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Agrupamento de Escolas Dr.

António Granjo

Filosofia

Será
que os
animais
têm
estatuto
moral e
direitos
? Rodrigo Oliveira Santos. 10ºA. Nº16

2021/2022
Índice

1. Introdução...........................................................................................................03

2. Formulação do Problema

2.1 Será que os animais têm estatuto moral e direitos?.....................................04

3. Importância da Reflexão sobre este problema....................................................05

4. Os animais têm estatuto moral e direitos? Duas perspetivas.............................06

4.1 Peter Singer...................................................................................................06

4.2 Tom Regan....................................................................................................09

4.3 Comparação das duas perspetivas ................................................................11

5. Objeções e Críticas às perspetivas de Singer e Regan......................................12

6.A Declaração Universal dos Direitos dos Animais ............................................14

7. Conclusão.........................................................................................................17

8. Bibliografia ......................................................................................................18
1. Introdução

Neste ensaio, cuja realização foi proposta no âmbito da disciplina de Filosofia, pretendo
refletir sobre o estatuto moral dos animais e alargar o meu conhecimento sobre essa questão,
para perceber se é aceitável, ou não, considerar que os animais têm direitos.

Para atingir essa finalidade, pesquisei e analisei algumas perspetivas de filósofos


reconhecidos e fiquei a conhecer uma parte da sua obra, tanto as suas teses, como as objeções
a elas. Assim, ao longo deste trabalho, apresentarei as ideias defendidas por Peter Singer e a
Tom Regan, que serão os alicerces e pontos de partida desta reflexão. Incluirei também as
críticas a eles e registarei a minha própria conclusão.
2. Formulação do Problema: Será que os animais têm estatuto moral
e direitos?

Vivemos numa época em que cada vez mais se fala do conceito de desenvolvimento
sustentável, isto é, um desenvolvimento que permite a satisfação das nossas necessidades sem
colocar em causa a possibilidade de as gerações futuras também poderem satisfazer as delas.
O esforço de implementar esta nova forma de vida tem exigido que as pessoas se tornem mais
conscientes do valor da natureza e do respeito que lhe é devido. Ao mesmo tempo,
pertencemos a uma sociedade em que cada vez mais se fala de direitos e se exige o seu
reconhecimento. Basta, por exemplo, pensar em movimentos a favor da igualdade de géneros,
ou a luta contra a violência policial de carácter racista nos EUA.
Percebemos, então, que os conceitos de “direitos”, de “ecologia” e de respeito pelo
outro são cada vez mais falados e promovidos. Por isso, a questão é: se expandirmos ou
combinarmos essas ideias, será que podemos dizer que, assim como nós temos direitos, a
natureza também os tem?
Peter Singer, no seu livro Animal Liberation defende que “discriminar os seres apenas
com base na sua espécie é uma forma de preconceito, imoral e indefensável do mesmo modo
que a discriminação com base na raça é imoral e indefensável.” (2013, p.354). Assim sendo,
por exemplo no caso dos animais, será que eles têm direitos morais como os seres humanos?
Se sim, quais? Qual a importância do seu bem-estar?
O presente trabalho propõe-se a analisar estas questões. São elas que expressam o
problema filosófico que se vai tentar estudar.
Para isso, antes de mais, convém clarificar os termos dessas questões.
Quando neste trabalho se mencionam os “animais”, pretende-se referir os animais não-
humanos. Já em relação ao conceito de “direito”, Pedro Murias, no Dicionário de Filosofia
Moral e Política, diz que “ter um direito é ter um certo estatuto ético que, nos casos
modelares, é vantajoso para a pessoa que o tem ou é por ela desejado, ou que favorece um
estado de coisas vantajoso ou desejado por essa pessoa.” (2020). Isto significa que a entidade
à qual se reconhece os direitos tem estatuto moral, isto é, “ela é moralmente importante para
a sociedade (…) a sua existência e o seu bem-estar têm peso moral positivo, ou seja, se os seus
interesses têm que ser considerados na tomada de decisão”.
Por isso, a grande questão é se os animais têm este estatuto moral e, portanto, se os
seus direitos devem ser reconhecidos.
3. Importância da Reflexão sobre este problema.
Desde o começo da vida, animais humanos convivem com animais não-humanos.
A relação de dependência entre estes sempre foi muito grande. Basta pensar-se em
como, desde as primeiras comunidades agro-pastoris, os animais têm fornecido
alimento e matérias-primas, como as peles e os ossos, essenciais para a sobrevivência
dos humanos.
Esta relação não tem sido equilibrada. E, ao longo dos séculos, muitos foram os
abusos cometidos contra os animais, desde a sua exploração excessiva à violência
física com que muitos foram tratados. Algumas espécies animais entraram inclusive
em extinção e outras correm esse perigo, sendo que as atividades humanas são uma
das principais causas para essa perda.
Isto faz com que seja urgente refletir-se sobre a importância que os animais têm
na vida humana. Afinal, eles partilham com os humanos o planeta Terra e a sua
existência é absolutamente fundamental para a nossa. Mais do que isso, eles têm vida
como nós e muitos deles sofrem como nós. Muitos deles são inclusive os nossos
melhores amigos.
Por exemplo, no contexto da pandemia de Sar-Cov-2, foram necessários
sucessivos confinamentos para a proteção da todos. Nessas semanas em que não foi
possível estar-se presencialmente com familiares e amigos, os animais foram muitas
vezes companhia e apoio em horas de solidão.
Se eles têm essa capacidade, não será, então, não só pertinente, mas também
justo repensar a forma como eles são tratados?
Cristina Beckert afirma: “quaisquer que sejam as perspetivas defendidas, a
reflexão filosófica sobre a consideração ética devida aos animais será determinante
para questionar a visão antropocêntrica do mundo que domina a civilização ocidental,
ao mesmo que construirá um contributo inestimável para a alteração de hábitos e
costumes humanos que põem em causa a integridade de outras espécies” (2002, p.4).
Este assunto é então pertinente para a Filosofia, porque exige pensar-se na
possível relevância moral dos animais e porque a forma como se encara este assunto
influencia aquilo que se considera certo ou errado no tratamento de seres de outras
espécies, caindo, portanto, na área de estudos da ética e da moral.
4. Os animais têm estatuto moral e direitos? – Duas perspetivas

Ao considerar a importância que os animais têm na nossa vida e na forma como a


sobrevivência dos humanos depende da sobrevivência dos animais, e vice-versa, eu penso que
não se pode continuar a ver os animais como seres inferiores ou como meros instrumentos na
nossa vida, isto é, não parece correto que os humanos continuam a tratar os animais como
lhes apetece, infligindo muitas vezes maus-tratos e grande sofrimento. Por isso, é necessário
analisar várias perspetivas sobre este assunto para se poder concluir qual é a atitude correta
de encarar e cuidar dos animais.
Existem variadíssimas pessoas que lutam para que sejam tomadas medidas que garantam o
bem-estar dos animais e, em alguns casos, para que estes possuam ter direitos definidos.
Assim, começar-se-á por considerar duas perspetivas nesse sentido.

4.1 Peter Singer


Uma dessas perspetivas é a de Peter Singer, professor australiano de bioética na
Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Ele foi um dos responsáveis por dar início aos
movimentos modernos de defesa dos animais. Devido aos seus esforços e ao de outros
filósofos, muitas pessoas sentiram a necessidade de repensar a sua relação com os animais e a
forma como os encaram.
Segundo Singer, que é um utilitarista preferencial para o qual uma ação moral é aquela em
que se maximizam as preferências individuais dos sujeitos considerados, equilibrando-se de
forma semelhante os interesses semelhantes dos seres atingidos pela ação, “a defesa da
igualdade não depende da inteligência, da capacidade moral, da força física ou de outros fatos
similares. A igualdade é uma ideia moral, não é a afirmação de um fato.” (Singer, 2013, p. 6).
Isto significa que, para Singer, a igualdade é um conceito moral, não biológico. Ou seja,
tratar-se os outros de forma igualitária não pode depender das suas características biológicas.
Para fundamentar essa ideia, ele apresenta alguns exemplos.
Quando alguém valoriza mais os interesses dos membros da sua raça em detrimento
daqueles pertencentes a outra raça, essa pessoa está a ser racista. Noutros casos, quando
alguém favorece os princípios do seu próprio género ou sexo, está a ser sexista. Nem ser
racista, nem ser sexista é correto, já que viola o princípio da igualdade, pois os interesses de
todas as raças e géneros merecem igual consideração e isso não depende de fatores
biológicos. Então, do mesmo modo, permitir-se que os interesses da própria espécie se
sobreponham aos interesses maiores dos membros de outras espécies (aquilo a que,
recuperando um conceito de Richard Ryder, se chama “especismo”), também não é correto,
porque está a fazer-se uma discriminação baseada em aspetos biológicos.
Por outras palavras, quando se diz que todas as pessoas são iguais, não se quer dizer que
são, de facto, semelhantes na inteligência, nas capacidades físicas ou intelectuais, mas que os
seus interesses merecem igual consideração. Na realidade, as diferenças biológicas não
justificam a discriminação. Do simples fato de uma pessoa ser negra ou do sexo feminino, não
se pode inferir nada relativamente às suas capacidades morais ou intelectuais. Esta é a razão
por que o sexismo e o racismo são errados. (Singer, 2013, p. 6). E isto aplica-se também aos
animais. O especismo é, assim, tão errado como o racismo ou o sexismo, porque trata-se da
desconsideração moral dos animais, pelo simples fato de serem animais. (Singer, 2013, p. 10).
E, realmente, se o facto de se ter um grau superior de inteligência não dá a um humano o
direito de utilizar outro para os seus próprios fins, como é que se pode permitir que os
humanos explorem os não humanos com essa intenção?
Para fortalecer a sua tese, Singer introduz o conceito de senciência (sensibilidade +
consciência). Segundo Peter Singer, alguns animais têm sensibilidade e consciência, ou seja,
apresentam “estados mentais que acompanham as sensações físicas” e cujo “sinal exterior
reconhecido (...) é a dor” (Daiane Baratela, p.9). Ele explica: “os seres humanos não são os
únicos seres capazes de sentir dor ou aflição. (…) A dor é ruim, e, não importa quem está a
sentir a dor, quantidades semelhantes de dor são igualmente ruins. A título de ‘dor’ eu incluiria
aqui todos os tipos de sofrimento e de aflição” (Singer, 2002, p.11).
Para ele, este facto é condição necessária e suficiente para esses organismos possuírem
interesses, pelo que, aplicando o princípio da igualdade, interesses dos seres sencientes
merecem igual consideração que os interesses dos animais humanos.
Isto significa que, se os animais são capazes de sentir dor, então “não pode existir qualquer
justificação moral para considerar a dor (ou o prazer) que os animais sentem como menos
importante do que a mesma dor (ou prazer) sentida pelos humanos” (Singer, 2013, p. 24).
Por isso, considerando que “a dor e o sofrimento são maus em si mesmos, devem ser
evitados ou minimizados, independentemente da raça, do sexo ou da espécie do ser que sofre.
A dor é tanto mais má quanto maior for a sua intensidade e mais tempo durar, quer sejam
sentidas por humanos quer o sejam por animais” (Singer, 2013, p. 27). Isto é, como seres
sencientes, os animais têm interesse em não sofrer e em sentir bem-estar, tal como os
humanos.
No entanto, Peter Singer também explica que igualdade não é tratar todas as pessoas de
forma idêntica, mas sim que os interesses devem ser levados em consideração da mesma
forma. Ora, nessa esteira, ele esclarece ainda que nem todos os animais são seres sencientes.
Ele diz: “se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificação moral para recusar ter o
sofrimento em consideração. (...) Se um ser não tem capacidade de sofrer ou de sentir alegria
ou felicidade, não há nada para ser tido em conta. Logo, o limite da senciência (...) é a única
fronteira defensável para a preocupação pelos interesses dos outros” (Peter Singer, 1990,
pp.8-9).
Em termos simples, “para interesses iguais, igual consideração moral, independentemente
da raça, sexo ou espécie” (Cristinha Beckert, 2021, p.1). Este é o princípio de consideração
igual de interesses. No entanto, só aqueles seres que possuem consciência de si no tempo e se
mostram capazes de projetar a sua existência no futuro, têm o direito de não serem mortos. Já
os outros animais que possuem apenas uma consciência instantânea, não tendo capacidade de
projetar a sua existência no futuro (como os peixes), têm apenas o interesse de não sofrer,
colocando-se assim a hipótese de não ser eticamente errado matá-los, desde que isso não
acarrete sofrimento. Por isso, Singer afirma: “Quando avaliamos a gravidade do ato de tirar
uma vida, não devemos levar em conta a raça, o sexo, ou a espécie a que pertence o indivíduo,
mas sim as características do ser individual que está sendo morto, como por exemplo seu
próprio desejo de continuar a viver ou o tipo de vida que é capaz de viver (Singer, 2002, p.12)”
Peter Singer é um utilitarista e, como tal, concebe o bem como o prazer e a ausência de dor
para a maioria das pessoas. Assim, o filósofo australiano assume que a morte de qualquer
animal, por exemplo, para consumo humano, pode ser aceitável desde que seja indolor e que
o bem-estar do animal tenha sido garantido em vida.
Deste modo se percebe que, embora não afirme que os animais possuem direitos, Singer
defende que os princípios éticos válidos para os humanos também são válidos para alguns
animais e que temos deveres morais diretos para com os animais.
Singer pressupõem, portanto, que animais dotados de sensibilidade e consciência sejam
tratados com o mesmo padrão de respeito dispensado à dor e ao sofrimento de seres da nossa
espécie, propõe a expansão do círculo da moralidade para incluir interesses até então
considerados exclusivos dos membros da espécie humana já que as diferenças na aparência
são irrelevantes à experiência da dor, como algo intrinsecamente mau para quem a sofre.
Peter Singer também defende que “somos responsáveis não só pelo que fazemos, mas
também pelo que poderíamos ter impedido. (...) Deveríamos pensar nas consequências
daquilo que fazem os e igualmente daquilo que decidimos não fazer. (Singer, 2002, p.12).
Segundo esta perspetiva, não basta apenas não causar sofrimento aos animais. É necessário
impedir que isso aconteça e promover o bem-estar animal.
4.2 Tom Regan
Uma tese mais controversa e radical do que o utilitarismo de Peter Singer é a teoria de Tom
Regan que “defende a posse de direitos morais para os animais, e que se inspira na
deontologia kantiana, em particular, na teoria da pessoa como um fim em si mesmo” (Cristina
Beckert 2021, p.2) e não como um meio para alcançar outros objetivos.
Tom Regan defende precisamente que não há qualquer diferença de estatuto moral entre
uns e outros, defendendo a ideia de que humanos e animais possuem direitos que não se
podem quebrar.
Embora em certa medida se inspire em Kant, Regan afasta-se do deontologismo clássico de
Kant, ao expandir o valor do humano, para o do animal, pois para Tom Regan os direitos dos
humanos não se opõem aos direitos dos animais ao admitir uma teoria moral que a todos
assistem direitos, sejam humanos ou não humanos. Regan, como filosofo, reconhece, a
existência de uma moral que sustenta os direitos dos animais e afirma que isto se trata de uma
ideia simples: não se pode dizer que os animais não têm os mesmos direitos que os humanos
só porque não são racionais, já que isso implicaria negar estatuto moral a seres humanos
desprovidos das suas faculdades racionais, como é o caso dos deficientes mentais profundos e
de idosos que perderam as suas faculdades racionais, entre outros. Como explica o Dicionário
de Filosofia Moral e Política, “tendo em consideração que alguns animais são pacientes morais,
pois manifestam capacidades cognitivas e afetivas semelhantes aos humanos incapacitados,
então, se atribuirmos direitos a humanos não-paradigmáticos ou pacientes morais humanos,
deveremos também, por uma questão de coerência lógica e moral, atribuir direitos a todos os
animais que possuam as mesmas capacidades” (2021, p.3)
Regan explica ainda, como segundo argumento, que ser sujeito de uma vida não é
apenas viver. Em vez de uma vida à qual se vão acrescentando momentos uns a seguir aos
outros sem nada que os ligue, aquele que é sujeito de uma vida consegue ligar esses
momentos numa unidade, sendo capaz de ter memórias de momentos passados, expectativas
sobre o que se segue, desejos, medos, etc. Ora, isso verifica-se não só nos seres humanos, mas
também em alguns animais. Assim, certos direitos, como o direito à vida, à liberdade e à
integridade corporal são invioláveis, tanto no caso dos seres humanos como no caso de alguns
animais. Todas as dimensões de uma vida –desejos e preferências, crenças e sentimentos,
lembranças e expectativas– fazem diferença para a qualidade que ela assume enquanto vida
vivida, experienciada por indivíduos conscientes que têm um bem-estar individual que é
importante independentemente da sua utilidade para os outros.
“Ser sujeito de direitos significa, nesta ótica, ter valor inerente, ou seja, ter valor em si
mesmo, independentemente da utilidade para outrem, mas também da quantidade de bem
ou mal-estar experienciada, o que leva, dada a forma categórica de que aquele se reveste, a
interditar, quer a determinação de gradações de valor inerente, quer a consideração do sujeito
como recetáculo de experiências de prazer e dor. Assim sendo, apenas o critério de ser sujeito-
de-uma-vida pode validar a atribuição de valor inerente a uma qualquer entidade e, por sua
vez, (...) os indivíduos são sujeitos-de-uma-vida se tiverem crenças e desejos; perceção,
memória e um sentido do futuro, incluindo do seu próprio futuro; uma vida emocional,
juntamente com sentimentos de prazer e de dor; interesses preferenciais e de bem-estar; a
capacidade de iniciar ações na persecução dos seus desejos e objetivos; uma identidade
psicofísica ao longo do tempo e um bem-estar individual, no sentido em que a sua experiência
de vida corre bem ou mal para eles, de forma logicamente independente da sua utilidade para
outros e de forma logicamente independente de serem objeto do interesse de outros.” (Tom
Regan, The Case of Animal Rights, 1988, p.243). As consequências éticas desta definição são
evidentes: os animais sujeitos-de-uma-vida (pelo menos, todos os primatas e mamíferos com
mais de um ano) têm direito à sua própria vida, bem como ao seu bem-estar e à liberdade.

A aplicação deste princípio para a defesa dos animais gera um ponto de vista deontológico
que se opõe ao utilitarismo. Esta oposição baseia-se no fato de que, dentro de uma visão
utilitarista, o benefício obtido através da utilização de animais entra em jogo, isto é, deve ser
calculado. Regan abomina esta visão, especialmente pelas consequências da sua aplicação aos
próprios seres humanos: alguns poderiam sofrer danos forçosamente em benefício de outros,
pouco importando a extensão deste benefício.
Em termos simples, pode-se afirmar que, para Regan, não é o facto de os animais serem
irracionais que os inferioriza em relação aos humanos. Também há humanos que têm as suas
capacidades diminuídas, ou não tão desenvolvidas, e considera-se impensável questionar os
direitos, por exemplo, dos bebés, dos idosos, dos doentes de Alzheimer, ou daqueles que tem
uma deficiência mental. Da mesma forma, segunda a perspetiva de Regan, é impensável
questionar os direitos dos animais. Permitir abusos nos animais ou negar-lhes os seus direitos,
poderia ter implicações graves para a defesa e o reconhecimento dos direitos humanos. Por
outro lado, para defender a sua perspetiva, Regan, não só faz a analogia com os humanos, mas
também explica que os animais têm valor inerente, como “sujeitos de uma vida”.
4.3 Comparação das duas perspetivas
Através da leitura duas perspetivas, percebe-se que, embora ambos os autores se
preocupem com os animais, fazem-no de forma diferente. Peter Singer assume a defesa do
bem-estar animal, embora estabeleça em que condições é aceitável o seu sacrifício máximo.
Tom Reagan vai mais longe e defende a ideia de que os animais têm direitos que devem ser
respeitados. Comparando as duas perspetivas, “o bem-estar animal assume como legítimo o
tratamento instrumental dos animais e seu tratamento como propriedade, assim defendem
uma regulamentação e um tratamento melhor para os animais. Já os que lutam pelos direitos
dos animais buscam a abolição de sua escravidão, ou seja, seu tratamento como instrumento
do ser humano (Lourenço, 2008, p. 388).”
Aplicando a casos práticos as duas ideias: será a indústria de criação de animais legítima? E
a experimentação animal em investigação médica?
Tanto Peter Singer como Regan preferem condenar todo o tipo de pecuária, mas Singer
esclarece que pode ser feita a exceção com os animais auto-conscientes, desde que se garanta
a continuidade da espécie, ou seja, que não se ponham em causa nem o bem-estar nem a
existência do animal. Regan diz que só se poderia abrir a exceção para os animais que se
provassem que não têm “preferências”, as já referidas memórias, desejos, expectativas, talvez
os peixes.
Quanto à experimentação animal em investigação médica, Singer defende que, em teoria,
ela seria legítima se os benefícios para os humanos compensarem os prejuízos para os animais.
No entanto, eles acham que os benefícios para a humanidade são exagerados e que de facto
não compensam o sofrimento animal. Já Reagan, para resolver o conflito de interesses entre
os direitos dos humanos e dos animais, aplica o princípio de minimização individual, isto é,
quando danos de diferente magnitude estão em causa, deve-se evitar os piores danos. No
entanto, no caso da experimentação animal, ele considera que esse princípio é anulado pelo
facto de a transferência de riscos não ser voluntariamente aceite pelo recetor.
Assim se contrastam as perspetivas dos dois autores, deixam-no claro que, no fundo e na
prática, a sua atuação não é assim tão diferente.
5. Objeções e Críticas às perspetivas de Singer e Regan

5.1 Objeções a Peter Singer

Como analisado, a perspetiva de Singer assenta muito no conceito de senciência,


dor, interesse no bem-estar. Aos seres que estão conscientes e que interferem
ativamente na construção do seu futuro reconhece-se o interesse de não sofrerem.
Uma dificuldade que apresenta esta teoria é a questão de definição e
identificação de dor nos animais. Como é que se sabe quais são os animais que
efetivamente sentem dor? Isso exige conhecimentos e formação científica que a
maioria das pessoas efetivamente não tem. Aliás, o próprio mundo académico na área
da biologia e zoologia ainda não reúne consenso sobre a sensação de dor em certos
animais. Na verdade, a insensibilidade para com a dor dos animais na maioria das
pessoas nasce da ignorância, na medida em que o desconhecimento sobre o
funcionamento biológico dos animais e o predomínio do senso comum também nestes
casos faz com que as pessoas não saibam, nem sequer pensem na hipótese do animal
também sofrer.
Por outro lado, a ideia da dor e do especismo levanta outra questão. Os
botânicos também referem que as plantas “choram” e “sofrem”. Como então lidar
com a dor no caso delas? Também são seres vivos, mas de outra espécie. É verdade
que aparentemente não têm consciência, nem interferem no seu futuro, mas nestes
casos então dever-se-ia garantir-lhes, pelo menos, uma morte indolor. Como fazer isso
nas plantas? Vamos deixar de comer plantas? No entanto, a medicina defende a
necessidade de se ter uma alimentação cada vez mais equilibrada e variada, em que os
legumes, vegetais e frutas têm um lugar predominante. Como conciliar essa
necessidade humana com o respeito pela dor das plantas?

5.2 Objeções a Tom Regan

Por polémica que seja, não é a reivindicação de direitos para os animais (e suas
implicações práticas) o que mais suscita o interesse de alguns críticos de Tom Regan, é
a grande dificuldade na atribuição de direitos aos animais, que reside nas condições
usualmente apontadas para a posse destes e que se resumem em três: “1. A
capacidade de reivindicação do direito por parte de quem pretende possui-lo; 2.
reciprocidade entre direitos e deveres para com os outros; 3. acordo intersubjetivo
prévio que dê o “direito de ter direitos” (contrato social). Dada a manifesta
impossibilidade de os animais reivindicarem os seus direitos, conceberem deveres para
com os humanos ou estabelecerem com estes um contrato” (Cristina Beckert, 2021,
p.2), é difícil assumir que se podem reconhecer direitos aos animais.
6. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais

Em 1978, a UNESCO e a ONU reconheceram a Declaração Universal dos Direitos dos


Animais, que a seguir se transcreve:

Preâmbulo:

Considerando que todo o animal possui direitos;


Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e
continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;
Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das
outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no
mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de
continuar a perpetrar outros;
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos
homens pelo seu semelhante;
Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender,
a respeitar e a amar os animais,

Proclama-se o seguinte:

ARTIGO 1:
Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência.

ARTIGO 2:
a)Cada animal tem direito ao respeito.

b)O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os
outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua
consciência a serviço dos outros animais.

c)Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.

ARTIGO 3:
a)Nenhum animal será submetido a maustratos e a atos cruéis.

b)Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia.

ARTIGO 4:
a)Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu
ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se.

b)A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito.

ARTIGO 5:
a)Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do
homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade
que são próprias de sua espécie.

b)Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse
direito.

ARTIGO 6:
a)Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de
vida conforme sua longevidade natural

b)O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

ARTIGO 7:
Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e
intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso.

ARTIGO 8:
a)A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os
direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra.

b)As técnicas substutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas

ARTIGO 9:
Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado,
transportado e abatido,sem que para ele tenha ansiedade ou dor.

ARTIGO 10:
Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e
os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

ARTIGO 11:
O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime
contra a vida.

ARTIGO 12:
a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio,
ou seja, um delito contra a espécie.

b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio.

ARTIGO 13:
a)O animal morto deve ser tratado com respeito.

b)As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e
na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais.

ARTIGO 14:
a)As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a
nível de governo.
b)Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens.

Salvaguarde-se que, também, em Portugal, entre 2009 e 2015 foram criadas leis para a
responsabilização e criminalização dos maus-tratos animais, sendo estas situações atualmente
puníveis por lei com pena de prisão entre 1 a 8 anos.
7. Conclusão
Finalmente trabalho concluído! Posso agora afirmar que o meu conhecimento sobre os
“Direitos dos Animais” mudou e melhorou.

Cresci a acreditar, sem questionar ou pensar, que os animais têm direitos. Devo isso á
educação que recebi, e que valorizo, em casa e na escola. De facto, sempre me ensinaram a
respeitar os animais e a não os maltratar.

Aprendi isso de forma trágica e dolorosa, mas não para mim. Quando eu tinha quatro
anos, o meu querido hamster respondeu inesperadamente mal as minhas “festinhas” e
brincadeiras por morder o meu dedo mendinho. Imediatamente a minha reação foi apertá-lo
para ele me soltar o dedo. Sem noção da força nem das consequências, acabei por matar o
meu amigo com dentes de aço, o que me causou muita tristeza, a ponto de nunca ter
esquecido o sucedido. Isso foi usado para me ensinar a necessidade de respeitar o espaço e o
bem-estar dos animais. Ainda hoje ao ouvir falar dos direitos dos animais penso logo no meu
hamster. Mas nunca tinha pensado que direitos são esses e que base há para os fundamentar.
Por isso, este trabalho ajudou-me a refletir melhor sobre esta questão e a ter uma opinião
mais esclarecida sobre o assunto.

Concordo, tal como Peter Singer, defendeu que os humanos têm deveres para com os
animais e que esses deveres não são apenas passivos. Não basta não fazer o mal aos animais.
Deve-se fazer o bem e denunciar e punir o mal. No entanto, também concordo com Tom
Regam que afirma que os animais possuem diretos que devem ser reconhecidos e respeitados,
principalmente porque acho muito lógico o argumento por analogia com os humanos.

Assim, é importante que toda a sociedade seja mais informada e formada sobre os
cuidados que os animais merecem e a Filosofia ao nos ajudar a pensar sobre este assunto
desempenha um papel fundamental na promoção da igualdade e do respeito.
Bibliografia

Baratela, Daiane. Peter Singer e Jeremy Bentham: Construindo O Direito dos Animais. Tese de
Mestrado em Direito Constitucional. http://revistasapereaude.org/index.php/edicoes/anos-
anteriores/ano-3-vol-1-12/ano-3-volume-2-setembro-2014/send/73-09-2014-ano-3-volume-
2/140-peter-singer-e-jeremy-bentham-construindo-o-direito-dos-animais

Beckert, Cristina. (2021). “Direitos dos animais”. Dicionário de Filosofia Moral e Política.
Instituto de Filosofia da Linguagem da Universidade Nova de Lisboa.
https://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/wp-content/uploads/2019/07/Direitos-dos-Animais.pdf

“Filosofia moral -Três perspetivas sobre direito dos animais”.


https://filosofianaescola.com/moral/tres-perspectivas-sobre-direito-dos-animais/

Moraes, Marianna. “Senciência como Fundamento dos Direitos dos Animais”. Repositório
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Silva, Jorge Marques (2017). Aula sobre ética animal. Faculdade de Ciências da Universidade de
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Singer, Peter. Libertação animal. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

Singer, Peter. (2013) Ética prática. Tradução Jeferson Luiz Camargo. 3ª Ed.

https://expresso.pt/dossies/dossiest_actualidade/dos_cantinho_smith/declaracao-universal-
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