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All content following this page was uploaded by Neli Aparecida de Mello Théry on 19 May 2016.
Resumo: As desigualdades espaciais, aquelas que os mapas podem revelar, são o primeiro
dos dois objetivos deste trabalho, o qual se fundamenta em elementos inéditos da 2ª edição do Atlas
do Brasil [Théry e de Mello, 2005], a ser publicado em 2015. As dinâmicas territoriais – e a forma
como elas interagem com as disparidades sociais das quais são, ao mesmo tempo, causas e
consequências – constituem o seu segundo objetivo. Trata-se de um ensaio, mais do que um atlas
clássico, sobre as dinâmicas territoriais e que se propõe apontar o que mudou nos anos decorridos
desde a primeira edição, incluindo os ensinamentos das eleições de outubro de 2014.
Este constitui um esforço de síntese sobre o Brasil em suas diversas perspectivas, mediante
uma sequência de textos concisos e combinados à cartografia temática, resultantes da análise e da
representação dos indicadores disponíveis nas mais variadas fontes de informação, convencionais e
não convencionais.
Uma sequência de textos e mapas, realizados com softwares gratuitos, incorpora e aplica os
conceitos de dinâmicas territoriais, disparidades e desigualdades socio-espaciais na interpretação do
país, uma abordagem teórica que lhes possibilita identificar os processos gerais e específicos
dominantes na escala nacional – populacionais, sociais, econômicos, ambientais, regionais, entre
outros. Tenta também vislumbrar os processos que ainda se estruturam, apontar o percurso das
tendências dominantes, em suma, jogar alguma luz sobre aqueles processos que são portadores de
futuro no País.
Palavras-chaves: Atlas, Brasil, disparidades, dinâmicas
Consideramos necessário acrescentar dois novos modelos, cujo peso aumentou nos anos
decorridos desde a 1ª edição. O primeiro, batizado de “o filé”, destaca um eixo que vai de Santos ao
Distrito Federal de Brasília, que concentra cada vez mais as riquezas, as qualificações e as
inovações, tornando-se o coração do desenvolvimento brasileiro. O segundo destaca as redes, cujo
papel estruturador se reforçou à medida que o modo de organização do território é cada vez mais
População
A população brasileira está desigualmente distribuída pelo território: ainda existe uma nítida
oposição, que reflete os efeitos do processo de colonização e de povoamento do território, entre as
regiões litorâneas e interioranas, as primeiras, densamente povoadas, e as segundas, de ocupação
rarefeita. Até mesmo as zonas de concentração são irregulares, aparecem vazios importantes em
estados densamente povoados. A exceção das regiões litorâneas, há uma estreita correlação entre a
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distribuição da população e as redes de transporte, sejam as vias navegáveis, sejam as rodovias de
alcance regional ou nacional. No Centro-Oeste e na Amazônia aparecem nitidamente os
alinhamentos de sedes de municípios ao longo dos rios amazônicos ou das estradas que ligam estas
regiões ao resto do país, como a a BR-153 (Belém-Brasília), a BR-364 (Cuiabá-Porto Velho), a
BR-163 (Cuiabá-Santarém) ou a Transamazônica (BR-230).
Agricultura
O Brasil é um grande país agrícola, um dos primeiros produtores e exportadores mundiais de
uma vasta gama de produtos (café, açúcar, soja, suco de laranja, etc.), contudo, o setor primário
pesa cada vez menos na sua economia. O mundo rural não detém mais a importância de outrora,
mesmo tendo continuado a ocupar a maior parte do território. O crescimento espetacular da
indústria e dos serviços e o conseqüente “inchaço” das cidades promoveram o esquecimento do que
foi a principal base econômica do País e o modo de vida da grande maioria dos seus habitantes.
O passado não é, porém, a única razão do interesse no mundo rural. O seu dinamismo remodela
constantemente o espaço nacional, transformando novos espaços, alterando a “vocação” das regiões
agrícolas. Conquistas pioneiras de grande amplitude alteraram largamente, e geralmente
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degradaram o meio natural, e ainda hoje, na Amazônia e no Centro-Oeste, os desmatamentos
provocados pelo avanço da pecuária e da soja são preocupantes. A potência e a flexibilidade desse
setor agropecuário não devem, no entanto, mascarar as tensões e as profundas desigualdades que
ocorrem e dividem o mundo rural, e que explicam, em parte, o forte processo de mudanças e
continuarão alterando, muito provavelmente, a fisionomia das paisagens no futuro próximo.
A figura 5 analisa os tipos de uso da terra no País e mostra uma organização do espaço rural
brasileiro bastante característica. Opõe, claramente, três zonas distintas: florestas intocadas (ao
norte), pastagens (ao centro, sul e extremo norte) e agricultura (em algumas regiões bem
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delimitadas, no Nordeste, no Sudeste e no Sul, e ainda, uma região muito pouco povoada da
Amazônia mais setentrional). As pastagens, naturais e artificiais, são ocupadas pelo potente setor da
pecuária, principalmente bovina, que, a cada ano, ganha em potência e extensão. A agricultura
associa formas muito diferentes: por um lado, uma pequena agricultura familiar mais ou menos
similar aos seus homólogos europeus; de outro lado, o agronegócio, que não deixa nada a desejar
aos seus equivalentes norte-americanos. Essa compartimentação é o resultado de uma longa história
de conquista, e a divisão, ainda não totalmente consolidada, é fruto de rivalidades agudas entre
esses setores.
Figura 6 Deslocamentos de algumas grandes culturas
Uma das principais inovações do censo agropecuário feito pelo IBGE em 2006 foi produzir,
para a maior parte das variáveis, dados separados para a “agricultura familiar” e a “agricultura não
familiar”. Teria sido mais claro chamá-las respetivamente “camponesa” e “empresarial” ou
Eleições
Do mesmo modo, pode-se usar dados da eleição presidencial de outubro 2014: os dados do
Tribunal Superior Eleitoral são acessíveis livre e gratuitamente e – mesmo se nunca foram pensados
para este fim, são muitos valiosos para perceber as disparidades entre as regiões do país e relacioná-
los com fatores sociais, econômicos e regionais na forma de mapas sintéticos.
Uma primeira leitura da distribuição do resultado do primeiro turno caracteriza dois
candidatos com forte importância territorial e a divisão do país em dois blocos, já verificada nos
pleitos de 2006 e 2010 em favor dos mesmos partidos políticos, PT e PSDB (respectivamente
Dilma Rousseff e Aécio Neves em 2014). Nota-se, porém, a presença de um terceiro fator que não
estava tão marcado nas eleições em 2002 e 2006, a terceira concorrente, Marina Silva, que tanto em
2010 como neste pleito, marcou o mapa com participação significativa de seus votos em regiões
mais desenvolvidas, quer seja industrial, de serviços, ou ainda agropecuária, de Norte a Sul.
Outra questão que vem preocupando vários analistas é a distribuição relativa dos votos
brancos e nulos, que apresentam uma divisão territorial bem marcada. Os brancos estão muito
presentes nas regiões Sul, Sudeste e no litoral e Zona da Mata nordestina, tanto no primeiro quanto
no segundo turno, e podem ser interpretados como um voto de protesto, de rejeição de todos os
candidatos. Os votos nulos por sua vez tem distribuição distinta entre os dois turnos, no primeiro
turno vê-se que o fenômeno é mais acentuado no Nordeste. No segundo turno o voto nulo foi
fortemente vinculado às eleições dos governadores que não tinham sido eleitos no primeiro turno,
que ocorreram em treze estados e no Distrito Federal. O voto nulo foi mais elevado nestas áreas,
exceto no Acre e Mato Grosso do Sul, estados que apesar do pleito estadual tiveram baixíssimos
índices deste tipo de voto.
As abstenções por sua vez apresentam desempenho similar nos dois turnos e podem estar
mais vinculadas a outros fatores, tais como dificuldades de deslocamento até os locais de votação,
baixa densidade populacional. Ainda que pese o aproveitamento do segundo turno das eleições
presidenciais ter um escore muito próximo (51,7% para Dilma, reeleita, 48,3 para Aécio), podemos
confirmar a divisão territorial tão comentada e já verificada em eleições anteriores. Dilma Rousseff
elegeu-se a partir de forte concentração de votos no Nordeste e Norte do País e Aécio teve sua
presença marcada nas regiões Sul, Centro Oeste. Os estados do Sudeste, São Paulo e Espírito Santo
votaram fortemente no candidato a oposição e Rio de Janeiro e Minas Gerais dando vitória à
candidata de situação.
Finalmente submetemos os resultados da atual eleição e das anteriores (desde 2002), assim
como alguns dados socioeconômicos, a uma análise fatorial. Este tipo de tratamento tem por
objetivo identificar os fatores que diferenciam os municípios na massa de dados submetidos à
análise, desde aquele que representa a maior parte possível da sua variância (fator 1) até os
proporcionam uma parte menor da mesma (fatores 2, 3, etc.). A posição das variáveis nestes fatores
são plotados num gráfico cartesiano que os combina dois por dois, as proximidades e oposições
indicando que elas atuam no mesmo sentido ou no sentido oposto na diferenciação dos municípios.
O plano fatorial envolvendo fatores 1 e 2 mostra uma oposição dupla: o eixo 1 (horizontal,
38,9% da variância) opõe Dilma aos candidatos tucanos, como em 2010 (estes são associados IDH
alto e populações de pele branca). Á Dilma (e Lula em 2006) são associados predominância dos
serviços no PIB municipal, populações pardas e negras e concentração de beneficiários da Bolsa
Família. O eixo vertical (2, 15,72% da variância) opõe de um lado o candidato Serra (em 2010) e a
predominância do agronegócio a um grupo marcado pela presença da indústria, dos evangélicos e
espíritas, do voto branco, onde se destaca principalmente o voto para Marina em 2010 e 2014, mas
também para Lula em 2002, o que parece indicar uma transferência do voto de um nome para o
outro no contexto aqui estudado.
Os mapas que descrevem as pontuações nos fatores 1, 2 e 4 dão a dimensão regional desta
análise estatística: o mapa do fator 1 separa as regiões que votaram no Aécio (azuis) daquelas que
preferiram Dilma (amarelo e laranja). O mapa do fator 2 opõe o eleitorado urbano de Marina às
regiões da soja e do gado, no Mato Grosso e no Pará, que votaram maciçamente em Aécio. O mapa
do fator 4 opõe – curiosamente – regiões marcadamente católicas e evangélicas, não temos no
momento explicações a propor à esta configuração, que representa apenas 7,6% da variância. Como
se vê, a análise fatorial detectou similaridades e diferenças entre as últimas eleições e as anteriores,
e permitiu relacionar os resultados eleitorais com dados socioeconômicos.
Evidentemente que as disparidades e desigualdades da sociedade e do território brasileiros
não se limitam aos quatro eixos temáticos aqui abordados, todavia, consideramos que ao todo estas
imagens demonstram a utilidade do uso de técnicas mais avançadas de cartografia e análise de
dados na busca dos aspectos e fatores explicativos das disparidades brasileiras.