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Desordens nutricionais e metabólicas

Tutoria 05
01: Metabolismo das lipoproteínas (Diretriz)
Dos pontos de vista fisiológico e clínico, os lípides biologicamente mais relevantes são os fosfolípides, o
colesterol, os Triglicérides (TG) e os ácidos graxos.
Os fosfolípides formam a estrutura básica das membranas celulares. O colesterol é precursor dos hormônios
esteroides, dos ácidos biliares e da vitamina D.
Além disso, como constituinte das membranas celulares, o colesterol atua na fluidez destas e na ativação de
enzimas aí situadas. Os TG são formados a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol e constituem
uma das formas de armazenamento energético mais importantes no organismo, sendo depositados nos tecidos
adiposo e muscular.
Os ácidos graxos podem ser classificados como saturados (sem duplas ligações entre seus átomos de
carbono), mono ou poli-insaturados, de acordo com o número de ligações duplas em sua cadeia.
Vias metabólicas
Via intestinal
Os TG representam a maior parte das gorduras ingeridas. Após ingestão, as lipases pancreáticas hidrolisam
os TG em ácidos graxos livres, monoglicerídeos e diglicerídeos. Sais biliares liberados na luz intestinal emulsificam
estes e outros lípides oriundos da dieta e da circulação entero-hepática, com formação de micelas.
A solubilização dos lípides sob a forma de micelas facilita sua movimentação através da borda em escova das
células intestinais. A proteína Niemann-Pick C1-like 1 (NPC1-L1), parte de um transportador de colesterol intestinal,
está situada na membrana apical dos enterócitos e promove a passagem do colesterol através da borda em escova
desta célula, facilitando a absorção intestinal do colesterol.
A inibição da proteína NPC1-L1, com consequente inibição seletiva da absorção intestinal do colesterol, tem
sido reconhecida como importante alvo terapêutico no tratamento da hipercolesterolemia.
Após serem absorvidas pelas células intestinais, as diversas partículas lipídicas, particularmente os ácidos
graxos, são utilizadas na produção de quilomícrons, que também contêm ApoB48, o componente amino-terminal da
ApoB100.
Os quilomícrons são, em seguida, secretados pelas células intestinais para o interior do sistema linfático, de
onde alcançam a circulação através do ducto torácico. Enquanto circulam, os quilomícrons sofrem hidrólise pela Lipase
Lipoproteica (LPL), uma enzima localizada na superfície endotelial de capilares do tecido adiposo e músculos, com
consequente liberação de ácidos graxos e glicerol do core, e de colesterol não esterificado da superfície destas
partículas.
Após este processo de lipólise, os ácidos graxos são capturados por células musculares e também adipócitos
− estes últimos importantes reservatórios de TG elaborados a partir de ácidos graxos. Remanescentes de quilomícrons
e ácidos graxos também são capturados pelo fígado, onde são utilizados na formação de VLDL.
Via hepática
O transporte de lípides de origem hepática ocorre por meio das VLDL, IDL e LDL. As VLDL são lipoproteínas
ricas em TG e contêm a ApoB100 como sua Apo principal. As VLDL são montadas e secretadas pelo fígado, sendo
liberadas na circulação periférica.
A montagem das partículas de VLDL no fígado requer a ação de uma proteína intracelular, a chamada proteína
de transferência de TG microssomal (MTP, do inglês microsomal triglyceride transfer protein), responsável pela
transferência dos TG para a ApoB, permitindo a formação da VLDL.
A montagem hepática da VLDL também tem sido reconhecida como foco terapêutico no tratamento da
hipercolesterolemia, seja pela inibição da síntese de Apolipoproteína B 100 (ApoB), ou pela inibição da MTP.
Já na circulação, os TG das VLDL, assim como no caso dos quilomícrons, são então hidrolisados pela LPL,
enzima estimulada pela ApoC-II e inibida pela ApoC-III. Os ácidos graxos assim liberados são redistribuídos para os
tecidos, nos quais podem ser armazenados (como no tecido adiposo), ou prontamente utilizados, como nos músculos
esqueléticos.
Por ação da LPL, as VLDL, progressivamente depletadas de TG, transformam-se em remanescentes, também
removidos pelo fígado por receptores específicos. Uma parte das VLDL dá origem às IDL, que são removidas
rapidamente do plasma. O processo de catabolismo continua e inclui a ação da lipase hepática, resultando na formação
das LDL.
Durante a hidrólise das VLDL, estas lipoproteínas também estão sujeitas a trocas lipídicas com as HDL e as
LDL. Por intermédio da ação da Proteína de Transferência de Ésteres de Colesterol (CETP, do inglês cholesteryl ester
transfer protein), as VLDL trocam TG por ésteres de colesterol com as HDL e LDL. A CETP vem sendo testada como
alvo terapêutico no tratamento de dislipidemias, em particular no tratamento da HDL baixa, e na redução do risco
cardiovascular.
LDL
A LDL tem um conteúdo apenas residual de TG e é composta principalmente de colesterol e uma única apo, a
ApoB100. As LDL são capturadas por células hepáticas ou periféricas pelos Receptores de LDL (LDLR). No interior
das células, o colesterol livre pode ser esterificado para depósito por ação da enzima Acil-CoA:Colesteril Aciltransferase
(ACAT).
A expressão dos LDLR nos hepatócitos é a principal responsável pelo nível de colesterol no sangue e depende
da atividade da enzima Hidroximetilglutaril Coenzima A (HMGCoA) redutase, enzima-chave para a síntese intracelular
do colesterol hepático.
A inibição da HMG-CoA redutase e, portanto, da síntese in tracelular do colesterol é um importante alvo
terapêutico no tratamento da hipercolesterolemia. Com a queda do conteúdo intracelular do colesterol, ocorrem o
aumento da expressão de LDLR nos hepatócitos e a maior captura de LDL, IDL e VLDL circulantes por estas células.
Recentemente, a identificação e a caracterização da Pró-proteína Convertase Subtilisina/Kexina Tipo 9
(PCSK9) introduziram novos conhecimentos ao metabolismo do colesterol. A PCSK9 é uma protease expressa
predominantemente pelo fígado, intestino e rins, capaz de inibir a reciclagem do LDLR de volta à superfície celular,
resultando em menor número de receptores e aumento dos níveis plasmáticos de LDL.
A inibição da PCSK9, outro potencial foco na terapêutica da hipercolesterolemia, bloqueia a degradação do
LDLR, com maior capacidade de clearance da LDL circulante.
HDL
As partículas de HDL são formadas no fígado, no intestino e na circulação. Seu principal conteúdo proteico é
representado pelas apos AI e AII. O colesterol livre da HDL, recebido das membranas celulares, é esterificado por ação
da LecitinaColesterol Aciltransferase (LCAT). A ApoA-I, principal proteína da HDL, é cofator desta enzima.
O processo de esterificação do colesterol, que ocorre principalmente nas HDL, é fundamental para sua
estabilização e seu transporte no plasma, no centro desta partícula. A HDL transporta o colesterol até o fígado, no qual
ela é captada pelos receptores SR-B1.
O circuito de transporte do colesterol dos tecidos periféricos para o fígado é denominado transporte reverso do
colesterol. Neste transporte, é importante a ação do complexo ATP-Binding Cassette A1 (ABC-A1) que facilita a
extração do colesterol da célula pelas HDL.
A HDL também tem outras ações que contribuem para a proteção do leito vascular contra a aterogênese, como
a remoção de lípides oxidados da LDL, a inibição da fixação de moléculas de adesão e monócitos ao endotélio, e a
estimulação da liberação de óxido nítrico.
Além das diferenças em tamanho, densidade e composição química, as lipoproteínas podem diferir entre si em
relação à modificação in vivo por oxidação, glicação ou dessialização. Estas modificações influenciam em seu papel
no metabolismo lipídico e no processo aterogênico. Os ciclos exógeno e endógeno, e o transporte reverso de colesterol
são apresentados na Figura 1.
02: Dislipidemias – classificação, diagnóstico, estratificação de risco cardiovascular, tratamento
medicamentoso e não medicamento, relação da aterosclerose (Diretriz)
Define-se dislipidemia como qualquer alteração nos níveis dos lipídios (ou lípides) com relação a valores
referenciais para uma determinada amostra populacional.
Os distúrbios do metabolismo lipídico, particularmente, a hipercolesterolemia, têm uma forte relação com a
doença vascular aterosclerótica – em especial a doença arterial coronariana (DAC) – e, no caso da hipertrigliceridemia
grave, há um aumento substancial no risco de pancreatite aguda.
Avaliação Laboratorial dos Parâmetros Lipídicos e das Apolipoproteínas

1. Fases pré-analítica e analítica


Os lípides circulam na corrente sanguínea ligados aproteínas específicas formando complexos
denominadoslipoproteínas. O conteúdo de proteínas e de lípides nestes complexos faz com que eles assumam
características de flutuação em gradientes de densidade específica damesma forma, possuem mobilidade eletroforética
própria e expressões de determinantes antigênicos específicos.
Diante destas características, o desenvolvimento dapesquisa permitiu que diversos métodos quantificassem
eclassificassem estas lipoproteínas.
A acurácia na determinação das lipoproteínas pode serdeterminada principalmente por duas fases no
processolaboratorial: a fase pré-analítica, relacionada a procedimentosde coleta, preparo da amostra ou a fatores
intrínsecosdo indivíduo, como estilo de vida, uso de medicações edoenças associadas; e a analítica, relacionada aos
métodos eprocedimentos utilizados pelos laboratórios.

• Fase pré-analítica
Nesta fase, encontram-se todos os procedimentosrealizados antes da amostra do paciente ser processada
pelosequipamentos nos laboratórios, com seus respectivos métodosdescritos anteriormente.
Variação biológica: as lipoproteínas podem sofreralterações ao longo do tempo, caracterizadas como variação
biológica intraindividual. Estas variações podem ser expressaspelo Coeficiente de Variação (CV). Para Colesterol Total
(CT),HDL-c e LDL-c, é cerca de 10% e, para os TG, cerca de 25%.
Uso do torniquete na punção venosa: após 1 minuto de torniquete, pode haver hemoconcentração e, com
relação ao perfil lipídico, ocorrer aumento de cerca de 5% no CT.
Este efeito pode chegar a 10 a 15% com duração superior a5 minutos. Visando minimizar o “efeito torniquete”,
este deveser desfeito tão logo a agulha penetre na veia.23
Condições de preparo do paciente para a coleta
No preparo do paciente para a realização das dosagensdo perfil lipídico, recomenda-se manter o estado
metabólicoestável e a dieta habitual. O jejum não é necessário pararealização do CT, HDL-c e Apolipoproteínas (ApoAI
e ApoB),pois o estado pós-prandial não interfere na concentraçãodestas partículas.
Alguns países da Europa retiraram aobrigatoriedade do jejum de sua rotina, fato que passoua ser questionado
na comunidade médica mundial.Vale ressaltar que o período de jejum de 12 horas nãorepresenta nosso estado
metabólico normal, pois não ficamosconstantemente neste tempo sem nos alimentar. Como jáestá bem sedimentado
na literatura, valores aumentados detriglicerídeos no pós-prandial representam um maior riscopara eventos
cardiovasculares. Alguns autores anteciparamque o fim do jejum para o perfil lipídico seria indicado paraa rotina
laboratorial.
Esta quebra de paradigma traz para a rotina oestado metabólico habitual dos pacientes. A concentraçãode TG
sofre um incremento nesta mudança e, como descritoanteriormente, a elevação dos triglicerídeos no estado pós-
prandial é indicativa de maior risco cardiovascular. Pacientes idosos, diabéticos, gestantes e crianças devem se
beneficiardo fim do jejum, evitando hipoglicemias secundárias aojejum prolongado.
Os laboratórios devem adequar seus procedimentos,incluindo a flexibilização do tempo de jejum,
respeitandosempre a orientação do médico solicitante. O laboratóriodeve informar no laudo as duas diferentes
situações: semjejum e jejum de 12 horas, de acordo com o critério domédico solicitante.
Em algumas situações clínicas específicas,em que a concentração de TG encontra-se muito elevada (>440
mg/dL) uma nova coleta de amostra para o perfil lipídicodeve ser solicitada pelo médico ao paciente com jejum de12
horas.
Estão entre elas a Doença Cardiovascular (DCV)aterosclerótica precoce e a história de hiperlipidemia genética
familiar. O médico deve avaliar o resultado do perfil lipídicodo paciente, de acordo com a indicação do exame, o
estadometabólico e a estratificação de risco.
• Fase analítica
Existem vários métodos disponíveis e utilizados na rotina doslaboratórios clínicos, mas alguns ainda são
restritos à pesquisa. A ultracentrifugação é o método de referência paraa separação das diferentes lipoproteínas, sendo
suaclassificação derivada deste método. Ela se baseia napropriedade de flutuação das partículas em relação às
suasdensidades de equilíbrio em campo gravitacional intenso.
Por ultracentrifugação, é possível separar grande parte das lipoproteínas: LDL, IDL, Lp(a), HDL e VLDL, além
dosquilomícrons. O método, apesar de todas estas virtudes, nãoé adequado à rotina laboratorial, por ser muito caro e
moroso. Assim, é restrito a protocolos de pesquisa.
A espectroscopia por ressonância magnética e aespectrometria de massas com a técnica de MALDI-TOF
(Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization Time-of-Flight) são métodos também restritos à pesquisa, que podem
serutilizados para mensuração das lipoproteínas.
A eletroforese se baseia na propriedade das proteínasse tornarem carregadas negativamente quando
colocadasem meio com pH superior ao seu ponto isoelétrico, dentrode um campo elétrico. Além da carga das proteínas,
otamanho da partícula interfere na migração. As lipoproteínasHDL, LDL e VLDL e os quilomícrons podem ser
separados eletroforeticamente em fitas de acetato de celulose, gelagarose e gel de poliacridamida. Esta separação
permite suaanálise qualitativa e semiquantitativa. Dependendo da técnicaempregada, pode-se conseguir maior
resolução técnica,permitindo melhor separação das diferentes lipoproteínase de suas subfrações. A eletroforese de
baixa resoluçãopraticamente não é mais realizada nos laboratórios clínicos,pois não consegue discriminar com
precisão as diferentes
lipoproteínas, enquanto as eletroforeses de maior resoluçãoconseguem separar diversas frações das lipoproteínas,
mascom custo elevado e pouca difusão na prática clínica.
Os métodos enzimáticos colorimétricos são os maisutilizados nos dias de hoje em laboratórios clínicos para
adeterminação do CT, do HDL-c e dos triglicerídeos. Para oCT e os triglicerídeos, os diversos kits comerciais
apresentamboa correlação e baixo CV entre eles, podendo comparar osresultados de diferentes laboratórios em uma
mesma amostra.Já para o HDL-c, podem-se encontrar variações de até 15%entre os métodos disponíveis.
Estes métodos constituem a melhor opção por apresentarem muito boa sensibilidade e especificidade,
simplicidade operacional, baixo custo e possibilidade de automação em laboratórios clínicos. Para o LDL-c, existem
duas opções: o cálculo ou a dosagem direta.
Ainda hoje, a maior parte dos laboratórios pelo mundo utilizapara o cálculo a fórmula de Friedewald descrita
em 1972 eque apresenta muitas limitações em sua utilização. Na fórmula de Friedewald, LDL-c = CT – HDL-c –TG/5,
sendo o valorde TG/5 uma estimativa da VLDL-c e todas as concentrações expressas em mg/dL. Algumas condições
são exigidas paraque os resultados sejam confiáveis e possam ser consideradoscom exatidão adequada.
A concentração dos triglicerídeos deve ser
menor que 400 mg/dL, e valores acima de 100
mg/dL de TG já começam a subestimar os valores
de LDL quandocomparados à ultracentrifugação.
Outra limitação ao uso dafórmula é que as amostras
não devem conter beta-VLDL, característica da
hiperlipoproteinemia tipo III. Quando umaou mais
das condições anteriores não são cumpridas, a
fórmulanão pode ser utilizada.
Recentemente, Martin et al. sugeriram
outro métodopara estimar os valores de LDL-c,
utilizando como referênciaa ultracentrifugação, e,
por meio de cálculos estatísticos,definiram
diferentes divisores para o valor de TG,
quepermitem estimar com maior fidedignidade os
valoresde VLDL-c. Para obter estes divisores
depende-se dasconcentrações do Colesterol Não
HDL (não HDL-c) e do TGda amostra do paciente
(Tabela 1).
Com este novo divisor(x) aplica-se a
fórmula: LDL-c = CT – HDL-c – TG/x, ondex varia
de 3,1 a 11,9.
Outra forma de apresentar os valores de
LDL-c seria adosagem direta da fração por meio de
ensaios colorimétricos. O principal problema da
dosagem direta do LDL-c é a grande variação
existente entre os ensaios disponíveis no mercado.
Esta variação pode chegar a 30% e ainda não é muito bementendida na literatura, mas provavelmente isso se
deve àsdiferentes especificidades de cada ensaio por cada subfração da LDL. Esta variação poderia ser uma condição
limitantepara a utilização ampla da dosagem direta na prática clínica.
A utilização do não HDL-c também serve como parâmetro para avaliação das dislipidemias, que pode serobtido
subtraindo o valor de HDL-c do valor de CT (nãoHDL-c = CT - HDL-c). Este parâmetro pode ser utilizado naavaliação
dos pacientes dislipidêmicos, principalmente naquelescom concentrações de triglicerídeos superiores a 400 mg/dL.
Os métodos de turbidimetria e nefelometria são rotineiramente utilizados para dosagem de grande partedas
proteínas plasmáticas e amplamente usados para a dosagem das apolipoproteínas. Estes métodos apresentamboa
correlação entre eles e um CV abaixo de 10%.
A acurácia na determinação dos valores do perfil lipídico éfundamental, pois os alvos terapêuticos (valores
referenciais)são os mesmos utilizados por todos os laboratórios.
Otreinamento do pessoal técnico, o processamento dos controlesde qualidade e a adequada calibração dos
equipamentosautomatizados são fundamentais para a manutenção deelevados níveis de precisão e exatidão das
dosagens.
Recomendação:
O perfil lipídico completo pode ser coletado sem jejum, mantendo-se o estado metabólico estável e dieta habitual;
Os valores de colesterol total, HDL-c,não HDL-c e LDL-c não sofrem influência do estado alimentar;
Se a concentração de triglicérides estiver elevada (> 440 mg/dL) sem jejum, o médico fará outra prescriçãopara nova
avaliação de triglicérides com jejum de 12 horas e será considerado um novo exame de triglicérides pelo laboratório
clínico;
O laboratório deve informar no laudo as duas diferentes situações: sem jejum e jejum de 12 horas, de acordo com o
critério do médico solicitante;
O médico avaliará o resultado do perfil lipídico do paciente, de acordo com a indicação do exame, o estado metabólico
e a estratificação de risco.
2. Micro técnica (ponta de dedo)
A utilização da metodologia de punção capilar (POCT, sigla to inglês Point-of-CareTesting) ou Teste Laboratorial
Remoto (TLR) na cardiologia tem demonstrado eficáciapara investigar as variações dos lípides no sangue.
Nasdislipidemias, o início precoce do tratamento farmacológicoprevine as consequências das DCV e suas
intervençõesclínicas, especialmente na HF.
O investimento em tecnologia dos equipamentosportáteis tornou-os mais sofisticados e precisos, levando opaciente
próximo do local dos testes, principalmente paraos tratamentos intensivos e de Atenção Primária à Saúde.
No sistema POCT, é possível quantificar os lípides isoladamente ou o perfil lipídico completo. Estes
analisadoresportáteis possibilitam avaliar o perfil lipídico em uma únicatira reagente, utilizando o sangue total de punção
capilar, eo resultado é obtido em poucos minutos. No teste do perfillipídico, são dosados diretamente o CT, os TG e
HDL-c; oLDL-c é calculado pela equação de Friedewald, quando TG < 400 mg/dL. Os valores obtidos permitem estimar
o nãoHDL-c e, como geralmente a coleta é realizada em situaçãopós-prandial, é importante porque agrega a avaliação
derisco para DCV.
Em geral, os dispositivos TLR podem ter maior variabilidadeem relação aos equipamentos encontrados nos
laboratóriosclínicos. Estas diferenças analíticas podem ser devidas a umacombinação de variações ambientais, como
temperatura,umidade, uso de uma amostra de sangue total e treinamentode operadores individuais. O desempenho
do sistema TRL éconsiderado aceitável se o CV estiver nos valores de ± 10%(CT), ± 12% (HDL-c) e ± 15% TG.
Apesar do custo do teste POCT ainda ser relevante, asvantagens para o perfil lipídico neste sistema são
várias,comonas situações de triagem da HF, em programas de saúde paraavaliação de funcionários nas empresas,
quando é necessárioobter amostras de comunidades isoladas, em crianças e idososcom dificuldade para a punção
venosa e outras ocorrênciasde risco iminente.
3. Variação intraindividual
A variação intraindividual dos lipídios plasmáticos éconsiderável e importante, principalmente nos pacientesque
apresentam valores próximos aos limites de tomada dedecisão clínica. Esta variação pode ser de 5 a 10% para o CTe
em torno de 20% para os TG − esta última particularmentepresente nos indivíduos com hipertrigliceridemia.
Pacientes com alterações no perfil lipídico devem ter seusexames confirmados com a coleta de uma nova amostra.
Casoainda persista a variação, o paciente deve ser encaminhadoa um serviço especializado para investigação
complementar e confirmação diagnóstica.
4. Valores referenciais do perfil lipídico
Esta atualização sugere que os valores referenciais e dealvo terapêutico do perfil lipídico (adultos > 20 anos)
sejamapresentados de acordo com o estado metabólico queantecede a coleta da amostra, sem jejum e com jejum
de12 horas.
Assim, os valores referenciais e de alvo terapêutico,obtidos de acordo com a avaliação de risco
cardiovascularestimado pelo médico solicitante, são apresentados na tabela 2e devem constar dos laudos laboratoriais,
em todo o territórionacional, para que se obtenha uniformidade no tratamentodas dislipidemias.
É importante ressaltar que esta atualizaçãosugere ainda a inclusão de um texto observando que valores de CT ≥
310 mg/dL (para adultos) ou CT ≥ 230 mg/dL (criança se adolescentes) podem ser indicativos de HF, se excluídas
asdislipidemias secundárias.A HF é a mais comum entre asdislipidemias e seus portadores têm 20 vezes mais risco
demorte precoce por DCV.
Como para o LDL-c e o não HDL-c, os valores referenciaisvariam de acordo com o risco cardiovascular estimado,
nestaatualização são sugeridos valores de alvo terapêutico para estasvariáveis, de acordo com a categoria de risco.
Os parâmetrosCT, HDL-c, LDL-c e não HDL-c não sofrem influência doestado alimentar. Para os TG sem jejum o valor
desejável é considerado < 175 mg/dL.
O laboratório deve informar no laudo o tempo de jejum paraas seguintes situações: sem jejum ou com jejum de 12
horas, deacordo com o critério do médico solicitante. Informar no laudoos valores referenciais para TG com e sem
jejum.

Recomendação:
Os valores referenciais desejáveis de colesterol total e HDL-c são idênticos com e sem jejum;
Os níveis desejáveis de triglicérides são diferentes no estado com e sem jejum;
Os valores de alvo terapêutico de LDL-c e não HDL-c passam a ser categorizados nesta atualização de acordo com a
estimativa de risco;
O colesterol total, o HDL-c e os triglicerídeos devem ser analisados por métodos enzimáticos colorimétricos;
Na maioria dos laboratórios, o LDL-c é calculado pela fórmula de Friedewald ou analisado por dosagem direta;
A utilização de fator de correção para a fórmula de Friedewald aumenta a acurácia na estimativa do LDL-c;
A dosagem das apolipoproteínas A1 e B-100 não oferece vantagens ao HDL-c e ao não HDL-c, respectivamente,
embora a ApoB e o não HDL-c tenham se mostrados superiores ao LDL-c;
A determinação rotineira de ApoA1 e ApoB não é recomendada. A dosagem de Lp(a) não é recomendada de rotina na
avaliação do risco cardiovascular, podendo ser solicitada na estratificação de risco na hipercolesterolemia familiar e
naqueles com alto risco de doença coronária prematura.
5. Tamanho das partículas de lipoproteínas
Existe considerável heterogeneidade no tamanhodas partículas de LDL, cuja densidade pode variar entre1,019 a
1,063 g/L, particularmente em pacientes com hiperlipidemia mista, quando comparados a portadoresde HF isolada.
As partículas de LDL pequenas e densascoexistem com níveis elevados de TG, sendo consideradasmais
aterogênicas do que LDL maiores e boiantes, que predominam em concentrações mais baixas de TG.
Apesar da possível maior aterogenicidade das partículas LDL pequenas e densas, alguns estudos têm mostrado
que otamanho da partícula de LDL por si só pode não se associarcom o risco futuro de eventos cardiovasculares,
quandose leva em conta o aumento da concentração do total departículas de LDL presente nestas situações.
A quantificação da fração de partículas LDL pequenase densas, geralmente limitada a técnicas complexas,
maisrecentemente passou a contar com um método de ensaiosimples e inovador, utilizado no estudo ARIC
(AtherosclerosisRisk in Communities), que revelou incidência de DoençaArterial Coronariana (DAC) associada à fração
de partículasLDL pequenas e densas em indivíduos de menor risco com LDL-c < 100 mg/dL.
De modo semelhante ao consideradocom relação às apo, não existem evidências atuais para aprática clínica custo-
efetiva, que justifiquem a determinaçãolaboratorial do tamanho das partículas de lipoproteínas(particularmente das
partículas LDL pequenas e densas) ou daquantificação de seu número presente no plasma. Diretrizesfuturas podem
examinar o quanto a inclusão destes parâmetrospode ser útil na melhora da predição do risco cardiovascular.
6. Genotipagem em hipercolesterolemia familiar
A HF, uma das doenças monogênicas mais comuns, foidescrita como doença de herança autossômica
dominante,sendo caracterizada pela elevação do CT e do LDL-c. O defeitomais frequente na HF é uma mutação no
gene específico doreceptor para LDL plasmático.
O diagnóstico das dislipidemias genéticas monogênicasé clínico, mas a determinação da mutação, pela análise
deDNA, pode ser útil para um diagnóstico preciso. A análisede DNA é considerada parte dos critérios diagnósticosde
algumas dislipidemias monogênicas. No entanto, adeterminação genética não tem impacto no tratamento enem no
prognóstico dos pacientes.
Recomendação:
O diagnóstico genético (análise dos genes LDLR, ApoB e PCSK9) é padrão de referência para diagnóstico de
hipercolesterolemia familiar e, quando disponível, deve ser oferecido para pacientes com diagnóstico definitivo
(certeza) ou provável de hipercolesterolemia familiar com o objetivo de viabilizar rastreamento familiar em cascata de
maneira mais custo-efetiva;
A oferta do teste genético para casos em que o diagnóstico de hipercolesterolemia familiar é possível deve ser
analisada em cada caso;
O melhor método para diagnóstico genético de hipercolesterolemia familiar é o sequenciamento das regiões
codificadoras dos genes LDLR, ApoB e PCSK9, associado à pesquisa de grandes deleções/inserções no gene LDLR
em casos em que uma mutação não seja identificada;
O teste genético deve ser realizado por equipe especializada e oferecido dentro de um contexto de aconselhamento
genético, compreendendo informações pré e pós-teste, além de encaminhamento para tratamento específico;
O rastreamento em cascata é custo-efetivo e deve ser realizado em todos os familiares em primeiro, segundo e
terceiro graus de paciente com diagnóstico de hipercolesterolemia familiar. O rastreamento em cascata mais custo-
efetivo é o que utiliza informação genética de indivíduos afetados, no qual uma mutação causadora da doença tenha
sido identificada. O rastreamento clínico/bioquímico deve ser feito mesmo quando a realização de teste genético não
é possível.
7. Biomarcadores inflamatórios
Atualmente, a associação entre inflamação e DCV estámuito bem estabelecida. Entre os diversos
biomarcadoresinflamatórios propostos para estratificação do riscocardiovascular (moléculas de adesão: ICAM-1 e
VCAM-1,E-selectina e P-selectina; citocinas: Interleucina 6 − IL-6 eFator de Necrose Tumoral alfa – TNF-α; bem como
proteínas de fase aguda: proteína C-reativa, fibrinogênio e amiloide sérica A), a Proteína C-Reativa de Alta
Sensibilidade (PCR-us)parece contribuir para a identificação de indivíduos sob riscode desenvolvimento de DCV.
A dosagem imunoquímica do PCR-us, dentre as proteínas de fase aguda, é estável, disponível e apresenta
coeficientes de variação aceitáveis (< 10%), sendo capaz de reclassificar indivíduos de riscointermediário para uma
categoria superior, quando seus níveissão elevados.
Embora esta atualização não utilize fatoresagravantes de risco para reclassificação do risco, a presença de PCR-
us> 2 mg/L sugere a necessidade de intensificar o tratamento hipolipemiante. Não é recomendada sua dosagemcom
finalidade de estratificação de risco em indivíduos comdoença aterosclerótica manifesta ou subclínica, nos diabéticose
naqueles de alto risco cardiovascular global, embora possaacrescentar informação prognóstica nestes indivíduos.
Interpretação dos valores, quando excluídas causasinflamatórias, infecciosas ou imunes de elevação de PCR-us:
Baixo risco: < 1mg/L; Médio risco: 1 a 2 mg/L; Alto risco: > 2mg/L; Muito alto risco: ≥ 10mg/L.
Classificação das Dislipidemias
As dislipidemias podem ser classificadas em hiperlipidemias (níveis elevados de lipoproteínas) e hipolipidemias
(níveis plasmáticos de lipoproteínas baixos).
Várias são as classificações propostas, dentre as maisimportantes temos as que se seguem.
Classificação etiológica
Tanto as hiper quanto as hipolipidemias podem ter causas primárias (são aquelas nas quais o distúrbio lipídico é de
origem genética ou secundárias (decorrente de estilode vida inadequado, de certas condições mórbidas, ou
demedicamentos).

Classificação laboratorial
A classificação laboratorial das dislipidemias nestaatualização sofreu modificações, e os valores referenciais e
osalvos terapêuticos foram determinados de acordo com o riscocardiovascular individual e com o estado alimentar
(Tabela 3).
As dislipidemias podem ser classificadas de acordo com a fraçãolipídica alterada em:
Hipercolesterolemia isolada: aumento isolado do LDL-c (LDL-c ≥ 160 mg/dL).
Hipertrigliceridemia isolada: aumento isolado dostriglicérides (TG ≥ 150 mg/dL ou ≥ 175 mg/dL, se a amostra for obtida
sem jejum).
Hiperlipidemia mista: aumento do LDL-c (LDL-c ≥160 mg/dL) e dos TG (TG ≥ 150 mg/dL ou ≥ 175 mg/dL, se a amostra
for obtida sem jejum). Se TG ≥ 400mg/dL, o cálculo do LDL-c pela fórmula de Friedewald é inadequado, devendo-se
considerar a hiperlipidemia mista quando o não HDL-c ≥ 190 mg/dL.
HDL-c baixo: redução do HDL-c (homens < 40 mg/dL e mulheres < 50 mg/dL) isolada ou em associação aoaumento
de LDL-c ou de TG.
Classificação fenotípica (Fredrickson)
A classificação proposta por Fredrickson é baseada nos padrões de lipoproteínas associados a concentrações
elevadasde colesterol e/ou TG, não sendo considerado o HDL-c.
A classificação de Fredrickson tem por base a separação eletroforética e/ou por ultracentrifugação das
fraçõeslipoproteicas, distinguindo-se seis tipos. Embora se reconheçaa grande contribuição desta classificação, elaé
hoje muitopouco utilizada, pois pouco colabora para o conhecimentoda etiologia (exceto na disbetalipoproteinemia) ou
da decisão terapêutica (Quadro 4).

Dislipidemias de forte componente genético


A biologia molecular acrescentou um vasto campode conhecimento no metabolismo lipídico. Atualmente, foi
facilitada a compreensão da influência genética nainteração entre lipoproteínas e receptores e na expressão de
diversas enzimas.
Os principais tipos de dislipidemias com forte componentegenético serão apresentados em situações especiais.
O lipidograma (eletroforese de lipoproteínas) não é examerotineiramente solicitado, mas pode auxiliar no diagnósticoda
dislipidemia em raras situações.
Estratificação do Risco Cardiovascular para Prevenção e Tratamento da Aterosclerose e Metas
Terapêuticas
Um evento coronário agudo é a primeira manifestaçãoda doença aterosclerótica em pelo menos metade
dosindivíduos que apresentam esta complicação. Desta forma,a identificação dos indivíduos assintomáticos que estão
maispredispostos é crucial para a prevenção efetiva, com a corretadefinição das metas terapêuticas individuais.
A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica deorigem multifatorial, que ocorre em resposta à
agressãoendotelial, acometendo principalmente a camada íntimade artérias de médio e grande calibre.
Em geral, as lesõesiniciais, denominadas estrias gordurosas, formam-se aindana infância e caracterizam-se por
acúmulo de colesterol emmacrófagos.
Com o tempo, mecanismos protetores levam aoaumento do tecido matricial, que circunda o núcleo lipídico,mas,
na presença de subtipos de linfócitos de fenótipomais inflamatório, a formação do tecido matricial se
reduz,principalmente por inibição de síntese de colágeno pelascélulas musculares lisas que migraram para íntima
vascular epor maior liberação de metaloproteases de matriz, sintetizadas por macrófagos, tornando a placa lipídica
vulnerável acomplicações.
A formação da placa aterosclerótica inicia-se com aagressão ao endotélio vascular por diversos fatores de
risco,como dislipidemia, hipertensão arterial ou tabagismo.
Como consequência, a disfunção endotelial aumenta apermeabilidade da íntima às lipoproteínas plasmáticas,
favorecendo a retenção destas no espaço subendotelial. Retidas, as partículas de LDL sofrem oxidação, causando a
exposição de diversos neoepítopos, tornando-as imunogênicas.
O depósito de lipoproteínas na parede arterial, processo chave no início da aterogênese, ocorre de maneira
proporcional à concentração destas lipoproteínas no plasma.
Além do aumento da permeabilidade às lipoproteínas, outramanifestação da disfunção endotelial é o surgimento
demoléculas de adesão leucocitária na superfície endotelial,processo estimulado pela presença de LDL oxidada.
Asmoléculas de adesão são responsáveis pela atração demonócitos e linfócitos para a intimidade da parede arterial.
Induzidos por proteínas quimiotáticas, os monócitos migrampara o espaço subendotelial, no qual se diferenciam
emmacrófagos, que, por sua vez, captam as LDL oxidadas.
Os macrófagos repletos de lípides são chamados de célulasespumosas e são o principal componente das
estriasgordurosas, lesões macroscópicas iniciais da aterosclerose.Uma vez ativados, os macrófagos são, em grande
parte,responsáveis pela progressão da placa aterosclerótica por meioda secreção de citocinas, que amplificam a
inflamação, e deenzimas proteolíticas, capazes de degradar colágeno e outroscomponentes teciduais locais.
Outras células inflamatórias também participam doprocesso aterosclerótico. Os linfócitos T, embora
menosnumerosos que os macrófagos no interior do ateroma, são de grande importância na aterogênese. Mediante
interação comos macrófagos, as células T podem se diferenciar e produzircitocinas que modulam o processo
inflamatório local.
Diversos mecanismos têm sido propostos para a aterogênesee suas complicações, como a oxidação de
lipoproteínas(principalmente lipoproteínas de baixa densidade) e aalteração fenotípica do endotélio vascular,
produzindosubstâncias quimiotáticas de linfócitos, liberando espéciesreativas de oxigênio, promovendo vasoconstrição
e reduzindopropriedades antitrombóticas.
Recentemente, o comprometimento da resposta imunede linfócitos, diminuindo a produção de anticorpos anti-LDL
oxidada, foi associado à aterosclerose e complicações.
A maior gravidade da aterosclerose está relacionada com fatoresde risco clássicos, como dislipidemia, diabetes,
tabagismo,hipertensão arterial, entre outros, mas, a nível celular, cristaisde colesterol, microfilamentos liberados por
neutrófilos,isquemia e alterações na pressão de arrasto hemodinâmicotêm sido implicados na ativação de complexo
inflamatório,que se associa com ruptura da placa aterosclerótica ou erosãoendotelial.
A partir destas complicações, ocorre interaçãodo fator tecidual da íntima vascular com fator VIIa circulante, levando
à geração de trombina, ativação plaquetária eformação do trombo, determinando as principais complicaçõesda
aterosclerose, infarto agudo do miocárdio e AcidenteVascular Cerebral (AVC).
Alguns mediadores da inflamação estimulam a migraçãoe a proliferação das células musculares lisas da
camadamédia arterial. Estas, ao migrarem para a íntima, passam aproduzir não só citocinas e fatores de crescimento,
comotambém matriz extracelular, que formará parte da capafibrosa da placa aterosclerótica.
A placa ateroscleróticaplenamente desenvolvida é constituída por elementoscelulares, componentes da matriz
extracelular e núcleolipídico e necrótico, formado principalmente por debris de células mortas. As placas estáveis
caracterizam-se porpredomínio de colágeno, organizado em capa fibrosa espessa,escassas células inflamatórias, e
núcleo lipídico e necróticode proporções menores.
As instáveis apresentam atividadeinflamatória intensa, especialmente em suas bordas laterais,com grande
atividade proteolítica, núcleo lipídico e necróticoproeminente, e capa fibrótica tênue.
A ruptura desta capaexpõe material lipídico altamente trombogênico, levandoà formação de um trombo
sobrejacente. Este processo, também conhecido por aterotrombose, é um dos principaisdeterminantes das
manifestações clínicas da aterosclerose.
Assim, a estimativa do risco de doença aterosclerótica resulta dasomatória do risco associado a cada um dos
fatores de riscomais a potenciação causada por sinergismos entre algunsdestes fatores.
Diante da complexidade destas interações,a atribuição intuitiva do risco frequentemente resulta emsub ou
superestimação dos casos de maior ou menor risco,respectivamente. Para contornar esta dificuldade,
diversosalgoritmos têm sido criados, baseados em análises de regressãode estudos populacionais, por meio dos quais
a identificaçãodo risco é substancialmente aprimorada.
Dentre os diversos algoritmos existentes, esta atualizaçãorecomenda a utilização do Escore de Risco Global
(ERG),que estima o risco de infarto do miocárdio, AVC, ouinsuficiência cardíaca, fatais ou não fatais, ou insuficiência
vascular periférica em 10 anos.
Ele deve ser utilizado naavaliação inicial, ou mesmo em pacientes em uso de estatinas,entre os indivíduos que não
foram enquadrados nas condiçõesde muito alto ou alto risco apresentadas a seguir e pode serencontrado pelo
aplicativo obtido no site do Departamentode Aterosclerose da SBC para os sistemas Android e IOS.

• Estratificação do risco cardiovascular em pacientes sem tratamento hipolipemiante


Risco muito alto: Indivíduos que apresentem doença ateroscleróticasignificativa (coronária, cerebrovascular, vascular
periférica, comou sem eventos clínicos, ou obstrução ≥ 50% em qualquerterritório arterial.
Alto risco:
Para fins desta atualização, foram considerados de alto riscoos indivíduos em prevenção primária:
Portadores de aterosclerose na forma subclínica documentadapor metodologia diagnóstica: ultrassonografia
de carótidascom presença de placa; Índice Tornozelo-Braquial (ITB) <0,9; escore de Cálcio Arterial Coronariano (CAC)
> 100 oua presença de placas ateroscleróticas na angiotomografia (angio-CT) de coronárias.
Aneurisma de aorta abdominal.Doença renal crônica definida por Taxa de FiltraçãoGlomerular (TFG) < 60
mL/min, e em fase não dialítica.Aqueles com concentrações de LDL-c ≥ 190 mg/dL.
Presença de diabetes melito tipos 1 ou 2, e com LDL-centre 70 e 189 mg/dL e presença de Estratificadores de
Risco (ER) ou Doença Aterosclerótica Subclínica (DASC).
Definem-se ER e DASC no diabetes como:ER: idade ≥ 48 anos no homem e ≥ 54 anos na mulher;tempo de
diagnóstico do diabetes > 10 anos; história familiarde parente de primeiro grau com DCV prematura (< 55anos para
homem e < 65 anos para mulher); tabagismo(pelo menos um cigarro no último mês); hipertensão arterialsistêmica;
síndrome metabólica, de acordo com a International Diabetes Federation; presença de albuminúria >30 mg/g de
creatinina e/ou retinopatia; TFG < 60 mL/min.
DASC: ultrassonografia de carótidas com presença deplaca > 1,5 mm; ITB < 0,9; escore de CAC > 10;
presençade placas ateroscleróticas na angio-CT de coronárias.
Pacientes com LDL-c entre 70 e 189 mg/dL, do sexo masculino com risco calculado pelo ERG > 20% e
nasmulheres > 10%.
Risco intermediário: Indivíduos com ERG entre 5 e 20% no sexo masculino eentre 5 e 10% no sexo femininoou ainda
os diabéticos sem oscritérios de DASC ou ER listados anteriormente.
Baixo risco: Pacientes do sexo masculino e feminino com risco em10 anos < 5%, calculado pelo ERG.
Observação: esta atualização não utiliza os fatoresagravantes para reclassificação do risco cardiovascular.

• Estratificação De Risco Em Pacientes Em Uso De Estatinas


Os escores de risco para avaliação do risco cardiovasculardevem ser utilizados na avaliação inicial naqueles
indivíduosque não se enquadram nas situações de alto e muito alto risco,e que não recebam terapia modificadora de
lípides. No entanto, aqueles sob terapêutica hipolipemiante não podem ter suaestratificação de risco e determinação
das metas estabelecidas.
Este documento propõe a utilização de um fator decorreção para o CT para o cálculo do ERG em pacientes sob
terapia hipolipemiante. Assim, em pacientes em uso deestatina, deve-se multiplicar o CT por 1,43, como utilizadoem
alguns ensaios clínicos que tomam por base uma reduçãomédia de 30% do CT com estatinas.
Este valor foi derivadode estudos que compararam a eficácia de várias estatinas nasdoses utilizadas e que admitem
uma redução média de LDL-c~ 30% com o tratamento. Isto se aplica à maior parte dospacientes que usam doses
moderadas de estatinas.
A utilização deste fator de correção tem limitações. Podesubestimar o CT basal nos pacientes utilizando
estatinaspotentes e em doses altas, ou combinações de fármacos; nãoconsidera a variabilidade na resposta individual
ao tratamento,e nem os efeitos do tempo de exposição ao tratamento naatenuação do risco. Porém, como o colesterol
é classificadoem faixas, o impacto do fator de correção é atenuado (Graude Recomendação: IIa; Nível de Evidência:
C)
Observação: o escore de risco é dinâmico, pois ocontrole dos fatores de risco, por meio de intervenções
nãofarmacológicas ou farmacológicas, reduz o risco calculadodo paciente. Este documento orienta que, na vigência de
medicamentos hipolipemiantes, mesmo que o valor absolutode LDL-c alcançado seja muito menor do que a meta
atualpreconizada pelo ERG, a dose e a intensidade de tratamentonão devem ser modificadas.
Exemplo de caso clínico: paciente do sexo masculino,61 anos, em prevenção primária, tabagista, pressão
arterialsistólica (não tratada) de 155 mmHg, CT de 210 mg/dL, HDL-c de 40 mg/dL, LDL-c (calculado) de 140 mg/dL,
TG de150 mg/dL. Cálculo do ERG > 20% (alto risco) com propostade redução de LDL-c > 50%. Recebeu orientação
para usode estatina de alta potência. Após 18 meses, procura outromédico, informando que parou de fumar, está com
pressãoarterial sistólica de 125 mmHg, tratada com anti-hipertensivo,e traz exames recentes em uso de estatina de
alta potência,com CT de 111 mg/dL, HDL-c de 43 mg/dL, LDL de 38 mg/dL e TG de 150 mg/dL, além de risco calculado
intermediário.Apesar da diminuição do escore de risco calculadoapós as intervenções terapêuticas, este
documentoreforça a importância da manutenção das medidas nãofarmacológicas e farmacológicas, em especial o uso
daestatina de alta potência.

• Metas terapêuticas absolutas e redução porcentual


Estudos caso-controle, observacionais e genéticos atestama importância do colesterol plasmático elevado como
um dosprincipais fatores de risco modificáveis para DCV, principalmentepara DAC, mas também para AVC isquêmico.
Estudos deintervenção, por sua vez, demonstram inequívoca diminuição dataxa de desfechos cardiovasculares
proporcionada pela reduçãodo colesterol plasmático, particularmente dos níveis de LDL-c.
Grandes ensaios clínicos com estatinas demonstram que, quantomaior a redução absoluta do LDL-c, maior a
redução do risco relativo de eventos cardiovasculares.
Até o momento, não se identifica um limiar abaixo do qual o tratamento hipolipemiante deixa de promover benefício
cardiovascular.
Esta atualização mantém a recomendação de se alcançarmetas de LDL-c (meta primária) e de não HDL-c
(metasecundária) de acordo com o risco cardiovascular (Tabela 4), embora reconheça que tais metas sejam derivadas
de subanálises de estudos randomizados e controlados. Estes ensaios, emsua maioria, não testaram diretamente o
benefício de sealcançarem diferentes metas de LDL-c, mas avaliaram oresultado da prescrição de doses fixas de
medicamentos hipolipemiantes, quase sempre estatinas, para pacientes com determinadas características.

Desta forma, esta atualização passa a recomendar, alémdo alcance de metas, o uso preferencial de
medicamentosnas doses utilizadas nos grandes ensaios clínicos e quedemonstraram benefício clínico.
Esquematicamente, os regimesterapêuticos podem ser classificados de acordo com sua intensidade em reduzir
percentualmente o LDL-c (Tabela 5). Para o subgrupo de indivíduos com risco cardiovascularmuito alto, a meta de
LDL-c deve ser < 50 mg/dL (Quadro 5).
Para os indivíduos classificados como de risco cardiovascularalto, esta atualização recomenda meta de LDL-c <
70 mg/dL(Quadro 5). Sempre que possível e tolerado, deve-se darpreferência para o uso de estatina de alta intensidade
ou da associação entre ezetimiba e estatina (sinvastatina 40 mg ououtra estatina com potência pelo menos
equivalente), ou seja,os tratamentos que promovem, em média, redução do LDL-cde pelo menos 50% (Tabela 5 e
Quadro 5).
Para os indivíduos de risco cardiovascular intermediário,esta atualização propõe meta de LDL-c < 100
mg/dL(Quadro 5). Nestes casos, sempre que possível e tolerado,deve-se preferir o uso de estatina de intensidade pelo
menosmoderada, ou seja, tratamentos associados à redução doLDL-c entre 30 a 50% (Tabela 5 e Quadro 5).
Para indivíduos de baixo risco cardiovascular, a meta deLDL-c deve ser < 130 mg/dL. O tratamento
medicamentosodeve ser considerado principalmente naqueles com LDL-cpersistentemente acima de 160 mg/dL
(Quadro 5).

A meta secundária para o não HDL-c deve ser 30 mg/dL acima da meta para o LDL-c. Assim, no risco muito
alto, a meta do não HDL-c deve ser < 80 mg/dL; no alto risco, < 100 mg/dL; no risco intermediário, < 130 mg/dL; e no
baixo risco, < 160 mg/dL.
Com relação aos TG, considera-se que pacientes com valores ≥ 500 mg/dL devem receber terapia
apropriadapara redução do risco de pancreatite. Aqueles com valores entre 150 e 499 mg/dL devem receber terapia
individualizada, com base no risco cardiovascular e nascondições associadas.
Para outras variáveis, como níveis de Apolipoproteínas ou de Lp(a), também não são especificadas metas
terapêuticas, embora se reconheça que a ApoB119 e a Lp(a)120 possam adicionar informação prognóstica em relação
à LDL-c emalguns subgrupos de pacientes.
Tratamento não medicamentoso
Foca em controlar a hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia com terapia nutricional, controle de peso corporal,
redução de bebida alcoólica, redução da ingesta de açúcares e carboidratos, substituição parcial de ácidos graxos
saturados por mono e poli-insaturados, exclusão dos ácidos graxos trans (por aumentarem a concentração plasmática
de LDL-c e induzirem intensa lesão aterosclerótica), prática de atividade física, cessação do tabagismo.
Há, também, sinais de que o consumo de fitosteróis, fitostanóis e seus ésteres, que são um grupo de esteroides
alcoólicos e ésteres, que ocorrem exclusivamente em plantas e vegetais (óleos vegetais, cereais, grãos), reduz a
absorção de colesterol, principalmente por comprometimento da solubilização intraluminal (micelas), bem como
porções de alimentos fonte de proteína de soja e de fibras solúveis.
Tratamento medicamentoso
A decisão para o início da terapia medicamentosa dasdislipidemias depende do:
Risco cardiovascular do paciente: em pacientes demuito alto ou alto risco cardiovascular, o tratamentoda
dislipidemia deve incluir medicamentos já em associaçãocom as modificações do estilo de vida a serem propostas.Para
os pacientes de risco moderado ou baixo, o tratamentoserá iniciado apenas com as medidas do estilo de vida, coma
associação, em uma segunda etapa, de medicamentos, senecessário, para obtenção das metas definidas do LDL-c.
Otempo de reavaliação após a implantação das medidas demodificações do estilo de vida pode ser de 3 a 6 meses.
Tipo de dislipidemia presente: define a escolha da classe terapêutica. Os medicamentos hipolipemiantes costumam
ser divididos nos que agem predominantemente nas taxas séricas decolesterol e naqueles que agem
predominantemente nastaxas de TG.
Medicamentos com ação predominante na colesterolemia
Na hipercolesterolemia isolada, os medicamentosrecomendados são as estatinas, que podem ser
administradas em associação à ezetimiba, à colestiramina e, eventualmente, aos fibratos ou ao ácido nicotínico.
Recomendação:
Este documento reforça a indicação das estatinas como primeira opção na prevenção primária e secundária da doença
aterosclerótica;
Dosagem de creatinoquinase deve ser realizada no início do tratamento e durante o tratamento somente se ocorrerem
sintomasmusculares, introdução de fármacos que interagem com estatinas ou quando se eleva a dose de estatina;
Dosagemdas enzimas hepáticas deve ser realizada no início do tratamento e durante, somente se houver sinais ou
sintomas de hepatotoxicidade;
A adição da ezetimiba tem sido recomendada quando a meta do colesterol da lipoproteína de baixa densidade com o
tratamento com estatinas na dosemáxima tolerada em pacientes com doenças arterial coronariana ou em pacientes
em prevenção primária não é alcançada;
A ezetimiba isolada ou associada a estatinas constitui opção terapêutica em pacientes que não toleram doses
recomendadas de estatinas;
A ezetimiba pode ser empregada na esteatose hepática.

Medicamentos que atuam predominantemente nostriglicérides


No tratamento da hipertrigliceridemia isolada são prioritariamente indicados os fibratos e, em segundo lugar, o
ácido nicotínico ou a associação de ambos. Pode-seainda utilizar, nesta dislipidemia, os ácidos graxos ômega
3,isoladamente ou em associação com outros fármacos.
Na hiperlipidemia mista, a taxa sérica de TG deve orientar comoo tratamento farmacológico será iniciado. Caso
estas taxasestejam acima de 500 mg/dL, deve-se iniciar o tratamento comum fibrato, adicionando-se, se necessário,
ácido nicotínicoe/ou ômega 3. Nesta situação, a meta prioritária é a reduçãodo risco de pancreatite.
Após reavaliação, caso haja a necessidade de redução adicional da colesterolemia, pode-se adicionar uma
estatinae/ou outros redutores da colesterolemia. Nestes casos, o uso do genfibrozila deve ser evitado nas associações
de fibratos e estatinas.
Caso as taxas de TG estejam abaixo de 500 mg/dL, deve-se iniciar o tratamento com uma estatina
isoladamentee, se necessário, associando-se a ezetimiba, priorizando-se a meta de LDL-c ou não HDL-c.
Recomendação:
A adição de colestiramina ao tratamento com estatinas pode ser recomendada quando a meta do colesterol da
lipoproteína de baixa densidade não éobtida, apesar do uso de estatinas potentes em doses efetivas. É o único fármaco
liberado para mulheres no períodoreprodutivo sem método anticoncepcional efetivo e durante os períodos de gestação
e amamentação;
Não se recomenda o uso de fibrato isolado ou associado a estatinas para reduzir o risco cardiovascular. Porém, o uso
de fibratos associado a estatinas reduziu o risco de doenças microvasculares no diabetes;
Em pacientes com triglicérides acima de 204 mg/dL associados ao colesterol da lipoproteína de alta densidade baixa
(< 34 mg/dL), o uso de fibrato, isoladamente ou em associação a estatinas, pode ser considerado;
Quando os triglicérides forem muito elevados (> 500 mg/dL) são recomendados, inicialmente, junto das medidas não
farmacológicas;
Esta diretriz não recomenda a utilização do ácido nicotínico isoladamente ou associado às estatinas na prevenção da
doença cardiovascular. Pode, excepcionalmente, ser utilizado em pacientes com HDL-c baixo isolado e como
alternativa aos fibratos e estatinas, ou em associação com estes fármacos emportadores de hipercolesterolemia,
hipertrigliceridemia ou dislipidemia mista resistente;
Ácidos graxos ômega 3 em altas doses (4 a 10 g ao dia) podem ser usados associados a outros hipolipemiantes em
portadores de hipertrigliceridemiagrave que não atingiram níveis desejáveis com o tratamento

Formas Genéticas de Dislipidemias – Complemento


Avanços no conhecimento do metabolismo lipídicodelinearam as bases genéticas das dislipidemias,
comimplicações diagnósticas e terapêuticas. Técnicas desequenciamento de DNA identificaram mutações emvários
genes, causadoras das alterações observadas noperfil lipídico.
O conhecimento das dislipidemias genéticas é importante,pois, apesar de menos frequentes que as
dislipidemiassecundárias, em algum momento o médico depara com umpaciente portador de uma dislipidemia
genética, o que podeser um desafio diagnóstico e terapêutico.
Dislipidemias poligênicas
As dislipidemias poligênicas são causadas pelo efeitocumulativo de variantes genéticas denominadas
polimorfismosde um único nucleotídeo (SNP, sigla do inglês single nucleotidepolymorphism).
Individualmente não alteram significativamenteo perfil lipídico, mas o efeito cumulativo dos SNP dentro
dogenoma é amplificado, resultando em dislipidemia clínica. Estasvariantes são segregadas em cromossomos
independentes, sempadrões de transmissão mendeliana clássicas (transmissão doscaracteres de pai para filho).
As dislipidemias poligênicas apresentam as seguintescaracterísticas: são pacientes geneticamente suscetíveis,
aindaque com ou sem expressão clínica do fenótipo; são alteraçõesmoderadas a graves do perfil lipídico, não
explicadassomente por causa secundária; são indivíduos com menorsuscetibilidade, mas, se expostos intensamente
a fatoressecundários, desenvolvem franca dislipidemia; são indivíduosque, apesar da elevada suscetibilidade genética,
mas comhábitos de vida saudáveis (que incluem dieta, atividade físicae alimentaçãoadequada), terão o risco
minimizado de evoluircom dislipidemia; o diagnóstico genético das dislipidemiaspoligênicas por meio do escore
genético de SNP não éindicado, pois não altera o tratamento; o rastreamento doperfil lipídico deve ser feito nos
parentes de primeiro graudos pacientes com dislipidemia poligênica; como alguns SNPtendem a permanecer
segregados dentro de determinadasfamílias, indivíduos com dislipidemia poligênica devem terseus familiares
identificados e tratados corretamente.
Dislipidemias monogênicas
As dislipidemias monogênicas apresentam as seguintescaracterísticas: alterações mais graves do perfil
lipídico; históricofamiliar de dislipidemia e/ou aterosclerose precoce; idade deapresentação da dislipidemia (infância ou
adolescência);presença de sinais e sintomas determinados por alteraçõeslipídicas extremas, muitos dos quais
patognomônicos de algumas formas monogênicas; ausência de fatores secundáriosque justifiquem a presença de
alterações lipídicas importantesou em idades precoces.
Em indivíduos com dislipidemia grave, a probabilidade deuma causa monogênica não é absoluta. Muitos
resultam deacentuada suscetibilidade genética interagindo com fatoressecundários. Estes casos não apresentam os
critérios listadosanteriormente, exceto o perfil lipídico muito alterado. Nestespacientes, o tratamento é mais fácil, com
resposta terapêuticaeficaz, pois os fatores secundários, apesar de exacerbarem emmuito a dislipidemia, quando
eliminados, podem normalizaros níveis lipídicos.
O diagnóstico das dislipidemias genéticas monogênicasé clínico, mas a determinação da mutação, pela análise
deDNA, pode ser útil para um diagnóstico preciso. A análisede DNA é considerada parte dos critérios diagnósticosde
algumas dislipidemias monogênicas. No entanto, adeterminação genética não tem impacto no tratamento enem no
prognóstico dos pacientes.

Dislipidemias em Situações Especiais eFormas Secundárias


População infantil/adolescente, idosa, mulheres na idade fértil e gestação, menopausa e climatério, portadores de
síndrome coronária aguda, doença renal crônica, hepatopatias, insuficiência cardíaca, HIV, LES, hipotireoidismo, pós-
transplantados, DM e situações de HDL-c baixo e hipertrigliceridemia possuem particularidades.
03: Obesidade (Diretriz)
Para que o paciente obeso possa ser tratado ou, antes disso, para que a obesidade ou mesmo o sobrepeso possam
ser prevenidos, o estado do peso do paciente precisa ser reconhecido. A interação com o não especialista, o clínico
geral, ou o especialista de outras áreas deve avaliar a condição do peso do paciente para determinar a presença de
excesso de peso ou obesidade e a necessidade de aprofundar a avaliação e o tratamento.
Diagnóstico da obesidade e sobrepeso
Medidas antropométricas
A medida de massa corporal mais tradicional é o peso isolado ou peso ajustado para a altura. Mais
recentemente, tem-se notado que a distribuição de gordura é mais preditiva de saúde. A combinação de massa corporal
e distribuição de gordura é, provavelmente, a melhor opção para preencher a necessidade de avaliação clínica. Deve-
se notar, a princípio, que não há avaliação perfeita para sobrepeso e obesidade, que pode variar de acordo com fatores
étnicos e genéticos.
IMC (índice de massa corporal)
O IMC (calculado através da divisão do peso em kg pela altura em metros elevada ao quadrado, kg/m²) é o
cálculo mais usado para avaliação da adiposidade corporal. O IMC é um bom indicador, mas não totalmente
correlacionado com a gordura corporal. O IMC não distingue massa gordurosa de massa magra, podendo ser menos
preciso em indivíduos mais idosos, em decorrência da perda de massa magra e diminuição do peso, e superestimado
em indivíduos musculosos. O IMC não reflete a distribuição da gordura corporal.
Na população brasileira, tem-se utilizado a tabela proposta pela OMS para classificação de sobrepeso e
obesidade (Tabela 4). O ideal é que o IMC seja usado em conjunto com outros métodos de determinação de gordura
corporal.
Obs.
Existem gráficos de IMC padronizados para faixa etária pediátrica, uma vez que em crianças, além da variação do
peso, o IMC também varia com a altura e com a idade, não sendo adequada a sua aplicação direta.
O Ministério da Saúde aceita que no idoso (definido no Brasil como com 60 anos ou mais), o IMC normal varia de
>22 a <27 kg/m² pela diminuição de massa magra e maior risco de sarcopenia (diminuição de massa, força e
desempenho muscular e de incapacidade física).
Massa gordurosa e distribuição de gordura
A relação circunferência abdominal/quadril (RCQ) foi inicialmente, a medida mais comum para avaliação da
obesidade central, porém, a medida da circunferência abdominal reflete melhor o conteúdo de gordura visceral que a
RCQ e também se associa muito à gordura corporal total.
Sugeriram-se vários locais e padrões para avaliar a circunferência abdominal. Solicita-se ao paciente em posição
supina que inspire profundamente, e, ao final da expiração deve ser realizada a medida. Pode-se realizar a medida no
maior perímetro abdominal entre a última costela e a crista ilíaca, segundo recomendações da OMS.
Já a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica recomenda medir a circunferência
abdominal no ponto médio entre o rebordo costal inferior e a crista ilíaca. Toma-se a medida do quadril, no seu maior
diâmetro, com a fita métrica, passando sobre os trocânteres maiores.
A Federação Internacional de Diabetes, estabelece como ponto de corte para risco cardiovascular aumentado
a medida de circunferência abdominal igual ou superior a 94 cm em homens e 80 cm em mulheres. De acordo com o
National Cholesterol Education Program (NCEP) – Adult Treatment Panel III (ATP-III), o ponto de corte deve ser de
102 cm para homens e 88 cm para mulheres.
Outras medidas de circunferências que podem ser usadas são: braquial, coxa, cervical e panturrilha. A
circunferência braquial (ponto médio entre o acrômio e o olecrano) e a da panturrilha são bons marcadores de estados
de deficiência nutricional.
A relação cintura-estatura foi um preditor melhor do que o IMC do risco de mortalidade e também de anos de
vida perdidos para ambos os sexos, desfechos que dão apoio à mensagem simples de que a circunferência abdominal
deve ser menor que a metade da estatura. Dessa forma, a medição da relação cintura-estatura está sendo cada vez
mais usada, sendo o ponto de corte 0,5 (a cintura deve ser menor que a metade da altura). A relação cintura-estatura
é uma medida simples para avaliação do risco associado ao estilo de vida e excesso de peso em adultos, mas não
confirmado em crianças e adolescentes.
Avaliação combinada
A associação da medida da circunferência abdominal com o IMC pode oferecer uma forma combinada de
avaliação de risco e ajudar a diminuir as limitações de cada uma das avaliações isoladas, mas no rastreamento inicial
(prevenção primária), o IMC pode ser usado isoladamente.
Outras formas de avaliação
Existem várias formas de avaliar o peso e a composição corporal, desde a pesagem hidrostática (peso
submerso), composição corporal por absorciometria com raios-X de dupla energia (DEXA) e técnicas de imagem como
ressonância magnética, tomografia computadorizada, mas apresentam custo elevado e uso limitado na prática clínica.
Alternativas como a estimativa da composição corporal pela somatória de medidas de pregas cutâneas,
ultrassonografia, análise de bioimpedância são disponíveis e menos onerosas.
A somatória de medidas de pregas cutâneas é realizada através de medidas por adipômetro, baseada em
equações, obtém-se a densidade corporal e o percentual de gordura corporal. Baseia-se na correlação entre a gordura
localizada nos depósitos adiposos subcutâneos e a gordura corporal total. As pregas cutâneas mais usadas são a
subescapular, triciptal, bicipital, supra ilíaca e da coxa.
Embora bastante popular, é um método influenciado pela habilidade do avaliador, pelo tipo de adipômetro utilizado,
por fatores individuais, pela equação de predição usada, pelo grau de hidratação e espessura da pele, tendo uma baixa
reprodutibilidade e um elevado grau de variabilidade Inter examinador.
A ultrassonografia tem sido documentada para avaliar a gordura visceral e considera-se bom método para
quantificar o tecido adiposo intra-abdominal, com a vantagem de ser uma alternativa menos dispendiosa
A bioimpedância, ou impedanciometria elétrica baseia-se no corpo humano ser composto por água e íons
condutores elétricos (o tecido adiposo impõe resistência a passagem da corrente elétrica ao passo que o tecido
muscular esquelético, rico em água, é um bom condutor). No exame de bioimpedância, uma corrente elétrica alternante
de baixa intensidade é conduzida através do corpo.
Através da massa livre de gordura, os aparelhos de bioimpedância fazem uma estimativa da taxa metabólica basal.
Os aparelhos de bioimpedância octopolares e a ultrassonografia podem fazer estimativas da gordura visceral que foram
validadas em estudos comparativos com tomografia e ressonância.
A calorimetria indireta é um método muito pouco disponível, mas que pode ser útil na avaliação de
desequilíbrios do balanço energético. Pode identificar indivíduos com taxa metabólica de repouso baixa, que seria um
indicador de risco para ganho de peso, em pacientes hipometabólicos, que podem necessitar de tratamento mais
intensivo.
Etiologia e fisiopatologia (resumida)
Durante a consulta de um paciente que apresente sobrepeso ou obesidade, é fundamental avaliar as causas
que levaram ao excesso de peso, bem como investigar possíveis morbidades associadas. A etiologia da obesidade é
complexa e multifatorial, resultando da interação de genes, ambiente, estilos de vida e fatores emocionais.
Influência do ambiente
O ambiente moderno é um potente estímulo para a obesidade. A diminuição dos níveis de atividade física e o
aumento da ingestão calórica são fatores determinantes ambientais mais fortes. Há um aumento significativo da
prevalência da obesidade em diversas populações do mundo, incluindo o Brasil.
Há três componentes primários no sistema neuroendócrino envolvidos com a obesidade: o sistema aferente,
que envolve a leptina e outros sinais de saciedade e de apetite de curto prazo; a unidade de processamento do sistema
nervoso central; e o sistema eferente, um complexo de apetite, saciedade, efetores autonômicos e termogênicos, que
leva ao estoque energético.
O balanço energético pode ser alterado por aumento do consumo calórico, pela diminuição do gasto energético ou
por ambos.
O consumo calórico pode ser avaliado por meio do hábito alimentar, usando diários alimentares ou listas de
checagem de alimentos, mas a interpretação das informações precisa ser cuidadosamente analisada em razão da
subestimação ser comum.
O gasto energético total diário pode ser didaticamente dividido em taxa metabólica basal (que representa 60% a
70%), pelo efeito térmico dos alimentos (que representa entre 5% e 10%) e pelo gasto de energia com atividade física.
Atividade física é o mais importante componente variável, representando cerca de 20% a 30% do gasto energético total
em adultos.
Estilo de vida urbano moderno
A maior taxa de aumento da obesidade ocorre em populações com maior grau de pobreza e menor nível
educacional. Pode-se explicar essa associação pelos seguintes fatores:
Maior palatabilidade e baixo custo de alimentos de grande densidade energética;
A população está aumentando o consumo de alimentos com alta densidade calórica, alta palatabilidade, baixo poder
sacietógeno e de fácil absorção e digestão;
A diminuição do número de refeições realizadas em casa, o aumento compensatório da alimentação em redes de fast
food e o aumento do tamanho das porções “normais” levam ao aumento do conteúdo calórico de cada refeição;
A necessidade de se realizar refeições em curto espaço de tempo atrapalha os mecanismos de saciação, e atividades
de lazer podem resultar em alterações comportamentais relacionadas ao hábito alimentar em que o sistema de prazer
e recompensa (não homeostático) se sobrepõe ao sistema regulador homeostático.
Papel da genética
A obesidade é uma das manifestações descritas em 24 doenças mendelianas e em nove tipos de doenças
monogênicas não mendelianas, todas causando obesidade precoce na infância. A obesidade comum, no entanto, tem
herança poligênica. Nem todos os indivíduos ganham a mesma quantidade de peso quando expostos a dietas
hipercalóricas. O risco de obesidade quando nenhum dos pais é obeso é de 9%, enquanto, quando um dos genitores
é obeso, eleva-se a 50%, atingindo 80% quando ambos são obesos.
Clinicamente, é possível identificar alguns fatores indicadores de influências genéticas na obesidade, como o
início precoce e marcante da obesidade na infância ou adolescência. O risco de desenvolvimento de obesidade é maior
na presença de história familiar de obesidade mórbida, com IMC ≥ 40 kg/m2, ou com níveis mais moderados de
obesidade, IMC <40 kg/m2.
Existem ainda efeitos genéticos que ocorrem intraútero e que podem persistir por gerações. Algumas
influências sobre a obesidade podem ocorrer no útero ou até mesmo duas gerações passadas. Assim, o aumento na
obesidade que vemos hoje pode muito bem ser devido, em parte, às mudanças ambientais que afetaram as gerações
anteriores.
Efeito do estresse no apetite
Não se classifica a obesidade como um transtorno psiquiátrico. Apesar da obviedade da afirmação, esta se faz
necessária, dado que a obesidade foi, por muito tempo, compreendida como uma manifestação somática de um conflito
psicológico subjacente. Essa visão é, ainda hoje, lamentavelmente compartilhada tanto pela população leiga e mesmo
por boa parte dos profissionais de saúde.
O estresse pode ser uma consequência da obesidade devido a fatores sociais, à discriminação e, alternativamente,
a causa da obesidade. Descreve-se hiperatividade do eixo hipotálamo -hipófise-adrenal, que leva a feedback negativo
no núcleo para ventricular (inicia produzindo CRH pelas células neuroendócrinas na eminência média e tem ação de
volta do cortisol nos neurônios CRH com ação pré-sináptica inibitória que leva a redução da produção do CRH e em
consequência reduz a sensação de estresse) levando a produção de endocanabinóides que têm efeito no núcleo
accumbens levando a busca de comida palatável calórica que tem propriedades de recompensa poderosas no sistema
hedônico não homeostático, influenciando o comportamento futuro e levando a maior acúmulo de gordura visceral.
Iatrogenia farmacêutica
Muitos medicamentos utilizados para tratamento de condições outras além da obesidade podem contribuir para
aumento de peso ou para exacerbação do ganho de peso em indivíduos suscetíveis. Muitas destas condições que
estão sendo tratadas também podem estar associadas com a obesidade.
Redução de sono e da produção de melatonina
Para crianças e adultos, o número de horas de sono por noite está inversamente relacionado ao IMC e
obesidade em estudos transversais e obesidade incidente em estudos longitudinais.
Evidências experimentais demonstram que a melatonina é necessária para a síntese adequada, secreção e ação
da insulina.
A melatonina é responsável, em parte, pela distribuição diuturna de processos metabólicos para que a fase de
atividade alimentar esteja associada com alta sensibilidade à insulina durante o dia (na vigência de luz e na ausência
de melatonina), e a fase de jejum esteja sincronizado com a resistência à insulina durante a noite (na ausência de luz
com secreção de melatonina pela pineal).
A redução na produção de melatonina, tal como durante o envelhecimento, o trabalho em plantões e turnos ou
ambientes cada vez mais iluminados durante a noite induz a resistência à insulina, intolerância à glicose, perturbações
do sono, e a desorganização circadiana metabólica caracteriza um estado de cronoruptura que leva à obesidade.
Disruptores endócrinos
Disruptores endócrinos (DEs) são substâncias lipofílicas ambientalmente estáveis, produzidas industrialmente
que podem afetar a função endócrina e incluem diclorodifeniltricloroetano, alguns bifenóis policlorados e alguns
alquilfenóis. Por perturbar a regulação hormonal endógena, os DEs podem causar ganho de peso através de múltiplas
vias.
Ambiente termo neutro
Há evidências de que ficar mais tempo na zona termo neutra promove adiposidade ou teoria de termo
neutralidade. A zona de termo neutralidade (ZTN) é o intervalo de temperatura ambiente em que o gasto de energia
não é necessário para homeotermia.
Diminuição do tabagismo
Estudos epidemiológicos e clínicos mostram consistentemente que os fumantes tendem a pesar menos do que
os não fumantes e que ocorre ganho de peso depois da cessação do tabagismo. A nicotina tem efeitos termogênicos
e redutores do apetite e seus efeitos sobre o apetite são reforçados pela cafeína.
Aumento da idade das grávidas
O risco de obesidade na criança aumenta em cerca de 15% para cada incremento de 5 anos na idade materna.
Obesidade de origem infecciosa
A rápida propagação da obesidade seria compatível com uma origem infecciosa. Existem 5 vírus animais e 3
vírus humanos que foram documentados como causadores de obesidade. Os vírus humanos estimulam as enzimas e
os fatores de transcrição que causam acúmulo de triglicérides e a diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos
maduros.
Poluição: A poluição do ar foi positivamente associada com uma maior probabilidade de obesidade ou sobrepeso em
crianças.
Tratamento farmacológico
O tratamento da obesidade é complexo e multidisciplinar. Em linhas gerais, o tratamento farmacológico é
adjuvante das terapias dirigidas com foco na modificação dos hábitos de vida relacionados com orientações nutricionais
para diminuir o consumo de calorias na alimentação e exercícios para aumentar o gasto calórico.
Tudo deve ser individualizado, sob supervisão médica contínua e mantido quando seguro e efetivo. Não existe
nenhum tratamento farmacológico em longo prazo que não envolva mudança de estilo de vida.
As mudanças de estilo de vida e as técnicas cognitivo-comportamentais são fundamentais e o tratamento
farmacológico não deve ser usado como tratamento na ausência de outras medidas não farmacológicas. A escolha do
tratamento deve basear-se na gravidade do problema e na presença de complicações associadas.
Deve-se estabelecer o grau de obesidade estando indicado o tratamento medicamentoso quando:
IMC maior ou igual a 30 kg/m2; ou IMC maior ou igual a 25 ou 27 kg/m² na presença de comorbidades (dependendo
do medicamento); Além de falha em perder peso com o tratamento não farmacológico. A história prévia de falência
com tentativa com dieta com restrição calórica é suficiente.
Duração do tratamento
Considera-se sucesso no tratamento da obesidade a habilidade de atingir e manter uma perda de peso
clinicamente útil, que resulte em efeitos benéficos sobre doenças associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão e
dislipidemia.
Uma perda de peso de 5% mantida é um critério mínimo de sucesso, pois leva a melhora das doenças associadas.
O sucesso em longo prazo depende de constante vigilância na adequação do nível de atividade física e de controle
da ingestão de alimento, além de outros fatores, como apoio social, familiar e automonitorização.
Medicamentos aprovados no Brasil
Existem, atualmente, três medicamentos aprovados para tratamento da obesidade no Brasil: sibutramina,
orlistate e liraglutida 3,0 mg.
1. Sibutramina
A sibutramina bloqueia a recaptação de noradrenalina (NE) e de serotonina (SE) e leva a redução da ingestão
alimentar. A sibutramina mostrou-se mais eficaz que o placebo em promover perda de peso, embora não existam
evidências para determinar o perfil do risco-benefício da sibutramina além de dois anos de uso.
A sibutramina pode levar a uma pequena elevação média de 3-5 mmHg na pressão arterial diastólica e de 2 a
4 bpm na frequência cardíaca, efeitos que devem ser cuidadosamente monitorados.
O estudo SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial) foi um grande estudo multicêntrico,
randomizado, placebo-controlado, desenhado para avaliar os efeitos do uso de sibutramina em longo prazo na
incidência de eventos cardiovasculares e morte cardiovascular em indivíduos de muito alto risco.
No Brasil, a ANVISA não proibiu a sibutramina, uma vez que ela é segura na população sem doença cardiovascular
estabelecida. A dose aprovada de sibutramina é de 1 cápsula de 10 ou de 15 mg pela manhã. (embora alguns estudos
fase 3 tenham utilizado a dose de 20 mg, essa dosagem não é aprovada pela ANVISA).
Segundo a agência, a sibutramina é recomendada para pacientes com IMC maior ou igual a 30 kg/m², mas
considerou a partir de 28/01/2010 que diabetes associado a um fator de risco cardiovascular é contraindicação ao seu
uso, além de doenças cerebrovasculares e cardiovasculares.
2. Orlistate
O orlistate é um análogo da lipstatina inibidor de lipases gastrintestinais (GI) que se liga no sítio ativo da enzima
através de ligação covalente, fazendo com que cerca de um terço dos triglicérides ingeridos permanecem não digeridos
e não sejam absorvidos pelo intestino, sendo eliminados nas fezes.
O orlistate não possui atividade sistêmica, tendo absorção desprezível. Seu uso está associado a reduções
significativas da pressão arterial que são ainda maiores em hipertensos, além de reduções da insulinemia e da glicemia.
Em diabéticos, vários estudos mostraram benefícios com perda de peso, reduções de glicemia de jejum, pós-
prandial, insulinemia, hemoglobina glicada, além de benefícios no perfil lipídico e redução da circunferência abdominal.
Pacientes com obesidade, com ou sem fatores de risco definidos (diabéticos, hipertensos ou dislipidêmicos),
apresentaram perda de peso, manutenção da perda de peso e mudanças favoráveis nos fatores de risco cardiovascular
ligados à obesidade com o uso de orlistate em relação ao placebo.
O uso de orlistate foi associado a maior incidência de efeitos secundários gastrointestinais que são
relacionados ao mecanismo de ação do orlistate, quando comparado ao grupo placebo, particularmente ligados a
esteatorreia, flatus com descarga de gordura e urgência fecal.
Pelo seu efeito de causar disabsorção de gorduras, deve-se ficar atento à possibilidade de deficiência de vitaminas
lipossolúveis (A, D, E, K), principalmente nas pessoas em anticoagulação com marevan, nas quais a redução da
vitamina K pode causar grande alargamento do INR.
Estudos mostram que pacientes em uso de orlistat por 1-2 anos não tiveram mudanças nas concentrações séricas
das vitaminas lipossolúveis, mas após 4 anos de uso, os níveis séricos começaram a diminuir. Portanto, deve-se
considerar a suplementação com polivitamínicos em pacientes que fizerem uso desta medicação a longo prazo. A dose
de orlistate é 1 cápsula de 120 mg, administrada três vezes por dia junto das principais refeições (dose total diária de
360 mg).
A perda de peso relacionada ao uso de sibutramina e orlistate, associados, levou à redução da resistência à
insulina, com melhora dos marcadores bioquímicos e achados ultrassonográficos em pacientes com esteato-hepatite
não alcoólica.
3. Liraglutida
A liraglutida é um agonista do peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1) que compartilha 97% de homologia
com o GLP-1 nativo, sendo a meia-vida de circulação do GLP-1 aumentada de 1-2 minutos para 13 horas e na dose
de 3,0 mg, tem uma ação hipotalâmica em neurônios envolvidos no balanço energético, em centros ligados a prazer e
recompensa e uma ação menor na velocidade de esvaziamento gástrico.
A liraglutida estimula diretamente os neurônios que sintetizam pró-opiomelanocortina e transcrito regulado por
cocaína e anfetamina (POMC/CART) e indiretamente inibe a neurotransmissão nos neurônios que expressam
neuropeptídeo Y (NPY) e peptídeo relacionado ao agouti (AgRP), vias de sinalização dependentes de GABA.
Estes resultados indicam que o GLP-1R está expresso em neurônios do núcleo arqueado (ARC) do hipotálamo
envolvidos na perda de peso e de que a liraglutida marcada com fluoresceína se liga em áreas chaves ligadas ao
controle do balanço energético, nos circuitos ligados a recompensa e prazer, sendo sua ação independente do nervo
vago.
A dose de 3,0 mg de liraglutida foi aprovada para o tratamento da obesidade por ser uma dose mais elevada
do mesmo medicamento já aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2 em dose de até 1,8 mg.
Uso off-label de medicamentos
A razão mais comum de prescrição off-label é a ausência de opção de tratamento para a doença ou para a
faixa etária. Frequentemente o que é off-label em um país pode ter indicação em bula em outro. O seu uso tem seu
lugar na prática médica e é largamente aceito e praticado pela comunidade médica, não sendo uma violação das boas
práticas da Medicina. O Conselho Federal de Medicina, em consulta CREMESP realizada em 2008, avaliou que o uso
de medicamentos sem indicação formal em bula é ético quando houver evidência de potencial benefício para o
tratamento da doença e quando a terapia padrão for inadequada.
Os medicamentos usados que apresentam evidências científicas de potencial benefício são: topiramato,
associação de bupropiona e naltrexona e dimesilato de lisdexanfetamina.
1. Fluoxetina e outros inibidores da recaptação de serotonina
Alguns inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina e sertralina), usados para tratar depressão,
podem proporcionar efeito de perda de peso no curto prazo, embora não tenham indicação formal no tratamento de
obesidade. A fluoxetina demonstrou efeito transitório de perda de peso, presente principalmente nos seis primeiros
meses de uso, após o qual ocorre recuperação do peso perdido, não sendo por isso indicada para tratamento em longo
prazo da obesidade.
2. Topiramato
O topiramato age sobre diversos neurotransmissores, tendo efeitos inibitórios sobre receptores de glutamato
sobre alguns tipos de canais dependentes de voltagem de cálcio e sódio, pode modular alguns tipos de canais de
potássio, receptores GABA-A, além de ser um inibidor fraco da anidrase carbónica. Ele é uma medicação aprovada
para tratamento da epilepsia e da enxaqueca.
Estudos em obesos no início dos anos 2000 comprovaram sua eficácia em reduzir o peso com continuação da
perda de peso por até mais de um ano de tratamento, em doses de 64 até 384 mg/dia, apesar de um número elevado
de efeitos adversos, tais como: parestesias, alterações de memória, dificuldade de concentração (disfunção cognitiva,
com dificuldade com a linguagem, memória, confusão ou dificuldade de encontrar as palavras) e alterações do humor,
teratogenicidade (defeitos de linha média), potencial de interferência com a farmacocinética de contraceptivos orais
(devendo sempre ser usado com métodos anticoncepcionais de barreira seguros preferencialmente duplos), litíase
renal (eleva levemente o pH urinário), acidose metabólica, miopia aguda.
O topiramato é contraindicado em pacientes com glaucoma de ângulo fechado, e mulheres em idade fértil
devem ser alertadas sobre toxicidade fetal.
3. Associação de bupropiona e naltrexona
A bupropiona atua sobre os receptores adrenérgicos e dopaminérgicos no hipotálamo e a naltrexona é um
antagonista do receptor opioide; ambos, isoladamente, apresentam efeito mínimo na perda de peso, mas a combinação
de liberação lenta de bupropiona e naltrexona com 90 mg de bupropiona SR e 8 mg de naltrexona SR, que permite a
titulação de dose progressivamente até a dose de 2 comprimidos 2 vezes por dia leva a sinergismo.
A reação adversa mais comum foi náusea, chegando a mais de 30% dos pacientes, seguido de constipação,
dor de cabeça, vômitos e tonturas. Tem potencial de interação medicamentosa com ISRSs ou inibidores da MAO.
Em nosso país, dispomos apenas da bupropiona de liberação lenta na dose de 300 mg e da naltrexona na dose
de 50 mg de liberação convencional, o que faz as reações adversas serem mais intensas.
4. Lisdexanfetamina
O dimesilato de lisdexanfetamina é um pró-fármaco da dextroanfetamina, que inibe a recaptação de dopamina
e norepinefrina e promove liberação de neurotransmissores de monoaminas, aprovada para tratamento de transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças a partir de 6 anos, adolescentes e adultos. O FDA aprovou
esta medicação para o tratamento de transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) em janeiro de 2015, baseado
nos resultados de dois ensaios fase 3, nos quais a lisdexanfetamina reduziu os episódios de compulsão alimentar.
Tratamento dietético
Apesar de não haver controvérsia sobre o fato de que balanço energético negativo causado por redução na
ingestão calórica resulte em diminuição da massa corporal, há muita divergência sobre a melhor maneira de promover
essa redução de consumo de calorias. Antes de discutir essas maneiras, devem-se enfatizar alguns pontos
importantes.
Em primeiro lugar, o tratamento dietético é mais bem sucedido quando aliado a um programa de modificação
comportamental que envolva aumento no gasto energético, promovendo um balanço energético negativo.
Para o sucesso do tratamento dietético, devem-se manter mudanças na alimentação por toda a vida. Dietas muito
restritivas, artificiais e rígidas não são sustentáveis, embora possam ser usadas por um período limitado de tempo.
Um planejamento alimentar mais flexível, que objetive reeducação, geralmente obtém mais sucesso, devendo
considerar, além da quantidade de calorias, as preferências alimentares do paciente, o aspecto financeiro, o estilo de
vida e o requerimento energético para a manutenção da saúde. O contato frequente entre o médico, ou o nutricionista
e o paciente e o tempo dispendido com o paciente auxiliam muito na perda e na manutenção do peso perdido.
Em longo prazo, o método, a velocidade de perda de peso, o ajuste fisiológico e a habilidade de manter as
mudanças comportamentais de dieta e atividade física é que determinarão o sucesso de qualquer programa de
emagrecimento.
Uma avaliação adequada inclui, mas não está limitada à ingestão alimentar; história social, incluindo situação
socioeconômica e motivação para controle de peso.
A taxa metabólica de repouso deve ser calculada (por equações de predição, como Harris-Benedict ou Mifflin-St.
Jeor) ou determinada (por calorimetria indireta), e combinada com o nível de atividade física (sedentário, pouco ativo,
ativo, muito ativo) e a ingestão habitual em termos de conteúdo de energia e nutrientes, pode ajudar no
desenvolvimento de parâmetros nutricionais durante a intervenção.
O nível de atividade física é necessário para estimar as necessidades energéticas (fatores de correção da taxa
metabólica de repouso para sedentário: 1,0-1,4; pouco ativo: 1,4-1,6; ativo: 1,6-1,9; muito ativo: 1,9-2,5).
Considerar sedentário o indivíduo que não pratica atividade física regular programada ou não programada na
maioria das semanas; pouco ativo quem pratica atividades como passeios a pé (que permitem conversar com
facilidade); pouco ativo quem faz caminhadas rápidas que elevam a FC e os movimentos respiratórios (que permitem
conversar, mas não cantar); ativo aquele Obesidade e sobrepeso: tratamento dietético 75 que faz corridas ou trotes
(que permitem conversar/cantar com dificuldade); muito ativo, quem faz corridas mais rápidas (e de longa duração).
Deve-se manter uma adequada ingestão de micronutrientes e a dieta deve harmonizar-se com a ingestão
dietética diária recomendada (IDR). Micronutrientes devem ser suplementados se necessário.
Tratamento com terapia cognitivo-comportamental
O tratamento comportamental aplicado em conjunto com técnicas cognitivas, a assim denominada terapia
cognitivo-comportamental, é uma das técnicas terapêuticas auxiliares para o controle de peso.
Baseia-se na análise e modificação de transtornos de comportamentos associados ao estilo de vida do paciente.
O objetivo é programar estratégias que auxiliam no controle de peso, reforçando a motivação com relação ao
tratamento, dessa forma evitando a recaída e o consequente ganho posterior de peso.

04: Síndrome metabólica (Vilar)


A síndrome metabólica (SM) é comumente definida por uma constelação de interligados fatores fisiológicos,
bioquímicos, clínicos e metabólicos que aumentam diretamente o risco de doença cardiovascular e diabetes melito tipo
2.
Adiposidade visceral, resistência à insulina (RI), liberação excessiva de ácidos graxos livres e citocinas
inflamatórias pelos adipócitos viscerais, estresse oxidativo, dislipidemia aterogênica, hiperglicemia, disfunção
endotelial, hipertensão e estado de hipercoagulabilidade são os vários fatores que constituem a síndrome.
Classificação
Existem, atualmente, duas classificações que têm sido mais amplamente utilizadas: do National Cholesterol
Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III ou ATP III) e da International Diabetes Federation (IDF).
A classificação proposta pela IDF foi publicada em 2005 e tornou-se rapidamente uma das definições mais
utilizadas no mundo. Ela se baseia no conceito de que a presença de gordura visceral (estimada pela medida da
cintura) é o fator essencial e determinante de todos os outros componentes da SM.
Ao estratificar os valores por etnias, a IDF fortalece o conceito de que as diferentes populações mundiais
apresentam diferentes proporções corporais. Além de considerar a cintura como fator essencial ao diagnóstico, a IDF
já incorpora níveis de glicemia ≥ 100 mg/dℓ como anormais e considera referências também à existência de tratamento
para as condições associadas.

Fisiopatologia
Um conceito importante é que ela está diretamente relacionada não apenas com o excesso de peso per se, mas
também com uma alteração na distribuição da adiposidade corporal.
SM parece ser decorrente diretamente de um excesso de TAV e de uma diminuição do tecido adiposo subcutâneo
(TASC), o que levaria a maior liberação de ácidos graxos livres (AGL) e citocinas inflamatórias na circulação, entre
outros achados.
Existem dois tipos principais de adipócitos no corpo humano: adipócitos subcutâneos e adipócitos viscerais. Os
primeiros são células menores, que têm mais facilidade de se multiplicar e são mais responsivos ao efeito antilipolítico
da insulina. Eles têm a capacidade de armazenar grandes capacidades de AGL sob a forma de triacilglicerol e
produzem poucas citocinas inflamatórias.
Em contraste, os adipócitos viscerais são células maiores, que se multiplicam pouco, são metabolicamente mais
ativos e apresentam atividade lipolítica mais acentuada. Ademais, eles acumulam menos AGL e possuem grande
capacidade de secretar citocinas inflamatórias (TNF-α), (IL-6), (PCR) e o inibidor do ativador do plasminogênio-1 (PAI-
1). Primariamente, a SM parece ser decorrente de uma desproporção na distribuição de adipócitos subcutâneos e
viscerais.
O excesso de citocinas pró-inflamatórias (principalmente, TNF-α e IL-6) resulta em uma inflamação localizada no
tecido adiposo que se propaga para uma inflamação sistêmica global, associada ao desenvolvimento de comorbidades
relacionadas a obesidade, resistência à insulina (RI), estresse oxidativo e aterosclerose.
RI = inibem diretamente a ativação do receptor da insulina, dificultando, assim, o transporte intracelular da glicose.
Também há níveis baixos de adiponectina → uma adipocina com propriedades anti-inflamatórias e antiaterogênicas.
Que adicionalmente aumenta a sensibilidade à insulina, bem como inibe enzimas da gliconeogênese hepática,
reduzindo, assim, a produção endógena de glicose.
O excesso de PAI-1, juntamente com aumento dos níveis dos fatores VIII e V, respondem por um estado de
hipercoagulabilidade, o qual favorece a ocorrência de eventos vasculares trombóticos.
O aumento da lipólise nos adipócitos viscerais ocasiona um aumento do aporte de AGL para o fígado e o músculo
esquelético, inibindo a ação da insulina nesses órgãos, por um mecanismo denominado de lipotoxicidade.
A resistência insulínica no fígado levaria a um aumento da gliconeogênese hepática (causando hiperglicemia), da
produção de citocinas inflamatórias (inflamação) e da secreção excessiva de VLDL, com consequente
hipertrigliceridemia e redução nos níveis de HDL-colesterol.
A lipotoxicidade tem também ação deletéria sobre as células beta, diminuindo a secreção de insulina e favorecendo
o surgimento de hiperglicemia. Da mesma forma, o acúmulo de gordura (em particular, o conteúdo intramiocelular de
triglicerídeos) no músculo esquelético é proposto como um mecanismo importante para a RI nesse tecido.
Maior ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e do sistema nervoso simpático está envolvida
da gênese da hipertensão da SM.
Complicações
Doença cardiovascular
A dislipidemia encontrada em pacientes com SM é altamente aterogênica. Caracteriza-se por
hipertrigliceridemia e níveis baixos do HLD-c, associados a um aumento no número de partículas de LDL pequenas e
densas, que são mais aterogênicas.
A combinação de múltiplos fatores de risco (HDL-c baixo, hipertrigliceridemia, hipertensão, aumento do PA1-
1, hiperinsulinemia e hipoadiponectinemia, entre outros) faz dessa população um grupo de pacientes altamente
suscetíveis a doenças cardiovasculares (DCV), com risco até 3 vezes maior para evento cardiovascular, até 4 vezes
para morte por DAC.
Outros aspectos importantes já também demonstrados são: indivíduos obesos e os com DM têm o dobro de
risco de um evento cardiovascular quando há SM; quanto mais componentes da SM o paciente tiver, maior seu risco
de DCV.
DM tipo 2
A incidência de DM2 é até 5 vezes maior em pacientes com SM em comparação a um grupo de pacientes sem a
síndrome. De fato, SM é encontrada em 42 a 64% dos indivíduos com pré-diabetes e em 78 a 84% daqueles com DM2.
Hiperatividade do sistema nervoso simpático:
Essa ativação seria um mecanismo compensatório na tentativa de estabilizar o peso corporal pelo aumento da
termogênese. Um dos principais ativadores do SNS é a hiperinsulinemia, principalmente pós-prandial (termogênese
induzida pela alimentação).
Essa hiperinsulinemia, associada a hiperleptinemia, redução do óxido nítrico e aumento da endotelina-1, levaria a
uma vasoconstrição periférica importante e retenção de líquidos, reduzindo o fluxo sanguíneo para a musculatura
esquelética e ocasionando a RI. Dessa maneira, a hiperatividade do SNS perpetuaria um círculo vicioso, com
hiperinsulinemia, hipertensão arterial e aumento da frequência cardíaca, demonstrados na SM.
Ativação do SRAA
Existem evidências de que tanto a hiperglicemia como a hiperinsulinemia ativam o SRAA por aumentar a expressão
do angiotensinogênio, da angiotensina II (AT II) e do receptor AT1. Além disso, recentemente demonstrou-se a
produção de aldosterona pelos adipócitos em resposta à AT II. Neste contexto, o adipócito pode ser considerado uma
miniatura do SRAA.2 A ativação do SRAA e do SNS está envolvida na gênese da hipertensão na SM.
Alterações do eixo endócrino
Embora não atuem diretamente como reguladores dos eixos endócrinos, a SM e, principalmente, o tecido
adiposo exercem importantes efeitos indiretos, os quais levam a alterações importantes em eixos do sistema endócrino.
A SM assemelha-se, em muitos aspectos, à síndrome de Cushing. Os pacientes com SM apresentam uma
hiperativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal, que parece estar relacionada com um estado de
hipercortisolismo subclínico → Isso pode levar a uma piora da resistência insulínica (por ação do cortisol no receptor
da insulina), dos lipídios e da pressão arterial.
Câncer
Estudos têm evidenciado um risco aumentado de câncer e mortalidade relacionada ao câncer em pacientes
com SM. A hiperinsulinemia pode afetar o risco de câncer e mortalidade relacionada ao câncer por meio dos efeitos
mitogênicos diretos de insulina.
Além disso, pode desempenhar um papel mitogênico indireto, aumentando a produção de IGF-1. No estudo
WHI (Women Health Initiative), as mulheres com maiores níveis de insulina tiveram um risco maior de desenvolver
câncer colorretal e carcinoma endometrial.
Níveis mais elevados de IGF-1 foram também correlacionados com um risco elevado de câncer. O perfil
anormal de citocinas que caracteriza a SM e a RI também pode desempenhar um papel no desenvolvimento do câncer.
Assim, a adiponectina teria um papel antineoplásico, enquanto níveis elevados de leptina, IL-6 e TNF-α
atuariam de modo oposto.
Metanálise recente mostrou que mulheres com SM têm aumento modesto no risco para câncer de mama (RR
de 1,47).
Doença de Alzheimer
Os pacientes com DM2, doença caracterizada por RI e falência progressiva das células beta, têm risco
aumentado de desenvolver várias formas de disfunção cognitiva, incluindo a doença de Alzheimer (DA).
Diferentes mecanismos já foram identificados ligando obesidade visceral, IR e DA. A RI está associada a
diminuição na captação de glicose pelos neurônios, aumento na produção e secreção de β-amiloide, formação de
placas senis, bem como fosforilação da proteína tau.
Outros mecanismos supostamente envolvidos incluem diminuição na atividade da enzima degradadora de
insulina (IDE) e aumento do
estresse oxidativo secundário à hiperglicemia.52,53 A IDE é uma protease que degrada a insulina e o peptídeo β-
amiloide, implicado na patogênese da Reanálise.
Síndrome metabólica associada ao tratamento da infecção pelo HIV
Nos últimos anos, tem havido um grande desenvolvimento no tratamento da infecção pelo HIV. A
implementação da HAART (highly active anti-retroviral therapy, “terapia antirretroviral altamente ativa”) levou a uma
diminuição da incidência das infecções oportunistas e a um aumento da sobrevida dos pacientes. Por outro lado, está
também associada a um aumento da incidência da SM e seus componentes nesse grupo de pacientes.
Indivíduos infectados pelo HIV podem exibir diferentes padrões e variáveis graus de mudanças na gordura
corporal. Dois tipos distintos de alterações na gordura corporal são a lipoatrofia (perda de gordura) e a lipo-hipertrofia
(acúmulo de gordura).
A ausência de tecido adiposo periférico está associada a importante hiperinsulinemia (secundária à resistência
insulínica), hipertrigliceridemia (geralmente > 500 mg/dℓ), HDL-c baixo e esteatose hepática.
A principal característica da SM nos pacientes em uso da HAART é a diminuição do tecido adiposo subcutâneo
periférico com aumento do tecido adiposo visceral. A perda de tecido adiposo é mais comum em homens, pacientes
mais velhos e aqueles que iniciam tratamento com a HAART em estágio mais avançado.
Embora tenha sido mais ligada aos inibidores de protease, alguns estudos recentes sugerem que os
medicamentos mais ligados à lipodistrofia são os inibidores da transcriptase reversa, estavudina e zidovudina.
Esses medicamentos inibem a síntese do DNA, preferencialmente nos adipócitos, levando a distúrbios
mitocondriais e apoptose. Outros mecanismos envolvidos na lipodistrofia têm sido sugeridos, como uma deficiência
relativa de GH, o que contribuiria também para o acúmulo de gordura visceral; ademais, o próprio HIV poderia,
diretamente, interferir na replicação dos adipócitos.
Doença hepática gordurosa não alcoólica
A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é uma condição clínica compreendida pela existência de
depósitos de lipídios nos hepatócitos com porcentual >5% do peso total do fígado em indivíduos sem ingestão etílica
significativa e na ausência de outras etiologias de doenças hepáticas.
O triglicerídeo é o tipo de lipídeo mais encontrado na infiltração gordurosa do fígado, embora outras classes de
lipídios também possam ser encontradas.
DHGNA inclui, em seu espectro, desde a esteatose simples e apenas acúmulo de gordura no fígado, até
esteato-hepatite com componente necroinflamatório, com ou sem fibrose, cirrose e carcinoma hepatocelular.
Embora a patogênese da NAFLD não esteja totalmente esclarecida e seja motivo de discussão, a resistência
à insulina (RI) é considerada uma característica fundamental da doença, que tem sido considerada a manifestação
hepática da síndrome metabólica (SM).
Acredita-se que a patogênese da doença esteja ligada à RI no tecido adiposo e no fígado, que resultaria em
excessiva liberação de ácidos graxos livres (AGL), depósito intra-hepático de AGL e TG, lipotoxicidade, ativação de
vias inflamatórias (NF-κB, JNK, IKK), estresse do retículo endoplasmático, disfunção mitocondrial, produção de
espécies reativas ao oxigênio (ROS), inibição da sinalização de insulina, sobrecarga de ferro e dano hepático
progressivo.
Ainda não está bem definido por que alguns indivíduos desenvolvem apenas a esteatose, enquanto outros
evoluem com esteato-hepatite e um curso progressivo da doença. Diferenças na distribuição de gordura corporal e nos
mecanismos antioxidantes, geneticamente determinados, têm sido aventadas como possíveis explicações para esse
fato.
O diagnóstico é feito após a exclusão de outras causas de doença hepática, tais como o uso abusivo de álcool,
hepatites virais e doenças autoimunes. Idade avançada, obesidade, DM2 e síndrome metabólica são fatores de risco
que sugerem o diagnóstico potencial de DHGNA. O diagnóstico é geralmente feito quando a US ou outros exames de
imagem revelam gordura no fígado, bem como na investigação da etiologia de elevação de enzimas hepáticas.
Geralmente, pacientes não apresentam sintomas específicos e procuram assistência médica por queixas não
relacionadas com o acometimento do fígado ou devido a anormalidades laboratoriais detectadas ocasionalmente.
sintomas → astenia, indisposição e, ocasionalmente, desconforto ou dor discretos no quadrante superior direito,
sobretudo quando há hepatomegalia.

Hiperuricemia (Revista Med de MG – Aspectos Fisiológicos da SM e Harrison)


A hiperuricemia reflete defeitos na ação da insulina na reabsorção tubular renal de ácido úrico e pode contribuir
para hipertensão por seu efeito no endotélio. Um aumento da dimetilarginina assimétrica, um inibidor endógeno do
óxido nítrico-sintase, também está correlacionado com disfunção endotelial. Além disso, a microalbuminúria pode ser
causada por alterações do endotélio decorrentes de um estado de resistência à insulina.
O estado de hiperinsulinemia leva à expansão progressiva do pool de ácido úrico, além do fato conhecido de
que a administração de insulina induz à diminuição da excreção renal de ácido úrico. Os mecanismos envolvidos são
ainda desconhecidos.
Podem existir duas explicações para a hiperuricemia: um aumento na produção de ácido úrico ou uma
diminuição na sua excreção renal.
A favor da primeira hipótese estão os mecanismos que sugerem associação de hiperinsulinemia com aumento
na síntese e no turnover de purinas.
A favor do segundo mecanismo citam-se a diminuição do fluxo plasmático renal, com a conseqüente diminuição
da excreção de ácido úrico, a possível elevação dos corpos cetônicos que interferem na secreção tubular de ácido
úrico ou a ação direta da insulina que, ao elevar a reabsorção tubular de sódio, provocaria a elevação dos níveis de
ácido úrico.
Observação pós a tutoria: detalhar mais as duas últimas complicações.

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