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INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
1
WOODCOCK, George.História das Idéias e Movimentos Anarquistas, Vol.1. A Idéia. Porto Alegre:
LP&M 2010.
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Élissée Reclus foi geógrafo e anarquista francês, autor de O Homem e a Terra (5 volumes) entre
outros.
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escravo da divindade e isso é um entrave ao seu próprio desenvolvimento que tem por
finalidade a libertação. A ideia de Deus faz com que o homem abandone a razão e,
sem ela, ele nunca atingirá a liberdade. Por isso Bakunin (2011) propõe a abolição da
divindade: “inverto a frase de Voltaire e digo que, se Deus existisse, seria preciso aboli-
lo.”
Dentre as suas obras, destaca-se Deus e o Estado, fragmento do livro O
império cnuto-germânico e a revolução social, que ainda no século XIX foi extraído e
publicado, tendo edições feitas por Reclus e Nettlau3. Um texto primordial para quem
deseja compreender o pensamento bakuniniano, pois este seu trabalho filosófico
apresenta de maneira condensada os demais temas debatidos pelo autor, destacando-
se os conceitos de liberdade, livre-arbítrio e materialismo. Aborda também o papel da
ciência no processo libertário. Um texto escrito em 1871, onde Bakunin em sua fase
anarquista, no qual é evidente todo o seu entusiasmo, afirma:
Havia nele grandeza suficiente – bem como adequação à época que viveu –
para fazer dele um dos homens mais importantes não só na tradição
revolucionária quanto na história do anarquismo. E ele conseguiu isso tanto
pelos seus fracassos, que não foram poucos, quanto pelos seus triunfos
(WOODCOCK,2011,p.162).
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Max Nettlau, austríaco, considerado por muitos, como sendo, o maior historiador do anarquismo.
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que tornar-se-ia seu principal desafeto até a sua morte, aos 56 anos, no dia 16 de
Janeiro de 1865 na capital francesa.
Foi Proudhon quem primeiro reclamou para si o status de anarquista. E fez
através de uma prosa vigorosa, simulando um diálogo repleto de questionamentos
sobre seu posicionamento político, desembocando na seguinte afirmação: “(...) vós
acabais de ouvir a minha profissão de fé, séria e maduramente refletida; ainda que
muito amigo da ordem, eu sou, com toda a força do termo, anarquista. Escutai-me.” 4
A propriedade a que se refere, não é o pedaço de terra que o homem se
utiliza para habitar, lavrar, e nem os instrumentos necessários para o seu trabalho e
sua sobrevivência. Pois estes são direitos individuais garantidos, daí a sua crítica aos
comunistas. Para Proudhon, o direito coletivo não deveria suplantar o direito do
indivíduo, já que a individualidade é a coluna da liberdade. Em que consiste então a
sua crítica?
O controle dos meios de produção é o alvo do proudhonismo. A denúncia é
dirigida a propriedade na qual uma pessoa explora o trabalho alheio, sem esforço
próprio, negando a maioria dos produtores de gozar do fruto do seu trabalho, sendo
essa propriedade incompatível com a justiça. Ideia que será assimilada por outros
pensadores do movimento libertário. Sobre isso, Woodcock declara que:
O capital, que sobre o terreno político equivale ao governo, tem por sinônimo
em religião o catolicismo. A ideia econômica do capital, a política do governo
ou da autoridade e a ideia teológica da Igreja são três ideias idênticas e
diferentemente religadas, combater uma delas é atacar todas as outras, como
sabem hoje todos os filósofos. O que o Capital faz ao trabalho e o Estado à
liberdade, a Igreja, de seu lado o faz ao espírito. Essa trindade do absolutismo
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PROUDHON, Pierre Joseph, A Propriedade é um Roubo e outros escritos anarquistas. Porto Alegre:
LP&M 2008, pág 26.
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Contra essa maldita tríade, Proudhon descarrega toda sua raiva ao redigir
Contradições Econômicas, acentuando o discurso antirreligioso. Devido às condições
miseráveis da humanidade, questiona o conceito de uma deidade benevolente e
conclui que se Deus existe, de fato, então ele é mau. Para triunfar sobre a tirania, faz-
se necessário opor-se a Deus. Note-se que ele não negou a existência do Divino,
apenas se opôs a ela.
Nesse ponto, assemelha-se aos anarquistas que o sucederam, dentre eles o
próprio Bakunin. Criticava o dogmatismo com ênfase, por isso mesmo não adotava o
extremo de se declarar ateu. Proudhon enxergava Deus e o Homem como duas forças
antagônicas, realidades incompletas, que se opõem. Para o bem da humanidade, esse
Deus dominador, precisava ser rejeitado.
Leon Tolstói dedicou três anos de sua longa vida - morreu aos 92 anos - ao
escrever O Reino de Deus está em vós. A obra gerou imensa polêmica e dividia os
leitores entre os que aplaudiam e concordavam e os que rechaçavam o seu conteúdo.
Seu livro foi tirado de circulação na Rússia czarista dos Romanov e a Igreja Ortodoxa
determinou a sua excomunhão. Qual o conteúdo da obra afinal? O subtítulo do ensaio
começa por nos elucidar: O Cristianismo apresentado não como uma doutrina mística,
mas como uma moral nova.
Segundo ele, o verdadeiro Cristianismo estava longe de ser compreendido
tal como é, e o motivo disso é a deturpação das palavras de Jesus Cristo, e a ação do
clero que não focava no ensino do Mestre, ao invés disso, elaborava catecismos,
liturgias e sacramentos que apenas serviam para tornar as pessoas cada vez mais
supersticiosas e manipuláveis. A sua tese central dar-se a partir do preceito encontrado
no Sermão do Monte: “Não resistais ao mal” (Mateus 5:39). O sentido defendido por ele
é de que a “Não Resistência” é a não utilização da violência. Sob nenhum aspecto,
Tolstói considera legítimo o uso da força. Aquela máxima jurídica de repudiar a
violência usando a própria violência é totalmente anticristã. Por isso não gostava de ser
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Para nós, a posteridade, nós que não somos historiadores, nem nos deixamos
levar pelo entusiasmo das investigações, e examinamos por conseguinte, com
um bom senso imperturbável, os acontecimentos, as causas aparecem-nos em
número incalculável. (...) Uma delas, por exemplo, o fato de Napoleão ter-se
recusado a retirar suas tropas para o outro lado do Vístula e restituir o ducado
de Oldemburgo, parece-nos valer tanto como a recusa de um primeiro-cabo
francês a realistar-se, pois a verdade é que, se este não tivesse querido voltar
a atividade e o seu exemplo houvesse sido seguido por milhares de soldados,
teria havido muito menos homens no exército de Napoleão e este ver-se-ia
impossibilitado de declarar a guerra (TOLSTÓI, 2007, p.742).
5
Paul Eltzbacher, judeu alemão,Doutor em Direito e pesquisador do Anarquismo.
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CAPÍTULO II
(...) Esses valores são: que existe um Deus e é o princípio de tudo; que no ser
humano há uma partícula desse princípio divino, que ele pode enfraquecer ou
fortalecer de acordo com o modo em que conduz a própria vida; que, para
fortalecer esse princípio, o ser humano deve conter suas paixões e cultivar
dentro de si o amor; que o meio prático de alcançar isso é fazer aos outros
aquilo que queremos que façam a nós. Todos esses valores são comuns ao
bramanismo, ao judaísmo, ao confucionismo, ao taoismo, ao budismo, ao
cristianismo e ao judaísmo (.TOLSTÓI, 2011, p.203).
Confissão, mas é com “O Reino” que o Apóstolo da Não Violência (assim Gandhi o
classificou) sistematiza a doutrina que lhe abriu os olhos, tornando-o um cristão
convicto de que a moral incutida no Sermão do Monte era a chave para libertação dos
indivíduos.
O primeiro capítulo de “O Reino” demonstra que a doutrina da Não
Resistência foi ensinada por outros homens e grupos cristãos, que embora sendo
minoria, contribuíram para elucidar o verdadeiro significado do evangelho: o amor.
Através do exemplo de concórdia e paz entre os seguidores de Jesus, a doutrina
evangélica penetrará na consciência dos homens. Não se pode impor a aceitação
dessa doutrina, é a atitude humilde de resistir ao mal sem uso da força que levará a
sua aceitação. O amor é o guia para levar a humanidade a atingir a perfeição:
O homem submisso ao poder não age como quer, mas como é obrigado; e é
somente por meio da violência física, isto é, da prisão, da tortura, da mutilação
ou da ameaça desses castigos que se pode forçar o homem a fazer aquilo que
não quer. Nisto consiste e sempre consistiu o poder (TOLSTÓI, 2011, p.167).
Não importa qual a sua forma, apenas existem para manter a desigualdade
e a opressão de uma minoria sobre a imensa maioria. E o forte instrumento em seu
poder é o Exército e o alistamento obrigatório é o germe corruptor da sociedade:
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Guilherme II foi o terceiro e último Imperador da Alemanha e último Rei da Prússia.
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Portanto, não o imaginário, mas o patriotismo real – aquele que todos nós
conhecemos, sob cuja influência se encontra a maioria das pessoas de nosso
tempo e por causa do qual a humanidade tanto sofre – não significa desejar o
bem espiritual ao próprio povo (não se pode desejar o bem espiritual apenas ao
próprio povo), nem se resume às particularidades das individualidades de cada
povo (isso é uma característica, não um sentimento); é um sentimento muito
específico de predileção pelo próprio povo ou Estado em detrimento de todos
os outros povos ou Estados e , consequentemente, um desejo de que esse
povo ou Estado tenha maior bem-estar e poder, que podem ser obtidos e
sempre são obtidos apenas em prejuízo do bem-estar e do poder de outros
povos ou Estados. (...) Parece muito evidente que o patriotismo, como
sentimento, seja um sentimento ruim e danoso; já como ensinamento, é um
ensinamento estúpido. (TOLSTÓI, 2011, p.161).
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A classe dominante usa tão bem o ideal patriótico que o ensinam desde a
mais tenra infância e, à medida que as pessoas crescem, outros instrumentos são
utilizados na consolidação desse preceito:
Pensem bem e entendam que seus inimigos não são os bôeres, nem os
ingleses, nem os franceses, nem os alemães, nem os boêmios, nem os
finlandeses, nem os russos, seus inimigos, seus únicos inimigos, são vocês
mesmos, que sustentam com o próprio patriotismo os governos que os
oprimem e promovem sua infelicidade (TOLSTÓI, 2011, p.182).
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Mordavianos e Thuvaques são povos originários da Finlândia.
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8
Ernest Howard Crosby, um romancista novaiorquino que se tornou um grande divulgador do tolstoísmo
nos Estados Unidos.
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educação, por seu caráter animal, uma pessoa, pagã ou cristã, mate o
assaltante não só em defesa da criança, mas para defender a si mesma ou até
sua carteira, mas não significa de jeito nenhum que isso é o que deve fazer,
que deve se acostumar e fazer com que os outros se acostumem a pensar que
é isso que precisa ser feito (TOLSTÓI, 2011, p.113).
Não julguem para não serem julgados...’ (Mateus 7:1). ‘Não julguem e não
serão julgados, não condenem e não serão condenados’ (Lucas 6:37). Os
tribunais em que servi – e que garantiam a segurança da minha propriedade e
de minha pessoas – pareciam instituições indubitavelmente sagradas e tão
inteiramente de acordo com a lei divina, que nunca me passou pela cabeça que
as palavras que acabei de citar pudessem ter outro significado além de uma
proibição de falar mal do próximo. Nunca me ocorreu que, com essas palavras,
Jesus falava dos tribunais da lei e da justiça humanas. Só quando compreendi
o verdadeiro significado das palavras ‘Não resistam ao mal’ é que surgiu a
questão do conselho de Jesus em relação aos tribunais. Quando compreendi
que Jesus queria denunciá-los, perguntei a mim mesmo se esse não seria o
real significado: não apenas não julgar o próximo, não falar mal dele, mas não
julgar nas cortes, não o julgar em quaisquer dos tribunais que você instituiu.
Ora, em Lucas (6:37,49) essas palavras se seguem imediatamente à doutrina
que nos aconselha a não resistir ao mal e fazer o bem a nossos inimigos. E,
depois do conselho ‘Sejam misericordiosos, como seu Pai é misericordioso’
(Lucas 6:36), Jesus diz: ‘Não julguem e não serão julgados, não condenem e
não serão condenados.’ ‘Não julguem’, isto não significa não instituir tribunais
para o julgamento de seu próximo? Bastou enfrentar corajosamente a questão
que meu coração e minha razão se uniram em uma resposta afirmativa
(TOLSTÓI, 2011, p.45).
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CAPÍTULO III
Quando o rei italiano, Humberto I, foi morto com três tiros disparado por um
anarquista Gaetano Bresci, em julho de 1900, Tolstói escreveu Não Matarás. No início
desse texto diz não compreender o motivo de tanto assombro, uma vez que os
monarcas promovem a morte de centena de milhares de pessoas através da guilhotina,
da forca, do fuzilamento e das inúmeras guerras deflagradas. E essa culpa é atribuída
até aos reis considerados “bons”. E a repercussão da mídia é diferente de quando se
executa os reis pela sentença de um tribunal, como no caso de Carlos I e Luís XVI.
Aqueles que empregam a máxima “olho por olho e dente por dente”, abolida
por Cristo não tem sequer o direito de sentirem indignação quando um atentado dá
cabo à vida de um soberano. Considerando o número de vitimas que eles já
produziram nos campos de batalhas ou através da arbitrariedade penal, é de se
admirar que tais atentados sejam tão escassos. A crueldade dos reis é
incomparavelmente maior que os assassinatos cometidos pelos anarquistas:
que uma bala cai, outra é instantaneamente fixada na mesmíssima posição. Sendo
assim, para que matá-los? O povo oprimido, em nada sairá beneficiado:
incapazes de lidar com uma multidão de desertores, que não mais vendem a sua
liberdade, agindo segundo a sua própria consciência, sem cumprir ordens arbitrárias.
Décadas antes de Tolstói, um jovem escritor estadunidense, Henry David
Thoreau, havia sido preso quando ia buscar um par de sapatos. Passou a noite na
prisão e foi liberado assim que o dia amanheceu, graças a sua tia que pagou a fiança
pela sua soltura. A primeira coisa que Thoreau fez foi voltar à sapataria, em seguida
redigiu um ensaio relatando o motivo pelo qual fôra encarcerado: Deixara de pagar os
impostos, pois não queria contribuir com um governo escravocrata e belicoso.
Em A Desobediência Civil, Henry Thoreau diz acreditar na máxima “o melhor
governo é o que menos governa”, em seguida diz que é ainda melhor que os governos,
absolutamente, não governassem. Por isso que muitos o consideram um anarquista
individualista. Apesar de sua desobediência ser um protesto contra um governo injusto,
afim de que este possa corrigir a injustiça, e não a sua extinção:
Para livrar-se do governo não é necessário lutar contra eles pelas formas
exteriores (insignificantes até o ridículo diante dos meios de que dispõem os
governos) é preciso unicamente não participar em nada, basta não sustentá-los
e então cairão aniquilados. E para não participar em nada dos governos nem
sustentá-los é preciso está livre da fragilidade que arrasta os homens aos laços
do governo que lhes fazem seus escravos ou seus cúmplices (TOLSTÓI, 2011,
p.23).
faria o governo, caso uma vila inteira não pagasse os devidos tributos? E se todo um
destacamento abandonasse as trincheiras e dissesse que aquela guerra não era sua e
que por serem cristãos não fariam mal a outrem? Caberiam todos nas prisões? Seriam
todos executados? Cada governo sabe bem o que fazer com os revolucionários, com
as bombas, com as rebeliões, e revoluções; todavia não conseguem lidar com homens
que por não negarem a sua consciência, ignoram todo e qualquer tipo de autoridade,
fazendo com que mesmo sem combate, as bases do poder sejam enfraquecidas. São
esses homens, os mais temidos pelas autoridades:
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Filosofia de resistência Não-Violenta, desenvolvida por Mohandas Gandhi.
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Piotr Kropotkin, geógrafo e escritor russo, considerado o fundador da vertente anarco-comunista.
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CONCLUSÃO
compromisso social que visa libertar-se da opressão. Para tal, é preciso libertar-se a si
mesmo, porque alguém que ainda permanece preso é incapaz de libertar outrem.
O anarquismo cristão tolstoiano foi e continua sendo singular. Embora
existam outros nomes nesse segmento, como por exemplo, Jacques Ellul, ninguém foi
tão sistemático do que Tolstói. Suas palavras são diretas e compreensíveis até mesmo
para pessoas de baixa escolaridade. Não há elitismo em sua prosa, pois não mais se
via como um escritor renomado. Seus textos libertários tem um endereço certo: o povo.
Pois pertence ao povo, o aguardado Reino de Deus.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NETTLAU, Max, História da Anarquia – Das origens ao Anarco-Comunismo. São Paulo: Hedra,
2008.
_____________, Os Últimos Dias. São Paulo: Penguin Companhia das Letras, 2011.
WOODCOCK, George, História das Idéias e Movimentos Anarquistas, Vol.1. A Idéia. Porto
Alegre: LP&M 2010.
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Não há pior surdo que aquele que não quer ouvir. Os revolucionários dizem
que sua atividade tem por objeto a destruição do tirânico estado atual de coisas que
oprime e deprava aos homens. Mas, para aniquilá-lo há que contar de antemão com os
meios para ter ao menos uma probabilidade de conseguir isso, caso contrário, não há a
menor probabilidade de derrotá-lo. Os governos existem; desde há muito tempo
conhecem a seus inimigos e os perigos que os ameaçam, e por esta razão tomam as
medidas que tornam impossível a destruição do estado de coisas por meio do qual se
mantém. E os motivos e os meios que os governos usam são os mais fortes que
podem existir: o instinto de sobrevivência e o exército disciplinado.
A tentativa revolucionária de 14 de dezembro ocorreu sob as condições mais
favoráveis; era uma época de transição, e a maior parte dos revolucionários pertenciam
ao exército. E como! Entretanto em São Petersburgo e em Toultchine a insurreição foi
sufocada quase sem esforços pelas tropas submissas ao governo, e logo veio o
reinado de Nicolau I, inepto, brutal, que depravou aos homens e durou cerca de trinta
anos. E todas as tentativas de revolução, sem tapeação, posteriores àquela,
começando pelas aventuras de algumas dezenas de jovens de ambos sexos que
pensavam que armando os camponeses russos com algumas centenas de pistolas,
venceriam um exército aguerrido de milhões de soldados. Bastava os trabalhadores
gritarem com a bandeira em mãos: Abaixo o despotismo! Para logo em seguida serem
facilmente dispersos por algumas dezenas de gorilas e cossacos armados de chicotes.
Tal repressão também foi vista nas explosões e assassinatos de 1870, precursores do
1° de março (2). Todas essas tentativas terminaram, e não poderiam terminar de outra
maneira, com a perda de muita gente de valor e com o aumento da força e da
brutalidade por parte do governo. As coisas não tem mudado de lá para cá. No lugar de
Alexandre II veio Alexandre III, depois Nicolau II. No lugar de Bogoliepov, veio Glazov,
no lugar de Spiagnine, veio Plehwe; e depois de Bobrikov, veio Obolensky.
Eu ainda não havia terminado de escrever este trabalho quando Plehwe
perdeu seu cargo, e para sustituí-lo pensava-se nomear outro ainda mais odioso que
ele, tanto que depois da morte de Plehwe, o governo tornou-se ainda mais cruel.
Ninguém pode negar o valor de homens como Khaltourine (3), Ryssakov e Mikhaikov
(4), e dos que mataram Bobrikov e Plehwe, que sacrificaram suas vidas para alcançar
um fim inacessível. De igual maneira tampouco pode-se deixar de reconhecer o valor e
a abnegação daqueles que a custa dos maiores sacrifícios incitaram o povo à
revolução, e dos que imprimem e propagam folhetos revolucionários.
Mas é impossível não ver que a atividade desses homens não pode resultar
outra coisa senão a derrota e a piora da situação em geral. O que faz com que homens
inteligentes, morais, possam entregar-se inteiramente a uma atividade tão claramente
inútil, pode explicar-se unicamente porque na atividade revolucionaria, há algo de
excitante na luta , no risco de vida, que sempre atrai à juventude. É comovente ver a
energia de homens fortes e capazes direcionada para matar animais, percorrer grandes
trajetos de bicicleta, saltar obstáculos, lutar, etc., e é ainda mais triste ver esta energia
sendo gasta arrastando homens para uma atividade perigosa que destrói sua vida, ou,
pior ainda, para atividades legais, ou, mais precisamente, para atividades definidas
como legais, onde se proíbe, sob pena de castigo, qualquer um que atente contra o
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que se reconoce ser direito dos individuos. Aqui, a despeito dessa definição ter como
base a liberdade, o que ocorre na verdade é, na maioria dos casos, uma violação à
liberdade do homem. Por exemplo, nossa sociedade reconhece o direito do governo
dispor do trabalho (impostos), e até mesmo da pessoa (serviço militar) de seus
cidadãos. Reconhece que alguns homens tem o direito da posse exclusiva da terra,
quando sem embargo, é evidente que tais direitos, ao proteger a liberdade de uns, não
apenas priva outros de liberdade, como também do modo mais brutal priva a maioria
de dispor de seu trabalho e até mesmo de sua pessoa.
Definir liberdade como direito de fazer tudo o que não atinja a liberdade de
alguns, tudo o que não é proibido pela lei; evidentemente, não corresponde ao conceito
da palavra liberdade. E não poderia ser de outro modo, porque uma definição
semelhante atribui ao conceito de liberdade a qualidade de algo positivo, quando
liberdade é uma concepção negativa. Liberdade é ausência de travas. O homem é livre
somente quando ninguém lhe proíbe, sob a ameaça da violência, de executar certos
atos.
Os homens não podem ser livres em uma sociedade onde os direitos das
pessoas estão definidos de uma maneira onde se exige ou se proíbe certos atos sob
pena de castigo. Os homens podem ser verdadeiramente livres apenas quando todos
igualmente estiverem convencidos da inutilidade, da ilegitimidade da violência, e
obedeçam as regras estabelecidas, não por medo da violência ou da ameaça, e sim,
pela convicção arrazoada.
Mas não faltará quem me objete, dizendo que não há uma sociedade
semelhante, logo, em nenhuma parte pode existir a verdadeira liberdade; mesmo
admitindo não haver sociedade que não reconheça a violência como necessária, esta
necessidade também tem seus diversos graus. Toda a história da humanidade é a
gradual substituição da violência pela convicção razoável. Ademais, a sociedade
reconhece claramente a estupidez da violência, e se acerca cada vez mais da
verdadeira liberdade. Isto é elementar e deveria ser claro para todos se desde há muito
não se houvesse estabelecido entre os homens a inércia diante da violência e o
emaranhado voluntário dos conceitos para sustentar esta violência que só é vantajosa
para os dominadores.
A influência mútua pela convicção razoável, baseada nas leis de uma razão
comum a todos, é própria dos homens e dos seres razoáveis. Esta submissão
voluntária de todos às leis da razão e o fato de proceder cada um para com os demais
da mesma forma como quer que procedam para com ele, é própria à natureza do
homem razoável que é comum a todos. Esta relação mútua dos homens, que realiza o
mais elevado ideal de justiça, é propagada por todas as religiões, e a humanidade não
cessa de aproximar-se dela.
Por esta razão é evidente que nos espera uma liberdade cada vez maior,
não pela introdução de novas formas de violência como fazem os revolucionários que
tratam de aniquilar a violência existente com o emprego de outra violência, e sim
propagando entre os homens a consciência do ilegítimo, da criminalidade, da violência
e a possibilidade de ser substituída pela convicção arrazoada, ao mesmo tempo em
que cada indivíduo vai empregando cada vez menos a violência. Esparramando este
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aquelas que parecem mais fortes, não se derruba pelas conjurações, pelos discursos
parlamentares, ou pelas polêmicas dos periódicos, e muito menos pelas revoluções ou
matanças; se derruba unicamente pela explicação que cada um faz do sentido e do
objetivo de sua vida e a execução firme, valorosa, sem compromissos, em todos os
aspectos da vida, das exigências da lei superior, interior da vida. Seria bem desejável
que os jovens, que não ligam para o passado, que querem com sinceridade servir ao
bem dos homens, que compreendessem que a atividade revolucionária que lhes atrai,
não somente não alcança um fim persuasivo, como também lhe é completamente
contrário, esgota suas melhores forças da vida, pela qual podem servir a Deus e aos
homens. A atividade revolucionária, com mais freqüência, produz um efeito contrário ao
seu objetivo, que não se alcança exceto pela clara consciência de cada indivíduo sobre
seu destino e sobre sua dignidade humana, e, portanto, pela vida firme, religiosa e
moral que não admite nenhum compromisso, nem por palavras ou atos, com o mal da
violência que se censura e se deseja destruir.
Se um por cento da energia que é gasta agora pelos revolucionários para
alcançar fins exteriores inalcançáveis fosse empregada no trabalho interior espiritual,
há muito tempo essa energia haveria derretido esse mal, como a neve ao sol do verão,
contra o qual os revolucionários tanto tem lutado e ainda lutam em vão.