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Neste ensaio irei abordar o seguinte problema filosófico: a ilegitimidade da experimentação

animal. Ao longo do tempo, animais têm sido usados na testagem e experimentação


científica e medicinal, levantando questões como “Será a experimentação animal ética?”.
Este é um tema controverso e complexo que põe em causa questões éticas e o valor
intrínseco da vida. Ao longo deste ensaio vou defender a seguinte tese “A experimentação
animal é imoral e ilegítima” apresentando diversos argumentos éticos, filosóficos e
científicos a seu favor, tentando privilegiar raciocínios como analogias e argumentos da
autoridade.

Primeiramente, deve-se ter em conta que testes em laboratórios causam sofrimento,


ferimentos e transtornos psicológicos aos animais. A ausência de um neocórtex não parece
impedir que um organismo experimente estados afetivos. A declaração de Cambridge sobre
a consciência, feita em 2012 e aprovada por uma elite de neurocientistas nessa mesma
cidade britânica, diz-nos que tanto nos humanos como em outros animais foram
identificados circuitos homólogos cuja atividade coincide com a experiência consciente. Foi
também provado que animais não humanos, incluindo todos os mamíferos, aves, além dos
polvos, possuem substratos neurológicos que geram a consciência e comportamentos
intencionais, ou seja, eles sentem dor e são conscientes da mesma. Tal como Jeremy
Bentham, um filósofo que acreditava que os seres sencientes, incluindo os animais, têm a
capacidade de sentir dor e prazer, e, portanto, merecem ser levados em consideração em
questões éticas, disse : "A questão não é se os animais são capazes de pensar ou falar,
mas se são capazes de sofrer".

Para além do mais, usar o animal como modelo humano, pressupondo que espécies
diferentes reagem de forma idêntica ou similar quando lhe são administradas substâncias
ou quando são submetidos a diversos procedimentos é incorrer em erro. Além disso, muitas
reações provocadas por substâncias testadas não podem ser manifestadas por animais,
tais como náuseas, dores de cabeça, depressão, distúrbios psicológicos, etc… Tomemos
como exemplo a sacarina que causa cancro em ratos, mas é inofensiva a seres humanos; a
morfina que nos acalma, mas pode causar euforia, hipotensão, depressão respiratória,
prurido e estase urinária em cães; ou até a aspirina e o paracetamol que nos servem de
analgésicos, mas são capazes de matar gatos.

Ademais, a perspetiva de Peter Singer também deve ser considerada. Este filósofo baseia-
se no utilitarismo e defende que os interesses dos animais e dos seres humanos valem o
mesmo e que ao avaliar as consequências das nossas ações temos de pensar
imparcialmente no bem-estar de todos os seres. A única maneira de obter tal imparcialidade
é usar animais não humanos para a produção de benefícios suficientemente significativos.
Se nos basearmos no seu ponto de vista, conseguimos encontrar um equilíbrio em que,
apesar de utilizarmos animais em casos de necessidade extrema, como na alimentação, os
poupamos de sofrimento em momentos em que este não é estritamente necessário, como
para a produção de produtos cosméticos.

Alguns argumentos muitas vezes utilizados contra os acima mencionados são:


A testagem em animais é essencial para o conhecimento científico avançar e para se
melhorar a saúde humana. Diversos avanços médicos e científicos só foram possíveis
graças à experimentação animal, tais como vacinas e antibióticos.
Não concordo com este argumento uma vez que, afirmar que a testagem em animais é
imprescindível para o desenvolvimento da ciência é incorrer em erro, uma vez que maior
parte das experiências feitas acabam em falhanço. Um estudo de 2014 publicado no British
Medical Journal descobriu que mesmo as descobertas mais promissoras da pesquisa com
animais geralmente falham em testes em humanos e raramente são adotadas na prática
clínica. Por exemplo, menos de 10% das descobertas científicas básicas entram em uso
clínico num espaço de 20 anos. Para além do mais, existem diversas alternativas e métodos
capazes de substituir a experimentação animal, tais como: sistemas biológicos in vitro; a
utilização de tecidos humanos; estudos epidemiológicos; simulações computacionais; uso
de tecnologia; culturas 3-D de células humanas; etc…

Outro argumento muitas vezes utilizado baseia-se no especismo dizendo que, mesmo que
os animais não tenham sido criados para o nosso benefício, podemos continuar a aceitar
que só nós temos realmente estatuto ou importância moral, pois pertencemos a uma
espécie distinguida das outras pela racionalidade e pelo facto de sermos seres sencientes,
dando-nos isto um estatuto moral superior.

Peter Singer compara o especismo ao racismo, o simples facto de sermos humanos não
nos concede um estatuto moral superior.
O especista pensa que pertencermos a uma certa espécie biológica – a espécie
Homosapiens – nos dá preeminência perante todas as outras. Mas pensar isto, tal como
sugere Singer, é cometer o tipo de erro subjacente ao racismo. Afinal, o racista pensa que o
simples facto de um ser humano ser de uma certa raça lhe dá um estatuto moral superior.
Todos reconhecemos que discriminar alguém por causa da sua raça é um erro moral grave.
Mas, para sermos coerentes, temos também de reconhecer que discriminar um ser por
causa da sua espécie é um erro moral igualmente grave.
"A dor e o sofrimento são maus e devem ser evitados ou minimizados, independentemente
da raça, sexo ou espécie do ser que sofre.(...)" (ética prática)

Diante do exposto, penso ter demonstrado que a utilização de animais como sujeitos em
experiências levanta diversas preocupações sobre a nossa compreensão de ética e moral.
Devemos reavaliar os nossos comportamentos de forma a que os animais não tenham de
sentir sofrimento face às necessidades irrelevantes ou até inúteis do ser humano.

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