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Desordens nutricionais e metabólicas

Tutoria 03
Principais tipos de diabetes mellitus → Especialmente tipo 01 e 02 (Diretriz Brasileira,
Harrison, Endocrinologia Clínica – Vilar)
O diabetes mellitus (DM) consiste em um distúrbio metabólico caracterizado por
hiperglicemia persistente, decorrente de deficiência na produção de insulina ou na sua ação, ou em
ambos os mecanismos. Atinge proporções epidêmicas, com estimativa de 425 milhões de pessoas
com DM mundialmente.
A hiperglicemia persistente está associada a complicações crônicas micro e
macrovasculares, aumento de morbidade, redução da qualidade de vida e elevação da taxa de
mortalidade.
A classificação do DM baseia-se em sua etiologia (Quadro 1). Os fatores causais dos
principais tipos de DM – genéticos, biológicos e ambientais – ainda não são completamente
conhecidos.

Diabetes mellitus tipo 1


O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune, poligênica, decorrente de destruição
das células β pancreáticas, ocasionando deficiência completa na produção de insulina.
Estima-se que mais de 88 mil brasileiros tenham DM1 e que o Brasil ocupe o terceiro lugar em
prevalência de DM1 no mundo, segundo a International Diabetes Federation.
Embora a prevalência de DM1 esteja aumentando, corresponde a apenas 5 a 10% de todos os
casos de DM. É mais frequentemente diagnosticado em crianças, adolescentes e, em alguns casos,
em adultos jovens, afetando igualmente homens e mulheres.
Subdivide-se em DM tipo 1A e DM tipo 1B, a depender da presença ou da ausência laboratorial
de autoanticorpos circulantes, respectivamente.
Diabetes mellitus tipo 1A
Forma mais frequente de DM1, confirmada pela positividade de um ou mais autoanticorpos.
Em diferentes populações, descreve-se forte associação com antígeno leucocitário humano
(human leukocyte antigen, HLA) DR3 e DR4.
Embora sua fisiopatologia não seja totalmente conhecida, envolve, além da predisposição
genética, fatores ambientais que desencadeiam a resposta autoimune. Entre as principais
exposições ambientais associadas ao DM1 estão infecções virais, componentes dietéticos e certas
composições da microbiota intestinal.
Os marcadores conhecidos de autoimunidade são: anticorpo anti-ilhota (islet cell antibody,
ICA), autoanticorpo anti-insulina (insulin autoantibody, IAA), anticorpo antidescarboxilase do ácido
glutâmico (anti-GAD65), anticorpo antitirosina-fosfatase IA-2 e IA-2B e anticorpo antitransportador
de zinco (Znt8).
Geralmente, esses autoanticorpos precedem a hiperglicemia por meses a anos, durante um
estágio pré-diabético. Quanto maior o número de autoanticorpos presentes e mais elevados seus
títulos, maior a chance de o indivíduo desenvolver a doença.
Na fase clinicamente manifesta do DM1, o início é, em geral, abrupto, podendo ser a
cetoacidose diabética a primeira manifestação da doença em um terço dos casos. Embora a maioria
dos pacientes com DM1 tenha peso normal, a presença de sobrepeso e obesidade não exclui o
diagnóstico da doença.
O DM1 é bem mais frequente na infância e na adolescência, mas pode ser diagnosticado
em adultos, que podem desenvolver uma forma lentamente progressiva da doença, denominada
latent autoimmune diabetes in adults (LADA).
O Quadro 2 apresenta os estágios do DM1 autoimune propostos pela Associação Americana
de Diabetes (American Diabetes Association, ADA) para estadiamento, baseados nos níveis
glicêmicos e na sintomatologia.
Na prática clínica, não se recomenda rotineiramente a investigação de autoimunidade com
dosagem dos autoanticorpos.

Diabetes mellitus tipo 1B


A denominação 1B, ou idiopático, é atribuída aos casos de DM1 nos quais os autoanticorpos
não são detectáveis na circulação.
O diagnóstico apresenta limitações e pode ser confundido com outras formas de DM diante
da negatividade dos autoanticorpos circulantes, de modo concomitante com a necessidade precoce
de insulinoterapia plena. As recomendações terapêuticas são as mesmas do DM tipo 1A e não há
evidências de riscos distintos para as complicações crônicas entre os subtipos.
Diabetes mellitus tipo 2
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) corresponde a 90 a 95% de todos os casos de DM. Possui
etiologia complexa e multifatorial, envolvendo componentes genético e ambiental.
Geralmente, o DM2 acomete indivíduos a partir da quarta década de vida, embora se descreva,
em alguns países, aumento na sua incidência em crianças e jovens.
Trata-se de doença poligênica, com forte herança familiar, ainda não completamente
esclarecida, cuja ocorrência tem contribuição significativa de fatores ambientais. Dentre eles,
hábitos dietéticos e inatividade física, que contribuem para a obesidade, destacam-se como os
principais fatores de risco.
O desenvolvimento e a perpetuação da hiperglicemia ocorrem concomitantemente com
hiperglucagonemia, resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina, aumento da produção
hepática de glicose, disfunção incretínica, aumento de lipólise e consequente aumento de ácidos
graxos livres circulantes, aumento da reabsorção renal de glicose e graus variados de deficiência
na síntese e na secreção de insulina pela célula β pancreática.
Sua fisiopatologia, diferentemente dos marcadores presentes no DM1, não apresenta
indicadores específicos da doença. Em pelo menos 80 a 90% dos casos, associa-se ao excesso
de peso e a outros componentes da síndrome metabólica.
Na maioria das vezes, a doença é assintomática ou oligossintomática por longo período, sendo
o diagnóstico realizado por dosagens laboratoriais de rotina ou manifestações das complicações
crônicas.
Com menor frequência, indivíduos com DM2 apresentam sintomas clássicos de hiperglicemia
(poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento inexplicado). Raramente a cetoacidose diabética
consiste na manifestação inicial do DM2.
Os consagrados fatores de risco para DM2 são: história familiar da doença, avançar da idade,
obesidade, sedentarismo, diagnóstico prévio de pré-diabetes ou diabetes mellitus gestacional
(DMG) e presença de componentes da síndrome metabólica, tais como hipertensão arterial e
dislipidemia.
É mandatório para indivíduos com sinais e sintomas coleta de exames para confirmação
diagnóstica de DM2. Ainda que assintomáticos, a presença de fatores de risco já impõe
rastreamento para diagnóstico precoce.
O Quadro 3 apresenta a proposta da ADA para rastreamento de DM2. Se a investigação
laboratorial for normal, sugere-se repetição do rastreamento em intervalos de 3 anos ou mais
frequentemente, se indicado. Na presença de pré-diabetes, recomenda-se reavaliação anual.
Desde 2017, a ADA vem propondo questionário de risco para DM2 na sua diretriz, que leva em
consideração idade, sexo, história prévia de DMG ou hipertensão arterial, história familiar de DM2
e nível de atividade física. Tal estratégia de identificação de risco já havia sido testada em outras
populações. Uma pontuação é dada para cada fator de risco, sendo um score ≥ 5, associado a
risco aumentado para DM2. Trata-se de instrumento de rastreamento útil, de baixo custo, que pode
ser empregado em larga escala no âmbito da saúde pública.
Diabetes mellitus gestacional
A gestação consiste em condição diabetogênica, uma vez que a placenta produz hormônios
hiperglicemiantes e enzimas placentárias que degradam a insulina, com consequente aumento
compensatório na produção de insulina e na resistência à insulina, podendo evoluir com disfunção
das células β.
O DMG trata-se de uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que se inicia durante
a gestação atual, sem ter previamente preenchido os critérios diagnósticos de DM.
DMG traz riscos tanto para a mãe quanto para o feto e o neonato, sendo geralmente
diagnosticado no segundo ou terceiro trimestres da gestação. Pode ser transitório ou persistir após
o parto, caracterizando-se como importante fator de risco independente para desenvolvimento
futuro de DM2.
A prevalência varia de 1 a 14% a depender da população estudada e do critério diagnóstico
adotado. Vários fatores de risco foram associados ao desenvolvimento de DMG, conforme mostra
o Quadro 4.

Um importante marco para o diagnóstico e o acompanhamento do DMG foi a publicação do


estudo Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes (HAPO). Este estudo comprovou que
existe um progressivo e contínuo aumento do risco de complicações materno-fetais conforme se
elevam os níveis de glicemia materna, tanto em jejum quanto na pós-sobrecarga, mesmo dentro
de níveis até então considerados normais (não-DMG).
O estudo verificou aumento de risco de parto cesáreo, recém-nascido com peso acima do
percentil 90 e hipoglicemia neonatal, dentre outras complicações, em decorrência do aumento dos
níveis glicêmicos.
Outras formas de diabetes mellitus
Outras etiologias de DM incluem defeitos genéticos específicos na secreção ou na ação da
insulina, anormalidades metabólicas que prejudicam a secreção de insulina, anormalidades
mitocondriais e inúmeras condições que prejudicam a tolerância à glicose (Quadro 417.1).
O diabetes de início na maturidade do jovem (MODY, de maturity-onset diabetes of the
young) e o diabetes monogênico constituem subtipos de DM que se caracterizam por herança
autossômica dominante, início precoce de hiperglicemia (em geral com < 25 anos de idade;
algumas vezes no período neonatal) e comprometimento da secreção de insulina (discutido
adiante).
As mutações no receptor da insulina causam um grupo de distúrbios raros caracterizados
por acentuada resistência à insulina.
O DM pode resultar de doença exócrina pancreática quando a maioria das ilhotas
pancreáticas é destruída. É importante considerar o DM relacionado com fibrose cística nessa
população de pacientes.
Os hormônios que antagonizam a ação da insulina também podem resultar em DM. Assim,
com bastante frequência, o DM é uma característica de endocrinopatias como a acromegalia e a
doença de Cushing.
As infecções virais foram implicadas na destruição das ilhotas pancreáticas, mas constituem
uma causa extremamente rara de DM. Uma forma de início agudo do diabetes tipo 1, denominada
diabetes fulminante, foi observada no Japão e pode estar relacionada com uma infecção viral das
ilhotas.
Epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, quadro clínico do DM tipo 01 e 02 (Diretriz Brasileira,
Endocrinologia – Vilar e Harrison)
Visão geral
O diabetes mellitus (DM) é um importante e crescente problema de saúde para todos os
países, independentemente do seu grau de desenvolvimento.
O aumento da prevalência do diabetes está associado a diversos fatores, como rápida
urbanização, transição epidemiológica, transição nutricional, maior frequência de estilo de vida
sedentário, maior frequência de excesso de peso, crescimento e envelhecimento populacional e,
também, à maior sobrevida dos indivíduos com diabetes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que glicemia elevada é o terceiro fator, em
importância, da causa de mortalidade prematura, superada apenas por pressão arterial aumentada
e uso de tabaco. Infelizmente, muitos governos, sistemas de saúde pública e profissionais de saúde
ainda não se conscientizaram da atual relevância do diabetes e de suas complicações.
Como resultado de uma combinação de fatores, o que inclui baixo desempenho dos sistemas
de saúde, pouca conscientização sobre diabetes entre a população geral e os profissionais de
saúde e início insidioso dos sintomas ou progressão do diabetes tipo 2, essa condição pode
permanecer não detectada por vários anos, dando oportunidade ao desenvolvimento de suas
complicações.
Estima-se que cerca de 50% dos casos de diabetes em adultos não sejam diagnosticados e
que 84,3% de todos os casos de diabetes não diagnosticados estejam em países em
desenvolvimento.
Pelo fato de o diabetes estar associado a maiores taxas de hospitalizações, maior utilização
dos serviços de saúde, bem como maior incidência de doenças cardiovasculares e
cerebrovasculares, cegueira, insuficiência renal e amputações não traumáticas de membros
inferiores, pode-se prever a carga que isso representará nos próximos anos para os sistemas de
saúde de todos os países, independentemente do seu desenvolvimento econômico; a carga será
maior, porém, nos países em desenvolvimento, pois a maioria ainda enfrenta desafios no controle
de doenças infecciosas.
DM Tipo 01
Embora o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) seja menos comum na população geral quando
comparado ao diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a incidência ainda aumenta em cerca de 3% ao ano,
particularmente entre as crianças.
A incidência atual de jovens < 19 anos é de 132.600 novos casos, sendo muito variada nas
diferentes regiões do globo terrestre, e, quando a insulina não está disponível, a expectativa de
vida de uma criança com DM1 é muito curta.
Dados atualizados em 2017 pela International Diabetes Federation (IDF), de 2017, sobre a
prevalência e incidência de DM1 em crianças e adolescentes menores de 20 anos, estimam que
tenhamos aproximadamente 1.106.200, sendo o maior número na Europa (286.000).
Dentre os 10 países com maior número de casos de DM1, o Brasil continua em terceiro lugar,
com 88.300 casos, precedido apenas pelos Estados Unidos (169.900) e pela Índia (128.500). O
Brasil é ainda o terceiro colocado em maior número de novos casos ao ano (9.600), precedido pela
Índia (16.700) e Estados Unidos (17.100).
Na infância, o DM1 é o tipo de DM mais frequente – corresponde a 90% dos casos,2 com um
aumento expressivo sobretudo na população abaixo de 5 anos de idade.
Desde os resultados do Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), compreendeu-se que
grande parte das comorbidades associadas ao DM está diretamente relacionada ao grau de
controle metabólico (A).
O estudo pós-DCCT demonstrou, ainda, que os benefícios de um controle glicêmico mais estrito
se mantinham por mais tempo, estabelecendo definitivamente os benefícios do controle mais
precoce dos parâmetros glicêmicos de todo indivíduo com diabetes (A).
Etiopatogenia.
O DM tipo 1 resulta da destruição autoimune das células β, e a maioria, porém nem todos
os indivíduos, tem evidência de autoimunidade dirigida contra as ilhotas pancreáticas.
Alguns indivíduos que possuem o fenótipo clínico do DM tipo 1 carecem de marcadores
imunológicos indicativos de um processo autoimune envolvendo as células β e os marcadores
genéticos do diabetes tipo 1.
Acredita-se que esses indivíduos desenvolvam uma deficiência de insulina por mecanismos
não imunes desconhecidos e possam ser propensos à cetose; muitos são de ascendência afro-
americana ou asiática.
O desenvolvimento temporal do DM tipo 1 é mostrado esquematicamente como uma função
da massa de células β na Figura 417.6.

Acredita-se que os indivíduos com suscetibilidade genética apresentem uma massa normal
de células β no nascimento, porém começam a perder essas células em consequência da
destruição autoimune que ocorre ao longo de meses a anos.
Admite-se que esse processo autoimune seja desencadeado por um estímulo infeccioso ou
ambiental e sustentado por uma molécula específica da célula β. Na maioria dos pacientes,
marcadores imunológicos aparecem após o evento desencadeante, porém antes de o diabetes se
tornar clinicamente manifesto.
A seguir, a massa de células β começa a diminuir, e a secreção de insulina declina
progressivamente, apesar de ser mantida uma tolerância à glicose normal. O ritmo de declínio da
massa de células β varia amplamente entre os indivíduos, com alguns pacientes progredindo
rapidamente para diabetes clínico e outros evoluindo mais lentamente.
As características do diabetes só se tornam evidentes depois que a maioria das células β já
foi destruída (70-80%). Nesse ponto, existem células β funcionantes residuais, mas seu número é
insuficiente para manter a tolerância à glicose.
Os eventos que induzem a transição da intolerância à glicose para o diabetes franco estão
associados, com frequência, a maiores demandas de insulina, como poderia ocorrer durante
infecções ou na puberdade.
Após a manifestação clínica inicial do DM tipo 1, pode seguir-se uma fase de “lua de mel”,
durante a qual o controle glicêmico é conseguido com doses moderadas de insulina ou, raramente,
a insulina não é necessária.
Entretanto, essa fase transitória de produção endógena de insulina pelas células β residuais
desaparece, e o indivíduo torna-se deficiente em insulina.
Muitos indivíduos com DM tipo 1 de longa duração produzem uma pequena quantidade de
insulina (refletida pela produção de peptídeo C), enquanto outros com mais de 50 anos de DM tipo
1 apresentam células positivas para insulina no pâncreas à necropsia.
Fisiopatologia.
Apesar de outros tipos de células das ilhotas (células α [produtoras de glucagon], células δ
[produtoras de somatostatina] ou células PP [produtoras do polipeptídeo pancreático]) serem
funcional e embriologicamente semelhantes às células β e expressarem a maioria das mesmas
proteínas das células β, elas são poupadas da destruição autoimune.
Do ponto de vista patológico, as ilhotas pancreáticas apresentam infiltração modesta de
linfócitos (um processo denominado insulite). Após a destruição das células β, acredita-se que o
processo inflamatório diminua, e as ilhotas se tornam atróficas.
Estudos do processo autoimune em seres humanos e em modelos animais de DM tipo 1
(camundongo NOD e rato BB) identificaram as seguintes anormalidades nos ramos humoral e
celular do sistema imune: (1) autoanticorpos contra células das ilhotas; (2) linfócitos ativados nas
ilhotas, nos linfonodos peripancreáticos e na circulação sistêmica; (3) linfócitos T que proliferam
quando estimulados por proteínas das ilhotas e (4) liberação de citocinas dentro da insulite.
As células β parecem ser particularmente suscetíveis ao efeito tóxico de algumas citocinas
(fator de necrose tumoral α [TNF-α, de tumor necrosis factor α], interferon γ e interleucina 1 [IL-1]).
Os mecanismos precisos da morte das células β são desconhecidos, mas podem envolver
a formação de metabólitos do óxido nítrico, apoptose e citotoxicidade direta da célula T CD8+.
A destruição das ilhotas é mediada por linfócitos T, e não pelos autoanticorpos dirigidos
contra células das ilhotas, pois esses anticorpos em geral não reagem com a superfície celular das
células das ilhotas e não são capazes de transferir o DM para os animais.
Os esforços para suprimir o processo autoimune por ocasião do diagnóstico de diabetes têm
sido, em grande parte, ineficazes ou apenas temporariamente efetivos para diminuir a velocidade
de destruição das células β.
As moléculas das ilhotas pancreáticas que funcionam como alvo para o processo autoimune
incluem insulina, descarboxilase do ácido glutâmico (GAD, de glutamic acid decarboxylase, a
enzima biossintética para o neurotransmissor GABA), ICA- 512/IA-2 (homologia com tirosina-
fosfatases) e um transportador de zinco específico da célula β (ZnT-8). A maioria dos autoantígenos
não é específica da célula β, o que levanta a questão de como essas células são seletivamente
destruídas.
As teorias atuais apontam para o início de um processo autoimune dirigido para uma única
molécula da célula β, que a seguir se propaga para outras moléculas das ilhotas à medida que o
processo imune destrói as células β e cria uma série de autoantígenos secundários.
As células β dos indivíduos que desenvolvem DM tipo 1 não diferem das células β dos
indivíduos normais, pois as ilhotas transplantadas de um gêmeo geneticamente idêntico são
destruídas por uma recidiva do processo autoimune do DM tipo 1.
• Marcadores imunológicos
Os autoanticorpos contra as células das ilhotas (ICAs, de islet cell autoantibodies) são uma
combinação de diferentes anticorpos dirigidos contra moléculas das ilhotas pancreáticas, como
GAD, insulina, IA-2/ICA-512 e ZnT-8, e funcionam como marcadores do processo autoimune do
DM tipo 1. Os ensaios para autoanticorpos dirigidos a GAD-65 estão disponíveis no comércio.
Os testes para ICAs podem ser úteis na classificação do DM tipo 1 como realmente tipo 1 e na
identificação dos indivíduos que não são diabéticos e que correm risco de vir a desenvolver DM
tipo
Os ICAs estão presentes na maioria dos indivíduos (> 85%) diagnosticados com DM tipo 1 de
início recente, em uma minoria significativa de indivíduos com DM tipo 2 diagnosticados
recentemente (5-10%) e ocasionalmente nos indivíduos com DMG (< 5%). Os ICAs estão presentes
em 3 a 4% dos parentes de primeiro grau dos indivíduos com DM tipo 1.
Em combinação com a secreção prejudicada de insulina após o teste de tolerância à glicose IV,
eles permitem prever um risco superior a 50% de desenvolver DM tipo 1 em cinco anos.
Atualmente, a mensuração dos ICAs em indivíduos que não são diabéticos constitui um
instrumento de pesquisa, pois nenhum tratamento foi aprovado para prevenir a ocorrência ou a
progressão para DM tipo 1.
• Fatores ambientais
Foram propostos inúmeros eventos ambientais como desencadeantes do processo autoimune
em indivíduos geneticamente suscetíveis; contudo, nenhum deles foi associado de maneira
conclusiva ao diabetes.
A identificação de um desencadeante ambiental tem sido difícil, pois o evento pode preceder o
início do DM em vários anos (Fig. 417.6). Os desencadeantes ambientais hipotéticos incluem vírus
(Coxsackie, rubéola, enterovírus mais proeminentemente), proteínas do leite bovino e compostos
de nitrosureia. Há um interesse crescente no microbioma e no diabetes tipo 1.
Quadro clínico.
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crônica, caracterizada pela destruição parcial
ou total das células beta das ilhotas de Langerhans pancreáticas, resultando na incapacidade
progressiva de produção de insulina.
Esse processo pode levar meses ou anos, mas aparece clinicamente apenas após a
destruição de pelo menos 80% da massa de ilhotas. Inúmeros fatores genéticos e ambientais
contribuem para a ativação do curso imunológico que desencadeia esse processo de
autodestruição.
No período clínico, os sinais e os sintomas mais frequentes são poliúria, polidipsia, polifagia,
astenia e perda de peso.
DM tipo 02
O diabetes melito tipo 2 (DM2), responsável por 90 a 95% dos casos de diabetes melito (DM),
representa um grave problema de saúde pública mundial, pelo número crescente de pessoas
acometidas, por implicar elevada morbimortalidade cardiovascular e redução na expectativa de
vida.
O DM2 mal controlado acarreta risco elevado para as complicações microvasculares da doença
(retinopatia, neuropatia e nefropatia), cuja prevalência aumenta de forma mais exponencial com
níveis de hemoglobina glicada (HbA1c ou A1C) a partir de 6,5 a 7%.
Como se trata de doença muitas vezes silenciosa, cerca de 40 a 50% dos pacientes com DM2
desconhecem ter a doença, o que implica retardo de 4 a 7 de anos na sua detecção e a
possibilidade da presença das citadas complicações já ao diagnóstico.
A maioria (80 a 90%) dos pacientes com DM2 tem síndrome metabólica, caracterizada por um
aglomerado de condições que aumentam o risco de doença cardiovascular (DCV), tais como
obesidade central, dislipidemia, intolerância à glicose ou hiperglicemia, e hipertensão.
Tal fato contribui bastante para que indivíduos com DM2 tenham uma expectativa de vida
reduzida em 5 a 10 anos, em média, se diagnosticados entre os 40 e 60 anos, e apresentem
mortalidade 2 a 3 vezes maior do que a da população geral (50% morrem de doença arterial
coronariana e 75%, de problemas cardiovasculares).
Além disso, as complicações microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia) também
levam a graves consequências para os pacientes, como cegueira, insuficiência renal em estágio
terminal e amputações.
O DM2 está também associado a risco aumentado para câncer, doenças psiquiátricas, doença
de Alzheimer e outras formas de demência, hepatopatia crônica, artrite, fraturas e outras condições
incapacitantes ou fatais. O principal fator de risco para essas complicações é o controle glicêmico
inadequado.
Bases fisiopatogênicas.
O DM2 é uma doença complexa e progressiva, caracterizada por alterações metabólicas,
entre as quais as principais são diminuição da sensibilidade à insulina no músculo, excessiva
produção hepática de glicose (por resistência insulínica no fígado) e declínio progressivo da função
das células beta (β). Na sua gênese, participam fatores genéticos e ambientais (p. ex.,
sedentarismo e obesidade).
Além dos músculos, do fígado e das células β (o chamado “triunvirato”), outros componentes
desempenham importante papel na patogênese do DM2: o adipócito (lipólise acelerada), o trato
gastrintestinal (deficiência/resistência incretínica), as células alfa (α) pancreáticas
(hiperglucagonemia), o rim (reabsorção aumentada de glicose pelos túbulos renais) e o cérebro
(resistência à insulina).
Coletivamente, esses componentes compreendem o que foi recentemente chamado de
“octeto ominoso ou nefasto” por DeFronzo. O conhecimento desses conceitos sugere que vários
fármacos usados em combinação podem ser necessários para corrigir os múltiplos defeitos
fisiopatológicos.
Da mesma forma, o tratamento deve ter como base a reversão de anormalidades
patogênicas conhecidas e não simplesmente a redução da HbA1c. Por fim, a terapia deve ser
iniciada precocemente para prevenir/alentecer a progressiva falência das células β (já bem
estabelecida mesmo em indivíduos com tolerância diminuída à glicose).
Resistência insulínica (RI) é encontrada em cerca de 85 a 90% dos casos de DM2.23,24 No
fígado, a RI se manifesta por uma produção excessiva de glicose durante o estado basal, ao passo
que, no músculo, ela se expressa pela captação deficiente de glicose após uma refeição de
carboidratos, o que ocasiona hiperglicemia pós-prandial.
Lipólise exagerada e aumento dos ácidos graxos livres (AGL) circulantes resultam da RI nos
adipócitos. Enquanto as células β são capazes de aumentar sua secreção de insulina o suficiente
para compensar a RI, a tolerância à glicose permanece normal.
No entanto, com o tempo, as células β começam a falhar. Inicialmente, eleva-se apenas
glicemia pós-prandial; depois, a glicemia de jejum começa a aumentar, levando ao surgimento do
DM2 manifesto (Figura 60.2).
O defeito secretório das células β no DM2 caracteriza-se pela perda da fase rápida (ou
primeira fase) de secreção de insulina, o que contribui para o surgimento de picos hiperglicêmicos
pós-prandiais, a despeito de valores de glicemia de jejum inicialmente normais. Essa alteração
também é vista na tolerância diminuída à glicose (IGT).
Geralmente, a RI precede, por vários anos, a deficiência na secreção de insulina, a qual é
imprescindível para que a hiperglicemia mantida se manifeste (ver Figura 60.2). Além disso,
conforme demonstrado no UKPDS, caracteristicamente no DM2 há uma deterioração progressiva
da função da célula β, evidenciada por contínuo aumento da HbA1c, a despeito do tipo de
tratamento utilizado (Figura 60.3).9 Da mesma maneira, por ocasião do diagnóstico do DM2, a
função da célula β já está reduzida em, pelo menos, 50% e, 6 anos após, haverá apenas 25%
dessa função.
Finalmente, estudos patológicos sugerem que, na ocasião do diagnóstico do DM2, já existiria
uma redução de 25 a 50% na massa de células β, em consequência de apoptose aumentada,
proliferação diminuída ou ambas.
A hiperglicemia prolongada leva ao agravamento da RI e do defeito secretório das células β
(glicotoxicidade), contribuindo, assim, para as falências primária e secundária dos anti-
hiperglicemiantes orais.
Do mesmo modo, o aumento dos AGL circulantes, por um fenômeno denominado
lipotoxicidade, contribui para o agravamento da hiperglicemia por meio de 2 mecanismos: (1)
inibição da secreção de insulina pelas células β; e (2) aumento da RI no músculo esquelético (por
deposição de AGL), com diminuição da captação de glicose pelo mesmo.
Além disso, o excessivo aporte de AGL para o fígado favorece sua oxidação, contribuindo
para gliconeogênese aumentada (com consequente incremento do débito hepático de glicose),
esteatose hepática e maior síntese hepática de VLDL. Isso culmina na dislipidemia diabética
(caracterizada por hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e existência de partículas de LDL
pequenas e densas) (Figura 60.4).
Incretinas são hormônios produzidos por células do intestino delgado em resposta à ingestão
de nutrientes. Os principais representantes do grupo são o GLP-1 (peptídeo semelhante ao
glucagon-1) e o GIP (polipeptídeo insulinotrópico glicosedependente).
Eles são responsáveis por, aproximadamente, 90% do chamado “efeito incretínico” (estímulo
intestinal à produção de insulina). Em indivíduos normais, os níveis de GIP e GLP-1 são baixos no
estado basal em jejum e aumentam rapidamente após a alimentação.
No DM2, os níveis do GLP-1 estão diminuídos (embora esse achado esteja sendo
contestado, talvez só ocorrendo frente a situações específicas) e os do GIP, normais ou elevados.
A resistência ao GIP, também descrita em indivíduos com IGT, pode ser revertida pelo rígido
controle glicêmico. Portanto, ela seria uma outra manifestação da glicotoxicidade. Os dois, GLP-1
e GIP, são rapidamente degradados in vivo e in vitro pela enzima dipeptidil peptidase-4 (DPP-4).

O polipeptídeo amiloide das ilhotas (IAPP) é cossecretado na proporção de 1 para 1 com a


insulina. Hipersecreção do IAPP e deposição de amiloide dentro do pâncreas também têm sido
implicadas na progressiva falência das células β no DM2.
Mais recentemente, vários genes têm sido associados à disfunção de células em indivíduos
com DM2. Entre esses genes, o fator de transcrição TCF7 L2 é o mais bem estabelecido.
A RI no hipotálamo alteraria os centros de controle do apetite, com aumento da ingestão de
alimentos e ganho de peso. Estudos em roedores forneceram evidências de que a RI cerebral leva
a aumento no débito hepático da glicose (DHG) e diminuição na captação muscular de glicose.
Tem-se tornado cada vez mais evidente que a composição da microbiota intestinal
desempenha um papel na regulação do metabolismo da glicose e dos lipídios. Mais
especificamente, parece haver uma associação entre bactérias produtoras de butirato e efeitos
benéficos sobre esse metabolismo, tanto em camundongos quanto em humanos.
Além disso, uma alteração na composição da microbiota intestinal poderia estar envolvida
no desenvolvimento da obesidade e do DM2.33
Em resumo, a perda progressiva da massa e da função da célula é multifatorial. Nesse
processo, estariam envolvidos a glicotoxicidade, a lipotoxicidade, a deficiência/resistência
incretínica, o estresse oxidativo e a inflamação, bem como a deposição de amiloide nas células β
e certos fatores genéticos.
Diagnóstico laboratorial do DM tipo 01 – 02 e pré-diabetes
Na história natural do DM, alterações fisiopatológicas precedem em muitos anos o
diagnóstico da doença. A condição na qual os valores glicêmicos estão acima dos valores de
referência, mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM, denomina-se pré-diabetes.
A resistência à insulina já está presente e, na ausência de medidas de combate aos fatores
de risco modificáveis, ela evolui frequentemente para a doença clinicamente manifesta e associa-
se a risco aumentado de doença cardiovascular e complicações.
Na maioria dos casos de pré-diabetes ou diabetes, a condição é assintomática e o
diagnóstico é feito com base em exames laboratoriais.
As categorias de tolerância à glicose são definidas com base nos seguintes exames:
Glicemia em jejum: coletada em sangue periférico após jejum calórico de no mínimo 8 horas;
TOTG: previamente à ingestão de 75 g de glicose dissolvida em água, coleta-se uma amostra de
sangue em jejum para determinação da glicemia; coleta-se outra, então, após 2 horas da
sobrecarga oral. Importante reforçar que a dieta deve ser a habitual e sem restrição de carboidratos
pelo menos nos 3 dias anteriores à realização do teste. Permite avaliação da glicemia após
sobrecarga, que pode ser a única alteração detectável no início do DM, refletindo a perda de
primeira fase da secreção de insulina;
Hemoglobina glicada (HbA1c): oferece vantagens ao refletir níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4
meses e ao sofrer menor variabilidade dia a dia e independer do estado de jejum para sua
determinação. Vale reforçar que se trata de medida indireta da glicemia, que sofre interferência de
algumas situações, como anemias, hemoglobinopatias e uremia, nas quais é preferível diagnosticar
o estado de tolerância à glicose com base na dosagem glicêmica direta. Outros fatores, como idade
e etnia, também podem interferir no resultado da HbA1c. Por fim, para que possa ser utilizada no
diagnóstico de DM, a determinação da HbA1c deve ocorrer pelo método padronizado no Diabetes
Control and Complications Trial (DCCT) e certificado pelo National Glycohemoglobin
Standardization Program (NGSP).
A confirmação do diagnóstico de DM requer repetição dos exames alterados, idealmente o
mesmo exame alterado em segunda amostra de sangue, na ausência de sintomas inequívocos de
hiperglicemia.
Pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia, tais como poliúria, polidipsia, polifagia e
emagrecimento, devem ser submetidos à dosagem de glicemia ao acaso e independente do jejum,
não havendo necessidade de confirmação por meio de segunda dosagem caso se verifique
glicemia aleatória ≥ 200 mg/dL.
Os valores de normalidade para os respectivos exames, bem como os critérios diagnósticos
para pré-diabetes e DM mais aceitos e adotados pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD),
encontram-se descritos no Quadro 6.
As categorias de pré-diabetes, além de conferirem risco aumentado para desenvolvimento
de DM, também estão associadas a maior risco de doença cardiovascular e complicações crônicas.
Os critérios diagnósticos para DM1 são semelhantes aos utilizados no DM2. No primeiro
caso, porém, comumente a sintomatologia já chama muito mais a atenção do clínico do que no
segundo caso.

Assim, o pré-diabetes implica risco cardiovascular aumentado e risco elevado de progressão


para o diabetes melito tipo 2. Sua crescente prevalência na população adulta torna essa entidade
importante no contexto da abordagem metabólica do paciente.
Reforçar as estratégias de mudança de estilo de vida, com redução da ingestão calórica e
prática regular de atividade física, é essencial para o sucesso terapêutico. Intervenções
farmacológicas (p. ex., metformina) e/ou cirúrgicas (cirurgia bariátrica) devem ser avaliadas caso a
caso, à luz da evidência clínica disponível e das demais comorbidades do paciente.
Tratamento DM tipo 01
O tratamento de crianças e adolescentes com DM1 deve considerar características únicas
dessa faixa etária, como mudanças na sensibilidade à insulina relacionadas à maturidade sexual e
ao crescimento físico (D),7 capacidades de iniciar o autocuidado, supervisão na assistência a
infância e escola, além de uma vulnerabilidade neurológica a hipoglicemia e, possivelmente,
hiperglicemia, bem como a cetoacidose diabética.
A atenção à dinâmica familiar também é essencial no desenvolvimento e na implementação
de um esquema de tratamento para a doença.
A terapêutica do DM1, historicamente, segue a tríade composta por insulina, alimentação e
atividade física. Contudo, com os avanços tecnológicos e terapêuticos e os novos conhecimentos
dos fatores psicológicos e sociais que envolvem o DM, poder-se-ia dizer que a tríade deveria mudar
para insulina, monitorização e educação, incluindo-se nesta última a alimentação, a atividade física
e a orientação para os pacientes e suas famílias.
Insulinoterapia
Como o DM1 se caracteriza por produção insuficiente de insulina, o tratamento medicamentoso
depende da reposição desse hormônio, utilizando-se de esquemas e preparações variados e
estabelecendo-se “alvos glicêmicos” pré e pós-prandiais para serem alcançados.
Em todas as faixas etárias, a reposição da insulina deve tentar atingir o perfil mais próximo
possível do fisiológico (A).
Apesar de existirem recomendações de metas glicêmicas para o controle do DM, é importante
enfatizar a necessidade de individualização dos objetivos glicêmicos, evitando-se tanto sequelas
de hipoglicemias quanto alterações no sistema nervoso central decorrentes de hiperglicemias
alternadas com hipoglicemias.
A Tabela 1 mostra de maneira resumida as metas glicêmicas, segundo recomendações da
International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes (ISPAD), sendo recentemente
recomendado considerar a meta de glicada menor de 6,5%, para pacientes em uso de tecnologia
e bom conhecimento e manuseio do tratamento.

O tratamento com insulina deve ser iniciado o mais rápido possível após o diagnóstico
(geralmente dentro das 6 horas, em caso de cetonúria), para prevenir a descompensação
metabólica e a cetoacidose diabética (CAD) (A).
Dependendo do serviço, de 25 a 67% dos casos de DM1 na infância ainda são
diagnosticados na vigência de CAD (D). Clinicamente o paciente pode apresentar desidratação,
vômitos, dor abdominal, hálito cetônico (com aroma de frutas), respiração de Kussmaul e
diminuição do nível de consciência.
Algumas condições relacionadas à faixa etária devem ser lembradas e consideradas na
montagem do esquema terapêutico.
Os adolescentes, por exemplo, costumam apresentar esquemas alimentares que fogem à
rotina, com maior dificuldade de controle metabólico e, frequentemente, maior risco de
hipoglicemias graves alternadas com hiperglicemias, sendo de grande importância tentar incentivar
a motivação e o conhecimento. É a faixa etária em que há maior dificuldade em atingir um bom
controle metabólico.
A faixa etária de lactentes e pré-escolares também apresenta muitas particularidades no
suporte e manutenção do tratamento,
Na prática, a reposição insulínica é feita com uma insulina basal (cuja função é evitar a
lipólise e a liberação hepática de glicose no período interalimentar), uma insulina durante as
refeições (bolus de refeição) e doses de insulina necessárias para corrigir hiperglicemias pré e pós-
prandiais ou no período interalimentar (bolus de correção).
A insulinoterapia em esquema intensivo (basal-bolus), seja com múltiplas aplicações de
insulina ao dia, seja com SICI, constitui a terapêutica fundamental e deve ser aliada à terapia
nutricional com contagem de carboidratos, automonitorização e prática regular e planejada de
atividade física, a fim de complementar o tratamento, cujo objetivo principal é o bom controle
metabólico, postergando-se complicações crônicas. advindas de mau controle e evitando-se
hipoglicemias, principalmente as mais graves, noturnas e despercebidas.
De todo modo, o esquema terapêutico deve ser individualizado, além de exigir
conhecimentos básicos sobre fator de sensibilidade, razão insulina/carboidrato, contagem de
carboidratos, automonitorização e manejo de insulina durante a atividade física e em situações de
estresse (dias de doença, infecções etc.).
O tratamento intensivo pode envolver a aplicação de múltiplas doses de insulina, com
diferentes tipos de ação, por meio de seringa, caneta ou SICI. O tratamento com múltiplas doses
de insulina tornou-se bastante prático após o surgimento das canetas (descartáveis ou
permanentes), atualmente disponíveis em vários modelos, que permitem o uso de doses de 0,5
unidade de insulina e apresentam comprimentos diferentes de agulha (4, 5, 6, 8 e 12 mm).
A dose diária total de insulina preconizada em pacientes com DM1, com diagnóstico recente
ou logo após diagnóstico de cetoacidose diabética, varia de 0,5 a 1,0 U/kg/dia. No entanto, alguns
casos requerem doses maiores de insulina para a recuperação do equilíbrio metabólico.
A dose diária de insulina depende de idade, peso corporal, estadiamento puberal, duração
e fase do diabetes, estado do local de aplicação da insulina (presença de lipodistrofias), ingestão
de alimentos e sua distribuição, automonitoramento e HbA1c, rotina diária, prática e intensidade da
atividade física, bem como intercorrências (infecções, dias de doença ou procedimentos cirúrgicos).
Durante a fase de remissão parcial, a dose diária total de insulina administrada é < 0,5 U/kg/
dia (até < 0,3 U/kg/dia); posteriormente, com a evolução da doença e passada essa fase, a
necessidade diária de insulina aumenta para 0,7 a 1 U/kg/dia em crianças pré-púberes, podendo
alcançar 1 a 2 U/kg/dia durante a puberdade ou, em situações de estresse (físico ou emocional),
1,5 U/kg/dia.
Recomenda-se que a dose basal de insulina diária varie de 30 a 50% da dose total, a fim de
tentar mimetizar a secreção endógena de insulina, e que o restante da dose diária seja em forma
de bolus de correção (quantidade de insulina rápida ou análogo ultrarrápido para alcançar a
glicemia na meta terapêutica desejada) e de refeição (quantidade de insulina necessária para
metabolizar n gramas de carboidratos).
Doses mais baixas de insulina basal (30%), sobretudo quando em associações à insulina
regular, reduzem o risco de hipoglicemias e melhoram o controle metabólico. Em lactentes e
crianças menores (< 6 anos), recomenda-se que as doses de insulina basal girem em torno de
30%; em crianças maiores, adolescentes e adultos jovens, em torno de 40%, podendo em alguns
casos específicos utilizar no máximo 50% da dose.
Algumas evidências sugerem que a fase inicial da doença em adultos jovens com DM1 seja
progressiva e se caracterize por declínio mais lento da função da célula beta pancreática, em
comparação a crianças e adolescentes.
A otimização do tratamento, desde as fases iniciais da doença, reduz significativamente o
risco de complicações, sugerindo-se o tratamento intensivo em esquema basal-bolus desde o início
do diagnóstico.
O tratamento intensivo em esquema basal-bolus com múltiplas aplicações ao dia pode ser
realizado por uma das seguintes opções:
Basal:
• Insulina protamina neutra Hagedorn (neutral protamine Hagedorn, NPH), duas a quatro vezes ao
dia: (I) antes do desjejum e ao deitar-se, (II) antes do desjejum, no almoço e ao deitar-se ou (III)
antes do desjejum, no almoço, no jantar e ao deitar-se ou
• Análogo de insulina glargina, uma vez ao dia: (I) antes do desjejum, (II) no almoço, (III) no jantar
ou (IV) ao deitar-se ou
• Análogo de insulina glargina U300 (2019: > 18 anos): (I) antes do desjejum, (II) no almoço, (III) no
jantar ou (IV) ao deitar-se ou
• Análogo de insulina detemir, uma ou duas vezes ao dia: antes do desjejum e/ou no jantar e/ou ao
deitar-se ou
• Análogo de insulina degludeca: uma vez ao dia: (I) antes do desjejum, (II) no almoço, (III) no jantar
ou (IV) ao deitar-se.
Bolus (correção e refeição):
• Insulina de ação rápida (regular): antes (30 a 40 minutos) das principais refeições ou
• Análogo de insulina de ação ultrarrápida (lispro, asparte ou glulisina): antes (15 minutos) das
principais refeições ou logo ao término delas;
• Análogo de insulina de ação mais ultrarrápida Fiasp: antes (2 minutos) das principais refeições ou
até 20 minutos após o término delas.
A administração dos análogos de insulina ultrarrápida após a refeição é ao menos tão eficaz
quanto a de insulina regular antes da refeição, podendo ser administrada dessa maneira em
crianças menores, que, muitas vezes, não ingerem a quantidade total de carboidratos na refeição
programada.
A insulina regular, quando aplicada 5 minutos antes das refeições, é menos eficaz do que
quando aplicada de 30 a 40 minutos antes, devido ao seu perfil de ação.29,30

Precisa? Análogos de insulina. Insulina bifásica. Sistema de infusão contínua de insulina.


Hipoglicemia
Necessidade de hospitalização
O diagnóstico de DM1 causa um forte impacto sobre o paciente e seus familiares. É necessária
uma boa orientação inicial para que entendam os objetivos do tratamento, o que se pretende com
os esquemas propostos e a forma de monitorização dos resultados.
Essa primeira orientação deve capacitá-los a administrar a insulina adequadamente, monitorizar
e interpretar os valores glicêmicos, reconhecer sinais e sintomas de hipoglicemia e agir para
normalizar a situação. É preciso preencher todos esses requisitos para se optar pelo tratamento
domiciliar do DM.
Para iniciar o tratamento do DM1 recém-diagnosticado sem internação, é fundamental uma
estrutura que proporcione um programa de educação, com equipe composta preferencialmente por
enfermeiros, nutricionista e médicos, e facilidade de comunicação entre esses profissionais e o
paciente e seus familiares (D).
Deve-se considerar a hospitalização quando o indivíduo não apresenta um quadro de grave
descompensação ao diagnóstico, levando em conta também as possibilidades materiais de um
tratamento domiciliar, o grau de compreensão por parte dos familiares, a facilidade de contato com
a equipe médica e as condições psicológicas da família ao diagnóstico.
Várias podem ser as vantagens do tratamento em casa: redução de reintegrações, melhor
controle glicêmico, maior bem-estar e conforto para todos (D). A internação, contudo, pode facilitar
o treinamento intensivo do paciente de seus familiares e promover um bom controle posterior da
doença (B).
Automonitorização
Sabe-se que o bom controle metabólico do DM em adultos e adolescentes, comprovado por
valores menores de hemoglobina glicada (HbA1c), está associado a menores chances de
complicações microvasculares.
Estudos recentes demonstraram que o controle glicêmico no primeiro ano de doença, avaliado
pela HbA1c, é um bom preditor de controle em longo prazo, enfatizando-se a importância do
incentivo a um tratamento mais intensivo desde o diagnóstico, mesmo em crianças pequenas.
Para atingir o controle da HbA1c, a medida da glicemia capilar domiciliar tem se tornado uma
ferramenta essencial. A recomendação atual é fazer ao menos quatro glicemias capilares ao dia,
em geral, distribuídas em períodos pré-prandiais (antes do café, almoço, jantar e ceia).
Tais medidas permitem ao paciente tomar condutas imediatas de ajustes de doses de insulina,
assim como adequar a dose ideal ao consumo de carboidratos.
Nos pacientes pediátricos com DM1, é importante o bom controle glicêmico versus a incidência
de hipoglicemias. O medo excessivo destas leva a um mau controle e conduz o paciente a
complicações precocemente (D).
Nenhum médico, familiar ou, sobretudo, o paciente com diabetes “gosta” de hipoglicemia, mas
essa é uma eventualidade potencialmente presente durante um tratamento que objetiva, tanto
quanto possível, aproximar os níveis glicêmicos da normalidade.
Nesse sentido, opções mais modernas de monitorização glicêmica, cada vez mais empregadas,
são os sistemas de monitorização contínua da glicemia (CGM, na sigla em inglês) e o de
monitorização continua em flash (FGM, na sigla em inglês), que fornecem valores de glicose
intersticial de forma contínua, permitindo ao paciente e ao médico maior visualização das variações
glicêmicas. Essa monitorização, além de possibilitar maior noção dos parâmetros de glicemia, pode
facilitar o ajuste da terapia.
Orientação alimentar
Não há requisição nutricional específica para a criança com diabetes, a não ser aquela requerida
para um adequado crescimento e desenvolvimento. Portanto, a palavra “dieta”, que traz consigo
um sentido de “proibição”, deve ser abolida.
O plano alimentar implica evitar açúcares refinados, de absorção rápida, e instituir uma
alimentação equilibrada do ponto de vista de conteúdo de carboidratos (50 a 60%), proteínas (15%)
e gorduras (30%), o que propicia uma alimentação de alta qualidade e que deveria ser consumida
por todos, com diabetes ou não, visto que é muito mais saudável do que a maioria dos esquemas
alimentares consumidos por crianças que não tem diabetes.
Programa regular de atividade física
Esse programa auxilia notavelmente no aspecto emocional, no bem-estar físico e na melhora
do equilíbrio metabólico. Durante a atividade física, um paciente adequadamente insulinizado reduz
seus níveis glicêmicos devido à facilitação da entrada de glicose na célula muscular.
No entanto, é necessário lembrar que exercício físico não substitui insulina; ou seja, se um
paciente com diabetes está com seu nível glicêmico elevado, a prática de atividade física não é
válida, visto que, como ele não está adequadamente insulinizado, sua glicemia subirá ainda mais.
A monitorização da glicemia capilar deve ser feita horas após a atividade, pois o risco de
hipoglicemia não está limitado somente ao momento da atividade, mas a períodos depois dela.
Como o recomendado a todas as crianças, aquelas com DM ou pré-DM devem ser encorajadas
a pelo menos 60 minutos de atividade física todos os dias, incluindo atividades aeróbicas de
intensidade vigorosa e de fortalecimento osteomuscular em pelo menos três desses dias.
No caso de pacientes muito jovens, como pré-escolares, a atividade física não programada,
como brincadeiras, pode ocorrer com frequência, por isso os cuidadores devem estar atentos e
orientados a lhes oferecerem um lanche extra, caso seja necessário.
Terapia insulínica em sistemas de infusão continua de insulina
Em crianças, a hipoglicemia geralmente é um fator limitante para o tratamento intensivo e o bom
controle do DM (B, A). Alternativamente, pode-se instituir o tratamento intensivo com o uso de
bombas de infusão de insulina, no qual a única insulina utilizada é a ultrarrápida (lispro, asparte ou
glulisina).
Constitui-se no mais fisiológico meio de administração de insulina no sistema basal-bolus e que
mais proximamente simula o padrão de secreção de insulina pela ilhota pancreática, além de
possibilitar maior flexibilidade na administração de insulina e reduzir a variabilidade glicêmica
quando corretamente utilizada.
Tem se mostrado eficiente em crianças pré-escolares, escolares e adolescentes; em crianças
de 1 a 6 anos, melhorou a qualidade de vida e mostrou-se factível e segura, levando os autores a
considerarem essa modalidade terapêutica opcional para esse grupo de pacientes (B).
Já em pacientes de mais idade, incluindo-se os adolescentes, o uso de sistema de infusão
contínua de insulina (SICI) fez melhorarem os controles glicêmicos, reduziu a frequência de
hipoglicemias e aumentou a qualidade de vida (B).
Tratamento DM tipo 02
As opções de tratamento para o DM2 incluem modificações no estilo de vida [MEV] (dieta,
atividade física, perda de peso, cessação do tabagismo etc.) e medicamentos com diferentes
mecanismos hipoglicêmicos: agentes antidiabéticos orais (biguanidas, sulfonilureias, inibidores da
DPP-4, glinidas, glitazonas, inibidores da α-glicosidase, inibidores do cotransportador de sódio e
glicose- 2 [SGLT-2]), análogos do GLP-1 e insulinas (Quadro 60.2).
As atuais recomendações da ADA e da EASD (European Association for the Study of Diabetes)
recomendam MEV juntamente com a administração da biguanida metformina (na ausência de
contraindicações) como tratamento inicial de escolha para o DM2 (Figura 60.5).
Diante de intolerância ou contraindicação, a metformina deve ser substituída por outros
medicamentos (sulfonilureias, glitazonas, inibidores da DPP-4, inibidores do SGLT-2 ou análogos
do GLP-1).
A metformina é um agente antidiabético oral que atua reduzindo a resistência insulínica e,
sobretudo, a produção hepática de glicose. Se o controle glicêmico permanecer inadequado (A1C
> 7% ou acima da meta estipulada) após 3 meses de tratamento ou venha a se deteriorar durante
o seguimento, adiciona-se um segundo fármaco com mecanismo de ação diferente.
No entanto, nos casos com maior glicotoxicidade, a combinação de metformina e um outro
fármaco deve ser considerada como tratamento inicial.
A maioria dos endocrinologistas geralmente reserva a insulinoterapia para quando a
hiperglicemia não puder ser controlada pelo uso combinado de dois ou três fármacos orais. Tal
situação acontece em, pelo menos, 30 a 50% dos casos, 10 anos após o diagnóstico.
No entanto, segundo as recomendações da ADA e da EASD a insulinoterapia já pode ser
utilizada mais precocemente, quando as MEV e a metformina forem incapazes de manter a HbA1c
< 7%, como alternativa aos hipoglicemiantes orais e aos análogos do GLP-1.
Ademais, a insulina pode ser empregada como terapia inicial do DM2 em pacientes muito
sintomáticos com marcante hiperglicemia (glicemia ≥ 300 a 350 mg/dℓ) e/ou HbA1c ≥ 10 a 12%, ou
ainda na vigência de fator de estresse metabólico inequívoco, como, por exemplo, infarto agudo do
miocárdio (IAM) ou acidente vascular cerebral (AVC).
MEV.
O cuidado nutricional em diabetes mellitus (DM) é uma das partes mais desafiadoras do
tratamento e das estratégias de mudança do estilo de vida. A relevância da terapia nutricional no
tratamento do DM tem sido enfatizada desde a sua descoberta, bem como o seu papel desafiador
na prevenção, no gerenciamento da doença e na prevenção do desenvolvimento das complicações
decorrentes.
O controle metabólico é apontado como a pedra angular do manejo do diabetes, pois
alcançar um bom controle reduz o risco de complicações microvasculares e pode, também,
minimizar as chances de doenças cardiovasculares.
De modo semelhante, melhorar os níveis pressóricos e de lipídios pode ser eficaz na redução
de eventos cardiovasculares. As escolhas alimentares promovem efeito direto sobre o equilíbrio
energético e, por conseguinte, sobre o peso corporal e os níveis pressóricos e de lipídios
plasmáticos.
Evidências científicas demonstram que a intervenção nutricional tem impacto significativo na
redução da hemoglobina glicada (HbA1c) no DM1 e DM2, após 3 a 6 meses de seguimento com
profissional especialista, independentemente do tempo de diagnóstico da doença.
Além disso, quando associado a outros componentes do cuidado em DM, o
acompanhamento nutricional pode favorecer ainda mais os parâmetros clínicos e metabólicos
decorrentes de melhor adesão ao plano alimentar prescrito.
A abordagem do manejo nutricional não deve ser somente prescritiva, mas também
apresentar caráter mais subjetivo, de olhar comportamental, colocando o indivíduo no centro do
cuidado.
Esse enfoque considera a disposição e a prontidão do paciente para mudar, possibilitando,
por conseguinte, adaptar as recomendações às preferências pessoais, em uma tomada de decisão
conjunta.
Ao contrário do DM1, que não pode ser evitado, o DM2 pode ser retardado ou evitado por
meio de modificações do estilo de vida, que incluem alimentação saudável e atividade física.
Além do padrão alimentar, é recomendado controle do consumo de álcool, prática de
atividade física, perda de peso e cessação do tabagismo.

Farmacológico.
Assim, no momento do diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), além de orientar
mudanças no estilo de vida (educação em saúde, alimentação e atividade física), o médico costuma
prescrever um agente antidiabético oral (B).
A escolha desse medicamento baseia-se nos seguintes aspectos: mecanismos de
resistência à insulina (RI), falência progressiva da célula beta, múltiplos transtornos metabólicos
(disglicemia, dislipidemia e inflamação vascular) e repercussões micro e macrovasculares que
acompanham a história natural do DM2.
Estudos epidemiológicos sustentam a hipótese de uma relação direta e independente entre
os níveis sanguíneos de glicose e a doença cardiovascular (DCV) (A).
A glicemia é considerada uma variável contínua de risco, da mesma forma que outros fatores
de risco cardiovascular (A). Idealmente, no tratamento do DM2 é preciso tentar alcançar níveis
glicêmicos tão próximos da normalidade quanto viável, minimizando sempre que possível o risco
de hipoglicemia.
A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), em alinhamento com as principais sociedades
médicas da especialidade, recomenda que a meta para a hemoglobina glicada (HbA1c) seja < 7%.
Ressalte-se, ainda, que a SBD mantém a recomendação de que os níveis de HbA1c sejam
mantidos nos valores mais baixos possíveis, sem aumentar desnecessariamente o risco de
hipoglicemias, sobretudo em paciente com DCV e em uso de insulina, considerando valores
individualizados de HbA1c.
Nesse sentido, indica-se o início de uso dos agentes antidiabéticos quando os valores
glicêmicos encontrados em jejum e/ ou pós-prandiais estão acima dos requeridos para o
diagnóstico de diabetes.
A escolha do medicamento deve levar em consideração: Estado geral e idade do paciente;
Obesidade; Comorbidades presentes (complicações do diabetes ou outras), principalmente doença
renal crônica diabética e doença cardiovascular; Valores das glicemias de jejum e pós-prandial,
bem como HbA1c; Eficácia do medicamento; Risco de hipoglicemia; Possíveis interações com
outros medicamentos, reações adversas e contraindicações; Custo do medicamento; Preferência
do paciente.
Para pacientes com diagnóstico recente, as diretrizes das sociedades americana, europeia
e brasileira de diabetes (ADA, EASD e SBD) são coincidentes nas recomendações iniciais de
modificações do estilo de vida associadas ao uso de metformina (A).
Pacientes com manifestações leves: quando a glicemia é inferior a 200 mg/dL, com sintomas
leves ou ausentes (sem a presença de outras doenças agudas concomitantes), estão indicados os
medicamentos que não promovem aumento da secreção de insulina, principalmente se o paciente
for obeso (D). No caso de intolerância à metformina, as preparações de ação prolongada podem
ser úteis. Persistindo o problema, um dos demais agentes antidiabéticos orais pode ser escolhido;
Pacientes com manifestações moderadas: quando a glicemia de jejum é superior a 200 mg/dL,
mas inferior a 300 mg/dL na ausência de critérios para manifestações graves, devem-se iniciar
modificações de estilo de vida e uso de metformina associada a outro agente hipoglicemiante. A
indicação do segundo agente dependerá do predomínio de RI ou de deficiência de insulina/falência
da célula beta (D). Dessa maneira, o inibidor da DPP-4, a acarbose, os análogos do GLP-1, a
glitazona e os inibidores de SGLT2 poderiam constituir a segunda ou a terceira medicação. No
paciente com perda ponderal, poderia ser combinada uma sulfonilureia ou glinidas;
Pacientes com manifestações graves: para os demais pacientes com valores glicêmicos
superiores a 300 mg/dL e manifestações graves (perda significativa de peso, sintomas graves e/
ou cetonúria), deve-se iniciar insulinoterapia imediatamente.
Recomendações gerais com base no quadro clínico
Pacientes com DM2 apresentam, em sua maioria, o fenótipo clínico de obesidade,
hipertrigliceridemia, baixo colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), hipertensão arterial,
dentre outros estigmas típicos da RI.
Nesse caso, recomenda-se o uso de medicamentos anti-hiperglicemiantes, que atuam
melhorando a sensibilidade da insulina endógena, com melhor controle metabólico, evitando ganho
ponderal excessivo (D). Outra opção são as gliptinas (D).
Para um paciente obeso com controle inadequado em monoterapia ou combinação oral, a
associação de exenatida, liraglutida, lixisenatida, dulaglutida ou semaglutida pode ajudar na
melhora do controle e na perda de peso. Inibidores de SGLT2 também podem ser uma opção para
o paciente obeso (D).
A paciente com doença cardiovascular estabelecida, em associação a metformina, estão
indicados os análogos do GLP-1 e/ou os inibidores do SGLT2 (A). Nos casos em que houver a
prevalência de insuficiência cardíaca, os inibidores de SGLT2 demonstrarão maior benefício,
devendo ser preferidos em associação à metformina, caso não haja contraindicação (C).
Pacientes com doença renal crônica diabética devem utilizar inibidores de SGLT2 e/ou
agonistas do GLP-1, pois reduziram a progressão da proteinúria/insuficiência renal (C), caso não
haja contraindicações (C).
Com o tempo de evolução do DM2, ocorre falência progressiva das células beta pancreáticas
secretoras de insulina, podendo a monoterapia falhar na manutenção do bom controle metabólico
(A).
Nessa fase, recomenda-se a associação de dois ou mais medicamentos (idealmente, com
mecanismos de ação diferentes). Algumas vezes, é preciso acrescentar um terceiro medicamento
oral ou insulina basal caso o paciente não esteja na meta de HbA1c (D).
Em qualquer momento, se o paciente apresentar sintomas de insulinopenia (poliúria,
polidipsia, perda ponderal significativa), o tratamento com insulina já poderá ser recomendado,
devendo ser iniciado com insulina basal de ação intermediária ou prolongada, aplicada por via
subcutânea antes do jantar ou de dormir, em associação às demais medicações antidiabéticas
orais (B).
Outra opção, nessa fase, é a associação de insulina basal a análogo do GLP-1 em uma
mesma caneta (liraglutida/degludeca ou lixisenatida/glargina). Essa postura terapêutica de estímulo
à insulinoterapia oportuna previne a inércia clínica por parte do médico e é recomendada pela SBD
(B).
Recomendações gerais práticas
Na prática clínica, a melhor escolha terapêutica dependerá da função pancreática existente
(Figura 1). O paciente com quadro inicial de DM2, quando predomina a RI, deve ser tratado de
forma distinta daquele com muitos anos de evolução da enfermidade, quando a principal
característica é a insulinopenia.
• Na fase 1, período inicial do DM2, caracterizado por hiperglicemia discreta, obesidade e
insulinorresistência, recomendam-se os medicamentos que não aumentam a secreção de insulina
nem estimulam o ganho de peso,sendo a metformina o fármaco de escolha (A). Se houver
intolerância à metformina, outra opção para a monoterapia inicial são as gliptinas, os inibidores do
SGLT2 ou um mimético do GLP-1 (D);
• Na fase 2, com diminuição da secreção de insulina, é correta a indicação de um secretagogo,
possivelmente em combinação com sensibilizadores insulínicos. Pode ser necessária a
combinação de outras classes de medicação antidiabética oral, como análogos do GLP-1,
inibidores do DPP-4 e inibidores do SGLT2 (D). Ainda na fase 2, a insulina basal pode ser outra
opção (D);
• Na fase 3, com a progressão da perda de secreção da insulina, geralmente após uma década de
evolução da doença, e já com perda de peso e/ou comorbidades presentes, é necessário associar
aos agentes orais uma injeção de insulina de depósito antes de o paciente dormir (insulinização
oportuna) (B);4,7
• Na fase 4, enfim, quando predomina clara insulinopenia, o paciente deve receber uma, duas ou
três aplicações de insulina de depósito neutral protamine Hagedorn (NPH) ou análogos de ação
prolongada, em acompanhamento de insulina prandial regular ou ultrarrápida (análogos) antes das
refeições (B). Nessa fase, um agente oral sensibilizador combinado com insulinização costuma
reduzir as doses de insulina e auxiliar na melhora do controle metabólico (D).7
Outras medicações podem ser mantidas em associação à insulina, como incretinomiméticos
e inibidores do SGLT2. É necessário observar o controle dos níveis glicêmicos e a titulação dos
diferentes fármacos a cada 2 a 3 meses, durante o ajuste terapêutico do paciente com DM.

Obs: As recomendações apresentadas têm por finalidade proporcionar ao leitor uma visão geral
das opções terapêuticas atualmente disponíveis, de acordo com uma perspectiva de incorporação
sequencial de cada fármaco. Evidentemente, a escolha dos fármacos mais indicados dependerá
da experiência profissional de cada médico e das condições clínicas de cada paciente, sendo o
tratamento individualizado.
Complicações agudas e crônicas do DM (Endocrinologia – Vilar e Diretriz Brasileira)
Emergências diabéticas (complicações agudas)
As chamadas “crises hiperglicêmicas” englobam a cetoacidose diabética (CAD) e o estado
hiperglicêmico hiperosmolar (EHH), os quais representam as duas complicações agudas mais
graves do diabetes melito (DM).
A CAD e o EHH continuam a ser importantes causas de morbimortalidade, apesar dos grandes
avanços na compreensão da sua patogênese e de uma concordância mais uniforme sobre seu
diagnóstico e seu tratamento.
O EHH é consequente a um déficit relativo de insulina que, em último caso, pode levar a
hiperglicemia significativa, desidratação e hiperosmolalidade. Por outro lado, na CAD, a deficiência
de insulina é mais intensa, ocorrendo, ainda, a produção de corpos cetônicos e acidose metabólica.
Embora a CAD ocorra prioritariamente no DM tipo 1 (DM1), tem sido vista com frequência
crescente no DM tipo 2 (DM2). Em contrapartida, o EHH manifesta-se quase que exclusivamente
no DM2, predominando em idosos.
Tradicionalmente, o EHH e a CAD têm sido descritos como entidades distintas. No entanto,
estimativas sugerem que cerca de 20 a 30% dos pacientes que se apresentam com EHH têm
acidose metabólica resultante de uma CAD concomitante.
Alguns sinônimos para o EHH são “estado hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico”, “coma
hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico” e “coma hiperosmolar”.
No entanto, a denominação “estado hiperglicêmico hiperosmolar” tem sido preferida pela
maioria dos autores considerando que: (1) pequenos graus de cetose podem ocorrer no EHH; e (2)
coma somente ocorre em cerca de 30 a 50% dos pacientes, enquanto nos demais há graus
variados do nível de consciência (sonolência, obnubilação e torpor).
A CAD pode ser a manifestação inicial do DM1 e trata-se da principal causa de mortalidade em
crianças e adultos jovens com DM1 (cerca de 50% dos óbitos).
A CAD costuma ser considerada como pouco frequente no DM2, geralmente surgindo em
situações de estresse intenso, tais como infecções graves, infarto agudo do miocárdio (IAM),
acidente vascular cerebral (AVC) etc.
Já o EHH é quase exclusivamente visto no DM2, sendo muito raro no DM1. Embora predomine
em idosos, o EHH pode ser observado em qualquer grupo etário.8 De fato, ultimamente, ele tem
também sido descrito em crianças e adolescentes com DM2.
Com o grande aumento na prevalência de DM2 e o envelhecimento da população, o EHH tende
a ser encontrado mais frequentemente.
Idade, grau de desidratação, instabilidade hemodinâmica, causas precipitantes e grau de
consciência são possíveis preditores de um resultado fatal.
Fatores precipitantes
Os dois principais fatores precipitantes da CAD e do EHH são infecções e uso inadequado
de insulina (p. ex., omissão da aplicação ou descontinuação do medicamento). Os processos
infecciosos mais frequentes são pneumonia e infecções do trato urinário.
Outros fatores
precipitantes são IAM,
AVC e pancreatite, bem
como o uso de
medicamentos, álcool em
excesso e drogas ilícitas
(Quadro 70.1).
Em pacientes
jovens, sobretudo
adolescentes do sexo
feminino, problemas
psicológicos associados a
transtornos alimentares
podem ser um fator
contribuinte em cerca de
20% dos casos de CAD
recorrente.
Patogênese
A patogênese da CAD e do EHH, apesar de intensamente estudada, ainda apresenta muitos
aspectos que não foram elucidados.
Os defeitos subjacentes na CAD e no EHH são: (1) deficiência absoluta ou relativa de
insulina na CAD ou ação ineficaz da insulina no EHH; (2) níveis elevados de hormônios
contrarreguladores (glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio de crescimento), o que resulta
em aumento da produção hepática de glicose e diminuição da utilização de glicose nos tecidos
periféricos; e (3) desidratação e anormalidades eletrolíticas, principalmente em razão da diurese
osmótica causada pela glicosúria. Para efeito didático, o processo está sumarizado nas Figuras
70.2 e 70.3

Cetoacidose diabética
A CAD caracteriza-se pela tríade bioquímica de hiperglicemia, cetonemia e acidose
metabólica com hiato iônico (anion gap) alto:
1. Hiperglicemia: na CAD, é o resultado de três eventos: aumento da gliconeogênese;
glicogenólise aumentada; e menor utilização da glicose por fígado, músculos e adipócitos. A
diminuição da insulina e a elevação dos níveis de cortisol também resultam em diminuição
da síntese de proteínas e proteólise elevada com aumento da produção de aminoácidos
(alanina e glutamina), os quais, juntamente com os ácidos graxos livres (AGL) liberados dos
adipócitos, servem de substrato para a gliconeogênese. O aumento dos níveis de glucagon,
catecolaminas e cortisol, associado à insulinopenia, estimula as enzimas gliconeogênicas,
especialmente a fosfoenolpiruvato carboxiquinase (PEPCK). O comprometimento da função
renal pela desidratação contribui para agravar a hiperglicemia (ver Figuras 70.2 e 70.3).

2. Cetonemia: a combinação de insulinopenia e excesso de catecolaminas propicia aumento


do catabolismo do tecido adiposo (lipólise) com produção excessiva de AGL e glicerol, os
quais, no fígado, serão oxidados em corpos cetônicos. A diminuição da metabolização
periférica destes últimos também contribui para aumentar a hipercetonemia e a acidose
metabólica. A deficiência de insulina também possibilita o desdobramento do tecido adiposo,
com aumento da disponibilidade da carnitina e aumento da atividade do sistema carnitina
aciltrans-ferase (CAT). O excesso de glucagon, por sua vez, potencializa a cetogênese
hepática e aumenta os níveis de CAT. Com o agravamento do quadro, acumulam-se os
corpos cetônicos, e a acidose metabólica se instala. O aumento da PaCO2 estimula os
centros respiratórios, provocando uma respiração rápida e profunda – respiração de
Kussmaul (ver Figura 70.2).

3. Acidose metabólica: A CAD tipicamente se caracteriza pela acidose metabólica com anion
gap elevado, a qual resulta do acúmulo de cetoácidos.
Estado hiperglicêmico hiperosmolar
Sabe-se menos sobre a patogênese do EHH do que sobre a da CAD. Aparentemente, os
níveis circulantes de insulina são suficientes para prevenir a lipólise e, consequentemente, a
cetogênese, mas inadequados para propiciar a utilização de glicose.
A quantidade de insulina necessária para suprimir a lipólise é um décimo menor do que a
requerida para estimular a utilização periférica de glicose.
Os pacientes com EHH são também deficientes em insulina. Contudo, eles apresentam
concentrações mais elevadas de insulina (demonstrado pelos níveis basais e estimulados do
peptídeo C) do que pacientes com CAD.
Além disso, nos pacientes com EHH, são menores as concentrações séricas dos ácidos
graxos livres e dos hormônios contrarregulatórios (cortisol, GH e glucagon).

Tratamento
Os objetivos principais no tratamento das CAD e do EHH são: (1) restauração do volume
circulatório e perfusão tecidual; (2) redução gradual da glicemia e da osmolalidade plasmática; (3)
correção do desequilíbrio de eletrólitos e, na CAD, redução da cetose; e (4) identificação e pronto
tratamento do fator desencadeante, quando possível.
Para se alcançarem esses objetivos, diferentes protocolos têm sido propostos, com
divergências quanto aos critérios diagnósticos, exames complementares requeridos,
características, velocidade e quantidade das soluções de líquidos infundidas, doses, tipos e vias de
administração de insulina e uso de bicarbonato.
No caso de CAD leve, o tratamento pode ser feito na unidade intermediária. Nos casos de
CAD moderada e grave, bem como nos de EHH, é recomendado o tratamento em unidade de
terapia intensiva. Durante o tratamento da CAD, a hiperglicemia é corrigida mais rapidamente do
que a cetoacidose. A duração média do tratamento até a glicemia
reduzir para menos de 250 mg/dℓ e até a correção da cetoacidose (pH > 7,30) é de 6 e 12 horas,
respectivamente.
Obs: A hipoglicemia é a complicação mais frequente do tratamento do diabetes melito e pode ser
fatal. Apesar dos avanços significativos, a terapia insulínica no diabetes permanece imperfeita,
muitas vezes resultando em excesso relativo de insulina e, consequentemente, em hipoglicemia
iatrogênica. Um risco aumentado em duas a três vezes para hipoglicemia grave ocorre em
pacientes com DM1 ou DM2 submetidos a um controle glicêmico mais rígido.73,74 Ademais, a
hipoglicemia prejudica os mecanismos de defesa contra um subsequente episódio hipoglicêmico.72
Assim, as hipoglicemias são a principal barreira para que os pacientes diabéticos se mantenham
com glicemias e HbA1c nos níveis considerados ideais.
Complicações crônicas
O diabetes melito (DM) é uma doença metabólica que se manifesta com hiperglicemia crônica
por defeitos na secreção e/ou ação da insulina.
A hiperglicemia crônica é o principal fator que desencadeia as complicações a longo prazo, que
podem ser microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia) ou macrovasculares (acometendo
vasos periféricos, coronarianos e cerebrais).
As complicações do DM têm um grande impacto socioeconômico pelo comprometimento da
produtividade, da qualidade de vida e da sobrevida dos diabéticos. Além disso, tem relevância na
saúde pública, devido à alta prevalência da doença, com aumento da morbidade e mortalidade
prematura decorrente das complicações.
Fatores genéticos estão relacionados ao desenvolvimento do DM e suas complicações, porém
sozinhos não explicam totalmente o desenvolvimento da doença. Eles dependem de interações
complexas entre os diferentes genes e o ambiente, que estão implicadas em algumas mudanças
na expressão gênica e na ocorrência das complicações crônicas.
Alterações epigenéticas, como metilações e alterações em histonas, também podem contribuir
para a variabilidade na frequência e na apresentação clínica com que as complicações acometem
cada paciente.
A hiperglicemia pode contribuir de forma independente para as complicações microvasculares,
na medida em que se associa ao mecanismo de estresse oxidativo por meio de ativação da via do
poliol, aumento do fluxo da via de hexosamina, acúmulo de produtos finais de glicação avançada
(AGE) e pela ativação da via da proteinoquinase C (PKC) (Figura 65.1).
Vejamos, então, como cada uma dessas vias se comporta para o aparecimento das
complicações microvasculares diabéticas.

E, atualmente, já podemos mais bem entender como a hiperglicemia persistente do diabético


descontrolado interfere em vários pontos fisiopatológicos, causando, a longo prazo, as temíveis
complicações diabéticas. Um bom controle glicêmico, associado ao controle da pressão arterial, é
considerado como a principal estratégia para prevenção das complicações diabéticas
microvasculares e deve ser objetivado em todos os diabéticos.
Retinopatia
Pacientes diabéticos frequentemente desenvolvem complicações oculares, como
instabilidade da refração, paralisias dos nervos motores oculares (3º, 4º e 6º nervos cranianos),
úlceras de córnea, glaucoma, neovascularização de íris e catarata. Entretanto, a mais comum e a
que mais cega é a retinopatia.
A retinopatia diabética (RD) é a principal causa de casos novos de cegueira não reversível
em pessoas entre 25 e 75 anos em países desenvolvidos. Sua prevalência varia bastante entre os
estudos, mas provavelmente afeta aproximadamente 40% dos diabéticos, sendo mais frequente no
diabetes melito (DM) tipo 1 (DM1) que no DM tipo 2 (DM2). Há comprometimento visual importante
em torno de 10% dos pacientes.
Nos estágios iniciais da RD, os pacientes são assintomáticos, mas, à medida que a doença
progride, o paciente percebe manchas no campo visual, distorção da imagem e redução da
acuidade visual. Os microaneurismas são o sinal mais precoce de RD.
A avaliação da retinopatia diabética inclui a medida da glicemia de jejum e da hemoglobina
glicada (HbA1c). A nefropatia diabética, evidenciada por proteinúria e elevação dos níveis de
creatinina e ureia, também é um excelente preditor de RD; ambas as doenças são causadas por
microangiopatia diabética, e a presença e gravidade de uma reflete na outra.
O mecanismo exato pelo qual o DM causa retinopatia não é totalmente compreendido, mas
várias teorias tentam explicar a história natural da doença. A base da doença é a microangiopatia
com danos relacionados diretamente e indiretamente à hiperglicemia.
Microangiopatia (caracterizada por espessamento da membrana basal do capilar) e oclusão
capilar, secundárias à hiperglicemia crônica, são a base da patogênese da retinopatia diabética.
Juntas, essas anormalidades causam hipoxia retiniana, quebra da barreira hematorretiniana e
aumento da permeabilidade vascular.
Como resultado, ocorrem hemorragias, exsudatos e edema retinianos, bem como o
desenvolvimento de edema macular. Além disso, oclusão e isquemia microvasculares favorecem
o aparecimento de exsudatos algodonosos, alterações capilares, shunts arteriovenosos e
neovascularização.
Nefropatia
A doença renal do diabetes (DRD) ou nefropatia diabética é uma das mais frequentes
complicações microvasculares do diabetes melito (DM), acometendo entre 25 e 40% dos pacientes,
e geralmente começa a se manifestar após 5 a 10 anos do início da doença.
A elevada prevalência do DM na população contribui para que a DRD seja a principal causa
de doença renal crônica no mundo, responsável por aproximadamente metade dos casos de
falência renal nos países desenvolvidos.
Uma recente revisão sistemática relata que, entre pacientes que iniciam terapia substitutiva
renal (TSR), a proporção de pacientes com DM varia de 24% (DRD isolada) a 51% (doença renal
por todas as causas).
De forma preocupante, a associação do diabetes com a doença renal resulta em uma baixa
expectativa de vida, principalmente associada a doenças cardiovasculares (DCV).
O excesso de mortalidade entre os pacientes com diabetes e doença renal avançada pode
chegar a ser 15 vezes maior do que nos controles.
Dessa forma, é de fundamental importância o reconhecimento precoce da DRD, uma vez
que seu diagnóstico, sua prevenção e seu tratamento contribuem definitivamente para a redução
da progressão da doença para estágios finais.
A história natural da DRD está bem caracterizada no diabetes melito tipo 1 (DM1), mas muito
menos no tipo 2 (DM2). A manifestação laboratorial mais precoce da DRD é a microalbuminúria ou
albuminúria moderadamente aumentada, caracterizando a DRD incipiente.
Tipicamente, sem tratamento, a taxa de filtração glomerular (TFG) começa a cair quando a
excreção urinária de albumina (EUA) atinge cerca de 100 μg/min, declinando a uma velocidade em
torno de 10 mℓ/min/1,73 m2.
A creatinina sérica começa a se elevar quando a TFG estiver abaixo de 50 mℓ/min/1,73 m2,
com um inexorável declínio até que a insuficiência renal aconteça.
Dessa forma, doença renal avançada (DRA) surge em 50% dos diabéticos tipo 1 em 10 anos
e em mais de 75% após 20 anos.12 Este último percentual é de apenas 20% no DM2,
possivelmente porque a maioria dos pacientes morre de problemas
cardiovasculares antes de desenvolver DRA.
Neuropatia
As neuropatias diabéticas (NDs) constituem as complicações crônicas mais prevalentes
entre indivíduos com diabetes mellitus (DM), afetando mais de 50% dos pacientes. Caracterizam-
se pela presença de sintomas e/ou sinais de disfunção dos nervos do sistema nervoso periférico
somático e/ou do autonômico em indivíduos com DM.
As NDs são consideradas presentes somente após a exclusão de outras causas, tais como
as polineuropatias (PNPs) resultantes de doenças metabólicas, sistêmicas, infecciosas,
inflamatórias e nutricionais, a intoxicação por agentes industriais, drogas e metais, além das
neuropatias hereditárias.
Tendo em vista a possibilidade de acometimento de todos os tipos de fibras nervosas, de
todas as regiões do organismo, as manifestações clínicas podem ser muito variadas.
À medida que progridem, as NDs tornam-se fatores de risco para ulcerações nos pés,
amputações e desequilíbrio ao andar, determinando, ainda, manifestações clínicas relacionadas
com distúrbios cardiovasculares, da sudorese e dos sistemas geniturinário e gastrintestinal.
Assim, podem afetar a qualidade de vida pelas dores neuropáticas frequentemente
associadas, além da possibilidade de morte súbita por arritmias cardíacas.
Em fases iniciais, as anormalidades nos nervos periféricos são detectadas somente após
testes especiais (nessa fase, as NDs são consideradas subclínicas).
O reconhecimento precoce e o tratamento das NDs são importantes pelos seguintes motivos:
A ND é um diagnóstico de exclusão; neuropatias não diabéticas podem estar presentes e deverão
ser tratadas por medidas específicas; O reconhecimento e o tratamento da neuropatia autonômica
pode amenizar sintomas, reduzir sequelas e melhorar a qualidade de vida.

,
Pé diabético
O pé diabético é conceituado como “infecção, ulceração e/ou destruição de tecidos moles
associados a alterações neurológicas e vários graus de doença arterial obstrutiva periférica (DAOP)
nos membros inferiores”
É uma das complicações mais impactantes do diabetes melito (DM), e sua incidência tende
a aumentar à medida que a epidemia global do DM ascende, diante da maior longevidade da
população e da associação com obesidade.
O DM é também a principal causa de amputação não traumática de membros inferiores.
Ulcerações em pés de pacientes diabéticos (UPD) precedem > 80% das amputações, com piora
na qualidade de vida diante do impacto pessoal e para a família decorrente do tratamento hospitalar
prolongado (média 60 a 90 no Distrito Federal), do absenteísmo e da aposentadoria precoce, além
de elevado custo para o sistema de saúde
As UPD resultam da presença simultânea de dois ou mais fatores de risco, e a forma mais
comum de ND, a polineuropatia diabética periférica (PND), constitui o fator permissivo principal, e
DAOP deflagra ou complica o processo da ulceração em pessoas com DM.
Eventos cardiovasculares
Pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) têm, em média, risco duas a quatro vezes
maior de desenvolver doença coronariana que indivíduos sem diabetes.
O DM2 também é fator de risco para acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico,
insuficiência cardíaca (IC), doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) e doença microvascular,
afetando significativamente a expectativa e a qualidade de vida.
Pacientes com DM2 também têm aumento – de 1,5 a 3,6 vezes – do risco de mortalidade
geral, estimando-se uma redução da expectativa de vida de 4 a 8 anos, em comparação com
indivíduos sem diabetes.
A diretriz brasileira para prevenção de doença cardiovascular no diabetes de 2017 propõe a
estratificação de risco com base em idade, presença dos fatores de risco tradicionais, existência de
marcadores de aterosclerose subclínica e ocorrência de eventos cardiovasculares.
A diretriz recomenda estratificar o risco em quatro categorias (Tabela 1): baixo, intermediário,
alto e muito alto, de acordo com as taxas de incidência de doença coronariana em 10 anos, as
quais correspondem, respectivamente, a: < 10%, 10 a 20%, 20 a 30% e > 30%.
O perfil lipídico estabelece-se pelas determinações bioquímicas de colesterol total (CT),
colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), triglicérides (TG) e colesterol da lipoproteína
de baixa densidade (LDL-c) após jejum de 12 a 14 horas.
A diretriz brasileira para prevenção de doença cardiovascular no diabetes de 2017
recomenda que se utilizem metas de tratamento para o colesterol, podendo servir de referência
tanto o LDL-c como o não HDL-c (Tabela 2). O não HDL-c é recomendado quando os níveis de TG
estiverem acima de 300 mg/dL.
O objetivo do uso de metas é, principalmente, garantir a adesão ao tratamento, visto que
existe grande variabilidade de resposta a uma mesma dose de estatina. A recomendação desta
diretriz corresponde tanto a pacientes que nunca passaram por tratamento como a pacientes já em
uso de estatina, conforme a Tabela 2.

Prevenção de complicações micro e macrovasculares


As evidências de prevenção de doença microvascular, por meio da abordagem terapêutica,
no paciente com pré-diabetes, ainda são incipientes, dado o seguimento necessário prolongado
para observar esse efeito.
No estudo DPPOS, os pacientes do grupo MEV evidenciaram uma redução significativa na
incidência de complicações microvasculares, apenas no sexo feminino, quando comparados aos
grupos metformina e placebo.
Por outro lado, complicações como retinopatia e nefropatia parecem surgir em proporção
significativa já no estágio de pré-diabetes, o que sugere que a obtenção de um controle metabólico
mais precoce seria crucial para evitar essas complicações. Da mesma forma, o impacto do pré-
diabetes no surgimento de complicações macrovasculares e de mortalidade ainda é incerto.
Mas, sabe-se que para maior efetividade na prevenção dos eventos cardiovasculares, além
do controle glicêmico, deve-se sobretudo combater outros fatores de risco cardiovascular, como
tabagismo, obesidade, dislipidemia e hipertensão.

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