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Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro


UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Curso de Licenciatura em Letras- UFF /CEDERJ
Disciplina: Literatura Portuguesa II
Coordenadora: Prof. Luís Maffei

AD1 2020.2
2. Disserte em defesa da possibilidade de lermos a Ilha do Amor, d’Os Lusíadas, como
utopia política.
A Ilha do Amor aparece nos Lusíadas a partir da décima terceira estrofe do canto IX,
quando se inicia para os portugueses a viagem de volta à casa. É uma ilha ilusória
criada pela deusa Vênus como uma espécie de recompensa pela coragem
demonstrada pelos portugueses em suas aventuras. Na ilha, os navegantes poderão
desfrutar da companhia das belas ninfas em uma bela paisagem. São versos de lirismo
e erotismo únicos dentro d’Os Lusíadas, no entanto, é possível também os ler sob o
viés da utopia política.
Utopia é uma palavra que deriva do grego “topos”, lugar, junto com o prefixo de
negação, ou seja, etimologicamente falar de utopia significa falar de um não lugar. O
termo tem origem do romance do inglês Thomas More e, segundo o dicionário de
termos literários de Carlos Ceia, utopia refere-se a uma impossibilidade física, a um
lugar literário. O texto de More trata da descrição de uma ilha imaginária com a
república perfeita, um projeto de sociedade regido por princípios ideais de convivência
humana.
A Ilha do Amor descrita n’Os Lusíadas não é, pelo menos à primeira vista, um projeto
político. É apresentada como um paraíso idílico, com um erotismo latente. Primeiro,
acompanhamos o encontro dos portugueses com a ilha, que se move de acordo com
os movimentos das naus. A paisagem vista de longe é sedutora tem curvas que
evocam o corpo feminino. Em seguida, temos a descrição de sua frondosa flora e
mansa fauna. No entanto, a ilha não é inabitada e aparecem as lindas ninfas para
seduzir os visitantes e vemos o encontro amoroso entre os bravos navegantes e as
criaturas de Vênus.
Como vimos no material didático, o auge do erotismo, o casamento entre os
navegantes com as ninfas representa o encontro do divino com os portugueses, que
acabam divinizados em sua coragem por terem enfrentado tantas adversidades para
conquistar o novo mundo. Esta divinização dos portugueses é nossa primeira
interpretação de utopia política na Ilha dos Amores, em mais uma prova de que
Portugal é nação escolhida.
Esta leitura alegórica é explicitada nas últimas estrofes do canto, onde temos uma
mudança de voz narrativa e o poeta pega a palavra. Nestes versos, Camões desnuda a
ficção das ninfas, expõe suas metáforas e alegorias. Essas estrofes acabam com um
excurso no qual o poete faz meditações acerca dos problemas do mundo moderno, da
ganância desmedida, do materialismo, do poder exercido com violência. São nestes
versos também que Camões aconselha:
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.

Estes últimos versos evidenciam a aspiração ética presente no discurso de Camões, a


aspiração maior de apresentar ao mundo ao bom governo: a promessa do futuro
brilhante reservado aos portugueses só se cumprirá se o povo português conseguir
livrar-se de sua ganância desmedida, aproximando-se mais uma vez da boa política.
Esta promessa de louros e conquistas futuras se dá de forma explícita no último canto
d’Os Lusíadas, que se passa também na Ilha do Amor: trata-se do banquete oferecido
pela deusa Tethys a Vasco da Gama. Depois de satisfazerem as necessidades do corpo
ouvindo as previsões na forma do canto de uma ninfa, os portugueses acompanham
Tethys em uma trilha até um lugar secreto, onde lhes serão apresentados os segredos
que movem o universo. Vasco da Gama é apresentado, então, à Máquina do Mundo.
Nesta apresentação dos portugueses ao mistério, ao divino, temos também a
concretização de uma utopia política: o projeto antropocêntrico renascentista, onde o
homem conhece e ordena o mundo. No entanto, não é qualquer homem que está no
centro do mundo, mas o português, homens valorosos, corajosos de bom coração.

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