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A CONTRA-REFORMA
UNIVERSITÁRIA DO GOVERNO LULA
Os principais pontos do
Editorial
anteprojeto do MEC
Um fino verniz Págs. 3 a 5
GT Campineiro contra a Reforma - Jornal da Campanha Contra essa Reforma Universitária do Governo Lula
Jornais: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, O Globo, Valor Econômico e Tribuna de Imprensa.
Site do MEC
Adunesp Informa Especial Página 3
Reforma Universitária
Reforma fatiada
Ricardo Borges (Andes)
Pela revogação
imediata das medidas
já aprovadas!
Adunesp Informa Especial Página 7
As aparências enganam
Às vezes, é preciso ler além das intervenção no processo de gestão, especial- instituições que oferecem esse “bem públi-
letras para entender o significado de algumas mente no setor privado”. O texto cita como co, independente de serem públicas ou
palavras. No caso da Reforma Universitária, exemplo a criação de conselhos sociais e a privadas. Este ponto dá margem não só ao
não é diferente. Os empresários da educação obrigatoriedade de eleições diretas para ProUni, mas também à possibilidade de
têm se esforçado para emplacar na grande membros da reitoria. conversão de filantrópicas em empresariais,
imprensa argumentos contrários à Reforma, Não se trata de negar que haja permitindo a transferência de patrimônio
às vezes de forma bem contundente. Em sua críticas por parte das entidades empresariais. sem pagamento de impostos e contribui-
análise do anteprojeto do MEC, o Fórum da Ocorre que elas não são determinantes nesta ções. Em seu artigo, Leher cita como exem-
Livre Iniciativa da Educação, que reúne 25 discussão. No essencial, há acordo com o plo o caso do reitor e proprietário da Uni-
entidades do setor particular, denuncia que o governo, como é o caso do ProUni, da Ino- versidade de Marília (Unimar), Márcio Mes-
“objetivo latente é promover uma maior vação Tecnológica, do Sinaes, entre outros. quita Serva, recentemente condenado pela
No entanto, os empresários consideram que 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo a 10
tais medidas são insuficientes e pleiteiam anos de prisão e multa por crime de sone-
mais vantagens e desregulamentação. gação fiscal (ele pode apelar em liberdade).
Um mercado de Nesse sentido, a força do empre- Em nome da instituição, que era filantrópi-
sariado não é qualquer coisa. O exemplo ca na época, Serva e família utilizaram a
R$ 16 bilhões do ProUni é bastante revelador. A princí- imunidade tributária para aumentar o patri-
pio, o governo sinalizou que exigiria 20% mônio pessoal, desviando recursos para a
A pressão dos empresários da das vagas em troca da isenção completa de compra de prédios de apartamentos e até
educação superior tem razões muito pal- tributos (algo em torno de R$ 2,5 bilhões um avião (Folha de S. Paulo, 2/4/2005). Se a
páveis. No ano passado, as universida- por ano). Os donos de faculdades chiaram, Reforma for aprovada como pretende o
des privadas movimentaram cerca de R$ fizeram lobby no Congresso Nacional e governo, esse crime deixaria de existir.
16 bilhões. Segundo a Organização para conseguiram uma significativa redução. As
Cooperação e Desenvolvimento Econô- 400 mil bolsas anunciadas pelo MEC redu- Centros Universitários
mico (OCDE), o Brasil está entre os cin- ziram-se, com isso, a cerca de 100 mil. Outra concordância dos empresári-
co países em que a educação superior é Detalhe: a redução foi aprovada por “acor- os é em relação à institucionalização dos
mais privatizada (Gazeta Mercantil, 21/3/ do” entre todos os partidos. Centros Universitários. Esta modalidade, que
2005). Aqui, vale a conclusão tirada por não está prevista na LDB, foi criada pelo
De acordo com o Censo da Roberto Leher, docente da UFRJ e ex- Decreto 2.306/97, ainda no governo FHC, e
Educação, 88% de todas as escolas su- presidente do Andes: “Os empresários da recebeu muitas críticas. Os Centros Universi-
periores do país são privadas. Elas ofe- educação criticam o anteprojeto. Os em- tários têm prerrogativas de universidades
recem 72% de todas as vagas, contra 28% presários são contra o controle estatal. (criar cursos, por exemplo), mas estão libera-
das universidades públicas. De 1975 a Logo, o governo irá liberalizar e desregu- dos de fazer pesquisa e extensão.
2003, o número de matrículas cresceu lamentar ainda mais o setor” (in “O setor De acordo com o anteprojeto, para
282% nas escolas privadas, enquanto nas privado critica o anteprojeto, logo o ante- uma instituição ser considerada universidade,
públicas esse acréscimo ficou em apenas projeto é bom. Um mau silogismo para precisa oferecer 12 cursos de graduação em
53%. defender a contra-reforma”). três campos do saber, três mestrados e um
Toda essa expansão privada doutorado. As universidades “especializadas”
não significa, no entanto, que o Brasil Bem público (vale lembrar que a maioria delas é especializa-
esteja entre os países com maior núme- Em sua análise, o Fórum Nacional da na área de Humanas) precisam ter apenas
ro de universitários. Ao contrário. São da Livre Iniciativa em Educação destaca os oito cursos de graduação e um mestrado ou
cerca de 3,5 milhões de alunos matricu- pontos do anteprojeto com os quais con- doutorado. Para os Centros Universitários, a
lados em cursos superiores, o que re- corda. A tese de que a educação é um “bem exigência é de seis cursos de graduação em
presenta apenas 1,9% da população. Na público” é uma delas. Ou seja, as verbas
Argentina, esse índice é de 4,6% da po- estatais podem ser distribuídas a todas as
pulação.
Página 8 Adunesp Informa Especial
Onde os empresários
querem “avançar”
Primeiros passos da
foram dados na Unesp
A exemplo do que ocorreu na
Manifestação
Reforma Previdenciária, tudo indica que o durante a greve
governo Alckmin pretende sair na frente do de 2004
governo federal na Universitária. Por inicia-
tiva da Secretaria de Ciência e Tecnologia,
cinco grupos de trabalho já estão atuando Os frutos da irresponsabilidade e da cotas para oriundos de escolas públicas,
desde janeiro/2005, com o objetivo de submissão da administração da nossa Univer- afrodescendentes e indígenas. Trata-se do
propor uma considerável expansão no ensi- sidade aos interesses eleitorais do PSDB hoje PL 530, proposto por deputados do PT, PC
no superior público paulista. O Plano Dire- são indiscutíveis, como bem o provam as do B, PP, PL, PSB e PPS. Pelo projeto, 50%
tor, como vem sendo chamado, deve ser greves estudantis que sacodem a instituição do total de vagas da USP, Unesp e Unicamp
submetido ao governador até 1º/6/2005. neste início de 2005 (veja na página seguinte). ficariam destinadas aos estudantes proveni-
Se valer a experiência recente da Unesp e Antes da criação das UD’s e dos entes da rede pública de ensino. Destas,
do Centro Paula Souza, é de se prever que novos cursos, a comunidade universitária já 30% ficariam com estudantes auto-declara-
tal expansão não virá acompanhada dos havia sido surpreendida com a assinatura do dos afrodescendentes.
recursos necessários. convênio PEC-Formação Universitária com a Assim como o projeto do governo
Na realidade, o governo Alckmin Secretaria de Estado da Educação, que levou federal, o paulista omite-se no essencial: não
não opõe discordância à reforma pretendida à criação de cursos virtuais para a formação prevê aumento de vagas com o devido aumento
por Lula, mas não quer simplesmente repetir de professores do ensino fundamental. Poste- de recursos, mas apenas a reserva de parte do
em nível estadual as medidas que venham a riormente, viria o Pedagogia Cidadã, curso em que já existe. Outro problema decisivo: nada se
ser aprovadas futuramente. A intenção é dei- vigor em dezenas de cidades do estado, em ventila sobre assistência estudantil, ou seja, me-
xar uma marca própria, ainda que copiando o muitos casos sendo cobrado dos alunos. Am- canismos de manter na universidade esses estu-
essencial, de forma a angariar dividendos bos os programas – PEC-Formação Univer- dantes (moradia, alimentação, transporte etc).
eleitorais. Alckmin, aliás, acumula boa experi- sitária e Pedagogia Cidadã – colocaram a
ência nisso, como ficou claro nas eleições a Unesp na vanguarda de um novo modelo de Fundações
governador de 2002 (quando usou a expansão educação no país, aligeirada, majoritariamente Também tramita na Assembléia
nas ETE’s e FATEC’s) e as municipais de à distância e de duvidosa qualidade. Legislativa de São Paulo um projeto que visa a
2004 (quando usou a expansão na Unesp). legalização dos cursos pagos nas universida-
Cotas em SP des públicas de SP, autoriza a participação de
Unesp foi balão de ensaio Nos mesmos padrões do projeto servidores estaduais nas fundações, permite às
A expansão de vagas e cursos na que tramita no Congresso Nacional, tam- fundações o uso dos bens materiais e imateri-
Unesp, iniciada em 2002, antecipou em São bém está em discussão, na Assembléia Le- ais das universidades públicas, além de elimi-
Paulo os princípios da Reforma Universitá- gislativa de SP, uma proposta de criação de nar os repasses financeiros destas fundações
ria do governo Lula. Sem garantia de recur- às universidades às quais se vinculam.
sos, foram criadas oito Unidades Dife-
renciadas (UD’s) na Universidade e di-
versos cursos novos em campi já existen- A Adunesp
tes. O relatório apresentado pela Comis- acompanhou e
são de Averiguação sobre as finanças da denunciou as
Universidade (criada pelo CO), mostrou mazelas da
expansão na
um dado alarmante: embora o número Unesp. Ao lado,
de alunos formados na graduação tenha duas das publica-
aumentado 76,3%, comparando-se o ano ções sobre o
de 2003 a 1992, por exemplo, temos uma assunto: à esquer-
da, sobre os
queda de 8,7% no total de docentes da programas de
instituição. O número de docentes em formação aligeirada
regime de dedicação exclusiva (RDIDP), de professores (fev/
requisito essencial para a manutenção do 2002); à direita, o
início da expansão
tripé ensino/pesquisa/expansão, caiu durante a gestão
16,3% neste mesmo período. Os regimes Trindade (ago/
parciais (RTC e RTP), ao contrário, cres- 2002)
ceram 80,7% entre 2001 e 2003.
Adunesp Informa Especial Página 11
As cotas em debate
Para estimular o debate sobre as propostas de cotas na universidade, a Adunesp apresenta, a seguir, duas
entrevistas. Na primeira, o professor Francisco Carlos Vitória, da Universidade Federal de Pelotas, mostra
seus argumentos contrários às cotas. Na segunda, o professor Kabengele Munanga, da USP, explica as ra-
zões que o levam a defendê-las. Ambos os entrevistados tiveram liberdade de espaço para expor suas posi-
ções. Confira a seguir:
vagas em instituições particulares para serem gado a um bom termo, na medida em que o
oferecidas como “benefiício” a alunos caren- governo, mesmo não conseguindo privatizar
tes do ensino público, entre eles negros e de vez o ensino, tem diminuído o máximo
econômicas e culturais e que estabelecem que índios. Na verdade, o governo descobriu nas possível o montante de verba colocada à dis-
alguns destes alunos cheguem ao processo reivindicações das camadas desfavorecidas da posição de cada rubrica que sustenta as uni-
vindos das melhores escolas públicas e até sociedade a boa desculpa para legitimar a versidades, fazendo com que hoje a assistência
mesmo particulares, que tragam consigo uma operação de salvamento econômico de insti- estudantil praticamente inexista. Por este ca-
bagagem de informação muito maior na me- tuições que, pela baixa qualidade do ensino minho, percebemos que pouco ou quase nada
dida em que pertencem ao segmento econo- que oferecem e/ou pelo custo alto que co- mudará na realidade das universidades com a
micamente dito médio da população. E aqui bram por este “serviço”, acabam por ter mui- presença dos alunos cotistas. A contradição já
vale um parêntese: o número de negros na tas vagas ociosas, o que lhes acarreta perda de é reconhecida e o máximo que se tem alcança-
chamada classe média não deve ser desconsi- lucratividade e necessidade de compensação. do são mudanças com caráter de não mexer
derado; basta ver a revista Raça Brasil do mês Penso que os defensores das cotas não têm na estrutura das universidades. Os próprios
de novembro/2004, ou de qualquer mês, para estado atentos a esta situação; na busca do alunos que nela ingressam, cotistas ou não,
ver o poder aquisitivo do público ao qual ela específico, têm negligenciado o geral, e, desta trazem consigo o espírito de transformação,
se destina. Estes alunos têm acesso a compu- forma, permitido que as reivindicações dos estando muito mais preocupados em concluir
tadores em suas casas, a revistas semanais, movimentos sirvam para que o governo possa este rito de passagem e saírem com o diploma
com a possibilidade de estarem sendo acom- atingir seu intento de direcionar recursos públi- debaixo do braço para buscar seu espaço no
panhados em seus estudos por país mestres cos ao mercado, deixando o setor público à competitivo mercado de trabalho. Não será
ou doutores. Portanto, estas diferenças aca- mercê de possíveis parcerias com empresas pela adoção das cotas que construiremos a
bam por dar vantagem a alguns e a colocar privadas. democracia e a igualdade que buscamos.
muitos outros em situação de desvantagem. O
resultado disso será a exclusão de alunos ne- Adunesp - Alguns setores favoráveis às Adunesp - Um outro argumento favorável
gros por outros alunos negros. Quer dizer, cotas argumentam que, embora sejam às cotas é aquele que procura traçar um
aos alunos que, teoricamente, não necessitari- corretas as críticas de que, paralelo às paralelo da situação dos negros com a
am do sistema de cotas para ingressar na uni- cotas, seria preciso discutir a qualidade do situação da mulher. O que se diz é que, de
versidade, estarão reservadas as vagas nos ensino fundamental e médio, a inexistên- fato, a discriminação da mulher só poderá
chamados cursos de profissões nobres, aque- cia de uma política de assistência estu- ser eliminada no marco de uma nova soci-
las de maior remuneração no mercado. Aos dantil que garanta a permanência etc, edade, com o fim do capitalismo. No en-
outros, restarão vagas em cursos onde hoje já ainda assim elas seriam um avanço em tanto, é preciso lutar pelo atendimento das
se encontra a maioria de estudantes negros e relação à situação atual. Argumentam suas reivindicações democráticas agora
negras. que, ao garantir a presença de uma parce- (acesso ao mercado de trabalho, salários e
la dos negros (ainda que pequena) nas direitos iguais aos do homem, participação
Adunesp - Outro elemento que surge nos universidades, forçosamente brotarão as política e sindical etc etc), sem perder o
debates é que a política de cotas – por ser contradições e isso poderá levar a uma horizonte da luta contra o capitalismo.
assunto apaixonante e polêmico – tende a mobilização pela cobrança destes direitos. Caso contrário – alegam estes setores,
desviar a atenção daquilo que é essencial Qual é a sua opinião sobre isso? fazendo a analogia com a situação dos
na Reforma Universitária em curso, ou Vitória - Penso que antes de apontarmos as negros – estaríamos fadados ao imobilis-
seja, o favorecimento aos empresários da dificuldades de ingresso ao ensino superior, mo. Qual é a sua opinião?
educação e as medidas privatizantes em deveríamos estar discutindo as dificuldades de Vitória - Sempre parti do princípio de, na
relação à universidade pública. O que permanência do estudante no nível básico de unidade, não esquecer a diversidade. Tendo
você acha desta questão? ensino. Os gráficos nos mostram a grande isso presente, vejo como positivas as reivindi-
Vitória - Como disse anteriormente, as reivin- distância que precisa ser percorrida até atingir- cações que fazem os diferentes movimentos,
dicações por reservas de vagas ganham inten- mos a sonhada universalização do ensino seja de gênero, étnico, por orientação sexual,
sidade quase que ao mesmo tempo em que é neste nível. Ainda são grandes os índices de enfim... .O que me preocupa é a possibilidade
implantado no Brasil o ideário neoliberal, que reprovação e repetência, e é possível lermos destes movimentos se fecharem em suas parti-
receita a minimização do Estado, o que faz disso que os alunos mais atingidos são exata- cularidades e passarem a disputar espaço com
com que os grupos que chegam ao governo mente os estudantes negros e negras. Neste aqueles que são tão excluídos quanto eles. O
possam optar por transformar, através das sentido, é preciso estarmos atentos à qualida- caminho para a emancipação humana não está
reformas, serviços públicos em artigos de de do ensino básico, entendendo que o prejuí- na disputa dentro da classe, mas sim na busca
mercado. Foi assim com a saúde, com a Previ- zo é causado tanto ao aluno que, sendo várias da superação da sociedade de classes. O cami-
dência Social e está sendo assim, agora, com a vezes reprovado, acaba por abandonar a esco- nho da adaptação à nova ordem não nos leva
reforma do ensino superior. Esta reforma la, quanto ao aluno que, permanecendo na a acabar com a desigualdade econômica nem
visa, entre outros fatores, a permitir que o escola, acaba por ser aprovado sem que tenha com a exclusão social. Neste sentido, devemos
governo possa se desresponsabilizar com o apreendido neste processo as informações levar nossas lutas buscando combinar o geral
financiamento do ensino superior público. necessárias para poder fazer uma leitura mais com o particular, fazendo com que a luta de
Para isso, o governo propõe um sistema de adequada da vida e por esta poder atingir os negros, de mulheres, de homossexuais sejam
avaliação das instituições, com critérios iguais objetivos a que se propõe. No aspecto de lutas que busquem superar o sistema capitalis-
aplicados sobre as diferenças, onde pontuação assistência estudantil, temos que trazer à tela o ta, em última instância o responsável por
baixa significa diminuição no repasse de ver- fato de que esta é uma discussão antiga na manter este imobilismo e por nos levar a bus-
bas. Antes mesmo de aprovada a contra-refor- pauta das conversas que o governo tem ou carmos mudanças que deixam tudo como
ma, o governo nos apresenta e põe em execu- finge ter com os movimentos estudantil e agora está.
ção o ProUni, que consiste na compra de docente. Nestas negociações, não se tem che-
Adunesp Informa Especial Página 15
A FAV O R
“Atrás da questão socioeconômica,
existe a discriminação racial”
Com Kabengele Munanga, professor titular do Departamen-
to de Antropologia da USP e vice-diretor do Centro de Estu-
dos Africanos (CEA/USP).
Adunesp - Em quais países foram im- que as políticas de cotas são chamadas
plantadas as primeiras experiências também de políticas compensatórias.
das chamadas políticas de ação afir-
mativa? Como avalia os resultados lá Adunesp - Outro argumento contrário apenas de uma luta de classe. Essas
obtidos? é de que o problema chave é socioeco- pessoas são ou surdas e cegas para não
Kabengele Munanga – Os primeiros nômico, ou seja, seria necessário dar escutar e ver os verdadeiros problemas
países foram a Índia, a Malásia e os Esta- condições dignas de vida a toda a po- do negro no Brasil, ou são racistas que
dos Unidos. Considero o resultado satis- pulação (emprego, saúde, educação recorrem a este tipo de argumento para
fatório, pois houve diminuição da desi- etc). Para os que levantam esta ques- manter o status quo.
gualdade no ensino superior entre as tão, as cotas não podem, portanto,
vítimas da discriminação e as classes resolver o problema dos negros. O que Adunesp - Nos inúmeros debates que
privilegiadas. acha disso? vêm se realizando sobre o assunto, um
Munanga - Atrás da questão socioeco- aspecto levantado é que a política de
Adunesp - Entre os argumentos levan- nômica, existe a discriminação racial cotas, na realidade, procura colocar
tados pelos críticos das cotas, está o de que impede ao negro de melhorar cole- na universidade aqueles estudantes
que seria preciso garantir a qualidade tivamente sua condição econômica. Os negros que estavam “quase lá”, ou
no ensino fundamental e médio, seja, um estrato minoritário do con-
como requisito para que os negros junto da juventude negra. Concorda
tivessem mais oportunidades de aces- “Enquanto se espera a com isso?
so ao ensino superior. Qual é a sua Munanga - Discordo, porque as estatísti-
opinião a este respeito? mudança do nível da cas comprovam que as universidades que
Munanga - Uma coisa não exclui a escola pública aderiram às políticas de cotas têm mais
outra. Enquanto se espera a mudança fundamental e média, o negros em suas faculdades do que antes e
do nível da escola pública fundamental têm hoje mais negros até nas áreas onde
e média, o que fazer dos que, às duras que fazer dos que, às não era possível encontrá-los antes (por
penas, terminam o ensino médio? Dei- duras penas, terminam exemplo, Medicina, Direito, Biologia
xá-los fora do ensino superior e esperar o ensino médio? Deixá- etc.). Os que entravam antes eram os
que melhore o nível do ensino público raros negros que estudaram em escolas
médio e fundamental ou encontrar sua los fora do ensino particulares. O quadro mudou significati-
integração através de uma política de superior e esperar que vamente; qualitativa e quantitativamente.
ação afirmativa? Lembrar-se-á que, no melhore o nível do
passado, as escolas públicas médias e Adunesp - Outro elemento que surge
fundamentais já foram muito boas e os ensino público médio e nos debates é que a política de cotas –
negros não tiveram acesso a elas. Se as fundamental ou por ser assunto apaixonante e polêmi-
iniciativas tivessem sido tomadas desde encontrar sua co – tende a desviar a atenção daquilo
os tempos remotos, não teríamos a de- que é essencial na Reforma Universi-
fasagem que existe hoje entre a popula- integração através de tária em curso, ou seja, o favorecimen-
ção negra e branca em matéria de edu- uma política de ação to aos empresários da educação e as
cação. Além das políticas ditas universa- afirmativa?” medidas privatizantes em relação à
listas (que nunca foram) é preciso incre- universidade pública. O que acha
mentar políticas específicas. Mesmo desta questão?
melhorando o nível da escola pública Munanga - A paixão não é totalmente
fundamental e média (quando?), as cotas que somente levantam essa questão, do um obstáculo e não impede que haja no
poderão ainda ser necessárias para com- ponto de vista socioeconômico, são
pensar as perdas acumuladas durante racistas ainda presos ao mito da demo-
séculos pela população negra. É por isso cracia racial ou acreditam que se trata
Página 16 Adunesp Informa Especial