Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
António Granjo
Filosofia
2022/2023
1
Índice
Introdução ____________________________________________________________3
Conclusão ______________________________________________________________
Bibliografia _____________________________________________________________
2
Introdução
Sendo um apreciador de arte, achei interessante considerar se a liberdade de expressão na arte deve
ter limites ou não, e se a conclusão for afirmativa, que limites devem ser esses.
Com esse objetivo em mente, começarei por clarificar os conceitos envolvidos nesta reflexão,
nomeadamente a noção de arte e de liberdade de expressão. Analisarei de seguida porque ambas são
essenciais numa sociedade desenvolvida e civilizada, bem como o contexto legal que as regulamenta, em
especial em Portugal.
Assumirei como ponto de partida alguns casos reais que servirão para provocar a discussão e para
avaliar o ponto de vista da sociedade sobre este assunto. De maior relevância será ainda a consideração
das perspetivas de filósofos que têm analisado a questão. Os seus argumentos e objeções serão essenciais
3
Formulação do Problema e Consideração da sua Importância: Será que a liberdade de
expressão da arte deve ter limites?
Como a própria notícia destacava, “a nudez da estátua de "David" faz parte de um debate secular sobre
se a arte ultrapassar os limites e as regras da censura. Nos anos 1500, folhas de figueira de metal cobriam
os órgãos genitais de estátuas como David, quando a Igreja Católica Romana considerava a nudez
obscena.”
4
Itália não demorou a responder à polémica. Como o jornal Expresso
escultura. Ora, quem já visitou Itália sabe que o mais comum é encontrar quadros e estátuas, muitas delas
mesmo nas ruas, de nus. Assim sendo, será que aqueles pais nunca vão visitar com os filhos menores
aquilo que podem considerar como cidades cheias de pornografia? Mais importante ainda, são as
De facto, a arte renascentista está repleta de nus. Será que estudar isso pode ser considerado estudar
pornografia? Ou será que esses nus por serem apresentados em obras de arte são aceitáveis e dignos de
ser observados? Alguns filmes pornográficos também são considerados, por alguns setores, como obras
de arte. Será que isso significa que também devem ser estudados nas escolas? Será que o facto de um
objeto, de um quadro, de uma imagem, de um filme ser arte significa que pode retratar qual coisa, sem
qualquer limite? Será que há ou deve haver limites na liberdade de expressão da arte?
Nigel Warburton na sua obra “Liberdade de Expressão” relata outro caso que provoca a reflexão. “Em
1990, a exposição The Perfect Moment do fotógrafo Robert Mapplethorpe foi apresentada no Centro de
Arte Contemporânea em Cincinnati. A exposição incluía (...) Rosie (1976), uma fotografia de uma menina
de quatro anos sentado num banco de jardim, vestindo uma saia que deixava ver os seus genitais. O
diretor do museu, Dennis Barrie, foi acusado de obscenidade e uso impróprio de um menor numa
fotografia. (...) Dennis Barrie foi julgado e absolvido com base em que o trabalho mostrava grande
5
E neste caso, será que o facto de a fotografia aparentemente ter “grande sensibilidade artística”
significa que pode apresentar todo e qualquer tipo de imagem, incluído os genitais de uma menina? Ou
será que a acusação de que o artista foi alvo foi pura censura injustificada?
Veja-se outro exemplo. A sátira, a caricatura e o humor podem ser consideradas formas de arte, podem
elas ser apresentadas em diferentes suportes, podemos ter os típicos cartoons presentes nos jornais e
revistas e agora difundidos pelas redes sociais, os sketches de programas televisivos ou o humor corrosivo
de alguns programas de rádio. Essa capacidade de dissecar a realidade com a faca da sátira e a lente do
humor e de transformar o resultado num texto ou numa encenação que provoca a reflexão pode ser
considerada arte. Basta pensar-se que nas aulas de Língua Portuguesa aprendemos que já na cultura
clássica havia o dito Ridendo castigat mores. As obras satíricas de Gil Vicente, o equivalente aos programas
de televisão satíricos dos dias de hoje, são consideradas ainda hoje uma obra de arte de literatura a ponto
de serem estudadas no programa oficial de Língua Portuguesa. Mário Soares inclusive escreveu: “a sátira é
um dos meios de reforço e aperfeiçoamento das instituições e dos homens. (...) O riso é uma forma de
inteligência e o talento para o provocar é um grande dom só concedido a alguns seres”. No entanto, o
facto de tais cartoons, programas televisivos ou radiofónicos poderem ser expressões artísticas será que
Pense-se no caso do jornal francês satírico Charlie Hebdo. Por diversas vezes, a publicação de cartoons
sobre personalidades e valores muçulmanos originou fortes retaliações, desde processos em tribunal,
ataques bombistas, e mais recentemente, em 2015, até um massacre que vitimou várias pessoas,
incluindo cartoonistas do jornal. Independentemente da avaliação moral e ética que se possa fazer dessas
retaliações, será que se pode considerar que o jornal passou dos limites ao gozar com aquilo que para
muitos é sagrado? Ou será que a liberdade de expressão nessa forma de arte não deve ser delimitada?
Em Portugal, há programas satíricos muito conhecidos como “Isto é gozar com quem trabalha” da SIC
com o humorista Ricardo Araújo Pereira, ou a rubrica “Extremamente Desagradável” de Joana Marques,
na Rádio Renascença. Se o primeiro tem acima de tudo um teor político, o segundo aborda muitas vezes
temas e personalidades do dia-a-dia. No dia 19 de abril, Joana Marques ganhou o Prémio Activa - Mulher
Inspiradora nas Artes, e a esse propósito, Mafalda Anjos, diretora da revista Visão disse: “O papel do
6
humor numa democracia é fundamental”, ao que acrescentou “Uma coisa é fazer um humor fofinho,
outra coisa é isto que a Joana faz (...), um humor implacável com as fraquezas, as tolices e as
superficialidades da sociedade em que vivemos. Ela é implacável, mas é implacável com imensa
inteligência, com imensa audácia, com imensa verdade e isso é fundamental”. No entanto, muitas têm
sido as pessoas que se consideraram ofendidas por esse humor inteligente, audaz, mas corrosivo,
originando por vezes polémicas mantidas depois pela troca de galhardetes nas redes sociais. Mais uma
vez, excluindo a análise moral à forma como se reage à crítica e à sátira, será que, quando os sentimentos
dos envolvidos são atingidos ou quando estes são prejudicados, se pode dizer que a arte foi longe demais?
Se sim, que limites devem ser colocados à liberdade de expressão da arte? Será que limitar a liberdade de
expressão na arte não limita também o seu valor e importância enquanto expressão de pensamento, fonte
Mas ainda antes do registo desse direito, há o direito à integridade moral, o direito “ao bom nome e
reputação, à imagem, à palavra”, O artigo 26º diz mesmo que “a lei estabelecerá garantias efetivas contra
Como conciliar esses direitos com o direito à liberdade de expressão, em especial na arte, numa
Este é o problema em que se tentará pensar, para tentar analisar estas questões, é necessário em
primeiro lugar entender o que pode ser considerado arte e o que é a liberdade de expressão.
7
O que é a arte? – Diversas Perspetivas
A conhecida Enciclopédia Britânica define arte como “object or experience consciously created through
Por sua vez, o dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora sugere, entre outras, as seguintes
definições para Arte: “expressão de um ideal estético através de uma atividade criativa, conjunto das
No entanto, esclarecer o conceito de arte é muito mais complexo do que ir ver a definição numa
enciclopédia ou num dicionário. De facto, a maioria das pessoas já ouviu falar ou usa a expressão “arte”,
contudo é mais fácil dizer o termo do que clarificá-lo ou estabelecer quando ele pode ser aplicado, isto é,
quando algo é verdadeiramente uma obra de arte. As definições apresentadas relacionam arte com
habilidade, imaginação, criatividade. E realmente a arte mobiliza essas capacidades, mas pode ser muito
Ao longo dos tempos, foram vários os pensadores e filósofos que tentaram responder à pergunta “O
que é arte?”. No contexto das aulas de Filosofia do 11º ano foram estudadas várias das suas perspetivas,
Para Platão e Aristóteles, a característica essencial da arte era a mimese, palavra que significa imitação.
Para o primeiro, o artista imita as coisas do mundo sensível, as quais por sua vez, imitam as ideias ou
formas perfeitas e imutáveis do mundo inteligível. Já para o segundo a arte imita no sentido de
representar o mais fielmente possível a realidade. Deste modo, estes filósofos clássicos estão associados à
teoria da arte como representação, defendendo que arte é aquilo que representa alguma coisa.
Lev Tolstoi e Robin George Colingwood defendem a teoria da arte como expressão. Para Tolstoi, uma
obra de arte é aquilo que é produzido com a intenção de exprimir os sentimentos pessoais do artista, de
forma a provocar nos outros o mesmo tipo de sentimento. Assim, para o autor de grandes obras literários
como “Guerra e Paz” e “Anna Karenina”, a arte é uma expressão clara, consciente e intencional de
8
sentimentos que devem procurar uma espécie de comunhão entre o artista e o espectador/observador da
arte. Collingwood também encara a arte como um meio de comunicação, mas defende que algo só é arte
se foi produzido por alguém com a intenção de exprimir as suas emoções individuais a fim de as
Outra perspetiva é da de Clive Bell, que defende a teoria da arte como forma, segundo Bell, todas as
obras de arte produzem uma emoção específica no espectador, a emoção estética. Isso acontece porque
as verdadeiras obras de arte têm características específicas na sua estrutura que são interessantes por si
mesmas, a forma significante. Portanto, arte é a criação de objetos com formas significantes capazes de
produzir emoção estética em que as aprecia, não sendo para isso necessário saber quem os criou, com
Ora, todas essas distintas perspetivas têm em comum a busca das condições suficientes e necessárias
para algo ser considerado uma obra de arte, ou seja, tentam dar uma definição explícita de arte,
procurando as tais condições necessárias e suficientes para algo ser uma obra de arte nas características
intrínsecas do mesmo, são teorias essencialistas. No entanto, outros pensadores procuraram as referidas
condições necessárias e suficientes para algo ser arte nas propriedades extrínsecas das obras de arte, nas
suas propriedades relacionais. Essas teorias são chamadas teorias não essencialistas.
Entre essas, nas aulas, considerou-se a teoria institucional da arte de George Dickie e a teoria histórica
de Jerrold Levinson. Segundo a teoria institucional de Dickie, algo é uma obra de arte se for um artefacto,
ao qual, pelas suas características, foi atribuído o estatuto de candidato à apreciação. Essa atribuição deve
ser feita por uma ou várias pessoas daquilo que ele chamou “mundo da arte”. De acordo com a teoria
histórica da arte de Levinson, um objeto pode ser considerado obra de arte, se o artista que o criou tem
sobre ele direitos de propriedade e se o criou com a “intenção séria de que este seja visto como uma obra
de arte, isto é, visto de qualquer modo como as obras de arte preexistentes são ou foram corretamente
vistas.”
Ora, todas estas teorias da arte tentam encontrar uma definição explicita de arte e para todas elas há
várias objeções e até contraexemplos, o que prova como é difícil realmente definir arte.
9
No entanto, da análise das várias perspetivas se vê que a arte pode ter uma função comunicativa, um
valor expressivo, várias características formais peculiares, mas acima de tudo, se depreende, quer isso seja
determinante, quer não, para a definição de arte, que a arte tem uma forte componente social.
Geralmente a arte é feita, não só pelo desejo, necessidade e vontade do artista e para seu próprio
Ela apresenta uma dimensão psicológica, pois como produção humana, autêntica e original, pode ser o
reflexo do artista. Por exemplo, Jackson Pollock, pintor expressionista, afirmou: “Eu quis expressar os
meus sentimentos e não os ilustrar. A técnica é simplesmente um veículo, um meio para fazer uma
afirmação” (p.5)1.
1
In Dicionário del Arte Actual, Barcelona
10
Nessa perspetiva, a arte pode ser também um meio de libertar tensões acumuladas e conflitos ocultos,
tal como destacam as teorias da arte como forma de expressão. Também o pintor G. Roualt definiu a
pintura como: “Um meio de esquecer a vida, como um grito na noite ou um soluço contido, um sorriso
sufocado”.
A arte
apresenta também uma dimensão sociológica, pois como espelho da sociedade, ela pode traduzir de
certo modo a identidade cultural de um povo e de uma cultural. Por isso, fala-se de arte grega, ou arte
romana, ou arte africana. De facto, o vínculo entre arte e sociedade está sempre presente. A sociedade e a
cultura condicionam a criação artística (os aspetos formais, os meios técnicos, os cânones estéticos, as
constitui a matéria ou base da perceção á qual o artista reage, exprime e transfigura a arte. No entanto, há
épocas, escolas, artistas em que a arte expressa e revela uma acentuada preocupação político-social.
conquistas do seu tempo, transformando assim a obra de arte num veículo de crítica e de denúncia ou de
exaltação ou propaganda ideológica. Um dos exemplos mais conhecidos disso é precisamente o quadro
Guernica de Pablo Picasso, onde são retratados os horrores da Guerra Civil espanhola. O mesmo Picasso
11
citado no livro “técnicas dos Grandes artistas”2 refletiu: “O que pensam que é um artista? Um imbecil feito
mesmo feito só de músculos, se se trata de um pugilista? Muito pelo contrário, ele é ao mesmo tempo um
ser político, sempre aberto a acontecimentos tristes, alegres, violentos, aos quais reage de todas as
maneiras”.
Além
disso, recorde-se como a arte foi um veículo de denúncia de hábitos que era necessário corrigir com o
intuito de se aperfeiçoar a sociedade, desde o tempo do já mencionado Gil Vicente, passando por
Camões, Eça de Queirós ou todos aqueles artistas de denunciaram o Estado Novo e lutaram pela
democracia em Portugal. Antero de Quental, no seu poema “A um poeta”, que também se estudou nas
aulas de Língua Portuguesa, fazia o apelo “Surge et ambula” (Levanta-te e anda), defendo o papel do
poeta como “soldado do futuro” que deveria fazer do “sonho puro” “espada de combate” para a
construção de um “mundo novo” longe da “sombra dos altares” e das “larvas tumulares”.
Por outro lado, a arte possui uma dimensão ontológica, na medida em que ela pode ajudar a dar
2
Técnicas dos Grandes Artistas, O Processo Criativo, Ed. Difusão Cultural
12
A esse propósito, o filósofo André Comte-Sponville, no seu “Apresentações da Filosofia”, escreveu: “A
arte é um facto do Homem. (...) A beleza faz parte das finalidades possíveis da arte; mas não basta para
defini-la. (...) Se só o Homem é artista, não é sobretudo por ser artesão (um macaco pode fabricar um
utensílio), nem esteta (quem sabe se a fêmea do pavão não sentirá também uma espécie de prazer
estético perante a cauda do macho?), nem sequer pela união destas duas faculdades, mesmo que seja o
caso em que isso acontece. Uma obra de arte não é somente o belo produto de uma atividade: nem todos
os belos produtos são arte. (...) Na arte, a Humanidade contempla-se sendo contemplativa, interroga-se
sendo interrogativa, reconhece-se sendo conhecedora. Esta reflexividade, encarnada, sensível, é a própria
arte. (...) O mundo é o verdadeiro espelho onde o Homem se procura. A arte é apenas um reflexo onde o
Como se verifica, segundo este autor, os artistas dão forma sensível e visível a uma interrogatividade e
reflexividade que são a essência da própria humanidade e que se manifestam nas diferentes formas de
configuração da experiência humana, incluindo na arte. De acordo com o mesmo autor, “temos
necessidade dos artistas: não para embelezarem a verdade, o que seria apenas artifício ou decoração, mas
para manifestarem ou revelarem a sua beleza intrínseca, para nos ensinarem a vê-la, a usufruí-la e ao
Assim, a arte assume a forma de criação imaginativa que pode ser trazida para a nossa experiência
Para Lewis Mumford, a arte é uma atividade criadora que “surge da necessidade que o Homem sente
de criar para si próprio, para além de qualquer exigência da mera sobrevivência animal, um mundo válido
e pleno de significado. “A arte (...) é apenas uma das maneiras pelas quais o Homem reordena, reflete
sobre e representa a sua experiência para si próprio, numa tentativa de parar a vida no seu fluxo e
movimentos perpétuos, de forma a que a experiência humana se possa destacar, no objeto estético, na
Mas a Arte também é uma linguagem, enquanto é um objeto de prazer sensorial e afetivo,
apresentando ainda uma dimensão económica, já que, é um produto da atividade humana a que se tem
13
Assim, ao analisar a questão da liberdade de expressão na arte deve se considerar todos estes aspetos
relevantes do que é a arte, ainda que seja muito difícil encontrar uma definição absoluta para ela, também
14
Liberdade de Expressão – Conceito e Valor
Na construção de uma sociedade justa, democrática e aberta, é essencial haver acesso a uma
boa educação para todos, interajuda, e espaço para, de própria iniciativa, desenvolvermos a
próprias decisões. Para tudo isso ser possível, é imperativo que haja uma livre e generosa
sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão” (arto 19º
da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948) – é um dos direitos civis e políticos
Tem as suas raízes na luta pelas liberdades pessoais nos séculos XVIII e XIX, quando foi incluído
nas Constituições dos EUA e Europeias. O filósofo britânico John Stuart Mill chamou à liberdade
de imprensa “uma das seguranças contra a corrupção e governos tiranos” (Mill, John Stuart.
1859. “On Liberty”). É também um direito constitutivo de um sistema democrático no qual todas
as pessoas, não só os cidadãos de um Estado, têm o direito humano de dizer o que pensam e de
expressão como uma das quatro liberdades na qual basear uma futura ordem mundial pós-
da Carta dos Direitos Fundamentais da UE e no 10º artigo da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, ambos determinando que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão.
informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem
consideração de fronteiras.”
3
Liberdade de expressão e Liberdade dos Meios de Informação. https://igc.fd.uc.pt/manual/pdfs/M.pdf
15
“Assim, a liberdade de expressão é um direito duplo, no sentido de liberdade de difundir, i.e.,
informação e ideias, em qualquer forma – oralmente, escritas à mão ou impressas, sob a forma
No entanto, convém salvaguardar que o 10º artigo da CEDH acrescenta no seu segundo
ponto: “O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser
submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que
protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir
poder judicial.”5
ditatorial na forma de Estado Novo em que a liberdade de expressão não era respeitada pelo
poder e pelos mais poderosos, agora a Constituição Portuguesa consagra esse direito. O
lexionário do Diário da República Eletrónico define essa liberdade como “um direito
ideias, convicções, pontos de vista, críticas ou valorações pela palavra, imagem, pelo som ou por
Esse direito fundamental está consagrado no artigo 37 que diz: 1.“Todos têm o direito de
exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer
outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem
4
https://www.researchgate.net/publication/
370450730_A_LIBERDADE_DA_ARTE_UMA_ANALISE_FILOSOFICA_E_HISTORICA
5
https://www.echr.coe.int/documents/convention_por.pdf
16
impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou
No entanto, a liberdade de expressão pode ser objeto de restrições, no caso de colisão com
Ora, o objetivo deste trabalho não é fazer uma abordagem legal ao exercício da liberdade de
expressão, por isso não se analisará, até por falta da devida formação e competência, os limites
No entanto, o exposto anteriormente serve para mostrar como este direito fundamental do
Homem é reconhecido pelos estados democráticos e como é consagrado inclusive nos seus
documentos oficiais mais importantes. Serve também para mostrar como, no âmbito legal, se
sentiu a necessidade de criar a hipótese de estabelecer alguns limites ao uso desta liberdade de
expressão, nomeadamente quando é necessário conciliar esse direitos com outros igualmente
O que nos leva à verdadeira questão que é: sendo a arte um exercício de criatividade, mas
também um inevitável veículo de comunicação, será que no seu caso, pode haver liberdade de
expressão completa e total? Se não há, não será isso uma forma de censura?
No fundo, refletir nesta questão é analisar se a arte só tem um valor estético e cultural, ou se também
deve ter um valor moral, ético e até político. Isto é se o artista deve expressar tudo o que bem entende, se
é bom ou mau que ele faça isso e se é necessário que as leis regulamentem mais ou menos a produção
artística.
17
Liberdade de Expressão na Arte – Diferentes Perspetivas
Embora seja difícil estabelecer uma única e inquestionável definição de arte, e apesar de
haver, como já exposto, várias perspetivas sobre aquilo que constituiu uma obra de arte, pode-
se afirmar que a verdadeira arte, que se distingue do plágio e da contrafação, nasce do olhar
conceito que se refere ao grau de autonomia e independência que os artistas têm para criar e
divulgar as suas obras, sem sofrerem censura, repressão ou perseguição por parte de
Por isso, muitos argumentam que limitar a liberdade de expressão na arte é castrá-la e que
colocar qualquer travão moral na expressão artística é uma censura que anula a própria essência
questionar. Nigel Warburton sobre esta questão da liberdade de expressão na arte diz mesmo que
“a abordagem mais libertária consiste em argumentar que toda a censura artística é errada”. No
entanto, também reconhece que tal posição “é no entanto mais fácil de afirmar como palavra de
democrática. Numa democracia os eleitores têm interesse em escutar e contestar uma grande
contrastantes, mesmo quando acreditam que as perspetivas expostas são política, moral ou
6
https://www.researchgate.net/publication/
370450730_A_LIBERDADE_DA_ARTE_UMA_ANALISE_FILOSOFICA_E_HISTORICA
18
Contudo, para ele, em certas situações, como a da já referida exibição artística de “imagens
semelhantes imagens; é também correta a preocupação com os efeitos prováveis de exibir essa
imagem”. Por exemplo, na situação referida, a exibição dessas imagens pode “estimular a
imaginação perversa de pedófilos” e pode “comunicar a ideia de que fixar um olhar sexual por
baixo da saia de uma criança de quatro anos é socialmente aceitável”. Nesse caso, o que será
Ora, esta reflexão alerta para uma realidade muito própria da arte, ela geralmente não fica
exclusivamente no domínio do criador, ou seja, não é vista, apreciada e absolvida apenas pelo
artista. A arte geralmente é exposta e partilhada, por isso temos galerias e museus cheios de
pinturas e esculturas, salas de espetáculos onde passam filmes e peças de teatro, plataformas
deliram com músicas. Quando isso acontece, as obras de arte passam da esfera privada e
exclusiva do seu criador, para o domínio dos outros, a esfera social. Enquanto só o artista a viu,
apreciou, pensou e sentiu, ela afetou apenas o afetou a ele. Mas a partir do momento que ela é
vista, ouvida, apreciada por outros, ela torna-se de certa forma parte da sociedade. E tudo o
que é vida social, organizada e estruturada, rege-se por normas e limites, direitos e deveres.
Assim sendo, não será espectável que a arte se submeta a considerações não apenas estéticas,
mas também morais e legais? Será que o papel essencial da arte, enquanto expressão do olhar
Como apresentado anteriormente, a arte tem uma forte dimensão expressiva, sociológica e
ontológica. Ela tem o poder de influenciar mentalidades, de divulgar novos conceitos e novas
visões, de dar sentido à realidade. No entanto, podendo ser uma arma tão poderosa, não
19
Ela deve continuar a denunciar, criticar, provocar. Contudo, será necessário fazer isso sem
Compare-se por exemplo com outra grande forma de conhecimento essencial na civilização
humana: a Ciência. É inegável o enorme valor que a Ciência e a sua aplicação na tecnologia têm
significa isso que a Ciência fica isenta de considerações ético-morais? A Ciência sem um senso
moral correto deu origem a monstruosidades como as experiências feitas nos campos de
Nigel Warburton afirma que “há algo de perturbador na perspetiva de que a expressão
artística e o mérito dessa imagem a devem tornar imune a outras considerações, como se as
Em relação aos limites da liberdade, John Stuart Mill escreveu sobre um “princípio muito
simples, que se destina a reger em absoluto a interação da sociedade com o indivíduo no que
diz respeito à coação e controlo, quer os meios usados sejam a força física, na forma de
punições legais, quer a coerção moral da opinião pública. É o princípio de que o único fim para
ação de outro é a autoproteção. É o princípio de que o único fim em função do qual o poder
pode ser corretamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra
a sua vontade, é o de prevenir dano a outros. O seu próprio bem, quer físico quer moral, não é
justificação suficiente. Uma pessoa não pode corretamente ser forçada a fazer ou deixar de
fazer algo porque será melhor para ela que o faça, porque a fará mais feliz, ou porque, na
opinião de outros, fazê-lo seria sábio, ou até correto. Estas são boas razões para a criticar, para
debater com ela, para a persuadir, ou para a exortar, mas não para a forçar, ou para lhe causar
mal caso ela aja de outro modo. Para justificar tal coisa, é necessário que se preveja que a
conduta de deseja demovê-la cause um mal a outra pessoa. A única parte da conduta de
20
qualquer pessoa pela qual ela responde perante a sociedade é a que diz respeito aos outros. Na
parte da sua conduta que apenas diz respeito a si, a sua independência é, por direito, absoluta.
Sobre si, sobre o seu próprio corpo e a sua própria mente, o indivíduo é soberano.”
Desta forma, Stuart Mill estabelece o Princípio do dano, que aplicando na questão da
liberdade de expressão, estabelece que esta só poderá ser limitada se o exercício da mesma
ofensa, embora moralmente reprovável, não seja causa de dano direto e inequívoco, uma vez
que o que é ofensa para uns pode não ser ofensa para outros e há pessoas que se ofendem
Aplicando isto às mais variadas expressões artísticas, a ideia será exercer sempre a liberdade
exposição, apresentação dela pode ter. Ou seja, é necessário conciliar o exercício do direito à
dificuldade. Talvez também a maior objeção a esta perspetiva. No plano teórico, ela parece ser
bastante razoável e recomendável, mas na prática pode ser muito difícil aplicar o princípio do
dano, primeiro porque este pode assumir diferentes conceitos para diferentes pessoas. O que é
Estas expressões artísticas têm reconhecido valor, especialmente como alerta para aquilo que
parece não funcionar tão bem. E esse esforço de alerta e correção pode infligir alguma dor,
porque nem sempre é fácil reconhecermos em nós e na sociedade a que pertencemos o ridículo
tangíveis para o visado, sem que os benefícios superem as perdas, de que valerá essa arte? O
21
aperfeiçoamento, o mal-estar ou qualquer dor que essa exposição tenha causado talvez seja
Por outro lado, se a sátira nasce apenas do desejo de criticar gratuitamente e prejudica
económica, emocional e social alguém, será que o valor de arte compensa o dano causado?
Por outro lado, se este tipo de raciocínio geral parece ser fácil, é muito difícil aplicá-lo em
cada caso específico, uma vez que o exercício da liberdade de expressão tem consequências que
com os restantes direitos humanos, na prática é muito complicado conseguir avaliar que limites
22
Conclusão
23
Bibliografia
https://arteref.com/arte/curiosidades/obras-polemicas-que-mudaram-a-historia-da-arte/
https://www.britannica.com/art/visual-arts
https://www.britannica.com/event/Charlie-Hebdo-shooting
https://dre.pt/dre/lexionario/termo/liberdade-expressao
https://dre.pt/dre/detalhe/lei-constitucional/1-1997-653562
https://comunidadeculturaearte.com/tag/liberdade-de-expressao/
https://pt.unesco.org/courier/2019-1/reflexoes-liberdade-e-arte
https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/arte
https://ffms.pt/pt-pt/direitos-e-deveres/o-que-significa-liberdade-de-expressao-que-lei-portuguesa-
consagra-quais-sao-os
BORGES, José Ferreira, PAIVA, Marta, FADIGAS, Nuno, TAVARES, Orlanda. Em Questão 11. Porto Editora.
CORREIA, Carlos João. O que é a arte? – Introdução à Filosofia da arte. (2017) Lisboa
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/40523/1/CarlosJoaoCorreia_Philosophica_50.pdf
https://www.researchgate.net/publication/370450730_A_LIBERDADE_DA_ARTE_UMA_AN
ALISE_FILOSOFICA_E_HISTORICA
24