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ÉTICA AMBIENTAL

OQUE É?
Uma das ferramentas mais importantes da filosofia é a
argumentação, por isso deve-se sempre apresentar razões para
afirmar ou negar algo ou para fazer ou deixar de fazer algo. Isso
pode ser considerada uma atitude filosófica e, em alguma medida,
ética pois não estamos agindo de forma gratuita e, sim, de acordo
razões fortes que guiam nossas ações. Diante disso, precisamos
apresentar razões para essas duas perguntas:
O DESASTRE DE MARIANA É RUIM PORQUE NOS
AFETOU?

OU

O DESASTRE É RUIM INDEPENDENTE DE TER NOS


AFETADO?
ÉTICA AMBIENTAL

Ambas posições representam aquilo que consideramos parte da Ética


Ambiental, que é um conceito filosófico desenvolvido a partir
da década de 1960 que amplia o conceito de ética, enquanto sendo
a forma de agir do homem em seu meio social, pois se refere
também à sua maneira de agir em relação à natureza. Entre os
filósofos éticos ambientalistas estão Peter Singer, Freya Mathews,
Aldo Leopold, Richard Routley, John Passmore, Hannah Arendt,
Martha Nussbaum, Patricia Churchland, Cristina Beckert, etc.
ÉTICA AMBIENTAL ANTROPOCÊNTRICA

Iremos apresentar uma argumentação de Marta Luciane Fischer, presente no


artigo Da ética ambiental à bioética ambiental: antecedentes, trajetórias e
perspectivas, na qual temos razões para evitarmos essas tragédias ambientais
pelo viés antropocêntrico.

Neste artigo os autores apresentam a bioética de intervenção, cuja principal tese é


a seguinte:

"Não é possível existir uma relação eticamente fundamentada do ser humano com o
meio ambiente se existem injustiças e desigualdades sociais, aproximando-se neste
aspecto da ética da libertação, que associa a superação da pobreza e das injustiças
sociais à relação adequada do ser humano com toda a natureza"
ÉTICA AMBIENTAL ANTROPOCÊNTRICA
Eles partem do seguinte princípio:

"Axiologicamente, a relação entre bioética e ética ambiental caracteriza-se pelo


reconhecimento de que o meio ambiente é composto por expressões sociais,
políticas, econômicas e religiosas que têm o mesmo valor que os componentes
naturais".

E utilizam uma observação sobre relações sociais no capitalismo:

"Uma das questões éticas mais relevantes nesse contexto é a de que, embora o
desenvolvimento tecnológico demande uma elevada quantidade de energia e
recursos naturais, os seus benefícios direcionam-se a uma parcela restrita da
população planetária, que pode ser facilmente caracterizada por uma hierarquia
colonial, de recorte etnorracial, sendo, dessa forma, privilegiadas as sociedades
brancas ocidentais".
ÉTICA AMBIENTAL ANTROPOCÊNTRICA
E oferecem uma contrapartida histórica ao capitalismo:

"Seguindo a compreensão das populações autóctones da América Latina,


nomeadamente dos indígenas, relacionou-se a natureza com a sociedade e a
cultura como uma realidade única e integrada em que o ecossistema é
vislumbrado como provedor de condições socioambientais para a promoção da
vida, tal como preveem os mitos, lendas e histórias dos povos originários".

Para então de tudo isso concluir:

"Enfim, a humanidade, que já desenvolveu bem o conhecimento biológico sobre o


passado evolutivo que a trouxe até o presente, deve repensar os paradigmas de
desenvolvimento econômico, científico e tecnológico para que possa haver um
futuro saudável para todos os seres vivos, atuais e futuros".
ÉTICA AMBIENTAL ANTROPOCÊNTRICA
Resumindo o argumento:

Princípio geral: o meio ambiente é composto por expressões sociais, políticas,


econômicas e religiosas que têm o mesmo valor que os componentes naturais.

Premissa 1: No capitalismo as relações entre os seres humanos e o meio ambiente


são mediadas pela dominação de alguns seres humanos sobre a maioria, que causa
uma desigualdade social que, por sua vez, condiciona a relação entre a humanidade e
a natureza.

Premissa 2: Em outra sociedade, a dos nativos americanos, ocorreu uma maior


integração entre a sociedade e a natureza.

Conclusão: É preciso repensar a nossa organização social para se ter uma nova
relação entre humanidade e natureza.
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Iremos apresentar uma argumentação de Peter Singer, em Ética Prática, na qual
temos razões para evitarmos essas tragédias pelo viés não-antropocêntrico.

Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Pressuposto do argumento de Singer:


Princípio da igualdade de direitos: todos os seres humanos têm os mesmos direitos,
independentemente da sua raça/etnia, gênero, orientação sexual, religião, classe
social, etc.

Observação sobre este princípio: é um princípio universalmente aceito na era atual.


Por exemplo, atualmente não aceitamos que alguém seja discriminado pela cor da
sua pele, o que na legislação brasileira inclusive é crime.
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Estratégia argumentativa de Singer: Onde a igualdade deve parar?


Apenas nos seres humanos, ou pode ser estendida aos outros
animais?

Resposta: "Vou sugerir que, tendo aceito o princípio de igualdade


como uma sólida base moral para as relações com outros seres da
nossa espécie, também somos obrigados a aceitá-la como uma sólida
base moral para as relações com aqueles que não pertencem à nossa
espécie: os animais não-humanos (p. 65).
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA

Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Observação sobre o ensino do pensamento crítico: ter um


pensamento crítico não significa apenas ser capaz de julgar
negativamente algo. O pensamento crítico é a capacidade de dar
razões às nossas opiniões. Essa capacidade implica ser capaz de
avaliar aquilo com o que concordamos e aquilo com o que
discordamos. Ter pensamento crítico implica a capacidade de
descobrir que estamos errados.
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Aplicando o pensamento crítico ao nosso tema: Singer precisa


levar em conta às possíveis objeções a sua proposta, o que ele faz
através destas duas perguntas: "O bem-estar dos animais não se
insere numa categoria totalmente diferente, uma história para
pessoas loucas por cães e gatos? Como é possível que alguém
perca o seu tempo tratando da igualdade dos animais, quando a
verdadeira igualdade é negada a tantos seres humanos?" (p. 65)
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Defendendo a tese da igualdade para os animais: o princípio de


igualdade nos proíbe de explorar alguém por ser de outra
raça/etnia, gênero, por terem capacidades intelectuais mais
limitadas do que as nossas, etc. , porque também não nos proíbe
de explorar os outros animais? Porque não são racionais? Mas um
bebê humano tampouco é racional. O que devemos levar em conta
é a capacidade de ter sofrimento. E nisso os outros animais são
iguais a nós.
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Interpretando o argumento: Ao defender a tese de que devemos


estender a igualdade de direitos aos animais, Singer nos faz refletir
sobre o que nos diferencia dos animais: a racionalidade. Mas ela é
suficiente para não estender aos outros animais o princípio de
igualdade? Não, porque no início da vida os seres humanos
também não são racionais. Por outro lado, os animais também
sofrem, então é esta semelhança que deve ser levada em conta.
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Princípio da igualdade no sofrimento: "Se um ser sofre, não pode


haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a
levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do
ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em
conta em termos de igualdade com o sofrimento semelhante de
qualquer outro ser" (p. 65).
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
Igualdade para os animais – A Ética Prática de Peter Singer:

Continuando com o método do pensamento crítico: Singer agora


pensa numa objeção à tese da igualdade no sofrimento: os seres
humanos têm um sofrimento mais intenso que o dos outros animais
e por isso não são iguais no sofrimento. Mas ele defende sua tese
afirmando que embora não possamos comparar com precisão o
sofrimento dos animais com o nosso, tampouco podemos comparar
com precisão o sofrimento entre diferentes seres humanos.
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA

Resumindo o argumento de Singer:


Se concordarmos com o princípio de igualdade, não há como evitar que
ele seja estendido aos animais, pois:
- a diferença entre seres humanos e outros animais é a racionalidade, mas
esta não está presente nos bebês e nos indivíduos portadores de
graves necessidades especiais mentais.
- os animais também são capazes de sentir dor e sofrer como nós.
- não existe uma medida para a diferença no sofrimento entre seres
humanos, disso se segue que não podemos estabelecer uma medida,
que não seja puramente arbitrária, para avaliar a diferença entre o
nosso sofrimento e o dos outros animais.
PERGUNTAS QUE DEVEMOS NOS FAZER!

Sabemos, portanto, que para os antropocêntricos e os não-


antropocêntricos o desastre de Mariana foi moralmente errado,
mesmo que sob motivos diferentes. No caso dos primeiros, devemos
entender que sim, porque o desastre nos atingiu e, no segundo, que
sim, porque o desastre atingiu a todos nós: os homens, os animais e
o ecossistema como um todo.
TRAILER “MIDWAY”, DE 2013, POR CHRIS JORDAN
PERGUNTAS QUE DEVEMOS NOS FAZER!

Mas e agora? As imagens desse vídeo deveriam nos chocar? A


morte dos pássaros da Ilha de Midway não nos atinge diretamente, mas
os responsáveis por ela somos nós. Nesse caso, deveríamos fazer
algo a respeito ou não? E por quê? O que a visão antropocêntrica
diria? E a não-antropocêntrica?
ÉTICA AMBIENTAL NÃO-ANTROPOCÊNTRICA

Para a ética ambiental antropocêntrica, a morte dos pássaros deve


ser evitada, porque ao alterar o ecossistema, estamos a contribuir para
a possibilidade da extinção da raça humana, mesmo que a longo prazo.
Para a ética ambiental não-antropocêntrica, este desastre ambiental
deve ser evitado porque antes de tudo atinge os animais, e o nosso
meio, que sofrem e estão perdendo a vida, independente de nos atingir
a longo prazo ou não.
ÉTICA AMBIENTAL
Os dois subtipos da ética ambiental acreditam que a responsabilidade por desastres como o de
Mariana é do homem, elas apenas divergem na maneira que enxergamos essa
responsabilidade. É importante ressaltar que ambas posições são coerentes na medida que
apresentam razões para agirmos de alguma forma.
ANTROPOCÊNTRICA NÃO-ANTROPOCÊNTRICA
A visão antropocêntrica ou especista defende que A visão não-antropocêntrica ou não-especista
apenas a espécie humana tem direitos e deveres defende que a ética se aplica aos animais
morais porque é racional também porque reconhecemos que eles sofrem

Nesta visão, o fato de sermos seres racionais nos Nesta visão, o fato de partilharmos a
coloca em um lugar privilegiado na natureza característica básica do sofrimento e prazer
com outros animais é o que não nos coloca
em um lugar privilegiado na natureza
ANTROPOCÊNTRICA NÃO-ANTROPOCÊNTRICA

A consequência dessa perspectiva é que A consequência dessa perspectiva é que


desastres como o de Mariana são desastres como o de Mariana são
necessariamente ruins ou moralmente necessariamente ruins ou moralmente
errados porque NOS atinge enquanto raça errados porque atingem A TODOS os
humana, ou seja, o desequilíbrio natural é animais, racionais ou não, e o meio em que
visto como aquilo que cria obstáculos à estão inseridos, ou seja, significa um
sobrevivência da nossa espécie. desequilíbrio ambiental no curso natural
dessa cadeia e, portanto, é como um
obstáculo à sobrevivência como um todo.
ÉTICA AMBIENTAL
Uso do debate em sala de aula:

- Estimula o protagonismo dos alunos.


- Diversifica as atividades em sala de aula.
- Aproveita tanto o caráter competitivo quanto colaborativo da
personalidade dos alunos.
- Prepara os alunos para situações reais de disputa de ideias.
ÉTICA AMBIENTAL
Regras básicas para o debate:

1.Cada parte no diálogo deve permitir a livre manifestação da outra;


2. Cada parte deve justificar aquilo que afirma;
3. A refutação da tese oposta pode ser de dois tipos:
3.1 Ou se mostra que uma ou mais premissas que sustentam a tese
são falsas;
3.2 Ou se mostra que a tese não se segue das premissas que a
sustentam;
4. Deve-se atacar o argumento e não a pessoa que formulou o
argumento.
ÉTICA AMBIENTAL
Organização do debate:

1. Os debates podem ser orais ou escritos, mas mesmo os debates orais


devem ter sempre um momento escrito no qual os argumentos são
formulados;
2. É recomendável que o professor use o quadro negro para expor as
premissas dos argumentos;
3. Visto tomar muito tempo cada aluno expor suas opiniões, o mais
recomendável é dividir a turma em grupos, cabendo a cada grupo
escolher uma solução para o problema e criar os argumentos para
defendê-la.
ÉTICA AMBIENTAL

Referências:

Ética Prática. SINGER, Peter.

Da ética ambiental à bioética ambiental: antecedentes, trajetórias e


perspectivas, de FISCHER, Marta Luciane et ali, História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.2, abr.-jun. 2017, p.391-409.

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