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ano 11 | nº 98 | maio/junho 2014


tecnoloGia Para a inclUSÃo Social

Marco civil da internet

Prioridade
para a entreviSta

liberdade a não identidade


dos anonymous
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ARede maio/junho 2014 3
editorial

ExEmplo A sER sEguido Equipe


Por ser literalmente uma Constituição do mundo virtual, Redação
que estabelece os direitos e os deveres dos que integram o Lia Ribeiro Dias
Diretora editorial
ecossistema da internet, o Marco Civil da Internet, aprovado
Miriam Aquino
pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidente
Diretora associada
Dilma Rousseff, teve repercussão muito além das fronteiras
Áurea Lopes
nacionais. Elogios vieram de personalidades que ajudaram a Editora-executiva
criar a internet e de representantes de diferentes países Rafael Bravo Bucco
reunidos no NETmundial, em São Paulo, em abril. Repórter
Camila Sipahi Pires
Considerada a mais ampla legislação da internet já aprovada no Editora de arte
mundo, o Marco Civil é um exemplo a ser seguido por ser uma Colaboradores
carta de princípios, que garante as liberdades fundamentais dos Marina Pita (texto),
Robson Regato (fotos),
cidadãos na internet, como a liberdade de expressão, o direito à Ohi (ilustração)
privacidade e o livre acesso à rede com o tratamento isonômico
de todo tipo de tráfego, ou seja, o princípio da neutralidade.
Tão logo o Marco foi aprovado, especialistas na área como o
Marketing
professor Ronaldo Lemos, do Centro de Tecnologia e Sociedade
Harumi Ishihara
da Fundação Getúlio Vargas (RJ), previram que a legislação Diretora
brasileira teria poder de influenciar importantes decisões
relativas à internet a serem adotadas no mundo.
Publicidade
Meire Alessandra
Otimismo? Certamente, pois os embates em torno de temas Diretora
como neutralidade da rede e direito autoral envolvem fortes
Leonardo Rodrigues
interesses econômicos, e vão estar nas próximas pautas de Executivo de contas
discussões. Mas a previsão começa a se cumprir. Depois de Edna Fonseca
a poderosa Federal Communications Commission (FCC), dos Gerente de circulação e marketing
Estados Unidos, anunciar que iria rever sua posição sobre
neutralidade, a comissão recuou em sua proposta, em parte. Administrativo-financeiro
Pressionada por entidades da internet e mesmo por provedores Adriana Rodrigues
de conteúdo, a FCC desistiu de permitir, como propôs seu Gerente
chairman em abril, que empresas de conteúdo entregassem Camila Carvalho
seu tráfego diretamente a operadoras de telecom, em acordo Assistente
comercial com prioridade para o gerenciamento de seus dados.
Mas no texto colocado em consulta pública em maio, a FCC
Gráfica Gráfica Ipsis
permite acordos comerciais para aumento da velocidade de Distribuição Correios Entrega Direta
tráfego dos dados contratados.

Esta é uma história que ainda não se encerrou, mas o parcial


recuo da FCC, da mesma forma que a proposta sobre
neutralidade aprovada pelo Parlamento Europeu, indicam que
a pressão por uma internet livre ARede é uma publicação bimestral
da Bit Social - www.arede.inf.br
e neutra é forte o suficiente para Av. São Luiz, 258, 21º andar, cj. 2111,
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enfrentar os lobbies empresariais. Tel.: 11 3129-9928 / 11 3151-2115
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A aprovação do Marco Civil, sem
dúvida, contribuiu para elevar o Jornalista responsável – Lia Ribeiro Dias (MT 10.187)

nível dessa pressão.


Foto Robson Regato

Lia Ribeiro Dias ARede adota Licença CompartilhaIgual (SA)


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ARede maio/junho 2014 5


índice

siga isso
Temas para seguir e compartilhar 8

capa
Um grande passo para a internet livre 10

Direitos e deveres na rede 14

entrevista
Murilo Machado: os Anonymous estão dispostos a romper
os limites do ativismo em rede. 20

livre saber
Redes de aprendência, uma estratégia pedagógica. 25

conexão social
Universitários pela inclusão 26

Uma nova lógica escolar 30

Ativos na rede e na noite 32

instala
Lançamentos em aplicativos, gratuitos ou baratinhos. 29

cultura
O poder das mulheres 34

raitéqui
Ramiro Álvarez Ugarte: Uma ferramenta essencial
na luta por uma internet livre 38

A tecnologia a seu alcance 40

opinião
Jhessica Reia: Cidade, tecnologia e privacidade. 42

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ARede maio/junho 2014 7
siga isso > comentários da editora Áurea Lopes

Temas importantes para garantir o acesso democrático às TICs e uma internet livre
entram e saem do noticiário, aparecem e somem nas timelines, sobem e descem nos
trending topics. A gente precisa ficar atento. Seguir e compartilhar!

siNAl AmARElo Em sÃo pAulo piRATAs NA ColA dAs TElEs


O programa de telecentros da capital paulista, A Agência Nacional de Telecomunicações
que um dia foi pioneiro e vanguardista na então (Anatel) estabeleceu conselhos de usuários,
chamada inclusão digital, tá capengando. Em uma que já existiam nas operadoras fixas, para
ação desastrada, que descontentou todos os lados, a as celulares, para as concessionárias
secretaria municipal de Serviços (SES) fechou todas de acesso a internet, para as TVs por
as 258 unidades (126 mantidas diretamente e assinatura, e empresas de Serviço Móvel
132 em convênio com parceiros) do programa, Especializado com mais de um milhão de
em abril. O contrato com o Idort, responsável pela clientes. Esses conselhos, regionais, são
formação e pagamento dos monitores e supervisores espaços de participação social formados
foi encerrado. Como estratégia de continuidade, por até seis clientes e seis integrantes de
foi proposto às parceiras assumir a operação dos organizações de defesa do consumidor.
telecentros. Até o fechamento desta edição, dia 12 Conselhos de empresas de seis estados
de maio, cerca de cem parceiras haviam topado a brasileiros vão ser observados muuuuuito
proposta, mas nenhuma tinha vencido as etapas atentamente pelas lunetas de nada menos
burocráticas para reabrir os espaços. A SES se que nove piratas! do Partido Pirata do Brasil.
empenha na implantação das praças digitais – que
também não decolaram ainda: das 120 previstas,
apenas três estão funcionando, pois as demais dilmA, ChAmA o sNowdEN!
estão “resolvendo questões técnicas de instalação”, Durante debate na Arena Netmundial, o ministro-
segundo a prefeitura. Será que todos os esforços estão chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto
concentrados nos espaços WiFi Livre e não vai Carvalho, afirmou que o governo brasileiro não
sobrar empenho para reativar os espaços de cursos, tomou a iniciativa de considerar a possibilidade de
oficinas e articulação para a população? asilo a Edward Snowden porque não recebeu, até o
momento, um pedido formal do ex-funcionário da CIA
que revelou o esquema de bisbilhotagem dos Estados
iNTERNET sob AmEAÇA Unidos. O ministro, porém, admitiu que o país pode
No méxiCo se antecipar. E foi além. Carvalho admitiu que está
Uma das bolas da vez no ataque à liberdade em tempo de fazer um debate com a presidente
de expressão na internet é o México. Dilma Rousseff e demais ministros e se comprometeu
A título de reequilibrar a relação de forças a “realizar essa discussão no âmbito do governo”.
entre as corporações e as pequenas Quando será que começa? A campanha pelo asilo a
empresas, a proposta de reforma da lei Snowden no Brasil continua no ciberespaço.
de comunicações, feita pelo presidente
Enrique Peña Nieto, dá poder ao Executivo
para censurar e bloquear os sinais “quando gás Nos CRCs
exista urgência, atendendo ao interesse O Ministério das Comunicações está reformulando
social e a ordem pública” e ameaça a o projeto Computadores para Inclusão, de
independência do Instituto Federal de recondicionamento de máquinas. Agora, a gestão
Telecomunicações. O povo, lá, está nas deve ser compartilhada com os ministérios do Meio
ruas. Nas redes sociais, é hora de Ambiente, do Planejamento e da Ciência e Tecnologia.
reforçar a visibilidade e a pressão. Com tantos esforços, só pode melhorar... esperamos.

Faça o seu comentário sobre o meu comentário.


Ou sobre outro assunto – www.arede.inf.br | aurea@arede.inf.br

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ARede maio/junho 2014 9
10
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Foto: Eduardo Aigner

Foto: Eduardo Aigner

Foto: Hans Georg


um grande
passo para
a internet
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

liVRE
A AprovAção do
MArCo CIvIL dA InTerneT
foI uM MoMenTo hISTórICo
pArA A gArAnTIA doS dIreIToS
fundAMenTAIS doS InTernAuTAS
no brASIL.
MAS A LuTA pArA MAnTer
A rede AberTA, deMoCrÁTICA
e LIvre AIndA TeM vÁrIoS
enfrenTAMenToS peLA frenTe.
Foto: Eduardo Aigner

liA RibEiRo diAs*


Ilustração: Shutterstock
Foto: Eduardo Aigner

ARede maio/junho 2014 11


capa

O TIMIMG não poderia ser mais perfeito. E o go- países, o Marco Civil se difere de várias outras
verno trabalhou ativamente para isso. Aprova- legislações nacionais. Enquanto a maioria das
do pelo Senado Federal no final da tarde do dia legislações relativas à internet estabelecem puni-
22 de abril, o Marco Civil da Internet (MC), que ções a infrações cometidas na rede, de pedofilia
tramitou por dois anos e meio na Câmara dos a crimes financeiros, passando pelo desrespei-
Deputados, foi sancionado no dia seguinte pela to ao direito autoral, o MC (ver página 12) tem
presidente Dilma Rousseff, durante a abertura o mérito de definir os direitos de forma ampla,
do NETmundial, encontro multissetorial global como respeito a privacidade, proteção de dados,
que reuniu 869 delegados de 79 países em um isonomia no acesso às informações, neutralida-
hotel em São Paulo (SP). Simultaneamente, a de da rede, liberdade de expressão. Há outras
sociedade civil reunida no Centro Cultural São legislações também afirmativas, porém mais fo-
Paulo, durante a ArenaNetmundial, recebeu a cadas na neutralidade da rede, como as do Chi-
aprovação do MC com palmas, palavras de or- le, da Colômbia e da Holanda (ver página 15).
dem e muita alegria. Afinal, da construção coleti-
va do texto à aprovação foi uma longa caminhada Se é um fato histórico que tem de ser reconheci-
e muita luta. A Arena foi um dos 33 hubs instala- do como tal, a aprovação do Marco Civil da Inter-
dos pelo NETmundial em 23 países para acom- net não significa que a luta pela defesa de uma
panhar os debates. Em uma videoconferência rede livre, aberta e democrática tenha chegado
realizada com os ativistas, Julian Assange, criador ao fim. No Brasil, o Marco ainda tem de passar
da rede WikiLeaks, endosssou a comemoração: por regulamentação para que sejam definidos
“Apesar das concessões feitas para obter a apro- aspectos como a obrigatoriedade de guarda dos
vação, é importante es- logs. A lei só entra em vigor
tabelecer essa lei em um em 23 de julho.
país como o Brasil, que
o MArCo TeM de
está encontrando o seu pASSAr por Em outros países, porém,
caminho no mundo”. reguLAMenTAção a definição dos direitos na
pArA defInIção de internet ainda está mui-
Beatriz Tibiriçá, dire- to longe de um consen-
tora do Coletivo Digital
ASpeCToS CoMo so. No embate, questões
e uma das mais ativas A guArdA doS LogS econômicas (nos países
militantes em defesa desenvolvidos, com uma
do MC, avaliou a disputa pelo marco civil da in- forte indústria da informação) e questões polí-
ternet como o primeiro enfrentamento pra valer ticas (tanto nos países onde há cerceamento à
dos detentores do poder, de fato: “Nós do mo- liberdade de expressão como naqueles que são
vimento pelo Marco Civil já soubemos calibrar vítimas de pressões e monitoramento por parte
nossas ações de forma a somar e sustentar cada dos Estados Unidos, em especial).
confronto, dificultar os retrocessos e consolidar
as nossas conquistas. Tivemos maturidade su- Nos debates do NETmundial, que reuniu repre-
ficiente para entrar na conta das negociações e sentantes da sociedade civil, da comunidade
avançar juntos. Que sirva de encorajamento para científica, do empresariado e de governos, as
o governo ousar e para nós, da sociedade civil, contradições se refletiram no texto do documen-
continuarmos avançando de forma madura na to final. Por pressão dos Estados Unidos e da
questão da revisão da anistia, da regulação da Comunidade Europeia, a neutralidade da rede –
mídia, da reforma política, da desmilitarização ou seja, o direito de que o tráfego dos dados seja
das polícias, do novo marco regulatório das re- tratado com isonomia e sem prioridades – ficou
lações com as Organizações da Sociedade Ci- fora do texto final. Foi uma evidente derrota do
vil etc., etc. e mais alguns definitivos etceteras. Brasil, que trabalhava pela inclusão do conceito
Aprendendo a avançar de forma coletiva, pactu- no documento. O assunto entrou apenas na lista
ando o avanço, construímos a nova democracia!” dos pontos a serem tratados no futuro.

Saudado como a mais ampla legislação de di- Também se avançou pouco na questão relativa
reitos na internet por porta-vozes de diferentes à vigilância em massa, tema que ganhou cor-

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1

po a partir das revelações de Edward Snowden,


ex-analista de segurança do governo estaduni-
dense, de que a agência de segurança nacional
daquele país (NSA, na sigla em inglês) espiona-
va massivamente dados na internet de cidadãos
no mundo todo. E inclusive de chefes de Esta-
do, entre os quais a presidente Dilma Rousseff e
a chanceler alemã Angela Merkel.

Os reiterados pedidos feitos por representantes


de parte dos governos e da sociedade civil para
que o documento final coibisse tais práticas su-
cumbiram ao peso dos Estados Unidos na mesa
de negociações. O texto aprovado é diplomáti-

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR


co, não condena enfaticamente a espionagem
nem a bisbilhotagem de dados alheios por qual-
quer governo. Ressalta, apenas, que a prática
de coleta de dados ameaça a confiança na rede
mundial de computadores.
2
Se houve pedidos públicos e reiterados não aten-
didos, houve um que não veio a público e aca-
bou contemplado no documento final, a Declara-
ção Multissetorial de São Paulo. É o que trata dos
direitos autorais. Por pressão da França e dos
EUA, o item relativo à liberdade de informação e
acesso à informação ganhou o seguinte adendo:
“consistente com o direito de autor e criadores,
tal como estabelecido em lei”.

O texto final decepcionou a sociedade civil. Mas


foi defendido por Virgílio Almeida, chairman do
NETmundial e secretário de Informática do Mi-
nistério da Ciência, Tecnologia e Informação, Foto: Eduardo Aigner

como o texto possível. “Esse documento não


pode ser interpretado como vinculante. É uma
ampla convergência de ideias, percepções, su-
gestões e visões, que vêm de intervenientes dife- 3
rentes em partes diferentes do mundo”, afirmou.

Independentemente de restrições ao texto do


documento final, o evento foi comemorado pelos
organizadores como um sucesso, pelo fato de ter
sido construído coletivamente, com a participa-
ção de todos os atores (sociedade civil, empre-
sariado e governos), mesma base que se preten-
de para a nova governança na internet. Apesar
Foto: Hans Georg

1. Cerimônia de abertura do neTMundial;


2. Tim berners Lee, o criador da WWW;
3.representantes da sociedade civil
participaram da Arena.

ARede maio/junho 2014 13


capa

Direitos deverá ocorrer de forma destacada das demais

e deveres cláusulas contratuais.

na rede
A lei exige que os provedores de conteúdo
obedeçam às leis nacionais. As empresas que
descumprirem as regras poderão ser penali-
zadas com advertência, multa de até 10% do
O Marco Civil estabelece princípios, garantias, faturamento, suspensão e proibição definitiva
direitos e deveres para o uso da internet no de atividades. Há possibilidade de penalida-
Brasil. Foi sancionado sem vetos, apesar da des administrativas, cíveis e criminais.
forte campanha da sociedade civil para que
a presidente Dilma Rousseff vetasse o artigo guARdA dE logs
15, que trata da guarda de logs. E deixa de Os provedores de acesso são obrigados a man-
fora questões polêmicas como o tratamento ter os registros de conexão, sob sigilo, em am-
de conteúdos protegidos por direitos de autor. biente controlado e de segurança, por um ano.
Conheça os principais pontos do MC: Somente uma autoridade policial, ou adminis-
trativa, ou o Ministério Público poderão reque-
NEuTRAlidAdE NA REdE rer cautelarmente que os registros sejam guar-
O princípio da neutralidade diz que a rede dados por prazo superior, e apenas em função
deve ser igual para todos, sem diferença quan- de investigação criminal.
to ao tipo de uso. Assim, ao comprar um pla-
no de internet, o usuário paga somente pela Os provedores de acesso a aplicações deverão
velocidade e volume contratados e não pelo manter os registros por seis meses. E poderão
tipo de página que vai acessar. A neutralida- usá-los durante esse período se o usuário der
de será regulamentada por meio de decreto, permissão prévia. São proibidos de guardar
após consulta à Anatel e ao Conselho Gestor dados excessivos que não sejam necessários à
da Internet (CGI). A regulamentação deverá finalidade do combinado com o usuário.
se limitar a estabelecer os requisitos técnicos
indispensáveis à prestação adequada dos ser- libERdAdE dE ExpREssÃo
viços e aplicações; e à priorização de serviços A retirada de conteúdos só será admita por de-
de emergência. cisão judicial. Esse é um enorme avanço à si-
tuação atual, onde provedores, a partir de sim-
pRiVACidAdE ples notificações dos interessados, tiram do
A norma prevê inviolabilidade e sigilo de co- ar textos, imagens e vídeos. A única exceção:
municações. Regula monitoramento, filtro, casos de “vingança pornográfica”, quando
análise e fiscalização de conteúdo para garan- da divulgação, sem autorização, de materiais
tir o direito à privacidade. Apenas por meio de contendo cenas de nudez ou atos sexuais de
ordens judiciais será possível ter acesso a con- caráter privado. Nesse caso, o provedor deve
teúdos. Estabelece a necessidade de consen- retirar o conteúdo após receber notificação
Ilustração: Shutterstock

timento expresso sobre coleta, uso, armaze- pelo participante ou seu representante legal.
namento e tratamento de dados pessoais, que (Lúcia Berbert)

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de seu caráter democrático, representantes de como é hoje”, afirmou o ministro das Comuni-
parte da sociedade civil e de alguns governos re- cações, Paulo Bernardo. De acordo com ele, o
clamaram da forma de deliberação do Conselho governo brasileiro aceita até que a participação
de Alto Nível, responsável pelo documento final, de governos seja minoritária em relação aos
que consideraram fechada. O representante da demais segmentos representados. E, em sua
Rússia foi o mais duro: “Todas as decisões fo- opinião, os representantes de governos devem
ram tomadas por um comitê especial e não con- participar de comissões que tratem da seguran-
seguimos entender os princípios que levaram ça da rede e da defesa dos direitos dos inter-
à sua criação”. Também mencionou que não nautas, mas não devem se meter em questões
entendeu os critérios para a seleção das contri- técnicas de atribuições de números e domínios,
buições e, como várias das contribuições apre- de protocolos.
sentadas por seu país não foram incorporadas,
informou que suas recomendações não seriam Embora o documento final do NETmundial
seguidas pela Rússia. seja genérico em relação aos próximos passos
para o estabelecimento da nova governança
pApEl dA goVERNANÇA na internet, enfatiza a necessidade de acelerar
Um grande embate se deu nas discussões do o processo de internacionalização da Icann. E
NETmundial, e deverá permear os debates fu- mais importante: prevê que o processo de inter-
turos sobre a construção de uma nova gover- nacionalização da Internet Assigned Numbers
nança mundial da in- Authority (Iana) aconteça
ternet – hoje nas mãos até 2015, com partici-
da Internet Corporation
o doCuMenTo pação de todos os seg-
for Assigned Names fInAL enfATIzA mentos e não apenas dos
and Numbers (Icann), A neCeSSIdAde de que participam da Icann
organização da socie- InTernACIonALIzAr (onde governos não estão
dade civil com sede na representados, à exceção
Califórnia (EUA) e ainda
rApIdAMenTe dos EUA). A função Iana
hoje com contratos com A ICAnn é a única das atividades
o Departamento de Co- da Icann que ainda está
mércio daquele país. A questão é: qual deve ser vinculada a um acordo com o Departamento de
a participação dos governos? Comércio dos Estados Unidos.

Há consenso, entre todos os países, de que a O documento também menciona um ponto mui-
governança deve ser multissetorial (com os vá- to comentado no NETmundial pelos governos: o
rios segmentos da sociedade representados). fortalecimento do Internet Governance Forum,
Mas não há consenso sobre a multilateralidade, que se reúne no âmbito da União Internacional
ou seja, a participação de governos de diversos das Telecomunicações (UIT). Embora o objetivo
países. Os Estados Unidos não se manifestaram não seja transformar o IGF na entidade de go-
sobre essa questão no NETmundial, mas sua vernança da internet – alguns querem que seja
posição foi defendida pelo representante da Su- mantida nas mãos da Icann internacionalizada e
écia, que refutou uma governança multilateral remodelada, outros preferem nova entidade –, os
sob o argumento de que a governança na in- governos confirmam a necessidade de transfor-
ternet não pode ser distorcida pela presença de má-lo em um espaço de maior expressão.
governos autoritários.
NEuTRAlidAdE dA REdE
Já a Rússia, Bangladesh, França, Coreia, entre Não foi por acaso que a neutralidade da rede
outros, pediram uma governança multilateral, ficou fora do documento final. Na mesma se-
com representação de países. Essa também é mana em que se realizava o NETmundial
a posição brasileira. “O primeiro princípio é o da em São Paulo, a Federal Communications
multissetorialidade. O segundo é da multilatera- Commission (FCC), agência reguladora do se-
lidade, pois a governança da internet não pode tor de telecomunicações dos EUA, anunciou
estar restrita a um país (os Estados Unidos) que dia 15 de maio iria publicar novas regras

ARede maio/junho 2014 15


capa

da internet para consulta pública. As novas re- tra na rede da Comcast, não como será tratado
gras, que quebram o princípio da neutralidade no acesso na última milha.” Para Amadeu, isso
da rede, vão permitir aos provedores de acesso não importa, pois a prioridade ao tráfego já está
à internet – ou seja, as operadoras de telecom dada na forma de interconexão, que custa mais
como a Comcast e Verizon, que atuam nos EUA caro por ser direta.
– cobrar preços diferenciados de empresas de
conteúdo, como Netflix e Google, se esses clien- gERENCiAmENTo ACEiTáVEl
tes quiserem mais capacidade da rede para su- A questão sobre qual é o gerenciamento de trá-
portar seus serviços. fego aceitável sem comprometer a neutralidade
da rede faz parte de um debate antigo, que to-
A guinada da FCC, que sempre defendeu a mou corpo com o avanço da internet. Gerencia-
neutralidade de rede, se deu em função da mento de tráfego, lembra Demi Getschko, pre-
decisão da Corte estadunidense que aprovou sidente do NIC.br, o braço executivo do Comitê
acordo entre a Comcast e a Netflix, pelo qual a Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), sempre
Netflix se conecta diretamente à rede da Com- existiu. Determinados pacotes têm prioridade
cast, eliminando o armazenamento de seu con- sobre outros por questões técnicas.
teúdo em datacenters de terceiros. Isso permite
maior velocidade ao tráfego de seus dados, com Os pacotes de vídeo passam na frente dos de
sensível melhoria do acesso do usuário final ao e-mail, por exemplo, porque um delay maior
seu conteúdo. compromete a qualida-
de de uma imagem en-
Não se sabe qual será
ATé onde o quanto não é decisivo
o resultado da consulta gerenCIAMenTo para o entendimento do
pública, pois muitas or- pode Ser AdMITIdo texto. Da mesma for-
ganizações de defesa da SeM prejudICAr ma, mensagens relati-
liberdade na rede com- vas às emergências têm
batem o acordo pelos
o ConjunTo doS um cabeçalho que lhes
danos à neutralidade. O InTernAuTAS? dá prioridade. Mas até
sociólogo Sergio Amadeu onde o gerenciamento
da Silveira, especialista no tema, concorda. “Se pode ser admitido sem prejudicar o conjunto
acordos desse tipo forem admitidos, teremos a dos internautas? Essa é a pergunta que os re-
proliferação de redes de alta velocidade para o guladores tentam responder, entre duas fortes
grande capital e redes mais lentas para os que pressões: de um lado, as das operadoras de te-
não têm recursos para pagar as vias pedagia- lecom, que querem cobrar mais dos provedores
das das operadoras. Além disso, esse acordo in- de conteúdo com volumes de tráfego que exi-
centiva que acessos a determinadas aplicações gem cada vez mais investimentos em infraes-
sejam dificultados ou facilitados a depender do trutura; de outro, as organizações de defesa da
jogo econômico dos agentes. Isso levará a inter- internet livre.
net a ser uma rede murada e completamente
filtrada”, disse ele em entrevista à revista ARede. Depois de muitos anos de discussão, a União
Europeia definiu o que entende como gerencia-
Parte da corrente que defende o acordo e a mento de tráfego aceitável. No dia 3 de abril,
mudança de posição da FCC, Carol Wilson, da o Parlamento Europeu aprovou novas regras
Light Reading, diz que faz sentido para o ne- para o setor de telecom relativas à neutralidade
gócio das duas companhias, uma vez que a da rede, ao fim da cobrança de roaming entre
Netflix responde por 1/3 do tráfego de dados países europeus, à alocação de espectro e pro-
dos Estados Unidos e necessita que seja ade- teção aos consumidores.
quadamente gerenciado. Mas faz sentido para
os demais provedores de conteúdo e internau- O Parlamento entendeu que os chamados servi-
tas? Carol não entra nesse debate, insistindo ços especializados de telecom, que exigem ge-
em que “o que Netflix e Comcast negociaram é renciamento de tráfego, só poderão ser ofereci-
onde e como o conteúdo de vídeo da Netflix en- dos “se a capacidade da rede for suficiente para

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NAVEgANdo pElo muNdo

Alguns países têm legislações que protegem Telecomunicações. Extingue o roaming de liga-
direitos dos internautas. Nenhuma tão abran- ções entre países do bloco, e assegura a neutra-
gente quanto o Marco Civil da Internet aprova- lidade. Serviços especializados são permitidos,
do no Brasil. desde que não haja prejuízo para os demais.

NEuTRAlidAdE pRiVACidAdE dE dAdos


Chile – primeiro país a garantir a neutrali- União Europeia – se posicionou contra uma
dade, em 2010, pela Lei Geral de Teleco- legislação que obrigava provedores de cone-
municações. Os provedores de acesso devem xão a guardar metadados dos usuários, e sua
transmitir as informação sem inspecionar, localização, por dois anos. O Parlamento Eu-
hierarquizar ou priorizar conteúdos e aplica- ropeu entende que tal lei, criada sob o argu-
ções. As empresas de serviço de acesso tam- mento de luta contra o terrorismo, interfere
bém têm obrigação de entregar, por escrito, diretamente em direitos fundamentais como
informações como velocidade, qualidade (di- privacidade e proteção de dados.
ferenciando as conexões nacionais e interna-
cionais), diferença entre download e upload da Estados Unidos – está em debate o Ato
conexão, entre outras. No entanto, a lei garan- de Proteção ao Compartilhamento de Ciber
te a oferta de serviços de gestão da rede, como Inteligência (Cyber Intelligence Sharing and
o controle parental, em que conteúdo não ade- Protection Act, Cispa, na sigla em inglês). O
quado para crianças seria bloqueado na rede e projeto de lei permite que empresas privadas
não nos computadores, como ocorre hoje. compartilhem informações de ameaças ciber-
néticas relacionadas à segurança nacional e
Holanda – a neutralidade foi aprovada em crimes cibernéticos entre si, e com órgãos do
2011. A lei deixa claras as exceções à regra. É governo, sem que possam ser processadas por
possível gerenciar a rede, que em geral funcio- seus clientes, pois agiriam de boa fé. Organi-
na sob o critério de melhor esforço, para evi- zações civis temem o uso desses novos pode-
tar o congestionamento (todos os conteúdos e res para espionagem.
aplicações devem ser tratados da mesma for-
ma), garantir a segurança e a integridade da Brasil – apesar dos avanços com o Marco Ci-
rede, restringir a comunicação não solicitada, vil, é um dos poucos países sem regulamen-
desde que tenha permissão do usuário ou por tação para garantir privacidade dos cidadãos.
ordem judicial. É proibido vender pacotes por Um anteprojeto de lei foi desenvolvido pelo
aplicações e usos. Ministério da Justiça. Os próximos passos para
torná-lo lei ainda são desconhecidos. O pro-
Colômbia – aprovado, em 2011, o Plano Na- vável é que passe para análise pelos demais
cional de Desenvolvimento 2010-2014, que ministérios antes de ser enviado à Câmara dos
contempla a neutralidade. O texto, porém, diz Deputados. (Marina Pita)
que os provedores de acesso podem “fazer
oferta segundo as necessidades dos segmen-
tos de mercado ou de seus usuários”, o que
não será entendido como discriminação. Tam-
bém prevê oferta de serviços de controle pa-
rental e o bloqueio de conteúdo ou aplicação a
pedido do usuário.
Ilustração: Shutterstock

União Europeia – aprovada, em abril, a


Regulação para o Mercado Único Europeu de

ARede maio/junho 2014 17


4

capa

suportá-los em adição ao acesso à internet, e


não em seu detrimento”. Foi também incluída
a definição do que é o “serviço especializado”,
que se refere à capacidade distinta, que não
pode ser vendida ou usada como um substituto
ao acesso à internet. Os serviços especializados
poderão incluir aumento de velocidade, e priori-
zar serviços para as corporações.

Foto: Hans Georg


O texto aprovado pelo Parlamento Europeu é
mais restritivo à oferta de serviços especializa-
5 dos do que a proposta feita pela Comissão Eu-
ropeia. E fica bastante aquém da liberdade de
modelo de negócios reivindicada pelos agentes
econômicos da internet.

A posição europeia revelou-se bastante equili-


brada. E os países da Comunidade Econômica
estão acompanhando de perto – assim como os
demais países envolvidos na batalha da inter-
net livre, caso do Brasil – as movimentações dos
Estados Unidos. Porque, além das questões re-
lativas à isonomia do tráfego, o acordo NetFlix-
-Comcast pode acirrar a concentração na inter-
net, ainda mais porque os operadores também
estão se tornando provedores de conteúdo.

Embora alguns especialistas brasileiros te-


nham expectativa de que a aprovação do Mar-
Foto: Hans Georg

co Civil da Internet tenha combustível suficien-


te para influenciar o debate que se dará nos
EUA em torno da proposta da FCC, outros não
6 são otimistas. O que está em jogo, afinal, é o
modelo futuro da internet mundial, uma vez
que os Estados Unidos concentram a maior
parte do tráfego.

* Colaboraram Áurea Lopes, Lúcia Berbert


e Marina Pita
Foto: Eduardo Aigner

4, 5 e 6. várias oficinas e shows,


como o de jorge Mautner, fizeram
parte da programação do Arena
netmundial.

18 www. arede.inf.br
ARede maio/junho 2014 19
entrevista | murilo machado

sem rosto,
de todos, por todos
novoS TeMpoS exIgeM novAS forMAS de reSISTênCIA
e MAnIfeSTAção poLíTICA. por ISSo oS AnonyMouS eSTão dISpoSToS
A deSCobrIr e roMper oS LIMITeS do ATIvISMo eM rede.

TEXTO rAfAeL brAvo buCCo | FOTOS robSon regATo

UM cOLetivO sem centro nem periferia, sem lí- Hubs com diferentes vozes, muitas vezes dis-
der nem liderados, que se constrói e destrói em sonantes, que defendem a liberdade na rede, a
alta velocidade, que não existe como organi- transparência de dados de governos e empresas
zação, não se posiciona em nenhum ponto do e a privacidade sagrada dos usuários. Durante a
espectro político tradicional, e não tem um mé- campanha pelo Marco Civil da Internet, nichos
todo de ação em suas diversas operações. Mais anons se manifestaram a favor, outros foram
fácil definir pelo que não é, o Anonymous surgiu contra a aprovação da nova lei. Às vésperas da
como diversão no fórum online 4Chan e se trans- Copa, parece haver uma disputa entre os que
formou em sinônimo de ativismo hacker – apesar apoiam e os que acham o evento péssimo para
de reunir um monte de outras características. o país. Mas não é nada disso. O dissenso está
na raiz dessa ideia. O debate é permanente, e
Os Anons se definem assim: “somos uma ideia, o que determina o sucesso de uma operação é
uma ideia que não pode ser contida, perseguida, a adesão. Onde isso vai dar, impossível dizer.
nem aprisionada. Nós somos legião”. O movi- A única certeza é de que quem participar terá
mento global, que de tempos em tempos sacode uma experiência política única, permanecerá
a internet, mostra todo seu dinamismo no Brasil no anonimato, e terá grandes chances de en-
desde 2011, pelo menos. Foi nessa época que o contrar “lulz” no fim do túnel. Sim, lulz, ter-
pesquisador Murilo Bansi Machado começou a mo usado como sinônimo de diversão. Pois o
observar as ações dos “anons” locais. humor também faz parte dessa história, como
explica Machado, a seguir.
Nesse período aconteceram operações, como
são chamadas as ações tocadas pelos hackers, Por que pesquisar os Anonymous?
contra empresas que boicotaram o Wikileaks e Murilo Machado – Eu queria pesquisar algum
contra as organizações Globo. Hoje, os anony- tema que tratasse de política e internet, tecno-
mous que falam ptBR estão em todo lugar na política. As relações entre política institucional
rede. Uma busca rápida nos permite encontrar e movimentos sociais da rede, a forma como
centenas de páginas, perfis em redes sociais os movimentos usam a rede, qual a relação
e vídeos publicados por anons ou sobre essa entre os velhos movimentos sociais e a rede, e
ideia. “Durante as manifestações de junho, al- os novos movimentos sociais que surgem de-
guns hubs anonymous tiveram mais acessos e pois usam a rede. Comecei com o Movimento
seguidores do que grandes veículos de comu- Zapatista, do México. Conforme as novas tec-
nicação”, ressalta Machado. Os pesquisador nologias se desenvolviam, os zapatistas se
está lançando o livro Anonymous Brasil – Po- apropriavam para fazer mobilização em rede.
der e Resistência na Sociedade de Controle Assim cheguei aos anonymous. Em 2011, eles
(EDUFBA, 135 páginas, R$ 25), resultado do tinham acabado de se tornar referência mundial
mestrado em Ciências Humanas e Sociais na em ativismo hacker e em movimento distribuído
Universidade Federal do ABC. pela rede.

20 www. arede.inf.br
Você é hacker?
Machado – Gosto muito de mexer com criptogra-
fia, softwares, aplicativos e sistemas livres, uso
Linux há muito tempo, mas não sou um hacker.

Na sua pesquisa, você ouviu muitos anonymous.


Como encontrá-los e como ter certeza de que
eles eram mesmo anons?
Machado – Anonymous não é um grupo, en-
tão é muito difícil dizer quem é, quem não é.
É diferente de uma associação, em que a pes-
soa paga uma mensalidade, às vezes nem vai,
mas é um integrante associado. O que faz dos
anons um coletivo é a adesão, a forma como
as pessoas vão tomando conhecimento das
ações e vão participando por conta própria. Eu
encontrei os anons em ações dos Anonymous.
Tanto presenciais, quanto na rede. Me internei
em alguns canais de IRC, na busca e no moni-
toramento de páginas do Facebook e perfis de
Twitter que determinados nichos estavam con-
trolando. Estabeleci uma ligação de confiança e
comecei a conversar com essas pessoas. Isso é
muito difícil porque o anonimato é a regra. Con-
versei pessoalmente com duas pessoas, de to-
das as que eu entrevistei, e foram mais de vinte.

Eles mudam frequentemente de nome na in-


ternet. Pode ter acontecido de você falar com a
mesma pessoa, achando ser outra?
Machado – Quando você conversa por meses,
consegue entender quem é aquela pessoa. As
conversas mais sérias que fiz foi por meio de co-
municador instantâneo. Então tinha uma senha e
um e-mail, que me permitiam saber com quem
eu estava falando. Com as outras pessoas que
encontrei, conversei para saber coisas pontuais.

Já tentaram definir a ética hacker, um jeito de


ser e agir comum entre os hackers, como meri-
tocracia, empoderamento e busca por conheci-
mento. Os anons seguem o mesmo pensamento?
Machado – O Steven Levy escreve um livro clás-
sico chamado Os Heróis da Revolução, em que
enumera as características da ética hacker
em uma época em que isso era uma grande
novidade. Ele estava olhando para um cená-
rio muito específico, que eram os hackers de Murilo bansi Machado é formado em jornalismo
software e hardware, em 1985. Ele pegou o es- pela faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero
e mestre em Ciências humanas e Sociais pela
pírito dos pioneiros. Outros autores, principal- universidade federal do AbC
mente Gabriella Coleman, grande pesquisado-
ra sobre hackers, vão dizer que existem vários

ARede maio/junho 2014 21


entrevista | murilo machado

nichos, e cada um vai jogar o jogo que prefere. anons que sabem que estão sendo monitora-
Para Levy, os espíritos mais fundamentais são a dos pela Polícia Federal. Não sei se a PF sabe
liberdade da informação, o empoderamento do que eles sabem. Mas, o que eu vejo aqui, prin-
cidadão por meio da tecnologia e a meritocracia. cipalmente na grande imprensa, é um discurso
A maior parte dos coletivos anons acha a trans- mais ou menos repetido do que vem de fora.
parência fundamental. A informação tem de ser O Brasil é um celeiro de bons programadores,
livre mesmo. O empoderamento também. As tem um movimento de transparência hacker gi-
pessoas devem saber se proteger. Quanto mais gante, referência internacional. Porém, muitas
gente usar software livre, melhor. Quanto mais vezes, quando a gente usa a palavra hacker,
pessoas se protegerem por meio de criptografia, está falando daquele comedor de criancinhas
melhor. São definições com as quais os anons que vai roubar a sua senha, entrar na sua conta
trabalham, principalmente o nicho ativista ha- bancária. Esse ainda é o hacker no imaginário
cker. E isso é importante dizer: Anonymous não popular. Seria importante a gente compreender
é só ativismo hacker, é muito mais. que o papel do hacker é fundamental em uma
sociedade como a que a gente vive hoje.
O que é Anonymous?
Machado – É muito difícil definir. Essa coisa cha- o pApeL do hACker é
mada Anonymous é uma marca usada por mui-
fundAMenTAL eM uMA
ta gente, e por muitos grupos, para fazer ações
políticas na rede e fora da rede. É um grande SoCIedAde CoMo A que
guarda-chuva com o qual eles se protegem. A genTe vIve hoje
Anonymous é multiplicidade, heterogeneidade
e é potência. Uma potência sobre a qual não Os anons são de esquerda ou de direita?
se tem qualquer controle. É isso que torna esse Machado – A noção de direita e esquerda não
coletivo forte e fraco ao mesmo tempo. Fraco faz o menor sentido para esse pessoal. Existem
porque você não tem, do ponto de vista da or- pessoas mais politizadas, e outras menos. Entre
ganização política tradicional, uma liderança as mais politizadas, o que está sendo discutido
que não deixa a peteca cair, que vá colocando é sistema de representação, pós-política, pós-
as coisas no rumo. Por outro lado, um ambiente -partido. Entre os anons, não faz a menor dife-
absolutamente distribuído, sem qualquer cen- rença. Consegui identificar pessoas com pensa-
tro de controle ou núcleo geográfico, pode ser mento ideologicamente opostos trabalhando na
muito forte por ser difícil de apreender. É mui- mesma ação. O anonimato os une fortemente.
to complicado um indivíduo assumir o contro- Outra coisa em comum é o “lulz”, embora com
le ou capturar essas pessoas. Você consegue menos força. Se você fizer uma coisa bem fei-
prender meia dúzia – e eles são presos todos ta, tudo bem. Mas, se for divertida, aí você che-
os dias, no Brasil e no exterior, principalmente gou no céu. O lulz está no princípio dos anons.
nos Estados Unidos e na Europa. Mas, se você É legal fazer as coisas para que sejam, também,
prende um, aparecem dez. engraçadas. Outra coisa em comum é a defesa
da liberdade da expressão, especialmente na in-
O Brasil tem prendido anons? ternet. Foi assim com a Cientologia nos EUA [os
Machado – Houve casos, mas as coisas não são líderes dessa religião vinham coibindo na Jus-
divulgadas. Ao contrário do que acontece nos tiça a publicação de textos na web]. No Brasil,
EUA e na Europa, onde está sendo interessan- em relação aos meios de comunicação, eles são
te dizer “nós prendemos hackers, anonymous, questionados também. Na #OpGlobo houve um
lulzsec”. Aqui ainda não se faz isso. Muitas pes- debate sobre tirar ou não o site da Globo no ar,
soas são presas por crimes cibernéticos, mas pois era imprensa. No movimento internacional,
não há uma campanha sistematizada. quem fez atos em relação à imprensa foi retalia-
do. São alguns princípios básicos, mas nada ga-
O Brasil vê os Anonymous como ameaça terroris- rante que sejam intocáveis e não possam mudar.
ta, como acontece nos EUA e na Europa?
Machado – O Estado brasileiro, não sei dizer. A Houve conflitos entre os anons, com um grupo
gente tem poucas pistas. Conversei com muitos retirando apoio a outro, especialmente sobre pro-

22 www. arede.inf.br
testos contra a Copa do Mundo. O que significa ter adesão, e você vai ficar ali no escanteio. Al-
esse tipo de cisão? gumas ações se tornam nacionais ou globais. A
Machado – O Anonymous é um coletivo dis- operação do Megaupload teve adesão massiva.
tribuído. Suas ações políticas são como uma A operação em apoio ao Wikileaks foi forte.
espiral, uma hora estão em alta, outra em bai-
xa. Quando eu escrevi meu livro, eles estavam As operações são espontâneas, surgem rapida-
quietos, mas já previa que em algum momen- mente e terminam rapidamente também...
to voltariam. Em junho, o pessoal foi pra guer- Machado – Sim, e essa é a ideia. Você fazer
ra de novo. Isso acontece porque os princípios uma ação rápida, pontual, e se dispersar. É o
ali dentro são mutantes. O coletivo se faz e se contrário da máxima do trabalhador industrial.
refaz. Não tem diretrizes centrais para o caso Não é “Uni-vos!”. É “Dispersem-se!”. Quanto
de que, se alguém sair da norma, seja punido. mais você se dispersa, mais difícil que seja en-
Não existe isso. Falar em cisão reduz muito o contrado, capturado.
que são os Anons. É outra conformação políti-
ca. O que aconteceu ali é algo que já aconteceu Os Anons agem em rede, uma rede sem centro,
várias vezes na vida do coletivo, que é uma to- distribuída. Qual a vantagem?
mada de posição. Ali todos são anons, e exis- Machado – Essa rede evolui e se constrói. O fato
te o consenso de que vai haver divergências, de não ter nós centrais faz com que se reinven-
que quem discordar não deve ficar quieto. Nas te a todo momento. Uma rede distribuída hoje
duas operações que analisei houve controvér- é diferente de uma rede distribuída daqui a um
sias. Foi só o negócio começar que já veio gen- mês. Tanto que nessa espiral dos anons, quan-
te de diversos nichos para debater, questionar. do eles voltam a seu ápice, voltam com um jeito
Em uma rede distribuída, heterogênea, e que de agir diferente, com ideias diferentes.
se vale de uma multiplicidade de atores, do
anonimato, para agir politicamente, o dissen- O ativismo deles chega na rua, e importa se che-
so é a regra. O comum é a gente pensar que ga ou não à rua?
dissenso é problemático, que quando você tem Machado – Existem diferentes interpretações
isso em uma base de partido político, como vai entre os anons. Muita gente acha o ativismo de
controlar? Como fazer as pessoas seguirem as rua essencial. Fui falar em alguns lugares sobre
determinações centrais? Em movimentos em os anons, um desses lugares foi Belo Horizonte.
rede, a dissidência é boa, é interessante, vem Conversei com um grupo de pessoas, anons,
gente nova, com gás novo, que pensa diferente,
e isso não é um problema.

Quantos anonymous existem no Brasil?


Machado – Impossível dizer. Não tem quem fale
em nome do coletivo para dizer quem é e quem
não é. Existem pessoas com mais experiência,
conheci gente que se envolveu antes mesmo
de o movimento se tornar forte no Brasil. Pes-
soas que se empenharam na construção de ni-
chos, em criar grupos de discussão, e em certo
momento cansaram. Conheço pessoas que en-
tram esporadicamente, que quando tem uma
ação que acham que vale a pena vão lá e dão
sua contribuição, como derrubar um site ou ir
para a rua. E não precisa ser brasileiro. Muitos
brasileiros ajudam em operações globais, que
têm grande adesão. O que faz uma operação
ter sucesso ou não é a adesão. Ninguém pre-
cisa de permissão para propor uma ação, só
que se essa ação não for interessante, não vai

ARede maio/junho 2014 23


entrevista | murilo machado

que ignoravam o ativismo hacker. Diziam que dos. Existem N formas de se manipular esses
não era importante, que o que importava era dados, e uma simples lei limitando o que pode
conversar com as pessoas e chamar para a rua. ser feito não vai ser suficiente. Não é suficiente
Diziam usar a internet para se comunicar, mar- há muito tempo. Muitos anons são hackers da
car encontros. Tomavam cuidado com rastros velha guarda, que trabalham desde a década
online, mas achavam importante fazer as pesso- de 1980. Nessa época, corporações já tinham
as ocuparem os espaços públicos. E já tive con- bancos de dados gigantescos, com base na fa-
tato com outros, daqui de São Paulo, que acham tura do cartão de crédito conseguiam deduzir
legal ir para a rua, mas que não veem sentido em que uma mulher estava grávida. Big data não
ir para a Av. Paulista, levantar uma placa, ocupar é novidade, e não é novidade o modo como as
uma faixa, de um lado a polícia, do outro, os ma- corporações analisam os dados.
nifestantes parados. Preferem expor dados dos
corruptos ou mostrar que os bancos estão pouco Como se dá o agir político dos anons?
se lixando para a segurança dos dados. Machado – Identifiquei quatro formas principais,
de um universo muito mais complexo. Primeiro,
o AnonIMATo é uMA o anonimato é uma forma muito importante de
se manifestar politicamente porque vivemos em
forMA MuITo IMporTAnTe uma sociedade de controle cibernético. Mais do
de Se MAnIfeSTAr que uma forma de o bandido escapar da polícia,
poLITICAMenTe é uma forma de as pessoas se protegerem. Nas
organizações tradicionais é comum dizerem que
Ao ir para a rua, o anonimato é colocado em xeque. não temos nada a temer. Se você não tem nada
Machado – Você perde o anonimato. Mesmo a temer, mostre a sua cara. Os grandes líderes
assim, boa parte das pessoas vai com a más- mostraram sua cara. Mas não se trata disso ago-
cara. Tem um vídeo muito legal, de um pesso- ra. O modo como as coisas operam hoje é dife-
al de Minas Gerais, que estava indo para uma rente. Outra característica é a evangelização,
manifestação. Um deles com máscara. O poli- termo que peguei emprestado do software livre,
cial então pede para se identificar. Ele mostra o que é você levar a ideia, a causa, adiante, mas
RG, o policial pede para retirar a máscara, ele não de maneira dogmática. No caso, a ideia le-
se recusa, passam a debater. Depois de vários vada adiante é uma ideia de dispersão e dissen-
minutos, o anon pede para virarem a câmera, so. Vamos lutar contra o sistema. De que forma?
retira a máscara e o policial permite que siga. Escolham. Só tenham cuidado com as identida-
Com a máscara, ele volta a ser filmado e repete des. A terceira forma foi o poder da rede distri-
que apesar da identificação, o que importa é o buída. É importante não criar núcleos de poder,
anonimato, que une a todos. Ou seja, indo para não ter alguém que fale mais alto, que direcione
a rua, corre-se o risco de perder o anonimato, para um caminho. É comum você ouvir gente da
mas tenta-se mantê-lo. velha esquerda dizer que os Anonymous são um
movimento de direita. Tudo bem, eu vi gente de
O Marco Civil foi um exemplo do dissenso. Entre direita ali. Mas essa percepção não faz sentido
os anons, uns apoiaram, outros disseram que era para eles.
uma forma de ampliar o controle sobre os usuá-
rios da rede. Por fim, e o mais importante, são as possibilida-
Machado – Eu vi um vídeo engraçadíssimo de des que essa não-organização traz para as pes-
um sujeito dizendo que, aprovado o Marco Ci- soas. A grande coisa é você entrar em contato
vil, seria instalada a censura no Brasil e o Fa- e fazer da sua experiência política o que você
cebook iria acabar. Não, não vai acabar. Mas quiser, sem depender de uma voz. A possibili-
nada o impediu de fazer o vídeo e expressar sua dade de agir politicamente, sem se identificar
opinião como anon. Em muitos nichos houve com nenhum partido, sem estar a fim de entrar
um debate qualificado. Depois do Marco apro- para uma ONG. Essas pessoas querem agir po-
vado, há uma preocupação grande quanto à liticamente. De que forma? Não sabem. Mas
guarda de dados. Se existem dados armaze- encontram mecanismos para isso. Se disso sai-
nados, existem brechas para acessar esses da- rão grandes revolucionários, não dá pra dizer.

24 www. arede.inf.br
livre saber > TICs para educar

desafio Isso se o educador utilizar esses aplicati-


vos como ferramentas de coleta e análise,

intelectual como recursos para identificar o número


de tentativas que cada indivíduo necessita

não tem para realizar a mesma tarefa, para medir o


tempo que cada um utilizou na tarefa. São

idade usos possíveis para estipular metas e con-


ferir se os alunos as alcançaram dentro de
padrões, metodologias, boas práticas, cons-
mARCElo goNÇAlVEs dA CRuz truindo gráficos de evolução e os passando
para a nova fase. O tempo despendido e o
O PRIMEIRO contato entre educandos e edu- desempenho de cada indivíduo consolidam
cadores costuma trazer as mais ricas im- impressões e constroem para aquela turma
pressões, capazes de conduzir o processo de referenciais.
aprendizagem. Nivelar não mais pela idade,
mas buscar de início o olhar pelas diferen- Trabalhar as potencialidades individuais con-
ças do grupo pode determinar outro ritmo tinua sendo um desafio grande quando a sala
e outra ordem na turma. Talvez seja esse o tem 30 alunos ou mais. A própria estrutura
papel do educador. Ainda assim, como men- tradicional das escolas públicas (replicada
surar o ponto de partida e a chegada ao final nas particulares) segrega espaços de infor-
de um módulo ou das tarefas a serem reali- mática a salas de multimídia e divide espaço
zadas naquela sessão? na criação do laboratório. Dessa forma, co-
locar a tecnologia da informação integrada
A suíte de aplicativos GCompris pode servir com os demais espaços e aprenderes da es-
como exemplo de um conjunto de atividades cola é apenas uma opção bastante instigan-
em que a classificação etária, embora mui- te, quando poderia ser parte da concepção
to importante, não seja a primeira forma de para seu florescimento.
definição dos resultados a serem obtidos. A
descoberta do computador deve ocorrer em Se, por um lado, essas e outras ferramen-
qualquer idade: uma criança de 8 anos que tas podem propiciar um olhar investigativo,
trava contato com tablets e equipamentos aberto, a natureza inconclusiva do conheci-
touch screen se familiariza muito mais ra- mento pode ser metrificada? Identificar os
pidamente com o mouse do que aquela que grupos por faixa etária garante o melhor grau
ainda não teve sua coordenação motora desa- em que o conhecimento técnico deva ser
fiada por um aparelho altamente tecnológico. absorvido ao longo de um curso? Os exames
devem imprimir um ritmo para o coletivo a
Um senhor idoso, motorista de táxi, equipa- partir das conquistas individuais? Esse é o
do com GPS (também touch), deverá ter mais desafio que supera olhares e que pertence a
facilidade para usar computadores em rela- educadores e educandos.
ção a um colega que não use esse aparelho.
É possível compreender a existência de lógica gcompris.net | scratch.mit.edu

de programação permeada em todos esses


casos. Pode-se aprimorar esses desafios inte-
Ilustração: Shutterstock

lectuais orientados a objeto com ajuda de um slEducacional


simpático gatinho, ou na base do terminal, esta seção tem a curadoria do grupo Software Livre educacional,
formado por educadores e interessados em organizar e traduzir
em linguagem Python. documentação e softwares livres para educação.

ARede maio/junho 2014 25


conexão social

Fotos: Divulgação
Universitários pela
inclusão
Coordenado por estUdantes, núCleo de Cidadania digital da Ufes
terá CUrsos a distânCia para iniCiantes na informátiCa.

rafael Bravo BUCCo

Ao todo, eles são 32 coordenadores. Em a família no exterior e ela não sabia usar a
breve, serão 40. Estudam na Universidade tecnologia. Foi então que decidiu desvendar
Federal do Espírito Santo (Ufes). Vêm de di- o mundo das TICs. “Eu achava que, porque
versas áreas: comunicação social, engenharia tinha passado dos 40, não precisava. Não pe-
da computação, ciências sociais, engenharia guei a família porque não sabia usar o com-
elétrica. Com a supervisão de um professor putador”, lembra. Começou com um curso de
orientador, atendem a comunidade ao redor do introdução à informática. Ela mora na região
campus e de todo o estado. Vem gente aces- do campus da Ufes, e chega rapidinho ao
sar redes sociais, imprimir trabalhos, fazer NCD, no Centro de Vivência da universidade,
aulas para aprender a usar computador e no Campus Goiabeiras. Seu filho também é
software livre. estudante desse campus e foi por meio dele
que descobriu o núcleo.
Como faz Lucélia Gonçalves Costa, 44 anos,
técnica de enfermagem. Profissional de home A primeira aula foi em outubro. Lucélia ado-
care, perdeu um emprego porque o paciente rou. E falou tão bem em casa que trouxe mais
necessitava realizar videoconferências com gente para aprender. “Meu marido, que vai

26 www. arede.inf.br
fazer 60 anos, está fazendo um curso tam- A cidade fica a cerca de 200 quilômetros da
bém. Ele começou no Mouse e Teclado, e eu capital. O NCD tem elementos de acessibili-
no Iniciante”, conta. Há alguns meses, ela não dade, da arquitetura aos softwares. Os com-
sabia ligar a máquina. Hoje, faz pesquisas no putadores são equipados com Eviacam, que
Google, troca e-mails e conversa com amigos permite controlar o mouse com a cabeça; os
de infância que reencontrou no Facebook. programas com leitores de tela Dosvox e Orca,
e até impressora Braille. “A gente tem curso
Ela já passou pelo segundo curso, Internet Bá- para pessoas com deficiência visual total ou
sico. No momento, aguarda o início das aulas parcial, e para pessoas com deficiência motora
de Escritório, em que aprenderá a usar editores nos membros superiores”, ressalta.
de texto, planilha e apresentação. Planeja com-
prar um PC para dividir com o marido. Será o o nCd tem elementos
quarto micro em casa. “Tenho três filhos; cada de aCessiBilidade,
um tem um computador. Vou comprar um pra
gente porque eles ficam com os deles ocupa-
da arqUitetUra aos
dos. Muito em breve vou ter smartphone”, pre- softwares
vê. Para os professores, apenas elogios: “Eles
são muito pacientes com a gente. São meninos, Apesar de ligado a uma instituição federal de
tudo novo, com 20 e poucos anos”. ensino, o NCD padece dos desafios comuns aos
projetos da sociedade civil de inclusão digital. Os
Coordenadora de projetos e inovação do NCD, principais são obter recursos e manter os moni-
estudante no sétimo semestre de psicologia, tores. “Às vezes o mercado é mais atrativo em
com previsão de se formar em 2015, Josélia relação ao valor da bolsa que pagamos aos estu-
Alves Oliari conta a história do núcleo com fre- dantes, que é de R$ 500. Por um tempo a gente
quência. Ela inscreve projetos em editais, via- consegue manter o coordenador, mas quando
ja para apresentar a iniciativa em fóruns. Na ele recebe propostas maiores, não dá. A rota-
viagem mais recente, esteve na Oficina de In- tividade impede o estabelecimento de vínculos
clusão Digital e Participação Social (OID), cuja com os usuários”, aponta Josélia. Outra ques-
última edição aconteceu em Brasília, em de- tão é a estrutura, já pequena frente à demanda:
zembro passado. “Falta um laboratório pra atender a população
toda. Nos horários do cursos, a comunidade não
A experiência funciona como extensão univer- pode usar os computadores”.
sitária para ela e demais coordenadores, ao
mesmo tempo em que beneficia a comunida- Josélia espera conseguir mudar o núcleo para
de. “Entrei em janeiro do ano passado. Como um espaço mais amplo no futuro. “Quando a
o NCD existe desde 2005, grande parte das gente oferece curso, tem de fechar o laborató-
pessoas que fundou já saiu, se formou na uni- rio. O ideal é ter dois, um para os cursos, um
versidade”, diz. O trabalho é dividido em várias para os usuários. A gente está tentando conse-
áreas, cada uma com um diretor. Todas sob su- guir outro espaço com a universidade. Mas está
pervisão de um diretor gestor. complicado, não tem sala”, explica. O espaço
também pode ser usado por estudantes e pro-
Idealizado por um estudante de engenharia da fessores de escolas públicas. Além de usar os
computação, o NCD tem o objetivo de promo- computadores, eles têm direito a imprimir tra-
ver o acesso democrático e gratuito às tecnolo- balhos. Isso contribui para que o perfil do usu-
gias da informação e comunicação. Qualquer ário seja, na maioria, de famílias que ganham
cidadão pode frequentar o centro, mas o foco é até três salários.
a população da Grande Vitória, composta pelas
cidades de Fundão, Serra, Vitória, Vila Velha, O NCD tem 20 máquinas (dois para uso ex-
Cariacica e Viana. O alcance, no entanto, vai clusivo dos monitores), equipados com Linux
bem além. “Às vezes vem gente do interior. Por Mint, Libre Office, Firefox e Chrome. Em 2013,
exemplo, uma pessoa com deficiência vem a as máquinas foram trocadas por outras, mais
cada dois meses de Jaguaré”, conta Josélia. novas, doadas pelo Ministério do Trabalho. Ain-

ARede maio/junho 2014 27


conexão social

da assim, estão longe do ideal. Novos equipa- retor e os vários coordenadores que se dividem
mentos devem ser adquiridos com o dinheiro na gerência. A equipe de ensino se subdivide
obtido do MEC. São 9,7 mil usuários cadastra- em criação e acompanhamento pedagógico,
dos, além dos que não têm cadastro e passam para facilitar o aprendizado. A de comunicação
por ali. O Núcleo faz cem atendimentos por dia. faz a divulgação dos cursos para a comunidade,
projeta e distribui cartazes, organiza novo pro-
No começo, o laboratório foi equipado e manti- cesso seletivo quando tem saída do integrante.
do por dois anos pela Petrobras. Atualmente, a No caso de TI, são os que dão manutenção no
universidade é a única mantenedora. Repassa laboratório. O pessoal da gestão se encarrega
cerca de R$ 50 mil mensais. “No final do ano dos recursos humanos e administração das ne-
passado submetemos um projeto para o MEC cessidades materiais do espaço.
financiar. Pedimos recursos financeiros para
melhorar o laboratório e termos mais bolsis- Observando tudo fica um professor da universi-
tas. Conseguimos R$ 150 mil, que devem ser dade, que procura incentivar os estudantes no
gastos este ano”, conta Josélia. Ela fica de olho dia a dia, dá ideias, mantém a mobilização e di-
nos sites para buscar editais e encontrar ins- recionamento, mas confere total autonomia para
tituições dispostas a contribuir com o núcleo. que os universitários tomem decisões e adminis-
trem o processo. Hoje, quem ocupa a função é
Os planos são sempre de expansão. “Vamos o professor Roberto Garcia Simões, do departa-
dar dois cursos para terceira idade. O conteúdo mento de Arquitetura e Urbanismo da Ufes.
será voltado ao cotidiano do idoso. Se for pla-
nilha, ensina a controlar medicação, por exem- Lucia Maria Tomas, 53, é doméstica e colega
plo”, conta Josélia. Outra empreitada será lan- de Lucélia, a técnica de enfermagem, nos cur-
çar uma plataforma para cursos a distância até sos básicos. Ela fez os cursos aos sábados, e
o final do ano, baseado no Moodle. “Estamos a partir de maio terá aulas de programas de
gravando as videoaulas. Até agosto lançaremos escritório às terças e quintas-feiras. Não sabia
um curso de editor de texto, outro ensinando a ligar um computador antes de ir para o NCD.
usar o internet banking”, diz. A equipe de ensi- “Hoje eu entro no Facebook, tenho 300 ami-
no desenvolve o conteúdo, enquanto a área de gos, inclusive na Argentina”, orgulha-se. Os
comunicação faz a gravação e edita o material. dois filhos não tinham paciência para ensinar
como usar o notebook de casa. “Procurei um
O NCD é dividido em quatro áreas: Ensino, Co- curso, mas era pago. Aí dentro, do ônibus, vi
municação, TI e Gestão. Cada área tem um di- uma placa, liguei pro NCD. Em 15 dias me cha-
maram. Fiquei muito feliz”, conclui.
os coordenadores são alunos de vários
cursos da universidade ncd.ufes.br

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ARede maio/junho 2014 29


conexão social

Uma nova lógica escolar


enContro deBate o papel pedagógiCo das novas
teCnologias em sala de aUla

rafael Bravo BUCCo *

A educação em tempos de conexão, abundân- em Educação da Universidade Federal da


cia e compartilhamento. Esse foi o eixo do 3º Bahia, aproveitou sua fala para provocar a
Seminário Nacional de Inclusão Digital (Senid), plateia de educadores no mesmo sentido. Se-
que aconteceu no final de março, em Passo gundo ela, as tecnologias da informação e co-
Fundo (RS). O evento reuniu cerca de 600 pro- municação são encaradas como ferramentas
fissionais de educação de todo o país, vindos de analógicas nas escolas. “Temos de enxergar
quase cem instituições de ensino, entre escolas, a tecnologia como cultura, ver que envolve di-
institutos federais, faculdades e universidades. mensão política, filosófica, pedagógica, e técni-
ca”, disse. Além de apontar a tecnologia como
O coordenador do Senid, Adriano Canabarro recurso colaborativo, que rompe o paradigma
Teixeira, da pós-graduação em Educação da do professor como detentor do conhecimento,
Universidade de Passo Fundo (UPF), explica o ela ressaltou ainda o papel fundamental do en-
embate entre uma nova realidade e a tradição sino público para a inclusão digital. “Dos 50,5
escolar: “A lógica da escola é baseada ainda milhões de estudantes, 42,2 milhões estão em
no quê aprender, quando aprender, e por que escolas públicas. É muita gente para privarmos
aprender. A questão é: temos uma tecnologia ex- de uma acesso de qualidade”, disse.
tremamente flexível, da qual podemos nos apro-
priar. A escola é um local de discussão conjunta, RobóticA E GAMEs
de fazer projetos, contextualizar questões”. O Senid foi também palco de duas disputas
regionais: a primeira Olimpíada de Robóti-
O encontro abordou também a inclusão digi- ca Educativa Livre de Passo Fundo e região e
tal no país. “Quem tem de fazer a discussão e o terceiro Campeonato Municipal de Frozen
fazer uma apropriação diferenciada das tecno- Bubble. No primeiro caso, estudantes de esco-
logias são os professores. Eles atendem a 98% las de Passo Fundo, Tapejara e Marau formaram
das crianças de nosso país, e grande parte das 13 equipes. Cada time programou um veículo
crianças tem acesso a tecnologias, pela primei- robô fabricado com placa Arduino e comandado
ra vez, dentro da escola”, lembra Teixeira. por linguagem de programação Scratch. O car-
rinho deveria passar por um circuito, definido
Uma das conferencistas, Maria Helena Bonilla, no dia da final, e atendendo a exigências como
coordenadora do programa de pós-graduação acender faróis, buzinar, acionar as setas.

30 www. arede.inf.br
A equipe vencedora, entre doze concorrentes, Um dos ambientes do senid guardava
a mostra de metareciclagem. no palco
veio da EEEM Senhor dos Caminhos, de Tape- principal palestraram pesquisadores de
jara, cidade com 20 mil habitantes localizada renome internacional. À direita, alunos
durante a olimpíada de robótica.
no Norte do Rio Grande do Sul. O líder do gru-
po, Kevin de Farias, está no segundo ano do
ensino médio. Ele conta que começaram a se ronel Lolico, de Passo Fundo. Foi o segundo
reunir quatro meses antes, mas somente no ano seguido que ele ergueu o troféu; já havia
mês anterior iniciaram os treinos para a dispu- vencido a segunda edição em 2013, e tirou o
ta. E já planeja alçar voos mais altos: “Estamos terceiro lugar em 2012. Mas o jovem estudante
pensando em um projeto que nos permita com- diz que não praticou. “Eu dificilmente treino.
petir em nível regional, ou até mundial”. Os co- No primeiro ano treinei um pouco ainda”, fala.
legas de equipe foram Yan Katzvinkel e Flávio Segundo os organizadores, o game desenvolve
dos Santos, ambos do terceiro ano. o raciocínio lógico, além de despertar interesse
para o software livre.
Marco Trentin, professor da computação da
UPF e um dos organizadores da Olimpíada de A equipe do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Robótica, comenta que o objetivo é incentivar Inclusão Digital (Gepid), da UPF, comemorou
os estudantes a buscar uma carreira em áreas os dez anos do núcleo e do projeto de exten-
de exatas. “Não apenas robótica, mas também são universitária Mutirão pela Inclusão Digital,
matemática, física, engenharia elétrica, da com- no Senid. Durante o período, a comunidade em
putação, mecânica”, enumera. Outro objetivo é torno da universidade promoveu projetos toca-
mostrar aos educadores que a robótica se tor- dos por estudantes e que facilitaram o acesso
nou acessível, pode ser ensinada mesmo em de pessoas de baixa renda ou sem conheci-
instituições com poucos equipamentos, e que mento em informática às novas tecnologias.
os jovens contribuem muito para que projetos se
desenvolvam. “Se pode usar materiais alterna- Também aconteceu no Senid o lançamento da
tivos, os professores não precisam ter medo de Escola de Hackers, parceria da UPF, prefeitu-
propiciar isso a seus alunos”, opina. ra da cidade, Faculdade Meridional e Instituto
Federal Sul-Rio-Grandense. O projeto vai levar o
ensino de programação a alunos dos 8º e 9º anos
evento marCoU
das escolas municipais. Cada unidade formará
os deZ anos do um grupo de 15 estudantes que vão se reunir
proJeto mUtirÃo pela semanalmente para desenvolver em Scratch.
inClUsÃo digital Quatro bolsistas da UPF já foram chamados, e
aguardam, por enquanto, a formação das equi-
Outra disputa local foi o Campeonato de Fro- pes nas escolas, cuja participação é facultativa.
zen Bubble, game disponível em computado-
res com sistema operacional GNU/Linux. O
senid.upf.br
vencedor, entre quase 30 estudantes, foi Aryon
de Freitas, de 11 anos, aluno da EMEF Co- * O repórter viajou a convite da organização do evento

ARede maio/junho 2014 31


conexão social

Coletivo defende privaCidade de dados e atUa pela


popUlariZaçÃo da Criptografia

rafael Bravo BUCCo

Às 21h de uma sexta-feira, uma fila com gente Brasil a Cryptoparty, em 2013, um evento mun-
de diferentes idades atravessava as portas do dial, junto com outros coletivos, diz. Os parceiros,
Centro Cultural São Paulo, na capital paulista. que depois também contribuíram com a rave, fo-
As cerca de 2 mil pessoas estão ali para uma ram a Escola de Ativismo, o Teatro Mágico, Thou-
maratona com 25h de duração. Na programa- ghtWorks, Coletivo Papo Reto, Coletivo Saravá.
ção mais do que música. Pela noitada aden-
tro, haveria também debates sobre segurança Os actantes são pessoas que vêm principalmen-
na internet, privacidade digital, criptografia, te da comunidade do código aberto. “Pegando
software livre e políticas de vigilância. pela questão da privacidade, as pessoas até en-
tendem melhor como chegar no software livre”,
A Cryptorave, que aconteceu na virada de 11 se surpreende Amadeu. Segundo Avelino, o
para 12 de abril. Foram 34 atividades distribu- software livre é uma bandeira fundamental
ídas por espaços como o Install Fest, onde era para o grupo. “Não é possível obter a privaci-
possível instalar a distribuição Debian mais re- dade do usuário com plataformas proprietárias.
cente, a Área Hacking, onde rolavm palestras Primeiro, está explícito em vários licenciamen-
sobre as vulnerabilidades de sistemas, a Área tos de software que parte do que você produz
de Oficinas, onde dava para aprender a usar a e informações pessoais, sobretudo do seu sis-
criptografia, além da Arena Principal, onde os tema, são submetidos às empresas”, explica.
debates tocavam em mais políticos, como ame-
aças à liberdade e à privacidade na internet. tudo AbERto
Os actantes esperam também aumentar o nú-
Por trás dessa festa está o coletivo Actantes. A mero de pessoas capazes de trabalhar com
organização foi criada no final de 2013, logo plataformas abertas. “Tinha um grupo forte de
após as denúncias de Edward Snowden cha- profissionais do software livre, sobretudo de se-
coalharem o mundo. Assim que saiu a primeira gurança, no Brasil, em 2003, 2005. Nos preo-
Prism
Programa de
notícia sobre o Prism, Sérgio Amadeu da Sil- cupa que várias pessoas que entendem muito
vigilância em veira, professor da Universidade Federal do do assunto estejam indo para a iniciativa priva-
massa levado ABC, Rodolfo Avelino, professor da Faculdade da”, diz o professor. Ele ressalta que o mercado
a cabo pela
agência de Impacta, e Tiago Pimentel, pesquisador de re- exerceu seu potencial de atração, uma vez que
segurança des digitais, decidiram concretizar um sonho: lidar com segurança e criptografia se transfor-
nacional dos
criar um coletivo que defendesse liberdade e mou em um filão próspero. “Um grande mer-
Estados Unidos
privacidade online, organizando eventos, ofere- cado nas corporações, hoje, é manter os dados
cendo cursos, e incentivando o uso de software em sigilo, e aí várias pessoas do movimento,
livre e aplicativos de criptografia. seja no Brasil, seja fora, foram para empresas.
Várias pessoas saíram do país”, lamenta.
“A gente achou que não existia em São Paulo
uma agitação em torno da questão da privaci- Além das festas da criptografia, os actantes or-
dade e de esclarecer o que significam essas ganizam capacitações para pessoas não ligadas
técnicas de vigilância massiva”, conta Ama- à área da informática dominarem a tecnologia
deu. A primeira ação dos Actantes foi estrear no e se conectarem sem entregar de bandeja seus

32 www. arede.inf.br
dados pessoais na internet. Até hoje, mais de 60 pagas pelos integrantes e doações individuais.
pessoas se formaram no curso básico de pro- “A Cryptorave foi bancada parte por doações,
teção de dados. As aulas, na sede da organi- parte pela Makro Systems e Thought Works,
zação, que fica no bairro da Vila Madalena, em que trouxeram palestrantes internacionais e ar-
São Paulo, somam 12 horas, em quatro encon- caram com hospedagem”, conta Avelino.
tros. O primeiro fala sobre vigilância na internet,
criptopolítica e estratégias corporativas de criar coMunidAdE viRtuAl
riqueza sobre os dados pessoais. “Nos demais, Outra perna de ação dos actantes é a comu-
mostramos como fazer uma comunicação segu- nidade digital, reunida em torno do aplicativo
ra, evitar rastreamento. Ensinamos a fazer uma Rede Ativa. O programa, criado para dispositi-
conversa no Facebook, no Gtalk, sem que o vos móveis com sistema Android, facilita o ati-
Face ou o Google consigam interpretar as men- vismo social. “É uma plataforma de mobiliza-
sagens”, explica Avelino. ção em defesa da liberdade e privacidade, que
usa celular e web”, conta Amadeu.
Quem quer conhecer a tecnologia por dentro
pode fazer os outros dois cursos. Não é preci- Quem esteve na Cryptorave pode se inscrever
so conhecimento avançado de informática. Um na comunidade, hoje aberta só para convida-
é de lógica de programação utilizando Python, dos. “Aí vão participar de ações em torno de al-
uma linguagem aberta, livre, em que as pesso- gum projeto de lei, ou contra alguma ação que
as aprendem a programar. O outro é de admi- reduz os direitos e a privacidade das pessoas
nistração de Linux. Neste último, os actantes na internet”, exemplifica Avelino. A primeira
ensinam a instalar o sistema operacional De- campanha já rolou. Consistiu em apoiar o asilo
bian e uma placa de rede sem fio, e também a político de Edward Snowden no Brasil. O infor-
criptografar o disco rígido. mante, que expôs os abusos de governos dos
Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, hoje
Novas modalidades de ensino estão nos planos está na Rússia e corre o risco de não ter a auto-
futuros. Sérgio Amadeu conta que serão lança- rização para sua permanência por lá renovada.
dos, em maio, cursos para grupos definidos por
afinidade. Isto é, pessoas que levem amigos; ou Os motivos para que a Rede Ativa seja só para
para círculos profissionais, de modo que os re- convidados são nítidos para quem rechaça o vi-
cursos de criptografia possam ser plenamente gilantismo. “Queremos ter apenas pessoas que
utilizados. “Um cara isolado aprende criptogra- compartilhem dos mesmos ideais. Depois vamos
fia, depois não tem com quem trocar a chave repensar se outros poderão aderir”, diz Avelino.
criptográfica porque o amigo dele não usa. Se Os ideais, para além de liberdade e privacidade
a gente pega um grupo de mulheres com rela- digitais, são de esquerda. “Não defendemos ne-
ção entre elas, a gente faz com que comecem a nhum partido. Nosso propósito é popularizar a
usar, porque mandam uma pra outra”, explica. criptografia. Pendurando uma bandeira partidá-
O primeiro grupo, para jornalistas, será junto ria, a gente criaria barreiras”, observa. A única
com a Agência Pública. Vai ser voltado para resistência desejada pelos ativos na rede é
navegação anônima, comunicação segura com contra abusos aos direitos fundamentais
a fonte, preservação e defesa da fonte. de expressão e inviolabilidade. Uma fila
de 2 mil pessoas numa sexta à noite
Com exceção de cursos solicitados por empre- para debater temas cabeçudos indica
sas, os Actantes não cobram nada. Aí está o que eles estão no caminho certo.
grande desafio: sustentar a organização, que
seleciona a dedo os possíveis patrocinadores
para seus eventos. Atualmente, as contas são actantes.org.br

ARede maio/junho 2014 33


cultura

o poder das mulheres


Unidas pelas raíZes afriCanas e pela CondiçÃo de líderes femininas,
elas aprendem JUntas a Usar teCnologia para preservar sUas
ComUnidades, sUas Crenças e sUas lUtas.

texto áUrea lopes | fotos renato de agUiar

“ Comecei a estudar aos 22


anos. Já tenho 25 diplomas e
certificados! Faço tudo que é curso...
drogas, sexualidade, pastoral da criança,
escola de governo... Sou comerciária
aposentada, mas ainda trabalho em casa,
cozinhando. Já tinha computador de mesa
e ganhei um notebook no bingo da paróquia
onde atuo como líder comunitária. Também
“ Faço artesanato com materiais
reciclados. Pego muitas ideias na
internet. Sou evangélica há 17 anos e me
tornei pastora capelã. Vou a hospitais orar
por enfermos, levar conforto espiritual.
Fiz cursos sobre políticas públicas, violência
contra a mulher, saneamento básico...
sou do diretório do PT em Belford Roxo. Participei do projeto Mulheres da Paz,
Uso a internet para reivindicar, conversar participo do projeto Casa de Paz, sou
com autoridades. Em 2.000, participei do voluntária na Defesa Civil de Caxias do Sul.
Programa Nova Baixada, acompanhando as Foi aí que aprendi a usar computador, pois
obras. Celular? Aprendi a usar no projeto. precisava fazer o cadastro das ocorrências
Tiro fotos, gravo, passo pro computador. online. Hoje coordeno um projeto do
Fiz uma denúncia no Facebook porque Instituto Formiga Karioca. Uso a rede
estavam deixando as pessoas sem água pra divulgar nosso Forum. Queremos trazer
para encher quatro piscinas. Eu sabia pro Rio a Casa de Parto, que faz parto
quem era. Aí a água voltou.” humanizado, em casa.”

Conceição Pastora Bina


Maria Conceição Ferreira Santana, 69 anos, Maria Benedita Macedo, 55 anos, nascida
nascida em Vitória (ES), mãe de uma filha. em Pinheiro (MA), mãe de dois filhos.

34 www. arede.inf.br
ÌyÀlóòde é um título ioruba concedido a mulheres que se destacam por sua liderança. Por isso foi
escolhido, em democrática votação, para batizar o núcleo brasileiro do Women-gov – estudo apoia-
do pelo International Development Research Centre (IDRC). Essa instituição canadense capacita
mulheres marginalizadas a usar as tecnologias de informação e comunicação (TICs) para atuar
em ações de cidadania, construir redes de participação política e interagir com governos locais.
No Brasil, o projeto reuniu líderes de regiões de baixa renda, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Religiosas, ativistas, donas de casa, elas compartilharam suas experiências e suas necessidades du-
rante as oficinas em que aprenderam não apenas a usar dispositivos digitais, mas, principalmente,

“ Meu trabalho é voltado a ajudar


as mulheres em situações de
violência, opressão. Eu uso a iternet para
falar com as minhas filhas do terreiro. Se
elas não podem ir lá, a gente conversa pelo
Facebook, pelo nosso grupo virtual. Antes
do projeto, eu só sabia usar celular. Um
tempo atrás a casa ganhou um computador,
“ Comecei a trabalhar aos 15 anos,
costurando pra fora. Aos 21, era
merendeira de escola. Acabei a 8ª série aos
40 anos – mesmo ano em que meu filho mais
velho se formou no 2º grau e o mais novo,
no 1º grau. Tentei o Médio, não passei. Um
dia uma professora me disse que analfabeto
devia limpar chão. Voltei a estudar. Aos
50, terminei a formação de professores e
mas faltava tempo, faltava conexão... fui trabalhar na secretaria da escola onde
Quando comecei a aprender, há dois anos, servi merenda. Também me tornei agente
comprei um notebook. Além das orientações de saúde da escola. Coordenei o grupo de
religiosas, também uso para fazer pesquisas Combate ao Racismo da Igreja Metodista.
e estudar. Eu tinha parado de estudar aos Em 2001, ganhei o Prêmio Nacional de
17 anos. Agora terminei o ensino Médio Direitos Humanos. Hoje presido o Conselho
e estou no primeiro ano da faculdade de de Igualdade Social de São João do Miriti.
sociologia. Estou escrevendo um livro sobre Antes do projeto, meus colegas digitavam os
reforma religiosa afrodescendente no Brasil.” trabalhos da faculdade pra mim. Estou no
4º período de Teologia. Com bolsa integral.”
iyalorixá mãe Angélica
Maria Angélica da Silva dos Santos, Fezinha
48 anos, nascida em Nova Iguaçu (RJ), Maria da Fé da Silva Viana, 68 anos, nascida
mãe de três filhos. em Carangola (MG), mãe de dois filhos.

ARede maio/junho 2014 35


cultura

o traBalho
foCoU em temas
ligados a saúde,
violênCia Contra
a mUlher e
religiosidade
“ Sou técnica em estruturas navais.
Trabalhei na Marinha. Fazia reparos
em navios de guerra, até acontecer um
acidente com a minha perna, cinco anos
atrás. Aí me aposentei e procurei um curso
de artesanato. Foi então que conheci o
Yepondá, grupo de combate à violência
contra mulheres. Comecei a participar.
Vou às casas das pessoas, oriento, ajudo...
mas é difícil convencer as mulheres a
a explorar o potencial da tecnologia para am- denunciar os companheiros. O marido da
pliar e qualificar suas atividades. minha vizinha deu uma martelada na cabeça
dela, e também enfiou uma chave de fenda
O projeto Ìyàlóòde foi realizado pelo Núcleo no umbigo dela. Aqui no projeto uso tudo,
de Pesquisas, Estudos e Formação (Nupef), computador, internet. E estou fazendo curso
em parceria com a organização não-governa- de montagem de computadores. Mas o que
mental Criola, do Rio de Janeiro, sede do Pon- me encantou mesmo foi a fotografia. Até fiz
to de Cultura Mulheres Negras na História. A outro curso e comprei uma máquina semi-
iniciativa-mãe, o projeto Women-gov, aconte- profissional.”
ceu também na África do Sul, na Universida-
de da Cidade do Cabo, histórica instituição Glória
de ensino de negros; e, na Índia, junto com Glória Duarte, 50 anos, nascida
a organização IT for Change. Em dois anos, em São João do Miriti (RJ).
de 2012 a 2014, foram investidos cerca de
US$ 458 mil, nos três países.

As brasileiras já faziam parte da Criola, orga-


nização fundada e conduzida por mulheres
negras desde1992. A ONG tem como missão sistente), o link de 10 Mbps, o material didá-
“instrumentalizar mulheres, adolescentes e tico e as despesas de transporte e alimenta-
meninas negras para o enfrentamento do ra- ção das participantes.
cismo, sexismo e lesbofobia (discriminação
contra lésbicas) e para o desenvolvimento de A Criola entrou com o espaço e quatro as má-
ações voltadas à melhoria das condições de quinas. Mas as mulheres se entusiasmaram
vida da população negra”. O grupo chegou a tanto que também pediram equipamentos em-
ter 30 pessoas. Na última fase, ficaram dez. prestado, compraram seus próprios notebooks.
As capacitações e oficinas aconteceram na “Havia quem nunca tivesse mexido em um
sede da ONG, uma vez por mês. O projeto computador. E elas fizeram até um blog. Por-
pagou a equipe (uma coordenadora e uma as- que a absorção da tecnologia só se dá assim...

36 www. arede.inf.br
“ Sou maquiadora, cabeleireira e
mestre em terapia Reiki. Faço
cursos que ajudem a elevar a autoestima
das mulheres. Não basta ensinar a fazer
fuxico, crochê. A mulher tem que se sentir
bem, bonita. Coordeno o grupo Yepondá, de
combate à violência doméstica. Acho que
esse meu cuidar das mulheres começou
aos 20 e poucos anos, quando minha filha
“ Não tenho computador em casa,
mas estou querendo um. Minha
filha está me ensinando. Até meu neto de
dez anos está me ensinando. Já aprendi a
colocar o meu nome, mas como muita letra,
troco letra... Ah, eu sei fazer o jogo das
bolinhas, dos bonequinhos. No ano passado,
minha irmã me deu um celular. É mais
fácil, até tiro foto. Mensagem só às vezes
foi sequestrada pelo pai. Chegando aqui no eu consigo mandar. Desde que meu marido
Rio, assumi minha religiosidade e resolvi morreu, há 9 anos, fiquei em depressão.
lutar pelas mulheres. Sou integrante do Aí vim para a ONG Criola. Todo mundo me
Conselho Municipal de Políticas Públicas aceitou. Fiquei com vontade de estudar
para a Mulher, da Rede Nacional de mais, aprender outras coisas. Quando a
Religiões Afrobrasileiras e Saúde. Ainda gente começa, dá vontade de continuar...”
tenho resistência ao computador. Prefiro
lidar com pessoas. Mas no projeto aprendi Natividade
a fotografar, fazer vídeos, entrevistas. Isso Maria Natividade Oliveira Cruz,
fortalece a minha militância”. 65 anos, nascida em Belford Roxo (RJ),
mãe de três filhos.
iyalorixá Lúcia de Oxum
Ana Lúcia Ferreira, 49 anos, nascida
em Belém (PA), mãe de uma filha.

quando faz sentido para a pessoa aprender. deral do Rio de Janeiro, o curso de extensão
É esse significado que gera a vontade de sa- em Violência, Mulher e Mídia, junto com 19
ber”, diz Silvana Lemos, pesquisadora do estudantes da faculdade. O aprendizado foi
Nupef e coordenadora do projeto. além do domínio da técnica de comunicação
e do uso de ferramentas digitais: “Agora eles
O trabalho focou em temas ligados a saúde, [os governantes] têm medo da gente”, resume
violência contra a mulher e religiosidade. As a Iyalorixá mãe Lúcia, que faz parte do Conse-
mulheres participaram, em 2013, da Oficina lho Municipal de Políticas Públicas para Mu-
de Inclusão Digital (OID), em Brasília. Tam- lher de São João do Miriti.
bém fizeram, por meio de uma parceria com a
Escola de Comunicação da Universidade Fe- www.criola.org.br | www.idrc.ca | nupef.org.br

ARede maio/junho 2014 37


raitéqui > A tecnologia ao seu alcance

uma ferramenta
essencial na luta por
uma internet livre
RelAtóRio inteRnAcionAl estende Ao mundo digitAl os pAdRões de
libeRdAde de expRessão desenvolvidos pelo sistemA inteRAmeRicAno
Ao longo dAs últimAs décAdAs

RAmiRo ÁlvARez ugARte

O RelatOR Especial para a Liberdade de Ex- O relatório não é nem um tratado internacio-
pressão da Comissão Interamericana de Di- nal nem vincula diretamente os Estados. Con-
reitos Humanos (IACHR) publicou o relatório tudo, é uma interpretação oficial da Conven-
Freedom of Expression and the Internet. Esse ção Americana de Direitos Humanos emitida
relatório constitui a principal ferramenta legal por um dos entes do sistema. O que o texto
e constitucional para o avanço da luta por uma faz é estender ao mundo digital os generosos
internet livre e aberta nas Américas. standards de liberdade de expressão desenvol-

38 www. arede.inf.br
vidos pelo sistema interamericano ao longo das para submeter as nossas demandas ao Estado.
últimas décadas. Extenso, inclui princípios de Os direitos invocados nas nossas agendas são
direitos humanos e bons costumes. Baseia-se um dos recursos mais poderosos que temos.
no que já existe e aponta as possíveis, e às ve- E nas sociedades democráticas estes tendem
zes necessárias, direções para a proteção do a ser um dos nossos melhores argumentos na
direito à liberdade de expressão na internet. O tarefa de persuasão. O relatório da Comissão
documento trata de temas como neutralidade fortaleceu de forma importante este recurso por
da rede, acesso, privacidade, ciber-segurança estas duas razões.
e responsabilidade de intermediários. Em cada
um desses temas, explica o que os padrões Primeiramente, nos permitiu unificar a dis-
atuais de direitos humanos querem dizer. cussão no nível regional. Princípios que eram
dispersos agora estão contidos em um único
Esse tipo de relatório da IACHR tem sido útil, documento que os articula à luz dos standards
historicamente, na defesa de direitos humanos. interamericanos. Problemas que geravam con-
Em vários países, tratados internacionais são fusão ou critérios dissimilares agora estão mais
diretamente aplicáveis e, em muitos casos, têm claros. O relatório é o primeiro passo essencial
status constitucional. Alguns até argumentam – para gerar uma discussão regional legítima so-
em nível constitucional, estatutário ou jurispru- bre o futuro da internet; uma que pode – e deve
dencial – que as interpretações emitidas pelas – ter um impacto na discussão maior que está
entidades internacionais criadoras de tratados sendo realizada atualmente em fóruns ao redor
merecem atenção. É por isso que o relatório é do mundo .
relevante: é uma espécie de soft law que tem
sido muito eficaz no passado. Em segundo lugar, o relatório abre um espaço
adicional para a advocacia. A Comissão nor-
Associações da sociedade civil malmente dá seguimento aos seus próprios re-
têm que levar em consideração o latórios, o que significa que, em última análise,
que nós fazemos para compreen- a Corte Interamericana vai constituir arenas nas
derem a importância deste relató- quais continuará o avanço da agenda para a li-
rio. De fato, ativistas interessados berdade na internet. O sistema Interamericano
em transformar a internet em um cria um grande incentivo para a coordenação
espaço aberto e livre fora das es- de tarefas em nível regional: nos convida a atra-
truturas formais do Estado. Não vessar fronteiras e adotar uma perspectiva mais
temos afiliação política e não nos abrangente que inclui outros países.
candidatamos para eleições. A
nossa atividade política tem outra O sistema Interamericano tem sido um espa-
forma: nós procuramos persuadir os nossos ço para o fortalecimento do combate por di-
oficiais que os princípios que adotamos são reitos humanos, sobretudo na América Latina.
verdadeiros e que eles, por sua vez, devem Nós celebramos o fato de que esta luta por
considerar decisões judiciais além das políticas uma internet livre e aberta tenha sido acolhida
regulatórias e levar estas a sério. nesse espaço.

Essa política de persuasão é como nós temos digitalrightslac.net


feito as nossas reivindicações, baseadas no di-
reito, há décadas: movimentos de direitos civis,
Artigo originalmente publicado no portal do boletim
direitos indígenas, direitos das mulheres e di- Digital Rights para América Latina e Caribe
reitos LGBTI são prova disso. Temos limitado
recursos e os combinado de formas diferentes:
enquanto alguns estão engajados em organizar
o público e lançar campanhas de comunicação
pública direcionadas aos nossos representan- Ramiro Álvarez Ugarte é diretor de Acesso à
tes, outros preferem um lobby direto; enquanto Informação na Associação pelos Direitos Civis,
da Argentina.
os demais usam as cortes como a plataforma

ARede maio /junho 2014 39


raitéqui > A tecnologia ao seu alcance

VigiAi pARlAmentARes sem distoRções


cApixAbAs! Bactérias, fungos e protozoários costumam
O Tela Cidadã é um aplicativo que levanta a ficha dar trabalho aos biomédicos. Sob as
de políticos do Espírito Santo: qual deputado lentes dos microscópios, os profissionais
federal do estado mais gastou com telefone, enfrentam dificuldades como falta de foco
quem usa mais os correios, entre outros dados. da imagem, mudança de cor e alterações
Foi desenvolvido no Núcleo de Cidadania Digital no formato dos micro-organismos. Para
(NCD) da Universidade Federal do Espírito Santo, minimizar os problemas, o cientista da
a partir de ideia do professor Roberto Garcia computação Danillo Roberto Pereira,
Simões. Mantido por estudantes de engenharia desenvolveu, no Instituto de Computação
da computação, elétrica, economia, estatística (IC) da Unicamp, um software que
e comunicação, alcançou taxa de acerto de 70% nas
usa informações análises, considerada “excelente” pelo
disponíveis em autor do trabalho. Por meio de um modelo
formatos abertos matemático, o programa recupera a pose
ou que possam ser (posição, tamanho, rotação e possíveis
lidas por máquina, deformações) dos organismos.
e roda em qualquer bit.ly/RaOYRC
navegador.
Ilustrações: Ohi

telacidada.org
ciênciA AbeRtA,
questões AbeRtAs
Está aberta a chamada de propostas
para oficinas do encontro Ciência Aberta,
softwARe pARA Questões Abertas, que vai acontecer de
ApRendeR guARAni 18 a 20 de agosto, no Rio de Janeiro
Jejaporâ Guaraní quer dizer “programa guarani”. (RJ). A proposta do evento é estimular
Por isso, foi escolhido para dar nome ao software pesquisas abertas, dentro de qualquer
multimídia que auxilia a aprendizagem da língua tendência e em diversos formatos:
WetWa
WetWaRe
W Re
Wa
falada por mais de 5 milhões de nativos da publicações, dados, ferramentas
Termo
América Latina. Desenvolvido pela Universidad (software, hardware, wetware), cadernos relacionado
abertos, wikipesquisas; para educação, a hardware
Nacional del Nordeste, da Argentina, o programa
ou software
já foi implantado com sucesso em escolas. E para ciência cidadã (participativa,
aplicado
pode ser usado por qualquer pessoa interessada amadora, crowdsourcing), para avaliação a formas
(altmetrics), entre outros temas. Propostas biológicas
em conhecer a língua, a cultura, a história e a
escrita guarani. A universidade, que patenteou de oficinas podem ser enviadas para:
o software , procura parceiros investidores para encontro2014@cienciaaberta.net.
viabilizar a distribuição a instituições de ensino. cienciaaberta.net

micRofone inteligente cAptA o som Ao RedoR


Um dispositivo com capacidade de “escutar” sons como de arrombamento,
vidros quebrando, disparos de armas, acidentes domésticos, batidas
de veículos e quedas de pessoas ao solo está sendo desenvolvido por
pesquisadores do Recife (Pernambuco), com apoio do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI). Realizado
pela Daccord, o Projeto Microfone Inteligente Conectável (MIC) deverá
estar no mercado em dois anos, mas o protótipo já está sendo apresentado
a potenciais clientes. O equipamento poderá ser utilizado na área de
Foto: Divulgação

segurança (para identificar assaltos, brigas, acidentes), na área de saúde


(para identificar quedas, gemidos e pedidos de socorro).
cnpq.br

40 www. arede.inf.br
celulARes à JApão plAneJA
pRoVA dA nsA usinA solAR espAciAl
Um esquema de ultra- A agência de exploração espacial
segurança, que poderia do Japão propôs uma solução para
chegar à criptografia atender a sempre crescente demanda
Ilustrações: Ohi

quântica em dispositivos por energia elétrica do país: instalar


móveis, foi desenvolvido uma usina solar na órbita da Terra.
e demonstrado, no Reino Diversos painéis fotossensíveis,
Unido, por pesquisadores da Universidade de Bristol, que absorvem a luz do Sol, seriam
em parceria com a Nokia. O esquema se baseia espalhados no espaço. Enviariam,
no protocolo que permite a troca de informação por meio de micro-ondas, a energia
Fótons quântica robusta em um ambiente instável. Uma coletada a um ponto no solo. A agência
Partículas
individuais pesquisa publicada na última edição da revista afirma ser capaz de demonstrar a
de luz Physical Review Letters informa que o sistema usa tecnologia até 2020, e montar uma
fótons como o portadores de informação e circuitos usina do tipo até 2030. A alternativa
quânticos integrados desenvolvidos na universidade. seria mais segura que a nuclear. Em
Esses minúsculos microchips poderiam dar origem 2011, um terremoto causou vazamento
aos primeiros aparelhos celulares à “prova da NSA” – de radiação atômica da usina de
a National Security Agency, mais conhecida como a Fukushima, o que acelerou para a
agência de bisbilhotagem estadunidense. busca por alternativas mais seguras.
bit.ly/1iW3IjQ bit.ly/1hqwsFq

informe publicitário

ARede maio /junho 2014 41


opinião > o que JhessicA ReiA está pensando...

Foto: Arquivo Pessoal


Pesquisadora do Centro de tecnologia
e sociedade (Cts) da Fundação
Getúlio Vargas no Rio de Janeiro

cidade, tecnologia
e privacidade
As transformações urbanas e o direito à cidade em processos participativos que acontecem em
estão cada vez mais em pauta no país, princi- um ambiente digital se não podem arcar com os
palmente com a proximidade dos megaeventos custos de conexão? Como levar conectividade
que vêm mudando a organização espacial e a grandes periferias do mundo? Além disso, é
social de cidades brasileiras. Das remoções de preciso que a internet se torne uma ferramenta
comunidades à construção da Cidade Olímpi- de conhecimento e aprendizado, de busca por
ca, temas relativos ao espaço público, ao per- informações que não estão na mídia tradicional
tencimento e à equidade nos centros urbanos ou na educação de baixa qualidade oferecida
ganham destaque. Hoje são muitos os interes- em tantos lugares de baixa renda.
sados nesse tema, o que pode ser observado
a partir do recorde de participantes no Fórum Em segundo lugar, é necessário garantir o direito
Urbano Mundial, organizado pela UN-Habitat, à privacidade dos cidadãos – uma das questões-
agência especializada da Organização das Na- -chave do momento e essencial para a constru-
ções Unidas, em abril, em Medellín, Colômbia. ção de cidades mais igualitárias. Salientou-se
a necessidade de que os países criem leis que
Segundo a agência, uma em cada quatro pes- lidem com esse tema de maneira adequada e
soas que vivem em áreas urbanas acabam em que permitam que as pessoas confiem mais na
favelas, ou seja, cerca de 862,5 milhões de coleta de dados feita a partir de seus hábitos de
pessoas. A situação é mais crítica de acordo mobilidade, consumo e habitação, por exemplo.
com o continente: na África, dos 413 milhões
de habitantes de áreas urbanas, 55% vivem em Em um cenário de transição digital e diante da
favelas; na América Latina, dos 472 milhões urgência de se pensar soluções para antigos
em áreas urbanas, 24% vivem em favelas. problemas urbanos no Brasil, é preciso enxer-
gar o longo caminho à frente: segundo levanta-
Diante dos desafios de transformar centros mento do Comitê Gestor da Internet, em 2012
urbanos em ambientes mais acolhedores e apenas 40% da população tinha internet em
justos, há também a busca por cidades mais casa. Além disso, o país ainda não tem uma lei
inteligentes e eficientes. Sob o conceito de de proteção de dados, apesar do ante-projeto
smart city, deposita-se nas tecnologias da infor- de lei de Proteção de Dados Pessoais estar em
mação e da comunicação a tarefa de otimizar discussão desde 2010. A agenda de políticas
e conectar o cotidiano das pessoas, ao mesmo públicas urbanas é complexa e multifacetada,
tempo em que se busca engajar essas pessoas sendo preciso ponderar o deslumbramento
no desenvolvimento das cidades. com as promessas das novas tecnologias e bus-
car unir processos participativos, transparência,
No Forum Urbano Mundial, foram ressaltados proteção da privacidade e maior equidade nas
dois pontos para que as novas tecnologias se- cidades, principalmente entre a população de
jam usadas como instrumentos do planejamen- mais vulnerabilidade social. Um dos papéis
to urbano: em primeiro lugar, é preciso que as mais relevantes que a internet pode ter é o de
pessoas tenham acesso à internet de qualidade dar ressonância a demandas geralmente invisí-
e baixo custo – como as pessoas vão se envolver veis para quem está do lado de lá.

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