdades regionais, mas planetária em seu crescimento.10
Para então concluir, em defesa da internet brasileira:
Defendemos a necessidade de garantir a liberdade de troca, o
crescimento da criatividade e a expansão do conhecimento no
Brasil. [...] Devemos estimular a colaboração e enriquecimento

8 O movimento em defesa do Marco Civil da Internet construiu de maneira colaborativa uma linha do
tempo das ações em defesa de um Marco Civiul da Internet que está disponível em:<
http://bit.ly/1oWBG0y>. Acesso em: 22 ago. 2014.
9 Entre outros, http://xocensura.wordpress.com/2008/07/05/chamada-para-o-dia-da-

blogagem-politica, http://meganao.wordpress.com e
https://twitter.com/hashtag/megan%C3%A3o.
10 http://www.petitiononline.com/veto2008/petition.html, acesso: 22 ago. 2014.

EdUECE - Livro 4
00380
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

cultural, não o plágio, o roubo e a cópia improdutiva e estagnante. E


a Internet é um importante instrumento nesse sentido. Mas esse
projeto coloca tudo no mesmo saco. Uso criativo, com respeito ao
outro, passa, na Internet, a ser considerado crime. Projetos como
esses prestam um desserviço à sociedade e à cultura brasileira,
travam o desenvolvimento humano e colocam o país definitivamente
para debaixo do tapete da história da sociedade da informação no
século XXI.11
No final de 2009, a partir de um texto base elaborado pela Secretaria de Assuntos
Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com o Centro de Tecnologia e
Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, e com base no Decálogo da Internet Brasileira
(a resolução CGI.br/RES/2009/003/P12 do Comitê Gestor da Internet no Brasil), inicia-se
um processo de consulta pública aberto e colaborativo, que contou com a participação
da sociedade civil em diversos momentos, tanto online como offline, pelo período de dois
anos. Essa dinâmica de construção de um projeto de lei lhe conferiu caráter inédito, tanto
em âmbito nacional como internacional. Nesse processo, procurou-se desenhar um
Marco Civil da Internet como uma Lei que estabelecesse princípios, direitos e deveres
para o uso da internet no país e, portanto, o Projeto de Lei – PL 2.126/2011 – enviado ao
Congresso com a denominação de Marco Civil da Internet foi elaborado com base numa
ampla discussão com a sociedade, e apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso
Nacional em agosto de 2011.
Em discurso realizado durante a 66ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no painel
“Internet Access for All?” (Acesso à Internet para todos?), o secretário de negócios
legislativos do Ministério da Justiça, Guilherme Almeida, descreve o processo:

Com relação ao processo, vale a pena mencionar que ele começou


a partir de uma demanda da sociedade. (...) Esta demanda levou o
Ministério da Justiça a iniciar um processo de construir, em conjunto
com todas as partes interessadas, uma estrutura para a internet no
Brasil baseada nos direitos civis. Neste processo, tivemos a
colaboração do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação
Getulio Vargas, um importante grupo brasileiro para questões de
tecnologia.
Para promover um debate aberto e online, montamos um site como
parte do 'Cultura Digital', rede social brasileira patrocinada pelo

11 idem, ibidem
12 http://www.cgi.br/resolucoes/documento/2009/003

EdUECE - Livro 4
00381
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Ministério da Cultura para promover a discussão de políticas


públicas digitais.
Realizamos a elaboração da proposta em duas distintas frentes. Na
primeira delas, apresentamos um livro branco, a fim de
contextualizar as discussões, que foram organizadas em três
diferentes eixos: direitos do usuário, um segundo em relação aos
deveres e responsabilidades dos prestadores de serviços, e um
terceiro focado nas ações governamentais necessárias para a
promoção da Internet. Nesta primeira fase, cada parágrafo do texto
proposto foi aberto para comentários não moderados.13
Foram mais de 2 mil contribuições de todos os setores da sociedade brasileira,
analisadas pelo Ministério da Justiça, e discutidas no interior do próprio governo para,
finalmente, ser enviado o texto ao Congresso, com os seus 25 artigos.
Já no Congresso, o tema foi incluído no portal e-democracia14, importante espaço para
as discussões dos projetos em tramitação no Congresso brasileiro. No site15 dedicado à
discussão sobre o tema podem ser encontradas as diversas versões do referido marco
legal e as discussões travadas ao longo do período de tramitação do mesmo, até o dia

13 Tradução nossa para ““With respect to the process, it is worth mentioning that it
started from a request from society. [...] This request led the Brazilian Ministry of Justice
to start a process to build, jointly with all interested parties, a civil rights-oriented
framework for internet in Brazil. In this process, we had the close collaboration of
Fundação Getulio Vargas’ Center for Technology and Society, an important Brazilian
think tank for technology issues. To promote an open and online discussion, we set up a
website at “Cultura Digital”, a Brazilian social network sponsored by Brazilian Ministry of
Culture to promote the discussion of digital public policies. We conducted the drafting in
two different phases. In the first one, we presented a white paper in order to
contextualize the discussions, which have been arranged in three different axes: one
concerning user’s rights, a second regarding service providers’ duties and liabilities, and
a third focused on governmental activities which would be necessary to promote the
internet. In this first phase, each paragraph of the proposed text was open for non-
moderated comments.” http://culturadigital.br/marcocivil/2011/10/22/experiencia-do-
marco-civil-da-internet-e-apresentada-na-onu/, acesso: 04 set. 2014.
14 O portal e-democracia foi criado em 2009 pela Câmaraa dos Deputados com o objetivo de usar a
internet para “incentivar a participação da sociedade no debate de temas importantes para o país.
Acreditamos que o envolvimento dos cidadãos na discussão de novas propostas de lei contribui para a
formulação de políticas públicas mais realistas e implantáveis.” Veja em
http://edemocracia.camara.gov.br, acesso: 02 ago. 2014.
15 http://edemocracia.camara.gov.br/web/marco-civil-da-internet/inicio

EdUECE - Livro 4
00382
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

23 de abril de 2014, quando o Marco Civil foi finalmente aprovado e sancionado pela
Presidência da República, como a Lei Ordinária nº 12.965/2014.
Durante este longo período, muitas disputas se estabeleceram em torno da redação do
texto final, disputas estas que marcaram o embate entre as possibilidades de liberdade
e de controle da internet no país.

A polêmica no Congresso: os três direitos garantidos pelo Marco


Civil

Três grandes contenciosos ocuparam o debate ao longo de todo esse tempo: a


neutralidade da rede, a retirada de conteúdo sem ação judicial e a garantia de
privacidade/guarda de logs.16
Neutralidade da rede - esta, sem dúvida, foi a questão que mais rendeu debate e uma
verdadeira batalha foi travada ao longo da tramitação da lei do Marco Civil. Basicamente,
podemos definir a neutralidade da rede como sendo, primeiro, uma das características
que marcou a internet desde o seu nascimento; segundo, podemos afirmar que a
neutralidade da rede define que, para as operadoras do sistema de infraestrutura, todos
os bits trafegados devem ser tratados de forma isonômica, ou seja, não pode haver
nenhum tipo de descriminação do que está sendo trafegado. Por isso, o embate se deu
entre os segmentos que defendiam uma internet livre e neutra e as grandes corporações
de telecomunicações, que tentavam garantir a possibilidade de continuar aplicando seu
modelo de negócios à internet, modelo esse já em uso tanto para a telefonia como para
a TV a cabo, ou seja, as teles buscavam garantir o direito de segmentar os conteúdos
da rede através da venda de pacotes, controlando assim seu fluxo.
Ao término, a redação da lei 12.965 assim definiu a questão, em seu artigo 9º: “O
responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma
isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino,

16 Um resumo geral de todas as versões do Marco Civil ao longo de todo o processo pode ser
encontrado, entre tantos outros, no trabalho de Marcelo Pimenta, Flávio Wagner e Diego R. Canabarro
na “Tabela comparativa da redação das versões do Substitutivo do Dep. Alessandro Molon ao texto do
Projeto de Lei 2.126/2011 (Marco Civil da Internet do Brasil). Disponível em
<file:///home/nelson/Dropbox/marco%20civil%20da%20internet/CEGOV%20-%202014%20-
%20Tabela%20Comparativa%20Versoes%20Marco%20Civil.pdf>. Acesso em 01 set. 2014.

EdUECE - Livro 4
00383
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

serviço, terminal ou aplicação” (BRASIL, 2014). A lei prevê que uma eventual
descriminação ou degradação do tráfego somente pode ocorrer mediante uma
regulamentação complementar, atribuída à Presidência da República (ouvidos o Comitê
Gestor da Internet e a ANATEL) e decorrente de requisitos técnicos indispensáveis à
prestação dos serviços ou priorização a serviços de emergência. Essa foi uma vitória
parcial da sociedade civil que lutou através de forte articulação em rede e por pressão
no Congresso Nacional, para que a neutralidade fosse garantida sem nenhuma exceção.
Como esse foi um dos pontos onde as operadoras de telecomunicações mais
pressionaram, a redação final terminou deixando algumas brechas para a quebra de
neutralidade, através da regulamentação da lei.
Retirada de conteúdo - conhecida como “notice and takedown”, este foi outro dos
motivadores das grandes polêmicas, uma vez que se desejava incluir no marco legal a
possibilidade de responsabilização dos provedores por conteúdos publicados na rede
por terceiros, responsabilização essa atribuída por qualquer pessoa que julgasse ter tido
algum direito infringido pela publicação na internet, sem nenhuma ação judicial. Como
diz a própria denominação do dispositivo, bastaria ao suposto prejudicado comunicar ao
provedor e ele teria que, imediatamente, retirar o conteúdo da rede. Argumentava-se que
a prática já existia em outros países e que, com isso, ganharia-se em celeridade nos
processos de retirada de conteúdo da internet, o que, com veemência, foi combatido pelo
movimento social aglutinado em torno da campanha pelo Marco Civil.
Ao longo das discussões com o relator do processo, deputado federal Alessandro Molon
(PT-RJ), avançou-se para não incluir o Notice and Takedown no texto legal (artigo 15º).
No entanto, entre tantas idas e vindas, com as inúmeras versões circulando pela rede,
oficial e oficiosamente, surgiu uma versão que mantinha basicamente o espírito do
referido artigo 15º, mas incluía um segundo parágrafo, que não existia até então,
possibilitando a retirada de conteúdo em caso de violação de direito autoral.17 A inclusão
deste novo parágrafo foi acompanhada de protestos nas redes, uma vez que associava-
se à pressão da própria ministra da Cultura, Marta Suplicy, e também de grande grupos
da mídia, como as Organizações Globo, conforme declaração do sociólogo Sérgio

17“O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de infração a direitos do autor ou a direitos
conexos”, conforme substitutivo I de 4/7/2012.

EdUECE - Livro 4
00384
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Amadeu da Silveira, rebatidas pelo relator Alessandro Molon.18 A última versão, que deu
origem à lei aprovada, não continha mais este parágrafo, constituindo-se numa
importante vitória dos movimentos sociais na construção do Marco Civil da Internet.
Ainda, nesta linha, a redação do artigo 19º contemplou a luta para que a remoção de
conteúdos só se desse a partir de ação judicial. Com isso, assim ficou o texto legal:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e
impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente
poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica,
não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do
seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o
conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições
legais em contrário. (BRASIL, 2014)
Garantia da privaciadde/guarda de logs - por último, mas não menos importante, e
obviamente não esgotando a questão nem as polêmicas, vem a problemática da guarda
de logs (guarda dos registros). Este foi um tema que terminou dando um impulso à
aprovação do Marco Civil por conta da divulgação de informações coletadas e
armazenadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês) americana, por um
funcionário terceirizado, Edward Snowden, que trabalhava para a NSA. Em função do
que ficou conhecido como sendo o Caso Snowden - que mostrou estarem sendo
espionadas diversas autoridades em diversos países, inclusive o Brasil e sua presidente
-, o tema da segurança das informações e da guarda dos logs ganhou relevância ainda
maior. A discussão posta era, basicamente, sobre quem deveria guardar os registros de
navegação e por quanto tempo.
Uma difícil discussão, uma vez que a temática é permeada por aspectos técnicos. O
resultando final, no entanto, garantiu, em última instância, a privacidade como princípio
e direito fundamental. Vale aqui resgatar, apesar de longa, a síntese feita por Joana

18Respectivamente em http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/07/sergio-amadeu-a-
globo-quer-desvirtuar-o-marco-civil/ e
http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/07/marco-civil-pela-neutralidade-privacidade-
e-liberdade/, acesso: 12 jul. 2014. Também em http://www.idec.org.br/em-acao/artigo/noticias-
do-brasil-um-pouco-sobre-o-marco-civil-da-internet e
http://idgnow.com.br/blog/circuito/2013/10/18/entidades-do-setor-audiovisual-defendem-
notice-and-take-down-no-marco-civil/, acesso: 12 jul. 2014.

EdUECE - Livro 4
00385
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Varon e Bruna Castanheira no site Oficina Antivigilância19, sobre o princípio da proteção


da privacidade garantido na lei:
● “Provedores de conexão devem manter registros de conexão por 1 ano, nos
termos do regulamento. E são vedados de guardar registros de acesso a
aplicações.
● Autoridade policial ou administrativa ou Ministério Público podem requerer guarda
por prazo superior. Nesse caso, não há limite de prazo. Tal requerimento será
mantido em sigilo pelo provedor responsável pela guarda dos registros, desde que
depois do pedido cautelar da autoridade haja ordem judicial pela guarda.
● Provedores de aplicação ‘constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça
essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos
deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet’. É
vedada a guarda de registros de acesso a outras aplicações se não houver
consentimento e de dados pessoais excessivos em relação à finalidade do
consentimento.
● Ordem judicial poderá determinar a guarda obrigatória de registros específicos
para provedores que não se encaixam nesse perfil, desde que por período
determinado.
● Autoridade policial ou administrativa ou Ministério Público podem requerer guarda
por prazo superior. Nesse caso, não há limite de prazo fixado na lei.
● Parte interessada poderá requerer o fornecimento de registros de conexão ou de
acesso a aplicações com o propósito de formar provas em processo cível ou
penal, desde que apresente a) indícios da ocorrência de ilícito, b) justificativa da
utilidade de tais registros e c) período dos registros requeridos.
● ‘O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os
registros de conexão e de acesso a aplicações de forma autônoma ou associados
a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a
identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial.’
● O conteúdo das comunicações privadas também só poderá ser disponibilizado
por ordem judicial.
● Dados cadastrais poderão ser disponibilizados para ‘autoridades administrativas
que detenham competência legal para sua requisição.’” (as citações internas são
da Lei 12.965/2014)

Como pode ser visto, esta guarda deve atender à preservação da intimidade, da vida
privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. O texto

19

https://antivigilancia.wiki.br/boletim_antivigilancia/9#trilha_1ativismo_e_politicas_digitais
, acesso: 07 set. 2014.

EdUECE - Livro 4
00386
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

final da Lei indicou, como resultado das discussões, que esses dados deveriam ser
guardados por um ano, apenas pelos administradores de sistema autônomo. Importante
observar que ao se falar em guarda de logs, temos que diferenciar o que seja a guarda
de registro de conexão (data, hora e duração da conexão de um determinado número
IP) e guarda do log de acesso à aplicações (data e hora de uso de uma aplicação por
um determinado número IP). Sendo assim, o que ficou na versão final é que devem ser
guardados apenas os registros de conexão.
Esses foram os três contenciosos principais em torno do Marco Civil da Internet que
geraram intensas discussões e negociações, mas que marcaram o movimento brasileiro
em torno da efetivação do direito à comunicação. O resultado desse movimento foi a
garantia, pelo menos temporariamente, dos princípios que nortearam a constituição e o
desenvolvimento da rede, e da possibilidade de todos terem acesso igualitário e poderem
se expressar com liberdade. Temporariamente porque, no momento que fechávamos
este texto, não tendo o Marco Civil completado nem mesmo cinco meses de vigência, já
havia sido proposto no Senado o Projeto de Lei número 180/2014, com o objetivo de
alterar alguns dos seus dispositivos, ”para estabelecer a finalidade e restringir o rol de
autoridades públicas que podem ter acesso a dados privados do cidadão na internet,
prever a possibilidade de recurso contra decisão interlocutória que antecipa tutela no
âmbito dos Juizados Especiais e dar outras providências”, conforme matéria publicada
no site do Instituto Telecom20, o que evidencia que o tema não está esgotado e que
tensões e negociações em torno do Marco Civil continuarão a se desenrolar. Isso,
obviamente, mostra-nos a importância de uma permanente vigilância de toda a
sociedade para que possamos, efetivamente garantir o pleno uso da internet, com
liberdade e privacidade, a todas as camadas da população.

Potencialidades e desafios para a educação

20

http://institutotelecom.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5999:pro
jeto-de-lei-no-senado-pretende-alterar-o-marco-civil-da-internet&catid=1:latest-news,
acesso: 31 ago. 2014

EdUECE - Livro 4
00387
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Todas as questões até aqui tratadas estavam mais voltadas para uma leitura do mundo
contemporâneo. Importante agora olhar a educação. E, para tal, é necessário se pensar
na presença das tecnologias digitais de informação e comunicação na educação não
como mera ferramentas auxiliares dos processos educacionais instituídos, conforme já
avançamos em outros textos (PRETTO, 2011 e PRETTO, 2014b). No conseguimos
pensar em um sistema educacional que continue centrado na lógica da transmissão e de
distribuição de informações, embora este ainda seja o modelo hegemônico. Nesse
modelo, o conhecimento está centrado nos livros, nos professores, e agora também nas
redes, e deve ser transmitido aos alunos, cabendo a estes consumi-los e assimilá-los.
No passado, as informações eram escassas e fazia sentido procurarmos a escola e os
mestres para buscá-las. No entanto, hoje, temos abundância de informações, e isso,
diferentemente do que pensam alguns (KEEN, 2008, entre outros), é muito importante
para a formação da juventude.
Com a emergência das redes interativas, horizontais e descentralizadas, novas questões
são incorporadas ao processo formativo, tais como o estabelecimento de relações, a
interatividade, a problematização e a produção do conhecimento. A partilha do
conhecimento passa a ser potencializada uma vez que o resultado desta produção passa
a estar disponível na rede, viabilizando, com isso, um uso pleno e ampliado, estimulando
as práticas recombinantes, com todos podendo usar, copiar, reproduzir e remixar os
conteúdos, naquilo que denominamos de um círculo virtuoso de produção de culturas e
conhecimentos. Desta forma, estimula-se o envolvimento de todos, alunos, professores
e comunidades, partindo do princípio da colaboração em rede, possibilitando não só a
partilha, como também a produção do conhecimento de forma horizontalizada. Aqui,
importante destacar que o conhecimento estabelecido é parte deste diálogo e sua
partilha possibilita que o mesmo seja utilizado e aprendido como integrante do processo
de produção de novos conhecimentos e culturas.
Também, a comunicação passa a ser ampla e generalizada e, com isso, a aprendizagem,
nesse contexto, não se dá na mera relação sujeito-objeto, concepção superada pelas
perspectivas interacionistas, que entendem que a aprendizagem se dá na relação entre
sujeitos: “[...] funda-se a aprendizagem no mundo dos homens que ouvem uns aos
outros, postos à escuta das vozes que os interpelam” (MARQUES, 1995, p. 110).

EdUECE - Livro 4
00388
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Portanto, a possibilidade de comunicação horizontalizada permite que os sujeitos


aprendentes, alunos e professores, possam ter acesso ao conhecimento produzido pela
humanidade, uma vez que praticamente tudo já está disponível nas redes e, desta forma,
possam compartilhar suas ideias, suas culturas, seus referenciais, suas concepções de
mundo, aprendendo, todos com todos, e contribuir para uma compreensão mais ampla,
critica e complexa da própria sociedade. Possibilita ainda que professores e alunos
participem e/ou desencadeiem movimentos ativistas em torno de questões sociais e
profissionais, interferindo em seu entorno e na sociedade.
Desta forma, com uma rede fortalecida, a produção de conteúdos passa, também ela, a
se dar de forma aberta, incorporando todas as potencialidades dos ambientes da web
2.0. Como não estamos mais dependentes da mídia de massa, ou da indústria cultural,
temos a possibilidade efetiva de nos posicionarmos – professores e alunos – como
propositores, idealizadores, autores, de transformarmos a escola num espaço de criação
e socialização dessa produção. Produção que pode ser realizada nas mais diferentes
linguagens, já que as tecnologias digitais possibilitam trabalhar com qualquer uma delas.
Historicamente, a produção da escola não tem visibilidade, pois fica restrita ao seu
contexto interno. Temos agora as condições para ultrapassar suas paredes, aproximando
o mundo de dentro da escola do contexto social mais amplo.
Ainda, para ampliar a nossa capacidade de leitura das informações que abundam,
precisamos pensar a leitura numa dimensão muito maior daquela que estamos
acostumados a associar às letras e, no máximo, aos números. Agora, muito mais do que
antes, isso é insuficiente. É importante que tenhamos a capacidade de ler num sentido
muito mais amplo. Uma leitura do mundo, que inclua a leitura dos códigos de
programação dos computadores; a leitura das imagens que circulam de forma frenética
pelas redes e pelas ruas; a leitura do corpo cada vez mais preso a gadgets eletrônicos;
e a leitura do ambiente cada vez mais destruído, aqui, ali e acolá.
Paralelamente e de forma complementar, precisamos pensar na escrita, esta também
para além da escrita associada às letras e avançarmos, como propõe Douglas Rushkof
(2010), para o ensino da linguagem dos computadores, ou seja, para o ensino de
programação nas escolas. O reconhecimento dessas potencialidades vem mudando
alguns sistemas de educação, como é o caso da rede educacional de Madrid, Espanha,

EdUECE - Livro 4
00389
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

que deverá incorporar, a partir de 2015, a programação como atividade obrigatória para
o ensino secundário21, com o objetivo de que os alunos aprendam a criar sítios web,
aplicações para smartphone, jogos e adquiram conhecimento de robótica. A grande meta
com esse projeto é colocar o país na vanguarda da educação mundial, pois com esses
conhecimentos os alunos efetivamente estarão sendo preparados para compreender e
atuar numa sociedade altamente tecnologizada. Algumas iniciativas envolvendo
programação de computadores também estão em curso no Brasil, mas ainda muito
concentradas nas escolas privadas.
O desafio posto à educação, em geral, e à escola pública, em particular, é criar ambientes
onde esses conhecimentos possam ser trabalhados com os alunos e onde a vasta gama
de informações a que os alunos têm acesso seja discutida, analisada e gere novos
conhecimentos, onde as práticas pedagógicas e os currículos sejam abertos, flexíveis,
hipertextuais, para dar conta da diversidade de temas que atravessam o cotidiano dos
sujeitos aprendentes. No entanto, para que essas novas perspectivas possam
consolidar-se é necessário tomar a liberdade como princípio. É na liberdade, e não no
cerceamento, de forma coletiva e colaborativa, que o conhecimento é produzido, que a
autoria e a criatividade emergem.
Nesse sentido, o acesso à infraestrutura de comunicação, com todas as liberdades e
possibilidades que discutimos ao longo deste texto, é fundamental. E acesso pleno
requer qualidade de conexão, tanto na largura da banda como na estabilidade do sinal,
serviço que as escolas não estão recebendo das operadoras comerciais. No Brasil, a
conexão das escolas está na mão destas operadoras, pois, em 2008, o governo lançou
o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), e, para operacionalizá-lo, alterou o Plano
Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado
no Regime Público – PGMU (Decreto nº 4.769)22, passando a contar com as operadoras
comerciais para a conexão de todo o sistema de escolas públicas urbanas no país.

21http://www.fayerwayer.com/2014/09/programacion-web-sera-una-asignatura-
obligatoria-en-los-colegios-de-
madrid/?utm_content=buffer54e85&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&u
tm_campaign=buffer. Acesso: 08 set. 2014.
22 Disponível em:
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEC%20
4.769-2003?OpenDocument, Acesso: 08 set. 2014.

EdUECE - Livro 4
00390
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

Conforme o compromisso assumido pelas empresas, mesmo as novas escolas que


surgissem durante a execução do programa deveriam estar conectadas até 2010. No
entanto, muitas escolas urbanas ainda não foram atendidas, segundo o site desenvolvido
pela ONG Meritt e pela Fundação Lemann23, que organiza as informações veiculadas
pelo poder público. Constata-se, a partir dos dados analisados, que 84% das escolas
públicas urbanas possuem conexão, sendo que banda larga é oferecida a apenas 73%
das escolas. O dado bruto poderia ser alvissareiro se não tivéssemos acesso à realidade
cotidiana das escolas que apontam claramente para uma ausência de conexão, seja por
não estar ativa, seja por conta da velocidade da conexão e estabilidade do sinal. No que
diz respeito às escolas rurais, a situação ainda é mais crítica, apenas 14% delas
possuem conexão internet, sendo que banda larga só está disponível em 7% das
escolas.
Esse quadro mostra que a conexão das escolas não pode ficar sob a responsabilidade
única das operadoras privadas, demandando políticas públicas que garantam que o
acesso à internet seja um direito fundamental, disponível para todo o cidadão, com
qualidade. Entre os tantos aspectos da questão, as relativas ao marco legal é uma
dessas questões e, como esperamos ter apresentado neste artigo, representa um grande
desafio que está sendo enfrentado com luta e participação social, o que consideramos
ser uma das importantes funções de um sistema educacional que busque a formação de
um cidadão crítico.

Referências

AFONSO, Carlos A. CGI.br: história e desafios atuais. PoliTICs, n. 11, dez. 2011.
Disponível em:
<http://www.politics.org.br/sites/default/files/poliTICS_11_Pag16_27_CGI.br_.pdf>.
Acesso em: 22 ago. 2014.

23 http://www.qedu.org.br/brasil/censo-escolar

EdUECE - Livro 4
00391
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade

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