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500 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA NOTAS 501

nham essas noções na vicia intelectual e o que cabe às noções e a forma da coletividade, ver em RATZEL, Politische Geogra­
de gênero ou de causa (ver sobre esse ponto HAMELIN, Essai phie, o capínilo intitulado "Der Raum im Geist der Võlker".
sur les é/éments principaux de la représentation, pp. 63, 76, Pa­ 13. Não queremos dizer que o pensamento mitológico o ig­
ris, Alcan, depois P.U.F.). nora, mas que na maioria das vezes o infringe e de forma mais

[
5. Ver em apoio dessa asserçào, em HUBERT e MAUSS, aberta que o pensamento científico. Inversamente, mostraremos
Mélanges d'histoire religieuse (Travaux de l'Année sociologique), que a ciência não é capaz ele não o violar, embora conforman­
o capítulo sobre "La représentation du temps dans la religion" do-se mais escrupulosamente a ele cio que a religião. Entre a ciên
(Paris, Alcan). eia e a religião, nesse como em muitos outros aspectos, M tão�
6. Percebe-se deste modo toda a diferença que existe entre s' diferenças ele grau; mas, embora não elevamos exagerá-las, e
o complexo de sensações e de imagens que serve para nos orien- importante assma á- as, pois são significativas.
tar na duração e a categoria de tempo. As primeiras são o resu­ 14. Essa hipótese já havia sido formulada pelos fundadores
mo de experiências individuais somente válidas para o indiví­ da Volkerpsychologie. Encontramo-la particularmente indicada
duo que as produziu. Ao contrário, o que exprime a categoria num curto attigo ele WINDELBAND intitulado "Die Erkenntniss­
ele tempo é um tempo comum ao grupo, é o tempo social, se lehre unter clem Võlkpsychologischen Gesichtspunkte", in
assim é possível dizer. A categoria de tempo é ela própria uma Zeitsch. f Volkerpsychologie, VIII, pp. 166 ss. Cf. uma nota ele
verdadeira instiniição social. Por isso, é particular ao homem: o STEINTHAL sobre o mesmo assunto, ibid., pp. 178 ss.
animal não tem representação desse tipo. 15. Mesmo na teoria de Spencer, é com a experiência indi­
A distinção entre a categoria de tempo e as sensações cor­ vidual que são construídas as categorias. A única diferença exis­
respondentes poderia igualmente ser feita a propósito do espa­ tente, sob esse aspecto, entre o empirismo ordinário e o empi­
ço, da causa. Talvez ajudasse a dissipar certas confusões que rismo evolucionista, é que, segundo este último, os resultados
mantêm as controvérsias em torno dessas questões. Voltaremos ela experiência individual são consoliclaclos pela hereditariedade.
a esse ponto na conclusão deste livro (§ 4). Mas essa consolidação não lhes acrescenta nada ele essencial;
7. Op. cit., pp. 75 ss. não entra na composição delas nenhum elemento que não te­
nha sua origem na experiência do indivíduo. Assim, nessa teo­
8. Caso contrário, para explicar essa concordância, seria
ria, a necessidade com que as categorias se impõem atualmente
preciso admitir que todos os indivíduos, em virtude de sua cons­
a nós é o produto ele uma ilusão, ele um preconceito supersticio­
tituiçâo orgânico-psíquica, são espontaneamente afetados ela
so, fortemente enraizado no organismo, mas sem fundamento
mesma maneira pelas diferentes partes do espaço, o que é mui­
na natureza elas coisas.
to mais improvável, visto que as diferentes regiões, por elas 16. Talvez cause surpresa que não definamos o apriorismo
mesmas, sâo de fato indiferentes. Aliás, as divisões cio espaço pela hipótese das qualidades inatas. Mas, em realidade, essa
mudam com as sociedades. É a prova de que não estão funda­ concepção desempenha na doutrina apenas um papel secundá­
das exclusivamente na natureza congênita cio homem. rio. É uma maneira simplista de representar a irredutibilidade
9. Ver DURKHEIM e MAUSS, "De quelques formes primiti­ cios conhecimentos racionais aos dados empíricos. Dizer dos
ves ele classification", in Annéesociol., VI, pp. 47 ss. primeiros que são inatos é apenas uma forma positiva de dizer 1
10. Ibid., pp. 34 ss. que não são um produto ela experiência tal como ela é ordinaria­
11. "Zuni Creation Myths", in 73th Rep. of the Bureau of mente concebida.
Amer . Ethnology, pp. 367 ss. 17. Pelo menos, na medida em que há representações indi­
12. Ver HERTZ, "La préeminence de la maio clroite. Étucle viduais e, portanto, integralmente empíricas. Mas, na verdade, é
ele polarité religieuse", in Rev. philos., dezembro ele 1909. Sobre improvável que esses dois tipos de elementos não se encontrem
essa mesma questão elas relações entre a representação cio espaço estreitamente unidos.
NOTAS 503
502 AS FORMAS ELEMENTARES DA VJDA RELIGIOSA
arte que imita a natureza com uma perfeição capaz de crescer
18. Convém não entender, aliás, essa irredutibilidade num ilimitadamente.
sentido absoluto. Não queremos dizer que não haja nada nas re­ 23. Por exemplo, o que está na base da categoria de tempo
presentações empíricas que anuncie as representações racionais, é o ritmo da vida social; mas se há um ritmo da vida coletiva,
ou que não haja nada no indivíduo que possa ser visto como o podemos estar certos de que há um outro na vida individual c,
de maneira mais geral, na do universo. O primeiro é apenas

)
anúncio ela vicia social. Se a experiência fosse completamente
estranha a tudo o que é racional, a razão não poderia aplicar-se mais acentuado e evidente que os outros. Do mesmo modo, ve­
a ela; cio mesmo modo, se a natureza psíquica cio indivíduo fos­ remos que a noção de gênero formou-se sobre a de grupo hu­
se absolutamente refratária à vicia social, a sociedade seria im- mano. Mas se os homens formam grupos naturais, pode-se su­
possível. Uma análise completa das categorias deveria buscar, por que existam, entre as coisas, grupos ao mesmo tempo aná­
portanto, inclusive na consciência individual esses germes de ra­ logos e diferentes. São esses grupos naturais de coisas que cons­
cionalidade. Aliás, teremos a oportunidade de voltar a esse pon­ tituem os gêneros e as espécies.
to em nossa conclusão. Tudo o que queremos estabelecer aqui Se a muitos espíritos parece impossível atribuir uma origem
é que, entre esses germes indistintos de razão e a razão propria­ social às categorias sem retirar-lhes todo valor especulativo, é
mente dita, há uma distância comparável à que separa as pro- que a sociedade ainda é tida muito freqüentemente por não ser
.---? prieclades cios elementos minerais que formam o ser vivo e os uma coisa natural; donde se conclui que as representações que
a exprimem nada exprimem da natureza. Mas a conclusão não
atributos característicos ela vicia, uma vez constituída.
vale senão o que vale o princípio. ,
19. Observou-se com freqüência que os distúrbios sociais ti­
24. Por isso é legítimo comparar as categorias a instrumen-
nham por efeito multiplicar os distúrbios mentais. É mais uma
tos, pois o instrumento, por seu lado, é capital material acumu­)
prova ele que a disciplina lógica é um aspecto particular ela disci­ lado. Aliás, entre as três noções de instrumento, de categoria e
plina social. A primeira se relaxa quando a segunda enfraquece. de instituição há um forte parentesco.
20. Há analogia entre essa necessidade lógica e a obrigação
moral, mas não há identidade, ao menos atualmente. Hoje, a so­
ciedade trata os criminosos diferentemente cios indivíduos cuja LIVRO I
inteligência apenas é anormal; é a prova de que a autoridade li­ Capítulo/
gada às normas lógicas e a que é inerente às normas morais,
apesar ele importantes similitudes, não são ela mesma natureza. 1. Já havíamos tentado definir o fenômeno religioso num
São duas espécies diferentes de um mesmo gênero. Seria inte­ trabalho publicado em L'Année sociologique (t. III, pp. 1 ss.). A
ressante pesquisar em que consiste e ele onde provém essa dife­ definição que demos então difere, como se verá, da que propo­
rença, que, ao que tudo indica, não é primitiva, pois durante mos hoje. Explicamos, na nota nº 68 da p. 507, as razões que
muito tempo a consciência pública mal distinguiu o alienado do nos levaram a essas modificações que não implicam, aliás, ne­
delinqüente. Limitamo-nos a indicar a questão. Por esse exem­ nhuma mudança essencial na concepção elos fatos.
plo, vê-se a quantidade de problemas que a análise dessas no­ 2. Ver p. VTU. Não continuaremos insistindo sobre a neces­
ções levanta, noções tidas geralmente como elementares e sim­ sidade dessas definições preliminares nem sobre o método a se­
ples, mas que são, em realidade, de uma extrema complexidade. guir para chegar a elas. A exposição disso pode ser vista em
21. A questão é tratada na conclusão do livro. nossas Régles de la méthode sociologique, pp. 43 ss. Cf. Le Suici­
22. O racionalismo imanente a uma teoria sociológica cio de, pp. 1 ss. (Paris, Alcan, depois P.U.F.).
conhecimento é, portanto, intermediário entre o empirismo e o 3. Premiers príncipes, trad. fr., pp. 38-39 (Paris, Alcan).
\ apriorismo clássico. Para o primeiro, as categorias são constru­ 4. Introduction à la science des religions, p. 17. Cf. Origine
ções puramente artificiais; 'p'arà'o segundo, são dados naturais; et développement de la religion, p. 21.
para nós, elas são, num certo sentido, obras de arte, mas de uma

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