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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Caxias do Sul - RS – 15 a 17/06/2017

O Almanaque do Globo: O seu Processo Didático e Literário em meio a


Propagação da Indústria Cultural no Rio Grande do Sul (1917 – 1933)1

André Rodrigues da SILVA2


Eduardo ARRIADA3
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS

Resumo

O processo editorial no Brasil potencializou-se, essencialmente, no Rio Grande do Sul,


a partir da criação da ​Livraria do Globo (1883). Buscou-se construir, portanto, uma
janela que pudesse conectar, em meio ao processo de industrialização do Brasil,
principalmente entre os anos 20 e 30, o leitor e a propagação de cultura através,
principalmente, da criação do ​Almanaque do Globo (1917). Portanto, o presente artigo
busca evidenciar de que forma se deu o elo entre o leitor e o material didático, como
também, sobre o regionalismo rio-grandense, que fora promovido através das 6
primeiras edições do Almanaque do Globo (1917-1922), exemplificando a maneira que
se encaminhou a relação entre a cultura popular e a literatura erudita frente ao processo
de industrialização cultural (ADORNO, 1985) no estado do Rio Grande do Sul.

Palavras-chave

Editora Globo; Almanaques; Indústria Cultural; Cultura de Massa; Educação.

“​Urbi et Orbi!”: Da cidade (Porto Alegre) para o mundo

Em todo processo histórico que acompanhou o surgimento da Livraria do Globo,


em 1883, e o seu desfecho no Rio Grande do Sul no ano de 1956 ao se tornar sociedade
anônima, um vasto campo editorial fora alcançado, onde inúmeros projetos foram
realizados e que servem, até os dias de hoje, como um vasto material de pesquisa de
memória, história e cultura.
No ano de 1883, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, surgiria a

1
​Trabalho apresentado para o DT 08 – Estudos Interdisciplinares do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação
na Região Sul realizado de 15 de junho a 17 de junho de 2017.
2
Estudante do 1° semestre no Mestrado Acadêmico em Educação na Faculdade de Educação pela Universidade
Federal de Pelotas, UFPel, e-mail: andresilva537@gmail.com.
3
Orientador do trabalho. Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor
no Programa de Pós Graduação em Educação pela Universidade Federal de Pelotas, UFPel, e-mail:
earriada@hotmail.com.
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Livraria do Globo, que ficaria sob os cuidados de Laudelino Pinheiro Barcellos e


Saturnino Alves Pinto, ambos sócios da empresa L. P. Barcellos & Cia. A criação de
uma livraria que, ocasionalmente, iria acompanhar o surgimento da Editora Globo no
estado, obtinha como proposta inicial a tipografia e, alguns anos mais tarde, no ano de
1909, consolidou-se no mercado Rio-Grandense e brasileiro após a obtenção de
linotipos4 a fim de realizar publicações de livros didáticos e literários.
Tal consolidação no Rio Grande do Sul ocorreu devido ao fato da necessidade
que havia em procurar, através dos veículos de comunicação, e sabendo do alto
potencial de interesse literário que o público carregava dentro de si, maneiras didáticas
de instruir estes leitores a um interesse cada vez mais popular, porém, que fosse
transmitido através do erudito, ou seja, o alto nível que capacitava estes incentivadores
de cultura potencializa a divulgação de livros e projetos que iriam viabilizar e incentivar
o conhecimento ou, a busca de, por partes que ainda não o buscavam por falta do
interesse na arte literária ou, também, ainda que não ocorresse a eles a oportunidade
destes entrarem em um novo campo de estudo e compreensão da teoria literária5.

Um texto vive como texto literário tão somente nessas constelações


acionais sociais concretas em sistemas históricos definidos por
determinados processos de socialização e de determinadas
necessidades, capacidades cognitivas, sentimentos, intenções e
motivações gerais e, ainda, por condicionamentos políticos, sociais,
econômicos e culturais que correspondem aos ‘sistemas de
pressupostos’ de sua ação. Agentes o julgam e lhe atribuem sentido
em função destas articulações (OLINTO, 1989, p.30)

A Livraria do Globo, como editora, fortaleceria a cultura industrial e acabaria se


tornando uma grande difusora de projetos artísticos e literários, devido a grande
diversidade de produtos que a Livraria possuía. Almejando um maior crescimento, sem
contar o progresso ligeiro em meio a industrialização que a Livraria do Globo estava
passando como, por exemplo, a substituição do trabalho tipográfico manual por uma

4
Máquina inventada na Alemanha, no ano de 1886, por Ottmar Mergenthaler, composta essencialmente por um
teclado, serviram para impulsionar a Livraria do Globo na produção de livros, revistas e afins.
5
É um gênero literário capaz de capacitar o sujeito a argumentação filosófica sobre um texto literário a fim de
investigar, através de uma criticidade, a história do texto literário, como também, o autor, a narrativa como também, o
contexto da obra.
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máquina de compor elétrica, acabou por incentivar a criação do seu grande primeiro
empreendimento, o Almanaque do Globo (1917), tendo como principais organizadores
João Pinto da Silva e Mansueto Bernardi.
A grande demanda de produção editorial fez com que o Almanaque se tornasse
um bem cultural para a região, diversificando o seu conteúdo não só ao povo da elite em
meio ao processo industrial e político que absorvia um certo tipo de cultura na região,
mas também, a popularização cada vez mais voltada a cultura e reestruturação da
sociabilidade entre os indivíduos, alimentando a construção não só didática, como
também, de uma sociedade cada vez mais pensante sobre o elo entre o urbano e o
industrial, o erudito e o popular.
Segundo Torresini (1999) a convivência entre os principais escritores literários
emergiu, na década de 20, através da relação entre os veículos de comunicação,
principalmente o impresso, e a propagação da cena literária em Porto Alegre. Com isso,
houve o crescimento de outros Almanaques, casas de edição, por exemplo, muito por
conta do potencial gerado através do veículo do jornal impresso. O mercado impresso
como incentivador da propagação do Almanaque do Globo se intensifica a partir do ano
de 1926, quando o jornal Correio do Povo passa a realizar anúncios nos seus jornais.

Em 1927, surgem os primeiros anúncios pagos pela editora, cuja


marca é um repetido elogio ao trabalho de edição […] O Diário de
Notícias também publica importantes notas relativas à atividade
editorial da Livraria do Globo. O mercado editorial rio-grandense
depende quase que exclusivamente de seus prelos, dependência
proveitosa, no entender do Diário.” (TORRESINI, 1999, p.57)

Com o crescimento da livraria do Globo, já no ano de 1931, Mansueto Bernardi


transferiu-se para o Rio de Janeiro para dirigir a Casa da Moeda, a pedido de Getúlio
Vargas. Tal medida fez com que Henrique Bertaso, filho de José Bertaso, que
substituirá Mansueto nas funções de chefe da seção Editora, provocasse mais uma
inovação no processo administrativo da empresa.
Um ano antes, Érico Veríssimo, que estava mudando-se para Porto Alegre,
começa a assumir a parte de traduções de textos e artigos estrangeiros, mas procurando

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desenvolver, dentro da Revista do Globo6, um projeto ainda mais audacioso que iria
promover a literatura em uma revista que era, no seu início, uma revista praticamente
destinada ao entretenimento.

Dentre as mudanças que irão afetar a definição social do trabalho


intelectual na conjuntura dos anos 30 e 40, a mais importante delas
refere-se [...] à possibilidade que encontram alguns escritores de
dedicar-se à produção literária enquanto sua principal atividade
profissional (MICELI, 1979, p.121)

A sua intenção, junto de Henrique Bertaso, era a de intensificar o processo


literário da língua estrangeira, modernizando a editora e provocando uma cultura
literária no público que consumia as publicações que os projetos eram encaminhados a
este mesmo público, além de provocar no seu anseio literário, uma mudança que fosse
além das publicações exigidas para com a Revista do Globo.
Com isso, coleções foram lançadas através do anúncio da Revista do Globo,
com um apanhado de autores desconhecidos do país, da clássica literatura mundial,
especializados em livros de crime, aventura e romance, destinados a cultura popular e
tornando-os conhecidos para o público. Inúmeros projetos, portanto, surgiram
intensificando um papel literário no Rio Grande do Sul que fora deixado nos tempos do
surgimento do Almanaque do Globo, por João da Silva Pinto e Mansueto Bernardi,
entre os mais importantes estão: Coleção Amarela, de forte apelo popular, tendo como
principais autores Edgar Wallace e Agatha Christie; Coleção Globo, composta de obras
literárias: romances de aventuras, amor, mistério e crime; Coleção Universo; Coleção
Nobel, com traduções de obras literárias consagradas pela crítica; Coleção Biblioteca
dos Séculos, que publicava os escritores do passado; Coleção Catavento, entre outros.

O crescimento cultural do Almanaque do Globo no Rio Grande do Sul

No ano de 1917 se buscou criar, portanto, após inúmeras investidas

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A Revista do Globo foi um periódico que buscava o entretenimento do público, porém, após 1931, o conteúdo da
revista iria se intensificar no âmbito literário, através dos anseios de José Bertaso. A Revista circulou de 5 de janeiro
de 1929 até 17 de fevereiro de 1967, contando 941 fascículos e dois números especiais: um sobre a Revolução de 30
e outro sobra a grande enchente de 1941, totalizando 943 fascículos.
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mercadológicas através dos incansáveis Mansueto Bernardi e João Pinto da Silva, mais
um empreendimento que iria almejar, com um alcance referente ao mais diversificado
público, o ensino e uma nova roupagem para a divulgação dos trabalhos editoriais da
Livraria do Globo no Rio Grande do Sul.

O Almanaque, portanto, qualquer Almanaque, é um livro útil. É uma espécie


de leader, impessoal e honesto, de nós todos...Ora, mesmo obediente ao
princípio restricto e, não raro, mesquinho, da utilidade immediata das coisas,
ninguém nos poderá negar, logicamente, o seu apoio, - apoio com que
contamos, de ante-mão, para tornar effectivas as nossas promessas, tão
modestas quanto sinceras e práticas (ALMANAQUE DO GLOBO, 1917, p.
5)

No Rio Grande do Sul, por mais que houvesse e estivesse acontecendo, ao seu
tempo histórico, inúmeras edições de outros almanaques e fazendo com que ainda
existisse a distribuição através dos editoriais que aqui no estado transitavam para o
povo, os olhares atentos de Laudelino Barcellos e da organização de Bernardi e Silva,
tornaram o empreendimento da Livraria do Globo ainda maior dentro do estado por
meio da criação do Almanaque do Globo (1917). Se buscava por uma democratização
da cultura, ainda que a passos curtos, porém, o objetivo principal do Almanaque do
Globo seria o de ocupar a vida do cidadão com um vasto aprendizado literário, indo
além das características que denominavam os Almanaques do século XIX e XX como
simplesmente livros de bolso.
Os Almanaques, assim como por exemplo o Almanaque Garnier (1914), seriam
fonte de fortalecimento de “condições sociais, culturais e técnicas – traduzidas por
políticas voltadas à escolarização e instalações de livrarias e tipografias” (DUTRA,
2005, p.478) se tornando cada vez mais um plano principal para, não só os seus leitores
obterem compreensão reflexiva sobre o mundo, como também, a política e os assuntos
em geral iriam se tornar ainda mais importantes devido ao processo progressivo de
industrialização que o Brasil passava, principalmente, no início do século XX.
Atendo-se rapidamente ao processo de industrialização do Rio grande do Sul,
sabe-se que o estado foi um grande centro de exportação com relação ao campo da
pecuária, couros e charque fazendo com que, entre os anos 30 e 45 do século XX, fosse
desenvolvido seu modo próprio de acumular riquezas. A atividade da pecuária

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(MULLER, 1979) estava ligada diretamente a sua exportação e as mesmas atividades


estavam centradas em um modelo de produção baseado em seus principais produtores
com representatividade histórica para o estado, fazendo com que assim a sua produção
fosse, até mesmo, além do mercado nacional.
O processo de produção no estado sofreu com relação ao método de trabalho e
ao processo industrial que levantaria discussões sobre a maneira pela qual se propagava
a cultura e de que forma a mesma seria vendida ao público de massa (ADORNO, 1985),
porém, mais do que isso, tratando-se do campo didático e literário, o processo com
relação a comunicação e a sua atribuição para a distribuição, principalmente dos
Almanaques, obtinham como desejo de seus editores a manutenção do trabalho textual
oferecido e o acompanhamento daquele público que iria consumir este produto. A
intenção do Almanaque do Globo (ALMANAQUE DO GLOBO, 1917), por exemplo,
era a de representar a história do estado, seja na produção científica, ou artística, das
causas e cravar os almanaques como essenciais aos estudos sobre a história que eles
contam.
Compreendendo o estudo mais detalhado das edições anuais do Almanaque do
Globo, a partir das 6 primeiras edições obtidas através do CEDOC UFPel7 para fins de
construção deste artigo, podemos acompanhar o processo de construção do Almanaque
do Globo, como a capa, direção, conteúdo, proposta, expansão de mercado e de que
forma se desenvolvia a sua publicidade.
Como fora dito anteriormente, o processo do impresso pela Livraria do Globo
teve seu início no ano de 1909, após a obtenção de linotipos para a produção,
preferencialmente, de livros escolares de literatura, além de crônicas e poesias que, por
sinal, eram financiadas pelos autores. Por conta disso, a produção aumentou e,
consequentemente, filiais começaram a se expandir pelo estado do Rio Grande do Sul.
Segundo a abordagem feita com relação aos 6 primeiros números do Almanaque do
Globo (1917 – 1922), o processo migratório do Almanaque para outras regiões se deu
de tal forma:

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​ Centro de Documentação(Cedoc) do Centro de Estudos e Investigações em História da Educação (CEIHE) da
Universidade Federal de Pelotas, UFPel.
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Tabela I - Filiais no Rio Grande do Sul

Ano Número de Filiais Cidades

1917 2 Santa Maria e Cruz Alta

1918 2 Santa Maria e Cruz Alta

1919 3 Santa Maria, Cruz Alta e


Uruguaiana

1920 3 Santa Maria, Cruz Alta e


Uruguaiana

1921 4 Santa Maria, Cruz Alta,


Uruguaiana e Pelotas

1922 4 Santa Maria, Cruz Alta,


Uruguaiana e Pelotas
Fonte: Almanaque do Globo (1917 - 1922)

A expansão demonstrada na tabela acima indica que o processo de transição


entre essas cidades, a fim de potencializar a distribuição do Almanaque, se dá,
principalmente, devido a produção que sempre houve nessas regiões, não só de
Almanaques, como o Almanach Popular Brasileiro (1894 – 1908), em Pelotas, mas
também o de promover ainda mais os próprios autores literários que ajudavam na
construção do Almanaque do Globo, como Alceu de Freitas Wamasy, de Uruguaiana,
no Rio Grande do Sul.
Não só a distribuição do Almanaque do Globo, como também, da Livraria do
Globo iria aumentar o seu leque de produção e melhorias na parte textual e gráfica. João
Fahrion e Karl Ernst Zeuner foram os principais ilustradores que a Livraria do Globo
contratou para alavancar a seção de design gráfico, coordenada pelo próprio alemão
Zeuner, o qual contribuiu para o crescimento do design dentro do próprio Almanaque
do Globo e dos projetos lançados pela Livraria do Globo.

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Figura 1 - Primeiras edições do Almanaque do Globo (1917 - 1922)

Com a mudança na parte gráfica da Livraria do Globo, acabaria por vir, também,
uma mudança na direção que, consequentemente, modificaria ou, iria modernizar ainda
mais a estrutura textual que compunha os Almanaques do Globo. Coordenada pelo
incentivador e criador da Livraria do Globo, Laudelino Barcellos, o mesmo passa,
poucos anos antes da sua morte, a direção da Livraria do Globo para José Bertaso. Com
a morte de Barcellos (1917), a razão social ​L.P Barcellos & C.​, nome que constava nas
capas do Almanaque do Globo, por exemplo, passa a se chamar ​Bertaso, Barcellos &
C.​, em um processo transitório entre os anos de 1918 e 1919, como demonstrada na
imagem abaixo:

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Figura 2 - Mudança no design das capas do Almanaque do Globo (1918 - 1919)

A mudança na direção, agora sob responsabilidade do dedicado José Bertaso,


pode ser reconhecida, principalmente, pelo acréscimo literário que houvera nas
próximas edições do Almanaque, que contava além da sua direção, com o apoio de
Mansueto Bernardi que, posteriormente, iria dirigir, junto a Henrique Bertaso e Érico
Veríssimo, a Revista do Globo (1929 – 1967).

O periódico vai colocar seus leitores diretamente em contato com a


vida, a atualidade, a informação, aliando a moral, à utilidade prática e
o saber ao divertimento, pela difusão de princípios morais, educativos
e técnicos. Literatura voltada para o intuito, a um só tempo, de ensinar
“verdades”, ser útil e fornecer distração, os almanaques se classificam
em enciclopédias, políticos, literários, técnicos, informativos,
históricos, recreativos […] direcionados às famílias, às senhoras, aos
artistas, aos bombeiros, aos operários etc. (DUTRA, 2005, p.481)

Com notoriedade, o Almanaque do Globo passa a transmitir, não somente os


guias do contribuinte, ritos religiosos, além do conteúdo literário, mas a partir da edição
de 1919, o Almanaque do Globo começa a repercutir no estado tendo em vista seções
especializadas em contar a história do Rio Grande do Sul, com fatos e fotos dos
principais responsáveis pela construção do Estado, além de crônicas, crítica literária e
memória.

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Estas mudanças começam a se caracterizar, junto ao processo de industrialização


da cultura e a produção de conteúdo, como negócio de venda e ofertando procura no
estado para o consumo, um contraponto, de certa forma, aos processos de alienação
“cultural”, onde se percebe que, assim como fora citado anteriormente, os Almanaques
(DUTRA, 2005) destinam o seu conteúdo, através da construção não tão somente pelos
diretores desses Almanaques mas, sem dúvida, com a contribuição de escritores e do
público não só da capital, mas essencialmente do interior do estado do Rio Grande do
Sul que, com as filiais sendo instauradas naquelas localidades, o conhecimento, o
interesse e a procura desse tipo de público acompanharia a divulgação dos escritores
daquelas regiões, oferecendo, além do conhecimento, trabalho para aqueles que
procuravam um espaço onde o “papel de escritor ainda não era conhecido no Brasil”
(TORRESINI, 1999, p.67).

A Industrialização Cultural no Rio Grande do Sul e a Educação do Almanaque do


Globo

O processo transitório que o Brasil estava passando, seja pelo movimento


migratório dos estrangeiros no país ou pelo crescimento da exportação do produto
brasileiro para os países do exterior, investiga uma característica essencial para com a
distribuição dos Almanaques ou de toda produção que era planejada pela Livraria do
Globo. A produção era, até certo momento, destinada ao público que queria consumir e
conhecer a cultura literária do seu estado, assim como autores conhecidos
nacionalmente no âmbito literário, seja no Brasil ou no exterior, principalmente em
Portugal.
O conceito acerca da indústria Cultural (ADORNO, 1985) surgiria para dar
subsídios às discussões sobre a apropriação do mercado sobre a cultura popular,
colocando-a em um processo mercadológico de venda em massa a um público que,
consequentemente, através do modelo da repetição, vai querer consumir aquele produto.
A descaracterização dos produtos foi-se agravando conforme a sua produção, do qual
não se tem uma manutenção a ponto de dar mais diversidade e uniformidade para

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aquilo, muito menos pluralidade, mas sim, continua por construir modelos repetitivos
formados em cima de projetos prontos, pré estabelecidos e que tão somente são alvos de
apropriação e subversão, como o público, por exemplo.
Com isso, os Almanaques, não essencialmente o do Globo, mas os principais
Almanaques que surgiram entre o século XVIII e início do XX, procuraram caminhar
contra a corrente da alienação e do aprisionamento cultural frente ao uso frenético dos
meios de comunicação que a época propiciava para a divulgação de conteúdo para a
sociedade. Isso tudo foi discutido tendo em vista o crescimento, a partir do século XIX,
entre os anos de 1880 e 1900, do cinema e do rádio.

Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu


esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se
delinear [...] seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se
confessa ao público. O cinema e o rádio não precisam mais se
apresentar como arte. A verdade é de que não passam de um negócio,
eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que
propositalmente produzem. (ADORNO, 1985, p.114)

Porém, obstante ao processo da discussão sobre a indústria cultural, diferente


dos processos mercadológicos referente a venda de um produto ao não consumidor de
um determinado produto, a produção se forma ainda em um processo que vai além do
tão somente almejo em gerar lucro e alienação através da opressão constante do
mercado em cima do consumidor. A produção dos Almanaques se equivalem tão
somente ao processo do campo de produção erudita (BOURDIEU, 2007) quanto ao
popular, enquanto esteja fora do que fora vendido como publicidade ao público de
massa. O popular aqui se compreende enquanto cultura destinada ao povo que queira e
que busque consumir a cultura erudita transpassada, através dos Almanaques, por meio
do conhecimento literário ou, no caso da Livraria do Globo, materiais didáticos.

Ao contrário do sistema da indústria cultural que obedece a lei da


concorrência para a conquista do maior mercado possível, o campo da
produção erudita tende a produzir ele mesmo as suas normas de
produção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei
fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente
cultural concedido pelo grupo de pares que são, ao mesmo tempo,
cliente privilegiados e concorrentes. É a partir desse princípio que se
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pode compreender não somente as relações entre o campo de


produção erudita e o “grande público” e a representação que os
intelectuais ou os artistas possuem desta relação, mas também o
funcionamento do campo, da lógica de suas transformações, a
estrutura das obras que produz e a lógica da sua sucessão.
(BOURDIEU, 2007, p.105)

Portanto, se começa a compreender, ou, tentar discutir, que tipo de sujeito então
se constrói ao mesmo tempo que o mesmo é corrompido pela indústria, principalmente
quando se percebe uma educação que procura seu espaço de democratização, porém, ao
mesmo tempo que a própria cultura popular decai, fazendo com que cada vez mais
consiga-se provar o quão importante e, possivelmente, esclarecedor, são as discussões
sobre o ser-para-o-mundo (HEIDEGGER, 2012), por mais que a nossa liberdade esteja
condicionada a liberdade do outro (CAMUS, 2017), está cada vez mais interligada ao
pensamento do ser-para-si (SARTRE, 1978) ou seja, por mais que a indústria cultural
busque seu crescimento no campo do mercado interativo, do entretenimento, da
publicidade, tem-se no próprio sujeito a busca pela desconectividade para com os meios
que o corrompem e, neste caso, a imediata busca pelo conhecimento e pelo saber se
demonstra cada vez mais possível, e acessível, ao encontro que se tem entre o sujeito e a
busca ainda pelo erudito, e pelo popular, através dos Almanaques.
A ideia, portanto, tendo em vista a divulgação para o estudo do Almanaque do
Globo, seria a de corromper com a normatização estabelecida em meio ao processo da
indústria cultural no país, destinando a sua produção para todo e qualquer tipo de
público, como as mulheres, as crianças, jovens e adultos, consolidando não só a
literatura para este público, mas, a partir desse processo de transformação na cultura
popular e erudita, que se pudesse também operar frente ao processo construtivo da
razão, e não da alienação.

Considerações Finais

Por mais que não tenha sido possível, até o presente momento, a obtenção de
todas as edições do Almanaque do Globo (1917 – 1933), as 6 primeiras edições (1917 -
1922) obtidas através do CEDOC / CEHIE da Universidade Federal de Pelotas serviram

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para a construção deste artigo, e também para o início do trabalho no 1° semestre do


curso de mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pelotas, oferecendo
subsídios que iniciam um diálogo referente ao verbete literário, artístico, social e
educativo em suas edições que, consequentemente, ainda potencializam o processo
histórico em meio a discussão de tudo aquilo que busca a formação de educadores,
educandos, ou seja, fomentadores que futuramente, através das análises destes objetos
de estudo, participam e irão participar do processo educacional no Brasil,
principalmente, através dos anseios de grandes escritores literários do Rio Grande do
Sul, como Augusto Meyer, Dyonélio Machado, Paulo de Gouvêa, entre outros. O
almanaque se constrói, ao longo dos anos que estes permanecem na história da
sociedade, como subsídio cultural, erudito e popular para o público que queira consumir
cultura e continuar a construir a história deixada por estes Almanaques.
A indústria cultural perpassa uma discussão por todas as áreas da indústria que
propaga, por meio de diversos meios de comunicação e, principalmente após o
crescimento da mídia em meio ao processo da globalização8 no Brasil, tornando os
modelos comunicacionais cada vez mais construtivos ao procurar compreender qual era
a necessidade do grande público, porém, ainda se procurava a necessidade, e ainda se
procura por mais que haja um crescimento revolucionário na sociedade no século XXI,
de uma mídia alternativa ou, até mesmo, por projetos que visassem a construção da
sociabilidade, do cognitivo, da intelectualidade do ser humano sem que houvesse uma
necessidade mercadológica de impor ao sujeito determinados modelos construídos ou,
adaptados, para instruir este mesmo sujeito a tudo aquilo que fora destinado como
conteúdo bom, ou ruim, pela grande mídia.
Com isso, a partir do surgimento da livraria do Globo, João Pinto da Silva,
Laudelino Barcellos, Érico Veríssimo e José Bertaso são nomes que caracterizaram uma
frente dedicada a buscar inserir neste meio social, a cultura do texto e da leitura, do
conhecimento, principalmente, da literatura, a fim de promover o almanaque como
manual literário, como se fosse uma enciclopédia (TORRESINI, 1999), expandindo seu

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Por mais que o processo da globalização tenha sido intensificado em meados da década de 1980, pode-se
compreender a globalização também como um meio que serviu como base histórica durante o crescimento da
discussão sobre a indústria cultural, tendo em vista o acréscimo midiático na sociedade e dos meios de propagar essa
mídia.
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mercado pelo estado, como também pelo país, a fim de destinar o erudito ao seu
público, revitalizando o popular, tornando-o aquilo que é necessário para a construção
de uma sociedade que busca um bem estável através da educação e da literatura,
essencialmente regional, evidenciando que a cultura local pode tornar os cidadãos ainda
mais conhecedores dos seus bens e sujeitos cada vez mais instigados a almejar uma
democracia educacional e literária visando o bem comum a todos.

Referências Bibliográficas

ALMANAQUE DO GLOBO​. Ano I. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Livraria do Globo,
1917.

______________________. Ano II. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Livraria do Globo, 1918.

______________________. Ano III. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Livraria do Globo, 1919.

______________________. Ano IV. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Livraria do Globo, 1920.

______________________. Ano V. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Livraria do Globo, 1921.

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