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Qualquer pessoa que pretende ser um discípulo de Jesus Cristo deveria estar

experimentando a realidade de 1 João 2:6: "Aquele que diz que permanece nEle, esse deve
também andar assim como Ele andou". Está fora de questão que é da vontade de Deus que os
discípulos cristãos vivam como Cristo viveu. Isto não é uma mera teoria ou uma observação
casual acerca do viver cristão; é o padrão dinâmico que produz um testemunho vital a
respeito de Cristo perante os homens e mulheres perdidos.

Por vezes, os homens do mundo são mais sábios nos negócios humanos, do que os
homens de Deus. H.G. Wells disse no seu Outline of History (Esboço da História): "Pouco
depois de Jesus Cristo ter morrido, aqueles que afirmavam segui-lO desistiram da prática dos
Seus princípios revolucionários". Sim, "revolucionários", foi a sua descrição, e como ele
tinha razão! A igreja tem-se agarrado a estruturas e a muitas das doutrinas, mas perdeu o
âmago da verdade que Jesus ensinou.

Hoje, pode-se notar cada vez mais a diferença entre os que "dizem ser evangélicos" e
os que "são evangélicos". À medida que vou visitando escolas bíblicas, uma após outra, e um
número crescente de instituições cristãs, encontro muitos "faladores" de cristianismo, — mas
poucos que o vivem.

Não apenas eu, mas muitos jovens cristãos estão profundamente conscientes desta
discrepância. Muitos têm ficado desiludidos por esta contradição entre a fé e a vida.

Se estivermos bem informados, iremos reconhecer que muitos dos jovens que crescem
em igrejas evangélicas negam a fé antes de chegarem aos vinte e cinco anos. Interrogamo-
nos por que, e alguns dizem: "Devem ser os últimos dias" — os dias de apostasia e juízo.
Isso pode ser verdade, mas não é explicação suficiente para as nossas trágicas derrotas diante
de Satanás.

Alguns cristãos afirmam que a resposta está num "bom e são ensino bíblico". Mas isto
também não chega. Nunca na história da igreja houve tantas conferências bíblicas, estudos
bíblicos pela rádio e livros de estudo bíblicos. Você sabia que há mais de mil livros à venda,
em língua inglesa, sobre as epístolas paulinas? E hoje em dia, temos também excelentes
estudos bíblicos gravados. Você pode ouvir ilustres professores da Bíblia, em sua casa,
apertando apenas o botão dum rádio.

Temos todas as oportunidades de aprender a respeito da vida e ensinos de Paulo, mas


onde estão os Paulos do século vinte? Onde estão os homens preparados como ele e os seus
companheiros para enfrentarem o frio, os naufrágios e os ladrões por amor do evangelho, e
para agradecer a Deus os vergões que lhes dilaceravam as costas? Temos muitos servos de
Deus sinceros e muitos e grandes pregadores. Mas onde estão aqueles que podem dizer como
Paulo que não cessava noite e dia de admoestar a homens e mulheres, com lágrimas? É
muito difícil, senão impossível, encontrar tais homens. Por quê? A razão, creio eu, está em
que nós temos separado as nossas convicções bíblicas do nosso viver diário. Paulo nunca fez
isso.
Nós queremos servir ao Senhor e afirmamos:

"Estou pronto a servir ao Senhor, se, simplesmente, puder encontrar o meu lugar no
Seu serviço!" Não o encontrando, sentimo-nos frustrados. O que é que está mal?

Deus está muito mais interessado em que você encontre o seu lugar no próprio
Cristo, do que no Seu serviço. O essencial no viver cristão não é o lugar para onde você
vai, nem aquilo que está fazendo, mas sim, na força de quem está vivendo. Pode ir para além
da Cortina de Ferro, ou simplesmente atravessar a rua para servir o Senhor, mas de quem é a
força na qual você vai? Vejamos o caso de Paulo. Em Atos 20:19-20, lemos acerca dele:
"Servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas dos
judeus, me sobrevieram; jamais deixando de vos anunciar cousa alguma proveitosa, e devo-
la ensinar publicamente e também de casa em casa."

Repare nas palavras: "com toda a humildade." O apóstolo não diz que serve ao Senhor
com grandes pregações, distribuição de literatura, tremendas campanhas através da Cortina
de Ferro e grandes façanhas na Turquia e na índia. Ele diz que serviu ao Senhor com muitas
lágrimas e tentações. O discipulado é antes de tudo uma questão de coração. A não ser que o
coração esteja bem, tudo o mais estará mal. Os nossos corações precisam experimentar uma
profunda fome e anseio de Deus.

Fome de Deus é a marca genuína dum discípulo. Dá-me a confirmação de que eu sou
Seu filho e de que Ele está trabalhando em mim. O que eu faço para Deus não prova que eu
seja um discípulo. Posso tentar cumprir os termos do Sermão da Montanha, ou dos credos da
igreja; posso viver frugalmente e viver no chão; mas estas coisas não me definem como
discípulo. A maneira de saber que sou discípulo é ter fome intensa e insaciável pelo Senhor
da Glória crucificado. Se esta é a sua experiência, se você anela por uma comunhão profunda
com o seu Criador, se deseja conhecê-lo intimamente, andar com Ele e respirar com Ele —
embora você possa parecer um fracassado e tenha cometido inúmeros erros graves — então
estará bem no caminho para o discipulado.

Davi foi um personagem do Velho Testamento que conhecia a Deus e andava com
Ele. Será que Deus disse: "Davi foi um homem que viveu em pureza todos os dias da sua
vida"? Não. Deus disse que Davi era "um homem segundo o Meu coração".

Como vemos nos Salmos, Davi tinha fome de Deus. "A minha alma tem sede de Deus,
do Deus Vivo." "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus,
suspira a minha alma." A despeito dos erros e desvios de Davi, ele sentia fome e sede de
Deus. Na história da igreja, exatamente no seu início, verificamos que a marca do verdadeiro
discípulo, dum homem de Deus, é a fome de conhecer a Deus e a Sua justiça.

O homem segundo o coração de Deus é descrito no Salmo 34. Ele pode louvar a Deus
por todas as suas experiências. "Bendirei o Senhor em todo o tempo, o seu louvor estará
sempre nos meus lábios. Gloriar-se-á no Senhor a minha alma; os humildes o ouvirão e se
alegrarão. Engrandecei o Senhor comigo e todos a uma lhe exaltemos o nome. Busquei o
Senhor e ele me respondeu; livrou-me de todos os meus temores" (vers. 1-4). E o versículo
10: "Os leõezinhos sofrem necessidade e passam fome, porém dos que buscam o Senhor,
bem nenhum lhes faltará. Aos que buscam ao Senhor: buscá-lo e sentir fome dEle; louvá-lo
continuamente; estas são as características dum verdadeiro discípulo de Jesus Cristo.
As características externas são muitas vezes enganadoras. O cristão esperto, aquele
que brilha pela sua oração fluente ou pregação vigorosa, ou aquele que é capaz de responder
a todas as questões teológicas não é necessariamente um discípulo. Nem o é necessariamente
aquele que vendeu tudo, até a última camisa, num ato de "verdadeiro discipulado". Estas
coisas, em si mesmas, não nos aproximam de Deus. Todavia, diz a Escritura, Deus
aproxima-Se "dos que têm o coração quebrantado, e salva os de espírito oprimido".

Nenhuma descoberta da verdade cristã me trouxe mais ânimo do que esta. Você
lembra-se da parábola de Jesus acerca dos dois homens que foram orar no templo? O
primeiro dirigiu-se para frente e contemplando o auditório, exultou: "Ó Deus, quanto te
agradeço por não ser como aquele homem!" Talvez ele se tenha recordado do rico que se
afastou de Jesus por possuir muitos bens, e então orou: "Ó Deus, agradeço-te porque também
não sou como ele. Nenhum fariseu procederia assim!" Pode ser que tenha pensado num
jovem que nunca tivesse tomado parte numa cruzada de fariseus, sentindo-se por isso
inspirado a declamar: "Graças te dou, ó Deus, porque não sou como aquele!" Em seguida,
desenrolou uma bela oração que havia aprendido no Colégio Bíblico dos Fariseus e dispos-se
graciosamente em torno do microfone a fim de dizer perante o público. Mas o outro homem,
bem à distância, inclinou-se humildemente e bateu no peito em agonia, implorando: "Ó
Deus, tem misericórdia de mim."

De quem é que Deus se aproximou? Do orador teológico que proferia palavras vãs?
Certamente que não! Ao sair com as suas vestes de justiça própria, esse ignorava em
absoluto a justificação ou a bênção de Deus.

Deus aproximou-se daquele que veio com o coração quebrantado e com um espírito
contrito. E ouviu o clamor: "Ó Deus, tu sabes que eu sou um fracasso. Sabes que sou um
embusteiro; sabes que sou um inútil. Eu sou um pecador! Tem misericórdia de mim." Aquele
homem reconheceu os seus pecados e Deus justificou-o. Isto perturba o nosso entendimento
humano, e todavia, constitui uma das razões por que eu creio na Bíblia: nenhum homem
daria origem a este modo de salvação. Isto revela-nos o coração de Deus.

Com exceção do cristianismo, todas as religiões oferecem uma combinação de serviço


e recompensa: faça isto e terá aquilo. Por isso, qualquer pessoa em geral deduzirá que, se
você for um bom discípulo de Jesus e viver de acordo com o Sermão da Montanha, ou se
associar-se a campanhas evangelísticas e distribuir folhetos, ou talvez, se engraxar os sapatos
de qualquer pessoa para mostrar quão humilde você é, então será recompensado com uma
grande bênção. Mas a bênção só vem pelo método de Deus e não do homem.

Você, por si mesmo, nunca será capaz de polir os sapatos de alguém, sem uma falsa
motivação. Nem mesmo distribuirá folhetos sem qualquer ambição pessoal. Paulo perguntou
aos gálatas: "Tendo começado pelo Espírito, ireis acabar agora pela carne?" Muitos cristãos
tentam fazer isso: "Sou salvo pela graça", poderão eles dizer,"mas agora tenho de traçar o
meu próprio caminho ao longo da vida cristã."

Este é um erro grave! Você é salvo pela graça de Deus, e pela Sua graça terá de servir.
O Senhor está perto, não do que prospera, mas daqueles que têm o coração quebrantado. Ele
salva, não os enérgicos, mas os que têm um espírito contrito.
"Agrada-te do Senhor" — diz o Salmista — "e Ele satisfará os desejos do teu
coração"(Salmo 37:4). A razão por que muitas vezes não conseguimos descobrir a vontade
de Deus é que nos deleitamos noutras coisas. Os cristãos envolvidos na evangelização são
tentados a deleitarem-se na aventura da mesma. Ou então deleitamo-nos na comunhão do
evangelho e no entusiasmo que partilhamos. Asseguro-lhe que, se você

se deleitar em qualquer trabalho para Deus, ou em qualquer organização ou movimento, mais


cedo ou mais tarde, o desânimo apoderar-se-á de você. O nosso Deus é um Deus zeloso e
não partilhará a Sua Glória com uma organização, uma personalidade ou um movimento,
mesmo que seja espiritual.

Isto está muito claro em João 5:44, quando Jesus diz aos judeus incrédulos: "Como
podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros, e contudo não procurais a glória que
vem do Deus único? Como é que podemos crer em Deus para coisas grandes — obreiros,
sustento financeiro, conversões, vitória na vida dos cristãos — quando buscamos a honra de
outros seres humanos?

Enquanto buscamos honra para nós mesmos, ou tentamos promover o programa ou


reputação dum movimento ou dum pregador, estamos a construir sobre o frágil mérito dos
homens. Como a característica dum verdadeiro discípulo é a sua fome de Deus, o seu alvo é
receber a aprovação de Deus. Depois do trabalho feito, ele deseja ouvir Deus lhe dizer: "Bem
está, servo bom e fiel." Dia após dia, ele vive para Deus e Sua glória, buscando-a como o
veado anela pelas correntes das águas.

Não obstante as fraquezas do povo de Cristo, há muitos hoje que têm fome de Deus.
Esta fome deve ser cultivada, quer alimentando-a, quer desenvolvendo a sua capacidade.
Deus quer todo o nosso ser, não apenas o nosso trabalho para o Senhor, as nossas soluções
dos problemas, ou o nosso serviço atrás dos bastidores. Podemos ficar tão envolvidos em
atividades, mesmo cristãs, que chegamos a perder o contacto consciente com o próprio Deus.
Ele espera, perto, mas em silêncio, pronto a recordar-nos: "Meu filho, você está demasiado
ocupado para receber qualquer força da minha parte."

O Seu conselho permanece: "Aquietai-vos, e sabei que Eu sou Deus"(Salmo 46:10).


O único caminho para encontrar o poder e recursos necessários para cada dia é esperar
calmamente em Deus. Arranje tempo para passar a sós com Ele; aprenda a deleitar-se nEle;
cultive a fome pelo Seu ser infinito. Sem isso, o seu trabalho será superficial; com isso, os
seus mais profundos anseios serão satisfeitos e o seu discipulado glorificá-lo-á.

A nossa situação hoje está bem descrita nestas palavras de A.W.Tozer:

"Nesta hora de quase total escuridão universal, surge um alegre resplendor — dentro
da esfera do cristianismo conservador está a revelar-se um número cada vez maior de
pessoas cujas vidas piedosas são marcadas por uma fome crescente do próprio Deus. Elas
anseiam pelas realidades espirituais e não se contentarão com palavras, nem se satisfarão
com corretas interpretações da verdade. Têm sede de Deus e só se sentirão satisfeitas
quando se dessedentarem profundamente na Fonte da Água Viva"
Muitas coisas nos têm cegado os olhos; uma multidão de diferenças teológicas e de
tradições religiosas tem causado uma dicotomia entre as doutrinas de Deus e uma relação
íntima com Ele. Contudo, há esperança onde quer que os cristãos sintam fome de Deus. Eles
juntam-se numa cruzada para conhecerem a Deus. Esta é a única causa que efetivamente
conta, o único elo que não será torcido ou quebrado pela ignorância e egoísmo dos homens.
A nossa ligação real não é com qualquer organização, mas com o Deus vivo. Quando nos
humilharmos junto à cruz, conheceremos a realidade do poder de Jesus que venceu o pecado
e a morte. Nós receberemos a promessa: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque serão fartos" (Mateus 5:6).

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