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ADUNESP inFORMA

Jornal da Associação dos Docentes da Unesp - Seção Sindical do Andes


Edição Especial - Abril 2005
Seção Sindical do Andes - Sindicato
Nacional

A CONTRA-REFORMA
UNIVERSITÁRIA DO GOVERNO LULA

Os principais pontos do
Editorial
anteprojeto do MEC
Um fino verniz Págs. 3 a 5

democrático para encobrir As medidas que já se


os interesses privados tornaram lei
Págs. 5 e 6
O prazo estabelecido pelo governo federal, através do
Ministério da Educação, para o envio de propostas da socieda- O que há por trás da grita do
de ao seu projeto de Reforma Universitária esgotou-se em fins
de março. Poderíamos assinalar o tempo exíguo para o debate empresariado
como indicativo claro da intenção governamental de impor Págs. 7 a 9
suas propostas praticamente sem discussão. Este é um ponto
importante, mas não o mais revelador. Ocorre que, enquanto o A reforma nas estaduais
governo diz estar elaborando a versão final do anteprojeto a
ser enviado ao Congresso Nacional, itens importantes da Re- paulistas
forma já foram transformados em lei. É o caso do Sistema Pág. 10
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), da Lei
de Incentivos à Inovação Científica e Tecnológica, do Progra- A mobilização dos estudantes
ma Universidade para Todos (ProUni) e da Lei das Parcerias
Público-Privadas (PPP’s). da Unesp
Tornadas leis sem nenhum debate significativo com a Pág 11
sociedade, estas medidas trazem conseqüências diretas para a
continua na pág. 2 Um debate sobre as cotas
Págs. 12 a 16
Página 2 Adunesp Informa Especial

recimento aos mercadores do ensino. A propalada expansão de


vagas e de universidades públicas deve acontecer sem a correspon-
dente garantia de financiamento e, para agravar, promete vincular a
liberação de recursos aos resultados do Plano de Desenvolvimento
universidade pública e, em larga medida, beneficiam de imediato a inici- Institucional (PDI), o que tende a ampliar o fosso entre as institui-
ativa privada. Somente isso já seria suficiente para desmascarar o pre- ções fragilizadas e os chamados “centros de excelência”. Tampouco
tenso caráter democrático que o governo procura mostrar. a assistência estudantil está garantida no projeto do governo, embo-
Nesta publicação especial da Adunesp, dedicada integral- ra seja essencial para a permanência
mente à “Reforma Universitá- de estudantes carentes nos bancos
ria”, procuraremos avaliar o escolares.
impacto destas leis e desvendar Nesta edição, também vamos
o que significam os principais avaliar a grita dos empresários da
tópicos presentes no anteprojeto educação, procurando mostrar que
que seguirá ao Congresso. Nos- concordam com o governo no essen-
so Sindicato, assim como a enti- cial e buscam “avançar” naquilo que
dade nacional da categoria (o consideram prejudicial aos seus negó-
Andes), recusou-se a participar cios. Sua reação, inclusive, vem sendo
da elaboração de tal proposta. usada pelo governo na tentativa de
Não porque lhe faltem subsídios criar um cinturão protetor em torno
ou propostas. Longe disso! A da Reforma. Infelizmente, vários
Adunesp defende, há tempos, setores do movimento social embar-
princípios claros para a educa- cam no apoio a medidas que repre-
ção, entendendo-a como um sentam a maior investida privada já
bem público e universal, um desferida contra a educação brasileira
direito de todos e um dever do Marcha em Brasília (25/11/2004) em toda a sua história. É o caso da
Estado. Esta Reforma, no entan- CNTE (Confederação Nacional dos
to, caminha em sentido oposto a Trabalhadores em Educação), Fasu-
estes princípios e faz parte da agenda de organismos internacionais bra (Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades
do grande capital (FMI, Banco Mundial etc), como procuraremos Brasileiras), Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em
mostrar nesta edição. A Reforma não traz avanços sociais para o con- Estabelecimentos de Ensino), UNE (União Nacional dos Estudan-
junto da população, mas sim procura redefinir o papel do Estado na tes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) etc.
perspectiva neoliberal, exatamente como ocorreu com a Reforma da O Andes, o nosso sindicato nacional, tem assumido papel
Previdência e acontece com a Sindical/Trabalhista. decisivo na luta contra a Reforma Universitária, ao lado do movimento
Sob a capa da socialização de direitos e fim de privilégios, tais estudantil combativo. A Adunesp soma-se ao contingente dos que
reformas estão cumprindo um papel de contra-reformas, usurpando seguem defendendo a educação pública, gratuita e de qualidade. As
conquistas históricas da população. lutas dos estudantes da Unesp, nesse sentido, que entraram abril com
No caso da Reforma Universitária, não é diferente. Em atos e paralisações em vários campi, como mostra matéria na página 11,
nome de uma virtual democratização do acesso à educação superior, apontam o caminho a seguir.
promovem-se novos capítulos de uma já conhecida novela: o favo-

Fontes utilizadas para a elaboração desta publicação


Leher, Roberto - “O setor privado critica o anteprojeto, logo o anteprojeto é bom. Um mau silogismo para defender a contra-reforma”.
Jacob Chaves, Vera Lúcia – “Análise do anteprojeto de Lei sobre a Reforma da Educação Superior”.
Andes – “Agenda para a Educação Superior – Uma proposta do Andes – SN para o Brasil de hoje”.
Andes – “Carta de Curitiba” (24º Congresso do Sindicato Nacional).
Fórum Nacional da Livre Iniciativa da Educação – “Considerações e Recomendações sobre a Versão Preliminar do Anteprojeto de Lei da Reforma da
Educação Superior”.

GT Campineiro contra a Reforma - Jornal da Campanha Contra essa Reforma Universitária do Governo Lula
Jornais: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, O Globo, Valor Econômico e Tribuna de Imprensa.
Site do MEC
Adunesp Informa Especial Página 3

Reforma Universitária

A tradução prática das premissas


do Banco Mundial para
a educação
A recém-lançada versão preliminar
do anteprojeto da Lei de Educação Superi-
or, longe de começar o debate, representa a
continuidade de um processo que teve iní-
cio antes mesmo da posse do presidente
Lula. A exemplo da pioneira delas, a Previ- Marcha em Brasília (25/11/2004)
denciária, e das que estão em andamento
(como a Sindical/Trabalhista), a Reforma foi feito por uma comissão interministe-
Universitária é parte do compromisso assu- experiência mostra que tais preocupações
rial, em 2003; o segundo, intitulado “Re-
mido pelo PT com o FMI e organismos não são infundadas. De 1996 a 2002, o nú-
afirmando Princípios e Consolidando Diretri-
importantes do capital estrangeiro, como o mero de matrículas nestas universidades
zes da Reforma da Educação Superior”, foi
Banco Mundial, ainda durante a campanha cresceu 46%, passando de 364 mil para 532
divulgado em dezembro passado. Entre
eleitoral. mil. Ao mesmo tempo, os recursos caminha-
os 100 artigos deste terceiro documento,
Em seu documento “Agenda para a ram em sentido inverso, sendo drasticamente
alguns aspectos chamam a atenção:
Educação Superior: uma proposta do Andes-SN diminuídos, enquanto os concursos para
para o Brasil de hoje”, o Sindicato Nacional reposição de vagas rarearam. “Isso significa
avalia que “a reforma está centrada em 1) Expansão que o crescimento se deu por meio de uma
mudanças gerenciais, na redução do finan- intensificação extraordinária do trabalho dos
O anteprojeto do MEC apresenta docentes, da precarização e pela sobreutiliza-
ciamento público, no estabelecimento de a meta de expandir o total de vagas na rede
parcerias público-privadas e em políticas de ção dos equipamentos e da infra-estrutura,
superior pública em 40% até 2011. Aqui, como bibliotecas e laboratórios etc”, aponta
pseudo-garantias de acesso dos pobres à cabe um parêntese importante: por conta
universidade”. Para o Andes, o eixo central o Andes, concluindo que não há como cres-
do boom vivido pelo ensino superior privado cer mais sem comprometer a qualidade do
é o aligeiramento dos estudos, visando ao nos últimos anos, o montante de vagas
afastamento cada vez maior dos conteúdos ensino e da pesquisa.
públicas em 2003 era de apenas 14% do
curriculares das atuais fronteiras da ciência total (em São Paulo, 4%). Chegar a 40%,
e da tecnologia, para assegurar nossa inser- portanto, traduziria um salto gigantesco, 2) Financiamento
ção no mundo capitalista globa-
lizado permanentemente como O Andes também lembra que um
nação periférica, exportadora de
Ricardo Borges (Andes)

requisito indispensável para o êxito


recursos naturais, produtos agrí- de qualquer agenda ou plano de edu-
colas e mão-de-obra barata, e cação no país passa pela derrubada
eternamente dependente da dos vetos em vigor sobre o Plano
importação de tecnologia. Nessa Nacional de Educação-PNE (Lei n°
ótica, avalia o Sindicato Nacio- 10.172/2001). O PNE previa a apli-
nal, as universidades devem se cação de recursos financeiros equiva-
associar às empresas e aos seto- lentes a 7% do PIB para a educação
res empresariais, e os docentes pública em todos os níveis de ensino
devem ser meros empreendedo- (graduação, pós-graduação, pesquisa
res, configurando a mercantiliza- e extensão), mas isso foi vetado por
ção do conhecimento. “Como FHC. “Esse seria o passo inicial vi-
os países periféricos e semiperi- sando a alcançar a meta do PNE:
féricos são capitalistas depen- que seria muito bem-vindo, não fosse a Proposta da Sociedade Brasileira, de 10%
dentes e marcados pela heteronomia cultu- preocupação com os formatos que isso do PIB até o final da década”, diz o Sindi-
ral, a venda de serviços afasta a universida- pode assumir: ensino à distância, centros cato Nacional. Tendo por referência os
de do rigor teórico e da vigilância epistemo- universitários estaduais/municipais com valores de 2004, 7% do PIB correspondem
lógica e, sobretudo, dos grandes problemas cobrança de mensalidades, inchaço das a, aproximadamente, R$ 128 bilhões.
nacionais”, prossegue a análise. atuais universidades públicas sem a devida Atualmente, os recursos da União vin-
O anteprojeto da Lei de Educa- contrapartida de recursos... culados à educação referem-se a 18% dos
ção Superior é o terceiro documento Nas instituições públicas federais, a
elaborado pelo MEC: o primeiro deles
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impostos, que, por sua vez, corres- A expansão de Lula e


pondem a apenas 44% das receitas da
União. Além disso, do total de impos-
a realidade dos núme-
tos arrecadados pela União, 20% fi- ros
cam retidos a título da Desvinculação

Ricardo Borges (Andes)


das Receitas da União (DRU), prejudi- A intenção do governo Lula, de
cando diretamente a educação pública. acordo com o anteprojeto de Lei
sobre a Reforma do Ensino An-
3) Critérios de mercado terior, apresentado pelo MEC, é
chegar a 40% até 2011. Segundo
No anteprojeto apresentado pelo
estudos elaborados pelo profes-
MEC, aparece a obrigatoriedade, para
todas as instituições de ensino superi-
sor Otaviano Helene, da USP e ex-
or, de apresentação de um Plano de presidente do INEP em 2003, seri-
Desenvolvimento Institucional (PDI) am necessários R$ 27 bilhões para
de cinco em cinco anos. O PDI deve- chegar a esse índice, valores muito su-
rá trazer os seguintes tópicos: as pers- periores aos recursos atualmente desti-
pectivas de evolução; o projeto peda- nados ao ensino superior público do país.
gógico; o projeto de desenvolvimento E aí entra o “jeitinho” palaciano: a saída
regional e local, conforme o artigo 3º encontrada é utilizar nesta conta as vagas
da lei do Sistema Nacional de Avalia- de da quebra da isonomia salarial en- criadas pelo ProUni (considerando-as
ção da Educação Superior (Sinaes); os tre os docentes e entre os técnico-
como “públicas-não estatais”), os cursos
instrumentos de integração com a administrativos. No inciso VI, legali-
sociedade em geral, em especial com za-se a complementação salarial por
rápidos de dois anos e o ensino à distân-
as populações de seu entorno ou área meio da remuneração adicional pela cia.
de influência. realização de atividades especiais (ou Segundo cálculos do próprio gover-
Uma das possíveis implicações seja, por meio dos convênios e contra- no, seria necessário contratar 25.785 profes-
do PDI é a diferenciação no financia- tos com empresas privadas). “Os mais sores até 2007 na rede federal de ensino supe-
mento das instituições públicas. O produtivos, que captarem mais recur- rior. Até o momento, o MEC anunciou a con-
anteprojeto prevê a existência de uma sos no mercado, receberão remunera- tratação de apenas seis mil professores até
verba destacada exclusivamente para ção extra por meio de complementa- 2006.
projetos de qualidade e de expansão ção salarial por atividade/tarefa”, criti-
da universidade pública. “A partir da ca a professora Vera Lúcia Jacob Cha-
aprovação da proposta, teremos um ves, da Universidade Federal do Pará. Como é o
pouco mais de recursos, separando
aqueles de repasse automático e uma 5) Uma pincelada financiamento atual
parte para a apresentação de planos de autonomia
de extensão e de qualidade”, explicou Atualmente, a educação recebe da
o ministro Tarso Genro (Folha de S. O anteprojeto do MEC procura União recursos equivalentes a 18% dos im-
Paulo, 31/3/2005). Como a definição estabelecer a regulamentação do artigo postos arrecadados (que correspondem a
do que seria “qualidade” estaria a 207 da Constituição de 1988, que garante apenas 44% das suas receitas totais). Da
cargo do próprio MEC, a partir da às universidades públicas o gozo de auto- receita de impostos, 20% já ficam retidos
avaliação do PDI, fica no ar a des- nomia quanto aos fins (didático-científi-
antes do repasse, a título de Desvincula-
confiança de que ganharão “incenti- ca) e quanto aos meios (administrativa e
de gestão financeira e patrimonial), asse-
ção das Receitas da União (DRU), uma ma-
vos” os projetos mais afinados com
os interesses do mercado e das gran- gurando, entretanto, essa prerrogativa às racutaia criada pelo governo FHC e man-
des empresas. instituições que praticam a indissociabili- tida por Lula, que significou um confisco
O anteprojeto também apon- dade entre ensino, pesquisa e extensão. global de R$ 29 bilhões em 2004.
ta a possibilidade de extinguir cargo e “Todo o anteprojeto é marcado pela Do total que vai para a educação, 75%
demitir de acordo com a capacidade implementação da autonomia neoliberal ficam para o ensino superior.
do orçamento da instituição. por meio de uma hiper-concentração de O Plano Nacional da Educação
poder nos órgãos do governo e da libera- (PNE), votado pelo Congresso em 2001, pre-
4) Quebra da ção para que as IES possam gerar recur- via a aplicação de 7% do PIB em educação
sos financeiros captados no mercado, pública em todos os níveis, mas este tópico foi
isonomia salarial vetado por FHC. Embora tenha se compro-
desobrigando o Estado do financiamen-
Além de diferenciar uma to do ensino superior pú- metido, durante a campanha eleitoral, a derru-
instituição pública da outra, a propos- bar estes vetos, Lula nada fez até o momento.
ta do MEC também cria a possibilida- Atualmente, o governo aplica 4% do PIB.
Adunesp Informa Especial Página 5

gestão democrática implica que os mecanis-


mos de decisão, controle e gestão devam 7) Assistência estudantil
ser estruturados de tal forma que permitam
blico”, avalia a professora Vera. Para ela, são Ao mesmo tempo em que fala de
a participação colegiada, paritária, dos três
artigos desnecessários, pois legislam sobre a inclusão social – propondo a instituição de
segmentos na definição da política instituci-
Constituição, sendo, portanto, inconstitucio- cotas para alunos da escola pública, afrodes-
onal, o que deverá ser feito de forma trans-
nais. “Para a efetivação da autonomia, basta a cendentes e indígenas – o anteprojeto do
parente. “A descentralização das ações e a
remoção de todos os entulhos autoritários MEC omite-se num ponto decisivo: a assis-
prestação de contas públicas deverão ser
que impedem que seja exercida em sua pleni- tência estudantil. “Uma agenda democrática
princípios inerentes aos gestores, de todos
tude”, diz ela, enumerando a própria LDB tem de partir do princípio de que o acesso e
os níveis, que têm um compromisso com a
(Lei 9.394/96) em diversos dispositivos, a a permanência são direitos inalienáveis e
comunidade interna e com a sociedade em
Lei 9.192/95, que regulamenta as fundações dever do Estado”, assinala o Andes.
geral”, diz ela.
privadas e a Lei do Sinaes. A única referência do anteprojeto ao
No tópico em que trata dos estatutos das assunto está no artigo 52, que autoriza a realiza-
universidades públicas, o anteprojeto do MEC
6) Os centros universitários ção de um concurso anual especial das loterias,
omite-se quanto à sua elaboração de forma cuja renda seria destinada à assistência a estudan-
Os centros universitários são um
democrática pela comunidade universitária, a tes de baixa renda. “O padrão de financiamento
capítulo à parte no anteprojeto do MEC.
partir de congressos estatuintes e paritários, atual é mantido e a loteria apresenta-se como
Criados por decreto durante o governo
como defende o Andes e o PNE: Proposta da paliativo para preencher lacunas orçamentárias.
FHC, eles agora poderão ser legalizados.
Sociedade Brasileira. Por outro lado, o estatuto Precisamos de recursos orçamentários do Te-
“Serão destinados à oferta de ensino e pro-
estará submetido ao crivo do Conselho Nacio- souro para fazer frente às demandas dos estu-
gramas institucionais de extensão, para que
nal de Educação (CNE) e ao poder de veto do dantes por bons alojamentos, bons restaurantes
possam criar mais cursos pagos, não sendo
ministro da Educação (no caso das federais). universitários, boas bibliotecas, assistência médi-
exigido o desenvolvimento de pesquisa”,
No caso das particulares, o documento do ca, hospitalar, bolsas de estudos, entre outras”,
comenta a professora Vera (leia mais sobre os
MEC apenas menciona a necessidade de regis- arremata a professora Vera.
centros universitários na pág. 7).
tro em órgãos “pertinentes”.
A gestão democrática é limitada à
blica
O futuro da universidade pú
organização colegiada da universidade, o
que não garante a plena participação da
comunidade nas decisões, na implementa- depende de nossa luta!
ria do
Não à Reforma Universitá
ção das ações, no acompanhamento e na
avaliação de todo o processo que se passa
no interior da instituição. A professora Vera governo Lula!!
lembra que, para o movimento docente, a

Reforma fatiada
Ricardo Borges (Andes)

Medidas como ProUni, PPP’s, regulamentação


das Fundações de Apoio, Sinaes e Inovação
Tecnológica já estão em vigor

de 13/1/2005, e garante um socorro finan-


ceiro às instituições particulares. Em troca
de uma ampla isenção fiscal (estimada em
cerca de R$ 2,5 bilhões por ano), elas terão
que conceder uma contrapartida em bolsas
Enquanto elaborava o de estudo. A princípio, o governo falou em
anteprojeto (que deve seguir ao Con- 1) ProUni, o filantrópico 20% das vagas (400 mil bolsas integrais),
gresso Nacional após os devidos “ajus- reduzindo essa meta, posteriormente, para
tes”, como aqueles sugeridos pelo setor remédio para as privadas 10%. No Congresso, a base governista fe-
privado) e falava de “debate democráti- chou um acordo
co”, o governo tratou de transformar em O Programa Universidade para
leis medidas importantes. São elas: Todos (ProUni) foi criado pela Lei 11.096,
Página 6 Adunesp Informa Especial

cam por conta da Comissão Nacional de


Avaliação da Educação Superior (Conaes),
cuja composição está longe de ser democrá- Andes defende
tica: INEP (1), Capes (1), MEC (3), mais 5
com os empresários e derrubou o índice
membros indicados pelo ministro da Edu- estatização
para 4,25% (120 mil bolsas).
O Andes estima que, com esses
cação, representante dos docentes (1), dos
técnicos-administrativos (1) e dos estudan-
progressiva
recursos, teríamos ensino noturno em todas
tes (1).
as universidades federais, criando, de imedi- Na contramão da onda priva-
A bandeira histórica do movimen-
ato, 400 mil novas vagas. Em três ou quatro tista que permeia a Reforma Uni-
to docente é que a avaliação do ensino su-
anos, poderíamos chegar a um milhão de
perior seja participativa, emancipatória e versitária do governo Lula, o Sindi-
novas matrículas reais, sem o embuste pre-
visto no ProUni, que permite que as vagas
democrática. É claro que, com tanta con- cato Nacional dos Docentes do
centração de poder no Sinaes/Conaes, isto Ensino Superior (Andes) defende a
fornecidas sejam nos famigerados cursos
está longe de acontecer. Na verdade, vale progressiva estatização das institui-
seqüenciais.
aqui a lógica neoliberal para a educação: ao ções privadas, como forma, entre
mesmo tempo em que se desresponsabili- outras, de ampliar as vagas no ensi-
2) As PPP’s na educação zam com a educação superior pública, os
no superior, na via da universaliza-
últimos governos brasileiros vêm concen-
Criadas pela Lei 11.079, de 30/12/ trando sua atuação na avaliação das institui- ção da oferta nesse nível de ensino.
2004, as Parcerias Público-Privadas (PPP’s) ções de ensino. A proposta consta no documento
são novas modalidades de investimentos. “Agenda para a Educação Superior: uma
As PPP’s estabelecem normas a serem se- proposta do Andes-SN para o Brasil de
guidas nos investimentos feitos em parceria 4) Fundações privadas, o ca- hoje” e sugere a sustação de todos
entre o poder público (União, estados e minho da mercantilização os mecanismos de canalização das
municípios) e a iniciativa privada. Na con-
cessão patrocinada, há o ressarcimento de O Decreto Federal 5.205/04, edita- verbas públicas para o setor priva-
possíveis prejuízos do setor privado, em do pelo MEC e MCT, regulamentou a lei do (como o ProUni), o congelamen-
parcelas pagas pelo governo periodicamen- 8.958/94, que trata das relações entre as to, com vistas à redução das mensa-
te ao longo do contrato, além da tarifa que instituições federais de ensino superior e as lidades, o respeito à liberdade de
poderá ser cobrada dos usuários dos servi- fundações. Ou seja, as chamadas fundações organização e atuação sindicais, a
ços. Inicialmente deixada de fora das PPP’s, de “apoio” passam a ser legalizadas, poden- implantação da carreira docente no
a educação encontrou sua via de acesso a do ocupar papel de destaque na captação de curso da qual se garanta a elevação
elas por meio do ProUni. recursos junto à iniciativa privada e isentan- progressiva dos salários e a adoção
do ainda mais o Estado de financiar o ensino do contrato por regime de trabalho
3) A criação do Sinaes superior público.
em substituição à contratação por
hora/aula.
O sistema de avaliação criado pelo 5) Lei de Inovação
governo Lula pouco difere do anterior. Em
vez do Exame Nacional de Cursos (Provão)
Tecnológica
de FHC, entra em cena o Exame Nacional empreendedora. Como nem todas as áreas
A Lei de Incentivos à Inovação Científi- interessam ao mercado, na prática, isso levaria
de Desempenho dos Estudantes/Enade de ca e Tecnológica, aprovada em 11/11/2004,
Lula. O Enade – que reproduz o caráter à quebra da isonomia salarial no interior da
permite que as universidades possam captar universidade.
ranqueador, produtivista e punitivo do Pro- recursos no mercado, oferecendo em troca
vão – é parte do Sistema Nacional de Ava- De acordo com seus interesses, as
serviços de inovação tecnológica. O docente empresas definiriam o que será desenvolvi-
liação da Educação Superior (Sinaes), cria- passa a ser visto como “empreendedor”,
do em abril de 2004, por meio da Lei do pela universidade pública, em termos de
sendo remunerado conforme sua capacidade serviços, produtos etc.
10.861.
O Sinaes é composto do seguinte Em resumo, trata-se de um conjunto de
tripé: avaliação interna e externa das insti- regras que subordinam a produção do co-
tuições de ensino superior; dos cursos de nhecimento às demandas operacionais do
graduação e do desempenho acadêmico dos capital. Para o Andes, trata-se de uma “rua
estudantes (através do Enade). O planeja- de mão única”: beneficia a empresa e o em-
mento e a operacionalização das ações fi- preendedor, mas não a sociedade e a univer-
sidade.

Pela revogação
imediata das medidas
já aprovadas!
Adunesp Informa Especial Página 7

As aparências enganam

Setor privado é contra...

Ricardo Borges (Andes)


pero no mucho!
Governo procura utilizar as críticas dos
empresários da educação para forçar um
consenso a favor da Reforma

Às vezes, é preciso ler além das intervenção no processo de gestão, especial- instituições que oferecem esse “bem públi-
letras para entender o significado de algumas mente no setor privado”. O texto cita como co, independente de serem públicas ou
palavras. No caso da Reforma Universitária, exemplo a criação de conselhos sociais e a privadas. Este ponto dá margem não só ao
não é diferente. Os empresários da educação obrigatoriedade de eleições diretas para ProUni, mas também à possibilidade de
têm se esforçado para emplacar na grande membros da reitoria. conversão de filantrópicas em empresariais,
imprensa argumentos contrários à Reforma, Não se trata de negar que haja permitindo a transferência de patrimônio
às vezes de forma bem contundente. Em sua críticas por parte das entidades empresariais. sem pagamento de impostos e contribui-
análise do anteprojeto do MEC, o Fórum da Ocorre que elas não são determinantes nesta ções. Em seu artigo, Leher cita como exem-
Livre Iniciativa da Educação, que reúne 25 discussão. No essencial, há acordo com o plo o caso do reitor e proprietário da Uni-
entidades do setor particular, denuncia que o governo, como é o caso do ProUni, da Ino- versidade de Marília (Unimar), Márcio Mes-
“objetivo latente é promover uma maior vação Tecnológica, do Sinaes, entre outros. quita Serva, recentemente condenado pela
No entanto, os empresários consideram que 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo a 10
tais medidas são insuficientes e pleiteiam anos de prisão e multa por crime de sone-
mais vantagens e desregulamentação. gação fiscal (ele pode apelar em liberdade).
Um mercado de Nesse sentido, a força do empre- Em nome da instituição, que era filantrópi-
sariado não é qualquer coisa. O exemplo ca na época, Serva e família utilizaram a
R$ 16 bilhões do ProUni é bastante revelador. A princí- imunidade tributária para aumentar o patri-
pio, o governo sinalizou que exigiria 20% mônio pessoal, desviando recursos para a
A pressão dos empresários da das vagas em troca da isenção completa de compra de prédios de apartamentos e até
educação superior tem razões muito pal- tributos (algo em torno de R$ 2,5 bilhões um avião (Folha de S. Paulo, 2/4/2005). Se a
páveis. No ano passado, as universida- por ano). Os donos de faculdades chiaram, Reforma for aprovada como pretende o
des privadas movimentaram cerca de R$ fizeram lobby no Congresso Nacional e governo, esse crime deixaria de existir.
16 bilhões. Segundo a Organização para conseguiram uma significativa redução. As
Cooperação e Desenvolvimento Econô- 400 mil bolsas anunciadas pelo MEC redu- Centros Universitários
mico (OCDE), o Brasil está entre os cin- ziram-se, com isso, a cerca de 100 mil. Outra concordância dos empresári-
co países em que a educação superior é Detalhe: a redução foi aprovada por “acor- os é em relação à institucionalização dos
mais privatizada (Gazeta Mercantil, 21/3/ do” entre todos os partidos. Centros Universitários. Esta modalidade, que
2005). Aqui, vale a conclusão tirada por não está prevista na LDB, foi criada pelo
De acordo com o Censo da Roberto Leher, docente da UFRJ e ex- Decreto 2.306/97, ainda no governo FHC, e
Educação, 88% de todas as escolas su- presidente do Andes: “Os empresários da recebeu muitas críticas. Os Centros Universi-
periores do país são privadas. Elas ofe- educação criticam o anteprojeto. Os em- tários têm prerrogativas de universidades
recem 72% de todas as vagas, contra 28% presários são contra o controle estatal. (criar cursos, por exemplo), mas estão libera-
das universidades públicas. De 1975 a Logo, o governo irá liberalizar e desregu- dos de fazer pesquisa e extensão.
2003, o número de matrículas cresceu lamentar ainda mais o setor” (in “O setor De acordo com o anteprojeto, para
282% nas escolas privadas, enquanto nas privado critica o anteprojeto, logo o ante- uma instituição ser considerada universidade,
públicas esse acréscimo ficou em apenas projeto é bom. Um mau silogismo para precisa oferecer 12 cursos de graduação em
53%. defender a contra-reforma”). três campos do saber, três mestrados e um
Toda essa expansão privada doutorado. As universidades “especializadas”
não significa, no entanto, que o Brasil Bem público (vale lembrar que a maioria delas é especializa-
esteja entre os países com maior núme- Em sua análise, o Fórum Nacional da na área de Humanas) precisam ter apenas
ro de universitários. Ao contrário. São da Livre Iniciativa em Educação destaca os oito cursos de graduação e um mestrado ou
cerca de 3,5 milhões de alunos matricu- pontos do anteprojeto com os quais con- doutorado. Para os Centros Universitários, a
lados em cursos superiores, o que re- corda. A tese de que a educação é um “bem exigência é de seis cursos de graduação em
presenta apenas 1,9% da população. Na público” é uma delas. Ou seja, as verbas
Argentina, esse índice é de 4,6% da po- estatais podem ser distribuídas a todas as
pulação.
Página 8 Adunesp Informa Especial

anteprojeto de Reforma Univer-


sitária do MEC.
“Bird quer mais cursos
dois campos do saber (se forem O “consenso” universitários curtos”
“especializados”, a exigência cai do MEC
para quatro cursos em um único Ao mesmo tempo
campo do saber). em que busca o apoio das
entidades ligadas aos traba-
Capital estrangeiro lhadores e aos estudantes, o
Uma das críticas freqüen- governo deixa claro que ten-
tes dos empresários diz respeito à tará viabilizar um acordo
presença de investimentos estran- ainda mais flexível com o
geiros na educação. Longe de signi- empresariado. “Estamos em
ficar uma interferência, a inclusão busca de um consenso” disse
deste tópico no anteprojeto da o ministro Tarso Genro, em
Reforma Universitária atende a reunião com os empresários
uma antiga reivindicação do em- da educação na Confederação

Ricardo Borges (Andes)


presariado da educação. O que está Nacional da Indústria/CNI
em debate é apenas o índice (fixa- (Valor Econômico, 1º/3/2005).
do, a princípio, em 30%). “As medidas empre-
Suscetível às pressões, o endidas pelo governo e as
MEC admite – com todas as previstas pelo anteprojeto
letras – alterar este limite. “O definem um grande marco
valor, de 30%, 40% ou 50%, não normativo que fortalece o
é o essencial. O que é fundamen- setor privado por meio de
tal é existirem regras para contro- isenções fiscais, pelo aprofun-
lar o setor”, afirmou Ronaldo damento da diferenciação das Com esta manchete, o jornal carioca Tribuna da
Mota, secretário-executivo do IES, pelo baixo perfil para a clas- Imprensa (22/3/2005) expôs a opinião de um dos mais
Conselho Nacional de Educação sificação das instituições como importantes organismos do grande capital – o Banco In-
(O Estado de S. Paulo, 2/3/2005). universidades e centros universi- ternacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento/
Mota lembra, ainda, que o teto de tários e pela abertura do mercado Bird, que integra o Banco Mundial. Citando a opinião de
30% de participação estrangeira é ao investimento estrangeiro”, Cláudio de Moura e Castro, ex-diretor da área de políti-
determinado apenas para as em- conclui Roberto Leher. Para ele, cas educacionais do Banco Mundial, a matéria defende a
presas com fins lucrativos. “Os a oportunidade de uma “refor- expansão dos cursos universitários de curta duração, de
outros setores podem formar ma” da educação superior é vista dois ou três anos, como sendo um dos caminhos para
parcerias sem restrição”, diz. pelos empresários como uma ampliar o acesso dos jovens à universidade.
Este é um ponto impor- preciosa oportunidade de melho- De acordo com Castro, que é presidente do gru-
tante da Reforma Universitária, que rar as condições para os negócios po consultivo do grupo Pitágoras, alunos de baixa ren-
atende diretamente ao capital inter- educacionais, liberalizando e da, sem condições de arcar com os custos de um curso
nacional, ávido por viabilizar novos flexibilizando ainda mais o setor. tradicional, poderiam se formar em menos tempo. “O
mecanismos de lucros em países Ele frisa, ainda, que muitas rei- aluno mais pobre consegue se endividar por dois anos,
como o Brasil, e aos seus eventuais vindicações são específicas de mas por quatro é muito mais difícil”, argumentou. Ele
sócios na burguesia nacional. Um setores (universidades empresari- lembra que vários países já adotam tais cursos em larga
destes sócios, aliás, está bem próxi- ais, confessionais etc.) e não escala, como é o caso da Argentina, Venezuela e Chile,
mo do MEC. Trata-se do ministro atendem a todo o setor privado. onde os cursos mais curtos atraem um terço das matrí-
do Turismo do governo Lula, Wal- Leher considera que os culas nas universidades, em áreas como manutenção de
frido Mares Guia, proprietário do conflitos entre essas frações são equipamentos e secretariado. No Brasil, para desalento
grupo Pitágoras, em sociedade agudos e o fato de todas as enti- do Banco Mundial, os números ainda são modestos: cer-
(meio a meio) com o grupo ameri- dades empresariais terem acorda- ca de 10% dos quase quatro milhões de universitários
cano Apollo (dono de universida- do um documento unitário, por fazem estes cursos.
des importantes nos EUA, como a meio do Fórum Nacional da Livre A expectativa do Banco Mundial, segundo Cas-
de Phoenix, no Arizona). Iniciativa em Educação, não auto- tro, é que o anteprojeto da Reforma Universitária dê mais
riza a avaliação de que a competi- atenção ao assunto, estimulando o crescimento dos cursos
ção entre elas será atenuada. rápidos. Em outras palavras: é preciso abrir uma brecha para
Mensalidades em alta “Não é preciso fazer escoar o descontentamento da população com a elitização
Um dos principais pro-
futurologia para saber que as frá- do acesso ao ensino superior. Como? Oferecendo, para a
blemas para os estudantes das
geis regulamentações das condi- maioria, ensino aligeirado e dirigido aos postos de “segunda
universidades privadas são as
ções de funcionamento do setor linha” no mercado de trabalho; para a minoria, cursos tradi-
altas mensalidades cobradas e a
privado serão derrubadas, muito cionais e voltados para áreas mais “nobres”. E mais: é pre-
falta de controle do governo.
provavelmente já na Casa Civil”, ciso facilitar o caminho para a iniciativa privada, que vê nos
Esse ponto sequer é citado no
finaliza. cursos rápidos uma via mais lucrativa do que a graduação
tradicional.
Adunesp Informa Especial Página 9

Onde os empresários
querem “avançar”

Ricardo Borges (Andes)


A grita dos empresários tem um rumo
certo: forçar o governo a negociar os pontos em
que se consideram prejudicados. Como mostra o
exemplo do ProUni (diminuição drástica do total de
bolsas concedidas em troca de isenção fiscal), não é
difícil que consigam. Os principais pontos são:

1) Processo de gestão democrática 3) Educação à distância


.O que prevê o anteprojeto .O que prevê o anteprojeto
- Eleição direta pela comunidade para a escolha de um pró- O governo diz estar aberto às sugestões da iniciativa privada.
reitor com critérios elaborados pelo Conselho Superior, em
geral constituído pela direção da instituição. . O que querem os empresários
- Criação de Conselho Comunitário Social, de caráter consulti- Eles reclamam maior apoio à educação à distância e uma
vo. “gestão articulada entre o ensino presencial e o não-presenci-
al, educação continuada e à distância, certificações intermedi-
. O que querem os empresários árias e finais, registro de certificações e fiscalização das pro-
- Eles dizem que isso fere a Constituição (art. 209, I e II), fissões etc”. Para eles, “qualquer reforma que se preze deve
que diz ser o ensino livre à iniciativa privada, desde que ob- investir na direção do futuro em termos de formação, educa-
servadas as normas gerais da educação nacional, a autoriza- ção continuada e à distância, inovações didáticas e metodoló-
ção e a avaliação de qualidade pelo poder público. gicas e diminuição de controles em favor de avaliações de
- Eles criticam o Conselho, alegando que “torna possível a aprendizagem.”
substituição do mérito acadêmico e da competência adminis-
trativa por ações de cunho sindical, corporativista ou vincu-
ladas a forças estranhas ao meio acadêmico”.
4) Capital estrangeiro
.O que prevê o anteprojeto
Limita a 30% a participação do capital estrangeiro em institui-
2) Avaliação ções com fins lucrativos.
.O que prevê o anteprojeto
Cria o Sinaes e o Enade (veja detalhes na página 6). . O que querem os empresários
Ampliar este limite.
. O que querem os empresários
Eles questionam o que vem a ser “padrão de qualidade” para
fins de avaliação, pois seus indicadores e/ou valores não são 5) Pesquisa
definidos. Eles defendem que o credenciamento e a classifi- . O que querem os empresários
cação não podem adotar, ainda, o Sinaes e o Enade. Tam- Reivindicam maior apoio do fundo público para o financia-
bém pedem a revisão do papel institucional do MEC, com a mento da pesquisa, para favorecer a interação entre a pesquisa
criação de uma agência reguladora independente, especializa- universitária e as empresas públicas e privadas e, também, para
da em avaliação e certificação de qualidade de cursos e insti- o apoio à qualificação dos docentes das privadas, por meio de
tuições. Ou seja, querem levar ainda mais longe a descentra- bolsas. Para isso, pedem mudanças no sistema de avaliação da
lização da avaliação e do credenciamento já prevista no pós-graduação realizado pela CAPES (credenciamento e con-
anteprojeto. ceitos).
Página 10 Adunesp Informa Especial

A reforma em São Paulo

Primeiros passos da
foram dados na Unesp
A exemplo do que ocorreu na
Manifestação
Reforma Previdenciária, tudo indica que o durante a greve
governo Alckmin pretende sair na frente do de 2004
governo federal na Universitária. Por inicia-
tiva da Secretaria de Ciência e Tecnologia,
cinco grupos de trabalho já estão atuando Os frutos da irresponsabilidade e da cotas para oriundos de escolas públicas,
desde janeiro/2005, com o objetivo de submissão da administração da nossa Univer- afrodescendentes e indígenas. Trata-se do
propor uma considerável expansão no ensi- sidade aos interesses eleitorais do PSDB hoje PL 530, proposto por deputados do PT, PC
no superior público paulista. O Plano Dire- são indiscutíveis, como bem o provam as do B, PP, PL, PSB e PPS. Pelo projeto, 50%
tor, como vem sendo chamado, deve ser greves estudantis que sacodem a instituição do total de vagas da USP, Unesp e Unicamp
submetido ao governador até 1º/6/2005. neste início de 2005 (veja na página seguinte). ficariam destinadas aos estudantes proveni-
Se valer a experiência recente da Unesp e Antes da criação das UD’s e dos entes da rede pública de ensino. Destas,
do Centro Paula Souza, é de se prever que novos cursos, a comunidade universitária já 30% ficariam com estudantes auto-declara-
tal expansão não virá acompanhada dos havia sido surpreendida com a assinatura do dos afrodescendentes.
recursos necessários. convênio PEC-Formação Universitária com a Assim como o projeto do governo
Na realidade, o governo Alckmin Secretaria de Estado da Educação, que levou federal, o paulista omite-se no essencial: não
não opõe discordância à reforma pretendida à criação de cursos virtuais para a formação prevê aumento de vagas com o devido aumento
por Lula, mas não quer simplesmente repetir de professores do ensino fundamental. Poste- de recursos, mas apenas a reserva de parte do
em nível estadual as medidas que venham a riormente, viria o Pedagogia Cidadã, curso em que já existe. Outro problema decisivo: nada se
ser aprovadas futuramente. A intenção é dei- vigor em dezenas de cidades do estado, em ventila sobre assistência estudantil, ou seja, me-
xar uma marca própria, ainda que copiando o muitos casos sendo cobrado dos alunos. Am- canismos de manter na universidade esses estu-
essencial, de forma a angariar dividendos bos os programas – PEC-Formação Univer- dantes (moradia, alimentação, transporte etc).
eleitorais. Alckmin, aliás, acumula boa experi- sitária e Pedagogia Cidadã – colocaram a
ência nisso, como ficou claro nas eleições a Unesp na vanguarda de um novo modelo de Fundações
governador de 2002 (quando usou a expansão educação no país, aligeirada, majoritariamente Também tramita na Assembléia
nas ETE’s e FATEC’s) e as municipais de à distância e de duvidosa qualidade. Legislativa de São Paulo um projeto que visa a
2004 (quando usou a expansão na Unesp). legalização dos cursos pagos nas universida-
Cotas em SP des públicas de SP, autoriza a participação de
Unesp foi balão de ensaio Nos mesmos padrões do projeto servidores estaduais nas fundações, permite às
A expansão de vagas e cursos na que tramita no Congresso Nacional, tam- fundações o uso dos bens materiais e imateri-
Unesp, iniciada em 2002, antecipou em São bém está em discussão, na Assembléia Le- ais das universidades públicas, além de elimi-
Paulo os princípios da Reforma Universitá- gislativa de SP, uma proposta de criação de nar os repasses financeiros destas fundações
ria do governo Lula. Sem garantia de recur- às universidades às quais se vinculam.
sos, foram criadas oito Unidades Dife-
renciadas (UD’s) na Universidade e di-
versos cursos novos em campi já existen- A Adunesp
tes. O relatório apresentado pela Comis- acompanhou e
são de Averiguação sobre as finanças da denunciou as
Universidade (criada pelo CO), mostrou mazelas da
expansão na
um dado alarmante: embora o número Unesp. Ao lado,
de alunos formados na graduação tenha duas das publica-
aumentado 76,3%, comparando-se o ano ções sobre o
de 2003 a 1992, por exemplo, temos uma assunto: à esquer-
da, sobre os
queda de 8,7% no total de docentes da programas de
instituição. O número de docentes em formação aligeirada
regime de dedicação exclusiva (RDIDP), de professores (fev/
requisito essencial para a manutenção do 2002); à direita, o
início da expansão
tripé ensino/pesquisa/expansão, caiu durante a gestão
16,3% neste mesmo período. Os regimes Trindade (ago/
parciais (RTC e RTP), ao contrário, cres- 2002)
ceram 80,7% entre 2001 e 2003.
Adunesp Informa Especial Página 11

A reforma em São Paulo

Estudantes da Unesp reagem


nas UD’s e nos campi
Os problemas da Unesp, particu-
larmente nas Unidades Diferenciadas (UD’s)
– que convivem com a falta de professores e
de infra-estrutura decente para os cursos,
além da insuficiente assistência estudantil –
levaram a uma grande mobilização neste iní-
cio de 2005, com atos públicos, ocupações e
paralisações. Trecho da carta
Em mar- distribuída pelos
ço, houve várias parali-
sações em UD’s e cur- salas de projeção de vídeo estudantes em Franca
sos novos, contra a estão sendo usadas como
falta de professores, de salas de aula”, relata Rafael (...) “Entendemos que os pro-
assistência estudantil, Del’Omo, da Coordenação blemas encontrados em Franca não são
infra-estrutura etc. A de Mobilização do DCE, específicos do campus, mas sim cor-
mobilização culminou lembrando que também é respondem a uma política consciente
com um grande ato em grave a falta de professores. por parte dos governos estadual e fe-
Marília, que contou com Os estudantes de deral que, cada vez mais, colocam em
a presença de alunos de Prudente fizeram uma ma- xeque a própria existência do ensino
Assis, Rosana, Ourinhos nifestação com, aproxima- público. Por isso, o 7/04 foi organiza-
etc. damente, 100 pessoas. Em do como um grande dia de mobiliza-
No Conse- Araraquara, o campus foi ção geral em todos os campi da Unesp
lho de Entidades Estu- ocupado pelos alunos, que espalhados pelo estado de São Paulo, a
dantis da Unesp/Fatec, reivindicam a construção fim de demonstrar a situação encontra-
realizado em março, 7 de quatro blocos de mora- da nas universidades e dar os primeiros
de abril ficou definido dia, a volta do xerox públi- passos para uma luta conjunta e orga-
como Dia de Luta pela co e contra o Banespa/ nizada por uma universidade pública e
Assistência Estudantil e Santander (que patrocinou gratuita, que atenda à maioria esmaga-
Contra a Reforma Uni- a implantação de uma ca- dora da população, que hoje não se en-
versitária. “Foi um dia traca no Restaurante Uni- contra na universidade.
histórico em Franca”, versitário). Em Rio Claro, Luta que é, em parte, conti-
avalia Joyce Akemy, também houve paralisação, nuidade da greve que varreu as uni-
coordenadora de Assis- debates e encenações tea- versidades públicas do estado de São
tência Estudantil do trais sobre a crise na Paulo e algumas federais no ano de
DCE Helenira Rezende. Unesp. Os estudantes de
2004. As greves e mobilizações, que
Ela conta que os por- Assis tomaram iniciativa
semelhante e também para-
se iniciaram pelas precárias condi-
tões do campus foram
lisaram as aulas. Em Rio ções de ensino, tiveram que se en-
trancados e, à tarde, Estudantes tiveram
houve um debate sobre participação ativa na greve de Preto, os alunos entregaram frentar diretamente contra o gover-
modelos de universida- 2004 uma pauta de reivindica- no e a implementação paulatina de
de. O dia terminou com uma passeata ções ao reitor Marcos Macari, que passou sua Reforma Universitária. O pro-
pelas ruas centrais da cidade, com a pre- pelo campus. jeto, que hoje o governo Lula apre-
sença de cerca de 300 pessoas. As UD’s também foram à luta no senta com orgulho, já vem se pro-
Em Bauru, uma grande passea- dia 7. Em Rosana, houve paralisação, com vando na prática através de cortes
ta atraiu estudantes de outras instituições e debate sobre as reivindicações e panelaço na de verbas, arrocho salarial de pro-
juntou perto de seis mil pessoas. Em Marí- cidade. Eles pedem a contratação de professo- fessores e funcionários, falta de as-
lia, onde já acontecia uma ocupação do re em RDIDP, verbas para assistência estudan-
sistência estudantil e direcionamen-
pessoal de Biblioteconomia e Arquivolo- til, laboratórios de Língua e Cartografia, refor-
ma estatutária na Unesp (para incluir as UD’s
to da autonomia das universidades
gia, o dia 7 foi marcado por uma ocupação
como campi) e aumento da verba do ICMS para no sentido de buscar recursos atra-
geral e uma assembléia. “O problema da
infra-estrutura aqui é muito grave e até as universidades estaduais paulistas. vés de convênios e parcerias.”
Página 12 Adunesp Informa Especial

As cotas em debate
Para estimular o debate sobre as propostas de cotas na universidade, a Adunesp apresenta, a seguir, duas
entrevistas. Na primeira, o professor Francisco Carlos Vitória, da Universidade Federal de Pelotas, mostra
seus argumentos contrários às cotas. Na segunda, o professor Kabengele Munanga, da USP, explica as ra-
zões que o levam a defendê-las. Ambos os entrevistados tiveram liberdade de espaço para expor suas posi-
ções. Confira a seguir:

Marília foi palco de


mesa-redonda CONTRA
No dia 15/3/2005, o campus
de Marília sediou a mesa-redonda “Po-
líticas de Ações Afirmativas - Cotas na “Mudanças que deixam tudo
Universidade”. A atividade foi uma rea-
lização conjunta da Adunesp com a Fa-
culdade de Filosofia e Ciências de Ma-
como está”
rília e as Comissões Permanentes de
Ensino e Pesquisa do campus. Na pági- Com Francisco Carlos Vitória, professor
na da Adunesp (www.adunesp.org.br), de História do Conjunto Agrotécnico
veja documento produzido a partir do Visconde da Graça - Universidade
debate. Federal de Pelotas.

Adunesp - Quais são as origens da prio movimento negro está fazendo a


reivindicação de ‘cotas para negros e denúncia da situação da população ne-
negras’, tanto no ensino superior gra, que se encontra em um profundo
quanto no mercado de trabalho? processo de desigualdade econômica,
Francisco Carlos Vitória - Setores do tendo de enfrentar o preconceito social e
movimento e intelectuais negros come- a discriminação racial no interior da
çam a reivindicar reservas de vagas para sociedade brasileira.
negros e negras no ensino superior e no Nos anos 80, dado o fim a
mercado de trabalho de maneira mais ditadura militar, nas discussões que se
forte pelo meio da década de 90 do sé- seguiram no chamado processo de rede-
culo passado. Neste momento, está mocratização, os movimentos populares
emergindo o que se pode identificar constroem a consciência do direito de
como “novos movimentos sociais”, que ter direito, que se reflete na Constituição
são basicamente movimentos que bus- de 1988, onde, por exemplo, educação,
cam o atendimento de suas particularida- saúde, entre outros são colocados como
des, abrindo mão da luta unificada inicia- direitos universais, dever do Estado.
da no final da década de 70. Neste momento, o racismo surge como
Como sabemos, os anos 70 crime inafiançável, sujeito a penas que
foram marcados como o período de podem chegar a cinco anos de prisão, o
aprofundamento da repressão do regime que foi uma conquista do movimento
militar, que se instalou no Brasil com o negro.
golpe de 1964, e que manteve sob censu- Os anos 90 trazem ao Brasil
O debate em ra os movimentos populares, sindicais e os ventos da globalização, do neolibera-
Marília da juventude. Estes movimentos retor- lismo como algo inevitável. Os diferen-
nam abertamente à cena política brasilei- tes governos que se sucedem à frente
ra no final da década de 70, buscando, do Estado brasileiro escolhem como
com uma ação unificada, resistir e bata- forma de inserção do Brasil na nova
lhar para derrotar o “regime” e dar como ordem a aplicação do receituário ditado
encerrado o dito “período de exceção”.
Nesta luta geral, as particularidades
constam das diferentes pautas e o pró-
Adunesp Informa Especial Página 13

negros a partir do sistema de cotas irá fazer Apontamos um equívoco na frag-


com que o ensino superior se desqualifique. mentação da luta. Educação deve ser um ins-
Outra argumentação, com a qual me identifi- trumento de emancipação humana. Por isso,
co e me alinho, concorda com o que é dito devemos buscar o resgate do caráter de uni-
sobre a existência de uma divida histórica do versalidade com o qual este direito – a educa-
pelos organismos econômicos internacionais,
Estado brasileiro com a população negra, em ção – foi consagrado na Constituição de
tendo início o ataque ao patrimônio público
função da forma como nossos ancestrais 1988. Seja para o mínimo que aqui colocamos
e aos direitos sociais, a um só tempo buscan-
foram caçados, capturados e, à força, trazi- ou para o máximo que desejamos, acredita-
do privilegiar o capital e desresponsabilizar o
dos para cá, para trabalharem como escravos mos que o fim do vestibular permitirá o aces-
Estado do atendimento da demanda social.
na construção da riqueza da burguesia nativa so a todos os que desejarem cursar o ensino
Neste sentido, os direitos universais acabam
e metropolitana. Mas é aqui que surge a dis- superior. Assim, a possibilidade de alcançar-
por se tornar privilégios que serão estendi-
cordância, entendendo que esta dívida foi mos êxito terá o tamanho exato da articulação
dos a alguns, dentre os muitos grupos excluí-
contraída com o segmento da população que formos capazes de construir com os de-
dos, na forma de políticas focalistas e ou
negra no seu todo; não aceitamos que a repa- mais movimentos populares, aqui incluídos os
compensatórias.
ração se faça na forma de compensação, de da classe.
É neste contexto que, no início dos
anos 2000, ganha intensidade a reivindicação
Adunesp - Nos inúmeros debates que vêm
de reservas de vagas no mercado de trabalho
se realizando sobre o assunto, um aspecto
e, principalmente, no ingresso de negros e “Na busca do específico, levantado é que a política de cotas, na
negras ao ensino superior.
os defensores das cotas realidade, procura colocar na universida-
de aqueles estudantes negros que estavam
Adunesp - Como é o processo de ações têm negligenciado o “quase lá”, ou seja, um estrato minoritário
afirmativas em vigor nos EUA? Quais são
seus resultados? geral. Desta forma, têm do conjunto da juventude negra. Você
concorda com isso?
Vitória – A implantação das cotas raciais, ou permitido que as Vitória - Vamos falar sobre meritocracia. Para
políticas afirmativas, nos Estados Unidos
remonta à década de 60 do século passado. reivindicações dos os conservadores, este é o elemento essencial
para determinar o ingresso do aluno ao ensi-
Precisamos destacar que elas acontecem em movimentos sirvam no superior. Tendo este elemento como norte,
um cenário onde o movimento negro norte-
americano passava por um momento de in- para que o governo apresenta-se aos candidatos uma prova, igual
para todos, e, ao final, aqueles de melhores
tensa mobilização, reivindicando direitos possa atingir seu intento notas terão direito de tornarem concreto o
sociais e humanos. Elas surgem, portanto,
como resposta a isso, como forma de desarti- de direcionar recursos seu projeto de realização de um curso superi-
or. No todo deste processo, não são levadas
cular a mobilização das organizações de ne- públicos ao mercado, em conta as diferenças socioeconômicas e
gros e negras. Lá, as políticas afirmativas
acabaram por atingir uma minoria da popula-
deixando o setor público culturais existente entre os candidatos. Aos
conservadores, qualquer outra forma de in-
ção negra, aos restantes sobraram a criminali- à mercê de possíveis gresso, que seja por cotas, por exemplo, colo-
zação dos movimentos, um volume cada vez
maior de drogas jogadas nos guetos e um
parcerias com empresas ca à universidade o risco de ver cair a qualida-
de do ensino que oferece.
crescimento sem freios da população negra privadas.” Pois bem, em resposta a isso tenho
nas prisões. Nestes mais de 40 anos de im-
lido e escutado o que escrevem e dizem os
plantação das políticas afirmativas, o racismo
defensores da implantação do sistema de
continua fazendo parte das relações étnicas
privilégios que focalizarão alguns em detri- cotas e estes têm defendido a meritocracia,
norte-americanas. Dentre a chamada classe
mento de muitos. aquela mesma tão criticada e apresentada
média, apenas 3% é de origem afro e, nos dias
E mais: não consideramos como elemento de exclusão. Argumentam que
atuais, a reação conservadora de Bush está
possível tornar concreto conceitos como os alunos negros e negras, para ingressarem
discutindo no Congresso o fim desta política.
democracia, igualdade e cidadania em um na universidade, terão também que se subme-
Na prática, tal política já quase não existe, na
contexto onde a nova ordem estabelecida faz ter a uma prova, a mesma dos demais alunos,
medida em que, na maior parte das universi-
com que a desigualdade econômica chegue à e após estarão aptos ao ingresso aqueles de
dades, as cotas estão sendo direcionadas aos
sua radicalidade através da exclusão social. melhores notas.
desportistas. Ou seja, o negro entra não por
Neste sentido, qualquer tipo de política que Não concordo com os conservado-
ser negro, mas por praticar algum tipo de
coloque como proposta a inclusão social só res e, pelo mesmo princípio, não concordo
esporte.
poderá fazê-lo, objetivamente, se a inclusão se com os defensores das reservas de vagas.
der nos limites da desigualdade. Daí, afirma- Reconheço a diferença entre alunos negros e
Adunesp - Sua posição pública tem sido
mos que não basta lutar pelo ingresso do não negros. Estes últimos teoricamente vêm
contrária à implantação das cotas nas
aluno e da aluna no ensino superior; é preciso das melhores escolas, possuem uma situação
universidades. Por que?
que se criem condições para sua permanência; econômica melhor e, por isso, podem ser
Vitória - Como oposição à implantação do
é preciso que se atue sobre os currículos uni- considerados mais preparados para o proces-
sistema de cotas existem dois tipos de argu-
versitários para que alunos negros e negras so de vestibular. Mas devo reconhecer, tam-
mentações. Uma é absolutamente elitista e
possam se sentir identificados com ele; é pre- bém, que existem diferenças na relação entre
conservadora, que constrói seu discurso
ciso que sejam criadas condições para que alunos negros, diferenças estas que são socio
sobre a lógica perversa da igualdade de opor-
estes alunos possam chegar até as salas de
tunidades e de direitos, que serão acessados
aulas, com material necessário para acompa-
por todos de acordo com o mérito de cada
nhá-las e delas participar.
um; diz ainda que o ingresso de estudantes
Página 14 Adunesp Informa Especial

vagas em instituições particulares para serem gado a um bom termo, na medida em que o
oferecidas como “benefiício” a alunos caren- governo, mesmo não conseguindo privatizar
tes do ensino público, entre eles negros e de vez o ensino, tem diminuído o máximo
econômicas e culturais e que estabelecem que índios. Na verdade, o governo descobriu nas possível o montante de verba colocada à dis-
alguns destes alunos cheguem ao processo reivindicações das camadas desfavorecidas da posição de cada rubrica que sustenta as uni-
vindos das melhores escolas públicas e até sociedade a boa desculpa para legitimar a versidades, fazendo com que hoje a assistência
mesmo particulares, que tragam consigo uma operação de salvamento econômico de insti- estudantil praticamente inexista. Por este ca-
bagagem de informação muito maior na me- tuições que, pela baixa qualidade do ensino minho, percebemos que pouco ou quase nada
dida em que pertencem ao segmento econo- que oferecem e/ou pelo custo alto que co- mudará na realidade das universidades com a
micamente dito médio da população. E aqui bram por este “serviço”, acabam por ter mui- presença dos alunos cotistas. A contradição já
vale um parêntese: o número de negros na tas vagas ociosas, o que lhes acarreta perda de é reconhecida e o máximo que se tem alcança-
chamada classe média não deve ser desconsi- lucratividade e necessidade de compensação. do são mudanças com caráter de não mexer
derado; basta ver a revista Raça Brasil do mês Penso que os defensores das cotas não têm na estrutura das universidades. Os próprios
de novembro/2004, ou de qualquer mês, para estado atentos a esta situação; na busca do alunos que nela ingressam, cotistas ou não,
ver o poder aquisitivo do público ao qual ela específico, têm negligenciado o geral, e, desta trazem consigo o espírito de transformação,
se destina. Estes alunos têm acesso a compu- forma, permitido que as reivindicações dos estando muito mais preocupados em concluir
tadores em suas casas, a revistas semanais, movimentos sirvam para que o governo possa este rito de passagem e saírem com o diploma
com a possibilidade de estarem sendo acom- atingir seu intento de direcionar recursos públi- debaixo do braço para buscar seu espaço no
panhados em seus estudos por país mestres cos ao mercado, deixando o setor público à competitivo mercado de trabalho. Não será
ou doutores. Portanto, estas diferenças aca- mercê de possíveis parcerias com empresas pela adoção das cotas que construiremos a
bam por dar vantagem a alguns e a colocar privadas. democracia e a igualdade que buscamos.
muitos outros em situação de desvantagem. O
resultado disso será a exclusão de alunos ne- Adunesp - Alguns setores favoráveis às Adunesp - Um outro argumento favorável
gros por outros alunos negros. Quer dizer, cotas argumentam que, embora sejam às cotas é aquele que procura traçar um
aos alunos que, teoricamente, não necessitari- corretas as críticas de que, paralelo às paralelo da situação dos negros com a
am do sistema de cotas para ingressar na uni- cotas, seria preciso discutir a qualidade do situação da mulher. O que se diz é que, de
versidade, estarão reservadas as vagas nos ensino fundamental e médio, a inexistên- fato, a discriminação da mulher só poderá
chamados cursos de profissões nobres, aque- cia de uma política de assistência estu- ser eliminada no marco de uma nova soci-
las de maior remuneração no mercado. Aos dantil que garanta a permanência etc, edade, com o fim do capitalismo. No en-
outros, restarão vagas em cursos onde hoje já ainda assim elas seriam um avanço em tanto, é preciso lutar pelo atendimento das
se encontra a maioria de estudantes negros e relação à situação atual. Argumentam suas reivindicações democráticas agora
negras. que, ao garantir a presença de uma parce- (acesso ao mercado de trabalho, salários e
la dos negros (ainda que pequena) nas direitos iguais aos do homem, participação
Adunesp - Outro elemento que surge nos universidades, forçosamente brotarão as política e sindical etc etc), sem perder o
debates é que a política de cotas – por ser contradições e isso poderá levar a uma horizonte da luta contra o capitalismo.
assunto apaixonante e polêmico – tende a mobilização pela cobrança destes direitos. Caso contrário – alegam estes setores,
desviar a atenção daquilo que é essencial Qual é a sua opinião sobre isso? fazendo a analogia com a situação dos
na Reforma Universitária em curso, ou Vitória - Penso que antes de apontarmos as negros – estaríamos fadados ao imobilis-
seja, o favorecimento aos empresários da dificuldades de ingresso ao ensino superior, mo. Qual é a sua opinião?
educação e as medidas privatizantes em deveríamos estar discutindo as dificuldades de Vitória - Sempre parti do princípio de, na
relação à universidade pública. O que permanência do estudante no nível básico de unidade, não esquecer a diversidade. Tendo
você acha desta questão? ensino. Os gráficos nos mostram a grande isso presente, vejo como positivas as reivindi-
Vitória - Como disse anteriormente, as reivin- distância que precisa ser percorrida até atingir- cações que fazem os diferentes movimentos,
dicações por reservas de vagas ganham inten- mos a sonhada universalização do ensino seja de gênero, étnico, por orientação sexual,
sidade quase que ao mesmo tempo em que é neste nível. Ainda são grandes os índices de enfim... .O que me preocupa é a possibilidade
implantado no Brasil o ideário neoliberal, que reprovação e repetência, e é possível lermos destes movimentos se fecharem em suas parti-
receita a minimização do Estado, o que faz disso que os alunos mais atingidos são exata- cularidades e passarem a disputar espaço com
com que os grupos que chegam ao governo mente os estudantes negros e negras. Neste aqueles que são tão excluídos quanto eles. O
possam optar por transformar, através das sentido, é preciso estarmos atentos à qualida- caminho para a emancipação humana não está
reformas, serviços públicos em artigos de de do ensino básico, entendendo que o prejuí- na disputa dentro da classe, mas sim na busca
mercado. Foi assim com a saúde, com a Previ- zo é causado tanto ao aluno que, sendo várias da superação da sociedade de classes. O cami-
dência Social e está sendo assim, agora, com a vezes reprovado, acaba por abandonar a esco- nho da adaptação à nova ordem não nos leva
reforma do ensino superior. Esta reforma la, quanto ao aluno que, permanecendo na a acabar com a desigualdade econômica nem
visa, entre outros fatores, a permitir que o escola, acaba por ser aprovado sem que tenha com a exclusão social. Neste sentido, devemos
governo possa se desresponsabilizar com o apreendido neste processo as informações levar nossas lutas buscando combinar o geral
financiamento do ensino superior público. necessárias para poder fazer uma leitura mais com o particular, fazendo com que a luta de
Para isso, o governo propõe um sistema de adequada da vida e por esta poder atingir os negros, de mulheres, de homossexuais sejam
avaliação das instituições, com critérios iguais objetivos a que se propõe. No aspecto de lutas que busquem superar o sistema capitalis-
aplicados sobre as diferenças, onde pontuação assistência estudantil, temos que trazer à tela o ta, em última instância o responsável por
baixa significa diminuição no repasse de ver- fato de que esta é uma discussão antiga na manter este imobilismo e por nos levar a bus-
bas. Antes mesmo de aprovada a contra-refor- pauta das conversas que o governo tem ou carmos mudanças que deixam tudo como
ma, o governo nos apresenta e põe em execu- finge ter com os movimentos estudantil e agora está.
ção o ProUni, que consiste na compra de docente. Nestas negociações, não se tem che-
Adunesp Informa Especial Página 15

A FAV O R
“Atrás da questão socioeconômica,
existe a discriminação racial”
Com Kabengele Munanga, professor titular do Departamen-
to de Antropologia da USP e vice-diretor do Centro de Estu-
dos Africanos (CEA/USP).

Adunesp - Em quais países foram im- que as políticas de cotas são chamadas
plantadas as primeiras experiências também de políticas compensatórias.
das chamadas políticas de ação afir-
mativa? Como avalia os resultados lá Adunesp - Outro argumento contrário apenas de uma luta de classe. Essas
obtidos? é de que o problema chave é socioeco- pessoas são ou surdas e cegas para não
Kabengele Munanga – Os primeiros nômico, ou seja, seria necessário dar escutar e ver os verdadeiros problemas
países foram a Índia, a Malásia e os Esta- condições dignas de vida a toda a po- do negro no Brasil, ou são racistas que
dos Unidos. Considero o resultado satis- pulação (emprego, saúde, educação recorrem a este tipo de argumento para
fatório, pois houve diminuição da desi- etc). Para os que levantam esta ques- manter o status quo.
gualdade no ensino superior entre as tão, as cotas não podem, portanto,
vítimas da discriminação e as classes resolver o problema dos negros. O que Adunesp - Nos inúmeros debates que
privilegiadas. acha disso? vêm se realizando sobre o assunto, um
Munanga - Atrás da questão socioeco- aspecto levantado é que a política de
Adunesp - Entre os argumentos levan- nômica, existe a discriminação racial cotas, na realidade, procura colocar
tados pelos críticos das cotas, está o de que impede ao negro de melhorar cole- na universidade aqueles estudantes
que seria preciso garantir a qualidade tivamente sua condição econômica. Os negros que estavam “quase lá”, ou
no ensino fundamental e médio, seja, um estrato minoritário do con-
como requisito para que os negros junto da juventude negra. Concorda
tivessem mais oportunidades de aces- “Enquanto se espera a com isso?
so ao ensino superior. Qual é a sua Munanga - Discordo, porque as estatísti-
opinião a este respeito? mudança do nível da cas comprovam que as universidades que
Munanga - Uma coisa não exclui a escola pública aderiram às políticas de cotas têm mais
outra. Enquanto se espera a mudança fundamental e média, o negros em suas faculdades do que antes e
do nível da escola pública fundamental têm hoje mais negros até nas áreas onde
e média, o que fazer dos que, às duras que fazer dos que, às não era possível encontrá-los antes (por
penas, terminam o ensino médio? Dei- duras penas, terminam exemplo, Medicina, Direito, Biologia
xá-los fora do ensino superior e esperar o ensino médio? Deixá- etc.). Os que entravam antes eram os
que melhore o nível do ensino público raros negros que estudaram em escolas
médio e fundamental ou encontrar sua los fora do ensino particulares. O quadro mudou significati-
integração através de uma política de superior e esperar que vamente; qualitativa e quantitativamente.
ação afirmativa? Lembrar-se-á que, no melhore o nível do
passado, as escolas públicas médias e Adunesp - Outro elemento que surge
fundamentais já foram muito boas e os ensino público médio e nos debates é que a política de cotas –
negros não tiveram acesso a elas. Se as fundamental ou por ser assunto apaixonante e polêmi-
iniciativas tivessem sido tomadas desde encontrar sua co – tende a desviar a atenção daquilo
os tempos remotos, não teríamos a de- que é essencial na Reforma Universi-
fasagem que existe hoje entre a popula- integração através de tária em curso, ou seja, o favorecimen-
ção negra e branca em matéria de edu- uma política de ação to aos empresários da educação e as
cação. Além das políticas ditas universa- afirmativa?” medidas privatizantes em relação à
listas (que nunca foram) é preciso incre- universidade pública. O que acha
mentar políticas específicas. Mesmo desta questão?
melhorando o nível da escola pública Munanga - A paixão não é totalmente
fundamental e média (quando?), as cotas que somente levantam essa questão, do um obstáculo e não impede que haja no
poderão ainda ser necessárias para com- ponto de vista socioeconômico, são
pensar as perdas acumuladas durante racistas ainda presos ao mito da demo-
séculos pela população negra. É por isso cracia racial ou acreditam que se trata
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dará resultados imediatos e esses alunos Adunesp - Como vê as experiências


não podem, de imediato, serem absorvi- que já vêm sendo realizadas no Brasil
dos pelas universidades públicas. Mesmo (Bahia e RJ)?
meio de tudo isso argumentos sérios e com a expansão das vagas nas universida- Munanga – As experiências que vêm
objetivos. Qualificar os debates de apai- des públicas, a necessidade das políticas sendo realizadas na Universidade do Es-
xonantes pode ser uma maneira sutil de de cota não deverá ser descartada. tado do Rio de Janeiro, na Universidade
desqualificar a demanda de uma popula- do Estado da Bahia e na Universidade
ção e uma armadilha ideológica. Isto é Adunesp - A falta de financiamento a Federal da Bahia deixam claro que a ques-
um ponto de vista de quem está contra uma política de assistência estudantil tão da excelência não foi sacrificada
cotas na medida em que a reforma inclui que garanta a permanência do estu- como pensavam os detratores das cotas,
cotas para alunos oriundos das escolas dante pobre na universidade pode ser pois o rendimento médio dos alunos
públicas com uma porcentagem especial um entrave para que as cotas atinjam cotistas foi igual, até levemente superior,
para negros e índios. O programa ProUni bons resultados no Brasil? ao rendimento médio dos não cotistas. É
não impede a extensão das universidades Munanga - Precisamos de duas coisas: por isso que começam a mudar o registro
públicas. O governo quer apenas que ingresso e permanência. A permanência do discurso, produzindo outras estatísti-
essas universidades e faculdades privadas só pode ser garantida através de políticas cas que mostram que negros e mestiços
que recebem isenção fiscal possam utili- sociais de bolsas de estudo e de emprésti- das escolas públicas são demografica-
zar suas vagas ociosas e dar algumas bol- mo. Algumas faculdades (caso das Ciênci- mente bem representados no ensino pú-
sas aos estudantes que se dirigem a esse as Biológicas e outras) exigem materiais blico universitário e, conseqüentemente,
ensino, tendo em vista que o projeto de didáticos e livros tão caros que, sem bol- não é preciso implementar políticas de
expansão da universidade pública não sas, não daria para permanecer. cotas no país.

Associação dos Docentes da Unesp Adunesp Seção Sindical


Diretoria: Milton Vieira do Prado Jr. (presidente), Sueli Guadelupe de Lima Mendonça (vice-presidente), Rubens P. dos
Santos (secretário-geral), Maria Ap. Segatto Muranaka (vice-secretária), Osvaldo Gradella Jr. (tesoureiro-geral), Marcelo
Batista Hott (vice-tesoureiro). Praça da Sé, 108, 3º andar, SP. Fone (11) 3242-7080.
Site: www.adunesp.org.br E-mail: adunesp@adunesp.org.br
Jorn. resp.: Bahiji Haje

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