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Desordens nutricionais e metabólicas

Tutoria 01

Objetivo 01: Metabolismo do ferro (Harrison)

O ferro é um elemento essencial na função de todas as células, porém a quantidade de ferro necessária para
cada tecido em particular varia durante o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o organismo precisa se proteger do ferro
livre, que é altamente tóxico, visto que participa em reações químicas que geram radicais livres, como O2 singlete ou
OH–.

Em consequência, foram desenvolvidos mecanismos complexos que permitem a disponibilidade do ferro para
funções fisiológicas, mas que, ao mesmo tempo, conservam esse elemento e o processam de modo a evitar sua
toxicidade.

O principal papel do ferro nos mamíferos consiste em transportar o O2 como parte da hemoglobina. O O2
também é ligado à mioglobina no músculo. O ferro também é um elemento fundamental nas enzimas que contêm esse
elemento, incluindo o sistema do citocromo nas mitocôndrias. A distribuição do ferro no corpo é apresentada no Quadro
126.1.

Na ausência de ferro, as células perdem sua capacidade de transporte de elétrons e metabolismo energético.
Nas células eritroides, ocorre comprometimento da síntese de hemoglobina, resultando em anemia e redução do
suprimento de O2 aos tecidos.

O ciclo do ferro nos humanos

A Figura 126.1 fornece um esquema das principais vias do metabolismo do ferro nos humanos. O ferro absorvido
da dieta ou liberado das reservas circula no plasma ligado à transferrina, a proteína de transporte do ferro. A transferrina
é uma glicoproteína bilobada, com dois sítios de ligação do ferro.

A transferrina que transporta o ferro ocorre em duas formas – monoférrica (um átomo de ferro) ou diférrica (dois
átomos de ferro). A renovação (meia-vida de eliminação) do ferro ligado à transferrina é muito rápida – de 60 a 90
minutos.

Como quase todo o ferro transportado pela transferrina é fornecido à medula óssea eritroide, o tempo de depuração
do ferro ligado à transferrina da circulação é afetado principalmente pelo nível plasmático de ferro e pela atividade da
medula eritroide.

Quando a eritropoiese é acentuadamente estimulada, o número de células eritroides que necessitam de ferro
aumenta, e o tempo de depuração do ferro da circulação diminui. A meia-vida de eliminação do ferro na presença de
deficiência de ferro é curta, de apenas 10 a 15 minutos.

Com a supressão da eritropoiese, os níveis plasmáticos de ferro aumentam e pode ocorrer prolongamento da meia-
vida de eliminação em até várias horas. Em condições normais, o ferro ligado à transferrina sofre renovação 6 a 8
vezes ao dia. Se for considerado um nível plasmático normal de ferro de 80 a 100 μg/dL, a quantidade de ferro que
passa pela transferrina é de 20 a 24 mg/dia.

O complexo ferro-transferrina circula no plasma até interagir com receptores de transferrina específicos, presentes
na superfície das células eritroides da medula óssea. A transferrina diférrica é a que possui maior afinidade pelos
receptores de transferrina, enquanto a apotransferrina (que não transporta ferro) tem pouquíssima afinidade.

Embora os receptores de transferrina sejam encontrados nas células de muitos tecidos corporais – e todas as
células, em algum período de seu desenvolvimento, irão expressar receptores de transferrina –, a célula que apresenta
o maior número de receptores (300.000-400.000/célula) é o eritroblasto em desenvolvimento.

Após a interação da transferrina com seu receptor, o complexo é interiorizado por meio de cavidades recobertas
por clatrina e transportado até um endossomo ácido, no qual o ferro é liberado em pH baixo. A seguir, o ferro torna-se
disponível para a síntese do heme, enquanto o complexo transferrina-receptor é reciclado para a superfície da célula,
em que a maior parte da transferrina é liberada de volta à circulação, e o receptor de transferrina fixa-se novamente à
membrana celular. Neste estágio, certa quantidade da proteína receptora de transferrina pode ser liberada na
circulação e mensurada como receptor solúvel da transferrina.

No interior da célula eritroide, o ferro além da quantidade necessária para síntese da hemoglobina se liga a uma
proteína de armazenamento, a apoferritina, formando a ferritina. Esse mecanismo de troca do ferro também ocorre em
outras células corporais que expressam receptores de transferrina, em particular as células parenquimatosas
hepáticas, em que o ferro pode ser incorporado a enzimas que contenham heme ou armazenado.

O ferro incorporado à hemoglobina entra na circulação com a liberação dos novos eritrócitos da medula óssea. Ele
constitui, então, parte da massa eritrocitária e só irá tornar-se disponível para reutilização quando houver a morte do
eritrócito.

No indivíduo normal, o tempo médio de sobrevida do eritrócito é de 120 dias. Por conseguinte, 0,8 a 1% dos
eritrócitos é substituído diariamente. No final de seu tempo de sobrevida, o eritrócito é reconhecido como senescente
pelas células do sistema reticuloendotelial (RE) e sofre fagocitose.

Uma vez no interior da célula RE, a hemoglobina ingerida é degradada, e a globina e outras proteínas retornam ao
reservatório de aminoácidos, enquanto o ferro é transportado de volta à superfície da célula RE, onde é apresentado
à transferrina circulante.

A reciclagem eficiente e altamente conservadora do ferro dos eritrócitos senescentes é que mantém a eritropoiese
no estado de equilíbrio dinâmico (mesmo em um estado levemente acelerado).

Como cada mililitro de eritrócitos contém 1 mg de ferro elementar, a quantidade de ferro necessária para repor as
células perdidas em consequência da senilidade atinge 20 mg/dia (considerando um adulto com massa eritrocitária de
2 L). Todo o ferro adicional necessário para a produção diária de eritrócitos provém da dieta.

Normalmente, um homem adulto precisa absorver pelo menos 1 mg de ferro elementar por dia, para suprir as
necessidades, e as mulheres em idade reprodutiva necessitam absorver uma média de 1,4 mg/dia. Todavia, para obter
uma resposta proliferativa máxima da medula eritroide à anemia, uma quantidade adicional de ferro deve estar
disponível.

Com a eritropoiese acentuadamente


estimulada, as demandas de ferro aumentam em
até 6 a 8 vezes. Nas anemias hemolíticas
extravasculares, ocorre aumento na velocidade de
destruição dos eritrócitos, porém o ferro recuperado
das células é reutilizado com eficiência para a
síntese da hemoglobina.

Diferentemente, na hemólise intravascular ou


anemia da perda sanguínea, a velocidade de
produção dos eritrócitos é limitada pela quantidade
de ferro passível de ser mobilizada das reservas. A
taxa de mobilização, nessas circunstâncias, não
mantém a produção de eritrócitos em mais de 2,5
vezes o normal.

Se o suprimento de ferro para a medula óssea


estimulada for subótimo, a resposta proliferativa
medular irá diminuir e ocorrerá comprometimento na
síntese da hemoglobina. O resultado será uma
medula hipoproliferativa, acompanhada de anemia
microcítica hipocrômica.

Enquanto a perda de sangue ou a hemólise


impõem uma demanda no suprimento de ferro, as
condições inflamatórias interferem na liberação do
ferro de suas reservas e podem resultar em rápida
diminuição do ferro sérico (ver adiante).
Balança do ferro nutricional

O equilíbrio do ferro nos humanos é rigorosamente controlado e destina-se a conservar o ferro para sua
reutilização. Não existe qualquer via excretora regulada para o ferro, e os únicos mecanismos por meio dos quais ele
é perdido são a perda sanguínea (por hemorragia digestiva, menstruação ou outras formas de sangramento) e a perda
de células epiteliais da pele, do intestino e do trato geniturinário.

Normalmente, o único modo pelo qual o ferro penetra no organismo é mediante sua absorção a partir dos alimentos
ou do ferro medicinal administrado por via oral. Ele também pode entrar no organismo por meio de transfusões de
hemácias ou injeção de complexos de ferro.

A margem entre a quantidade de ferro disponível para absorção e a necessidade do elemento em lactentes em
crescimento e mulheres adultas é estreita; essa margem limitada é responsável pela grande prevalência da carência
de ferro no mundo inteiro – atualmente estimada em meio bilhão de pessoas.

A quantidade de ferro necessária na dieta para repor as perdas é, em média, de cerca de 10% do conteúdo corporal
de ferro por ano nos homens e de 15% nas mulheres em idade reprodutiva.

O teor de ferro da dieta está estreitamente relacionado com a ingestão calórica total (cerca de 6 mg de ferro
elementar por 1.000 calorias). Sua biodisponibilidade é afetada pela natureza do alimento, sendo o ferro do heme (p.
ex., encontrado na carne vermelha) o mais rapidamente absorvido.

Nos EUA, a ingestão média de ferro no homem adulto é de 15 mg/dia, com 6% de absorção; nas mulheres em
geral, a ingestão diária é de 11 mg/dia, com 12% de absorção. O indivíduo com deficiência de ferro pode aumentar a
absorção do elemento em cerca de 20% do ferro presente em uma dieta que contenha carne, mas apenas 5 a 10%
em uma dieta vegetariana. Por conseguinte, 33% da população feminina nos EUA praticamente não têm reserva de
ferro.

Os vegetarianos apresentam, ainda, uma desvantagem adicional, visto que certos alimentos, como os fitatos e os
fosfatos, reduzem a absorção do ferro em cerca de 50%. Quando são administrados sais de ferro ionizáveis com o
alimento, há uma redução na quantidade de ferro absorvida. Quando a porcentagem de ferro absorvido de alimentos
isolados é comparada com a de uma quantidade equivalente de sal ferroso, a disponibilidade do ferro nos vegetais é
de apenas cerca de 1/20; a do ferro contido nos ovos, de 1/8, a do ferro do fígado, de 1/2, e a do ferro hêmico, de ½ a
2/3.

Os lactentes, as crianças e os adolescentes podem ser incapazes de manter um balanço de ferro normal em virtude
das demandas do organismo em crescimento e de ingestão de ferro alimentar mais baixa. Durante os últimos dois
trimestres de gravidez, as necessidades diárias de ferro aumentam para 5 a 6 mg, e recomenda-se fortemente o uso
de suplementos de ferro em gestantes nos países desenvolvidos.

A absorção de ferro, que é um processo cuidadosamente regulado, ocorre, em grande parte, na região proximal
do intestino delgado. Para ser absorvido, o ferro precisa ser captado pela célula luminal. Esse processo é facilitado
pelo conteúdo ácido do estômago, que mantém o ferro em solução. Na borda em escova da célula absortiva, o ferro
férrico é convertido na forma ferrosa por uma ferrirredutase.

O transporte por meio da membrana é efetuado pelo transportador de metal divalente tipo 1 (DMT-1, de divalent
metal transporter type 1, também conhecido como proteína associada a macrófagos de resistência natural tipo 2 [Nramp
2, de natural resistance macrophageassociated protein type 2] ou DCT-1). O DMT-1 é um transportador geral de
cátions.

Uma vez no interior da célula intestinal, o ferro pode ser armazenado na forma de ferritina ou transportado através
da célula, para ser liberado na superfície basolateral à transferrina plasmática por meio do exportador de ferro
incorporado à membrana, a ferroportina. A função da ferroportina é negativamente regulada pela hepcidina, o principal
hormônio regulador do ferro.

No processo de liberação, o ferro interage com outra ferroxidase, a hefaestina, que oxida o ferro na forma férrica
para ligação da transferrina. A hefaestina assemelha-se à ceruloplasmina, a proteína transportadora de cobre.

A absorção de ferro é influenciada por diversos estados fisiológicos. A hiperplasia eritroide estimula a absorção,
mesmo na presença de reservas normais ou aumentadas do elemento, e os níveis de hepcidina são inapropriadamente
baixos.

Assim, pacientes com anemias associadas a altos níveis de eritropoiese ineficaz absorvem quantidades excessivas
de ferro da dieta. O mecanismo molecular subjacente a essa relação não é conhecido. Com o decorrer do tempo, essa
situação pode levar à sobrecarga de ferro e à lesão tecidual.
Na deficiência de ferro, os níveis de hepcidina estão baixos, e o ferro é absorvido com muito mais eficiência, sendo
o contrário verdadeiro nos estados de sobrecarga secundária de ferro. O indivíduo normal pode reduzir a absorção de
ferro em situações de ingestão excessiva ou de uso de ferro medicinal; todavia, enquanto a porcentagem de ferro
absorvido diminui, a quantidade absoluta aumenta.

Esse processo é responsável pela toxicidade aguda do ferro observada ocasionalmente, quando crianças ingerem
grandes quantidades de comprimidos de ferro. Nessas circunstâncias, a quantidade absorvida excede a capacidade
de ligação da transferrina no plasma, resultando em ferro livre que afeta órgãos críticos, como as células do miocárdio.

Objetivo 02: Anemia ferropriva (Harrison e Ministério da Saúde – Política Nacional da Suplementação de Ferro)

As anemias associadas a eritrócitos normocíticos e normocrômicos e a uma resposta inapropriadamente baixa


dos reticulócitos (índice reticulocítico < 2 a 2,5) são anemias hipoproliferativas.

Essa categoria abrange a deficiência de ferro em seu estágio inicial (antes do desenvolvimento dos eritrócitos
microcíticos hipocrômicos), a inflamação aguda e crônica (incluindo muitas neoplasias malignas), a doença renal,
determinados estados hipometabólicos, como desnutrição proteica, e deficiências endócrinas, bem como anemias em
decorrência de lesão da medula óssea.

As anemias hipoproliferativas constituem as anemias mais comuns, e, na clínica, a anemia ferropriva é a mais
comum, seguida da anemia da inflamação. A anemia da inflamação, à semelhança da deficiência de ferro, está
relacionada, em parte, com uma anormalidade do metabolismo do ferro. As anemias associadas a doenças renais,
inflamação, câncer e estados hipometabólicos caracterizam-se por uma resposta anormal da eritropoetina à anemia.

Anemia Ferropriva

A deficiência de ferro é uma das formas mais prevalentes de má nutrição. Globalmente, 50% da anemia são
atribuíveis à deficiência de ferro e são responsáveis por cerca de 841.000 mortes anualmente em todo o mundo. A
África e partes da Ásia respondem por 71% dos óbitos. Já a América do Norte representa apenas 1,4% da morbidade
e da mortalidade associadas à deficiência de ferro.

Estágios da deficiência de ferro

A evolução para a deficiência de ferro pode ser dividida em três estágios (Fig. 126.2). O primeiro estágio consiste
em balanço de ferro negativo, em que as demandas (ou as perdas) de ferro excedem a capacidade do organismo de
absorver o ferro da dieta.

Essa fase resulta de diversos mecanismos fisiológicos, como perda de sangue, gravidez (em que as demandas de
produção de eritrócitos pelo feto superam a capacidade materna de suprimento do ferro), rápidos surtos de crescimento
no adolescente ou ingestão inadequada de ferro alimentar.

A ocorrência de uma perda de sangue de mais de 10 a 20 mL de eritrócitos por dia é superior à quantidade de ferro
absorvível pelo intestino a partir de uma dieta normal. Em tais circunstâncias, o déficit de ferro deve ser compensado
pela mobilização do ferro dos locais de armazenamento no RE.

Durante esse período, as reservas de ferro – refletidas pelo nível sérico de ferritina ou pelo aparecimento de ferro
corável em aspirados de medula óssea – diminuem. Enquanto houver reservas passíveis de mobilização, o ferro sérico,
a capacidade total de ligação ao ferro (TIBC, de total iron-binding capacity) e os níveis de protoporfirina eritrocitária irão
permanecer dentro dos limites normais. Nesse estágio, a morfologia do eritrócito e os índices eritrocitários são normais.

Quando ocorre depleção das reservas de ferro, o nível sérico de ferro começa a diminuir. Gradualmente, a TIBC
aumenta, assim como os níveis de protoporfirina eritrocitária. Por definição, as reservas de ferro medular estão
ausentes quando o nível sérico de ferritina é < 15 μg/L.

Contanto que o ferro sérico permaneça dentro da faixa normal, a síntese da hemoglobina não é afetada, a despeito
da redução das reservas de ferro. Quando a saturação da transferrina cai para 15 a 20%, a síntese de hemoglobina é
afetada, constituindo o período de eritropoiese deficiente em ferro.

A cuidadosa avaliação do esfregaço de sangue periférico revela o primeiro aparecimento de células microcíticas,
e, se houver disponibilidade de tecnologia laboratorial, pode-se detectar a presença de reticulócitos hipocrômicos na
circulação.

Gradualmente, a hemoglobina e o hematócrito começam a diminuir, refletindo a anemia por deficiência de ferro.
A saturação da transferrina nesse momento é de 10 a 15%.

Quando ocorre anemia moderada (hemoglobina de 10-13 g/dL), a medula óssea permanece hipoproliferativa.
Na anemia mais grave (hemoglobina de 7-8 g/dL), a hipocromia e a microcitose tornam-se mais proeminentes,
aparecem células em alvo e eritrócitos deformados (poiquilócitos) no esfregaço sanguíneo, com formas em charuto ou
lápis, e a medula eritroide torna-se cada vez mais ineficaz. Em consequência, na anemia ferropriva prolongada e grave,
ocorre hiperplasia eritroide da medula óssea, mais do que hipoproliferação.

Causas da deficiência de ferro

As condições que aumentam a demanda de ferro ou sua perda ou que diminuem o aporte e a absorção do elemento
podem provocar deficiência de ferro (Quadro 126.2).
Determinantes da anemia por deficiência de ferro

Principais consequências da deficiência de ferro

Comprometimento do sistema imune, com aumento da predisposição a infecções; Aumento do risco de doenças e
mortalidade perinatal para mães e recém-nascidos; Aumento da mortalidade materna e infantil; Redução da função
cognitiva, do crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor de crianças com repercussões em outros ciclos vitais;
Diminuição da capacidade de aprendizagem em crianças escolares e menor produtividade em adultos.

Alimentos fontes de ferro

O ferro é um micronutriente essencial para a vida e atua principalmente na síntese de células vermelhas do sangue
(hemácias) e no transporte do oxigênio no organismo. Há dois tipos de ferro nos alimentos: ferro heme (origem animal,
sendo mais bem absorvido) e ferro não heme (encontrado nos vegetais).

São alimentos fontes de ferro heme: carnes vermelhas, principalmente vísceras (fígado e miúdos), carnes de aves,
suínos, peixes e mariscos. São alimentos fontes de ferro não heme: hortaliças folhosas verde-escuras e leguminosas,
como o feijão e a lentilha.

Como o ferro não heme possui baixa biodisponibilidade, recomenda-se a ingestão na mesma refeição de alimentos
que melhoram a absorção desse tipo de ferro, por exemplo, os ricos em vitamina C, disponível em frutas cítricas (como:
laranja, acerola, limão e caju), os ricos em vitamina A, disponível em frutas (como: mamão e manga) e as hortaliças
(como: abóbora e cenoura).

Manifestações clínicas da deficiência de ferro

Certos distúrbios clínicos estão associados a uma probabilidade aumentada de deficiência de ferro. A gravidez, a
adolescência, os períodos de rápido crescimento e uma história clínica intermitente de perda de sangue de qualquer
tipo devem alertar o médico quanto à possibilidade de deficiência de ferro. Uma regra fundamental é a de que o
aparecimento de deficiência de ferro em homem adulto significa perda de sangue gastrintestinal até prova em contrário.

Os sinais relacionados com a deficiência de ferro dependem da gravidade e da cronicidade da anemia, além dos
sinais habituais de anemia – fadiga, palidez e capacidade reduzida de exercício físico. A queilose (fissuras nos ângulos
da boca) e a coiloniquia (unhas dos dedos das mãos em forma de colher) constituem sinais de deficiência avançada
de ferro tecidual. O diagnóstico de deficiência de ferro baseia-se nos resultados laboratoriais.

Exames laboratoriais

Ferro sérico e capacidade total de ligação ao ferro

O nível sérico de ferro representa a quantidade de ferro circulante ligado à transferrina. A TIBC é uma medida
indireta da transferrina circulante.

A faixa normal do ferro sérico é de 50 a 150 μg/dL; a faixa normal da TIBC é de 300 a 360 μg/dL. A saturação
da transferrina, normalmente de 25 a 50%, é obtida pela seguinte fórmula: ferro sérico × 100 ÷ TIBC. Os estados de
deficiência de ferro estão associados a níveis de saturação inferiores a 20%.
Existe uma variação diurna no nível de ferro sérico. Uma saturação de transferrina > 50% indica o suprimento
de uma quantidade desproporcional de ferro ligado à transferrina em tecidos não eritroides. Se isso persistir por um
período longo, poderá ocorrer sobrecarga de ferro tecidual.

Ferritina sérica

O ferro livre é tóxico para as células, e o organismo estabeleceu um conjunto complexo de mecanismos
protetores para a ligação do ferro em vários compartimentos teciduais. No interior das células, o ferro é armazenado
ligado a proteínas, como a ferritina e a hemossiderina. A apoferritina liga-se ao ferro ferroso livre e o armazena no
estado férrico.

À medida que a ferritina se acumula no interior das células do sistema RE, formam-se agregados de proteína
na forma de hemossiderina. O ferro na ferritina ou hemossiderina pode ser extraído para liberação pelas células RE,
embora a hemossiderina seja menos prontamente disponível.

Em condições de equilíbrio dinâmico, o nível sérico de ferritina correlaciona-se com as reservas corporais totais
de ferro; logo, o nível sérico de ferritina é o teste laboratorial mais conveniente para estimar as reservas de ferro. O
valor normal da ferritina varia de acordo com a idade e o sexo do indivíduo (Fig. 126.3).

Os homens adultos apresentam níveis séricos de ferritina de 100 μg/L, em média, enquanto as mulheres
adultas apresentam níveis médios de 30 μg/L. Quando ocorre depleção das reservas de ferro, a ferritina sérica cai para
< 15 μg/L. Esses níveis são diagnósticos de ausência de reservas corporais de ferro.

Avaliação das reservas de ferro da medula óssea

Embora as reservas de ferro do sistema RE possam ser estimadas a partir da coloração de uma amostra de
aspirado ou biópsia de medula óssea para ferro, a determinação do nível sérico de ferritina suplantou, em grande parte,
esses procedimentos para a determinação das reservas de ferro (Quadro 126.3).

O nível sérico de ferritina é um melhor indicador da sobrecarga de ferro do que a coloração do ferro medular.
Todavia, além da reserva de ferro, a coloração do ferro medular fornece informações sobre o suprimento efetivo de
ferro aos eritroblastos em desenvolvimento.

Normalmente, quando o esfregaço de medula óssea é corado para ferro, 20 a 40% dos eritroblastos em
desenvolvimento – denominados sideroblastos – exibem grânulos visíveis de ferritina no citoplasma.

Esses grânulos representam o ferro além da quantidade necessária para a síntese da hemoglobina. Nos
estados em que a liberação do ferro dos locais de armazenamento é bloqueada, o ferro do RE torna-se detectável e
haverá poucos ou nenhum sideroblasto.

Nas síndromes mielodisplásicas, pode ocorrer disfunção mitocondrial, e o acúmulo de ferro nas mitocôndrias
aparece como um colar ao redor do núcleo do eritroblasto. Essas células são descritas como sideroblastos em anel.
Níveis de protoporfirina eritrocitária

A protoporfirina é um intermediário na via de síntese do heme. Em condições de comprometimento dessa


síntese, a protoporfirina acumula-se no interior do eritrócito. Essa situação reflete um suprimento inadequado de ferro
aos precursores eritroides para manter a síntese da hemoglobina. Os valores normais são < 30 μg/dL de eritrócitos.

Na deficiência de ferro, são observados valores superiores a 100 μg/dL. As causas mais comuns de aumento
dos níveis de protoporfirina eritrocitária são a deficiência absoluta ou relativa de ferro e a intoxicação por chumbo.

Níveis séricos da proteína receptora de transferrina

Como as células eritroides são as que apresentam, entre todas as outras células do corpo, o maior número de
receptores de transferrina, e, como a proteína receptora de transferrina (TRP, de transferrin receptor protein) é liberada
pelas células na circulação, os níveis séricos de TRP refletem a massa medular eritroide total. Outro estado em que os
níveis de TRP estão elevados é a deficiência absoluta de ferro.

Os valores normais são de 4 a 9 μg/L, determinados por imunoensaio. Esse exame laboratorial está se tornando
cada vez mais disponível e, em conjunto com a ferritina sérica, tem sido proposto para distinguir entre deficiência de
ferro e anemia da inflamação (ver adiante).

Diagnóstico diferencial

Além da deficiência de ferro, apenas três condições precisam ser consideradas no diagnóstico diferencial da
anemia microcítica hipocrômica (Quadro 126.4).

O primeiro distúrbio é um defeito hereditário na síntese das cadeias de globina: as talassemias. As talassemias
são mais facilmente diferenciadas da deficiência de ferro pelos níveis séricos de ferro; com efeito, elas se caracterizam
por valores normais ou elevados do ferro sérico e de saturação da transferrina. Além disso, o índice de anisocitose
(RDW, de red blood cell distribution width) costuma ser normal na talassemia, enquanto está elevado na deficiência de
ferro.

O segundo distúrbio é a anemia da inflamação (AI; também designada como anemia da doença crônica), com
suprimento inadequado de ferro para a medula eritroide. A distinção entre anemia ferropriva verdadeira e AI insere-se
nos problemas diagnósticos mais comuns encontrados pelos médicos (ver adiante). Em geral, a AI é normocítica e
normocrômica. Os valores do ferro costumam tornar o diagnóstico diferencial evidente, visto que o nível de ferritina se
apresenta normal ou elevado, e a porcentagem de saturação da transferrina e a TIBC estão abaixo do normal.

Por fim, as síndromes mielodisplásicas compõem o terceiro e menos comum grupo. Em certas ocasiões, os
pacientes com mielodisplasia apresentam síntese reduzida da hemoglobina com disfunção mitocondrial, resultando em
comprometimento da incorporação do ferro no heme. Os valores do ferro mais uma vez revelam reservas normais e
suprimento mais do que adequado para a medula óssea, a despeito da microcitose e hipocromia.
Tratamento

A gravidade e a causa da anemia ferropriva são os fatores que determinam a abordagem apropriada ao tratamento.
Por exemplo, os pacientes idosos sintomáticos com anemia ferropriva grave e instabilidade cardiovascular podem
necessitar de transfusões de hemácias.

Os indivíduos mais jovens que estão compensados da anemia podem ser tratados de modo mais conservador
mediante reposição do ferro. O principal aspecto nesses pacientes é a identificação precisa da causa da deficiência de
ferro.

Na maioria dos casos de deficiência de ferro (gestantes, crianças e adolescentes em fase de crescimento,
pacientes com episódios infrequentes de sangramento e indivíduos com ingestão inadequada de ferro na dieta), o
tratamento com ferro oral é suficiente.

Para os pacientes com perda de sangue incomum ou má absorção, a realização de exames complementares
específicos e a instituição do tratamento adequado assumem prioridade. Uma vez estabelecido o diagnóstico de
anemia ferropriva e identificada a sua causa, há três abordagens principais ao tratamento.

Transfusão de hemácias

A terapia transfusional é reservada para os indivíduos que apresentam sintomas de anemia, instabilidade
cardiovascular e perda contínua e excessiva de sangue de qualquer origem e para os que necessitam de intervenção
imediata. O tratamento desses pacientes está menos relacionado com a deficiência de ferro do que com as
consequências da anemia grave.

As transfusões não apenas corrigem agudamente a anemia, mas também as hemácias transfundidas
proporcionam uma fonte de ferro para reutilização, desde que não sejam perdidas por meio de sangramento contínuo.
A terapia transfusional estabiliza o paciente enquanto se consideram outras opções.

Terapia com ferro oral

No paciente assintomático com anemia ferropriva estabelecida, o tratamento com ferro oral costuma ser
adequado. Dispõe-se de múltiplas preparações, que incluem desde sais de ferro simples até compostos de ferro
complexos, desenvolvidos para liberação prolongada em todo o intestino delgado (Quadro 126.5).

Embora as diversas preparações disponíveis contenham quantidades diferentes de ferro, todas elas em geral
são bem absorvidas e efetivas no tratamento. Algumas vêm com outros compostos destinados a aumentar a absorção
de ferro, como o ácido ascórbico. Não se sabe ao certo se os benefícios desses compostos justificam seu custo.

Para a terapia de reposição de ferro são administrados até 200 mg/dia de ferro elementar, em geral na forma
de 3 ou 4 comprimidos de ferro (contendo, cada um, 50-65 mg de ferro elementar) administrados durante o dia. O ideal
é tomar as preparações de ferro oral com o estômago vazio, visto que a presença de alimento pode inibir sua absorção.

Alguns pacientes com doença gástrica ou cirurgia gástrica pregressa necessitam de tratamento especial com
soluções de ferro, uma vez que a capacidade de retenção do estômago pode estar reduzida. A capacidade de retenção
é necessária à dissolução da cápsula do comprimido de ferro antes da liberação do elemento.

Uma dose de 200 mg/dia de ferro elementar deve resultar em uma absorção de até 50 mg/dia. Essa quantidade
mantém um nível de produção de eritrócitos de 2 a 3 vezes o normal em um indivíduo com função normal da medula
óssea e estímulo apropriado da eritropoetina.

Entretanto, à medida que o nível de hemoglobina aumenta, a estimulação da eritropoetina diminui, e verifica-
se uma redução na quantidade de ferro absorvida. Nos indivíduos com anemia ferropriva, a terapia tem por objetivo
não apenas corrigir a anemia, mas também fornecer reservas de pelo menos 0,5 a 1 g de ferro. Para isso, é necessário
manter o tratamento por um período de 6 a 12 meses após a correção da anemia.

Entre as complicações da ferroterapia oral, o desconforto gastrintestinal é o mais proeminente, sendo


observado em 15 a 20% dos pacientes. A ocorrência de dor abdominal, náuseas, vômitos ou constipação intestinal
pode levar a uma falta de adesão ao tratamento.

Embora o uso de pequenas doses de ferro ou de preparações de ferro com liberação prolongada possa
fornecer algum benefício, os efeitos colaterais gastrintestinais representam um impedimento significativo para o
tratamento eficaz de diversos pacientes.

A resposta ao tratamento com ferro varia de acordo com o estímulo da eritropoetina e a taxa de absorção. Em
geral, a contagem de reticulócitos deve começar a aumentar dentro de 4 a 7 dias após o início da terapia, atingindo um
pico em 1 semana a 1 semana e meia.
A ausência de resposta pode decorrer de absorção precária, falta de adesão do paciente ao tratamento (o que
é comum) ou diagnóstico incorreto.

Um exame útil na clínica para determinar a capacidade do paciente de absorver ferro é o teste de tolerância
ao ferro. São administrados dois comprimidos de ferro ao paciente com estômago vazio, e efetua-se a determinação
seriada do ferro sérico durante 2 horas seguidas. Uma absorção normal irá resultar em aumento do ferro sérico de pelo
menos 100 μg/dL. Se a deficiência de ferro persistir, apesar do tratamento adequado, poderá ser necessário passar
para a terapia parenteral.

Ferroterapia parenteral

O ferro intravenoso pode ser administrado a pacientes que não toleram o ferro oral, àqueles cujas necessidades
são relativamente agudas ou aos indivíduos que necessitam de ferro de modo contínuo em geral devido a perda
gastrintestinal persistente.

O uso de ferro parenteral aumentou rapidamente nos últimos anos com o reconhecimento de que a terapia
com eritropoetina (EPO) recombinante induz uma grande demanda de ferro – a qual com frequência não pode ser
suprida por meio da liberação fisiológica de ferro das fontes RE ou da absorção oral de ferro.

A segurança do ferro parenteral – em particular o ferro-dextrana – tem sido uma preocupação. A taxa de
reações adversas graves ao ferro-dextrana de alto peso molecular intravenoso é de 0,7%.

Felizmente, dispõe-se de complexos de ferro mais recentes nos EUA, como ferrumoxitol, gliconato férrico de
sódio, ferro sacarose e carboximaltose férrica, que apresentam taxas muito menores de efeitos adversos. O ferrumoxitol
fornece 510 mg de ferro por injeção, o gluconato férrico, 125 mg por injeção, a carboximaltose férrica, 750 mg por
injeção, e o ferro sacarose, 200 mg por injeção.

O ferro parenteral é utilizado de duas maneiras: uma delas consiste em administrar a dose total de ferro
necessária para corrigir o déficit de hemoglobina e fornecer ao paciente uma reserva de pelo menos 500 mg de ferro;
a segunda consiste em administrar baixas doses repetidas de ferro parenteral durante um período prolongado.

Esta última abordagem é comum nos centros de diálise, onde não é raro administrar 100 mg de ferro elementar
por semana, durante 10 semanas, a fim de aumentar a resposta à terapia com EPO. A quantidade de ferro necessária
para um paciente é calculada pela seguinte fórmula: Peso corporal (kg) × 2,3 × (15 – hemoglobina do paciente, g/dL)
+ 500 ou 1.000 mg (para as reservas). Ao administrar ferro-dextrana por via intravenosa, existe a preocupação de
anafilaxia. Todavia, a anafilaxia é muito mais rara com as preparações mais recentes.

Os fatores correlacionados com uma reação do tipo anafilático incluem história clínica de múltiplas alergias ou
reação alérgica anterior à dextrana (no caso do ferrodextrana).

Os sintomas generalizados que aparecem vários dias após a infusão de uma dose alta de ferro podem incluir
artralgias, exantema e febre baixa. Esses sintomas podem estar relacionados com a dose, mas não impedem o uso
posterior de ferro parenteral pelo paciente. Até o momento, os pacientes com sensibilidade ao ferrodextrana têm sido
tratados de modo seguro com outras preparações de ferro parenteral.

Se houver necessidade de administrar uma dose alta de ferro-dextrana (> 100 mg), a preparação de ferro
deverá ser diluída em soro glicosado a 5% ou solução de NaCl a 0,9%. A seguir, a solução de ferro pode ser infundida
durante um período de 60 a 90 minutos (para doses maiores) ou em uma velocidade conveniente para o enfermeiro ou
o médico.

Embora se recomende uma dose teste (25 mg) de ferro-dextrana parenteral, a infusão lenta de uma dose maior
de solução de ferro parenteral irá, na realidade, fornecer o mesmo tipo de advertência precoce que uma dose teste
injetada separadamente. Se, no início da infusão de ferro, houver dor torácica, sibilos, queda da pressão arterial ou
outros sintomas sistêmicos, a infusão do ferro deverá ser interrompida imediatamente.
Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF) – Manual de medidas gerais

Consiste na suplementação universal com suplementos de ferro em doses profiláticas; a fortificação dos
alimentos preparados para as crianças com micronutrientes em pó; a fortificação obrigatória das farinhas de trigo e
milho com ferro e ácido fólico; e a promoção da alimentação adequada e saudável para aumento do consumo de
alimentos fontes de ferro.

Estratégias para prevenção e controle da anemia

As necessidades de ferro durante os primeiros anos de vida e durante a gestação são muito elevadas, por isso
recomenda-se a adoção de medidas complementares ao estímulo à alimentação saudável, com o intuito de oferecer
ferro adicional de forma preventiva.

Dessa forma, a prevenção da anemia por deficiência de ferro deve ser planejada com a priorização da
suplementação de ferro medicamentosa em doses profiláticas; com ações de educação alimentar e nutricional para
alimentação adequada e saudável; com a fortificação de alimentos; com o controle de infecções e parasitoses; e com
o acesso à água e esgoto sanitariamente adequado.

As ações de prevenção da anemia devem priorizar intervenções que contribuam para o enfrentamento dos
seus principais determinantes. O esquema abaixo apresenta as janelas de oportunidades de prevenção e controle da
anemia nos diferentes ciclos de vida.

As ações de educação alimentar e nutricional para a promoção da alimentação adequada e saudável preveem
o estímulo ao consumo de alimentos que contenham ferro de alta biodisponibilidade na fase de introdução da
alimentação complementar e em fases de maior vulnerabilidade para essa deficiência.

A utilização de suplementação medicamentosa com sais de ferro para prevenir e tratar a anemia é um recurso
tradicional e amplamente utilizado, sendo a forma oral de administração a preferencial. Ela deve ser usada como ação
curativa em indivíduos deficientes ou, profilaticamente, em grupos com risco de desenvolver anemia.

A fortificação de alimentos refere-se à fortificação de farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico
– Resolução RDC nº 344, de 13 de dezembro de 2002, da Anvisa.

Recomenda-se que as ações de educação alimentar e nutricional sejam acompanhadas pela suplementação
de ferro para crianças e gestantes ou pela fortificação dos alimentos preparados para as crianças com micronutrientes
em pó.
Resolução RDC nº 344, de 13 de dezembro de 2002, da Anvisa.

A resolução foi revisada e agora, a RDC n. 150/2017 é a utilizada. Houve essa revisão pois a RDC n. 344/2002
permitia o uso do ferro reduzido e do ferro eletrolítico para o enriquecimento das farinhas, compostos de baixa
biodisponibilidade quando comparados com o sulfato ferroso e o fumarato ferroso, o que impacta negativamente na
efetividade da medida adotada. Essa foi a principal razão para que o MS solicitasse à Anvisa a revisão da RDC n.
344/2002.

Além disso, a RDC n. 344/2002 não estabelecia um limite máximo para adição de ferro e ácido fólico nas
farinhas, situação que poderia representar um risco desnecessário para a população brasileira. Assim, a revisão
também teve por objetivo estabelecer níveis mínimos e máximos para adição de ferro e ácido fólico, bem como reavaliar
outros assuntos técnicos.

Os níveis de adição de ferro e ácido fólico determinados pela RDC n. 344/2002 não consideravam o padrão
alimentar da população brasileira. Ainda, o estabelecimento de um valor único, ao invés de uma faixa de adição, não
considera a variação esperada no teor adicionado de micronutrientes devido a fatores inerentes ao processo produtivo,
que vão desde a especificação da mistura de micronutrientes, passando pela diferença de homogeneidade do produto,
até as flutuações associadas à forma de armazenamento do produto e variações analíticas.

Por esses motivos, a RDC n. 150/2017 passou a estabelecer uma faixa de enriquecimento com níveis mínimos
e máximos de adição de ferro e ácido fólico. Esses níveis foram estabelecidos com base em modelo referenciado em
documento da OMS (2006). Esse modelo considerou a adequação de consumo dos nutrientes pela população
brasileira, o nível seguro de adição dos micronutrientes às farinhas, além de fatores inerentes ao processo produtivo,
com o objetivo de alcançar um nível adequado de ferro e de ácido fólico para o maior número de indivíduos em risco
de inadequação, sem causar risco de excesso inaceitável para a maior parte da população.

Assim, os compostos de ferro permitidos pela RDC n. 150/2017 para o enriquecimento das farinhas são: sulfato
ferroso; sulfato ferroso encapsulado; fumarato ferroso e fumarato ferroso encapsulado. O estabelecimento desses
compostos considerou aspectos de eficácia, segurança e questões tecnológicas.

O ferro eletrolítico e o ferro reduzido, permitidos anteriormente pela RDC n. 344/2002, foram excluídos no
processo de revisão por apresentarem baixa biodisponibilidade relativa. O ferro bisglicina também foi excluído devido
a possíveis interferências tecnológicas nas características sensoriais das farinhas dentro da faixa de enriquecimento
estabelecida. Por fim, o composto NaFeEDTA não consta da RDC n. 150/2017, pois uma avaliação de exposição inicial
baseada em níveis sugeridos de enriquecimento com esse composto conduzida pelo JECFA indicou que o consumo
de EDTA poderia superar a Ingestão Diária Aceitável (IDA) para alguns grupos populacionais.

Ressalta-se que a RDC n. 150/2017 exige que os compostos utilizados no enriquecimento devem ter grau
alimentício e atender às especificações estabelecidas, em pelo menos, uma das seguintes referências: Farmacopeia
Brasileira ou outras Farmacopeias oficialmente reconhecidas, conforme regulamento técnico específico; FCC; JECFA.

As farinhas de trigo e de milho devem conter no mínimo 4 miligramas e no máximo 9 miligramas de ferro em
100 gramas, até o vencimento do prazo de validade.

Obs: essa resolução também abrange o enriquecimento de ácido fólico, assim, por curiosidade, as farinhas de trigo e
de milho devem conter no mínimo 140 microgramas e no máximo de 220 microgramas de ácido fólico em 100 gramas,
até o vencimento do prazo de validade. O composto ácido N-pteroil-L-glutâmico deve ser o utilizado como fonte de
ácido fólico

A RDC n. 150/2017 se aplica a todas as farinhas de trigo e de milho, também conhecidas como fubá, destinadas
ao consumo humano. Portanto, tanto as farinhas de trigo e de milho para uso doméstico como aquelas que serão
usadas como matéria-prima (de uso industrial), nacionais ou importadas, devem ser enriquecidas com ferro e ácido
fólico.

Não obstante, a RDC n. 150/2017 não se aplica aos seguintes tipos de farinhas: (a) farinha de biju ou farinha
de milho obtida por maceração; (b) farinha de milho flocada ou flocos de milho pré-cozidos, também denominados
como “flocão” ou “floquinho”; (c) farinha de trigo integral; (d) farinha de trigo durum; (e) farinhas de trigo e de milho
contidas em produtos alimentícios importados. Assim, essas farinhas não precisam ser enriquecidas. Elas estão
dispensadas devido a limitações tecnológicas que impossibilitam que o processo de enriquecimento seja realizado de
forma adequada.

Estão, ainda, excluídas da obrigatoriedade de enriquecimento: (a) as farinhas de trigo e de milho usadas como
ingredientes em produtos alimentícios onde comprovadamente o ferro e ou ácido fólico causem interferências
indesejáveis nas características sensoriais desses produtos; e (b) as farinhas de milho fabricadas por
microempreendedor individual, agricultor familiar, empreendedor familiar rural e empreendimento econômico solidário.
Objetivo 03: Desnutrição energético-proteica em crianças (Tratado de Pediatria – SBP)

No conceito ampliado da desnutrição, entende-se que o estado de deficiência ou excesso tanto de


macronutrientes quanto de micronutrientes causa desequilíbrio entre o suprimento de energia, de nutrientes e a
demanda do organismo, alterando a garantia na manutenção, no crescimento e nas funções metabólicas. Exemplo:
uma criança obesa com deficiência de ferro também apresenta desnutrição por esse conceito.

A desnutrição energético-proteica (DEP) pode ser classificada como: primária, quando não há outra doença
associada (relacionada à insegurança alimentar), ou secundária, quando há doença relacionada (geralmente por baixa
ou inadequada ingestão alimentar; por alteração na absorção ou por necessidades nutricionais aumentadas e/ou
perdas aumentadas de nutrientes. P.ex., DEP associada a cardiopatias congênitas, doença celíaca ou síndrome da
imunodeficiência adquirida).

Com relação à forma clínica, o tempo e a gravidade contribuem para a definição e a classificação da
desnutrição. Identificam-se indivíduos emagrecidos (wasted) e/ou com parada de crescimento (stunted), conforme o
tempo de curso (Figura 1).

Em 2012, a World Health Assembly Resolution aprovou um plano de implementação global sobre saúde
materna, nutrição de lactentes e crianças pequenas, que especificava seis metas nutricionais globais para 2025. Essa
proposta tem como uma das metas a redução de 40% no número de crianças menores de 5 anos que apresentam
déficit estatural (stunting).

Quanto à gravidade, há as formas moderada e grave. Esta última baseia-se em critérios clínicos e laboratoriais
e é dividida em: marasmo, kwashiorkor e kwashiorkor-marasmático (Figura 2).

Quadro clínico

O conhecimento da clínica e da fisiopatologia da DEP é fundamental para a redução da mortalidade e o êxito


da terapia nutricional.

A criança com DEP vive um delicado equilíbrio homeostático, limítrofe ao colapso endócrino-metabólico. A
intrínseca relação das vias de utilização energética promove mudanças intensas em múltiplos sistemas orgânicos:
endócrino, imune, nervoso central, gastrointestinal, cardiovascular e renal.

A escassez de nutrientes, na DEP moderada e grave, favorece hipoglicemia, lipólise, glicólise, glicogenólise e
neoglicogênese, secundárias às alterações nos eixos da insulina, com diminuição da produção e aumento da
resistência periférica pela ação dos hormônios contrarreguladores (hormônio de crescimento, epinefrina e
corticosteroides); além disso, há redução no metabolismo com alterações na via tireoidiana de aproveitamento de iodo
e conversão hormonal (formas ativas), a fim de reduzir o gasto de O2 e conservar energia.

A redução na oferta de fosfatos energéticos promove alterações nas bombas iônicas de membrana celular,
cursando com sódio corporal elevado e hiponatremia, hipopotassemia, hipercalcemia e maior tendência a edema
intracelular.

Ajustado à época de aparecimento e ao grau da DEP, alterações morfofuncionais do sistema nervoso central
(SNC) são esperadas, com mudanças no processo de mielinização do SNC, nas atividades mitóticas dendríticas,
produção de neurotransmissores e no amadurecimento da retina.

De forma marcante, as alterações gastrointestinais envolvem insuficiência pancreática, crescimento bacteriano,


atrofia das vilosidades intestinais, com redução da capacidade absortiva do organismo, e comprometimento na
produção das dissacaridases, com ênfase na lactase.
Por muito tempo, o kwashiorkor, forma grave, não foi reconhecido como desnutrição. Foi graças à descrição
de Williams, em 1933, que se passou a reconhecer o quadro como desnutrição. A etimologia da palavra, na língua de
Ghana, significa “doença do primogênito, quando nasce o segundo filho”.

As causas do kwashiokor são complexas, mas, de acordo com Golden, a causa primária da DEP grave, em
geral, associa-se a uma dieta com qualidade nutricional pobre (incluindo deficiência de zinco, fosforo e magnésio), com
consequente perda do apetite, comprometimento do crescimento e resposta desfavorável a infecções, modificando a
resposta da criança diante do estresse ambiental.

Diagnóstico

Para o diagnóstico da desnutrição, é fundamental considerar os aspectos geográficos heterogêneos no Brasil,


pois há áreas com:

Fome por escassez de recursos econômicos (p.ex., região Nordeste e alguns bolsões de pobreza das grandes
cidades): prevalecem as formas graves tipo marasmo;

Riqueza de recursos naturais (fauna e flora – como na região Norte, Amazônia), mas com desconhecimento da oferta
adequada dos alimentos regionais disponíveis para as crianças. Por vezes, há práticas inadequadas, como a oferta de
mingaus contendo apenas água e farinha, pobres em proteínas e micronutrientes (insegurança alimentar): prevalecem
as formas graves tipo kwashiorkor;

Deficiência de micronutrientes: fome oculta.

A avaliação nutricional pode ser realizada por meio de quatro procedimentos básicos: anamnese, exame físico,
incluindo a aferição de medidas antropométricas, como medida da circunferência braquial (CB), e exames laboratoriais.

Na anamnese, deve-se dar ênfase aos antecedentes neonatais (prematuridade, crescimento intrauterino
restrito), nutricionais (aleitamento materno – sim ou não; se sim, qual o tempo de exclusivo e total; se não – registrar o
motivo; na história alimentar, identificar se há deficiência na quantidade e/ou qualidade); aspectos psicossociais,
condições de saneamento e moradia, presença ou não de doenças associadas.

Na ausência de medidas antropométricas, a desnutrição grave também pode ser diagnosticada com base na
avaliação clínica, verificando-se a presença de emagrecimento intenso visível; alterações dos cabelos; dermatoses
(mais observadas no kwashiorkor), hipotrofia muscular (p.ex., na região glútea) e redução do tecido celular subcutâneo.

Com base na antropometria, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define desnutrição grave como CB <
11,5 cm, escore Z de peso para estatura (ZPE) abaixo de -3, ou pela presença de edema nos pés bilateral em crianças
com kwashiorkor. Quando os recursos estão disponíveis, é preferível avaliar tanto CB quanto ZPE. Contudo, na
ausência de recursos, a aferição da CB é simples e confiável para o diagnóstico de desnutrição grave.

A desnutrição grave deve ser diferenciada em duas formas clínicas de apresentação com parâmetros bem
descritos:

kwashiorkor: acomete crianças acima de 2 anos; caracteriza-se por alterações de pele (lesões hipercrômicas,
hipocrômicas ou descamativas), acometimento de cabelos (textura, coloração, facilidade de soltar do couro cabeludo),
hepatomegalia (esteatose), ascite, face de lua, edema de membros inferiores e/ou anasarca e apatia. O edema
geralmente é bilateral simétrico, começa nos pés (marcado 1+ edema, Figura 3A), progride para os pés e as mãos
baixas (2+ edema, Figura 3B) e, em casos graves, pode envolver a face (3+ edema, Figura 3C) (Figura 4);

marasmo: acomete crianças menores de 12 meses, com emagrecimento acentuado, baixa atividade, irritabilidade,
atrofia muscular e subcutânea, com desaparecimento da bola de Bichat (último depósito de gordura a ser consumido,
localizado na região malar), o que favorece o aspecto envelhecido (fáscies senil ou simiesca), com costelas visíveis e
nádegas hipotróficas. O abdome pode ser globoso e raramente com hepatomegalia (Figura 5).
Tratamento

Inicialmente, avalia-se a forma da desnutrição considerando na anamnese os seguintes questionamentos:


quem é esta criança (condições gestacionais maternas, antecedentes neonatais e pessoais); quando começou a alterar
seu peso e/ou altura; onde mora (qual a região, condições de moradia e entorno), integração com equipe de saúde.

Na DEP grave, avalia-se a presença de complicações clínicas e metabólicas que justifiquem a internação
hospitalar. Didaticamente, a terapia nutricional pode ser dividida em:

1ª fase – Estabilização: tratar as morbidades associadas com risco de morte, corrigir as deficiências
nutricionais específicas reverter anormalidades metabólicas, iniciar a alimentação.

Após estabilização hemodinâmica, hidreletrolítica e acidobásica (suporte metabólico), inicia-se a alimentação:


fornecer no máximo 100 kcal/kg/dia (iniciando com taxa metabólica basal acrescida de fator de estresse que varia de
10 a 30%, fornecendo de 50 a 60 kcal/kg/dia no primeiro dia e aumentando de acordo com a avaliação clínica e
laboratorial da criança), 130 mL/kg/dia de oferta hídrica e 1 a 1,5 g de proteína/kg/dia, dieta com baixa osmolaridade
(< 280 mOsmol/L) e com baixo teor de lactose (< 13 g/L) e sódio. Se a ingestão inicial for inferior a 60 a 70 kcal/kg/dia,
indica-se terapia nutricional por sonda nasogástrica.

De acordo com os dias de internação e a situação clínica da criança, são recomendados aumento gradual de
volume e diminuição gradativa da frequência.

Nessa fase, pode ser utilizado um preparado alimentar artesanal contendo 75 kcal e 0,9 g de proteína/100 mL
ou fórmula infantil polimérica isenta de lactose. Em situações de doenças associadas que cursam com má absorção
grave, pode ser necessária a utilização de fórmulas extensamente hidrolisadas ou à base de aminoácidos. Não é
prevista recuperação do estado nutricional, e sim sua conservação e a estabilização clínico-metabólica.

2ª fase – Reabilitação: progredir a dieta de modo mais intensivo, visando a recuperar grande parte do peso
perdido, estimular física e emocionalmente, orientar a mãe ou cuidador da criança e preparar para a alta.

Devem ser ofertadas 1,5 vez a recomendação de energia para a idade (cerca de 150 kcal/kg/dia), oferta hídrica
de 150 a 200 mL/kg/dia e proteica de 3 a 4 g/kg/dia e menor teor de lactose. Nesta fase, pode-se utilizar preparado
artesanal sugerido pela OMS contendo 100 kcal e 2,9 g de proteína para cada 100 mL, fórmula infantil com menor
conteúdo de lactose ou dieta enteral polimérica pediátrica isenta de lactose para crianças com idade inferior a 1 ano (1
kcal/mL).

Para ajuste da densidade energética de fórmulas infantis (0,7 kcal/mL), podem ser utilizados módulos de
polímeros de glicose e lipídios (óleos vegetais), adição máxima de 3%. Esse procedimento permite que a dieta oferecida
apresente melhor densidade energética, mas compromete o fornecimento de minerais e micronutrientes.

É importante o fornecimento de preparados com multivitaminas (1,5 vez a recomendação para crianças
saudáveis) e de zinco, cobre e ferro;

3ª fase – Acompanhamento (ambulatorial para prevenir recaída)

Pode ser realizado em hospitais-dia ou ambulatórios e tem por objetivo prosseguir na orientação, monitoração
do crescimento (vigilância dos índices peso por estatura e estatura por idade) e desenvolvimento da criança,
especialmente da relação estatura/idade e intensificação do trabalho da equipe multiprofissional.
Objetivo 04: Biodisponibilidade do iodo (Harrison)

Os hormônios tireoidianos derivam da Tg, uma grande glicoproteína iodada. Após ser secretada no folículo
tireoidiano, a Tg é iodada aos resíduos de tirosina, que não subsequentemente acoplados por meio de uma ligação
éter. A recaptação de Tg dentro da célula folicular da tireoide possibilita a proteólise e a liberação de T4 e T3 recém
sintetizadas.

Metabolismo e transporte do iodo

A captação do iodo é uma primeira etapa extremamente importante na síntese dos hormônios tireoidianos. O
iodo ingerido liga-se às proteínas séricas, em particular à albumina. O iodo livre é excretado na urina. A tireoide extrai
o iodo da circulação de maneira altamente eficiente.

Por exemplo, 10 a 25% do marcador radioativo (p. ex., 123I) são captados pela glândula tireoide normal durante
um período de 24 horas; esse valor pode alcançar 70 a 90% na doença de Graves.

A captação do iodo é mediada pelo NIS, que é expresso na membrana basolateral das células foliculares da
tireoide. O NIS se expressa mais altamente na tireoide, porém níveis baixos estão presentes nas glândulas salivares,
na mama que está produzindo leite e na placenta.

O mecanismo de transporte do iodo é altamente regulado, permitindo a adaptação às variações no suprimento


dietético. Os baixos níveis de iodo fazem aumentar a quantidade de NIS e estimulam a captação, enquanto os altos
níveis de iodo suprimem a expressão de NIS e a captação.

A expressão seletiva de NIS na tireoide torna possível a cintilografia da tireoide, o tratamento do


hipertireoidismo e a ablação do câncer de tireoide com os radioisótopos do iodo sem efeitos significativos sobre os
outros órgãos. A mutação do gene NIS é uma causa rara do hipotireoidismo congênito, enfatizando sua importância na
síntese dos hormônios tireoidianos.

Outro transportador do iodo, a pendrina, localiza-se na superfície apical das células tireoidianas e medeia o
efluxo de iodo para dentro do lúmen. A mutação do gene da pendrina causa a síndrome de Pendred, um distúrbio
caracterizado por organificação defeituosa do iodo, bócio e surdez neurossensorial.

A deficiência de iodo é prevalente em muitas regiões montanhosas, assim como na África Central, no centro
da América do Sul e no norte da Ásia (Fig. 405.3). A Europa continua apresentando uma leve deficiência de iodo, e os
levantamentos de saúde indicam um declínio da ingestão de iodo nos Estados Unidos e na Austrália.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 2 bilhões de pessoas apresentam deficiência de
iodo, com base nos dados da excreção urinária. Em áreas de deficiência relativa de iodo, observa-se uma prevalência
aumentada de bócio e, quando a deficiência é grave, de hipotireoidismo e cretinismo.

O cretinismo caracteriza-se por deficiência intelectual e retardo do crescimento ocorrendo quando crianças que
vivem em regiões com deficiência de iodo não são tratadas com iodo ou com hormônio tireoidiano para restaurar os
níveis normais de hormônio tireoidiano no início da vida.

Com bastante frequência, tais crianças nascem de mães com deficiência de iodo, sendo provável que a
deficiência materna de hormônio tireoidiano possa agravar essa condição. A deficiência concomitante de selênio
também pode contribuir para as manifestações neurológicas do cretinismo. A suplementação de iodo no sal, no pão e
em outras substâncias alimentares reduziu acentuadamente a prevalência do cretinismo.

Infelizmente, porém, a deficiência de iodo continua sendo a causa mais comum da deficiência intelectual
passível de prevenção, na maioria das vezes por causa da resistência da sociedade aos aditivos alimentares ou do
custo da suplementação. Além do cretinismo evidente, uma leve deficiência de iodo pode acarretar sutil redução no
quociente de inteligência (QI).

O suprimento excessivo de iodo, por meio de suplementos ou alimentos enriquecidos com iodo (p. ex.,
moluscos, algas marinhas), está associado a uma incidência maior de doença autoimune da tireoide.

A ingestão diária média recomendada de iodo é de 150 a 250 μg/dia para adultos, 90 a 120 μg/dia para crianças
e 250 μg/dia para mulheres grávidas e durante a amamentação. O iodo urinário é >10 μg/dL nas populações com
suficiência de iodo.

Entre as primeiras técnicas empregadas para a adição de micronutrientes aos alimentos, destaca-se a iodação.
Vários países da Europa introduziram o sal iodado, a fim de se evitar as consequências da deficiência de iodo. No
Brasil, somente em 1953 foram dados os primeiros passos para a introdução do sal iodado, embora restrita às áreas
reconhecidas como deficientes de iodo.
Em 1995, uma nova lei foi aprovada pelo Congresso Nacional, a Lei nº 9005, de 16 de março de 1995, que
“determina que cabe ao Ministério da Saúde estabelecer a correta proporção de iodo no sal consumido no Brasil e
autoriza o fornecimento de iodato às indústrias beneficiadoras de sal”. Durante o mesmo período, acordou-se que a
fiscalização e o acompanhamento devem ser realizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Em março de 1999, com a Portaria nº 218, o Ministério da Saúde, estabeleceu como próprio para consumo
humano o sal com teor igual ou superior a 40mg até o limite de 100 mg de iodo por quilograma de produto. Em maio
de 2003, essa Portaria foi revogada, passando a vigorar a Resolução Sanitária RDC nº 130, que diminuiu os teores
para 20 a 60 miligramas de iodo por quilograma de sal, que está em vigor até então.

Relação da deficiência de iodo com o bócio endêmico

O iodo é um elemento traço, à semelhança de outros como o cálcio e o ferro, porém, mais raro que estes. Sua
importância decorre do fato de ser necessário para o adequado funcionamento da glândula tireóide, uma vez que é
parte constituinte dos hormônios tireóideos.

Existe um ciclo de iodo na natureza, e a maior parte desse mineral encontra-se nos oceanos. A concentração
média de iodo na água do mar é de 50–60 µg/L, na terra, 300 µg/kg, e 0,7 µg/ m3 no ar, sendo o mar e o ar fontes
importantes para seu ciclo.

No mar, os íons são oxidados pela luz solar na forma do elemento iodo, que é volátil. Na atmosfera, o iodo
retorna à terra pelo vento e pela chuva, que tem concentrações de iodo de 1,8–8,5 µg/L, sendo precipitado então de
volta ao solo, completando-se assim o ciclo de mar-ar-terra.

O conteúdo de iodo nos vegetais varia muito, sendo proporcional ao seu conteúdo no solo e na água da região.
Isso explica porque um mesmo alimento pode ter variações no seu conteúdo de iodo, dependendo da localidade onde
está sendo produzido. Por sua vez, o conteúdo de iodo nos alimentos de origem animal dependerá da concentração
desse elemento nas plantas e/ou rações utilizadas pelos animais para sua alimentação.

Fontes de iodo

As fontes de origem animal do iodo são usualmente os produtos do mar, uma vez que os oceanos contêm
quantidades consideráveis desse elemento químico. O conteúdo de iodo nos peixes refletirá, portanto, seu conteúdo
na água. Pode-se citar como fontes de iodo de origem animal: sardinhas, atum, ostras e moluscos.

Outras fontes são o leite e demais produtos lácteos e ovos provenientes de regiões onde os animais são
alimentados com rações enriquecidas com iodo, ou, no caso do leite, pastaram em áreas com adequada quantidade
de iodo. Isso é relevante, uma vez que, caso essas plantações sejam realizadas em solo pobre em iodo, o conteúdo
desse mineral será insatisfatório, tanto nos vegetais produzidos para consumo humano como nas plantas para
consumo animal. Portanto, o iodo disponível nos alimentos dependerá da procedência destes últimos e,
consequentemente, do iodo disponível no solo ou na água.

As considerações em relação às fontes de iodo e as suas diferentes concentrações nos alimentos indicam que
nem sempre é fácil o alcance das recomendações necessárias ao bom funcionamento do organismo humano, nas
distintas faixas etárias e estados fisiológicos que, por sua vez, determinam as fases de risco.

Apesar da necessidade constante de estímulo ao consumo de alimentos-fonte de iodo, observa-se que fatores
ambientais, econômicos ou mesmo culturais podem prejudicar a adequada ingestão desses alimentos nas quantidades
necessárias ao suprimento das necessidades humanas.

Por outro lado, o consumo diário do sal iodado, com concentrações segundo a legislação brasileira de 20 a 60
partes por milhão (ppm), em alimentação normossódica (< 5g/dia de sal) conterá de 100 a 300 µg de iodo, suprindo,
portanto, as recomendações relativas aos indivíduos.

Consequências da deficiência de iodo

Quando a ingestão de iodo não é suficiente e adequada, ocorre comprometimento da tireoide e


consequentemente da produção dos hormônios tireóideos, o que pode levar a uma série de danos à saúde, alguns
irreversíveis. Essa glândula localiza-se na parte frontal do pescoço, é formada por dois lóbulos, um de cada lado, e
possui a forma de uma borboleta.

Para a adequada síntese dos hormônios tireóideos, há necessidade de aporte diário de iodo na alimentação.
Nenhuma outra glândula endócrina é tão dependente de um micronutriente quanto a tireóide. A tireóide é responsável
pela secreção de 75 µg de iodo orgânico por dia, basicamente na forma de tiroxina (T4) e pequena quantidade de
triiodotironina (T3). A síntese e a secreção dos hormônios tireóideos são reguladas por fatores extratiróideos ou
intratiróideos e, entre os extratiróideos, o hormônio tirotrofina (TSH) exerce importante papel.
Após a produção dos hormônios tireóideos, estes são liberados na corrente sanguínea e passam a exercer
importantes funções em distintos processos químicos em várias partes do corpo humano. São essenciais
principalmente para o adequado desenvolvimento e funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, além da
manutenção da temperatura corporal.

Em situações de deficiência de iodo, ocorre interferência na produção dos hormônios tireóideos, o que leva a
aumento na secreção da tirotrofina (TSH). Esta estimula a tireoide a aumentar a produção de seus hormônios, levando
a hiperplasia das células, o que conduz a aumento no tamanho da glândula. Como consequência dessa estimulação
contínua, ocorre o desenvolvimento do bócio.

Utiliza-se o termo “bócio”, vulgarmente conhecido como “papo”, para caracterizar uma situação em que a
glândula tireóide possui tamanho acima do normal. Isso acontece nas pessoas com deficiência de iodo, porque elas
não estão conseguindo produzir os hormônios tireóideos em quantidade suficiente. Os baixos níveis desses hormônios
no sangue levam a aumento na secreção da tirotrofina (TSH), numa tentativa de fazer que a tireóide produza mais dos
seus hormônios.

Apesar desse aumento da estimulação do TSH ser uma adaptação normal, leva em contrapartida ao bócio,
que é o crescimento da tireóide. Particularmente, este sintoma se torna mais intenso, se essa estimulação se tornar
crônica em razão de uma deficiência contínua na ingestão de iodo. Nesse sentido, o bócio nada mais é do que um
sinal de que o organismo está tentando compensar a falta de iodo.

O tamanho da tireóide responde às alterações na ingestão de iodo, variando de forma inversa ao teor desse
nutriente, em um período que pode variar de 6 a 12 meses em crianças e adultos jovens (<30 anos). 43

O bócio pode levar a comprometimentos na respiração, com compressão da traquéia, asfixia, dor local,
problemas na deglutição, além da invasão do mediastino, o que é chamado de bócio mergulhante. Para se estimar a
prevalência do bócio, tradicionalmente é usado o método da inspeção e palpação para a determinação do tamanho da
tireóide. Também pode ser utilizada a ultrassonografia, como um método mais preciso e objetivo.

Resumo: O bócio refere-se a um aumento de volume da tireoide. Os defeitos de biossíntese, a deficiência de iodo, a
doença autoimune e as doenças nodulares podem resultar em bócio, mas por meio de mecanismos diferentes. Os
defeitos de síntese e a deficiência de iodo estão associados a uma eficiência reduzida da síntese dos hormônios
tireoidianos, o que é responsável por um aumento do TSH, o qual estimula o crescimento da tireoide como um
mecanismo compensatório destinado a superar o bloqueio na síntese hormonal.

Prevenção e tratamento dos Distúrbios por Deficiência de Iodo

Apesar da quantidade de iodo requerida pelo organismo humano ser mínima, o fato do iodo não poder ser
estocado no organismo por longos períodos faz com que pequenas quantidades sejam necessárias diariamente. Em
áreas de deficiência de iodo, onde o solo, as colheitas e os pastos para os animais não provêem suficiente iodo à
população por meio da ingestão dos alimentos, os programas de fortificação e suplementação de iodo têm surtido
efeitos positivos.

A prevenção, o diagnóstico e o tratamento devem ser realizados por meio de programas específicos que
atendam a toda a população em risco.

Por décadas, a iodação do sal tem sido a estratégia usada em muitos países desenvolvidos onde as doenças
por deficiência de iodo já foram controladas e tem-se obtido consideráveis progressos em relação à implementação
universal da iodação do sal. Então, como já dito, aqui no Brasil a recomendação é de 20 a 60 miligramas de iodo
por quilograma de sal.

Normalmente, a iodação do sal é a primeira escolha como estratégia de intervenção a ser utilizada, em função
de o sal ser regularmente consumido pela população. Somado a esse fator, o processo de iodação possui tecnologia
de processamento bem estabelecida com custo operacional baixo.

Os programas de prevenção e controle da deficiência de iodo devem procurar garantir que todo sal para
consumo humano, tanto importado quanto localmente produzido, esteja adequadamente iodado. Para que a iodação
universal do sal seja efetiva, o sal que chega às residências deve ter a quantidade adequada de iodo.

Em algumas situações, outras estratégias podem ser necessárias, como o uso de cápsulas de iodo, a iodação
da água ou a fortificação de outros alimentos. Programas que usam o óleo iodado têm sido limitados a áreas com grave
deficiência de iodo, onde a distribuição e o consumo do sal iodado são precários e onde há previsão de implantação
do programa a longo prazo. É considerado, portanto, um método emergencial, que deve ser utilizado em curto prazo,
até que medidas efetivas sejam executadas para a iodação do sal. Pode ser ministrado por via intramuscular ou via
oral.

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