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seu relatório.
As afecções suspeitas já reveladas pela mamografia
realizada pelo R. aconselhariam, no mínimo, a
realização de mais aprofundados exames.
Se tal diagnóstico tivesse sido feito, a A. não se
encontraria na situação que está, impossibilitada de
obter a cura e desprovida de forças para combater a
doença.
O R. violou, assim, as legis artis da sua profissão,
actuando de forma negligente.
Em consequência directa da actuação dos RR., a A.
teve despesas de 700.000S00 com médicos e exames
e pagou 672.000S00 a terceiros para prestação de
serviços domésticos.
A título de indemnização pela prostração física e
psíquica, pelas perturbações no seu equilíbrio
emocional e física da família (em particular de um
filho deficiente que tem a seu cuidado), pela tristeza,
desespero, angústia, abatimento, a A. peticiona uma
indemnização de 30.000.000$00.
**
Contestando, por impugnação, os RR. argumentam
que não sabem se houve ou não um erro em qualquer
ponto do procedimento que conduziu à elaboração do
relatório apresentado pela A., sendo certo que uma
mamografía é um mero auxiliar de diagnóstico, a ser
ponderado pelo médico assistente da doente, em
conjunto com outros elementos, nomeadamente com
o exame directo da doente, sendo que a médica de
família da A. nada detectou antes da realização do
exame, uma vez que este foi pedido e feito por mera
rotina.
Por outro lado, dizem, é possível que ocorra o
desenvolvimento de uma lesão idêntica à da A. no
espaço de um ano.
Alegam ainda os RR não ser verdade que a detecção
precoce de uma neoplasia permita sempre a sua cura
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montante de
50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais,
em virtude de um erro
de diagnóstico cometido pelo Apelante médico;
B) Para este efeito, o Tribunal "a quo", partindo do
sistema do cúmulo de responsabilidades contratual e
extracontratual, considerou (i) a existência de um
ilícito culposo traduzido na não detecção de uma
neoplasia na análise da mamografia da Apelada
efectuada na Apelante Clínica em 1995, e (ii) a
verificação do nexo de causalidade entre este ilícito e
dois danos, a saber, a diminuição das probabilidades
da A. debelar a neoplasia maligna e, em qualquer
circunstância, a diminuição da esperança de vida da
A.;
C) Acontece que, atenta a factualidade provada -
contratação dos serviços de radiologia da Apelante
Clínica - em causa está um ilícito contratual na
alegada vertente de cumprimento defeituoso, o que
determina, na nossa ordem jurídica a aplicação do
regime consagrado para a responsabilidade civil
contratual, salvo quando exista remissão expressa ou
implícita para o regime da responsabilidade civil
extracontratual;
D) Daqui deriva que, e sem conceder, com base na
causa de pedir alegada pela Apelada e na matéria
provada, só a Apelante Clínica poderia ser
condenada, donde a violação pela decisão recorrida
do disposto no art.
800°, n° 1, do C.C;
E) Depois, não basta constatar a existência de um
ilícito médico, aqui erro de diagnóstico, há que
verificar se este erro é culposo;
F) Ora, por não ter valorado correctamente a prova
produzida e por não ter tido em consideração um
artigo científico constante dos autos, o qual releva
como parecer técnico, e donde resulta a variabilidade
e falibilidade na interpretação de mamografias por
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profundos (J);
15 - Os quais foram efectuados , uns em Junho de
1996, e outros em
Setembro do mesmo ano (K);
16 - Acontece que esses exames, cujos relatórios se
juntam como does.
4. 5 e 6, vieram revelar que não se estava já perante
uma neoplasia
embrionária mas antes face a uma situação mais
vasta, profunda e gravemente
generalizada (L);
17 - Situação essa que o Dr..... Alves descreve como
tratando-se de uma disseminação metastásica óssea
na calote craniana e
coluna com fractura patológica de D7 (M);
18 - Acontece que o estado evolutivo da doença em
causa era de tal
modo que o mesmo médico considerou que, perante o
que acabara de ler nos
exames referidos, a abordagem terapêutica indicada
não era a cirúrgica mas
sim a quimioterapêutica citostática sistémica (N);
19 - Decisão em que foi secundado pelo seu colega
Dr. E..., conforme se alcança do mesmo doc. n° 3
(O);
20 - Se o diagnóstico referido em 6 tivesse sido feito,
as probabilidades
de debelar a neoplasia maligna da Autora seriam
superiores e a esperança de
vida da mesma seria sempre superior (5o);
21- A Autora teve até agora os seguintes prejuízos
materiais: despesas
com médicos e exames - 700.000S00; despesas com a
contratação de terceiros para serviços domésticos de
Agosto de 1996 a Janeiro de 1998- 672.000$00 (P).
22 - A situação de prostração física e psíquica da
Autora causou perturbações no equilíbrio emocional e
físico da família em
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ou negligência
É geralmente entendido que a responsabilidade do
médico é, em princípio, de natureza contratual (4).
Com efeito, é hoje aceite em todos os ordenamentos
jurídicos que a maior parte das situações de
responsabilidade médica, derivada de lesões corporais
provocadas pelo médico, tem natureza contratual.
Mas, tradicionalmente, a doutrina era relutante em
admitir a natureza contratual da responsabilidade
médica, por repugnar a aceitação da culpa presumida
do médico sempre que o tratamento não tivesse
alcançado os objectivos desejados. E, na verdade, não
será fácil ao médico, em certos casos, ilidir a
presunção de culpa, quando tal presunção se
verifique.
Essa relutância foi porém ultrapassada pela distinção
feita por Demogue (5) entre “obrigações de meios” e
“obrigações de resultado”.
É obrigação de meios aquela em que o devedor se
compromete a desenvolver prudente e diligentemente
certa actividade para a obtenção de um determinado
efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza
(v.g. a obrigação do médico de empregar o seu saber
tendente à cura do doente, mas não se
comprometendo à cura efectiva). A obrigação de
resultados verifica-se quando se conclua da lei ou do
negócio jurídico que o devedor está vinculado a
conseguir um certo efeito útil (v.g. a obrigação de
entregar determinado objecto em determinado local)
(6).
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(1).-Rui Alarcão, Direito das Obrigações, pag. 212 (citado na douta sentença)
(3).-Germano de Sousa, in BOA, nº 6/99 (Nov/Dez. pag 13), também disponível na Internet.
(4).-Ver ac. STJ de 05.07.01 (CJ (stj) Ano IX- II- 166).
(8).- “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à
outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artº 1154º do
CC).
(10).-Questão diferente desta coloca-se quando o mesmo facto produz dois danos, ou seja, um deles
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envolve responsabilidade contratual em relação a uma pessoa e o outro responsabilidade
extracontratual em relação a terceiro, estranho ao negócio. Aqui verifica-se um concurso real de
responsabilidade contratual e extracontratual.
(14).-Sobre esta questão pode ver-se A. Costa na citada obra, pags. 499 e s.s. que, nesta parte,
temos seguido de perto.
(17).-E é possível a existência de um contrato de trabalho entre uma clínica e um médico (aquele
pelo qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a prestar a sua actividade intelectual ou
manual a outra pessoa sob a autoridade e direcção desta – artº 1º da LCT e 1152º do CC)
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