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DISPARIDADES E DINÂMICAS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Conference Paper · April 2015

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Théry Hervé Neli Aparecida de Mello Théry


French National Centre for Scientific Research University of São Paulo
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DISPARIDADES E DINÂMICAS DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Hervé Théry, CNRS (Paris) e Universidade de São Paulo (USP), hthery@aol.com


Neli Ap. de Mello-Théry, EACH- Universidade de São Paulo (USP), namello@usp.br

Resumo: As desigualdades espaciais, aquelas que os mapas podem revelar, são o primeiro
dos dois objetivos deste trabalho, o qual se fundamenta em elementos inéditos da 2ª edição do Atlas
do Brasil [Théry e de Mello, 2005], a ser publicado em 2015. As dinâmicas territoriais – e a forma
como elas interagem com as disparidades sociais das quais são, ao mesmo tempo, causas e
consequências – constituem o seu segundo objetivo. Trata-se de um ensaio, mais do que um atlas
clássico, sobre as dinâmicas territoriais e que se propõe apontar o que mudou nos anos decorridos
desde a primeira edição, incluindo os ensinamentos das eleições de outubro de 2014.
Este constitui um esforço de síntese sobre o Brasil em suas diversas perspectivas, mediante
uma sequência de textos concisos e combinados à cartografia temática, resultantes da análise e da
representação dos indicadores disponíveis nas mais variadas fontes de informação, convencionais e
não convencionais.
Uma sequência de textos e mapas, realizados com softwares gratuitos, incorpora e aplica os
conceitos de dinâmicas territoriais, disparidades e desigualdades socio-espaciais na interpretação do
país, uma abordagem teórica que lhes possibilita identificar os processos gerais e específicos
dominantes na escala nacional – populacionais, sociais, econômicos, ambientais, regionais, entre
outros. Tenta também vislumbrar os processos que ainda se estruturam, apontar o percurso das
tendências dominantes, em suma, jogar alguma luz sobre aqueles processos que são portadores de
futuro no País.
Palavras-chaves: Atlas, Brasil, disparidades, dinâmicas

O Brasil ainda é o produto de um “modelo de desenvolvimento” moldado durante os anos de


chumbo da ditadura, embora alguns de seus traços fundamentais tivessem sido desenhados anos
antes, sob o regime autoritário de Getúlio Vargas. Esse modelo privilegiou a rodovia (e não a
ferrovia), as grandes culturas de exportação (e não a agricultura familiar), os bens de consumo
destinados às classes mais abastadas (e não aqueles que poderiam ser dirigidos à massa da
população), o apoio às regiões centrais (e não a correção das deficiências na periferia). Essas opções
aprofundaram ainda mais as disparidades, tanto espaciais como sociais, que marcam o País em
todas as escalas: nacional, regional, local e intra-urbana.
A primeira edição do Atlas du Brésil [Théry e Mello, 2003] concidiu com a eleição de Inácio
Luís Lula da Silva na Presidência da República. O que mudou doze anos depois? Em que medida
estes traços continuam marcantes ou os três mandatos dos Presidentes Lula e Dilma mudaram
radicalmente a fisionomia do Brasil? As políticas públicas alteraram os equilíbrios – ou melhor, os
desquilíbrios – entre as regiões, as cidades, os bairros?
A questão merece ser aprofundada porque um dos traços marcantes do Brasil é o seu
dinamismo territorial. Nos cinco séculos de sua história, os brasileiros não pararam de deslocar
fronteiras. Esse dinamismo se confirma de forma evidente nas fronteiras políticas, deslocadas em
cerca de 3.000 quilômetros para o oeste em relação à linha fixada no Tratado de Tordesillas (1494)
e nas fronteiras pioneiras, que avançaram do litoral para o interior, do Nordeste para o Sul, do
Sudeste para o Centro-Oeste e Amazônia. Outras fronteiras são constantemente redesenhadas,
como, por exemplo, os limites das regiões agrícolas: a principal região de cultura do café deslocou-
se em 500 quilômetros para o norte (de São Paulo para Minas Gerais), a da cana-de-açúcar, em
2.000 quilômetros para o sul (do Nordeste para São Paulo), a da soja, com a mesma distância do sul
para o norte (do Paraná para o Mato Grosso). Os centros industriais também se deslocam,
fabricantes de automóveis implantaram-se nos estados de Minas Gerais, do Paraná, do Rio de
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Janeiro e da Bahia, desbancando a primazia de São Paulo onde, por muitos anos, todos eram
instalados.
As dinâmicas territoriais e a forma como interagem com as disparidades sociais (das quais
são, ao mesmo tempo, causa e consequências) são, por conseguinte, o coração deste trabalho, o seu
referencial teórico-metodológico. São medidas e demonstradas por meio de mapas, instrumento
principal do geógrafo. Esses mapas foram construídos por processamento de dados, interpretados,
comentados e relacionados com as estruturas elementares do território, e sua combinação manifesta
as chaves da complexidade observada.
Este ensaio prolonga, portanto, outro [Théry, 1986], que tentava definir essas estruturas
elementares nas quais o país encontrava-se organizado, baseando-se no método da modelização
gráfica [Théry, 2004]. Continuam as mesmas no Brasil de hoje (figura 1), porque nada é mais
resiliente que essas estruturas fundamentais do território, porém a resultante da sua composição
mudou, à medida que cada uma delas se alterava de acordo com a intensidade e a localização das
forças que lhe são subjacentes, e à medida que as dinâmicas territoriais reforçavam as disparidades.
Figura 1 Modelos

Consideramos necessário acrescentar dois novos modelos, cujo peso aumentou nos anos
decorridos desde a 1ª edição. O primeiro, batizado de “o filé”, destaca um eixo que vai de Santos ao
Distrito Federal de Brasília, que concentra cada vez mais as riquezas, as qualificações e as
inovações, tornando-se o coração do desenvolvimento brasileiro. O segundo destaca as redes, cujo
papel estruturador se reforçou à medida que o modo de organização do território é cada vez mais

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reticular – determinado pelas redes – e menos centrado nas malhas administrativas e políticas. Estes
modelos aparecem abaixo de cada mapa, na forma de um friso dos oito modelos elementares, e
aqueles que julgamos estar ativos no mapa em questão sendo “ligados” e coloridos com as cores do
mapa enquanto os outros ficam “apagados”, sem cor.
Este artigo introduz, portanto, algumas mudanças em relação ao ensaio anterior. Do ponto
de vista metodológico e técnico, os mapas continuam realizados (pelo menos em sua fase inicial)
em softwares de tratamento estatístico e de cartografia gratuitos ou de baixo custo para estudantes e
professores, Philcarto (http://philcarto.free.fr/) e Cartes et Données
(http://www.articque.com/geocampus/). Ambos funcionam em computadores pessoais, que têm
hoje a potência outrora reservada a mainframes em centros de cálculo de difícil acesso.
Contudo, esses meios de cálculo e de representação cartográfica não serviriam de nada se
não existissem fontes confiáveis e dados disponíveis a tratar, e desse ponto de vista também as
condições alteraram-se muito. O Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística - IBGE fornece
dados detalhados, geralmente disponíveis em malha territorial fina, a dos municípios e às vezes dos
setores censitários. A atualização dos dados ocorreu graças aos censos publicados desde a 1ª edição
- censo demográfico (2010) e censo agropecuário (2006); às pesquisas (anuais) de produção
agrícola muncipal e de produção pecuária municipal) ou periódicas, como a pesquisa Regic
(Regiões de Influência das Cidades, 2007), todos livres e gratuitos, disponíveis na internet. Outras
fontes de dados igualmente acessíveis existem, como Ipeadata http://www.ipeadata.gov.br/) ou a
Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais – INDE (http://www.inde.gov.br/).
Por outro lado, quando as fontes oficiais não são suficientes, procuramos outras, lançando
mão do que o geógrafo britânico John Shepherd chamava data gathering e garbage recycling: a
“garimpagem” de dados e a reciclagem dos “desperdícios”. Nesse caso, os dados são “subprodutos”
das grandes administrações e das empresas, que os produzem inevitavelmente quando realizam a
sua atividade principal, que pode ser cuidar da população (Sistema Único de Saúde-SUS), organizar
as eleições (Tribunal Superior Eleitoral-TSE) ou organizar a circulação aérea (Agencia Nacional da
Aviação Civil-ANAC). Os dados produzidos por essas instituições e empresas estão geralmente
disponíveis e acessíveis, gratuitamente ou quase gratuitamente, em CD-ROM ou na Internet. Trata-
se evidentemente de uma situação muito favorável para os pesquisadores, e cabe aqui notar que,
paradoxalmente, o acesso aos dados estatísticos localizados é hoje mais fácil no Brasil, país
supostamente ainda emergente, que na França, herdeira de longa e brilhante tradição estatística.
Contudo, esses contrastes necessitam de explicações, o que supõe comentários baseados em
análises históricas, econômicas, sociais. Mapa e texto são indissociáveis e ambos são
indispensáveis. Apóiam-se mutuamente, pois um revela configurações territoriais invisíveis na
tabela estatística, enquanto o outro promove a relação dessas configurações com os processos que
lhes deram nascimento. Os processos sociais, seus atores e as suas lógicas não aparecem no mapa,
mesmo se o determinam, mas eles têm uma dimensão espacial - que o mapa revela - uma vez que o
controle do território é freqüentemente um dos objetivos e uma das dimensões essenciais das
relações sociais. Busca-se, nos contrastes ressaltados pelos mapas, encontrar as chaves para
explicitar as dinâmicas territoriais. Dada a dimensão limitada deste artigo As imagens abaixo são
apenas uma amostra de três dos dez capítulos (população, agricultura, disparidades sociais e
eleitorais), dos tipos de tratamentos estatísticos e de representações cartográficas usados no texto
completo do atlas, que contém 254 mapas ou conjuntos de mapas.

População
A população brasileira está desigualmente distribuída pelo território: ainda existe uma nítida
oposição, que reflete os efeitos do processo de colonização e de povoamento do território, entre as
regiões litorâneas e interioranas, as primeiras, densamente povoadas, e as segundas, de ocupação
rarefeita. Até mesmo as zonas de concentração são irregulares, aparecem vazios importantes em
estados densamente povoados. A exceção das regiões litorâneas, há uma estreita correlação entre a
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distribuição da população e as redes de transporte, sejam as vias navegáveis, sejam as rodovias de
alcance regional ou nacional. No Centro-Oeste e na Amazônia aparecem nitidamente os
alinhamentos de sedes de municípios ao longo dos rios amazônicos ou das estradas que ligam estas
regiões ao resto do país, como a a BR-153 (Belém-Brasília), a BR-364 (Cuiabá-Porto Velho), a
BR-163 (Cuiabá-Santarém) ou a Transamazônica (BR-230).

Figura 2 População municipal em 2010

A distribuição da densidade populacional obedece a uma lógica claramente leste-oeste, resultado


do processo de ocupação e de colonização a partir do litoral. É, por conseguinte, nas regiões mais
próximas do mar que se encontram as densidades mais elevadas. Em oposição, a maior parte da
Amazônia e imensas superfícies do Centro-Oeste apresentam densidades muito baixas, destacando-
se apenas as capitais e os seus municípios.
A zona litorânea não é, contudo, homogênea: quase deserta ao norte do Amazonas, opõe
claramente as duas regiões mais importantes do País, separadas por um espaço pouco ocupado e de
baixa densidade (sul da Bahia e do Espírito Santo), uma configuração ressaltada pelo uso da
representação em anamorfose que dá, à cada uma das 558 microregiões que compõem o país, um
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tamanho proporcional a sua densidade, ampliando as do Nordeste, do Sudeste e do Sul, mais
povoados e reduzindo drasticamente as da Amazônia, que quase desaparece, mesmo sendo muito
maior o seu tamanho inicial.
Figura 3 Densidade demográfica

O mapa da proporção dos migrantes na população das microrregiões em 2010 evidencia as


margens meridionais e orientais da Amazônia, ou seja, o “arco do desmatamento”, onde entre 15%
e 40% da população chegou nos cinco anos que precederam o recenseamento. Esse sublinha, da
mesma maneira, os estados de Roraima e Amapá, os dois eixos mais recentes de conquista pioneira
da Amazônia. Aparecem também o Estado de Tocantins e o entorno de Brasília, regiões em
crescimento rápido devido ao afluxo dos migrantes. As razões de ser desse afluxo são diferentes de
acordo com os casos: em Roraima explica-se pela consolidação da estrada BR-174, que abre uma
saída para o Caribe, no Amapá o asfaltamento da estrada BR-156 facilita a passagem para a Guiana
Francesa. O Estado de Tocantins, o mais recente do Brasil e Palmas, a sua capital construída em
1989, já tinha 228.332 habitantes no recenseamento de 2010. No entorno do Distrito Federal, a
multiplicação dos loteamentos, freqüentemente gratuitos, e a criação de novos municípios atraiu as
populações pobres do Distrito Federal e, simultaneamente, migrantes vindos de longe, do Maranhão
em especial. Outras zonas aparecem, ainda, com taxas menores, como a região dos perímetros
irrigados do rio São Francisco, fronteira entre Bahia e Pernambuco, ou ainda o oeste da Bahia, onde
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se desenvolveu a cultura da soja. Esse indicador simples sublinha, por conseguinte, efetivamente os
“pontos quentes”, aqueles onde o afluxo dos migrantes é a marca do dinamismo de conquista, seja
para melhor, seja para pior.
Figura 4 Proporção de habitantes não naturais do município

Agricultura
O Brasil é um grande país agrícola, um dos primeiros produtores e exportadores mundiais de
uma vasta gama de produtos (café, açúcar, soja, suco de laranja, etc.), contudo, o setor primário
pesa cada vez menos na sua economia. O mundo rural não detém mais a importância de outrora,
mesmo tendo continuado a ocupar a maior parte do território. O crescimento espetacular da
indústria e dos serviços e o conseqüente “inchaço” das cidades promoveram o esquecimento do que
foi a principal base econômica do País e o modo de vida da grande maioria dos seus habitantes.
O passado não é, porém, a única razão do interesse no mundo rural. O seu dinamismo remodela
constantemente o espaço nacional, transformando novos espaços, alterando a “vocação” das regiões
agrícolas. Conquistas pioneiras de grande amplitude alteraram largamente, e geralmente
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degradaram o meio natural, e ainda hoje, na Amazônia e no Centro-Oeste, os desmatamentos
provocados pelo avanço da pecuária e da soja são preocupantes. A potência e a flexibilidade desse
setor agropecuário não devem, no entanto, mascarar as tensões e as profundas desigualdades que
ocorrem e dividem o mundo rural, e que explicam, em parte, o forte processo de mudanças e
continuarão alterando, muito provavelmente, a fisionomia das paisagens no futuro próximo.

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Figura 5 Uso da terra

A figura 5 analisa os tipos de uso da terra no País e mostra uma organização do espaço rural
brasileiro bastante característica. Opõe, claramente, três zonas distintas: florestas intocadas (ao
norte), pastagens (ao centro, sul e extremo norte) e agricultura (em algumas regiões bem
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delimitadas, no Nordeste, no Sudeste e no Sul, e ainda, uma região muito pouco povoada da
Amazônia mais setentrional). As pastagens, naturais e artificiais, são ocupadas pelo potente setor da
pecuária, principalmente bovina, que, a cada ano, ganha em potência e extensão. A agricultura
associa formas muito diferentes: por um lado, uma pequena agricultura familiar mais ou menos
similar aos seus homólogos europeus; de outro lado, o agronegócio, que não deixa nada a desejar
aos seus equivalentes norte-americanos. Essa compartimentação é o resultado de uma longa história
de conquista, e a divisão, ainda não totalmente consolidada, é fruto de rivalidades agudas entre
esses setores.
Figura 6 Deslocamentos de algumas grandes culturas

Uma das principais inovações do censo agropecuário feito pelo IBGE em 2006 foi produzir,
para a maior parte das variáveis, dados separados para a “agricultura familiar” e a “agricultura não
familiar”. Teria sido mais claro chamá-las respetivamente “camponesa” e “empresarial” ou

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“capitalista”, mas mesmo assim a distinção mostra bem que co-existem no país dois sistemas de
produção e a figura 6 revela a cruel diferença no valor da produção entre um e o outro.

Figura 7 Valor da produção agrícola

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Disparidades sociais
Mesmo o mais distraído dos viajantes não pode deixar de observar: o Brasil é um “país de
contrastes”, para retomar uma expressão bastante gasta (mas que era nova quando Roger Bastide a
escolheu para título de seu livro, em 1957), existe tamanhas discrepâncias entre os níveis de vida do
centro-sul e as regiões periféricas do Nordeste e Amazônia que, às vezes, pode-se duvidar de que se
trate de um único País.
As diferenças de nível de desenvolvimento dentro do País são extremamente fortes, bem
maiores que na Europa e na América do Norte ou que em qualquer outro lugar na América Latina.
A distribuição da renda per capita opõe claramente dois Brasis, sendo mais privilegiado aquele que
está situado ao sul de uma linha de Rondônia-Espírito Santo.
Figura 8 Três níveis de renda

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Informações sobre a renda média dos chefes de famílias, calculada em número de salários
mínimos e em escala de municípios, também estão presentes no censo demográfico de 2010. Como
essas categorias são muito numerosas, foram agrupadas em três conjuntos: menos de três salários
mínimos (que é a definição oficial da linha de pobreza), de três e dez salários mínimos, e mais de
dez salários mínimos (um nível a partir do qual uma família pode gozar de uma relativa
prosperidade). Grosso modo, “pobres”, “classe média” e “ricos”. Agregando esses resultados na
escala microrregional, podem ser produzidos três mapas (figura 8) que mostram, ao mesmo tempo,
os efetivos desses três grupos e a sua proporção no total das famílias. Mantendo-se a mesma escala
para os círculos proporcionais e, portanto, tornando suas dimensões comparáveis nos três mapas,
constata-se, primeiramente, que os pobres são muito mais numerosos que as outras duas categorias.
Mas, se seus efetivos maiores estão situados nas grandes metrópoles do Sudeste, é no Nordeste e no

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Norte que a sua proporção é mais forte: mais de dois terços da população nas capitais e mais de três
quartos nas outras cidades.
A classe média é bem menos numerosa e mais concentrada em São Paulo e no Rio de
Janeiro, nas capitais do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, e, também, em uma série de cidades
médias do Sudeste e do Sul, onde chega a representar mais de 40% das famílias. De fato, é lá que se
tem a impressão de estar num mundo dominado pela sua presença, seus gostos e seus valores, que
evoca paisagens sociais comparáveis na América do Norte.
O terceiro grupo, os “ricos”, é mais heterogêneo. Essa categoria agrupa pessoas muito
diferentes, já que ela não tem limite superior, e inclui famílias cujos rendimentos poderiam ser
contados em centenas de salários mínimos. Em todo caso, sua distribuição é muito clara, calcada
sobre a hierarquia urbana, a começar pelas grandes metrópoles: é lá que se reproduzem as elites, e
onde vão viver aqueles que tentam se integrar a elas. Seus efetivos são, naturalmente, baixos
(mesmo assim representam 700.000 pessoas na região de São Paulo). Nessas grandes cidades “os
ricos” constituem uma minoria significativa, entre 12% e 24% das famílias, percentual suficiente
para alimentar um mercado imobiliário de suntuosos apartamentos e fornecer clientela para as lojas
de luxo. São Paulo reúne, no bairro dos Jardins, uma das mais densas concentrações mundiais
dessas lojas (como a Louis Vuitton, a Mont Blanc, a Armani), que conseguem ali faturamentos
entre os maiores de toda a sua rede mundial.

Eleições
Do mesmo modo, pode-se usar dados da eleição presidencial de outubro 2014: os dados do
Tribunal Superior Eleitoral são acessíveis livre e gratuitamente e – mesmo se nunca foram pensados
para este fim, são muitos valiosos para perceber as disparidades entre as regiões do país e relacioná-
los com fatores sociais, econômicos e regionais na forma de mapas sintéticos.
Uma primeira leitura da distribuição do resultado do primeiro turno caracteriza dois
candidatos com forte importância territorial e a divisão do país em dois blocos, já verificada nos
pleitos de 2006 e 2010 em favor dos mesmos partidos políticos, PT e PSDB (respectivamente
Dilma Rousseff e Aécio Neves em 2014). Nota-se, porém, a presença de um terceiro fator que não
estava tão marcado nas eleições em 2002 e 2006, a terceira concorrente, Marina Silva, que tanto em
2010 como neste pleito, marcou o mapa com participação significativa de seus votos em regiões
mais desenvolvidas, quer seja industrial, de serviços, ou ainda agropecuária, de Norte a Sul.
Outra questão que vem preocupando vários analistas é a distribuição relativa dos votos
brancos e nulos, que apresentam uma divisão territorial bem marcada. Os brancos estão muito
presentes nas regiões Sul, Sudeste e no litoral e Zona da Mata nordestina, tanto no primeiro quanto
no segundo turno, e podem ser interpretados como um voto de protesto, de rejeição de todos os
candidatos. Os votos nulos por sua vez tem distribuição distinta entre os dois turnos, no primeiro
turno vê-se que o fenômeno é mais acentuado no Nordeste. No segundo turno o voto nulo foi
fortemente vinculado às eleições dos governadores que não tinham sido eleitos no primeiro turno,
que ocorreram em treze estados e no Distrito Federal. O voto nulo foi mais elevado nestas áreas,
exceto no Acre e Mato Grosso do Sul, estados que apesar do pleito estadual tiveram baixíssimos
índices deste tipo de voto.

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Figura 9 Eleições presidenciais 2014

As abstenções por sua vez apresentam desempenho similar nos dois turnos e podem estar
mais vinculadas a outros fatores, tais como dificuldades de deslocamento até os locais de votação,
baixa densidade populacional. Ainda que pese o aproveitamento do segundo turno das eleições
presidenciais ter um escore muito próximo (51,7% para Dilma, reeleita, 48,3 para Aécio), podemos
confirmar a divisão territorial tão comentada e já verificada em eleições anteriores. Dilma Rousseff
elegeu-se a partir de forte concentração de votos no Nordeste e Norte do País e Aécio teve sua
presença marcada nas regiões Sul, Centro Oeste. Os estados do Sudeste, São Paulo e Espírito Santo
votaram fortemente no candidato a oposição e Rio de Janeiro e Minas Gerais dando vitória à
candidata de situação.
Finalmente submetemos os resultados da atual eleição e das anteriores (desde 2002), assim
como alguns dados socioeconômicos, a uma análise fatorial. Este tipo de tratamento tem por
objetivo identificar os fatores que diferenciam os municípios na massa de dados submetidos à
análise, desde aquele que representa a maior parte possível da sua variância (fator 1) até os
proporcionam uma parte menor da mesma (fatores 2, 3, etc.). A posição das variáveis nestes fatores
são plotados num gráfico cartesiano que os combina dois por dois, as proximidades e oposições
indicando que elas atuam no mesmo sentido ou no sentido oposto na diferenciação dos municípios.

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Figura 10 Eleições 2002-2014

O plano fatorial envolvendo fatores 1 e 2 mostra uma oposição dupla: o eixo 1 (horizontal,
38,9% da variância) opõe Dilma aos candidatos tucanos, como em 2010 (estes são associados IDH
alto e populações de pele branca). Á Dilma (e Lula em 2006) são associados predominância dos
serviços no PIB municipal, populações pardas e negras e concentração de beneficiários da Bolsa
Família. O eixo vertical (2, 15,72% da variância) opõe de um lado o candidato Serra (em 2010) e a
predominância do agronegócio a um grupo marcado pela presença da indústria, dos evangélicos e
espíritas, do voto branco, onde se destaca principalmente o voto para Marina em 2010 e 2014, mas
também para Lula em 2002, o que parece indicar uma transferência do voto de um nome para o
outro no contexto aqui estudado.
Os mapas que descrevem as pontuações nos fatores 1, 2 e 4 dão a dimensão regional desta
análise estatística: o mapa do fator 1 separa as regiões que votaram no Aécio (azuis) daquelas que
preferiram Dilma (amarelo e laranja). O mapa do fator 2 opõe o eleitorado urbano de Marina às
regiões da soja e do gado, no Mato Grosso e no Pará, que votaram maciçamente em Aécio. O mapa
do fator 4 opõe – curiosamente – regiões marcadamente católicas e evangélicas, não temos no
momento explicações a propor à esta configuração, que representa apenas 7,6% da variância. Como
se vê, a análise fatorial detectou similaridades e diferenças entre as últimas eleições e as anteriores,
e permitiu relacionar os resultados eleitorais com dados socioeconômicos.
Evidentemente que as disparidades e desigualdades da sociedade e do território brasileiros
não se limitam aos quatro eixos temáticos aqui abordados, todavia, consideramos que ao todo estas
imagens demonstram a utilidade do uso de técnicas mais avançadas de cartografia e análise de
dados na busca dos aspectos e fatores explicativos das disparidades brasileiras.

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Bibliografia
IBGE Censo Agropecuário 2006 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro
IBGE Censo demográfico 2010, http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010
IBGE Regiões de influência das cidades-Regic 2007 http://ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.shtm
Nagy A. e Somain R., 2014, « As eleições de 2014 no Brasil », Confins 22, http://confins.revues.org/9874
Théry H. 2004, “Modelização gráfica para a análise regional : um método”, GEOUSP-Espaço e Tempo n° 15, pp. 179-
188.
Théry H. e de Mello N., 2003, Atlas du Brésil, CNRS Libergéo - La Documentation Française, 304 pages
Théry H. e de Mello N., 2005, Atlas do Brasil, Disparidades e dinâmicas do território, Edições da Universidade de São
Paulo EDUSP, São Paulo, 312 páginas
Tribunal Superior Eleitoral-TSE http://www.tse.jus.br/
Vários autores, 2009, dossier « Le Brésil, ferme du monde ? », Géoconfluences, http://geoconfluences.ens-
lsh.fr/doc/etpays/Bresil/Bresil.htm

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