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Necessidade Jusfundamental de Direitos dos Seres Não Humanos

Sencientes enquanto Pressuposto da Observância Plena do Princípio da


Dignidade da Pessoa Humana1

Miguel Furtado2
Resumo
Uma das mais relevantes discussões dogmáticas nas suas diversificadas valências
científicas, transversal aos diversos períodos temporais, tem sido a eventual forma mais
adequada de aplicabilidade do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que, no âmbito
das múltiplas épocas e áreas geopolíticas vai evoluindo para determinadas interpretações
nem sempre coincidentes. Contudo, no Ocidente e prioritariamente após as barbáries da
Segunda Guerra Mundial, o princípio mencionado foi ocupando uma função primordial
na defesa de certos valores jusfundamentais que deveriam ser alvo de universalidade a
todo o Ser Humano, independentemente das suas caraterísticas fossem elas quais fossem.
Deste modo, todos os homens passaram progressivamente e em conformidade com o
aperfeiçoamento de insurretos pensamentos, a usufruir primeiramente e no respeito pela
sua condição humana, de iguais direitos, liberdades e garantias e subsequentemente de
direitos sociais já que, desde logo, a correspondente autonomia de cada um depende não
só da sua liberdade individual, mas igualmente social. Nestes termos, o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana passou a uma efetiva referência de um Estado de Direito
Democrático, cuja preocupação principal deverá ser a consideração por cada um e ao
mesmo tempo de todos os indivíduos, em observância de um determinado núcleo de
direitos fundamentais. Todavia e de um modo bem mais moroso e inclusivamente
conflituoso, foi-se também assistindo nos territórios em causa a um incremento de estima
pelos animais entendendo-se, em face deste movimento evolutivo, que estes merecem
identicamente, por serem seres vivos com sensibilidade, de uma salvaguarda
jusfundamental de direitos sendo nossa opinião que só este essencial indicativo nos
poderá possibilitar concluir o cumprimento pleno do postulado da dignidade. Destarte,
este estudo científico pretende demonstrar que os seres não humanos sencientes deverão
usufruir outrossim de direitos fundamentais, sendo aliás um crucial pressuposto para que
este pilar essencial de “ius naturale” se verifique integralmente já que só o apreço pelos
outros, incluindo animais, significa total respeito pela nossa dignidade.

Palavras-Chave: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Seres Não Humanos


Sencientes, Direitos Fundamentais dos Animais
Keywords: Principle of Human Dignity, Sentient Non-Human Beings, Fundamental
Rights of Animals

1
Estudo científico elaborado no âmbito do Centro de Investigação de Direito Privado da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa.
2
O autor é especialista nas áreas jurídicas de direitos fundamentais/direitos dos animais e de entre diversas
atividades profissionais, é um renomado jurista, professor universitário e investigador de direito.
SUMÁRIO/ÍNDICE

1. Os Animais deverão usufruir de Direitos


Fundamentais?.......................................................................................................1
2. Direitos Fundamentais e Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana..................................................................................................................2
3. Direitos dos Animais e sua correspondente Evolução
Jurídica.................................................................................................................23
4. Direitos (Fundamentais) dos Animais na Constituição da República
Portuguesa...........................................................................................................36
1. Os animais deverão usufruir de direitos fundamentais?

Ao longo dos anos tem sido progressivamente incrementada a relevância que o Ser
Humano vai atribuindo aos animais, desde logo socialmente com a alteração das
mentalidades, mas igualmente e consequentemente nos âmbitos jurídico, doutrinal e
inclusivamente jurisprudencial. Deste modo, parece-nos crucial tentar perceber até onde
se poderá chegar relativamente aos direitos que estes deverão usufruir e se merecerão,
quanto ao seu valor intrínseco, dispor de direitos fundamentais e/ou serem considerados
como pessoas.

Uma séria problemática que logo se levanta quanto à análise por nós pretendida refere-
se à existência de diversos fins atribuidos aos animais, como os de companhia, que
convivem diariamente connosco e que são tratados como membros da nossa familia3, os
de criação, utilizados por exemplo para a nossa alimentação e portanto destinados ao
abate ou à exploração para o usufruto de determinados bens que deles podem ser
extraídos, como o leite ou os ovos.

Os de laboratórios, cuja as finalidades se relacionam com a experimentação para a


invenção/melhoria de medicamentos ou vacinas para posterior benefício do homem na
sua saúde e ainda os animais selvagens ou silvestres, que servem (ou que deveriam servir,
se não fossem infelizmente constantemente alvo de atentados humanos que provocam a
sua extinção) para equilibrar o nosso ecossistema.

Poderiamos ainda fazer referência aqueles que servem para entretenimento, como
circos4 ou touradas, os utilizados para trabalho caso dos cães-polícia ou guias, bem como
os aproveitados por exemplo na agricultura. São portanto bastante diferenciatórias as
respetivas funções, o que nos leva desde logo a perguntar se o animal deverá ser
considerado um objeto de direito em nosso proveito ou poderá ser um sujeito de direito,
uma pessoa? E se a sua classificação, enquanto sujeito de direito, não poderá prejudicar

3
LEITÃO, Margarida Menezes, “Os Animais de Companhia e o Arrendamento para Habitação” in Direito
dos Animais - 2019, Centro de Estudos Judiciários, Março, Lisboa, 2020, pp. 33-49, p. 33.
4
Apesar de felizmente muito já ter evoluido quanto à possibilidade do seu uso em circos ou da melhoria
significativa das condições de habitabilidade em jardins zoológicos.

1
a disponibilidade que o Ser Humano dispõe quanto ao desenvolvimento das várias
incumbências que são outorgadas aos animais em nosso benefício?

Fará ainda algum sentido que o animal se encontre salvaguardado com direitos
fundamentais, num modo similar ao Ser Humano dotado de razão? E que tipos de direitos
fundamentais? Direitos, Liberdades e Garantias, que salvaguardem uma proteção contra
o Estado e terceiros ou/e direitos sociais, que irão conferir ao Estado deveres de prestação
em favor dos animais?

Muitas são as questões que se poderão ir colocando num caminho penoso e com
variadíssimos obstáculos5, mas cujas pequenas vitórias que vão surgindo devem ser alvo
de regozijo, não só porque permitirão de imediato a concessão de melhores condições de
bem estar aos animais mas igualmente porque, após certa aquisição de determinado
direito, se estará pronto para avançar para o objetivo jurídico seguinte visto que é
gradualmente e com consistência que se deverá prosseguir, de modo a tentar evitar recuos
naquilo que com bastante esforço se foi alcançado.

Sendo que, no âmbito deste nosso trabalho e relativamente às diversas preocupações


pertinentes possíveis de levantar, nos propomos analisar aquela que ocupa um papel
prioritário na delimitação dos direitos que os animais deverão usufruir e que funcionará,
caso a resposta seja positiva e em conformidade com a hierarquia das leis6, como uma
vantagem incomparável na defesa dos animais com consequências diretas em algumas
das dúvidas dogmáticas em discussão, nomeadamente se os animais deverão ter direitos
fundamentais e em que termos?

2. Direitos fundamentais e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A existência de direitos fundamentais encontra-se obrigatoriamente relacionada com


o princípio da dignidade da Pessoa Humana correspondendo este, de acordo com Jorge

5
Desde logo alguns lobbies fortissimos como aqueles relacionados com as touradas ou a caça.
6
Dado que a Constituição é a lei fundamental do Estado, encontrando-se acima de qualquer outra lei,
gozando portanto de prevalência sobre as restantes. Vide a título de exemplo: MENDES, João Castro,
Introdução ao Estudo do Direito, Editora PF, Lisboa, 1994, pp. 86-87. Veja-se ainda a definição proferida
por Gomes Canotilho e Vital Moreira na qual é a “lei fundamental da comunidade”, a “lei-quadro
fundamental da República”. CANOTILHO, José Gomes & MOREIRA, Vital, Constituição da República
Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 197.

2
Pereira da Silva, “ao mais importante conceito de gramática dos direitos fundamentais
e, em geral, do constitucionalismo posterior à Segunda Guerra Mundial” 7 , a “uma fonte
moral da qual se alimentam todos os conteúdos de direitos fundamentais”8 e que justifica
a sua indivisibilidade9.

Já nos explicava por exemplo John Locke que se deveria verificar ao homem uma
“garantia de direitos fundamentais”10 por ser “dotado pelo Criador de dignidade e
direitos que lhe são inerentes e de que em caso algum pode ser despojado nem mesmo
quando «entre» de livre vontade no «estado de sociedade» e funda com os seus
semelhantes uma comunidade política” 11.

A dignidade da pessoa humana é assim, como nos explica Paulo Otero, uma
“instituição fundante de todo o fenómeno constitucional”12, aliás, o seu “centro de
referência”13 sendo o respetivo princípio, segundo José Melo Alexandrino,“a referência
da representação do valor do ser humano”14, o que fará com que um Estado de Direitos
Humanos seja necessariamente um Estado de Direitos Fundamentais15 e a dignidade da
pessoa humana, conforme nos elucidam Jorge Miranda e António Cortês,
“axiologicamente primordial”16.

Não sendo, nas visões de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “jurídico-


constitucionalmente apenas um princípio-limite” 17, mas dispondo de “um valor próprio
e uma dimensão normativa específicos”18 e estando “na base de concretização do

7
SILVA, Jorge Pereira da, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa,
2018, p. 43
8
Idem.
9
Ibidem, p. 44.
10
Ibidem, p.29
11
Idem.
12
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Institucionais, Volume I, Almedina, 3ª Reimpressão da edição
de Setembro de 2007, Coimbra, 2020, p. 41.
13
Ibidem, p. 42.
14
ALEXANDRINO, José Melo, Lições de Direito Constitucional, volume II, 2ª edição, AAFDL Editora,
Lisboa, 2017, p. 79.
15
OTERO, Paulo, Direito Constitucional Português – Identidade Constitucional, Volume I, Almedina, 4ª
Reimpressão da edição de Abril de 2010 Coimbra, 2020, p. 33.
16
MIRANDA, Jorge & MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra
Editora, Coimbra, 2010, p. 77.
17
CANOTILHO, José Gomes & MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Volume I, 4ª edição revista, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 198.
18
Idem.

3
princípio antrópico ou personicêntrico inerente a muitos direitos fundamentais”19 como
os direitos à vida, desenvolvimento da personalidade, integridade física e psíquica entre
outros.

É mesmo uma das bases da república e a garantia constitucional dos direitos


fundamentais20, o “princípio supremo em que assentam os Estados de Direito” 21
,
encontrando-se a ideia de dignidade da pessoa humana, pelas palavras de Vieira de
Andrade, “inscrita na consciência jurídica geral enquanto dimensão nuclear da cultura
social, cívica e política de uma «sociedade avançada»”22. É ainda, de acordo com o
mesmo autor, “um princípio que contribui para a abertura do sistema jurídico dos
direitos fundamentais, não um princípio unicitário e totalizante que o encerra num
dogmatismo qualquer que ela seja”23 e “realiza-se mediante o consenso social que
suscita, projetando-se na consciência jurídica constituinte da comunidade”24.

Sendo sem dúvida, na atualidade, um dos pilares essenciais dos direitos fundamentais,
quer tanto quanto aos direitos, liberdades e garantias como aos direitos económicos,
sociais e culturais25. Isto mesmo nos explica Jorge Miranda já que a respetiva fonte ética
dos direitos mencionados se encontra na dignidade da pessoa, de todas as pessoas26
repousando a Constituição da República Portuguesa de 1976 precisamente nesta27, que se
acha prontamente proclamada no art. 1º da nossa Lei Fundamental enquanto “ponto de
referência e norma de base do sistema constitucional” 28, “estrutura basilar da República

19
Idem.
20
Idem.
21
NOVAIS, Jorge Reis, Limites dos Direitos Fundamentais – Fundamento, Justificação e Controle,
Almedina, Coimbra, 2021, 177.
22
VIEIRA ANDRADE, José Carlos, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª
edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 49.
23
Ibidem, p. 48.
24
Idem.
25
Opinião partilhada igualmente por exemplo por Jorge Miranda. Vide MIRANDA, Jorge, “A Constituição
e a Dignidade da Pessoa Humana”, Revista Didaskalia, Faculdade de Teologia da Universidade Católica
Portuguesa, Lisboa, 1999, pp. 473-485, p. 473.
26
Idem.
27
Idem.
28
ALEXANDRINO, José Melo, Lições de Direito Constitucional, volume II, 2ª edição, AAFDL Editora,
Lisboa, 2017, p. 79.

4
Portuguesa” 29, que conceptualiza a pessoa enquanto “fundamento e fim da sociedade e
do Estado” 30

Em consonância com o apresentado, este princípio primordial de direito natural31,


considerado como um “princípio de valor” 32 subordina os direitos fundamentais e a
respetiva Constituição a si, “transcendendo a vontade política dos Estados”33 por ser um
“valor absoluto”34 e usufruir de “dimensão extraconstitucional e transpositiva” 35 dos
direitos fundamentais. Como poderemos aliás perceber por exemplo pelo art. 16, nº 2 da
nossa lei fundamental, sendo portanto “a referência axial de todo o sistema de direitos
fundamentais”36 ou se quisermos, “um princípio englobante onde se fundamentam os
direitos fundamentais” 37 sendo pois “a razão de ser, o fim e também o limite dos direitos
fundamentais” 38.

Princípio este que se encontra ao longo das épocas em constantes mutações em


conformidade com o desenvolvimento das sociedades mas que se vai afirmando nos
termos mencionados, quer como salvaguarda dos cidadãos contra os próprios Estados e
terceiros, no âmbito de comportamentos negativos num cariz de liberdade,39 quer
igualmente, fruto das últimas metamorfoses sociais, de deveres de prestação dos Estados

29
MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição, Tomo II,
Almedina, Coimbra, p. 476.
30
MIRANDA, Jorge, “A Constituição e a Dignidade da Pessoa Humana”, Revista Didaskalia, Faculdade
de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1999, pp. 473-485, p. 473. Vide igualmente
MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição, Tomo II,
Almedina, Coimbra, p. 477.
31
MENDES, João Castro , Introdução ao Estudo do Direito, Editora PF, Lisboa, 1994, p. 28.
32
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª
edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 46.
33
Ibidem, p. 47. Funcionando pois como “limite transcendente do poder constituinte”, uma “meta-
princípio”, segundo Jorge Miranda e António Cortês. MIRANDA, Jorge & MEDEIROS, Rui, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 84.
34
Idem. No mesmo sentido e a título de exemplo do direito comparado europeu, veja-se, conforme nos
indica Carlos Blanco de Morais, a visão da justiça constitucional alemã, que considera este princípio, nos
termos do art. 1º da Lei Fundamental de Bona, um “valor jurídico supremo do ordenamento constitucional.
Vide MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição, Tomo II,
Almedina, Coimbra, p. 476.
35
Idem.
36
MIRANDA, Jorge & MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra
Editora, 2010, p. 82.
37
Ibidem, p. 86.
38
MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição, Tomo II,
Almedina, Coimbra, p. 478. Sendo precisamente por tal razão, conforme nos esclarece Jorge Reis Novais,
que os direitos fundamentais são trunfos contra a maioria. Por decorrer “do facto de o seu fundamento
residir, em última análise, na dignidade da pessoa humana”. NOVAIS, Jorge Reis, Limites dos Direitos
Fundamentais – Fundamento, Justificação e Controle, Almedina, Coimbra, 2021, 177.
39
Nomeadamente os direitos, liberdades e garantias.

5
perante as suas populações, numa vertente de solidariedade40, podendo mesmo
classificar-se na opinião de alguma doutrina como um “direito sobre direitos”41,
concretamente os fundamentais.

Tendo esta evolução histórica, “com origens claras na doutrina social da Igreja e no
no jus-naturalismo”,42 se desenvolvido através de vários pensamentos dogmáticos
relevantes que foram adaptando a noção de dignidade da pessoa humana às respetivas
épocas e organizações sociais, a qual foi variando em conformidade com as
correspondentes mentalidades de cada momento visto que necessariamente as visões em
cada tempo e lugar vão sofrendo obviamente transformações em face do correspondente
contexto.

Veja-se por exemplo o Código de Hamurabi que preceitua um sistema escravagista,


penas a terceiros não culpados ou danos físicos radicais43 ou o Código de Manu, que
incorporava um modelo de “desigualdade social, um sistema de castas, ocupando cada
indíviduo um lugar na hierarquia social”44, consentindo quer um quer outro “o
tratamento desumano e degradante do indíviduo”45.

Ou a interpretação de dignidade na Roma Antiga que, como nos elucida Jorge Reis
Novais, se encontrava“intimamente ligada à especificidade de um status, significando a
honra e o especial respeito, deferência e consideração devidos a alguém por força do
estatuto pessoal superior que lhe era socialmente reconhecido ou que lhe era
circunstancialmente atríbuido, por exemplo, pelo facto de exercer uma magistratura ou

40
Designadamente os direitos económicos, sociais e culturais, igualmente intitulados como “direitos
sociais”.
41
MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição, Tomo II,
Almedina, Coimbra, p. 478.
42
Ibidem, p. 475.
43
FURLAN, Alessandra Cristina et al, “Dignidade da Pessoa Humana”, Unopar Científica: Ciências
Jurídicas e Empresariais, vol. 8, Universidade Norte do Paraná, Março, Londrina, 2007, pp. 73-80, p. 74.
Diploma que inclusivamente já detinha regras relativas também aos animais mas cuja preocupação se
encontrava relacionada com os humanos e não propriemante com esses. Vide PEREIRA, Rita, Os Direitos
e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 5.
44
Idem.
45
Idem.

6
pela investidura num cargo público”, 46 o que desde logo excluía os escravos, seres
humanos que não eram considerados pessoas47.

Conceito que foi transposto para a Grécia Antiga, “conservando-se as referências à


dignitas como status, honra e privilégio”48 sendo o homem digno aquele que era
“detentor de títulos, nobreza e honrarias”49 o que o diferenciava de imediato daqueles
que não dispunham destes atributos,50 designadamente os escravos e as mulheres,
verificando-se neste período aquilo que Jorge Reis Novais apelida de “dignidade
relacional”51. Diga-se ainda que naquelas épocas, num cariz de predominância da
religiosidade, com a implementação do “culto às divindades, a crença em mitos e em
forças sobrenaturais, qualquer tentativa de atribuir-se ao Ser Humano algum valor
qualitativo no contexto de sua existência, eram fatos por demais audaciosos” 52.

Nestes termos e até ao pensamento estóico, o homem era basicamente classificado


como um ser de qualidade menor comparativamente às respetivas divindades, das quais
dependia, existindo ainda entre os vários indíviduos uma nítida hierarquização
relacionada com um determinado estatuto que alguns usufruiam em detrimento de outros.
Começando efetiva e factualmente só a partir do momento mencionado53 “a preocupação
54
com um sentido potencialmente universal de dignidade entre os humanos e

46
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 34-35.
47
FURLAN, Alessandra Cristina et al, “Dignidade da Pessoa Humana”, Unopar Científica: Ciências
Jurídicas e Empresariais, vol. 8, Universidade Norte do Paraná, Março, Londrina, 2007, pp. 73-80, p. 74
48
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 39.
49
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva Histórico-
filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol. 8, nº 1,
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 11.
50
Idem.
51
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 35.
52
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva Histórico-
filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol. 8, nº 1,
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 10.
53
Não nos esqueçamos contudo da Escola Sofística, que introduziu “o Ser Humano como ponto de partida
do pensamento filosófico” com realce necessariamente para Protágoras, “para quem o homem é a medida
de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”. NETO, Júlio
Rodrigues, Dignidade Social: Direitos Fundamentais e as Fronteiras da Atividade Prestacional do Estado,
Tese de Doutoramento em Direito, Volume I, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa,
2014, pp. 26-27.
54
Tendo alguns autores desse tempo encetado o interesse em perceber, como nos explica Jorge Reis Novais,
a dignidade especifica do próprio Ser Humano em contraposição à dignidade de um cargo, de uma função
ou de um status particular e em resposta à interrogação existencial sobre o lugar que os humanos ocupariam

7
concretamente, “uma outra e nova indagação sobre os fundamentos que,
independentemente do status, distinguiriam especificamente a dignidade dos humanos
relativamente aos atributos das criaturas não humanas”55.

É contudo uma época de várias ideologias contraditórias relativamente aos animais já


que, por um lado surgem os primeiros estudos que os colocam como seu objeto principal
e lhes atribuem importância bem como vários pensadores que defendem o respeito pelos
seus interesses,56 mas por outro e principalmente através de Aristóteles, são classificados
abaixo dos seres humanos57. Existe deste modo uma inferioridade do homem perante
Deus e uma somenos relevância dos seres não humanos perante o homem.

Sendo precisamente a partir deste filósofo que se inicia o raciocínio de uma “scala
naturae” ou seja, de um “mundo construído com base numa hierarquia universal, onde
o topo é ocupado por Deus, e a base é constituida pela matéria inanimada, ocupando os
animais um lugar abaixo do homem, devido à sua ausência de inteleto” 58 o que o faz ser
o melhor dos animais59 e, por tal motivo, “todos os animais estão melhor quando são
governados pelo homem” 60.

De acordo então com os principais autores estóicos, numa linha de raciocínio contínua
a Aristóteles e de onde se realça por exemplo Cícero ou Séneca, o homem devería ser
distinguido de todos os outros seres por se situar numa “posição específica de
superioridade sobre os animais”,61 justificando-se esta graduação da natureza humana
por “sermos individualmente dotados de razão”62. O ponto diferenciador ou, como lhe
chama Jorge Reis Novais, “o atributo distintivo que identificava singularmente os

no universo. Vide NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos
Fundamentais, Volume I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 39.
55
Idem.
56
De onde se destacam por exemplo Plutarco ou Porfírio, que defendia inclusivamente o vegetarianismo
como forma de respeitar uma provável reencarnação de algum falecido companheiro humano no corpo de
um animal. PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de
Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 6.
57
Ibidem, p. 7.
58
Idem.
59
Idem.
60
Idem.
61
NETO, Júlio Rodrigues, Dignidade Social: Direitos Fundamentais e as Fronteiras da Atividade
Prestacional do Estado, Tese de Doutoramento em Direito, Volume I, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, p. 27.
62
Idem.

8
homens e que, em alguma forma, eles, e só eles, partilhavam com a divindade, era o da
presença da razão” 63, que o guiava de forma infalível64.

Deste modo e apesar do homem ser “considerado como parte integrante da natureza
e possuidor de instintos”65 tal como os animais, diferenciava-se destes precisamente por
ser dotado de razão, caraterística que lhe foi concedida pela própria divindade66, que
portanto, o quis distinguir propositadamente dos seres vivos não humanos67 por se
encontrar incorporada em cada Homem já que, de acordo com ULLMANN, “a razão (...)
é uma parte do espírito divino imersa no corpo humano”68.

Neste sentido e segundo Cícero, “a razão localizada na natureza, fazendo do homem


um ser superior a todos os restantes animais e relacionado diretamente com o divino,
surge configurada como algo de comum a todos os homens (...), motivo pelo qual não há
diferenciação no género humano” 69. Tendo sido iniciada neste pensamento histórico a
vertente qualitativa70 de dignidade da pessoa humana, correlacionada com os conceitos
de igualdade71 e liberdade72, que são inclusivamente inatas a todos os homens devido

63
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 40.
64
NETO, Júlio Rodrigues, Dignidade Social: Direitos Fundamentais e as Fronteiras da Atividade
Prestacional do Estado, Tese de Doutoramento em Direito, Volume I, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, p. 27.
65
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva Histórico-
filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol. 8, nº 1,
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 14.
66
Idem. Raciocínio já proveniente dos Sofistas, aparecendo desde esse período histórico “o homem como
titular de atributos conferidos por Deus” e de onde se destaca a “razão humana” e o homem enquanto
“Ser da Razão”, sendo “a medida de todas as coisas, das que existem e das que estão na natureza, das
quais não existem e da explicação da sua inexistência”. OTERO, Paulo, Instituições Políticas e
Constitucionais, Volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 63.
67
Que, desta forma, serão considerados por esta divindade como seres inferiores, comparativamente aos
seres humanos.
68
ULLMANN APUD SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma
Perspetiva Histórico-filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de
Filosofia, vol. 8, nº 1, Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 14.
69
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, Volume I, Almedina, 2020, p. 92.
70
E não como até aqui, através de uma graduação quantitativa.
71
Através de Cícero é estabelecido “um postulado de igualdade entre todos os seres humanos”,
reconhecendo-se “simultaneamente, universalidade ao homem, identificado como cidadão de todo o
mundo”. OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, Volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p.
92.
72
Para esta filosofia, em contraposição com o pensamento grego clássico, “existe em todos os homens,
incluindo nos escravos, uma liberdade interior de natureza inalienável, expressa na liberdade de
pensamento”. Ibidem, p. 87. Cícero sublinha mesmo que, “se a liberdade não for igual para todos não é
liberdade”. Ibidem, p. 93.

9
simplesmente à sua natureza73, que, de acordo com Séneca, “é uma e a mesma em toda a
parte” 74.

Nestes termos e segundo os respetivos autores, “a dignidade era tida como como a
qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no
sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que
se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada
indíviduo ( o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como
a ideia de que todos os seres humanos, no que diz respeito com a sua natureza, são iguais
em dignidade” 75.

Assistindo-se desta forma a uma “Grande Cadeia do Ser”76 cujos “processos naturais
estão dirigidos a um determinado fim e se definem em função dele” 77 e onde a espécie
humana ocupa uma posição privilegiada sobre as outras espécies não humanas já que“os
animais desprovidos de razão e de capacidade para refletirem sobre as suas próprias
opções, são absolutamente subordinados na sua conduta, cabendo-lhes na «escala do
ser» uma posição intermédia e subalterna face aos interesses dos animais racionais” 78.

Por tal motivo, “o homem foi constituído como depositário e guardião das demais
espécies terrenas” 79 tendo estas outras espécies em contrapartida, ficado “colocadas ao
seu serviço e mercê”80 sendo os animais irracionais considerados naquela altura
“mecanismos perfeitos, puros instrumentos, admiravelmente dotados” 81 que teriam

73
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva Histórico-
filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol. 8, nº 1,
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 14.
74
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, Volume I, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 89-
90.
75
SARLET, Ingo Wolgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988, 9º edição revista e atualizada, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2011, p.2. A dignitas
seria desta forma “inerente a todos os homens, independentemente de qualquer condição adicional”.
Implicando esse universalismo da noção de dignidade, “o reconhecimento de um valor inerente e igual de
cada ser humano”. NETO, Júlio Rodrigues, Dignidade Social: Direitos Fundamentais e as Fronteiras da
Atividade Prestacional do Estado, Tese de Doutoramento em Direito, Volume I, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, p. 27.
76
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 47.
77
Ibidem, p. 46.
78
Ibidem, p. 49.
79
Ibidem, p. 46.
80
Idem.
81
Ibidem, p. 49.

10
como função “servirem os fins transcendentes da humanidade”82, ou seja serem
utilizados pelo homem em seu proveito. Era pois um “bem da natureza, sendo permitido
ao homem dispor dele livremente, de acordo com as suas necessidades e desejos” 83 e o
seu valor “decorria da finalidade que o homem lhe atribuía, sendo apenas
instrumental”84.

Diga-se contudo que, na prática, a igualdade entre homens era apenas filosófica pois,
como nos explica Fernando Araújo, “o papel que é cometido a cada organismo vivo
continua a ser exclusivo e rigidamente demarcado – não apenas vedando todas as
comparações niveladoras e todas as transposições de estatutos de cada classe e grupo,
mas ainda legitimando a ideia de que os seres inferiores estariam manifesta e fatalmente
subordinados aos interesses dos seres superiores, e isto não apenas no confronto entre
espécies mas também no seio das próprias relações intersubjetivas dentro da espécie
humana, na sua suposta dispersão por estamentos” 85, o que justificava desde logo a
continuação da escravatura e a restrição da suposta“liberdade natural”86, tanto dos
escravos como dos animais, às “normas convencionais e discriminatórias dos ius
gentinum” 87.

Só posteriormente através da influência do Cristianismo, conforme defendem diversos


autores, a dignidade atribuida ao ser humano “viria a encontrar eco significativo”88
sendo a partir daqui, segundo Luís Barroso, que se iniciaria a aceção contemporânea da
dignidade da pessoa humana, tendo assim este conceito origens bíblicas89 e sido
“importante para ampliar as ideias de igualdade e liberdade entre os homens” 90.

82
Idem.
83
SILVA, Maria de Jesus Lopes da, “Animais de Companhia, Ética e Direito”, Revista Jurídica Luso-
Brasileira, Ano 5, nº 2 Centro de Investigação de Direito Privado, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa,
2019, pp. 599-615, p. 602.
84
Idem.
85
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 48.
86
Ibidem, p. 49.
87
Idem.
88
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 40.
89
BARROSO, Luís Roberto, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público,
Mimeografado, Dezembro de 2010, p. 4. Vide em DIGNIDADE PESSOA HUMANA LUIS
BARROSO.pdf.
90
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva Histórico-
filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol. 8, nº 1,
Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 14.

11
Passará nesse altura a ser “concebida como uma dignidade incondicional, não
relacional, independente de feitos ou de realizações individualmente especiais (...),
própria do homem, que o distinguiria dos restantes animais”91 Deste modo e não obstante
as várias diferenças indíviduais e grupais, o homem por ser homem e filho da divindade,
deveria ter direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo92.

É nesta época que se procedeu finalmente à junção dos termos “dignidade” e “pessoa
humana”, onde efetivamente se começaram a considerar todos os seres humanos
enquanto “sujeitos de direitos e igualmente dignos”93 visto terem sido ” concebidos à
imagem e semelhança de Deus, dotados de um valor sagrado e, por isso, único” 94.

Sendo que, devido às razões apresentadas, se verificou “a personificação de todo e


qualquer Ser Humano”95 deixando a partir daí o termo “pessoa” de se considerar como
um “status para tornar-se atributo natural do Ser Humano”96. Destaca-se neste período
o pensamento filosófico de São Tomás de Aquino tanto num cariz positivo relativamente
ao ser humano97 quer negativo quanto aos seres não humanos, por entender ser “lícito
matar qualquer animal” 98 e estes, desprovidos de alma, existirem apenas para servir o
homem99.

91
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 40.
92
COMPARATO, Konder APUD SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade
Humana: Uma Perspetiva Histórico-filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista
Internacional de Filosofia, vol. 8, nº 1, Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 14.
93
FURLAN, Alessandra Cristina et al, “Dignidade da Pessoa Humana”, Unopar Científica: Ciências
Jurídicas e Empresariais, vol. 8, Universidade Norte do Paraná, Março, Londrina, 2007, pp. 73-80, p. 74.
94
OTERO, Paulo, Identidade Constitucional, volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 35.
95
FURLAN, Alessandra Cristina et al, “Dignidade da Pessoa Humana”, Unopar Científica: Ciências
Jurídicas e Empresariais, vol. 8, Universidade Norte do Paraná, Março, Londrina, 2007, pp. 73-80, p. 74.
96
Idem. Pois na época estóica e apesar de todo o progresso verificado na definição do conceito, a dignidade
ainda se encontrava vinculada à posição social do indíviduo apesar desta já poder vir a ser alterada ao longo
da sua existência. O que leva Paulo Becchi a atribuir-lhe um duplo significado: sentido absoluto, que coloca
a dignidade do homem numa posição hierárquica superior aos restantes animais por o único ser racional,
mas igualmente relativo quando se comparam os homens entre si no âmbito do seu estatuto. SARLET, Ingo
Wolgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 9º
edição revista e atualizada, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2011, p.2-3.
97
Veja-se a título de exemplo, Ingo Wolgang Sarlet (2011, p. 3).
98
SILVA, Maria de Jesus Lopes da, “Animais de Companhia, Ética e Direito”, Revista Jurídica Luso-
Brasileira, Ano 5, nº 2 Centro de Investigação de Direito Privado, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa,
2019, pp. 599-615, p. 602
99
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 8. Apesar de entender, como nos
esclarece Fernando Araújo, que “os não humanos têm genuinas capacidades de raciocínio e são dotados
de uma inteligência específica”. ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra,

12
Nestes termos e a partir desse instante, a dignidade deixou de derivar “de fatores
exógenos ao próprio homem que diziam respeito à sua posição social, aos títulos, à honra
ou à intermediação divina”100 alterando-se drasticamento os conceitos anteriores que iam
vigorando, passando todos os homens a disporem, pelo menos doutrinalmente, da mesma
igualdade visto serem “um reflexo da própria divindade” 101
. Tendo sido com o
Cristianismo, como bem nos explica Jorge Miranda, “que todos os seres humanos , só
por o serem e sem aceções de condições, são consideradas pessoas dotadas de um
eminente valor”102.

Diga-se todavia e um pouco à semelhança do período estóico que e apesar de nesta


fase já existir uma mentalidade progressivamente mais sólida a favor da dignidade
humana, com uma conexão direta a Deus Criador, “esta teria permanecido letra morta -
no sentido de indiferença e até mesmo de oposição aos direitos fundamentais das pessoas
concretas – não fora a recomposição proporcionada posteriormente pelo pensamento
político e, no plano político e jurídico, o impulso decisivo e a ancoragem que as
revoluções liberais e democráticas e o ideal de direitos fundamentais iguais para todos
deram à conceção contemporânea de dignidade na segunda metade do século XX” 103 e
onde se deverá realçar por exemplo as lutas contra a escravatura, a intolerância religiosa,
o racismo ou a igualdade entres homens e mulheres.

Relativamente aos animais verifica-se uma forte ambiguidade, pois desde logo e por
um lado alguns são usados como simbolos de representação do bem, casos de Jesus Cristo
como o Cordeiro de Deus, do leão de São Marcos ou da águia do apóstolo São João
enquanto outros contrariamente, configuram o mal tal como o bezerro de ouro, 104 sendo
este época por exemplo para Ana Isabel Quintas, um “dos pontos históricos mais
complexos e antagónicos” 105 relativamente à evolução dos seus direitos.

2003, p. 55. E reconhecer ainda que os animais dispõem de “alma sensitiva”. CORDEIRO, António
Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral – Coisas, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2020,
p. 305.
100
BOTELHO, Catarina Santos, “A Dignidade da Pessoa Humana – Direito Subjetivo ou Princípio Axial?”,
Revista Jurídica Portucalense, nº 21, Porto, 2017, pp. 256-282, p. 258.
101
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, Volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 94.
102
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 20.
103
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 42-43.
104
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 67.
105
QUINTAS, Ana Isabel, “Recensão do Livro A Hora do Direito dos Animais”, Revista Onis Ciência,
Volume I, Ano 1, nº 4, Maio/Agosto, Braga, 2013, p. 7. Por um lado e segundo a autora, são “vários os

13
Existem assim pensadores cristãos que realçam o não merecimento de sofrimento por
parte dos animais por não serem capazes de pecar106, devendo “o homem de bem cuidar
das necessidades dos seus animais” 107 porquanto, como nos esclarece a Bíblia, este só
pode dispor dos frutos da Criação dentro de certos limites que assegurem a respetiva
preservação e movido por um cariz de respeito, compaixão, bondade, diligência, onde se
deverá incluir o reconhecimento de salvaguardar o bem estar animal108.

Desta forma e mesmo numa “proeminência dos interesses humanos”109 com uma
utilização para algum fim considerado como legítimo, casos por exemplo da alimentação
ou vestuário, deveria evitar-se sempre qualquer tipo de sofrimento desnecessário110
recriminando-se uma qualquer “subjugação despótica” 111, visto ocorrer por parte do
homem “um dever correlativo, reconhecendo-se a necessidade do bem-estar animal,
sugerindo diligência no tratamento de outras espécies” 112.

Por um lado deveria verificar-se um respeito por todas as espécies, até por serem
maravilhas fornecidas pelo Criador que deveriam coexistir entre si, sendo conhecidos
vários exemplos bíblicos onde é notória a relevância atribuída aos animais não sendo aliás
“o espiritual que veio antes, mas o natural: depois dele, o espiritual” 113 num âmbito
desde logo inerente a este pensamento ideológico relacionado com Deus, Senhor e
Criador de todo o Universo e portanto, dos humanos e não humanos. Que contempla uma
“moral cristã, aparentemente tão aberta à compaixão e à consideração do mal radical
do sofrimento encontrado em todas as formas vivas” 114 e onde se incluem obviamente
os animais, que como seres vivos sentirão necessariamente emoções e dor.

contos pagãos e cristãos que enaltecem a figura dos animais”, o que provoca “um quadro de ambiguidades
e hesitações da ideologia cristã” mas ao mesmo tempo e de modo factual, “a Bíblia sempre subalternizou
a condição dos animais aos interesses do homem”, o que produz o mesmo efeito descrito.
106
Ibidem, pp. 70-71.
107
Ibidem, p. 69.
108
Ibidem, p. 68.
109
Idem.
110
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 8
111
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 68.
112
QUINTAS, Ana Isabel, “Recensão do Livro A Hora do Direito dos Animais”, Revista Onis Ciência,
Volume I, Ano 1, nº 4, Maio/Agosto, Braga, 2019, p. 7.
113
Bíblia, Coríntios I, Capítulo 15, versículo 46.
114
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 68.

14
No entanto e em sentido contrário, subsistiam infelizmente inúmeros abusos aos
animais devido à sua interligação simbólica com certas religiões pagãs que o Cristianismo
foi procurando erradicar e onde foi sendo demonstrando o seu repúdio115, devendo os
animais serem servidores do homem, como justifica aliás o principal livro religioso
cristão e onde se enquadram igualmente sacrifícios para agradar a Deus, tendo vários
autores debatido esta problemática como Lewis, Platinga, Hick, Geach116.

Assim e fruto da continuidade da evolução social e filosófica, a dignidade da pessoa


humana vai se enraizando com novos pensamentos de maior pendor onde se realça, além
da “dimensão igualitária e universal da dignidade humana” 117, a progressiva aquisição
“de um espaço de liberdade irrenunciável e um conjunto de direitos inatos e
inderrogáveis”118 tendo imperiosamente como consequência uma impossibilidade de
intervenção, tanto pública como privada, sobre esta “esfera de direitos e liberdades
irrenunciáveis ou inderrogáveis da pessoa humana” 119.

Passando todo o ser humano de modo igual, a usufruir dogmaticamente de liberdades


e direitos que não poderão ser coartados nem por terceiros nem pelo próprio Estado120,
num cariz evolutivo similar e na devida proporcionalidade aos atuais direitos, liberdades
e garantias, com“limitações intransponíveis ao Poder Político”121. Surgindo todo um
122
novo fundamento relativamente a este, que irá condicionar o seu exercício e que
presentemente é desde logo representado pela aplicabilidade do Princípio da Separação e
Interdependência de Poderes, crucial para que todo e qualquer cidadão disponha de facto
dos seus direitos fundamentais123.

115
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 8.
116
Vide ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 70-73.
117
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 43.
118
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 97.
119
Idem.
120
“Criados à imagem e semelhança de Deus, todos têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma
sujeição política ou social pode destruir”. MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, Almedina,
Coimbra, 2017, p. 20.
121
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 99.
122
Idem, p. 99. Conforme proclamou Jesus Cristo: “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de
Deus”. Bíblia: Mateus, Capítulo 22, Versículo 2: Marcos, Capítulo 12, Versículo 17, Lucas, Capítulo 20,
Versículo 25. Significando tais palavras que nem todas as áreas deverão ser alvo de intervenção do Poder
Político, devendo este encontrar-se condicionado.
123
Pois “somente há direitos fundamentais quando o Estado e a pessoa, a autoridade e liberdade se
distinguem e até, em maior ou menor medida se contrapõem”. MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais,
2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 15.

15
Em relação aos animais, não se verificou a mesma evolução, de preocupação da
atribuição de quaisquer direitos fundamentais ou algo juridicamente similar, mas foram
surgindo vários pensamentos ideológicos onde os animais deveriam ser vistos de modo
respeitoso e detentores pelo menos de interesses por não subsistir, conforme nos
menciona Fernando Araújo, “nenhuma necessidade de manter os animais do «lado de
fora» de uma fronteira de exclusão”124 e de onde se realça a corrente darwinista.

Numa tendência evolutiva onde não existem motivos válidos de discriminação entre
os homens e os animais num cariz de “estruturação da natureza” 125, à semelhança do
que tinha sucedido e ainda sucedia, mas com um progresso maior e mais célere quanto às
“convições sobre o cárater «natural» da estratificação social” 126.

Mas infelizmente do lado contrário e com excessiva robustez o raciocínio por regra
foi sendo desfavorável, com destaque para o modelo cartesiano onde e segundo
Descartes“os animais mais não são que autómatos, semelhantes a máquinas”127, não
sentido quaisquer dor ou sentimentos, “não tendo mente nem alma”128 e portanto,
“destituidos de pensamento ou de qualquer consciência”129 e que lamentavelmente
“serve de base a todo o pensamento ocidental e que tem sido hostil ao entendimento de
que os animais tem direitos” 130.

E deste modo, os comportamentos humanos praticados aos animais não deveriam ser
relevados como cruéis já que estes são um mero objeto como qualquer outro, que
respondem apenas por instinto aos atos realizados131, algo que continua a acontecer nos
tempos de hoje principalmente com os denominados animais de quinta ou de laboratório
e que se resume na nossa visão, a apenas uma vulgar desculpa para justificar os
procedimentos desumanos utilizados.

124
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 82.
125
Idem.
126
Idem.
127
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 9.
128
Idem.
129
REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva
Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80, p. 70.
130
Ibidem, p. 69.
131
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 9.

16
Não existe nestes termos, na esfera cartesiana, uma obrigação moral 132 perante os
animais, raciocínio igualmente defendido por Imannuel Kant, que lhe acrescenta a falta
de autonomia da vontade133, autor que teve aliás um papel preponderante na mutação do
conceito de dignidade humana visto ter sido efetivamente através de si que esta deixou
de ser explicada “através do atributo da criação divina”134, mas “independente da
crença religiosa e baseada essencialmente na capacidade de atuação racional e de
autodeterminação e responsabilização moral da pessoa humana”135.

É pois prioritariamente através deste filósofo e da posição iluminista136 que se


concretiza a ideia de efetiva autonomia do Ser Humano enquanto tal, numa conceção
moderna de dignidade humana, numa vertente já contemporânea deste princípio “através
da associação do conceito a uma visão plenamente emancipada, secular, da razão
humana e da capacidade de autonomia” 137 que, diga-se, influenciou e determinou “o
pensamento ocidental sobre o significado e o conteúdo da dignidade”138 e concretamente
a evolução dos entendimentos doutrinário e jurídico que temos hoje sobre o tema naquilo
que diz respeito ao ser humano.

Esta é aliás a opinião maioritária dos principais autores, mencionando precisamente


Júlio Neto que o maior desenvolvimento filosófico do conceito de dignidade da Pessoa

132
Idem.
133
Vide REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva
Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80, p. 71 e PEREIRA, Rita, Os Direitos e
os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 13.
134
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 45.
135
Idem.
136
Apesar que já a partir do humanismo renacentista, com por exemplo Pico Della Mirandola, se tinha
iniciado o tratamento analítico deste tema, passando o homem nessa ideologia a ser “o ponto de referência
de toda a realidade”. OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, Volume I, Almedina,
Coimbra, 2020, p. 134. Ou seja, a dignidade passará a ser autónoma e própria, surgindo com a condição
racional humana, não continuando portanto como até essa época como algo “reflexa ou dependente de
Deus”. Vide NETO, Júlio Rodrigues, Dignidade Social: Direitos Fundamentais e as Fronteiras da
Atividade Prestacional do Estado, Tese de Doutoramento em Direito, Volume I, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, p. 32.
137
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 45.
138
FURLAN, Alessandra Cristina et al, “Dignidade da Pessoa Humana”, Unopar Científica: Ciências
Jurídicas e Empresariais, vol. 8, Universidade Norte do Paraná, Março, Londrina, 2007, pp. 73-80, p. 74.

17
Humana surge realmente a partir de Immanuel Kant139, explicando-nos igualmente
Adriana Castelo Siqueira e Ana Luisa Coutinho, que “a contribuição de Kant para a
expressão do conceito de dignidade é reconhecida amplamente” 140, sendo ainda hoje, de
acordo com Luis Barroso, “referência central na filosofia moral e jurídica, inclusive e
especialmente na temática da dignidade humana”141.

E de onde sobressai como primacial parâmetro concernente à dignidade humana a


liberdade do homem relativamente aos outros seres humanos142, sendo esta um “direito
único, originário”143 não podendo ser aceite qualquer possibilidade de relativização, de
redução da pessoa “tão só a simples meio para a prossecução de outros fins” 144
,
raciocínio este que se aplicaria não só a terceiros mas igualmente ao próprio perante si
mesmo. Não podendo por conseguinte e de maneira alguma “renunciar à sua
dignidade”145, convertendo-se em “escravo de homens” 146, “sob pena de o Ser Humano
deixar de ser um fim em si mesmo, degradando-se a si próprio em mera coisa ou
objeto”147.

Ao contrário dos seres irracionais e portanto dos animais, que possuem “apenas um
valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais
se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos” 148,
expressando a autonomia segundo o filósofo, “a vontade livre, a capacidade do indíviduo

139
NETO, Júlio Rodrigues, Dignidade Social: Direitos Fundamentais e as Fronteiras da Atividade
Prestacional do Estado, Tese de Doutoramento em Direito, Volume I, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, p. 32.
140
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva
Histórico-filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol.
8, nº 1, Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 16.
141
BARROSO, Luís Roberto, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público,
Mimeografado, Dezembro de 2010, p. 15. Vide em DIGNIDADE PESSOA HUMANA LUIS
BARROSO.pdf
142
Por ser inclusivamente a causa da autonomia da vontade. OTERO, Paulo, Instituições Políticas e
Constitucionais, Volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 210.
143
KANT, Immanuel, La Metafísica de las Costumbres, 3º edição, Tecnos, Madrid, 1999, p. 40.
144
NOVAIS, Jorge Reis, A Dignidade da Pessoa Humana – Dignidade e Direitos Fundamentais, Volume
I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 46. Mas “não é propriamente o facto de se ser instrumentalizado,
de ser tratado como instrumento que é condenável: é o facto de se ser relativizado só a instrumento de
outrem, de simultaneamente não se estar a ser visto, respeitado, tratado ou assumido como fim em si
mesmo”. Ibidem, p. 47.
145
KANT, Immanuel, La Metafísica de las Costumbres, 3º edição, Tecnos, Madrid, 1999, p. 299.
146
Ibidem, p. 301.
147
OTERO, Paulo, Instituições Políticas e Constitucionais, Volume I, Almedina, Coimbra, 2020, p. 210.
148
KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Porto Editora, Porto, 1995, p. 68.

18
de se autodeterminar, em conformidade com a representação de certas leis”149, o que
não seria possível de se verificar com os outros seres vivos.

Devia deste modo manter-se igualmente segundo Kant, uma clara superioridade do
homem sobre os animais, pelo facto destes “não serem racionais nem terem consciência
de si próprios; as suas escolhas não seriam livres mas sim impostas pelos seus
instintos”150. Não podendo sequer usufruirem de um valor intrínseco por não serem
possuidores de uma «boa vontade», faltando-lhes tanto a correspondente autonomia como
o estatuto moral151, só devendo serem considerados seres morais os seres humanos, por
só eles serem “capazes de recuar face aos seus desejos e vontades” 152.

Nestes termos, na visão de Immanuel Kant,“livres são aqueles seres capazes de fazer
suas próprias escolhas, através da vontade” 153 o que acontecerá somente aos homens,
pois só estes “são dotados de razão e possuem este atributo da liberdade da vontade, que
significa autonomia, autonomia essa inclusive de selecionar e pautar a vontade conforme
certas regras e leis”154.

Concluindo o autor que “a dignidade é atributo portanto dos seres humanos, que são
dotados de autonomia, de razão, com capacidade de elaborar normas de conduta,
submeter-se a elas, fazer as suas escolhas de vida conforme a sua consciência e
vontade”155.

149
BARROSO, Luís Roberto, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público,
Mimeografado, Dezembro de 2010, p. 17. Vide em DIGNIDADE PESSOA HUMANA LUIS
BARROSO.pdf
150
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 13.
151
Vide REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva
Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80, p. 71.
152
Idem.
153
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva
Histórico-filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol.
8, nº 1, Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 16.
154
BARROSO, Luís Roberto, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo:
Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público,
Mimeografado, Dezembro de 2010, p. 17. Vide em DIGNIDADE PESSOA HUMANA LUIS
BARROSO.pdf
155
SIQUEIRA, Adriana Castelo de & Coutinho, Ana Luisa, “Dignidade Humana: Uma Perspetiva
Histórico-filosófica de Reconhecimento e Igualdade”, Problemata: Revista Internacional de Filosofia, vol.
8, nº 1, Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2017, pp. 7-23, p. 17.

19
Diga-se todavia que, apesar da manutenção de uma visão em parte idêntica aos
cartesianos, Imannuel Kant evoluiu o seu raciocínio que indiretamente veio possibilitar
progressivamente a obtenção de benefícios aos animais já que e independentemente das
inferioridade e instrumentalidade a que estavam destinados, deveriam ser respeitados
pelos seres humanos, sendo esta aliás um dever nosso enquanto agentes morais156.

Sendo que, na opinião do autor, “maltratar um animal significa aproximarmo-nos do


mau trato a um ser humano” 157, existindo consequentemente e “de facto deveres para
com os animais” 158 mas verdadeiramente e na prática, “reflexo de deveres indiretos para
com os seres humanos” 159. Não significava assim que que os animais tivessem direitos e
portanto, existisse um vínculo jurídico de proteção, o que concretamente não sucedia
estando em causa somente, no âmbito de um complexo de regras sociais e morais,
«apenas» um dever por parte de um ser humano de um determinado modo de atuação e
ainda, por razões relacionadas com a salvaguarda de condutas perante outro ser
identicamente humano.

Contudo e apesar da continuidade do animal enquanto objeto e não sujeito de direito,


esta evolução de pensamento defendida por Kant, de que também os animais têm
capacidade para sentir sofrimento começa a estar instalada, surgindo através deste
filósofo uma nova ideia de moralidade160, o que felizmente e factualmente vem provocar
a mutação de inúmeras mentalidades num âmbito de preocupação mediata com estes seres
vivos não humanos. Dado que, o homem para poder ser um agente moral na integra,
necessita impreterivelmente de respeitar “os animais, pois qualquer crueldade para com
estes se reflete no caráter de perpetrador, reproduzindo-se (ou sendo susceptível de
reprodução) junto dos seus companheiros humanos” 161.

Assim e no âmbito da acentuada discussão da dignidade da pessoa humana foram


surgindo natural e historicamente várias perspetivas que foram solidificando a

156
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 13.
157
Idem.
158
Idem.
159
Idem.
160
Idem.
161
Idem. Conforme nos continua a explicar Rita Pereira, “Bondoso é, portanto, aquele humano que,
fazendo uso dos animais para os fins que necessitar, o faz de uma forma compassiva, evitando o sofrimento
desnecessário”. Idem.

20
caracterização do princípio relativamente ao ser humano, salientando-se desde logo com
relevância para o mundo jurídico de várias grandes aceções, casos das “teoria da dádiva”
ou conceção ontológica162, “teoria da prestação” ou conceção funcional163 e “teoria do
reconhecimento”164 e onde se chegou até aos tempos atuais a um conjunto de direitos
fundamentais que deverão ser atribuidos a todos os homens, num cariz universal e igual,
como é exemplo o território português165 e onde se vão solidificando não só os direitos,
liberdades e garantias mas igualmente os direitos sociais em consonância com as
doutrinas indicadas.

Direitos, liberdades e garantias que garantem um efetivo Estado de direito democrático


e desde logo uma salvaguarda indívidual contra ingerências do Estado e terceiros numa
exigência de liberdade, conforme nos assegura a alínea b) do art. 9º da CRP166, mas
igualmente direitos sociais que se encontram relacionados com o bem estar e qualidade
de vida na comunidade, consoante o preceituado na alínea d) do mesmo art. 9º da CRP e
em conexão “com os princípios da solidariedade, igualdade material e do Estado
Social”167 num âmbito de “libertação do poder”168 no que respeita aos primeiros e de
“libertação da necessidade”169 no que concerne aos segundos.

Quanto às evoluções histórica, filosófica, sociológica e jurídica relativas aos animais


fomos igualmente observando, embora de modo muito mais lento e minoritário170, ao

162
ALEXANDRINO, José Melo, Lições de Direito Constitucional, volume II, 2ª edição, AAFDL Editora,
Lisboa, 2017, p. 78. Também intitulada por Giogio Resta como “aceção objetivista (hetero-determinada
ou material)”. Vide ALEXANDRINO, José Melo, “Perfil Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana:
Um Esboço traçado a partir da Variedade de Conceções” in Direitos Fundamentais & Justiça, nº 11,
Abril/Junho, Porto Alegre, 2010, pp. 13-38, p. 25.
163
ALEXANDRINO, José Melo, Lições de Direito Constitucional, volume II, 2ª edição, AAFDL Editora,
Lisboa, 2017, p. 78. Denominada ainda por Giorgio Resta como “aceção subjetiva (ou processual)”. Vide
ALEXANDRINO, José Melo, “Perfil Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: Um Esboço traçado
a partir da Variedade de Conceções” in Direitos Fundamentais & Justiça, nº 11, Abril/Junho, Porto Alegre,
2010, pp. 13-38, p. 25.
164
De onde se deverão destacar Hegel, Axel Honneth ou Hasso Hofman.
165
Veja-se os arts 12º e 13º da CRP.
166
Vide também ALEXANDRINO, José Melo, Lições de Direito Constitucional, volume II, 2ª edição,
AAFDL Editora, Lisboa, 2017, p. 90.
167
Idem.
168
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 114.
169
Idem.
170
Veja-se a título de exemplo o referido por António Menezes Cordeiro quando compara o
desenvolvimento e aquisição de direitos por parte do escravo em relação ao animal: “Simplesmente, ao
passo que o escravo, mercê, designadamente, do cristianismo, se veio a emancipar, outro tanto não sucedeu
com o animal”. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral – Coisas,
Tomo III, Almedina, Coimbra, 2020, p. 287.

21
surgimento de vários pensadores e movimentos inteletuais que os foram defendendo de
modo menos ou mais intenso, onde se enquadram por exemplo Immanuel Kant, John
Stuart Mill ou John Rawls com uma visão utilitarista.

E principalmente Charles Darwin primeiramente, que contribuiu de modo decisivo


para a causa animal, causando uma revolução nas diversas mentalidades através da sua
teoria evolutiva que estabelecia uma primeira e estreita ligação de cariz científico entre o
ser humano e o primata171 e subsquentemente Peter Singer e Tom Reagan,
“considerados paladinos de uma nova era de proteção animal” 172.

Fruto da correspondente evolução da preocupação com os animais foi-se percebendo,


conforme nos foi explicando Peter Singer, que qualquer posicionamento de domínio dos
homens sobre os animais ou se quisermos, especismo173, não é mais do que raciocínios
idênticos aqueles que entendiam que pessoas de diferentes etnias ou mulheres seriam
inferiores a pessoas brancas ou ao sexo masculino nomeadamente racismo ou sexismo174
o que as fazia desde logo serem tratadas como coisas.

Visões que foram necessariamente sendo combatidas ao longo das épocas por
violarem o princípio da dignidade humana, onde todas as pessoas são iguais no âmbito
da sua condição natural. Algo que deveria ser extensível aos seres não humanos e desde
logo com um maior destaque no ordenamento jurídico, principalmente no que se refere à
Constituição175, que salvaguarda os principais direitos designadamente os fundamentais
devido ao facto, como nos explicou Bentham, dos animais também sentirem um
sofrimento similar ao dos seres humanos e portanto, disporem identicamente de

171
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 14.
172
Ibidem, p.16.
173
Termo utilizado pela primeira vez por Richard Ryder. ABILIO, Juan Roque, Os Direitos Fundamentais
dos Animais Não Humanos: O Ultrapassar Fronteiras da Constituição para além da Coexistência à
Convivência Moral e Ética dos Seres Sencientes, 1º Simpósio sobre Constitucionalismo, Democracia e
Estado de Direito, pp. 440-461, p.447. Vide em DIREITOS FUNDAMENTAIS ANIMAIS NÃO
HUMANOS JUAN ROQUE ABILIO.pdf ou PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem
e as Coisas, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015,
p.11.
174
ABILIO, Juan Roque, Os Direitos Fundamentais dos Animais Não Humanos: O Ultrapassar Fronteiras
da Constituição para além da Coexistência à Convivência Moral e Ética dos Seres Sencientes, 1º Simpósio
sobre Constitucionalismo, Democracia e Estado de Direito, pp. 440-461, p.441. Vide em DIREITOS
FUNDAMENTAIS ANIMAIS NÃO HUMANOS JUAN ROQUE ABILIO.pdf .
175
Idem.

22
consciência e sentimentos176 independentemente de terem ou não capacidade de
raciocínio.

Deste modo e segundo já demonstrado mais recentemente por António Damásio,


“algumas das faculdades tipicamente atribuídas aos seres humanos, são na verdade,
comuns a outras espécies” 177 sendo assim os animais “dotados de consciência, capazes
de sentir prazer e dor, medo e felicidade, produzem memórias, sentem desejos e agem na
prossecução de objetivos sendo ainda capazes de grandes atos de altruismo” 178, o que
só pode implicar de imediato a atribuição de efetivos direitos a estes seres vivos.

3. Direito dos Animais e sua correspondente Evolução Jurídica

Na atualidade e com o extraordinário avanço do conhecimento científico, já não


subsistem quaisquer dúvidas que os animais são “seres vivos conscientes e sensiveis num
grau muito semelhante ao ser humano” 179
, “capazes de sentir dor, angústia e
desgosto”180 e “vivenciar experiências até há pouco tempo consideradas exclusivas dos
seres humanos”181 devendo portanto ser respeitados, o que, com o desenvolvimento de
vários movimentos de cariz social e a consequente alteração das mentalidades, vai
possibilitando a perceção da sociedade pela importância de certas condutas de deferência
que se deverão apresentar perante um animal.

E desde logo por aqueles denominados animais de companhia como o cão ou o gato182,
fruto da humanização que vão obtendo devido à sua integração como membros da

176
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 13.
177
REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva
Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80, p. 72.
178
Ibidem, p. 69.
179
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 16.
180
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral – Coisas, Tomo III,
Almedina, Coimbra, 2020, p. 287.
181
REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva
Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80, p. 79.
182
“Tratados como se fossem filhos ou netos” LEITÃO, Margarida Menezes, “Os Animais de Companhia
e o Arrendamento para Habitação” in Direito dos Animais - 2019, Centro de Estudos Judiciários, Março,
Lisboa, 2020, pp. 33-49, p. 33.

23
respetiva familia humana num contexto multiespécie183, mas que não deverá ficar
condicionada apenas a estes simplesmente pela conexão mais direta que possuem
connosco, o que nos leva à persistência de indicadores de hipocrisia por ignorarmos os
métodos aplicáveis aos restantes que não se relacionam diretamente com o homem
enquanto seres vivos, numa preocupação meramente egoista e relacionada com o
proveito que nos poderão eventualmente trazer184.

Importa nestes termos perceber, independentemente da função que cada categoria


poderá dispor na relação com o ser humano, que existe efetivamente “a necessidade de
mudança de tratamento em relação aos animais, com fundamento na sua sensibilidade e
suscetibilidade à dor e ao sofrimento, através de um paradigma de natureza ética” 185 e
em conformidade com a sua vulnerabilidade186. Já que por si não se conseguem defender
contra o ser humano e às atrocidades que o mesmo poderá provocar em seu benefício,
muitas das vezes totalmente fútil e sem caráter adequado de proporcionalidade187.

Compreensão esta que deverá ser imperativamente acompanhada pela receptividade


pública que o tema tem suscitado no período temporal contemporâneo, com o

183
Já existem muitos estudos científicos com esta conclusão. Vide por exemplo FRACIONE, Gary,
Introdução aos Direitos dos Animais: seu filho ou o cachorro?, Unicamp, Campinas, 2013, p. 21. Sendo
que “os animais são importantes para a vida sadia das pessoas (das familias)”. Vide SILVA, Maria de
Jesus Lopes da, “Animais de Companhia, Ética e Direito”, Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 5, nº 2
Centro de Investigação de Direito Privado, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2019, pp. 599-615, p.
611.
184
Neste sentido, explicam-nos Fernanda Fontoura de Medeiros e Cássio Cibelli Rosa existir “no mundo
ocidental moderno, comumente, uma distorção social quanto ao reconhecimento de, minimamente, um
dever de proteção para com os animais não humanos”. Já que“socialmente se admite uma chacina diária
de determinadas espécies de animais e uma proteção efetivamente maior para com os chamados animais
de companhia, como cães e gatos, apresentando quase que duas castas de animais, uma que merece um
certo grau de consideração no seio da comunidade moral e outra que são apenas recursos a serem
explorados pela humanidade”. Vide MEDEIROS, Fernanda Fontoura & ROSA, Cássio Cibelli, “A
Dignidade da Vida e a Vedação de Crueldade”, Revista de Biodireito e Direito dos Animais, volume 2,
número 2, Julho/Dezembro, Curitiba, 2016, pp. 1.20, p. 4.
185
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, Almedina, Coimbra,
2018, pp. 401-443, pp- 408-409.
186
REGIS, Arthur, Vulnerabilidade como Fundamento para os Direitos dos Animais - Uma Proposta para
um Novo Enquadramento Jurídico, Tese de Doutoramento, Novas Edições Académicas, 2017, p. 78. O
autor entende mesmo que, relativamente aos animais, o termo mais correto a utilizar até deverá ser uma
hipervulnerabilidade já que “a vulnerabilidade dos animais é ainda mais exarcebada ou potencializada
pelas limitações de expressar a sua autonomia e de dialogar ou de se fazer entender pelos seres humanos”,
encontrando-se portanto mais desprotegidos que os seres humanos alvo de discriminação. Ibidem, p. 79.
187
Como dizia o famoso filósofo Mahatma Gandhi, “quanto mais indefesa é uma criatura, mais direitos
tem de ser protegida pelo homem contra a crueldade do homem”. GANDHI, Mahatma APUD
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, 2018, Almedina,
Coimbra, 2018, pp. 401-443, p. 401.

24
consequente incremento de inquietação de uma parte significativa da população no grau
de proteção que poderá ser atribuído aos seres não humanos sencientes e portanto, que
interesses os mesmos terão direito a usufruir e se de modo similar a todas as tipologias.

Sabendo nós que “o direito torma estes interesses disponíveis de acordo com a
margem de sacríficio que o ser humano está disposto a fazer em detrimento dos seus
próprios interesses” 188
, devendo o caminho a desenvolver ser o da aplicação, em
conformidade com a sua seciência, “do paradigma ético que decorre do princípio da
igual consideração de interesses semelhantes”189 num cariz de igualdade material,
conforme defendido por Peter Singer190.

Diga-se contudo, para ser ser justo, que tem efetivamente existido uma relevante
evolução política, legislativa e inclusivamente doutrinal de salvaguarda dos animais, fruto
da sensibilidade social que se vai enraizando enquanto preocupação com estes, surgindo
naturalmente vários critérios de proteção em “decorrência cultural do mundo
civilizado“191, afigurando-se aliás como “um ponto pacífico, que o passar dos anos tem
vindo a sedimentar e a pacificar” 192. Constituindo já hoje para Menezes Cordeiro, “um
valor estruturante das modernas sociedades pós-industriais, quer a nível interno, quer a

188
REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva
Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80, p. 69. Sendo que infelizmente em
bastantes ocasiões, como nos elucida Marisma Quaresma dos Reis, “o interesse animal envolvido é
significativo e o interesse humano é reconhecidamente trivial, como é o caso da utilização de animais para
fins de entretenimento”, como são os casos por exemplo das touradas ou dos circos. Idem.
189
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, 2018, Almedina,
Coimbra, 2018, pp. 401-443, pp- 401-402. Princípio este da autoria de Peter Singer. Vide SINGER, Peter,
“All Animals Are Equal”, in REGAN, Tom & SINGER, Peter, Animal Rights and Human Obligations,
Englewood Cliffs, Prentice-Hall, New Jersey, 1989, pp. 148-162.
190
E não de uma igualdade formal visto não ser por exemplo necessário atribuir direito de voto a um animal.
Vide SINGER, Peter, “All Animals Are Equal”, in REGAN, Tom & SINGER, Peter, Animal Rights and
Human Obligations, Englewood Cliffs, Prentice-Hall, New Jersey, 1989, pp. 148-162 e ABILIO, Juan
Roque, Os Direitos Fundamentais dos Animais Não Humanos: O Ultrapassar Fronteiras da Constituição
para além da Coexistência à Convivência Moral e Ética dos Seres Sencientes, 1º Simpósio sobre
Constitucionalismo, Democracia e Estado de Direito, pp. 440-461, p.449. Vide em DIREITOS
FUNDAMENTAIS ANIMAIS NÃO HUMANOS JUAN ROQUE ABILIO.pdf .
191
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral – Coisas, Tomo III,
Almedina, Coimbra, 2020, p. 316.
192
Idem. No mesmo sentido, explica-nos Monique Mosca Gonçalves que “a evolução da proteção jurídica
dos animais tem sido constante nos últimos anos, com a intensificação dos debates sobre a consideração
ética que deve reger a relação entre os seres humanos e os demais seres sensíveis e a consequente expansão
da produção legislativa nesta área”. Vide GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção
Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito,
Ano 150º, Número II, 2018, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 401-443, p. 401.

25
nível internacional”193 por se encontrar de facto em vigor “um consenso social-cultural
alargado no sentido de se dever prestar uma proteção aos animais” 194.

Destaque-se desde logo um reiterado e crescente aumento de relevantes autores a


pensar, a escrever e a falar sobre a matéria e nomeadamente “favoráveis a uma proteção
alargada”195, verificando-se tanto um acréscimo de qualidade mas igualmente de
quantidade, a atribuição de uma cada vez maior e crescente importância ao tema no
âmbito da discussão política e onde se vão incorporando com mais contumácia as
preocupações concretas do bem estar animal e proteção do ambiente e dos ecossistemas,
surgindo inclusivamente partidos políticos cuja principal prioridade é esta.

O que impreterivelmente, aliado à relevância sócio-cultural que o assunto vai


adquirindo, levará felizmente à aquisição legislativa de mais e melhores garantias por
parte dos animais, o que progressivamente irá provocando consequências na melhoria da
sua qualidade de vida. Até porque e de acordo com Ulpiano, “de facto, o Direito não é
próprio apenas do gênero humano mas de todo o animal, quer tenha nascido no céu, quer
na terra, quer no mar” 196.

Têm desta forma surgido inúmeros diplomas legislativos relativos ao assunto em


discussão, devendo ser realçada de imediato a Declaração Universal dos Direitos dos
Animais proveniente da UNESCO e datada de 15 de Outubro de 1978, que proclama,
embora sem caráter vinculativo, um conjunto amplo de direitos que os animais deverão
usufruir.

No entanto entendemos, num procedimento idêntico à Declaração Universal dos


Direitos do Homem, que não se verificam argumentos para a sua não consumação já que
a sua execução ou falta dela dependerá da observância do Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, aplicável igualmente na nossa visão aos seres não humanos considerados
biologicamente como sensiveis já que, como defendia Ulpiano, “o direito natural é o que

193
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral – Coisas, Tomo III,
Almedina, Coimbra, 2020, p. 288.
194
Ibidem, p. 289.
195
Idem.
196
ULPIANO APUD CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral –
Coisas, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2020, p. 296.

26
a natureza inculca em todos os animais”197 e não por conseguinte apenas aos seres
humanos.

Ou seja, as duas declarações não são consideradas vinculativas, mas tal não impede
que o diploma relativo à dignidade da Pessoa Humana goze de determinado valor superior
a nível internacional e nacional, inclusivamente das leis fundamentais de uma área
geopolítica198 e onde são exemplos em território português o art. 8º da CRP, cujos
“princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito
português”,199 ou o art. 16º da CRP, onde se estatui que “os preceitos constitucionais e
legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de
harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.

Verificando-se em vista disso, uma vinculação direta do direito positivo ao direito


natural através da legislação com maior significado que, no âmbito da hierarquia das leis,
influenciará forçosamente qualquer texto legislativo elaborado o qual não poderá
contrariar o definido na Constituição, em consequência de dispor de uma dimensão
inferior o que provocaria de imediato uma inconstitucionalidade.

Deverá deste modo na nossa opinião, ser realizada uma interpretação extensiva dos
dois preceitos constitucionais mencionados relativamente à Declaração Universal dos
Direitos dos Animais, já que no momento presente e no âmbito de uma adequada
interpretação subjetiva atualista moderada200 em conformidade com o espírito da lei e o
determinado no art. 9º do Código Civil, não será adequado limitar o entendimento do
princípio da dignidade da pessoa humana apenas ao homem mas sim e equitativamente

197
Idem.
198
Pois, de acordo com Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer, “para além de ser também um valor, configura-
se como sendo – juntamente com o respeito e a proteção da vida! . o princípio de maior hierarquia da
nossa Constituição e de todas as demais ordens jurídicas que a reconheceram”. Vide SARLET, Ingo
Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago, “Algumas Notas sobre a Dimensão Ecológica da Dignidade da
Pessoa Humana e sobre a Dignidade da Vida em Geral”, Revista Direito Público, vol. 5, nº 19,
Janeiro/Fevereiro, IDP, Porto Alegre, 2008, pp. 7-26, p. 9.
199
Com aplicação automática sem necessidade de ratificação ou aprovação como as normas internacionais.
200
SILVA, Germano Marques da, Introdução ao Estudo do Direito, Universidade Católica Portuguesa,
Lisboa, 2006, p. 234. Significando esta interpretação, como nos esclarece Germano Marques da Silva,
“descortinar a vontade que o legislador teria nas condições em que a lei é aplicada, àquilo que o legislador
quereria na atualidade, ou seja, nas circunstâncias em que a lei é aplicada”. Vontade esta obviamente
dependente da vontade histórica legítima da população que representa, o que nos parece encontrar-se de
acordo com o pretendido na época atual em decorrência da evolução permanente da consciência social com
os animais. Ibidem, p. 233.

27
aos animais, por não subsistirem razões válidas para se apreciar a dignidade intrínseca de
ambos de maneira diferenciatória.

Sendo que, em consonância com as mais variadas legislação e jurisprudência em


defesa dos seres não humanos sencientes201 que constantemente vão emergindo e em
corolário das preocupações pública e doutrinária que se vão felizmente impondo, é de
concluir que as visões tanto do legislador como do intérprete só poderão ir caminhando
em certo sentido, de proteção dos animais e mais concretamente, na solidificação de
direitos e não apenas de interesses, enquanto um efetivo “status jurídico de sujeitos de
direitos” 202.

Assim e em decorrência desta interpretação dos arts 8º e 16º nº 2 da CRP, os animais


deverão usufrur de dignidade, algo aliás já há muito defendido por Peter Singer e Tom
Reagan203 e no âmbito, como defendido por Ingo Wolfang Sarlet e Tiago Fensterseifer,
de uma “dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana”,204 devendo
portanto atribuir-se esta “dignidade e direitos aos animais não humanos e à natureza”205.

Deverá portanto na época atual, numa vertente humanista de sentido lato que se vai
implantando nas sociedades mais civilizadas e onde é prioritário o respeito pelo outro,
humano ou não humano, ocorrer o “reconhecimento da dignidade e valor intrínseco do
206
animal não humano e da natureza” até porque os animais são necessariamente,
queiramos ou não, “membros de uma mesma comunidade moral partilhada com os seres
humanos.” 207

201
Sendo aliás hoje inquestionável a existência desta senciência, conforme nos refere Alexandra Reis
Moreira. Vide MOREIRA, Alexandra Reis, “Perspetivas quanto à Aplicação da Nova Legislação”, in
DUARTE, Maria Luísa & GOMES, Carla Amado (coord.), Animais: Direitos e Deveres, Intituto de
Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015,
pp. 153-171, p. 154 e Declaração de Cambridge, 2012. Vide em
CambridgeDeclarationOnConsciousness.pdf (fcmconference.org)
202
SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago, “STJ, A Dimensão Ecológica da Dignidade e
Direitos do Animal não Humano”, Consultor Jurídico, 10 de Maio de 2019, Brasil, pp. 1-6, p. 2.
203
Vide TURATTI, Luciana & PIRES, Luiza, “Animais como Sujeitos de Direitos e a
(In)constitucionalidade da EC 96/2017”, Brazilian Journal od Development, vol. 7, nº 5, Maio, Curitiba,
2021, pp. 53315-53337, p. 53320.
204
SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago, “STJ, A Dimensão Ecológica da Dignidade e
Direitos do Animal não Humano”, Consultor Jurídico, 10 de Maio de 2019, Brasil, pp. 1-6, p. 2.
205
Idem.
206
Idem.
207
Idem.

28
Comunidade moral esta que se deverá basear “na tentativa de erradicação da
violência e do sofrimento no plano da coexistência” 208 tanto aos seres vivos humanos
como seres vivos não humanos, devido à similar sensação de sofrimento, o que os terá
de colocar infalivelmente do ponto de vista ético numa mesma igualdade de consideração
já que a não ser assim mas através da capacidade de raciocinar, provocará
obrigatoriamente discriminação entre o próprio homem excluindo desde logo os
incapacitados209.

Nestes termos, como bem nos expõe Fernando Araújo, “um dos cernes da moralidade
é a erradicação do sofrimento, sendo que o sofrimento não consentido atenta contra os
próprios princípios da natureza humana”210 e a capacidade de sofrimento é precisamente
o requisito para a existência de interesses e, por conseguinte, de qualquer valoração
ética211. Ou, dito de outra forma e de acordo com Pedro Galvão, “o sofrimento é a
caraterística essencial que proporcioba ao ser o direito a uma igual consideração”212.

Deste modo, os animais deverão fruir portanto da mesma estima e os seus interesses
serem acautelados devendo nós humanos, no âmbito da nossa capacidade de raciocínio,
utilizar este benefício para respeitar e proteger os mais vulneráveis, num contexto de
solidariedade213. É este conceito de bondade e inteligência que nos deve distinguir dos
animais e não qualquer outro, de alegada superioridade, como foi sucedendo ao longo da
história entre os próprios humanos e que ainda hoje infelizmente perdura214.

208
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 95-96.
209
Como nos explicou Jeremy Betham, “a questão «não está em saber se eles podem pensar ou falar, mas
sim se podem sofrer»” Vide SILVA, Maria de Jesus Lopes da, “Animais de Companhia, Ética e Direito”,
Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 5, nº 2 Centro de Investigação de Direito Privado, Faculdade de
Direito de Lisboa, Lisboa, 2019, pp. 599-615, p. 602.
210
ARAÚJO, Fernando APUD QUINTAS, Ana Isabel, “Recensão do Livro A Hora do Direito dos
Animais”, Revista Onis Ciência, Volume I, Ano 1, nº 4, Maio/Agosto, Braga, 2013, p. 7.
211
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, p. 97.
212
GALVÃO, Pedro, “Todos os Animais são Iguais”, in Pedro Galvão (Org. E Trad.), Os Animais têm
Direitos? Perspetivas e Argumentos, Editora Dinalivro, Lisboa, 2010, p. 35.
213
SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago, “Algumas Notas sobre a Dimensão Ecológica da
Dignidade da Pessoa Humana e sobre a Dignidade da Vida em Geral”, Revista Direito Público, vol. 5, nº
19, Janeiro/Fevereiro, IDP, Porto Alegre, 2008, pp. 7-26, pp. 10-11.
214
Devendo concluir-se que, em conformidade com o raciocínio de Jeremy Betham, “nem a racionalidade
nem a proficiência linguística são condições necessárias à consideração do estatuto moral, bastando que
sejam seres sencientes (...) para que sejam seres eticamente consideráveis”. JÚNIOR, Marco Aurélio &
VITAL, Aline de Oliveira, “Direitos dos Animais e a Garantia Constitucional de Vedação à Crueldade” in
Revista Brasileira de Direito Animal, vol. 10, nº 18, Junho, Salvador, 2015, pp. 137-194, p.141

29
Pois como nos elucida Klaus Bosselmann, “assim como o indíviduo deve respeitar o
valor intrínseco dos demais seres humanos, o indíviduo também deve respeitar o valor
intrínseco dos outros seres, como animais, plantas, ecossistemas, etc” 215
o que faz
transcorrer “deveres (fundamentais) ecológicos do ser humano para com as demais
manifestações existenciais” 216.

Sendo que esta mesma prerrogativa de consideração pelos animais e natureza acaba
por ser indireta e verdadeiramente, num ângulo do Princípio económico da mão invísivel
de Adam Smith217, um reforço “do status de «direito humano» (pela ótica internacional)
e de «direito fundamental» (pela ótica constitucional) do direito a viver em um meio
ambiente sadio e equilibrado” 218, como consagrado por exemplo no nosso art. 66º da
CRP considerando-se aliás e desde logo uma tarefa fundamental do Estado, nos termos
das alíneas d) e e) do art. 9º da CRP.

Nestes termos, deverão igualamente aplicar-se duas das principais teorias do princípio
da dignidade da pessoa humana aos animais, designamente a relativa ao seu valor
intrínseco219, para nós primordial, mas conjuntamente com uma preocupação social com
o seu bem-estar220, que obriga indispensavelmente a uma intervenção por parte do Estado,
concluindo-se que os animais deverão, face à imperiosa extensão do princípio referido,
usufruir constitucionalmente de direitos fundamentais221. Não existindo quaisquer

215
BOSSELMANN, Klaus APUD SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago, “Algumas Notas
sobre a Dimensão Ecológica da Dignidade da Pessoa Humana e sobre a Dignidade da Vida em Geral”,
Revista Direito Público, vol. 5, nº 19, Janeiro/Fevereiro, IDP, Porto Alegre, 2008, pp. 7-26, p. 17.
216
Idem.
217
Vide por exemplo MANKIW, Gregory, Introdução à Economia, Tradução da 3ª edição norte-americana,
Thomson, São Paulo, 2005, p. 11 ou SAMUELSON, Paul & NORDHAUS, William, Economia, 16ª edição,
Mc Gram Hill, Amadora 1999, p. 29.
218
SARLET, Ingo Wolfang & FENSTERSEIFER, Tiago, “STJ, A Dimensão Ecológica da Dignidade e
Direitos do Animal não Humano”, Consultor Jurídico, 10 de Maio de 2019, Brasil, pp. 1-6, p. 2. Apesar de
que, na opinião do renomado professor Diogo Freitas do Amaral, quando se legisla sobre a crueldade sobre
os animais a pretensão não deverá ser a de salvaguardar a “delicadeza dos sentimentos do ser humano face
aos animais” mas sim o próprio animal e o valor intrínseco que este deverá ter.Vide AMARAL, Diogo
Freitas do, “Acesso à justiça em matéria de ambiente e de consumo”, Textos Ambiente e Consumo, Centro
de Estudos Jurídicos, vol. 1, Lisboa, 1996, p. 162.
219
Teoria da dádiva.
220
Teoria do reconhecimento. Não se aplicará a “teoria da prestação” aos animais por estes não serem
racionais e por tal motivo não conseguirem dispor de vontade e por conseguinte, de liberdade de opção
“para escolher entre várias alternativas e formatar o seu próprio caminho” SARLET, Ingo Wolgang,
“Notas sobre a Dignidade (da Pessoa) Humana no âmbito da Evolução do Pensamento Ocidental”, Revista
Opinião Jurídica, Ano 13, nº 17, Jan/Dez, Fortaleza, 2015, pp. 249-267, p.253.
221
Tom Regan já defendia que os direitos dos animais não poderiam ser considerados “como meros
«direitos de segunda», mas como verdadeiros direitos absolutos, ou seja, em comparação com os direitos

30
dúvidas, como bem nos clarifica Carla Amado Gomes, que necessariamente“num Estado
de Direito, a procura da selecção de bens jurídicos relevantes para a comunidade deve
começar pelo texto constitucional” 222.

Ressalte-se também o art. 13º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,


introduzido pelo Tratado de Lisboa223, que reconhece a nível legislativo europeu, com
efeitos vinculativos tanto para a União Europeia como para os respetivos Estados-
Membros224, que os animais são “seres sencientes – que sentem e não podem, por isso,
ser coisas”, 225 figurando a proteção do bem estar animal, como nos explana Monique
Mosca Gonçalves, “como objetivo e limite de intervenção normativa do decisor
eurocomunitário”226, adquirindo ainda esta salvaguarda, com a existência de uma
cláusula específica no Tratado, de uma “maior visibilidade, o que potencia o controlo da
sua observância”227.

Diga-se aliás que, em Portugal e “no plano legislativo, a rede normativa vai-se
espraiando por cada vez mais áreas fruto, em grande parte, da obrigação de

fundamentais, como direitos intangíveis”. Vide QUINTAS, Ana Isabel, “Recensão do Livro A Hora do
Direito dos Animais”, Revista Onis Ciência, Volume I, Ano 1, nº 4, Maio/Agosto, Braga, 2013, p. 11.
222
GOMES, Carla Amado, Desporto e Proteção dos Animais: por um Pacto de Não Agressão, Instituto de
Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito de Lisboa, 2014, p. 2. Vide in DIREITO ANIMAIS
CARLA AMADO GOMES.pdf
223
Datado de 2007, mas com efeitos a partir de Dezembro de 2009. Tendo a primeira regulação normativa
em tratados surgido originariamente na Declaração nº 24, anexa ao Tratado de Maastricht (1992), que
subsquentemente deu origem ao Protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão, com data de 1997.
224
Neste sentido, explica-nos Rita Pereira que “existe neste momento uma obrigação vinculativa para o
Estados-Membros da UE de terem em conta o bem-estar animal no momento de legislarem e decidirem
sobre assuntos relacionados com estes, tendo inclusivamente de ter em consideração a sua especial
natureza de «seres sensíveis»”. PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas,
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 20. Veja-
se desde logo o artigo científico de Maria Luísa Duarte, que nos elucida sobre as consequências à União
Europeia e seus Estados-Membros em caso de incumprimento. DUARTE, Maria Luísa, “Direito da União
Europeia e Estatuto Jurídico dos Animais: Uma Grande Ilusão?”, in DUARTE, Maria Luísa & GOMES,
Carla Amado (coord.), Animais: Direitos e Deveres, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP),
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 33-47 , pp. 39-44.
225
DUARTE, Maria Luísa, “Direito da União Europeia e Estatuto Jurídico dos Animais: Uma Grande
Ilusão?”, in DUARTE, Maria Luísa & GOMES, Carla Amado (coord.), Animais: Direitos e Deveres,
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio,
Lisboa, 2015, pp. 33-47 , p. 39.
226
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, 2018, Almedina,
Coimbra, 2018, pp. 401-443, pp. 401-402.
227
DUARTE, Maria Luísa, “Direito da União Europeia e Estatuto Jurídico dos Animais: Uma Grande
Ilusão?”, in DUARTE, Maria Luísa & GOMES, Carla Amado (coord.), Animais: Direitos e Deveres,
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio,
Lisboa, 2015, pp. 33-47 , pp. 38-39. E que torna “ainda evidente a sua função como base jurídica de
aprovação de atos jurídicos da União nesta matéria” . Ibidem, p. 39.

31
transposição de diretivas da União Europeia” 228 não existindo quaisquer dúvidas quer
quanto à proteção animal quer quanto a outros temas, ser “cada vez mais evidente que,
no que tange a evoluções civilizacionais, o impulso europeu num Estado conservador
como Portugal, é fundamental” 229.

Ocupando tanto o direito internacional como o direito europeu um significado


irreprimível “na definição progressiva de regras mínimas de proteção do bem-estar
animal que tendem a constituir um padrão normativo de referência para todos os
Estados, com repercussão no nível interno de cuidado e de proteção de que gozam os
animais” 230
, algo que deveria ser melhor aproveitado no nosso pais com melhor
legislação a condizer.

Tendo desta forma este art. 13º do TFUE231 como principal propósito, o
reconhecimento expresso da senciência animal232, deixando “evidente dois fundamentais
aspetos da normativa: a senciência constitui o fundamento da tutela e o objetivo é evitar
o sofrimento desnecessário” 233 , algo que felizmente veio afetar diretamente a legislação
portuguesa através da Lei nº 8/2017, de 3 de Março, que estatuiu um novo estatuto
jurídico dos animais, deixando de os considerar como “coisas” como até então e
atribuindo-lhes, à semelhança do art. 13 do TFUE, “a natureza de seres vivos dotados de

228
GOMES, Carla Amado, “Direito dos Animais: Um Ramo Emergente?”, in ARAÚJO, Fernando (cord.),
Revista Jurídica Luso Brasileira, Ano 1, nº 2, Lisboa, CIDP, 2015, pp. 359-380, p. 360.
229
Ibidem, p. 362. No mesmo sentido, diz-nos António Jorge que “de facto, a principal impusionadora da
regulamentação sobre animais em Portugal tem sido a União Europeia e as suas instituições”. Vide
TORRES, António Jorge, A (In(dignidade Jurídica do Animal no Ordenamento Português, Tese de
Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018, p. 29.
230
DUARTE, Maria Luísa, “Direito da União Europeia e Estatuto Jurídico dos Animais: Uma Grande
Ilusão?”, in DUARTE, Maria Luísa & GOMES, Carla Amado (coord.), Animais: Direitos e Deveres,
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio,
Lisboa, 2015, pp. 33-47 , p. 36. Assim, “as políticas da União deverão ponderar as exigências em matéria
de bem-estar dos animais enquanto seres sencientes”.
231
“Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos
transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os
Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais,
enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os
costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e
património regional”. Sublinhado nosso.
232
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, Almedina, Coimbra,
2018, pp. 401-443, p. 408.
233
Ibidem, p. 409. Nestes termos, , “as políticas da União deverão ponderar as exigências em matéria de
bem-estar dos animais enquanto seres sencientes”. REIS, Maria Quaresma dos, “Direito Animal – Origens
e Desenvolvimentos sob uma Perspetiva Comparatista”, Animais: Direitos e Deveres, Instituto Ciências
Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 68-80,
p. 76.

32
sensibilidade” bem como procedendo por consequência, às necessárias alterações dos
Código Civil, de Processo Civil e Penal234.

Para Monique Mosca Gonçalves o art. 13º referido estabelece inclusivamente “o bem-
estar dos animais como um valor constitucional, conformador das Políticas da União e
dos Estados-Membros nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do
mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço” 235, tendo
esta estatuição na visão da autora, representado “um grande avanço na tutela dos animais
no âmbito europeu, por conferir legitimidade constitucional à causa” 236.

Não concordamos integralmente com esta visão da autora e designadamente quanto à


legitimidade constitucional, em virtude das normas de cariz europeu e internacional se
encontrarem hierarquicamente abaixo das constituiçóes de cada país237 e deste modo os
Estados-Membros usufruirem de autonomia constitucional,, onde se acresce
inclusivamente o confronto com o art. 4º, nº 2 do Tratado da União Europeia (TUE), que
compromete a União a respeitar a competente identidade constitucional de cada
território238.

Reforçada ainda pela redação da segunda parte do preceito normativo em causa239, que
permite a manutenção de atos crueis contra alguns animais que se enquadre nestas práticas
religiosas, culturais ou patrimoniais, como é por exemplo o caso da barbárie das touradas
em Portugal e Espanha, o que possibilita até que leis ordinárias de cada país contrariem a

234
Importa evidenciar o Código Civil, cujos textos normativos mais relevantes se encontram presentemente
nos artigos 201º B a 201-D.
235
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, 2018, Almedina,
Coimbra, 2018, pp. 401-443, p. 408.
236
Ibidem, p. 409.
237
Veja-se a títulos de exemplo SILVA, Germano Marques da, Introdução ao Estudo do Direito,
Universidade Católica Editora, Lisboa, p. 90 ou MIRANDA, Jorge & MEDEIROS, Rui, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 167 e 171.
238
Sendo portanto, “uma opção típica da função constituinte como expressão da autonomia constitucional
dos Estados-membros”. DUARTE, Maria Luísa, “Direito da União Europeia e Estatuto Jurídico dos
Animais: Uma Grande Ilusão?”, in DUARTE, Maria Luísa & GOMES, Carla Amado (coord.), Animais:
Direitos e Deveres, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa, Maio, Lisboa, 2015, pp. 33-47 , p. 46.
239
“...respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos
Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património
regional”.

33
primeira parte do art. 13º, designadamente a preservação do bem-estar animal e a
prerrogativa da sua senciência.

Parece-nos todavia claro que o peso vinculativo deste enquadramento legislativo


europeu apresenta-se a um nível bastante elevado, quanto mais não seja por ter sido alvo
de aprovação e ratificação, o que desde logo obriga as áreas geopolíticas em causa, que o
aceitaram, já que, conforme nos explica de forma clara Maria Luisa Duarte, “em virtude
da exigência do primado do Direito da União Europeia, associado aos princípios da
aplicabilidade direta e do efeito direto, enquanto critério de articulação entre o
ordenamento jurídico da União Europeia e os ordenamentos jurídicos nacionais, os
Estados-membros devem respeitar e fazer respeitar as normas eurocomunitárias, através
dos órgãos internos competentes, de natureza legislativa, administrativa ou judicial” 240.

Possibilitando desde logo aos seus correspondentes cidadãos e tribunais, não esquecendo
o poder jurídico no contexto do Tratado e/ou influenciador dos próprios órgãos da União
e restantes Estados-Membros que disponham de maior sensibilidade para este tema,
atuarem em certo sentido em correspondência com a permanente evolução interpretativa
do princípio da dignidade da pessoa humana, o que provocará certamente, como aliás já
acontece, afinidades a nível de direito comparado e discussões doutrinárias e sociais, que
irão permitindo uma crescente preocupação com o bem-estar animal não apenas no
espaço europeu mas igualmente internacional.

O que aliás já vem felizmente sucedendo em diversas regiões estaduais e desde logo
na sua lei fundamental, a Constituição, parecendo-nos o método mais profíquo para
garantir esta mesma salvaguarda em benefício dos animais por esta se encontrar no topo
da correspondente hierarquia, o que obriga necessariamente obediência por parte dos
Estados e seus concernentes órgãos.

Esta evolução do estatuto do animal tem de facto decorrido, sendo já várias


Constituições que “vêm consagrando ao animal níveis de proteção crescente, quer a

240
DUARTE, Maria Luísa, “Direito da União Europeia e Estatuto Jurídico dos Animais: Uma Grande
Ilusão?”, in DUARTE, Maria Luísa & GOMES, Carla Amado (coord.), Animais: Direitos e Deveres,
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas (ICJP), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Maio,
Lisboa, 2015, pp. 33-47 , p. 43.

34
título de proteção reflexa (...), no qual o animal é protegido enquanto parte integrante
do ambiente, quer a título de proteção direta” 241. apesar de nesta última situação, com a
existência de várias gradações242.

Relativamente à primeira situação, de proteção reflexa, vejam-se os casos de Portugal,


Espanha, Grécia, Itália, Filândia ou Equador, tendo já outros países chegado mais longe,
num contexto de proteção direta, com proeminência para as Leis Fundamentais Suiça,
Alemã ou Brasileira, parecendo-nos imperioso o caminho em Portugal se efetivar
similarmente nesta última aceção, de proteção direta, em respeito pela dignidade que os
animais gozam e que é já por demais reconhecida, a qual deve ser genuinamente
assegurada.

É aliás, segundo a nossa perceção, uma questão de cidadania e um ponto de referência


de uma hodierna sociedade que se queira intitular como civilizada243 e assumida protetora
do princípio da dignidade da pessoa humana, tranformando-se já numa realidade em
diversas áreas geopolíticas, várias de relevo, a preceituar constitucionalmente esta matéria
essencial. Ora, estando sempre nós muito preocupados em seguir os parâmetros de
determinados territórios, alguns por vezes discutíveis e desde logo os exemplos alemão
ou suíço, parece-nos prioritário seguir os bons modelos que aí se praticam.

Deste modo parece-nos que a discussão prioritária, independentemente de outras


relevantes e onde se enquadra por exemplo a atribuição ou não de personalidade jurídica
aos animais, que nos parece outrossim prevalente e com a qual desde logo concordamos,
é a possibilidade destes disporem de direitos fundamentais. Se tal suceder e em
congruência com a hierarquia das leis, estaremos perante a mais auspiciosa ressalva
jurídica possível no âmbito do direito positivo, nomeadamente através da Lei
Fundamental, o que reforçará diretamente a valoração da legislação relacionada com a
proteção animal e a consequente preocupação com a elaboração de outros diplomas
normativos que a completem ou inclusivamente o aperfeiçoamento da mesma.

241
GOMES, Carla Amado, “Direito dos Animais: Um Ramo Emergente?”, in ARAÚJO, Fernando (cord.),
Revista Jurídica Luso Brasileira, Ano 1, nº 2, CIDP, Lisboa, 2015, pp. 359-380, p. 365.
242
Idem.
243
Nestes termos e de acordo com o Tribunal da Relação do Porto, “constitui um dado civizacional
adquirido nas sociedades europeias modernas o respeito pelos direitos dos animais”. Vide Proc. n.º
1813/12.6TBPNF.P1, de 19-02-2015.

35
Parece-nos por isso demasiado pertinente por exemplo a transição do animal como
“coisa” para “ser vivo dotado de sensibilidade”, segundo a atual disposição do art. 201-
B do CC, ou a eventual outorga de personalidade jurídica244. Bem como a obrigariedade
da exigência de bem-estar animal enquanto ser sensível, de acordo com o art. 13º do
TFUE, entre outros inúmeros canônes jurídicos, mas não há dúvidas que a concessão de
direitos fundamentais alteraria a médio prazo a forma como se respeitaria os animais.

Mais ainda que a atribuição de personalidade jurídica, já que a Constituição se


encontra bastante acima do código civil ou outro equivalente245. Sucederia sim, que
potencialmente a sociedade e seus respetivos órgãos institucionais estariam mais
preparados para conceder outros privilégios e desde logo eventualmente a correspondente
personalidade jurídica, desde há muito alvo de debate, não nos parecendo contudo sequer
imperioso que se verifique personalidade jurídica para se conceder qualquer direito
fundamental ao animal, o que desvirtuaria de imediato a devida graduação das leis,
importando sim, a sua defesa enquanto ser vivo senciente e desprotegido.

Sendo que e como bem nos clarifica André Dias Pereira, “respeitando os outros
animais promovemos – de forma reforçada – a protecção e a dignidade dos seres
humanos. De todos os seres humanos, especialmente os que se encontram em situação
de vulnerabilidade” 246.

4. Direitos (Fundamentais) dos Animais na Constituição da República Portuguesa

Em análise ao estipulado na Constituição da República Portuguesa, já vimos existir


uma disposição que se refere de forma reflexa aos animais, em concreto o art. 66º relativo

244
Por exemplo, o Código Penal.
245
Análise que iremos todavia isentar-nos de efetuar neste momento, por não ser o propósito deste nosso
trabalho e que ficará oportunamente para a elaboração de um outro artigo científico. Lembremos apenas
que, por exemplo, os menores até certa idade não usufrem de obrigações mas sim os seus representantes
legais e não é por esta razão que não adquirem personalidade jurídica quando “nascem completos e com
vida”, de acordo com o art. 66º, nº1 do Código Civil. Ou não nos esqueçamos que as organizações não
possuem qualquer capacidade de raciocínio e nem sequer são sencientes (ao contrário dos animais) e mesmo
assim são consideradas pessoas coletivas. Parecendo-nos bastante feliz a designação atribuida pelo governo
indiano aos golfinhos, de “pessoas não-humanas”, título que eventualmente poderia ser transposto para
Portugal relativamente às várias categorias (e não apenas a uma em específico).
246
PEREIRA, Dias André, “O Bem-Estar Animal no Direito Civil e na Investigação Científica”, in NEVES,
Maria Céu Patrão (coord.), Biotécia ou Bioéticas na Evolução das Sociedades, Gráfica de Coimbra,
Coimbra, 2005, pp. 151-163, p. 163.

36
ao ambiente e qualidade de vida, tanto no seu nº 1, onde “todos têm direito a um ambiente
de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” e inclusivamente “o dever de o
defender”, bem como e mais especificamente no seu nº 2, alínea c), com “a proteção da
natureza e da estabilidade ecológica” 247, o que forçosamente incorpora os animais e em
particular os denominados animais silvestres ou de cariz selvagem.

Não obstante, nem nesta norma constitucional nem “em nenhum ponto da Constituição
Portuguesa são os animais referidos expressamente”248, ocorrendo portanto e por
consequência, uma defesa a nível constitucional apenas de maneira mediata e não uma
salvaguarda objetiva. Nestes termos, como bem nos clarifica Rita Pereira, “a protecção
do bem-estar animal é, assim, protegida apenas tanto quanto dessa forma se prosseguem
outros objectivos de cariz ambiental (protecção da natureza como um todo, e protecção
da estabilidade ecológica), que têm por base última uma preocupação com a saúde e
futuro estritamente humanos” 249.

Ou seja, a intenção constitucional é de preocupação com o ser humano e não com o


animal, interessando na realidade o benefício que o homem terá com a defesa do meio
ambiente ou o não prejuízo com a sua possível destruição. Logo, não está em causa a
conservação propriamente dita e altruísta dos ecossistemas para resguardo das espécies
que ai coabitem, ou dito de outra forma, as suas vida, qualidade de vida e condições
propícias à reprodução.

E mesmo aqui, verifica-se uma discriminação constitucional de uma tipologia de


animal comparativamente às restantes, já que só estão em causa os animais de cariz
silvestre ou selvagem, o que sucede identicamente por exemplo nos Códigos Civil e Penal
quanto aos animais de companhia. Deste modo, além de um especismo entre seres
humanos e não humanos sensiveis, permanece pelo homem, um outro entre as próprias
classificações de animais.

247
GOMES, Carla Amado, “Direito dos Animais: Um Ramo Emergente?”, in ARAÚJO, Fernando (cord.),
Revista Jurídica Luso Brasileira, Ano 1, nº 2, CIDP, Lisboa, 2015, pp. 359-380, p. 365.
248
PEREIRA, Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 35.
249
Idem.

37
Parece-nos assim ser efetivamente não só necessário mas igualmente essencial, em
consideração pelo respeito que os animais deverão usufruir e das evoluções sociais,
políticas, dogmáticas, jurisprudenciais e também legislativas, que exista uma estipulação
de direitos fundamentais tendo os mesmos como destinatários. Mas é além do mais
fulcral, para que tal se materialize numa realidade, não cairmos em demagogias ou
radicalismos e adotar-se nesta nova etapa jusfundamental uma progressividade de
condutas que incrementem os respeito e proteção pelo bem-estar animal mas que evitem
o fanatismo, pois de outra maneira convalida-se um risco extremamente alto de
inoperacionalidade que afetará negativamente aqueles que se pretende tutelar250.

Neste momento e em corolário da preocupação jurídica nas suas várias vertentes que
se vai desenvolvendo, existem efetivamente três grandes teorias, a utilitarista ou do bem-
estar animal251, que “diz respeito a uma ética acerca acerca de uma possibilidade de
qualidade de vida para os animais não humanos” 252 que “encara a proteção dos animais
de uma perspetiva objetiva, propondo a solução de conflitos através da fórmula do
sofrimento necessário” 253.

A abolicionista ou do direito dos animais254, que “visa a abolição por completo da


utilização dos animais para qualquer benefício humano” 255 propondo “a libertação dos
animais contra todas as formas de dominação e exploração, como centro de imputação
de verdadeiros direitos” 256. E ainda “uma terceira teoria (“New Welfarist”), de natureza
intermédiária, que almeja, a longo prazo, os direitos dos animais e a curto prazo o bem
estar” 257, propondo portanto “a transição entre a teoria do bem-estar animal e a teoria

250
“Como nos clarifica Menezes Cordeiro, muitas vezes “os fundamentalismos prejudicam as causas que
julgam servir” CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português: Parte Geral – Coisas,
Tomo III, Almedina, Coimbra, 2020, p. 297.
251
“Welfarist Approach” ou “Animal Welfare View”
252
ALBUQUERQUE, Lia do Valle, “A Ética e a Experimentação Animal à luz do Direito Brasileiro e da
União Europeia” in Revista Brasileira de Direito Animal, vol. 10, nº 8, Jan/Abril, Salvador, 2015, pp. 75-
110, p. 90.
253
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, Almedina, Coimbra,
2018, pp. 401-443, p. 409.
254
“Rights Approach”
255
ALBUQUERQUE, Lia do Valle, “A Ética e a Experimentação Animal à luz do Direito Brasileiro e da
União Europeia” in Revista Brasileira de Direito Animal, vol. 10, nº 8, Jan/Abril, Salvador, 2015, pp. 75-
110, p. 88.
256
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, Almedina, Coimbra,
2018, pp. 401-443, p. 409.
257
Idem.

38
dos direitos dos animais” 258 no âmbito “de uma visão híbrida” 259 ou de um novo bem-
estar-animal, mais intensivo260.

Parece-nos nestes termos mais consetânea com a realidade a terceira teoria,


denominada de intermediária, bem como a atribuição de direitos fundamentais num cariz
universal a todas as tipologias de animais mas numa ótica de aplicação do princípio
constitucional da igualdade261, visto cada animal ter uma acepção diferenciatória quanto
às suas natureza e enquadramento social, algo que já sucede igualmente com os seres
humanos.

Deste modo, todos os seres não-humanos sencientes deverão ter direitos fundamentais
de respeito e bem-estar no âmbito do princípio da dignidade e de acordo com as suas
senciência e vulnerabilidade, com a contrapartida por parte do Estado e correspondente
população humana de deveres perante os primeiros, mas numa lógica relacionada com
cada categoria, significando que poderão existir diferenças na execução destes mesmos
direitos e deveres mas plasmadas em diplomas infraconstitucionais já que o determinado
na cláusula constitucional deverá ser, numa lógica jusfundamental, análoga a todas as
tipologias.

Ou seja, não é nosso propósito por exemplo, até por ser deveras irrealista socialmente
no momento presente, eliminar de forma extremada todos os animais aproveitados em
laboratório262 ou alvo de criação para alimentação humana263 mas já nos parece capital

258
ALBUQUERQUE, Lia do Valle, “A Ética e a Experimentação Animal à luz do Direito Brasileiro e da
União Europeia” in Revista Brasileira de Direito Animal, vol. 10, nº 8, Jan/Abril, Salvador, 2015, pp. 75-
110, p. 90.
259
Idem.
260
Se quisermos, como explica Lia do Valle Albuquerque, os novos bem-estaristas. Idem.
261
Ou seja, “tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes) e
tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais e não mantidas
artificialmente pelo legislador”, MIRANDA, Jorge & MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 222. O que leva precisamente aos
enquadramento natural das diversas classificações de animais na conexão com o ser humano e no âmbito
de uma igualdade material (e não formal visto existirem direitos não aplicáveis aos animais, como por
exemplo o direito ao voto. Ou direitos não aplicáveis identicamente às várias tipologias, como é o caso do
direito à liberdade relativo a um animal de companhia ou de cariz selvagem).
262
Pois, como nos clarifica Ana Isabel Quintas e onde são exemplo as vacinas contra a COVID19, “a maior
parte do progresso científico, não só da espécie humana como da animal, foi feito com base neste tipo de
experimentação, pelo que a atribuição sem mais, de um direito ao não sofrimento animal infligido na
experimentação, pode entravar o progresso científico”. QUINTAS, Ana Isabel, “Recensão do Livro A
Hora do Direito dos Animais”, Revista Onis Ciência, Volume I, Ano 1, nº 4, Maio/Agosto, Braga, 2013, p.
13.
263
Até porque “qualquer consideração global deste tipo implicaria uma alteração radical na nossa
comunidade, a todos os níveis: económico, social e cultural. Tal choque civilizacional não seria, com
certeza, pacífico, e a aplicação da legislação deixaria de ser humanamente possível, pois todos os dias o

39
atenuar de modo considerável o seu uso no âmbito das experiências científicas bem como
o seu grau de sofrimento no âmbito de um essencial juízo de ponderação264.

Onde se incluirá o reforço já possível de inúmeros métodos alternativos e a


preocupação com a prossecução de condições que salvaguardem o correspondente bem-
estar265, com um mais adequado e apertado controlo ético realizado por instituições
verdadeiramente independentes, que promovam inclusivamente a divulgação desta
realidade” 266, o que influenciará com maior celeridade uma maior apreensão social, com
posterior incentivo a uma maior preocupação por parte das pessoas humanas.

Algo extensível aos animais para finalidades alimentares ou similares, que deverão
beneficiar desde logo de melhores condições de alojamento e transporte ou isenção de
dor e ansiedade no abate, passando a serem tratados de maneira digna e não como mera
mercadoria para efeitos de puro proveito humano267. Nestes termos e relativamente a estas
duas classificações268, “durante a sua criação, transporte e abate, se deve cuidar de
condições mínimas de bem-estar, não os submetendo ao sofrimento desnecessário” 269 e
em obediência a um princípio de sustentabilidade ética 270

Homem interage com dezenas de espécies diferentes de animais, nos mais variados contextos”. PEREIRA,
Rita, Os Direitos e os Animais – entre o Homem e as Coisas, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 66-67.
264
QUINTAS, Ana Isabel, “Recensão do Livro A Hora do Direito dos Animais”, Revista Onis Ciência,
Volume I, Ano 1, nº 4, Maio/Agosto, Braga, 2013, p. 13.
265
No âmbito do princípio dos 3Rs da experimentação animal de William Russel e Rex Burch
(Replacement:Substituição, Redution:Redução e Refinment:Refinamento). Vide por exemplo
WALDMAN, Ricardo Libel & DUTRA, Cristiane, A Pesquisa Científica com Animais para o Benefício da
Saúde Humana e a nova Diretriz Brasileira referente ao Tratamento destes Animais, Vide
www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=d33daa6ff4705fb9
266
PEREIRA, Dias André, “O Bem-Estar Animal no Direito Civil e na Investigação Científica”, in NEVES,
Maria Céu Patrão (coord.), Biotécia ou Bioéticas na Evolução das Sociedades, Gráfica de Coimbra,
Coimbra, 2005, pp. 151-163, p. 161.
267
Numa ótica de “completa mercantilização do animal no atual sistema produtivo” e onde só importa “a
maximização da produtividade e a diminuição de custos, desconsiderando qualquer consideração em
relação à qualidade de vida dos animais”. GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção
Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito,
Ano 150º, Número II, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 401-443, p. 403.
268
Denominados por Carla Amado Gomes como “animais destinados a morrer”. GOMES, Carla Amado,
“Direito dos Animais: Um Ramo Emergente?”, in ARAÚJO, Fernando (cord.), Revista Jurídica Luso
Brasileira, Ano 1, nº 2, CIDP, Lisboa, 2015, pp. 359-380, p. 371.
269
Idem.
270
GONÇALVES, Monique Mosca, “Bem-Estar e Produção Animal no Direito Europeu: Estágio Atual e
Novas Perspetivas”, in MIRANDA, Jorge (Coord.), O Direito, Ano 150º, Número II, Almedina, Coimbra,
2018, pp. 401-443, pp. 420-424.

40
Sendo que, em outras conjeturas perfeitamente insignificantes, tais como finalidades
de entretenimento onde se inserem as touradas, lutas de cães ou galos, tiro ao pombo,
animais selvagens em circos e numa ótica constitucional de execução do princípio da
proporcionalidade, deveria sim desenrolar-se e realisticamente de modo gradativo, a sua
abolição ou alteração de procedimentos que diminuam drasticamente a provação inútil271.

Nestes termos e em conformidade com as várias liberdades que os animais deverão


lograr, como por exemplo não serem receptores de idiossincrasias que provoquem dor e
injúrias, poderem expressar o seu comportamento normal, ausência de medo/sofrimento
ou ausência de desconforto272, deverá existir uma norma constitucional que os
salvaguarde contra as crueldades de que possam ser alvo e segundo critérios objetivos de
bem-estar, num prisma jusfundamental de direitos negativos.

Quer contra o Estado quer contra os seres humanos que tenham intenção de o fazer273,
devendo ser responsabilidade do Estado a respetiva proteção em consequência da
determinação destas liberdades enquanto direitos, liberdades e garantias numa lógica do
direito de agir inerente a este núcleo constitucional274.

Com a estatuição desta disposição surgirá com poder constitucional “uma função
primária de defesa” 275, que provocará um efeito duplo de vinculatividade tanto contra o
Estado, que ficará cada vez mais condicionado relativamente a ingerências menos
próprias relativamente à violação do bem-estar animal e onde se incluirá por exemplo a

271
Caso da eliminação nas touradas de bandarilhas de ferro e respetiva substituição por qualquer outro
material que não perfure e provoque danos ao touro, como já sucede nalguns territórios como no Estado da
Califórnia através de velcro.Aliás, como nos explicam as autoras Luciana Turatti e Luiza Zandonato Pires,
“causar sofrimento à integridade física e psíquica pelo prazer humano de entretenimento assemelha-se ao
desprezo com o direito fundamental do próximo”. TURATTI, Luciana & PIRES, Luiza Zandonato,
“Animais como Sujeitos de Direitos e a (IN)constitucionalidade da EC96/2017”, Brazilian Journal of
Development, v. 7, nº 5, Maio, Curitiba, 2021, pp. 53315-53337, p. 53315.
272
Liberdades reconhecidas pelo Farm Animal Welfare Comitte. Vide http://www.eurofawc.com/home/14
no âmbito das cinco liberdades essenciais à salvaguarda do bem-estar animal.
273
Pois como nos explica Jellinek, “as liberdades são, no essencial, direitos negativos”. Jellinek APUD
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, 2017, Almedina, Coimbra, 118.
274
Já que, para que exista uma efetiva proteção e adequada promoção dos direitos, liberdades e garantias,
o Estado necessita sempre e obrigatoriamente de realizar prestações estaduais positivas.Vide por exemplo
ANDRADE, José Vieira de, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976,
5ª edição, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, p. 174 ou NOVAIS, Jorge, Direitos Sociais: Teoria
Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, 2ª edição revista e reformulada, AAFDL,
Lisboa, 2017, pp. 141-142.
275
ALEXANDRINO, José de Melo, Lições de Direito Constitucional, vol. II, 2ª ed., AAFDL, Lisboa,
2017, pp. 90-91. No mesmo sentido, vide ANDRADE, José Vieira de, Os Direitos Fundamentais na
Constituição da República Portuguesa de 1976, 5ª edição, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, p. 174.

41
limitação crescente de elaboração de legislação sobre certas matérias, como são exemplos
a autorização da realização de touradas ou o modo como são empreendidas, de animais
em circos, o abate de animais vadios ou a intromissão nos ecossistemas acima do
desejável” 276.

Mas ao mesmo tempo, uma obrigatoriedade de atuação contra terceiros que


desenvolvam atos que coloquem em causa as diversas liberdades que os seres não
humanos sensiveis tenham, como são os casos do transporte de animais de criação sem
condições adequadas, a experimentação desnecessária de animais para experiências
científicas ou a caça sem fundamento ecológico.

São pois e nestes moldes, como bem nos elucidam Gomes Canotilho e Vital
Moreira,“direitos de liberdade, ou seja, direitos à não ingerência do Estado na esfera de
liberdade”277, não acarretando todavia apenas “uma atitude de indiferença ou de
passividade”278 mas igualmente “obrigações positivas”279 por parte deste,
designadamente “assegurar o exercício das liberdades contra as ingerências de
terceiros” 280 que as queiram infringir281.

Esclarecendo Jorge Miranda que está assim em causa uma “atitude geral de respeito,
resultante do reconhecimento da liberdade da pessoa de conformar a sua personalidade
e de reger a sua vida e os seus interesses” 282
, pressuposto este que deverá ser
identicamente extensível aos animais em consonância com as liberdades mencionadas e

276
Veja-se a título de exemplo, a problemática ambiental da construção do novo aeroporto de Lisboa e a
diminuta preocupação estatal com a conservação do meio envolvente, que afetará direta e até eventualmente
de modo irreversível, inúmeras espécies que ai coabitam e se reproduzem.
277
CANOTILHO, José Gomes & MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Volume I, 4ª edição revista, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 377. Conferindo pois, “uma
proteção contra a agressão do Estado, exigindo a sua abstenção”. Vide MATOS, André Salgado de “O
Direito ao Ensino: Contributo para uma Dogmática Unitária dos Direitos Fundamentais” in Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, Vol. III, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 395-
470, p. 402.
278
Idem.
279
Idem.
280
Idem.
281
Veja-se ainda no mesmo sentido a opinião de Gilmar Mendes, que os intitula de direitos de defesa ou
liberdade e que consistirá no gozo de várias pretensões (que relativamente aos animais serão alvo de
salvaguarda pelos seus tutores, Estado ou cidadãos, consoante a situação em causa), nomeadamente as
pretensões de abstenção, revogação, anulação, consideração e de proteção. MENDES, Gilmar. “Os Direitos
Fundamentais e seus Múltiplos Significados na Ordem Constitucional”, In: Revista Diálogo Jurídico, CAJ
- Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, Janeiro, Salvador, 2002, pp. 1-8, p. 2.
282
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, 2017, Almedina, Coimbra, 119.

42
em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que funcionará
como resguardo das ameaças partidárias e sociais que poderão ir surgindo em diversos
períodos temporais, à semelhança do que já ocorre relativamente às pessoas humanas.

O que provocará uma real salvaguarda e consequentes efeitos contra o Estado e


terceiros já que verificará, relativamente à determinação destes preceitos de cariz
jusfundamental de proteção animal283, uma “supremacia constitucional”284 e
nomeadamente a implicação de “que nenhuma outra norma ou princípio que não tenha
a mesma qualidade, possa contradizer o sentido normativo que deles se extrai” 285.

Devendo de imediato, quanto às disposições em causa e por consequência, “as fontes


que as contrariam serem fulminadas de inconstitucionalidade e, em decorrência disso,
invalidadas” 286. Podendo assim um qualquer interessado, preocupado com o bem-estar
animal e em decorrência de uma qualquer norma jurídica que contradiga a correspondente
norma constitucional de proteção, “invocar a invalidade dos atos normativos que, de
forma direta, ou mediante interpretação, infrinjam os preceitos consagradores de
direitos, liberdades e garantias”287.

Nestes termos, o Estado enquanto legislador ficará impedido de “emitir normas


incompatíveis com os direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade” 288, mas
também enquanto administração vinculado “a respeitar e dar satisfação” às liberdades
estatuidas289 onde deverá ser exemplo uma fiscalização adequada por parte das
autoridades responsáveis, não nos podendo ainda esquecer da esfera judicial, estando
aqui“obrigado a decidir o direito para o caso em conformidade com as normas

283
Designadamente e no âmbito da lição de Carlos Blanco de Morais, “uma proteção da sua esfera
«pessoal» e jurídica contra condutas oriundas dos poderes públicos ou de terceiros que as possam
depreciar e violar”. MORAIS, Carlos Blanco de, Curso de Direito Constitucional – Teoria da Constituição,
Tomo II, Almedina, Coimbra, 2018, p. 480.
284
GOUVEIA, Jorge Bacelar, ”Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, Revista
Direito UFMS, Edição Especial, Jan/Jul, Campo Grande/Brasil, 2015, pp. 35-85, p. 43.
285
Idem.Deste modo, “negativamente, os órgãos legislativos começam por ficar impedidos de emanar
normas que sejam materialmente incompatíveis ou desconformes com a letra ou com o espírito das normas
constitucionais consagradoras” de direitos, liberdades e garantias de salvaguarda animal. Vide
MIRANDA, Jorge & MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra
Editora, Coimbra, 2010, p. 326
286
Ibidem.
287
CANOTILHO, José Gomes & MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Volume I, 4ª edição revista, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 382-383.
288
Idem.
289
Idem.

43
garantidoras de direitos, liberdades e garantias”290. Isto é, a evitar e condenar as práticas
humanas ilegítimas contra os seres não humanos sencientes num contexto “de dever geral
de todos os cidadãos de respeitar e não infringir os direitos alheios”,291 numa ótica de
eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias.

Assim, como já sucede aliás em outros ordenamentos jurídicos supra mencionados, a


regra constitucional seria “estrita, restritiva e proibitiva de condutas” 292 não admitindo
qualquer atividade ou prática, tanto por parte do Estado como de terceiros que
contrariassem a salvaguarda animal ai convencionada, por ser “uma restrição
constitucional imediata, ou seja, diretamente estabelecida pela norma constitucional”293.

É impreterível contudo que o preceito constitucional a legislar seja, em


correspondência com o defendido no contexto dogmático dos direitos, liberdades e
garantias e para a integral eficácia do pretendido com esta diretriz, o mais determinável
possível e portanto, que seja “capaz de fornecer todos os elementos e critérios
necessários e suficientes para a sua aplicação” 294.

De forma a que não se torne improfícuo e alvo de interpretações incongruentes em


diversos períodos, consoante eventuais mutações sociais, políticas e doutrinárias que
possam ir surgindo e que se venham a afigurar como contraditórias à salvaguarda dos
respeito e bem-estar animal. Dito de outro modo e como bem nos explicam José Gomes
Canotilho e Vital Moreira, terá de ocorrer “um grau suficiente de determinabilidade, isto

290
Idem.Nestes termos, como bem nos clarifica Tiago Viana Barra, “no plano funcional, são destinatários
o legislador, a administração e os tribunais – seja qual for a forma de atuação, os direitos, liberdades e
garantias vinculam diretamente todas as funções do Estado (política, legislativa, administrativa,
jurisdicional técnica e de regulação)”. Vide BARRA, Tiago Viana, “A Responsabilidade dos Poderes
Públicos pela Violação de Direitos Fundamentais”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 71, Vol. IV,
Out/Dez, Lisboa, 2011, pp. 1157-1224, p.1180.
291
Ibidem, p.385.
292
MEDEIROS, Fernanda & ROSA, Cássio Cibelli, “A Dignidade da Vida e a Vedação de Crueldade”,
Revista de Biodireito e Direito dos Animais, vol. 2, nº 2, Jul/Dez, Curitiba, 2016, pp. 1-20., p. 15. Vide
igualmente CANOTILHO, José Gomes & MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa
Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Reimpressão, Coimbra Editora,Coimbra, 2014, pp. 381-382.
293
Idem.
294
ANDRADE, José Vieira de, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de
1976, 5ª edição, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, p. 177. Ou se quisermos e segundo José Melo
Alexandrino, “os critérios da determinabilidade do conteúdo, da natureza dos condicionamentos (...) e do
tipo de dever predominante”.Vide ALEXANDRINO, José de Melo, Lições de Direito Constitucional, vol.
II, 2ª ed., AAFDL, Lisboa, 2017, p. 91.

44
é, um conteúdo jurídico suficientemente preciso e determinável, quanto aos pressupostos
de facto, consequências jurídicas e âmbito de proteção do direito invocado” 295.

Destarte, o propósito com a instituição de uma norma de cariz constitucional cujos


destinatários sejam os seres não humanos sencientes, numa valoração de direitos,
liberdades e garantias pressupõe, para sua efetiva aquisição de uma função primária de
defesa, “um conteúdo principal essencialmente determinado ou determinável ao nível
das opções constitucionais” 296, que torna esta proteção imediata e diretamente liquida e
certa297 tanto contra o Estado como relativamente a terceiros que a ponderem quebrantar.

Já que, conforme nos dilucida Jorge Viera de Andrade, “a determinação ou


determinabilidade significam (...) uma densidade essencial autónoma ao nível
constitucional, que exclui a liberdade de conformação política pelo legislador do
conteúdo principal dos direitos, liberdades e garantias” 298
facultando ainda aos
tribunais, orgãos jurisdicionais de fiscalização, “legitimidade para efetuar um controlo
intrínseco da atividade legislativa na matéria” 299
em virtude da disposição de uma
“liberdade necessária à determinação do conteúdo desses direitos” 300.

É pelo exposto esta norma constitucional, que “fixa então, ela própria, ainda que
requerendo um esforço de interpretação jurídica, uma área jurídicamente delimitada ou
delimitável de livre acesso ou fruição de um bem ou interesse de liberdade protegido pelo
direito fundamental, impondo desde logo, aos poderes constituidos a obrigação de
acatarem e garantirem a inviolabilidade e possibilidades jurídicas de realização e
concretização do poder de autodeterminação individual assim, direta ou indiretamente
reconhecido” 301.

295
CANOTILHO, José Gomes & MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Volume I, 4ª edição revista, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 382.
296
ANDRADE, José Vieira de, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de
1976, 5ª edição, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017, p. 176.
297
Expressões utilizadas por José Viera de Andrade. Idem..
298
Ibidem, p.178.
299
Idem.
300
Idem..
301
NOVAIS, Jorge, Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos
Fundamentais, 2ª edição revista e reformulada, AAFDL, Lisboa, 2017, pp. 159-160

45
Deste jeito, esta determinabilidade negativa de uma norma e concretamente uma
previsão constitucional que permita aos animais usufruirem de direitos, liberdades e
garantias em decorrência dos seus valor intrínseco e vulnerabilidade, caso por exemplo
da vedação de crueldade contra si302, “expõe, expressamente, uma tarefa estatal, em que
o Estado deve coibir práticas que submetam os animais” 303, todos os animais304, a certas
ações como a crueldade e que não devem admitir sequer ponderação305.

É portanto crucial e prioritária, numa próxima e urgente revisão constitucional, a


estatuição expressa de uma disposição inserida no título II relativo aos direitos, liberdades
e garantias, que salvaguarde desde logo constitucionalmente a dignidade dos seres não
humanos sencientes e os proteja contra o próprio Estado e terceiros, algo que na história
sucedeu identica e primeiramente no âmbito da evolução dos direitos fundamentais e suas
correspondentes gerações quanto aos seres humanos, ocupando como primeiro lugar a
receção de direito básicos como a vida ou a disponibilização das liberdades.

Existe ainda e deste modo por parte da sociedade um impetuoso desrespeito pelos
animais, considerados como seres inferiores, importando definir de forma jusfundamental
que estes são identicamente destinatários de vida, liberdade e respeito, o que surtirá
efeitos mais sólidos em decorrência da vinculatividade e consequente coercibilidade.

Sem embargo, entendemos também e em complementariedade aos direitos, liberdades


e garantias de proteção animal que deverão sem dúvida ocupar imperiosamente o objetivo
primacial, ser premente uma outra regra normativa que impulsione o Estado à propagação
de determinadas prestações de bem-estar animal que possibilite subsidiariamente a
integralidade de direitos que os animais merecem dispor. Sendo que alguns deles só
poderão ser de facto válidos se as organizações públicas promoverem, estimularem,
orientarem a apoiarem, à semelhança de diversos outros direitos de semblante social.

302
MEDEIROS, Fernanda & ROSA, Cássio Cibelli, “A Dignidade da Vida e a Vedação de Crueldade”,
Revista de Biodireito e Direito dos Animais, vol. 2, nº 2, Jul/Dez, Curitiba, 2016, pp. 1-20., p. 15.
303
Idem.
304
E não apenas certas categorias, em obediência ao princípio da universalidade insíto no art. 12º da CRP.
305
MEDEIROS, Fernanda & ROSA, Cássio Cibelli, “A Dignidade da Vida e a Vedação de Crueldade”,
Revista de Biodireito e Direito dos Animais, vol. 2, nº 2, Jul/Dez, Curitiba, 2016, pp. 1-20., p. 15.

46
Deve competir assim ao Estado “assegurar um certo nível de condições dignas de
existência, em benefício dos setores mais carencidos da população”, não existindo da
306
nossa parte quaisquer hesitação da inserção dos animais nesta classificação em
decorrência da sua especial vulnerabilidade307, pressuposto aliás comum à necessidade de
existência de dois artigos constitucionais de domínio jusfundamental, um de respeito e
proteção e outro de promoção.

Sendo que, para que as cinco liberdades308 possuam total aplicabilidade, é forçosa a
intervenção do Estado. Veja-se o exemplo da “ausência de fome ou sede” que muitos
animais errantes não conseguem evitar ou os maus tratos, desconforto, doenças
medo/sofrimento extensíveis a estes mesmos animais ou a outros pertencentes a familas
com dificuldades, já para não nos referirmos aos que se encontram de modo desumano
em condições ainda mais deploráveis como são exemplos os animais de criação e de
laboratório.

Deve ser portanto tarefa do Estado numa lógica de interesse público, incrementar bem-
estar e qualidade de vida às diversas categorias de animais através de uma inevitável
conceção de políticas públicas, exemplificando-se com algumas de inúmeras
possibilidades como cuidados veterinários tendencialmente gratuitos e que beneficiarão
inclusivamente a saúde pública309, uma revogação de sistema que inicie desde logo com
um código relativo aos direitos dos animais e que reúna de forma ordenada uma
compilação sobre o tema facilitando os seus manuseamento, utilização e consequente
conhecimento das garantias que os animais dispõem.

O estabelecimento de políticas fiscais de incentivo como deduções à coleta e/ou


benefícios fiscais310 em sede de IRS ou IRC, redução do IVA para os bens e serviços
diretamente relacionados ou do IMI para quem tenha ou permita ter animais, já para não
mencionar a admissibilidade de premissas para que estes possam desfrutar da deslocação

306
RIBEIRO, Joaquim de Sousa, Direitos Sociais e Vinculação do Legislador, Almedina, Coimbra, 2021,
p. 9.
307
Ibidem, p. 12
308
Vide Farm Animal Welfare Comitte: http://www.eurofawc.com/home/14
309
E que já intercorre por exemplo com a vacina da raiva.
310
Por exemplo, beneficios fiscais para quem adotar um animal abandonado e para quem comprovar na
indústria de animais de criação e de laboratório, condições atribuidas aos seus animais. Dedução à coleta
por cada animal registado em nome dos sujeitos ativos.

47
em transportes públicos, e a promoção efetiva de campanhas de sensibilização com
inclusão de programas de vertente animal em disciplinas escolares311 e cursos de
formação312.

Também basilar no momento contemporâneo é a constituição de um Ministério


dedicado à proteção e bem-estar animal, a criação, ampliação e melhoria de
infraestruturas que garantam requisitos de qualidade de vida adequada entre diversas
outras medidas realizáveis, onde não poderão faltar apoios financeiros numa esfera
económica de externalidades positivas a quem se dedique à causa animal e a quem
demostre desenvolver progressos significativos, caso de entidades como laboratórios,
criadores ou matadouros que propaguem exigências de preocupação animal.

Parecendo-nos ainda imprescindível o desenvolvimento contrário de encargos, numa


vertente sancionatória de externalidades negativas, para quem não fruir desta inquietação
social, de sustentabilidade e solidariedade, comprovando-se nestes termos muito haver
por fazer a nível positivo por parte das estruturas estaduais para que se possa efetivamente
verificar na plenitude e de forma congruente a exequibilidade do princípio fundamental
da dignidade da pessoa humana e o comprometimento constitucional do Estado com a
sua função social313.

É relevante à vista disso e similarmente, a definição de direitos sociais que imponham


constitucionalmente ao Estado uma “obrigação de fazer” em benefício dos animais, que
deverão desfruir de “direito de exigir prestações ou comportamentos positivos” 314 por
parte deste tanto de prestações jurídicas onde se insere a produção de normas jurídicas,
como de diversas prestações materiais315 e numa “função primária de prestação social”
316
e de “organização de solidariedade”.317

311
Na disciplina por exemplo de cidadania e em outras onde deverão ser abordados os bem-estar e proteção
animal.
312
Por exemplo nos cursos de direito, uma disciplina de direito animal.
313
RIBEIRO, Joaquim de Sousa, Direitos Sociais e Vinculação do Legislador, Almedina, Coimbra, 2021,
p. 10.
314
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, 2017, Almedina, Coimbra, p. 110. Vide
igualmente p. 118. “Impondo agora ao Estado que intervenha ativamente”. Vide 314 ALEXANDRINO,
José de Melo, Lições de Direito Constitucional, vol. II, 2ª ed., AAFDL, Lisboa, 2017, p. 90.
315
Idem. E que são exemplo as inúmeras e imprescindíveis medidas que enumeramos.
316
ALEXANDRINO, José de Melo, Lições de Direito Constitucional, vol. II, 2ª ed., AAFDL, Lisboa,
2017, p. 91.
317
MIRANDA, Jorge, Direitos Fundamentais, 2ª edição, 2017, Almedina, Coimbra, p. 114.

48
Cujos objetivos essenciais são a “libertação da necessidade” 318
e a correção das
“desigualdades de partida” 319, visando” assegurar diretamente condições basilares de
vida e de inclusão social” 320
. Logo, parece-nos incondicional conceituar identica e
constitucionalmente “exigências de ação estatal” 321
, que garantirão aos animais e
inclusivamente de forma reflexa aos seus tutores, uma maior proteção.

Só com esta inevitável conexão jusfundamental entre liberdade e libertação, os


animais conseguirão usufruir dos inerentes e merecidos dignidade, respeito, proteção e
bem-estar, até porque “os deveres negativos de respeito não se circunscrevem aos
direitos de liberdade, nem são os únicos que destes decorrem” 322 enquanto da mesma
maneira, “os deveres positivos de proteção e promoção não se alojam unicamente no
campo obrigacional dos direitos sociais, nem esgotam a vinculação que destes
promana”323.

Sendo que, como consequência afetará outrossim os seres humanos, que verão
incrementados estes mesmos valores em seu proveito numa vivência otimizada em
comunidade e a qual ficará idealmente mais próxima do estipulado no art. 1º da nossa
Constituição, de uma “sociedade livre, justa e solidária” o que não nos parece ocorrer
enquanto não se reconhecerem dignidade e direitos fundamentais aos seres não humanos
sencientes, em desrespeito não só a eles mas identicamente a todos os seres humanos e à
respetiva natureza onde residimos forçosamente em conjunto324.

E não se diga existir uma “reserva do financeiramente possível” que qualifique


primazias de proteção e promoção entre seres humanos e seres não humanos sencientes e

318
Idem.
319
ALEXANDRINO, José de Melo, Lições de Direito Constitucional, vol. II, 2ª ed., AAFDL, Lisboa,
2017, p. 91.
320
RIBEIRO, Joaquim de Sousa, Direitos Sociais e Vinculação do Legislador, Almedina, Coimbra, 2021,
p. 12.
321
NOVAIS, Jorge, Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos
Fundamentais, 2ª edição revista e reformulada, AAFDL, Lisboa, 2017, pp. 159-160.
322
RIBEIRO, Joaquim de Sousa, Direitos Sociais e Vinculação do Legislador, Almedina, Coimbra, 2021,
p. 18.
323
Ibidem. p.18.
324
Pois, conforme se pronuncia Fernanda Medeiros, “aceitar práticas cruéis contra os animais também é
verdadeira ofensa contra os direitos de todos os seres humanos que ao serem expostos à crueldade também
têm a sua dignidade ferida, com a consequente violação do direito a uma sociedade livre e solidária”.
Vide MEDEIROS, Fernanda & ROSA, Cássio Cibelli, “A Dignidade da Vida e a Vedação de Crueldade”,
Revista de Biodireito e Direito dos Animais, vol. 2, nº 2, Jul/Dez, Curitiba, 2016, pp. 1-20., p. 15.

49
até entre categorias de animais, posto que a certificação de um valor intrínseco, o combate
à crueldade e a demonstração da existência de dignidade são extensíveis do mesmo modo
a todos os seres vivos sencientes, independentemente da sua classificação. Sendo a
introdução destes dois preceitos normativos na Constituição da República Portuguesa,
uma evolução significativa civilizacional benéfica inclusivamente para o próprio homem.

Para os animais (bem como igualmente para a defesa da dignidade e valores do ser
humano), será dispor de “uma garantia jurídica forte, equivalente a ter um trunfo num
jogo de cartas”325 uma vez que “a carta de trunfo prevalece sobre as outras, mesmo
sobre as de valor facial aparentemente mais elevado, já que, a qualidade do trunfo, que
lhe é reconhecida segundo as regras do jogo, quebra a força do número, da quantidade,
das restantes cartas” 326.

É aliás um direito de qualquer indíviduo, onde se devem enquadrar os animais, exigir


da sociedade aquilo que é razoável327, sendo minimamente exígivel a proibição de
crueldade e sofrimento a qualquer ser vivo senciente, humano ou não humano, em
consideração à sua dignidade. Deverão ser também oferecidas todas as condições de
propagação das múltiplas liberdades, só podendo estas serem retiradas em ponderosas e
últimas circunstâncias, dado que e independentemente do objetivo delineado, qualquer
animal sem pertinência do seu gênero, não poderá ser discriminado.

É exemplo o animal para abate, utilizando uma das situações mais extremas, que até
ao momento da sua morte merece poder ter espaço amplo e natural para se movimentar,
consentimento para conviver convenientemente com os da sua espécie e até ser alvo de
outras regalias, já que a sua dignidade inerente deverá proporcionar que se comporte
adequadamente até ao seu falecimento sem ansiedade e sofrimento.

Devendo ser levado comparativamente em consideração relativamente aos restantes


direitos, um juízo de ponderação em caso de conflito328, podendo com o reconhecimento

325
NOVAIS, Jorge Reis, Limites dos Direitos Fundamentais – Fundamento, Justificação e Controle,
Almedina, Coimbra, 2021, 146.
326
Idem.
327
NOVAIS, Jorge, Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos
Fundamentais, 2ª edição revista e reformulada, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 92.
328
NOVAIS, Jorge Reis, Limites dos Direitos Fundamentais – Fundamento, Justificação e Controle,
Almedina, Coimbra, 2021, 199.

50
constitucional proposto no âmbito deste trabalho passar a verificar-se uma real igualdade
de argumentos entre seres humanos e seres não humanos sencientes, em decorrência do
mesmo valor, um valor intrínseco jusfundamental, o que basicamente significará uma
vinculatividade conjunta por parte do Estado, cidadãos e instituições em preocupações de
respeito e bem-estar animal no contexto explanado neste artigo científico e no qual a
maior força e o maior peso329 da vedação da crueldade e do sofrimento bem como do
direito de respeito à vida e à liberdade deverá sobrepor-se a qualquer outro presumivel
direito que um ser humano deduza ainda conservar.

E não nos esqueçamos que aquilo que é belo num animal encontra-se nas suas atitudes
naturais e na sua adaptação ao meio envolvente para o qual a natureza o preparou e não
propriamente na alegada capacidade racional que deveria ter pois, conforme conclui
Fernando Araújo, “o que há de mais admirável no comportamento dos não-humanos
deriva habitualmente de aptidões que nada têm a ver com o uso deliberado da razão ou
com o âmbito da consciência tal como os humanos a percebem – e diminui-se quando se
confina à imitação da conduta humana” 330.

329
Idem.
330
ARAÚJO, Fernando, A Hora do Direito dos Animais, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 342.

51
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