Você está na página 1de 9

ANEMIA FERROPRIVA

Ananda Martins - Medicina UEMA

Causada por carência de ferro → anemia carencial


● Considerada como anemia hipoproliferativa → resposta medular insuficiente (queda
do número de reticulócitos)
● Classificada como anemia microcítica e hipocrômica
● Anemia mais comum do mundo, predominante em população de baixa renda, com
dieta pobre em ferro
● Diagnósticos diferenciais: talassemia e anemia de doença crônica

METABOLISMO DO FERRO
- Quantidade corporal total de ferro
● Homens: 50 mg/kg
● Mulheres: 35 mg/kg
- 70 a 75%: ligada as hemácias (grupo heme)
- 25%: pode ser encontrado nas proteínas ferritina e hemossiderina (compartimentos
armazenadores de ferro) → encontrados em células da mucosa intestinal, macrófagos
do baço e medula óssea
- 2%: circulando no sangue, ligado à transferrina sérica
- Ferritina, hemossiderina e transferrina: proteínas capazes de se ligar ao ferro
Ferritina
Apoferritina: proteína produzida no fígado → ligada ao ferro: ferritina
● Principal responsável pelo armazenamento de ferro no organismo
● Concentração sérica diretamente proporcional às concentrações de ferro no
organismo.
● Níveis normais: 20 a 200 ng/dl → homens: 125 ng/dl e mulheres: 55 ng/dl
● Cada ng/dl de ferritina → 10 mg de ferro armazenado
- Ex: uma ferritina de 100 mg/dl = 1.000 de ferro)
● Ferritina sérica alta: reserva total de ferro aumentada
● Ferritina sérica baixa: reserva total de ferro diminuída
Hemossiderina
● Derivado da ferritina após proteólise por enzimas lisossomais
● Proteína armazenadora de ferro porém de liberação lenta
Transferrina
● Proteína sintetizada pelo fígado, responsável pelo transporte de ferro no plasma
● Elo entre os principais depósitos teciduais de ferro e o setor eritróide da medula óssea

CICLO DO FERRO
Na mucosa intestinal
● Absorção do ferro alimentar: duodeno e jejuno proximal
● Percentual de ferro absorvido pela mucosa duodenojejunal → 10 a 30% do ferro
ingerido
● Influência da absorção do ferro: tipo de alimento que contem ferro, alimentos que
podem diminuir ou aumentar a absorção de ferro, necessidade do organismo
Tipos de ferro alimentar
● Forma heme: proveniente de alimentos de origem animal
- A própria molécula é absorvida pela mucosa intestinal
- Liberado das proteínas por ação da pepsina, sendo absorvida pelo duodeno → melhor
absorvida que a não heme
- Não sofre influência de outras substâncias alimentares
- Fontes animais: carne vermelha, frango, frutos do mar, miúdos → melhores em oferta
diária de ferro
● Forma não heme: derivada de alimentos de origem vegetal
- Absorvido diretamente o íon ferroso (Fe+2)
Efeito dos alimentos
● Absorção altamente influenciável pelo pH gástrico e pela composição dos alimentos
(ferro não heme)
● pH ácido do estômago promove a conversão Fe3+ → Fe2+
● Vitamina C: agente estimulante da absorção de sais de ferro
● Proteína derivada da carne: aumenta a capacidade de absorção dos sais de ferro
● Inibidores da absorção de ferro: fitatos (presente em cereais), oxalatos (presente no
figo, ameixa, cacau e tomate), chás, antiácidos, cálcio e algumas drogas

Regulação da absorção de ferro


● De acordo com as necessidades do organismo
● O ferro absorvido pelas células da mucosa intestinal tem dois destinos:
- Ser incorporado pela ferritina presente nas próprias células da mucosa
- Ser transportado através da membrana intestinal para um transportador da membrana
basolateral (ferroportina) → depois ligando-se a transferrina plasmática
● O ferro absorvido pelas células da mucosa intestinal só será repassado para a
transferrina se as necessidades corpóreas desse metal assim determinarem
● Caso contrário, permanece no interior da célula intestinal → processo de renovação
da célula o elimina
- Principal via de eliminação do ferro: via fecal
HEPDICINA: hormônio sintetizado no fígado → participa na regulação do metabolismo do
ferro → sinaliza a incorporação do ferro armazenado na mucosa intestinal
● Função: se liga e inibe a ferroportina, agindo contra o transporte de ferro pelo
plasma. Pode inibir a liberação de ferro dos macrófagos.
● Inibido pela hipóxia
● Estimulado pelo ferro e citocinas
● Adenoma hepático: hipersecreção de hepcidina

No plasma
● Células da mucosa intestinal → corrente sanguínea → diversos tecidos do corpo, em
especial medula óssea e fígado.
● Todo o ferro circula ligado a transferrina → captura e transporta 2 moléculas de ferro
● Através da transferrina, o ferro chega à precursores eritróides da medula óssea que
possuem grande quantidade de receptores de transferrina em sua membrana

Na medula óssea
● A transferrina plasmática + ferro da mucosa intestinal atinge receptores na membrana
dos eritroblastos
● Internalização do complexo transferrina-ferro-receptor → o ferro se dissocia do
complexo → transferrina é exocitada da célula e retorna ao sangue (é reaproveitada)
● O ferro é incorporado pelas células medulares tem dois destinos:
- Ser armazenado pela ferritina dentro das próprias células da medula
- Ser capturado pelas mitocôndrias dessas células e introduzidas numa protoporfirina →
formação do heme → formação de parte da molécula de hemoglobina
- Medula óssea: armazenador de ferro

No baço
● Hemácias senis: fagocitadas por macrófagos nos sinusóides do baço
● Fagócitos rompem a membrana das hemácias → dissociação da hemoglobina em
globina e heme
● Heme recebe ação da heme-oxigenase → libera ferro e biliverdina
● Destinos do ferro reciclado dentro dos macrófagos esplênicos:
- Ser estocado pela ferritina e hemossiderina dos próprios macrófagos
- Ser liberado no plasma, se ligando à transferrina e sendo novamente captado pelos
eritroblastos da medula óssea.
● Hepdicina: pode agir inibindo a liberação de ferro dos macrófagos para a transferrina
plasmática
● Baço também é armazenador de ferro

Perda e ganho corporal de ferro


O organismo não consegue eliminar o ferro fisiologicamente
● Intoxicação por ferro: quando o paciente recebe várias hemotransfusões
(hemocromatose secundária)
● A mucosa intestinal protege contra a intoxicação por ferro
● Três doenças aumentam patologicamente a absorção do ferro: talassemias, anemia
sideroblástica e hemocromatose primária (hereditária)
- NÃO deve-se fazer reposição de sulfato ferroso → pode causar intoxicação por ferro
● Ferropenia: através sempre de perda sanguínea
● Carência de ferro: mulheres que menstruam ou que apresentam perda sanguínea
repetida, crônica, suficiente para esgotar os estoques de ferro dos macrófagos (após 3
meses)
● Sangramento crônico é a principal causa de anemia ferropriva
- A medula óssea do paciente com anemia ferropriva necessita constantemente de mais
ferro para a síntese de hemoglobina
● Sangramento agudo nem sempre causa anemia ferropriva → apenas se o paciente já
possua baixas reservas de ferro

LABORATÓRIO
● Todo paciente anêmico deve ter solicitada uma cinética de ferro
IMPORTANTE RELEMBRAR
- Todo ferro sanguíneo circulante está ligado a transferrina
- A transferrina é um conjunto de moléculas contendo múltiplos sítios ligados ao ferro e
múltiplos sítios livres
● Ferro sérico de dosagem normal: 60 a 150 mcg/dl → ferro ligado à transferrina
(concentração dos sítios ligados de transferrina)
● Saturação de transferrina: quantas moléculas de transferrina existem no sangue
- Nem sempre aumenta com o aumento do ferro sérico

TIBC (capacidade de ligação total do ferro)


- Somatório de todos os sítios de ligação de todas as moléculas circulantes (sítios livres
+ sítios ligados)
- Traduz a capacidade da massa total de transferrina tem de abarcar ferro
- Somatório de sítios livres: capacidade latente de fixação do ferro
- O TIBC não sofre influência direta das variações de ferro sérico
- Ela representa de forma indireta a concentração de transferrina sérica
- Sítios ligados: ferro sérico
- Sítios livres: capacidade latente de fixação do ferro
TIBC = ferro sérico + capacidade latente da fixação do ferro
Valor normal: 250 a 360 mcg/dl
- Saturação de transferrina: percentual de todos os sítios da massa total de transferrida
que estão ocupados pelo ferro
Sat de transferrina: ferro sérico / TIBC
Valor normal: 30 a 40%

ETIOLOGIA DAS ANEMIAS FERROPRIVAS


● Quadro ferropênico: necessário que haja balanço negativo do ferro corporal até que
seja consumido todo o estoque armazenado desse metal
- Defeitos na absorção de ferro: após cirurgia de gastrectomia subtotal com anastomose
a Bilroth II, doença celíaca (acometimento de jejuno e duodeno)
- Ingesta suficiente de ferro: população carente
- Gestação: aumento de hemácias típicos da gestação, perda para o feto, perda
sanguínea no parto → reposição de sulfato ferroso durante a gestação (profilaxia
primária)
- Hipermenorréia
- Hemodiálise e exames de sangue frequentes
- Doação de sangue frequentes: cada doação representa perda de 250 mg de ferro
- Parasitoses: ancilostomídeos (Necatur americanus e Ancylostoma duodenale),
trichuris trichiuria
- Perda sanguínea crônica do TGI: hemorróida, doença péptica ulcerosa, câncer de
cólon (+ comum em homens e idosos)
- Mais raros: hematúria crônica, hemossiderose pulmonar idiopática, hemoglobinúria
paroxística noturna e hemoglobinúria do marchador
OBS: todo paciente com mais de 50 anos com diagnóstico de anemia ferropriva deve ser
submetido a uma colonoscopia, mesmo se a endoscopia digestiva alta mostrar doença péptica
ou se houver hemorroidas.
Em crianças
- Causa mais comum de anemia → menos comum nos 6 primeiros meses devido o
aleitamento materno
- Prematuros e crianças de baixo peso: precisam de suplementos de ferro
- Período mais propenso para a anemia ferropriva: 6 a 24 meses
● Motivos: momento de pico de crescimento da criança, necessitando mais de ferro;
esgotamento dos estoques do nascimento; desmame sem suplemento de ferro e sem
fórmulas ou alimentos enriquecidos
- Perda sanguínea crônica: uso do leite de vaca (sangue oculto nas fezes)
- Infestação por ancilostomídeos, tricocefalíase, afecções gastrointestinais e urinárias

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Sinais e sintomas da anemia
● Instalação insidiosa
● Astenia, insônia, palpitações, cefaleia, etc
● Coronariopatas, cardiopatas, pneumopatas e cerebrovasculopatas: angina pectoris, IC,
dispneia e rebaixamento do nível de consciência
● Exame clínico: palidez cutaneomucosa, sopro sistólico de hiperfluxo, hemorragias
retinianas (anemia grave)
Sinais e sintomas da ferropenia (independente da anemia)
● Glossite e queilite angular → o médico deve procurar em todo paciente com anemia
● Unhas quebradiças, coiloníquia (unhas em colher) → estado ferropenia avançado
● Escleras de coloração azulada
● Esplenomegalia
● Perversão do apetite (PICA) → desejo de comer alimentos de baixo valor nutricional
(amido, gelo, terra) → revertido com reposição de sulfato ferroso
● Disfagia pela formação de membrana fibrosa na junção entre a hipofaringe e o
esôfago → síndrome de Plummer-Vinson ou Paterson-Kelly → não corrige após
correção do estado ferropenia (necessário endoscopia de dilatação)
● Fraqueza muscular desproporcional ao grau de anemia
● Em crianças: anorexia e irritabilidade, prejuízo ao desenvolvimento psicomotor,
alterações comportamentais

ACHADOS LABORATORIAIS E DIAGNÓSTICO


● Confirmação diagnóstica: ferro sérico, TIBC e ferritina sérica
● Em casos duvidosos: mielograma
Hemograma
● Primeira fase: anemia leve a moderada, normocítica e normocrômica
● Segunda fase: moderada a grave, microcítica e hipocrômica
- Hipocromia se instala após microcitose
- Hemoglobina: 4 a 11 g/dl
- VCM: 53 a 93 fL
- CHCM: 22 a 31 g/dl
● Pode se associar a anemia megaloblástica (anemia multicarencial) podendo ter um
VCM microcíticas ou macrocíticas dependendo de qual carência é mais grave
- VCM normal e RDW bastante alterado → coexistência de ambas as carências
● Cursa com trombocitose (500.000 a 600.00/mm³)
● Leucometria: normal
● RDW aumentado (acima de 14%) → diferencia anemia ferropriva da talassemia
(RDW normal)
● Produção reticulocitária normal
Ferro Sérico
● Deve ser interpretado junto com os valores de ferritina e TIBC
● Baixo na anemia ferropriva ( < 30 mg/dl), eleva-se após reposição oral ou parenteral
Ferritina Sérica
● Primeiro parâmetro a ser avaliado na anemia ferropriva
● Nível abaixo de 15 ng/dl
● Anemia ferropriva + anemia de doença crônica → 20 a 60 ng/dl
● Para exame, suspender o uso oral de ferro por uma semana e em uso parenteral por
um mês
TIBC e saturação de transferrina
● TIBC elevado, acima de 400 mg/dl → aumento de produção de transferrina no
fígado em resposta à carência de ferro
Hematoscopia
● Fases iniciais: anisocitose
● Se há piora: microcitose e hipocromia
● Anemia grave: poiquilocitose (hemácias em forma de charuto e micrócitos bizarros)
● Anisopoiquilocitose
Aspirado de medula óssea (mielograma)
● Exame de maior acurácia para o diagnóstico de anemia ferropriva
● Aspirado da medula ou biópsia corado com Azul da Prússia
● A presença de qualquer ferro corado: afasta possibilidade de anemia ferropriva
● O aumento do depósito de ferro é frequente em duas situações: pacientes
submetidos a transfusões sanguíneas e anemia de doença crônica → diferenciação de
anemia ferropriva de anemia de doença crônica
Outros dados laboratoriais
● Dosagem da Proteína Receptora de Transferrina (TRP): normal: 4 a 9µg/L.
Aumentam somente após a depleção importante dos depósitos de ferro → alta na
ferropriva, baixa na anemia de doença crônica
● Protoporfirina Livre Eritrocitária (FEP): normal: até 30 µg/L. Encontra-se aumentada
na deficiência de ferro (> 100 µg/L)

ESTÁGIOS NA DEFICIÊNCIA DE FERRO


Depleção dos estoques de ferro
● A depleção dos estoques corporais de ferro precede o surgimento da anemia
ferropriva
● Balanço negativo de ferro: ferro sérico, saturação de transferrina e TIBIC ainda
conseguem ser mantidos dentro da normalidade
● Diminuição progressiva nos níveis séricos de ferritina e no ferro corado da biópsia da
medula óssea
Eritropoiese deficiente em ferro
● Ausência de ferro corável na medula óssea e valor mínimo de ferritina (abaixo de 15
ng/ml)
● O ferro diminui ( < 60 µg/dL), o TIBC aumenta e a saturação de transferrina cai para
valores inferiores a 20%
● Distúrbios na capacidade proliferativa da medula → discreta anemia normocítica e
normocrômica (reticulopenia: anemia hipoproliferativa)
● Hemoglobina com valores de 10 a 12 g/dl (anemia leve)
Anemia ferropriva
● Ferritina baixa < 15 ng/dl
● Ferro sérico < 30 µg/L
● Saturação de transferrina < 15%
● Francas alterações na morfologia das hemácias
● Microcitose (hb 8 a 10 g/dl) → hipocromía → poiquilocitose
● Esfregaço de sangue periférico: intensa anisocitose, células microcíticas e
hipocrômicas e poiquilócitos em forma de charuto
● RDW de 16%
● Leve e moderada: anemia hipoproliferativa (produção de reticulócitos baixa / relação
mieloide/eritroide normal ou alta)
● Grave: anemia por eritropoiese ineficaz (produção de reticulócitos baixa / relação
mieloide/eritroide baixa) → subtipo da anemia hipoproliferativa

TRATAMENTO
● Dose recomendada: 60 mg de ferro elementar → equivalente a 300 mg de sulfato
ferroso
● Crianças: 5mg/kg/dia, dividido em três tomadas
● Melhor administrado de estômago vazio, 1 a 2 horas antes das refeições,
preferencialmente associado à vitamina C → 15% do ferro alimentar é absorvido pelo
duodenojejuno
● Efeitos colaterais: náuseas, vômitos, desconforto epigástrico e diarreia
● A resposta ao tratamento deve ser observada avaliando-se a contagem de reticulócitos
→ aumentam nos primeiros dias de reposição (pico de 5 a 10 dias)
● Hemoglobina e hematócrito sobem em duas semanas, voltando ao normal em dois
meses
● A reposição de ferro deve durar de 3 a 6 meses após a normalização do hematócrito
(de 6 a 12 meses)
● Controle: ferritina sérica, valores acima de 50 ng/dl
● Crianças: terapia de duração de 3 a 4 meses ou dois meses após a normalização da
hemoglobina
Causas de falha do tratamento
● Diagnóstico etiológico errado
● Anemia multifatorial
● Má adesão terapêutica
● Ritmo de sangramento crônico > reposição → ferro parenteral
● Doença celíaca (ferro oral não é absorvido) → ferro parenteral
Indicações de ferro parenteral
● Síndromes de má absorção duodenojejunais (doença celíaca)
● Intolerância às preparações orais
● Anemia ferropriva refratária à terapia oral (apesar de adesão terapêutica)
● Ferro-dextran: 50 mg de ferro elementar por ml de solução
- Via endovenosa ou intramuscular (essa pode manchar a pele)
- Efeito colateral: anafilaxia (interrompe tratamento), febre baixa, artralgias e
exantemas (não interrompe o tratamento)
● Gluconato férrico de sódio e ferro-sucrose: mais seguros que o ferro-dextran
● Dose diretamente proporcional ao déficit
● Déficit de ferro da hemoglobina: (15 - Hb) x peso (kg) x 2,3
● Déficit de ferro da hemoglobina + déficit de estoque (dose total do ferro parenteral):
(15 - Hb) x peso (kg) x 2,3 + 1.000 (homens) / (15 - Hb) x peso (kg) x 2,3 + 600 (na
mulher)
● O déficit total de ferro pode ser reposto em: dose única, diluída em soro fisiológico ou
glicosado a 5%
● Maior carga férrica → mais lenta a infusão

Você também pode gostar