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Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho

(Fundacentro)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TRABALHO, SAÚDE E AMBIENTE

Júlio César Lopardo Alves

Saúde do trabalhador e marxismo: uma análise a partir da Enquete Operária

São Paulo

2015
Júlio César Lopardo Alves

Saúde do trabalhador e marxismo: uma análise a partir da Enquete Operária

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação


“Trabalho, Saúde e Ambiente”, da Fundação Jorge Duprat Figueiredo
de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) como parte
dos requisitos para obtenção do título de mestre em Trabalho, Saúde e
Ambiente.

Área de concentração: Saúde e Segurança do Trabalhador

Linha de pesquisa: Políticas Públicas da Segurança e Saúde no


Trabalho

Orientador: Professor Doutor José Marçal Jackson Filho

São Paulo

2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Serviço de Documentação e Biblioteca – SDB / Fundacentro
São Paulo – SP
Sergio Roberto Cosmano CRB-8/7458

Alves, Júlio César Lopardo

Saúde do trabalhador e marxismo: uma análise a partir da


Enquete Operária / Júlio César Lopardo Alves. - 2015.
107 f.

Orientador: José Marçal Jackon Filho


Dissertação (mestrado)-Fundação Jorge Duprat Figueiredo
de Segurança de Medicina do Trabalho, São Paulo, 2015.
Referências: f. 93-98

1. Enquete Operária. 2. Marxismo. 3. Trabalho. I. Alves,


Júlio César Lopardo. II. Título.
CDU 331:613

É expressamente proibida a comercialização deste documento tanto na sua forma impressa,


como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins
acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título,
instituição e ano da dissertação.
Para Sérgio Ronaldo Santos,
amigo infinito
que partiu numa bicicleta.
Agradecimentos

Ao Prof. Dr. José Marçal Jackson Filho pelas orientações sempre precisas.

A todos os professores do Programa de Pós-graduação da Fundacentro pela generosidade e


pelos conhecimentos transmitidos.

Aos meus pais e aos meus avós pelo exemplo de dedicação e perseverança.

A todos companheiros e a todas companheiras de trabalho pelo apoio recebido, esta


dissertação deve muito ao incentivo e à ajuda de todos vocês.

A todos companheiros e a todas companheiras com quem sonhei, lutei, sonho e luto por
mundo melhor, este trabalho não existiria sem as discussões e sonhos que tivemos e temos
juntos.
O DERROTADO INVENCÍVEL
(Carlos Drummond de Andrade)

– Gigantes!
(Moinhos
de vento...)
– Malina
mandinga,
traça
d’espavento!
(Moinhos e moinhos
de vento...)
– Gigantes!
Seus braços
de aço
me quebram
a espinha
me tornam
farinha?
Mas brilha
divino
o santelmo
que rege
e ilumina
meu valimento.
Doído,
moído,
caído,
perdido,
curtido,
morrido,
eu sigo,
persigo
o lunar
intento:
pela justiça no mundo,
luto, iracundo.
RESUMO

Em 1880, Karl Marx elaborou a Enquete Operária com objetivo de investigar as condições de
vida e de saúde da classe trabalhadora francesa. Além disso, a Enquete procura politizar os
trabalhadores e contribuir para o fortalecimento das suas organizações de luta, é, portanto, um
instrumento de ação política. Esta dissertação analisa a atualidade da Enquete Operária. Para
isso, discutiu-se a concepção marxista de trabalho salientando as potencialidades negativas e
positivas deste. Destacou-se a importância da categoria processo de produção no sentido
marxista, ou seja, como unidade dos processos de trabalho e de valorização. Apresentou-se,
em linhas gerais, o desenvolvimento do capitalismo e do campo Saúde do Trabalhador,
mostrando como os problemas de saúde e de vida se transformam com a evolução do processo
produtivo. Cinco eixos da Enquete Operária foram explorados: desenvolvimento e aplicação,
estrutura das empresas e acidentes de trabalho, jornadas e intensidade do trabalho, salários e
condições de vida, greves e organização dos trabalhadores. A Enquete Operária é atual por
seis razões principais: explora problemas de saúde e de vida que continuam presentes no
mundo contemporâneo; relaciona problemas de saúde e de vida dos operários ao processo de
produção capitalista, procedimento que posteriormente seria seguido pelo campo Saúde do
Trabalhador; valoriza o saber dos operários, outro princípio posteriormente adotado pela
Saúde do Trabalhador; é uma síntese da teoria desenvolvida por Marx em O Capital, esta
teoria é importante para se compreender o processo de produção capitalista e,
consequentemente, a relação entre trabalho e doença; na Enquete as questões relacionadas à
saúde dos trabalhadores são integradas na luta pela libertação do trabalho; futuras enquetes
operárias podem tomar como base a Enquete de 1880. A obra de Marx, a Enquete inclusive, é
atual porque o conflito entre capital e trabalho continua existindo. A forma enquete operária –
entendida como um mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora –
continua atual. Marx dirigiu sua Enquete aos trabalhadores franceses do final do século XIX,
o que impede o emprego de todas as questões em outros contextos. Mas, por outro lado, a
elaboração de enquetes operárias em outros momentos históricos não pode prescindir da
teoria marxista, da Enquete de 1880 inclusive, por isso ambas são atuais.

Palavras-chave: Enquete Operária. Marxismo. Trabalho. Processo de produção. Saúde do


Trabalhador.
ABSTRACT

In 1880, Karl Marx developed the Worker's Inquiry, with intention to investigate the life and
health conditions of the french worker's class. Besides that, the Inquiry seeks to politicize the
workers and contribute to the strengthening of the struggle organizations, it was, therefore, a
political action tool. This dissertation analyzes the Worker's Inquiry topicality. For this
purpose, was discussed the marxist conception of work, emphasizing the negative and
positive potentialities of the work. Was highlighted the importance of the category
"production process" in the marxist meaning, that is, this category as the unicity of the
categories "labour-process" and "capital appreciation process". Was exposed, in general lines,
the development of the capitalism and of the Worker's Health field, showing how the health
and life problems get transformed with the evolution of the productive process. Five axes of
the Worker's Inquiry was explored: development and application; structure of the companies
and work-related injuries; working hours and intensity of work; salaries and life conditions;
strikes and worker's. The Worker's Inquiry is contemporary because of six main reasons: the
health and life problems exposed in the Inquiry continues to exist in the contemporary world;
relate the worker's life and health problems with the capitalist production process, a procedure
that would be followed later by the Worker's Health field; value the worker's knowledge,
another principle subsequently adopted by the Worker's Health; the Inquiry is a synthesis of
the theory developed by Marx in “The Capital”, this theory is important to understand the
capitalist production process and, consequently, the relation between work and disease; in the
Inquiry, the questions related to worker's health was integrated in the struggle for the freedom
of work; future versions of worker's inquiries could be based on the 1880's Inquiry. The works
of Marx, including the Inquiry, are current today because the conflict between capital and
work still exist. The worker's inquiry's instrument, as a worker’s class investigation and
politicization mechanism, remains actual. Marx steered his Inquiry to the french workers in
the late of 19th century, and therefore the use of all questions in another contexts is not
possible. By other side, the elaboration of others worker's inquires in others historical
moments cannot dispense with the Marxist theory, as so the 1880's Inquiry, and that's why
both are still topical today.

Keywords: Worker’s Inquiry. Marxism. Work. Production process. Worker’s Health.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................9
2 CONCEPÇÃO MARXISTA DE TRABALHO................................................................12
2.1 Trabalho na história..............................................................................................12
2.2 Alienação e estranhamento...................................................................................17
2.3 Processo de trabalho, processo de valorização e processo de produção..........26
3 SAÚDE DO TRABALHADOR E MARXISMO..............................................................35
3.1 Avanço do capitalismo e surgimento do campo Saúde do Trabalhador..........35
3.2 Processo de produção e saúde..............................................................................42
4 A ENQUETE OPERÁRIA.................................................................................................48
4.1 Desenvolvimento e utilização................................................................................48
4.2 Estrutura das empresas e acidentes de trabalho................................................56
4.3 Jornadas e intensidade do trabalho.....................................................................61
4.4 Salários e condições de vida..................................................................................73
4.5 Greves e organização dos trabalhadores.............................................................87
5 CONCLUSÃO.....................................................................................................................90
REFERÊNCIAS......................................................................................................................94
ANEXO A – O QUESTIONÁRIO DE 1880 – KARL MARX..........................................100
9

1 INTRODUÇÃO

Nosso estudo analisa a atualidade da Enquete Operária1, documento redigido e publicado por
Marx em 1880, com o objetivo de investigar as condições de vida e de saúde da classe
trabalhadora francesa. A Enquete também procura politizar e contribuir para a organização e
fortalecimento dos trabalhadores franceses, ou seja, é um instrumento político que toma
partido e não cria uma falsa ilusão de imparcialidade. Nas questões elaborados por Marx
reaparecem as análises e observações realizadas pelo autor em suas obras, especialmente O
Capital, isso torna a Enquete um texto importante, o que contrasta com sua pouca utilização
pelos movimentos do trabalhadores e pelas ciências sociais.

O conflito entre capital e trabalho abordado na Enquete continua presente, aconteceram


mudanças na forma, mas a essência do conflito não se alterou. Apesar dos discursos
ideológicos e interessados em maquiar e amenizar o conflito entre capital e trabalho, a disputa
pelo controle e determinação do processo de produção mantém trabalhadores e capitalistas em
lados opostos e com posições irreconciliáveis. Este argumento presente em toda a obra de
Marx foi adotado no nosso estudo.

Consideramos que os agravos à saúde dos trabalhadores tratados na Enquete continuam a


ocorrer no tempo presente, por isso o texto de Marx é atual. Aos problemas não superados se
somaram outros, o que aumenta a responsabilidade dos profissionais do campo Saúde do
Trabalhador (ST). De qualquer forma, a categoria processo de produção, no sentido marxista,
é central para a compreensão dos problemas de saúde dos trabalhadores, este é o principal
caminho de aproximação entre marxismo e ST, mas não é o único.

Procuramos estabelecer um diálogo entre marxismo e Saúde do Trabalhador. Por um lado,


discutimos a concepção marxista de trabalho passando pelas categorias alienação e
estranhamento até chegar à categoria processo de produção, como ela aparece em O Capital.
A retomada da crítica marxista em sua totalidade é interessante porque reforça a
potencialidade libertária do trabalho e, por essa razão, pode ser incorporada e empregada pela
ST. Por outro lado, procuramos discutir a atualidade da Enquete Operária mostrando como os
problema apontados por Marx, no final do século XIX, continuam existindo ou reapareceram.

1
Empregamos os nomes Enquete Operária, Enquete de 1880, Questionário e Enquete como
sinônimos. Mas privilegiamos a palavra Enquete, que tem o sentido de investigação.
10

Adotamos o método marxista de abordagem e investigação. Partimos do abstrato para o


concreto. Ou seja, começamos pelas ideias e concepções sobre o trabalho para depois
analisarmos como os problemas de saúde do trabalhador acontecem no mudo real, na época
de Marx e no tempo presente. Importante destacar que o pensamento marxista é
essencialmente categorial, categorias não são palavras comuns e, por isso, não podem ser
substituídas por sinônimos. Sendo assim, em alguns momentos nosso texto se torna repetitivo,
tentamos evitar ao máximo este problema, mas, quando não foi possível, privilegiamos o
conteúdo e o rigor teórico, o que em alguns momentos torna a leitura pesada.

Começamos o primeiro capítulo tratando, em linhas breves e gerais, a concepção de algumas


sociedades e pensadores sobre o trabalho, nesta exposição mostramos como o sentido positivo
de trabalho foi sendo agregado ao negativo, além disso, apresentamos brevemente ideias que
existiam antes de Marx para caracterizar o ponto de partida do pensador alemão. Na sequência
exploramos a concepção de trabalho presente em algumas obras de Marx: Manuscritos
Econômico-filosóficos (de 1844), A Sagrada Família (de 1845) e A Ideologia Alemã (de
1846). As duas últimas redigidas em parceria com Engels. Tratamos principalmente das
categorias alienação e estranhamento. A primeira considerada como uma etapa do processo de
trabalho, como externalização do produtor; a última entendida como objeção social à
realização humana. Tais categorias, além de fundamentarem a teoria marxista, podem ser
aproveitadas pelo campo Saúde do Trabalhador. Na sequência discutimos as categorias
processo de trabalho, processo de valorização e processo de produção, que aparecem em O
Capital (de 1867). Estas categorias são importantes para o campo Saúde do Trabalhador e,
além disso, ajudaram a fundamentar nossa análise da Enquete Operária. Procuramos mostrar
como Marx avança do abstrato para o concreto, revelando a exploração e outros problemas
causados pelo processo de produção capitalista. É preciso pensar a obra de Marx como
totalidade, por isso a importância de abordar a concepção marxista de trabalho que aparece
nos primeiros textos do autor, avançando desta para a análise presente em O Capital.
Encerramos o primeiro capítulo destacando a importância de se utilizar a categoria processo
de produção nos estudos relacionados à ST.

Dividimos o segundo capítulo em duas partes. Na primeira apresentamos brevemente o


desenvolvimento do capitalismo, mostramos como surge o campo Saúde do Trabalhador e
destacamos a importância da categoria processo de produção, entendida no sentido marxista,
ou seja, como unidade dos processos de trabalho e de valorização. Na segunda parte do
11

capítulo dois discutimos, em linhas gerais, a relação entre processo de produção e problemas
de saúde dos trabalhadores.

No terceiro capítulo analisamos a Enquete Operária. Começamos apresentando o contexto


histórico em que Marx desenvolveu e publicou a Enquete, destacamos alguns acontecimentos
políticos relevantes da época, como a Comuna de Paris, de 1871, e apresentamos alguns
objetivos do autor ao publicar o Questionário, além disso, expusemos argumentos de autores
que trataram da Enquete Operária. Na sequência discutimos como são tratados os acidentes de
trabalho na Enquete, destacamos que as questões elaboradas por Marx partem, em geral, de
observações e análises realizadas em O Capital, obra em que o autor se utilizou de relatórios
produzidos por inspetores de fábrica de seu tempo. Depois, analisamos como a Enquete
aborda problemas relacionados às jornadas e à intensidade do trabalho, destacamos que
questões semelhantes reaparecem na atualidade e são tratadas em estudos de pesquisadores de
ST. Na sequência, discutimos as questões relacionadas aos salários e às condições de vida dos
trabalhadores, destacando algumas consequências das formas de pagamento sobre a saúde dos
trabalhadores, procuramos mostrar como os dilemas abordados na Enquete aparecem em
textos atuais do campo Saúde do Trabalhador. Encerramos o capítulo discutindo a abordagem
de Marx sobre as greves e a organização dos trabalhadores. No terceiro capítulo procuramos
identificar como a teoria e as análises marxistas, especialmente as presentes em O Capital,
reaparecem na Enquete em forma de questionamentos aos trabalhadores. Marx emprega todos
os recursos que dispunha na elaboração da Enquete, desde relatórios de inspetores de fábrica
de seu tempo até categorias desenvolvidas anteriormente. Para discutir a atualidade da
Enquete, utilizamos textos de autores contemporâneos, mostrando como os conflitos e
problemas apontados por Marx continuam presentes.

Concluímos destacando a importância da categoria processo de produção para a análise das


relações entre trabalho e saúde. Também destacamos atualidade da Enquete, que aponta
problemas que continuam presentes e, além disso, antecipa práticas que seriam adotadas
posteriormente pelo campo Saúde do Trabalhador.
12

2. CONCEPÇÃO MARXISTA DE TRABALHO

2.1 Trabalho na história

Na maioria das línguas ocidentais trabalhar tem dois sentidos, por um lado, a negatividade: a
ideia de esforço, fadiga e repetição; por outro, a possibilidade positiva de externalização, de
transformação da realidade, de objetivação da existência subjetiva do homem (ALBORNOZ,
2008). Algumas línguas empregam palavras distintas para registrar os dois sentidos do ato de
trabalhar: no francês travailler e ouvrer ou oeuvrer, em italiano lavorare e operare, no
espanhol trabajar e obrar, em alemão arbeit e werk, em inglês labour e work (ALBORNOZ,
2008). A palavra trabalho utilizada na língua portuguesa se originou do latim tripalium, que
era um instrumento agrícola com três pontas afiadas empregado para bater trigo, milho e
linho. Entretanto, o tripalium também era utilizado como instrumento de tortura. O verbo do
latim vulgar tripaliare significa torturar (ALBORNOZ, 2008).

Pode-se dizer que o sentido negativo da palavra trabalho se mantém até o presente, ainda que
não exclusivamente. É comum ouvirmos trabalhadores se referirem aos períodos de não
trabalho como “tempo livre”. Esta expressão, em si mesma, registra a negatividade do
trabalho na sociedade atual: sua carga de esforço, fadiga, repetição e estranhamento. O modo
de produção capitalista separa os meios de produção dos produtores, impedindo, dessa forma,
que estes determinem o conteúdo, a intensidade e os objetivos do trabalho, que passam a ser
determinados pela exigência de valorização do capital. O trabalho transforma-se em meio de
sobrevivência e perde suas possibilidades libertárias. Atualmente, além de trabalhar, algumas
pessoas mantêm hobbies, esta palavra é empregada para indicar atividades e tarefas que são
praticadas por prazer e realização, por outro lado, expressa também a negatividade do trabalho
na sociedade atual, como se não fosse possível alcançar prazer e realização nas atividades
produtivas.

O modo de produção capitalista promove intensa concorrência entre os agentes econômicos,


para sobreviver, as empresas precisam revolucionar constantemente seus processos de
produção. O resultado é o desenvolvimento incessante de novas tecnologias produtivas e de
novas formas de gestão do trabalho. Importante ressaltar que, o intenso desenvolvimento das
forças produtivas, costuma aumentar a exploração e o desgaste dos trabalhadores, mas, se
utilizadas no interesse destes e não apenas como meio de obtenção de lucros, as forças
produtivas podem permitir a libertação do trabalho. Para Marx (1975a), as revoluções
13

ocorrem quando as relações de produção entram em contradição com as forças produtivas da


sociedade, por isso o autor acreditava que a revolução, para ser vitoriosa, precisaria ocorrer
nos países mais desenvolvidos, ou seja, onde a contradição entre relações de produção e
forças produtivas se manifesta com maior intensidade. Pela mesma razão, Marx (1975a)
afirma que o capitalismo é um modo de produção revolucionário, a condição fundamental
para a libertação dos trabalhadores é desenvolvimento das forças produtivas da sociedade,
seriam estas que permitiriam a superação do trabalho repetitivo, cansativo e estranhado. O
capitalismo é um modo de produção revolucionário justamente porque ajuda a promover um
intenso desenvolvimento das forças produtivas. Por enquanto, é importante destacar que “a
abordagem em Saúde do Trabalhador busca resgatar o lado humano do trabalho e sua
capacidade protetora de agravos à saúde dos trabalhadores” (LACAZ, 2007, p. 760). Para
isso, apresentaremos brevemente como as concepções de trabalho evoluíram até começarem a
incorporar o sentido positivo, de realização humana, ao sentido negativo, de esforço,
estranhamento, monotonia e repetição.

Na antiguidade grega o trabalho agrícola era valorizado porque estabelecia um elo entre o
homem e a terra, não se tratava ainda de desenvolver técnicas e métodos para aumentar a
produtividade, que era regida pela divindade da terra e pelos ciclos naturais, pelo contrário,
mais importante era se adaptar a estes (ALBORNOZ, 2008). À medida que escravos
começaram a ser incorporados à produção agrícola, o trabalho com a terra deixou de ser
valorizado (ALBORNOZ, 2008). Sociedades baseadas no trabalho escravo tendem a
desvalorizar os produtores diretos. Aristóteles, por exemplo, quase igualava os artesãos aos
instrumentos que produzem um objeto (ALBORNOZ, 2008). Na Grécia antiga valorizava-se,
sobretudo, a ação que não gerava nada além de si própria, os gregos diferenciavam práxi2 de
poiesis, valorizavam muito mais aquela do que esta, práxis estava associada à ideia de
liberdade, à solução de problemas teóricos e às atividades que não geravam diretamente
produtos materiais, poeisis se referia às atividades práticas associadas à fabricação e produção
de objetos materiais (ALBORNOZ, 2008).

A sociedade grega valorizava muito mais o trabalho intelectual dos filósofos e políticos do
que as atividades práticas dos artesãos e outros trabalhadores, por isso às vezes deixava estas
últimas a cargo de mulheres e escravos, que eram considerados inferiores. Apesar do intenso
desenvolvimento das artes e do pensamento em geral, a sociedade grega não chegou a

2
Posteriormente, Marx daria outro sentido para a palavra práxis, que passaria a ser utilizada como
síntese dialética de teoria e prática.
14

perceber potencialidade libertária do trabalho, ou melhor dizendo, valorizou sobretudo as


atividades intelectuais sem associá-las a outras formas de trabalho. A ideia de que o homem
se constrói através do trabalho não existiu na Grécia antiga.

A tradição religiosa judaico-cristã associa o trabalho à expiação do pecado original e a ideia


de que, para comer, é preciso labutar, porque perderam a inocência original, Adão precisou
ganhar o pão com o suor do próprio rosto e Eva sofreu as dores do parto (ALBORNOZ,
2008). Por ser uma atividade deste mundo, provisório e imperfeito, o trabalho é pouco
valorizado na tradição religiosa judaico-cristã, apesar de executarem algumas atividades
produtivas nas oficinas ou em hortas, os religiosos cristãos valorizavam sobretudo a
meditação e a contemplação (ALBORNOZ, 2008).

É possível dizer que o sentido negativo do ato de trabalhar inaugurado pela tradição judaico-
cristã está presente na sociedade atual. O trabalho tornou-se repetitivo e entediante para os
produtores, que não controlam os ritmos, possibilidades e objetivos da produção e, por isso,
fazem o possível para aumentar o “tempo livre” do trabalho, sonham com um paraíso onde
não seja mais necessário comer o pão com o suor do rosto.

Com o Renascimento e o início da transição do feudalismo para o capitalismo, à medida que


se desenvolveram as tecnologias e as artes em geral, cresceu o domínio do homem sobre o
meio e as forças naturais. O trabalho começou a ser valorizado por seu poder de
transformação. Não se tratava mais de contemplar e entender os mecanismos e as leis de
funcionamento das coisas, como na Grécia antiga, com o Renascimento e o capitalismo
incipiente, a questão passa a ser conhecer para intervir sobre o meio. Este movimento iniciou
o processo de valorização o trabalho: “o homem deixa de ser um animal teórico para ser
também sujeito ativo, construtor e criador do mundo.” (ALBORNOZ, 2008, p. 58).

Paralelamente ao Renascimento, surge a Reforma protestante que, por sua vez, alterou a
compreensão tradicional sobre o trabalho (ALBORNOZ, 2008). Segundo Lutero, o trabalho é
a base e a chave da vida (ALBORNOZ, 2008). A Reforma protestante manteve a ideia de que
trabalhar era a consequência da queda do paraíso, mas, por outro lado, sustentava que todos
deviam trabalhar, o ócio começou a ser condenado, a salvação e a virtude passaram a
depender do trabalho (ALBORNOZ, 2008). Calvino radicalizou a Reforma, o trabalho passou
ser enxergado como a vontade de Deus, que já teria predeterminado os homens que seriam
vitoriosos e os que fracassariam. Segundo Calvino, os lucros deveriam ser continuamente
reinvestidos para ampliar a produção e criar mais trabalho (ALBORNOZ, 2008).
15

Weber (2007) mostrou como a ética protestante e sua concepção de trabalho ajudaram a
impulsionar o desenvolvimento do modo capitalistas de produção a partir do século XVI,
quando as relações de produção feudais começam a ser superadas na Europa. Por outro lado e
sem desconsiderar a importância dos apontamentos de Weber (2007), é possível pensar o
inverso, ou seja, no quanto as incipientes relações de produção capitalistas ajudaram a forjar a
ética protestante.

O Iluminismo manteve e aprofundou a valorização da transformação da natureza e do meio,


que vinha do Renascimento, para tanto, ciência e técnica eram fundamentais. O trabalho era
valorizado à medida que a transformação da natureza e do meio eram requeridas. Além disso,
o trabalho começou a ser visto como forma de afirmação do indivíduo. Em linhas gerais, os
filósofos iluministas afirmavam as ideias e os valores da burguesia revolucionária francesa
que, na época, travava a luta final contra as relações feudais de produção e de poder. Com a
vitória política da burguesia, afirmaram-se as possibilidades positivas do trabalho no plano
intelectual, mas, por outro lado, o capitalismo industrial avançou impondo longas jornadas,
trabalho infantil e outros problemas que afetaram diretamente a saúde dos trabalhadores.
Importante ressaltar que, com a vitória política da burguesia, o avanço do capitalismo
industrial e dos problemas relacionados à saúde dos trabalhadores, surgiram, principalmente
na França, pensadores socialistas3 que afirmaram ser possível transformar a sociedade e
mudar o caráter do trabalho, que deixaria de ser causador de doenças e sofrimento para se
transformar em fonte de prazer numa sociedade futura.

Paralelamente ao Iluminismo e às lutas políticas que ocorriam na França, na Inglaterra, onde


as relações capitalistas de produção estavam mais desenvolvidas, a economia política,
principalmente com Adam Smith e David Ricardo, começou a afirmar que a riqueza das
sociedade se origina do trabalho. Ao afirmar que toda a riqueza social deriva do trabalho, a
economia política inglesa rompeu com a tradição mercantilista, segundo a qual a origem da
riqueza estava nas trocas. De um ponto de vista materialista, é possível dizer que o
mercantilismo e a economia política inglesa expressam e representam fases diferentes do
modo de produção capitalista. O primeiro é uma teoria do capitalismo incipiente, mercantil, e
expressa a época das navegações e descobrimentos. A economia política inglesa estudou e
esboçou a teoria econômica do capitalismo industrial, que se consolidava na Inglaterra. Os
economistas políticos ingleses reforçaram as possibilidades positivas do trabalho como meio

3
Para uma discussão sobre os pensadores socialistas anteriores ao marxismo, ver Engels (1980).
16

de transformação do real; mas, por outro lado, não se ocuparam dos graves problemas
relacionados à saúde dos trabalhadores empregados nas fábricas.

Hegel conhecia a economia política inglesa e incorporou os desenvolvimentos desta em sua


filosofia, foi o primeiro a perceber que, com seu trabalho, o homem não transforma apenas o
meio, transforma também a si próprio (VÁSQUEZ, 2011). O trabalho, para Hegel, é
mediação entre homem e natureza, esta fornece os meios e as possibilidades para atender às
necessidades daquele. O trabalho, para Hegel, é, sobretudo, um processo de formação e
transformação, tanto dos objetos trabalhados como dos homens que trabalham (VÁSQUEZ,
2011). Para Hegel, o homem precisa conhecer a legalidade e as leis de funcionamento do real
para poder transformá-lo, conhecida e respeitada a legalidade do real, através do trabalho o
homem pode fixar sua existência subjetiva nos objetos que produz (VÁSQUEZ, 2011). Hegel
chega a discutir aspectos negativos do trabalho na sociedade capitalista, principalmente a
coisificação provocada pelo trabalho repetitivo, mas predomina no filósofo alemão a visão
positiva do trabalho, isso porque Hegel discute principalmente o trabalho como atividade do
espírito e da consciência (VÁSQUEZ, 2011).

A valorização do trabalho e do seu poder de criação e transformação ganhou força a partir do


surgimento do capitalismo industrial, no final do século XVIII. A economia política inglesa
começava a afirmar que o trabalho é o fundamento da riqueza das nações, este movimento
teve início com Adam Smith e foi reforçado, principalmente, por David Ricardo.
Paralelamente, a filosofia alemã, especialmente com Hegel, reconheceu a importância do
trabalho, porque através deste o homem estabelece relações de intercâmbio com natureza,
transformando o meio e a si próprio.

A concepção de trabalho de Marx e Engels (2007, 2013a) e Marx (2014a) parte da economia
política inglesa e da filosofia alemã, reconhece a centralidade do trabalho para a geração de
riqueza e para a autoconstrução humana, mas os autores não param neste ponto, eles
percebem que, além de riqueza e realização, o trabalho pode também produzir miséria e
estranhamento, doença e desrealização4. Por essa razão os autores são importantes para o
campo Saúde do Trabalhador, eles exploram a categoria trabalho em sua totalidade, incluindo

4
Marx e Engels se encontraram pela primeira vez em 1842, quando este visitou o jornal Gazeta
Renana, que tinha Marx nos seus quadros. Filho de pai industrial, Engels conheceu e se impressionou
com as péssimas condições de vida dos trabalhadores; estudou e escreveu sobre economia política e
sobre as condições de vida dos trabalhadores. Em 1844, publicou Esboço para uma Crítica da
Economia Política, texto que influenciou Marx. O interesse comum pelas lutas de emancipação dos
trabalhadores foi eixo principal da amizade e da colaboração entre Marx e Engels.
17

seus aspectos positivos e negativos. Marx (2014a) ressalta a importância e os limites de


Hegel, Smith e Ricardo. O primeiro afirmou as potencialidades positivas do trabalho, mas não
aprofundou a discussão sobre as consequências negativas deste no capitalismo; nos
economistas políticos ingleses, Marx (2014a, p. 100) crítica o “cinismo” crescente, que
impediu os autores de tratarem das consequências negativas do desenvolvimento industrial
sobre os trabalhadores.

O pensamento de Marx é uma síntese dialética do socialismo francês, da economia política


inglesa e da filosofia alemã: a sede de transformação do socialismo francês; a certeza de que
apenas o trabalho cria valor, como afirmavam os economistas políticos ingleses; e a ideia
derivada da filosofia alemã – de Hegel principalmente – segundo a qual o homem ao
transformar o meio para satisfazer suas necessidades, transforma também a si próprio. Marx
procurou dar concretude aos ideais socialistas, apontando caminhos e possibilidades para sua
realização e, além disso, mostrou os limites da economia política inglesa e da filosofia alemã,
que não aprofundaram a discussão sobre os problemas criados pela generalização das relações
capitalistas de produção, inclusive os relacionados à saúde dos trabalhadores.

A concepção marxista de trabalho é importante para o campo Saúde do Trabalhador (ST)


porque permite a valorização do saber dos trabalhadores e o resgate do “lado humano do
trabalho” (LACAZ, 2007, p. 760). E porque, além disso, as categorias desenvolvidas por
Marx (2014b), possibilitam a análise e a compreensão do funcionamento do processo de
produção capitalista, entendido como unidade dos processos de trabalho e de valorização. No
final deste capítulo e no seguinte discutiremos a centralidade da categoria processo de
produção para o campo Saúde do Trabalhador. Mas antes e para fundamentar esta discussão,
apresentaremos como as ideias marxistas evoluíram e se completaram até chegar as
formulações expostas em O Capital.

2.2 Alienação e estranhamento

Ranieri (2008) discute a importância de se diferenciar as categorias alienação (entäusserung) e


estranhamento (entfremdung) na obra de Marx. Alienação é definida como remissão para
fora, extrusão, transformação qualitativa, despojamento, exteriorização, objetivação do
homem no produto de seu trabalho. Estranhamento é definido como objeção social à
realização humana, não reconhecimento do homem no produto de seu trabalho. A
negatividade da categoria alienação é transferida para a categoria estranhamento. Alienação é
18

entendida como momento fundamental da atividade produtiva do homem, é a objetivação da


sua existência subjetiva, é a externalização do ser que produz. O estranhamento surge da
impossibilidade de controlar o processo de trabalho de maneira plena e consciente. Partindo
de Marx, Ranieri (2014) afirma que a alienação é parte ineliminável do trabalho, porque
representa a exteriorização do produtor, já o estranhamento está relacionado à insuficiência na
realização do gênero humano causada pela forma de apropriação do trabalho. Ranieri (2014)
associa o estranhamento à privação e ao alheamento. Diferenciaremos alienação de
estranhamento e, quando possível, utilizaremos traduções dos textos de Marx e Engels que
adotam essa regra, a tradução dos Manuscritos Econômico-filosóficos que utilizamos foi
realizada pelo professor Ranieri.

Os Manuscritos Econômico-filosóficos, de Marx (2014a), não foram redigidos para


publicação, eram apenas anotações registradas pelo autor em 1844 a partir de suas leituras de
Hegel, Smith, Ricardo e outros. A publicação só ocorreu em 1932, ou seja, muitos anos após a
morte de Marx. Entretanto, os Manuscritos esboçam pela primeira vez a concepção marxista
de trabalho e são importantes para a compreensão dos textos que o autor escreveria
posteriormente, que completam e são completados pelas anotações registradas nos
Manuscritos.

Para Marx (2014a), o homem é um ser que se define pela forma como produz, ou seja: por seu
trabalho, por sua atividade vital, por sua vida produtiva. O autor ressalta que também os
animais produzem, mas não da mesma maneira que os homens. Marx (2014a, p. 84): “A
atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal.
Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico.” Para o autor, os animais produzem por
instinto e de acordo com os padrões da espécie para atender suas carências imediatas, já o
homem é um ser que produz verdadeiramente quando livre de carências e que, por produzir de
forma consciente, é capaz de transformar seus próprios padrões de produção à medida que
conhece a legalidade dos objetos, podendo seguir inclusive as “leis da beleza” (MARX,
2014a, p. 85). De acordo com o autor, o animal produz a si próprio, unilateralmente, enquanto
o homem produz universalmente e reproduz a natureza inteira. Segundo Marx (2014a, p. 84):
“a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem.” Aqui aparece a potencialidade
positiva do trabalho, que Marx (2013b) retomaria, por exemplo, em 1875, quando escreveu
Crítica do Programa de Gotha, e registrou que, na futura sociedade comunista, o trabalho
deixaria de ser apenas meio de vida para se transformar na primeira necessidade vital. A
concepção de trabalho registrada nos Manuscritos reaparece também em O Capital, quando
19

Marx (2014b) diferencia a produção dos animais da humana, porque esta é projetada e
planejada primeiramente na consciência. Para Marx (2014a), o animal não se distingue da sua
atividade vital, já o homem é capaz de submeter esta à sua consciência e à sua vontade,
podendo, por essa razão, seguir inclusive as “leis da beleza”, se quiser. Como o trabalho
humano é consciente, o homem transforma seus padrões de produção e suas próprias
necessidades.

Toda atividade produtiva envolve algum grau de alienação, entendida aqui como remissão
para fora, despojamento e transformação qualitativa dos materiais e objetos trabalhados. Nesta
perspectiva a alienação é uma etapa do trabalho, é a externalização do trabalhador. Os
produtos do trabalho humano são objetivações dos que os produziram. Marx (2014a, p. 80):
“O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal (sachlich), é a
objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. A efetivação (Verwirklichung) do trabalho é
a sua objetivação.” Um escritor fixa sua existência subjetiva nos seus romances, um artesão
nos vasos e objetos que produz e assim sucessivamente. As criações artísticas, quando não
condicionadas e limitadas do mercado, são exemplos de produções livres de carências
imediatas, como comer, beber e vestir-se; permitem, por essa razão, a realização dos artistas,
que podem desenvolver plenamente suas capacidades de expressão e criação, e que se
reconhecerão em suas produções e na atividade que exercem. O homem aliena e externaliza
seu ser nos produtos do seu trabalho, que, por outro lado, espelham e refletem a existência
subjetiva do homem. O estranhamento ocorre quando o produtor não se vê refletido nos
produtos do seu trabalho. Ao separar os produtores dos meios de produção, o capital obriga os
primeiros a venderem suas forças de trabalho, e passa a determinar o que, como, com que
ritmo e quanto deve ser produzido, o trabalho deixa de ser atividade consciente e livre para se
submeter à dinâmica do processo de valorização do capital. O estranhamento nasce do
rebaixamento do trabalho de necessidade vital para meio de vida, da separação do trabalho
intelectual – da etapa de concepção e planejamento – da execução. O homem submetido ao
trabalho estranhado produz para receber um salário que lhe permita suprir suas carências
imediatas (comer, beber, vestir-se), mas não se realiza plenamente em sua atividade
produtiva. Para Marx (2014a, p. 84-85): “O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto
que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua
essência, apenas um meio para sua existência.” A liberdade da necessidade, a existência se
20

afasta da essência5, Ou seja, o trabalho livre e consciente, que caracteriza o homem, é


bloqueado e submetido pelas exigências do processo de valorização do capital. O
estranhamento nasce da supressão do caráter consciente e livre do trabalho humano. Sendo
assim, pode-se dizer que o trabalho estranhado não ocorre apenas no capitalismo6, mas que
atingiu grau máximo neste modo de produção devido à dinâmica do processo de valorização,
que, ao aprofundar a separação entre trabalho intelectual e manual, e entre meios de produção
e produtores, suprimiu o caráter consciente e livre do trabalho destes. Por essa razão, Marx
(2014a, p. 106) afirma: “A suprassunção (Aufhebung) positiva da propriedade privada,
enquanto apropriação da vida humana é, por conseguinte, a suprassunção positiva de todo o
estranhamento (Entfremdung).” De acordo com o autor, o comunismo como suprassunção da
propriedade privada solucionaria o antagonismo do homem com a natureza do homem, da
essência com a existência, entre objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e necessidade,
entre indivíduo e gênero.

Segundo Marx (2014a, p. 83), o trabalhador submetido ao trabalho estranhado: “Está em casa
quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto
voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório.” Ou seja, o trabalho deixa de ser uma
necessidade vital e se transforma em meio para a manutenção da existência física:

Sua estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui [de forma] tão pura que, tão
logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de
uma peste. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é
um trabalho de autosacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade
(Äusserlichkeit) do trabalho aparece para o trabalhador como se [o trabalho]
não fosse seu próprio, mas de outro, como se [o trabalho] não lhe
pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um
outro (MARX, 2014a, p. 83).
Para Marx (2014a), o estranhamento ocorre no trabalho (atividade, ato de produção) e em
relação aos produtos deste. O autor define o primeiro caso como estranhamento de si, o
segundo caso é definido como estranhamento da coisa. Ou seja, o trabalhador estranha sua
própria atividade, que não lhe pertence e provoca desrealização, e estranha os objetos que
produz, que conformam um mundo alheio que se volta contra seu produtor. Segundo Marx
(2014a), o estranhamento ocorre mais no próprio trabalho do que em relação aos produtos
5
Em textos posteriores, Marx (2013e, 2014b) não faz referência à “essência humana”, esta expressão é
mais comum nos Manuscritos que, como dissemos acima, eram, originalmente, anotações do autor a
partir das suas leituras. Entretanto, a crítica ao trabalho estranhado reapareceu nos textos posteriores
aos Manuscritos, inclusive em O Capital.
6
As relações de produção escravistas são um exemplo de trabalho estranhado que pode existir em
modos de produção diferentes do capitalismo.
21

deste, ou seja, é principalmente no ato da produção e na própria atividade produtiva que


ocorre o estranhamento, por essa razão, o trabalhador se sente fora de si quando trabalha, e em
si quando não trabalha, o trabalho lhe é externo, por isso ele nega-se e não se afirma, sente-se
infeliz e não se realiza, esgota-se e não desenvolve suas energias físicas e mentais.

A crítica de Marx (2014a) ao modo capitalista de produção presente nos Manuscritos é radical
e irreconciliável, condiciona a superação do estranhamento à suprassunção da propriedade
privada. Não se trata, para o autor, de reivindicar melhores salários, a questão é superar a
separação dos produtores em relação aos meios de produção, que obriga os primeiros a
venderem suas forças de trabalho:

Uma violenta elevação do salário (abstraindo de todas as outras


dificuldades, abstraindo que, como uma anomalia, ela também só seria
mantida com violência) nada seria além de um melhor assalariamento do
escravo e não teria conquistado nem ao trabalhador nem ao trabalho sua
dignidade e determinação humanas (MARX, 2014a, p. 88).
Aumentos salariais possibilitam a ampliação da capacidade de consumo dos trabalhadores,
mas não alteram o caráter estranhado do trabalho, ou seja, não permitem que o homem se
desenvolva plenamente em sua atividade produtiva. Segundo Marx (2014a), a consequência
do estranhamento no trabalho e em relação aos produtos deste é que o trabalhador só se sente
livre em suas funções animais – comer, beber, procriar, ou no máximo, habitação, adornos
etc. – e se vê reduzido a animal em suas funções humanas: “O animal se torna humano, e o
humano, animal” (MARX, 2014a, p. 83). O autor esclarece que comer, beber e procriar são
também funções genuinamente humanas, mas que não devem ser transformadas em
finalidades últimas e exclusivas. Marx (2014a) critica a miséria material e espiritual
promovida pelo capitalismo. Para o autor, a objetivação da essência humana é necessária para
desenvolver os sentidos e para potencializar a sensibilidade correspondente à riqueza. Marx
(2014a) exemplifica seu argumento afirmando que para o homem faminto não existe a forma
humana do alimento, que para a o ouvido não musical a mais bela música não tem qualquer
sentido, assim como o comerciante de minerais só enxerga o valor mercantil e não a beleza
destes. De acordo com o autor, somente pela riqueza objetivamente desenvolvida do homem é
que se cria e se cultiva a riqueza da sensibilidade subjetiva, ou seja, a possibilidade de
apreciar a forma humana do alimento, de desenvolver o ouvido musical, de contemplar a
beleza dos minerais.
22

O trabalho livre e consciente desenvolve as capacidades e faculdades humanas, permite que se


produza inclusive de acordo com “as leis da beleza”, que se desenvolva o sentido humano
para as artes e a ciência, o estranhamento brota do bloqueio dessas possibilidades.

A acumulação de capital permite a ampliação da divisão do trabalho e esta possibilita o


aumento do número de trabalhadores; por outro lado, o número crescente de trabalhadores
permite a ampliação da divisão do trabalho e da acumulação de capital. O resultado da
ampliação da divisão do trabalho e do acúmulo de capitais é submissão crescente do
trabalhador às flutuações do preço de mercado e ao trabalho unilateral e maquinal (MARX,
2014a). Elevações salarias, quando ocorrem, expressam o aumento da carga de trabalho e
estão associadas ao sacrifício do espírito e do corpo do trabalhador, a divisão do trabalho
torna o trabalhador cada vez mais unilateral e dependente, além disso, amplia a concorrência
entre os homens e das máquinas em relação a estes, causando desemprego e rebaixamento
salarial (MARX, 2014a). Os produtos do trabalho, as máquinas inclusive, se tornam cada vez
mais estranhos, voltam-se contra seus produtores (MARX, 2014a).

Enquanto a divisão do trabalho eleva a força produtiva do trabalho, a riqueza


e o aprimoramento da sociedade, ela empobrece o trabalhador até [a
condição de] máquina. Enquanto o trabalho suscita o acúmulo de capitais e,
com isso, o progressivo bem-estar da sociedade, a divisão do trabalho
mantém o trabalhador sempre mais dependente do capitalista, leva-o a maior
concorrência, impele-o à caça da sobreprodução, que é seguida por uma
correspondente queda da intensidade (MARX, 2014a, p. 29).
Para garantir a acumulação de capital, os trabalhadores são forçados a produzir cada vez mais,
o que provoca problemas diversos, desde os relacionados à saúde7 até as crises cíclicas do
capitalismo, que no trecho citado acima aparece como “queda da intensidade” da produção.
Marx (2014a, p. 30) afirma que o trabalho é “funesto” e “pernicioso” quando sua finalidade se
limita à ampliação da riqueza. Ou dito de outra forma: o trabalho é “funesto” e “pernicioso”
quando submetido às exigências e à dinâmica do processo de valorização do capital, que retira
o autocontrole e a autodeterminação dos produtores sobre a produção.

Segundo Marx (2014a), a apropriação do objeto se manifesta como estranhamento para o


trabalhador, que, quanto mais produz, menos possui, e mais reforça o poder do capital, que se

7
Dois anos após a redação dos Manuscritos, em 1846, a partir da análise do francês Jacques Peuchet,
Marx (2013c, p. 48) publicou um texto sobre casos de suicídios ocorridos na França em que registrou:
“Entre as causas do suicídio, contei muito frequentemente a exoneração de funcionários, a recusa de
trabalho, a súbita queda dos salários, em consequência de que famílias não obtinham os meios
necessários para viver, tanto mais que a maioria delas ganha apenas para comer.” Como se vê, a
relação entre trabalho e saúde sempre esteve presente no pensamento de Marx.
23

acumula e se fortalece com o crescimento da produção. O trabalhador não produz apenas


mercadoria, involuntariamente ele transforma a si próprio em mercadoria. A objetivação e a
efetivação do trabalho provocam a desrealização e a desefetivação do trabalhador:

Quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; quanto mais
valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem
formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais
civilizado seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o
trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito
o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador
(MARX, 2014a, p 82).
Quanto maior o desgaste do trabalhador, mais poderoso se torna o mundo objetivo, que lhe é
alheio e se volta contra seu produtor; quanto mais riqueza produz, mais pobre se torna o
mundo interior do trabalhador, que aliena seu ser em objetos que não lhe pertencem; quanto
mais objetos produz, mais sem-objeto é o trabalhador; cuja exteriorização do trabalho nos
produtos significa uma existência externa, fora do trabalhador, independente e estranha a ele,
e que se transforma numa potência autônoma que o confronta (MARX, 2014a).

O estranhamento nasce do divórcio forçado do homem em relação positividade de sua


atividade vital. O homem transforma o mundo num espelho, mas não reconhece sua própria
imagem refletida. O trabalhador começa estranhando sua atividade e os produtos desta, e
termina estranhando os outros homens e a si próprio. Este fenômeno presente nos primeiros
tempos do capitalismo industrial continua existindo. Antunes (2011) afirma que, atualmente, a
diminuição da separação entre elaboração e a execução reduziu os níveis hierárquicos nas
empresas, mas não a sensação de inautenticidade e estranhamento.

Marx (2014a) denuncia e critica o estranhamento, a desrealização e a desefetivação de que


padecem os trabalhadores sob o capitalismo. Entretanto, o autor destaca que o
desenvolvimento da capacidade produtiva é condição para a emancipação humana. Para Marx
(2014a), a utilização da ciência natural pela indústria provocou e acentuou a desumanização
dos trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, preparou e criou condições para a emancipação da
humanidade8, que está associada a retomada do controle da produção pelos produtores, de
forma que estes possam se desenvolver plenamente.

A crítica ao capitalismo e à propriedade privada é retomada por Marx e Engels (2013a) em


1845, com a publicação de A Sagrada Família. Os autores afirmam que capitalismo e a
propriedade privada engendram não apenas miséria física, mas também espiritual do
8
Marx e Engels (2007) retomam esta ideia em A Ideologia Alemã, quando afirmam que a escravidão
não pode ser superada sem a máquina a vapor.
24

trabalhador. Ou seja, a crítica de Marx e Engels (2013a) ao capitalismo não se limita a


denunciar a carestia, o esvaziamento do sentido humano do trabalho é, para os autores, tão
grave quanto a escassez, a alta dos preços e o encarecimento do custo de vida. Os movimentos
dos trabalhadores privilegiam a luta contra a miséria física promovida pelo capital, é natural
que seja assim, mas, é importante não perder de vista a crítica marxista à miséria espiritual.
De acordo com os autores, o sentimento de impotência e a realidade desumana também
impulsionam a revolta do proletariado, que tenta superar a “contradição entre sua natureza
humana e sua situação de vida, que é a negação franca e aberta, resoluta e ampla dessa mesma
natureza” (MARX; ENGELS, 2013a, p. 48).

Em 1846, Marx e Engels (2007) concluíram a redação de A Ideologia Alemã, que, por falta de
editores, só seria publicada em 1932. Os autores definem atividade livre como a
exteriorização criadora decorrente do livre desenvolvimento de todas as capacidades
humanas. O estranhamento reaparece como negação da potencialidade libertária e criativa do
trabalho. Para Marx e Engels (2007), o trabalho, sob o capitalismo, perde toda a aparência de
autoatividade e só conserva a vida definhando-a.

Marx e Engels (2007) comparam os artesãos medievais aos trabalhadores modernos: os


primeiros mantinham uma relação aprazível com seus ofícios, a divisão do trabalho era
incipiente, para se tornar mestre era preciso dominar todas as etapas do processo produtivo,
havia um limitado sentido artístico no trabalho; os trabalhadores modernos experimentam o
estranhamento que surge do aprofundamento da divisão do trabalho, que é cada vez mais
subdivido e parcelado, o sentido artístico desaparece, o controle sobre a determinação do
trabalho passa dos trabalhadores para o capital, que impõe suas exigências de acumulação e
lucratividade. O estranhamento cresceu à medida que as indústrias foram substituindo as
corporações de ofício. Marx e Engels (2007, p. 61): “A grande indústria torna insuportável
para o trabalhador não apenas a relação com o capitalista, mas sim o próprio trabalho.” As
possibilidades de realização pessoal e o sentido artístico são excluídos do trabalho,
debilitando a saúde física e, principalmente, mental dos trabalhadores.

O poder social, isto é, a força de produção multiplicada que nasce da


cooperação dos diversos indivíduos condicionada pela divisão do trabalho,
aparece a esses indivíduos, porque a própria cooperação não é voluntária
mas natural, não como seu próprio poder unificado, mas sim como uma
potência estranha, situada fora deles, sobre a qual não sabem nem de onde
veio nem para onde vai, uma potência, portanto, que não podem mais
controlar e que, pelo contrário, percorre agora uma sequência particular de
fases e etapas de desenvolvimento, independente do querer e do agir homens
25

e que até mesmo dirige esse querer e esse agir (MARX; ENGELS, 2007, p.
38).
Como vimos acima, a crítica marxista ao capitalismo não se limita à exploração inerente a este
modo de produção, Marx (2007, 2013a, 2014a) e Engels (2007, 2013a) denunciam também o
estranhamento produzido pelas relações capitalistas de produção, que se caracterizam pelo
trabalho assalariado e pela transformação da força de trabalho em mercadoria. Os autores
mostram que o homem se objetiva, se constrói e se realiza por meio do trabalho, que é a
fixação objetiva da sua existência subjetiva. Ao separar os meios de produção dos
trabalhadores, o capital impede que estes determinem o que, como, com que ritmo e quanto
produzir; ou seja, o capital bloqueia as possibilidades de objetivação plena da existência
subjetiva dos trabalhadores. O trabalho deixa de ser autotélico e autodeterminado e se torna
estranho. Os homens não se reconhecem nem nos produtos nem no mundo que produzem, um
e outro lhes aparecem como entidades estranhas e hostis, os produtos do trabalho se voltam
contra seus produtores. A esfera fundamental para a realização e a autoconstrução humana, o
trabalho, passa a provocar desrealização, desefetivação e estranhamento. Para Marx (2014a), a
desvalorização do mundo dos homens cresce com a valorização do mundo das coisas.
Considerando que a valorização do mundo das coisas se expressa na produção incessante e
crescente de mercadorias, é possível afirmar que ampliou-se desvalorização do mundo dos
homens, que se expressa em forma de estranhamento.

Antunes (2014) destaca que o estranhamento, em sua essência, se mantém presente na


sociedade atual, apesar do desenvolvimento de processos de produção flexíveis que reduzem
os níveis hierárquicos das organizações, isso ocorre porque a participação dos trabalhadores,
inclusive a dos mais qualificados e polivalentes, é subordinada aos objetivos intrínsecos da
empresa, toda a participação deve se orientar no sentido de atender mais e melhor às
demandas do mercado consumidor, para ampliar a competitividade empresarial. O resultado
deste processo é o estranhamento em relação ao que e como se produz. O autor destaca
também que o estranhamento é ainda maior para a massa de trabalhadores precarizados,
flexibilizados e menos estáveis.

Laurell e Noriega (1989) destacam o caráter especificamente humano do trabalho, que é


entendido como atividade consciente orientada para um fim. Para os autores, o trabalho cria
intencionalmente novos objetos e novas relações entre os homens, “essa qualidade do trabalho
é uma das chaves para compreender a especificidade histórica dos processos psicológicos
humanos” (LAURELL; NORIEGA, 1989, p. 104). Os autores destacam que no capitalismo
26

esta qualidade do trabalho em geral é negada à grande maioria dos trabalhadores, que são
submetidos à exploração e ao estranhamento9. Para Laurell e Noriega (1989), a negação da
capacidade criativa do trabalho ajuda a explicar porque este se torna destrutivo e não
potencializa as capacidades humanas dos trabalhadores. Os autores ressaltam que o trabalho
estranhado10 provoca o uso deformado e deformante do corpo e das potencialidades psíquicas
dos trabalhadores, torna-se, por essa razão, uma “atividade cujo componente desgastante é
muito maior que o da reposição e desenvolvimento das capacidades” (LAUREEL;
NORIEGA, 1989, p. 116).

A crítica marxista ao estranhamento produzido pelo capital é importante para se compreender


e discutir o sentimento de não pertencimento e vazio observados no mundo atual. O
individualismo exagerado e o consumismo, em boa medida, estão relacionados ao
estranhamento que começa no trabalho e se espalha para fora deste. O trabalho é a esfera
fundamental da vida humana, o homem que não se reconhece na sua atividade produtiva,
certamente terá dificuldade para se reconhecer fora dela.

2.3 Processo de trabalho, processo de valorização e processo de produção

Nesta seção discutiremos as categorias processo de trabalho, processo de valorização e


processo de produção, que são apresentadas por Marx (2014b) no capítulo 5 de O Capital.
Estas categorias são importantes para o campo Saúde do Trabalhador e, além disso, ajudam a
fundamentar os próximos capítulos deste estudo, inclusive a análise da Enquete Operária.

Nos Manuscritos Econômico-filosóficos (de 1844), Marx (2014a) dialoga com a economia
política inglesa, especialmente Smith e Ricardo, posteriormente, Marx continuaria e
aprofundaria seus estudos sobre economia política. Entre 1857 e 1858, escreveu os
manuscritos econômicos conhecidos como Grundrisse, que seriam publicados após a morte
do autor. Em 1859, publicou Para a Crítica da Economia Política. Entre 1861 e 1863, redigiu
os cadernos conhecidos como Teorias da Mais-valia, também publicados postumamente. Nos

9
Os autores não utilizam a categoria estranhamento, como fazemos neste estudo, eles empregam
alienação com sentido negativo, optamos por substituir alienação por estranhamento na citação.
10
Idem.
27

anos seguintes concentrou-se na redação de O Capital, o primeiro volume deste foi publicado
em 1867.

Em O Capital, Marx (2014b) mantém sua concepção de trabalho como sendo um ato
teleológico, ou seja, como ação planejada para obtenção de fins estabelecidos previamente. O
trabalho definido como ato teleológico é um dos eixos que une os primeiros textos de Marx,
como os Manuscritos Econômico-filosóficos e A Ideologia Alemã, à obra principal do autor,
O Capital. Além disso, é possível afirmar que as categorias alienação e estranhamento são
retomadas e retrabalhadas em O Capital, como, por exemplo, no primeiro capítulo deste,
quando o autor discute o caráter fetichista da mercadoria e seu segredo.

É famoso o exemplo de Marx (2014b) sobre a diferença entre abelhas e arquitetos: com a
construção dos favos de suas colmeias as abelhas envergonham mais de um arquiteto;
contudo, o pior destes se diferencia da melhor daquelas porque planeja antes de construir. A
melhor das abelhas não é capaz de avaliar e julgar o resultado do seu trabalho, o pior dos
arquitetos é. O trabalho humano não é somente instintivo, o homem projeta suas atividades
antes de executá-las, esta diferença fundamental separa os seres humanos dos animais. Marx
(2014b, p. 255): “Um incomensurável intervalo de tempo separa o estágio em que o
trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho daquele
em que o trabalho humano ainda não se desvencilhou de sua forma instintiva.” Braverman
(1987, p. 50) reforça do argumento marxista: “O trabalho humano é consciente e proposital,
ao passo que o trabalho dos outros animais é instintivo.” O homem planeja antecipadamente e
avalia os resultados de sua atividade produtiva, transformando métodos e instrumentos. Ao
transformar seus métodos e instrumentos de trabalho, o homem transforma o meio e a si
próprio, e se faz histórico, porque herda condições de vida das gerações passadas e transmite
suas contribuições às gerações futuras.

Discutindo a concepção de trabalho marxista, Lessa e Tonet (2008) ressaltam que antes de
transformar a natureza, o homem projeta sua ação e o resultado desta na própria consciência,
enquanto as atividades executadas pelos animais são determinadas geneticamente. Além
disso, os objetos construídos pelo trabalho humano são portadores de uma ineliminável
dimensão social: baseiam-se na história passada, compõe a vida da sociedade presente e
fazem parte da história dos homens. Lessa e Tonet (2008, p.26): “O trabalho é o fundamento
do ser social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos
homens.” O trabalho produz a estrutura material que fundamenta o processo histórico de
construção do indivíduo e da própria sociedade (LESSA; TONET, 2008).
28

Trabalho é uma categoria central no pensamento marxista porque diferencia os animais dos
homens e porque transforma estes em seres históricos, que produzem a partir das conquistas
herdadas das gerações passadas. Trabalho é e será uma categoria central porque o homem
precisa estabelecer relações com o meio para satisfazer suas necessidades. Marx (2014b, p.
261) define o trabalho como atividade orientada para produção de valores de uso e
apropriação do natural para satisfação das necessidades humanas, e, além disso, como
“condição universal do metabolismo entre homem e natureza, perpétua condição natural da
vida humana e, por conseguinte, independente de qualquer forma particular dessa vida.”

A categoria estranhamento não é utilizada no capítulo 5 de O Capital. Entretanto, é possível


afirmar que (Marx, 2014, p. 256) retomada sua crítica ao trabalho desumanizado provocado
pelo modo capitalista de produção:

Além do esforço dos órgãos que trabalham, a atividade laboral exige a


vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção do trabalhador
durante a realização de sua tarefa, e isso tanto mais quanto menos esse
trabalho, pelo seu próprio conteúdo e pelo modo de sua execução, atrai o
trabalhador, portanto, quanto menos este último usufrui dele como jogo de
suas próprias forças físicas e mentais.
A finalidade do processo de produção capitalista é a valorização do capital, que se impõe
sobre o trabalhador impedindo que este possa determinar exatamente o que, como, com que
ritmo e quanto produzir. É esta contradição que impede o trabalhador de usufruir sua
atividade produtiva “como jogo de suas próprias forças físicas e mentais.”

Em O Capital, Marx (2014 b) aprofunda sua análise do processo de produção capitalista, que,
para o autor, é a unidade dos processos de trabalho e de valorização. Comecemos
apresentando como autor define as categorias processo de trabalho e processo de valorização,
que, unidas, constituem o processo de produção capitalista.

Marx (2014b) distingue três momentos do processo de trabalho. Primeiro: o trabalho


propriamente dito como atividade orientada para um fim pré-estabelecido. Segundo: objetos
de trabalho. Terceiro: meios de trabalho.

A análise marxista do trabalho como atividade orientada para obtenção de finalidades pré-
estabelecidas, que aparece em O Capital, é um prolongamento das ideias desenvolvidas pelo
autor em suas primeiras obras. Como mostramos na seção anterior, Marx (2007, 2013a,
2014a) e Engels (2007, 2013a), em seus primeiros textos, discutiram a dimensão teleológica
do ato de trabalho. Marx (2014b, p. 256) mantém sua compreensão do trabalho humano como
atividade planejada e projetada previamente: “No final do processo de trabalho, chega-se a
29

um resultado que já estava presente na representação do trabalhador no início do processo,


portanto, um resultado que já existia idealmente.” Entretanto, em O Capital, o autor
aprofunda sua análise sobre objetos e meios de trabalho.

Para Marx (2014b, p. 256), “a terra (que, do ponto de vista econômico também inclui a água)”
é a fonte original de provisões e meios de subsistência já prontos. A terra antecede o homem e
oferece-lhe víveres e produtos independentes do seu trabalho. Por exemplo: a madeira
extraída de uma floresta virgem. Segundo Marx (2014b), são objetos de trabalho todas as
coisas que o homem apenas retira e separa de sua conexão com a terra, como a madeira que
citamos anteriormente. Por outro lado, o autor define como matéria-prima os objetos de
trabalho que já passaram e foram filtrados por trabalhos anteriores. Por exemplo: a madeira
extraída de um bosque plantando pelo homem. Sendo assim, Marx (2014, p. 256) afirma que:
“Toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto do trabalho é matéria-prima.
O objeto de trabalho só é matéria-prima quando já sofreu uma modificação mediada pelo
trabalho.” O autor destaca que, em geral, apenas na indústria extrativa (mineração, caça,
pesca) os objetos de trabalho são oferecidos imediatamente pela natureza, ou seja, sem a
mediação e o filtro de trabalhos anteriores, os demais ramos industriais manipulam matérias-
primas, ou seja, objetos de trabalho que já foram trabalhados anteriormente.

Meios de trabalho são, para Marx (2014b), coisas ou um complexo de coisas colocadas pelo
trabalhador entre si próprio e os objetos de trabalho, para servirem de guia da atividade sobre
estes. O autor destaca que, além de fornecer objetos de trabalho, a terra oferece meios de
trabalho para o homem, por exemplo: a pedra utilizada para moer, prensar e cortar. Marx
(2014b, p. 257): “É assim que o próprio elemento natural se converte em órgão de sua
atividade, um órgão que ele acrescenta a seus próprios órgãos corporais, prolongando sua
forma natural”. O autor afirma que os homens das cavernas já utilizavam meios de trabalho,
como pedras, madeiras, conchas e ossos, além destes, também animais domesticados
desempenharam papel importante como meios de trabalho. Marx ressalta que o uso e a
criação de meios de trabalho, embora exista em germe em certas espécies animais, é uma
característica específica do processo de trabalho humano. Por essa razão, o autor argumenta
que as épocas econômicas se distinguem por “como” e “com que meios de trabalho” se fazem
as coisas, e não pelas coisas que são feitas. Para Marx (2014b), o estudo dos meios de
trabalho é fundamental para a compreensão das formações socioeconômicas extintas. Os
meios de trabalho “não apenas fornecem uma medida do grau de desenvolvimento da força de
30

trabalho, mas também indicam as condições sociais nas quais se trabalha” (MARX, 2014b, p.
257).

Marx (2014b) destaca ainda que, objetos e meios de trabalho são meios de produção dos
valores de uso corporificados nas mercadorias. O autor ressalta ainda que, nos valores de uso
resultantes do processo de trabalho, estão incorporados, na forma de meios de produção,
valores de uso produzidos anteriormente, ou seja, valores de uso podem se tornar meios de
produção, serão, neste caso, não apenas resultado, mas condição do processo de trabalho.
Assim sendo, dependendo de sua função e da posição que ocupa no processo de trabalho, um
valor de uso pode aparecer como meio de produção ou produto final.

Depois de analisar os três momentos do processo de trabalho, Marx (2014b) afirma que este é,
fundamentalmente, atividade humana que, com ajuda de meios de trabalho, transforma os
objetos de trabalho de acordo com finalidades pré-estabelecidas. O processo se encerra no
produto, que se torna um valor de uso, um material natural que teve sua forma alterada para a
satisfazer as necessidades humanas, o trabalho se incorpora no objeto, o que aparecia para o
trabalhador como movimento, se manifesta no produto como qualidade imóvel, é objetivação
(MARX, 2014b).

A produção de mercadorias é a principal característica do capitalismo, é neste modo de


produção que as mercadorias se tornam hegemônicas, ou seja, que os produtos do trabalho
passam a ser vendidos no mercado para valorizar o valor. O capitalismo transforma inclusive
a força de trabalho em mercadoria. Para Marx (2014b), as mercadorias são portadoras de
valor de uso (substância do valor) e valor de troca, ou valor (grandeza do valor). O autor
ressalta que, para ter valor de troca, as mercadorias precisam ter valor de uso. Entretanto,
Marx (2014b) destaca que a mercadoria força de trabalho é portadora da peculiaridade de
produzir mais-valor11, ou seja, os custos para sua manutenção são menores do que os
dispêndios que ela pode realizar, os custos necessários para a reprodução da força de trabalho
são menores do que os valores que ela pode produzir. É por essa razão que o capitalista
compra e emprega força de trabalho.

De acordo com Marx (2014b), o objetivo principal dos capitalistas é a produção de valores de
troca e não de valores de uso, estes “são produzidos porque e na medida em que são o
substrato material, os suportes do valor de troca” (MARX, 2014b, p. 263). O autor destaca

11
Neste estudo utilizaremos as categorias mais-valor e mais-valia com o mesmo sentido,
empregaremos uma ou outra forma de acordo com contexto e a necessidade.
31

que, o objetivo dos capitalistas é a produção de mercadorias cujos valores sejam maiores do
que a soma dos valores necessários para a produção da força de trabalho e dos meios de
produção utilizados no processo produtivo. Para Marx (2014b), a mercadoria é a unidade dos
valores de uso e de troca, e seu processo de produção, no capitalismo, é a unidade do processo
de trabalho e de valorização. O processo de produção capitalista, a forma capitalista de
produção de mercadorias, se caracteriza e se diferencia por ser também processo de
valorização do capital.

Os meios de produção utilizados no processo produtivo não criam valor, apenas transferem
seus valores para as mercadorias. Por outro lado, a força de trabalho empregada no processo
de produção cria valor. Marx (2014b) destaca que a força de trabalho possui um valor de uso
específico, que consiste no fato dela criar e ser fonte de valor:

O trabalho anterior, que está incorporado na força de trabalho, e o trabalho


vivo que ela pode prestar, isto é, seus custos diários de manutenção e seu
dispêndio diário, são duas grandezas completamente distintas. A primeira
determina seu valor de troca, a segunda constitui seu valor de uso. O fato de
que meia jornada de trabalho seja necessária para manter o trabalhador vivo
por 24 horas de modo algum o impede de trabalhar uma jornada inteira. O
valor da força de trabalho e sua valorização no processo de trabalho são,
portanto, duas grandezas distintas. É essa diferença de valor que o capitalista
tem em vista quando compra força de trabalho (MARX, 2014, p. 269-270).
Marx (2014b) mostra que, ao vender sua força de trabalho, o trabalhador aliena seu valor de
uso e realiza seu valor de troca, para obter este, abre mão daquele. O capitalista paga por uma
determinada jornada de trabalho (uma hora, ou um dia, por exemplo), pode, portanto, utilizar
o valor de uso da força de trabalho neste período de tempo. Entretanto, Marx (2014b) destaca
que, o fato da manutenção da força de trabalho custar menos do que o tempo que ela pode
atuar e, portanto, menos do que o valor que ela cria, é uma grande vantagem para o
comprador, mas não é uma injustiça com o vendedor. Isso porque a força de trabalho é
adquirida exatamente pelo seu valor de troca, como as demais mercadorias, ou seja, sem
qualquer violação das leis da troca. Se não houvesse diferença entre o valor da força de
trabalho e sua valorização no processo de produção, haveria apenas processo de formação de
valor e não processo de valorização. Estas duas categorias são distintas para Marx (2014b). Se
os custos de manutenção e o dispêndio de força de trabalho fossem iguais, haveria formação
de valor, mas não valorização do capital, ou seja, o valor da força de trabalho incorporado nas
mercadorias e pago aos trabalhadores seria exatamente o mesmo, nestas condições não
existiria mais-valia e processo de valorização do capital. O processo de valorização ocorre
porque o valor de uso da força de trabalho, para o capitalista, é maior do que o valor de troca.
32

Braverman (1987, p. 58) exemplifica bem esta questão: “A capacidade ‘peculiar’ da força de
trabalho para produzir em favor do capitalista depois que ela se reproduziu é, portanto, nada
mais que a extensão do tempo de trabalho para além do ponto em que ele poderia ter parado.”

O processo de valorização é mediado pela esfera da circulação, o capitalista primeiro compra


força de trabalho e depois vende mercadorias. Mas o processo de valorização ocorre de fato
na esfera da produção, onde a força de trabalho viva incorpora valor aos dos meios de
produção utilizados no processo de trabalho. O capital é, para Marx (2014b), valor que se
autovaloriza. O capitalista compra, com seu dinheiro, meios de produção e força de trabalho
para produzir mercadorias, o mais-valor produzido surge da diferença entre o valor de troca
(pago ao trabalhador) e o valor de uso específico da força de trabalho (usufruído pelo
capitalista), que se soma ao valor dos meios de produção12. Para Marx (2014b, p. 273):

O processo de produção, como unidade dos processos de trabalho e de


formação de valor, é processo de produção de mercadorias; como unidade
dos processos de trabalho e valorização, ele é processo de produção
capitalista, forma capitalista da produção de mercadorias.
Partindo da teoria marxista é possível afirmar que havia produção de mercadorias em modos
de produção anteriores ao capitalismo, isso porque, para Marx (2014b), o processo de
produção de mercadorias se caracteriza pela unidade dos processos de trabalho e de formação
de valor, este último entendido como o valor da força de trabalho que reaparece no valor da
mercadoria. Entretanto, o capitalismo se caracteriza pela prevalência da forma mercadoria
sobre todas as outras e, além disso, pela substituição do processo de formação de valor pelo
processo de valorização do capital, ou seja, no capitalismo as mercadorias não incorporam
apenas o valor de troca da força de trabalho, que é pago aos trabalhadores, neste modo de
produção as mercadorias incorporam também o tempo de trabalho não pago aos
trabalhadores, isso é possível porque a força de trabalho é uma mercadoria capaz de produzir
mais-valor, esta é a base do processo de valorização. Por exemplo: Marx (2014b) divide as
jornadas em duas partes, o trabalho necessário para repor o valor da força de trabalho e o
trabalho excedente apropriado pelo capitalista, o primeiro forma o valor de troca da força de
trabalho, o segundo a mais-valia apropriada pelo capitalista; se uma jornada de 8 horas se
divide pela metade entre trabalho necessário e excedente, o processo de valorização do capital
tem início quando termina o trabalho necessário e começa o trabalho excedente, ou seja, após
a quarta hora de trabalho; considerando que a jornada ocorra em dois períodos de quatro horas

A equação que resume o processo de produção capitalista é D – M – D’, onde D significa dinheiro e
12

M mercadoria, sendo que D’ > D.


33

separados pelo período de almoço, poderíamos dizer que o processo de valorização ocorre no
período da tarde; se a jornada fosse de apenas quatro horas, haveria processo de formação de
valor, ou seja, o valor de troca da força de trabalho seria incorporado no produto, mas não
haveria processo de valorização do capital, porque o capitalista não teria como se apropriar de
parte do trabalho despendido.

Laurrel e Noriega (1989) propõem a utilização do conceito processo de produção – no sentido


marxista, ou seja, entendido como unidade dos processos de valorização e de trabalho – como
a categoria analítica central para compreensão da relação entre trabalho e saúde na sociedade
capitalista. Por essa razão, os autores defendem a necessidade de usar o conceito de cargas de
trabalho em vez de risco e o conceito de desgaste em vez de doença. Laurell e Noriega (1989)
destacam que o processo de trabalho, no capitalismo, é a expressão concreta da estratégia de
extração de mais-valia, ou seja, o processo de trabalho no capitalismo é condicionado pelo
processo de valorização, não sendo, portanto, apenas o resultado de imperativos tecnológicos
imutáveis. Inclusive a aplicação produtiva de desenvolvimentos tecnológicos é condicionada
pelo processo de valorização do capital. “Fica claro, pois, que tanto as opções tecnológicas
como a organização e a divisão do trabalho estão determinadas pelo modo específico de
produção de mais-valia” (LAURELL; NORIEGA, p. 308). Entretanto, os autores ressaltam
que esta constatação só adquire significado pleno se associada à compreensão da concretude
do processo de trabalho, que é um passo necessário para a captar a dinâmica causadora de
desgaste:

O conhecimento dos elementos específicos do processo de produção abre a


possibilidade de uma análise das cargas de trabalho que não se limita a uma
simples enumeração, mas que consegue avançar até uma visão de conjunto
delas, quanto às suas determinações e interações. As dimensões do desgaste,
finalmente, permitem especificar as formas sob as quais vão se consumindo
o corpo e a mente dos trabalhadores, como resultado das características
específicas da estratégia de extração de mais-valia. Ou seja, consegue-se,
assim, uma compreensão na qual aparecem articuladas e explicadas as
relações entre “o social” e “o biopsíquico” (LAURREL; NORIEGA, p. 308).
No capitalismo prevalece a forma mercadoria, entendida como produto do trabalho (com
valor de troca e valor de uso) negociado no mercado, outras formas de produção, como a
produção para a própria subsistência, continuam a existir, mas isoladamente. Além disso, o
processo de produção capitalista se caracteriza por ser a unidade dos processos de trabalho e
de valorização. Ou seja, no capitalismo o processo de trabalho é condicionado pelo processo
de valorização, e o inverso é verdadeiro. Por essa razão, Marx (2014b) define o processo de
produção capitalista como unidade dos processos de trabalho e de valorização. Processos de
34

trabalho existiram e existirão em todas as sociedades, já que regulam os intercâmbios do


homem com o meio, a novidade surgida com o capitalismo é o condicionamento do processo
de trabalho pelo processo de valorização. Por tudo que foi exposto, consideramos que a
categoria processo de produção é mais apropriada para ser utilizada nos estudos do campo
Saúde do Trabalhador, isso porque tal categoria abrange o processo de trabalho em sua
concretude, como relação do homem com objetos e meios de trabalho, sem ignorar o processo
de valorização do capital. Para entender os problemas de saúde dos trabalhadores no
capitalismo é preciso considerar a relação do homem com os meios e objetos com que
trabalha, mas, além disso, é preciso compreender como esta relação é integrada no processo
de valorização do capital. Por isso defendemos a utilização da categoria processo de
produção, como faremos nos próximos capítulos.
35

3. SAÚDE DO TRABALHADOR E MARXISMO

3.1 Avanço do capitalismo e surgimento do campo Saúde do Trabalhador

A chegada dos europeus à América e as grandes navegações fortaleceram o comércio mundial


e impulsionaram o sistema colonial. Saques, monopólios e trabalho escravo promoveram a
concentração do capital, aos poucos, as relações mercantis foram sendo substituídas pelo
capitalismo industrial, este processo teve um salto qualitativo na Inglaterra com a Primeira
Revolução Industrial e o emprego de energia a vapor, no último quarto do século XVIII. As
transformações nos métodos de produção começaram pelo setor têxtil, mas rapidamente se
espalharam para outros ramos de produção e para outros países, causando graves problemas
relacionados à saúde dos trabalhadores. Sobre as origens do capitalismo, Marx (1977, p. 99)
afirma:

O regime colonial deu grande desenvolvimento à navegação e ao comércio.


Daí nasceram as sociedades mercantis, dotadas pelos governos de
monopólios e de privilégios que serviram de poderosas alavancas à
concentração dos capitais. O regime colonial assegurou os mercados às
nascentes manufaturas, aumentando a facilidade da acumulação, graças ao
monopólio do mercado colonial. Os tesouros diretamente extorquidos fora
da Europa, por meio do trabalho forçado dos índios reduzidos à escravidão,
pela concessão, a pilhagem e a morte, refluíam à mãe pátria para funcionar aí
como capital.
Ao mesmo tempo em que o regime colonial promovia a concentração de capitais nas
metrópoles, acontecia, nestas últimas, o fenômeno que Marx (1977) chamou de acumulação
primitiva e que também ajudou a impulsionar o desenvolvimento das relações capitalistas de
produção. O autor descreve com detalhes o processo de acumulação primitiva do capital nos
países europeus. Para que capitalismo pudesse se desenvolver, a separação entre produtores e
meios de produção precisava estar avançada. Marx (1977, p. 15): “O movimento histórico que
separa o trabalho de suas condições exteriores indispensáveis, eis a causa acumulação
chamada ‘primitiva’.” Despojados dos meios de produção e das garantias oferecidas pela
sociedade feudal, restou aos trabalhadores uma única possibilidade de sobrevivência: a venda
de suas forças de trabalho. Marx (1977) afirma que o capitalismo se desenvolveu primeiro na
Itália, os camponeses italianos começaram a ser lançados para as cidades, entretanto, quando
o país perdeu a supremacia comercial, suas manufaturas declinaram e a grande maioria dos
trabalhadores foi forçada a retornar para o campo. De acordo com o autor, a expropriação das
terras comunais se repetiu em escala ampliada nos campos ingleses. A servidão desapareceu
36

na Inglaterra no final do século XIV. No século XV, a maior parte da população inglesa era
composta por camponeses que cultivavam a própria terra protegidos por algum tipo de
garantia, por essa época, existiam também assalariados rurais, que eram camponeses que
cultivavam terras de grandes proprietários quando não estavam trabalhando em seus próprios
domínios (MARX, 1977). Em geral, todos os camponeses utilizavam terras comunais para o
pastoreio do gado e o suprimento de recursos como a lenha, por exemplo. O processo de
acumulação primitiva nos campos ingleses nada mais foi do que a expropriação dos bens
comunais dos camponeses e a expulsão destes dos solos que possuíam (MARX, 1977).
Segundo o autor, foi a alta dos preços e a expansão das manufaturas de lã que impulsionaram
a expropriação dos camponeses. As terras comunais foram transformadas em campos de
pastagem. Os camponeses expropriados, que antes sobreviviam do próprio trabalho, foram
expulsos de suas terras e forçados a sobreviver como assalariados (MARX, 1977).

Nas cidades prevaleciam corporações comandadas por mestres que dominavam seus ofícios
por inteiro. O capital comercial tentava se apropriar dos processos produtivos para aumentar
sua rentabilidade, mas encontrava forte resistência. Entretanto, com o tempo as corporações
foram derrotadas. Marx (1977) mostra que as novas manufaturas começaram a se estabelecer
em locais afastados e, portanto, fora do controle municipal e das corporações. Devido à
ampliação da divisão do trabalho e da maior produtividade, as novas manufaturas suplantaram
as corporações e se impuseram.

A superação da propriedade feudal no campo e das corporações de ofício nas cidades


possibilitou o desenvolvimento do capitalismo industrial (MARX, 1977). Ao mesmo tempo,
cresceu o número de trabalhadores assalariados e cresceram os problemas relacionados à
saúde destes. Marx (1977, p. 57):

A criação do proletariado sem lar nem pão – despedidos pelos grandes


senhores feudais e cultivadores, vítima de repetidas e violentas
expropriações – era necessariamente mais rápida que a sua absorção pelas
manufaturas nascentes. Por outro lado, estes homens, bruscamente
arrancados de suas ocupações habituais, não se podiam adaptar prontamente
à disciplina do novo sistema social, surgindo, por conseguinte, deles, uma
porção de mendigos, ladrões e vagabundos. Daí a legislação contra a
vadiagem, promulgada nos fins do século XVI, no oeste da Europa. Os pais
da atual classe operária foram duramente castigados por terem sido
reduzidos ao estado de vagabundos e pobres. A legislação os tratou como
criminosos voluntários, supondo que dependia de seu livre arbítrio o
continuar trabalhando como no passado e como se não tivesse sobrevindo
nenhuma mudança em sua condição de existência. A partir de suas
observações e da análise de relatórios produzidos por inspetores de
fábrica, Marx (2014b) mostrou o grau de exploração e os problemas
37

de saúde que afetavam os trabalhadores ingleses no período posterior


à Primeira Revolução Industrial. Engels (2010) já havia elaborado um
estudo semelhante. Jornadas de dezesseis horas ou mais, trabalho
infantil e feminino, acidentes e doenças laborais se alastraram a partir
do século XVIII e da consolidação do capitalismo industrial.
Mendes e Dias (1991) afirmam que, devido ao elevado grau de exploração da força de
trabalho e às condições desumanas da produção, foi preciso intervir para não inviabilizar o
funcionamento normal das relações capitalistas de produção na Inglaterra. Sendo assim, em
1830, numa indústria têxtil, surgiu o primeiro serviço de Medicina do Trabalho, o proprietário
colocou seu próprio médico para atuar na fábrica e se responsabilizar pela saúde dos
operários13. De acordo com os autores, a finalidade e os objetivos principais dos serviços
médicos estavam presentes desde o início e podem ser resumidas da seguinte forma: os
responsáveis pelos serviços deveriam ser pessoas da confiança dos proprietários e deveriam
responder pelos problemas de saúde dos trabalhadores, as tarefas realizadas seriam centradas
na figura do médico e a prevenção aos danos à saúde seria uma tarefa eminentemente médica.
Mendes e Dias (1991) afirmam que os serviços de Medicina do Trabalho se espalharam
rapidamente para outros países. Os autores destacam também que, em meados do século XX,
a Organização Internacional do Trabalho (OIT) incentivou a formação de médicos do trabalho
e o fortalecimento dos serviços de Medicina do Trabalho. Entretanto, na mesma época,
começaram a aparecer os limites da Medicina do Trabalho, o esforço industrial requerido
durante a Segunda Guerra Mundial e na reconstrução posterior dos países beligerantes
provocou grande aumento dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, cobrando alto
custo de empresários e companhias de seguro. Para Mendes e Dias (1991), a Medicina do
Trabalho não foi capaz de responder satisfatoriamente aos dilemas colocados pelos novos
processos de trabalho. A atuação médica direcionada aos trabalhadores evoluiu para a
intervenção sobre os ambientes de trabalho, podem ser apontados os seguintes limites da
Medicina do Trabalho: o pensamento mecanicista que a sustenta e, além disso, o fato de que,
limitada à intervenção médica, a tentativa de adequar o trabalho ao trabalhador restringe-se à
seleção de pessoal e às ações educativas que buscam adequar os trabalhadores às condições de
trabalho (MENDES; DIAS, 1991).

13
No Brasil escravista a realidade era ainda mais dura, Pena e Gomes (2011) afirmam que a Medicina
do Trabalho – configurada à época em medicina da força de trabalho escravizada – empregava práticas
pré-científicas de medicina veterinária. Para os autores, a depressão conhecida como banzo pode ter
sido a primeira epidemia de doença mental relacionada ao trabalho no Brasil.
38

A partir da segunda metade do século XX, a tentativa de intervir nos locais de trabalho e a
atuação multiprofissional fortaleceram a Saúde Ocupacional, no Brasil, regulamentou-se o
Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho, especialmente as normas que exigem a
presença de equipes técnicas multiprofissionais nos locais de trabalho, mas a Saúde
Ocupacional foi incapaz de atingir os objetivos aos quais se propunha devido aos seguintes
fatores: manutenção do referencial mecanicista da Medicina do Trabalho; não concretização
da interdisciplinaridade; apesar da proposta de focar no coletivo, os trabalhadores
continuaram sendo abordados como objetos das ações de saúde; a produção de conhecimentos
não acompanhou o ritmo de desenvolvimento dos processos produtivos (MENDES; DIAS,
1991). Além disso, é preciso considerar que, nos anos 1960, surgiram movimentos sociais que
passaram a questionar os valores estabelecidos e a exigir maior participação, inclusive nas
questões de saúde e segurança no trabalho14, a medicalização e o caráter ideológico das
instituições médicas passaram a ser criticados, ganhou força a teoria da determinação social,
que afirmava a centralidade do trabalho para a compreensão dos processos de saúde e doença
(MENDES; DIAS, 1991). Os Estados foram forçados a aceitar algumas reivindicações dos
movimentos sociais, por exemplo: na Itália, o “Estatuto dos Trabalhadores” incorporou
princípios como a não delegação da vigilância de saúde, a não monetização dos riscos, a
aceitação do saber dos trabalhadores. Conquistas semelhantes foram alcançadas em outros
países (MENDES; DIAS, 1991). É possível sintetizar da seguinte forma os resultados das
transformações observadas a partir da década de 1960: desconfiança dos trabalhadores nos
procedimentos técnicos e éticos dos profissionais dos serviços de saúde ocupacional, como os
exames pré-admissionais; conceitos como “limites de tolerância” e “exposição segura” foram
criticados e questionados; afirmou-se da importância da organização do trabalho para a
compreensão dos processos de saúde e doença (MENDES; DIAS, 1991).

Os movimentos sociais nascidos nos anos 1960 somados às transformações que começavam a
ocorrer no processo produtivo, deram origem ao campo Saúde do Trabalhador, que tenta

14
Laurell (1982) mostra como a efervescência político-cultural do final dos anos 1960 teve impacto
inclusive na medicina, intensificando a polêmica sobre o caráter das doenças e questionando o
paradigma dominante que associava estas a fenômenos biológicos individuais. Heloani (2011) afirma
que, na década de 1960, cresceu a resistência ao processo de produção e consumo de massa
(fordismo), aumentaram os índices de absenteísmo e turnover, o autor chamou esse fenômeno de
“fuga do trabalho”. Segundo Heloani (2011), a partir de então o capital tentou reestruturar o trabalho
para torná-lo mais atrativo, principalmente para os jovens. Braverman (1987) destaca que, nos anos
1960, cresceu a insatisfação contra o trabalho associado ao processo de produção fordista nos países
de primeiro mundo. De acordo com o autor, foi a própria sociedade de consumo e produção em massa
que começou a ser questionada.
39

compreender os danos à saúde relacionando-os aos processos de trabalho. Mendes e Dias


(1991, p. 347):

A saúde do trabalhador busca a explicação sobre o adoecer e o morrer das


pessoas, dos trabalhadores em particular, através do estudo dos processos de
trabalho, de forma articulada com o conjunto de valores, crenças e ideias, as
representações sociais, e a possibilidade de consumo de bens e serviços, na
‘moderna’ civilização urbano-industrial.
Para Mendes e Dias (1991), a ST tenta apreender a gênese e as dinâmicas do processo saúde-
doença em sua relação com os processos de trabalho observados na sociedade. Para
Vasconcellos (2011), enquanto a Saúde Ocupacional adota os agentes de risco como
determinantes, a saúde do trabalhador substitui estes pela organização do trabalho, a atuação
em ST deve focar os agentes de risco e a organização do trabalho é, por essa razão, mais
ampla que a Saúde Ocupacional e pode ser contra-hegemônica. Por lidar com o viver, o
adoecer e o morrer em relação às dinâmicas das relações produtivas, a categoria processo de
trabalho é central no campo Saúde do Trabalhador (DIAS, 1994; MINAYO-GOMEZ;
THEDIM-COSTA, 1997; MINAYO-GOMEZ; LACAZ, 2005; MINAYO-GOMEZ, 2011).
Minayo-Gomez (2011) afirma que o processo de trabalho, em sua acepção marxista, é o
conceito nucleador do campo ST. Para o autor, o processo de trabalho, definido como espaço
primário da luta de classes e adotado em toda a sua extensão teórica, é fundamental para
explicar a gênese dos agravos à saúde dos trabalhadores.

Analisando os dilemas e os percursos da Saúde do Trabalhador, Minayo-Gomez e Thedim-


Costa (1997, p.23) afirmam:

Em síntese, apesar dos avanços significativos no campo conceitual que


apontam um novo enfoque e novas práticas para lidar com a relação
trabalho-saúde, consubstanciados sob a denominação de Saúde do
Trabalhador, depara-se, no cotidiano, com a hegemonia da Medicina do
Trabalho e da Saúde Ocupacional. Tal fato coloca em questão a já
identificada distância entre a produção do conhecimento e sua aplicação,
sobretudo num campo potencialmente ameaçador, onde a busca de soluções
quase sempre se confronta com interesses econômicos arraigados e
imediatistas, que não contemplam os investimentos indispensáveis à garantia
da dignidade e da vida no trabalho.
A ST busca integrar e superar os conhecimentos produzidos pela Medicina do Trabalho e pela
Saúde Ocupacional. Tenta empregar estes conhecimentos e outros que possa produzir no
interesse dos trabalhadores. Vasconcellos (2011, p. 413): “O campo da saúde do trabalhador e
sua vigilância da saúde é instrumento da política de intervenção do Estado, e o campo da
Saúde Ocupacional é um dos objetos dessa intervenção.” Entretanto, por sua origem e por sua
40

prática ligadas aos movimentos sociais e sindicais15, o fortalecimento destes é fundamental


para garantir e ampliar conquistas em ST. Gaze, Leão e Vasconcellos (2011) destacam que
grande parte das conquistas de direitos à saúde no trabalho foram obtidas por meio da
mobilização e das lutas dos trabalhadores. Por outro lado, em conjunturas de avanço do
capital sobre os movimentos sociais e sindicais, podem acontecer retrocessos na aplicação dos
conhecimentos produzidos no campo Saúde do Trabalhador. Esses avanços do capital ajudam
a explicar o distanciamento entre a produção de conhecimentos e a aplicação dos mesmos
citada por Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997).

Além de se aproximar do marxismo pelo valor que atribui à categoria processo de trabalho e,
consequentemente, às análises desenvolvidas por Marx (2014b) para explicar a gênese, o
funcionamento e os limites das relações capitalistas de produção; a ST dialoga e se aproxima
do pensamento de Marx (1982, 2014a, 2014b) em dois outros pontos: a tentativa de resgate do
lado humano do trabalho (MENDES; DIAS, 1991; DIAS, 1995; LACAZ, 2007) e a
valorização do saber dos trabalhadores (MENDES; DIAS, 1991; MINAYO-GOMEZ;
THEDIM-COSTA, 1997; VASCONCELLOS, 2011). Estas duas últimas possibilidades de
aproximação podem ser mais exploradas no campo.

Para Marx (2014a), o trabalho é parte essencial da condição humana, o homem se define e se
humaniza pelo trabalho, quando este é livre; ou se desrealiza e se frustra, se o trabalho lhe é
estranho, se os produtos de seu trabalho lhe são negados. O capital torna o trabalho estranhado
porque não permite que os trabalhadores determinem o que, como, com que ritmo e quanto
produzir. O trabalho se torna exterior ao trabalhador, daí o estranhamento produzido neste
último. Marx (2013b) afirma que, na sociedade comunista, com a superação da subordinação
à divisão do trabalho, este deixará de ser apenas um meio de viver e se tornará a primeira
necessidade vital16.

Portanto, para a discussão e o resgate do lado humano do trabalho (MENDES; DIAS, 1991;
DIAS, 1995; LACAZ, 2007) reivindicados pela ST, é importante retomar as ideias de Marx e
Engels (2007, 2013a) e de Marx (2014a).

15
As ideias e eixos norteados das práticas em ST surgiram a partir das reivindicações dos movimentos
sociais dos anos 1960, principalmente na Itália. No Brasil essas ideias começaram a ganhar força no
final da década de 1970 com o início da abertura política e o fortalecimento dos movimentos sociais e
sindicais. Para uma interessante análise dos distintos períodos da ST no Brasil, ver Dias (1995).
16
É difícil visualizar e imaginar a superação do modo de produção capitalista e da divisão do trabalho
a partir do presente, de qualquer forma, o trecho de Marx (2013b) serve para mostrar as
potencialidades libertárias e emancipatórias que pensador alemão atribui ao trabalho.
41

Também a valorização do saber dos trabalhadores (MENDES e DIAS, 1991; MINAYO-


GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1997, VASCONCELOS, 2011) reivindicada pela ST já estava
presente em Marx (1982, p. 249), que na introdução da Enquete Operária afirma:

Confiamos contar [...] com a ajuda de todos os operários da cidade e do


campo, conscientes de que apenas eles podem descrever, com todo
conhecimento de causa, os males que suportam, e de que só eles, e não os
salvadores providenciais, podem energicamente remediar as misérias sociais
que sofrem.
Ao afirmar que somente os trabalhadores são capazes de descrever os problemas que
enfrentam, Marx (1982) estabelece outro caminho de aproximação com a ST. Escrevendo
sobre a formação em Ergonomia, Lima (2001, p. 141) registra que os educandos precisam
mudar suas formas de ver e perceber o mundo, de maneira que consigam “compreender o
comportamento no trabalho por meio dos olhos do próprio trabalhador.” Para Marx (1982,
2014b), tratava-se de compreender a concretude do trabalho para transformá-lo, para isso o
conhecimento dos próprios trabalhadores era fundamental, para o autor, saber enxergar o
trabalho com os olhos dos próprios trabalhadores era um passo importante para a
transformação social.

Sendo assim, é possível afirmar que há confluências entre o campo Saúde do Trabalhador e o
pensamento marxista. Explorar estas confluências pode fortalecer a atuação e a produção de
conhecimentos em ST.

Entretanto, para finalizar esta seção é importante retomar a análise realizada no primeiro
capítulo deste estudo, conforme mostramos, Marx (2014b) distingue três momentos do
processo de trabalho. Primeiro: o trabalho propriamente dito como atividade orientada para
um fim pré-estabelecido. Segundo: objetos de trabalho. Terceiro: meios de trabalho. Para o
autor, processo de trabalho é a relação de intercâmbio do homem com a natureza, o homem
estabelece finalidades previamente e tenta realizá-las empregando objetos e meios de trabalho
retirados da natureza. Sendo assim, processo de trabalho é uma categoria que pode ser
empregada para explicar a relação do homem com o meio independentemente do modo de
produção, que pode ser capitalista ou não. Para Marx (2014b), o processo de produção
capitalista é a unidade dos processos de trabalho e de valorização. Dessa forma, entendemos
que é mais correto empregar a categoria processo de produção nas análises realizadas em ST,
isso porque tal categoria é a unidade dos processos de trabalho e de valorização, ou seja,
contempla estas duas dimensões. O emprego da categoria processo de trabalho em vez de
processo de produção implica no abandono da categoria processo de valorização, que explica
42

umas das dimensões fundamentais do capitalismo e, no limite, pode prejudicar as análises


realizadas. Laurell e Noriega (1989) ressaltam que no capitalismo o processo de trabalho
expressa as estratégias de extração de mais-valia, e está, portanto, relacionado ao processo de
valorização do capital, inclusive as opções tecnológicas e a divisão do trabalho são
condicionadas pelo processo de valorização. Considerar a unidade entre processo de
valorização e processo de trabalho possibilita que este seja pensado como uma relação social
e não como resultado de imperativos tecnológicos, o que é importante para deixar claro que
são os homens que controlam a tecnologia e não o contrário. Os capitalistas empregam a
tecnologia fundamentalmente para valorizar o capital, entretanto, a tecnologia sob o controle
dos trabalhadores pode ser utilizada para libertar e humanizar o trabalho. Sendo assim,
consideramos importante retomar a utilização da categoria processo de produção, conforme
proposto por Laurell e Noriega (1989).

3.2 Processo de produção e saúde

A relação entre trabalho e saúde tem sido relatada desde a Antiguidade e de variadas formas17,
as primeiras abordagens formais sobre o tema surgiram no século XIX, na Europa, a partir da
criação da Medicina do Trabalho e da implantação dos serviços médicos dentro das empresas
(SELIGMANN-SILVA; BERNARDO; MAENO; KATO, 2010).

A 8º Conferência Nacional de Saúde (1986) adotou um conceito mais abrangente de saúde,


para o exercício pleno desta, precisariam estar garantidos: trabalho em condições dignas, com
amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre processos e ambientes de trabalho;
boa alimentação para todos; moradias higiênicas e dignas; educação e informações plenas;
qualidade do meio ambiente; transporte seguro e acessível; repouso; lazer; segurança;
participação popular na organização, gestão e controle dos serviços e ações de saúde; direito à
liberdade, à livre organização e expressão; acesso igualitário e universal aos serviços setoriais
em todos os níveis.

Os processos de produção atuam sobre e, em boa medida, determinam a saúde tanto no


sentido mais amplo, como também no mais restrito, ou seja, provocam problemas de saúde
diretamente e indiretamente.

17
Para uma interessante abordagem sobre a relação entre trabalho e saúde na música popular
brasileira, ver Pina (2014).
43

Como mostramos anteriormente, entendemos o processo de produção capitalista conforme


definiu Marx (2014b), ou seja, como unidade dos processos de trabalho e de valorização.
Além disso, entendemos que o processo de produção capitalista é a confluência, no tempo e
no espaço, das aplicações produtivas das formas de gestão de pessoal e dos desenvolvimentos
tecnológicos condicionados pelas correlações de força estabelecidas na luta de classes. Trata-
se, portanto, de um processo dinâmico e em movimento constante.

Para Marx (2014b), o capitalismo é um modo de produção que se revoluciona sem parar, isso
ocorre porque, para sobreviver à concorrência, os capitalistas são forçados a incorporar
avanços tecnológicos e organizacionais à produção. Ao revolucionar o processo produtivo, o
capitalista individual obtém lucros superiores à média, mas, com o passar do tempo, os altos
lucros atraem concorrentes de outros ramos da produção e as inovações se difundem,
nivelando novamente as taxas de lucro. Marx (2014b) mostrou que, além de lutarem entre si
para aumentarem seus lucros, revolucionando constantemente a produção, os capitalistas
combatem também e fundamentalmente os trabalhadores, tentando aumentar as jornadas ou a
taxa de exploração através da ampliação do tempo não pago, porque só o trabalho vivo gera
valor. Segundo Marx (2014b), o capital pode ampliar seus lucros através do aumento da mais-
valia absoluta (ampliação das jornadas) ou da mais-valia relativa (ampliação da taxa de
exploração). O primeiro método vigorou principalmente no início do capitalismo industrial18,
mas tem sido retomado nas últimas décadas em conjunturas e circunstâncias específicas; o
segundo método de ampliação de lucros vigorou no tempo de Marx e nas décadas seguintes 19.
Forçado a respeitar jornadas regulamentadas e estabelecidas a partir, principalmente, da luta
dos trabalhadores20, o capital passou a jogar peso na intensificação do trabalho21 ou, dito de

18
Marx (2014b, p. 350): “Assim que a classe trabalhadora, inicialmente aturdida pelo ruído da
produção, recobrou em alguma medida seus sentidos, teve início sua resistência, começando pela terra
natal da grande indústria, a Inglaterra.” Marx (2014b) mostra que as reduções da jornada de trabalho
só foram possíveis devido à luta dos trabalhadores. Sendo assim, em conjunturas de refluxo da
resistência trabalhadora, é possível que o capital se valer da extração de mais-valia absoluta. Mais à
frente aprofundaremos a discussão sobre esse tema.
19
Laurell e Noriega (1989) distinguem fases históricas de maturação do processo de produção
capitalista, analisadas a partir do processo de valorização, estas fases corresponderiam a diferentes
estratégias de extração de mais-valia (absoluta ou relativa), analisadas a partir do processo de trabalho,
estas fases corresponderiam a diferentes formas de subsunção do trabalho ao capital. Para os autores,
na fase em que prevaleceu o processo de valorização através da mais-valia absoluta, os processos de
trabalho eram a cooperação simples e a manufatura; por outro lado, quando passou a prevalecer a
mais-valia relativa, os processos de trabalho eram o maquinismo simples, o taylorismo, o fordismo e a
automação de fluxo contínuo.
20
Marx (2014b, p. 342): “O capital não tem a mínima consideração pela saúde e duração da vida do
trabalhador, a menos que seja forçado pela sociedade a ter essa consideração.”
44

outra forma, passou a explorar a mais-valia relativa, buscou se apropriar de maiores


quantidades de mais-valia em períodos iguais de tempo. Por exemplo: uma jornada diária de
oito horas é composta pelo trabalho pago (salários) e pelo trabalho não pago (mais-valia),
sendo assim, o capital tentará revolucionar o processo produtivo para ampliar esta segunda
parte como forma de aumentar seus lucros. Marx (2014b) mostrou que, ao capitalista não
resta alternativa senão ampliar seus lucros, caso contrário lhe faltarão os recursos necessários
para reinvestir na produção e, em pouco tempo, seu negócio será arruinado pela concorrência.
Por outro lado, a busca irrefreável pelo aumento da acumulação e dos lucros é prejudicial à
saúde dos trabalhadores. Marx (2014b, p. 338):

O capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho. O que


lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que
pode ser posta em movimento numa jornada de trabalho. Ele atinge esse
objetivo por meio do encurtamento da duração da força de trabalho, como
um agricultor ganancioso que obtém uma maior produtividade da terra
roubando dela sua produtividade.
A viabilidade dos processos de produção depende da existência da base tecnológica
correspondente. Por exemplo, a energia a vapor foi fundamental para implantar as
manufaturas capitalistas, ampliar a divisão do trabalho, aumentar o ritmo da produção,
estender as jornadas, vencer as corporações de ofício e incorporar o trabalho de mulheres e
crianças. Importante ressaltar que, os desenvolvimentos das forças produtivas e bases
tecnológicas são sempre acompanhados de transformações políticas e sociais, anteriormente
discutimos a relação entre os avanços tecnológicos da Primeira Revolução Industrial e o
processo de acumulação primitiva do capital. Somados, estes dois acontecimentos históricos
forjaram o processo de produção do capitalismo industrial nascente, que tantos males causou
à saúde dos trabalhadores, tanto no sentido amplo como no mais restrito. Dentro das fábricas:
jornadas de dezesseis horas ou mais; trabalho noturno, infantil e feminino; acidentes e
doenças laborais. Fora dos locais de trabalho: carestia, desemprego, alcoolismo, desigualdade,
condições precárias de saneamento e moradia, falta de serviços públicos de educação e saúde.
Ou seja, o processo de produção do capitalismo industrial nascente determinou as precárias
condições de saúde tanto diretamente, nos locais de trabalho, como indiretamente, na vida
social.

21
Intensificação do trabalho pode ser definida, de acordo com Marx (2014b, p. 482), como “um
preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho.” Retomaremos esta questão no próximo
capítulo.
45

A luta e a resistência da classe trabalhadora forçaram os governos a regulamentarem as


jornadas e as condições de trabalho. As primeiras foram reduzidas e o trabalho infantil foi
limitado. Entretanto, o capital respondeu a essas barreiras intensificando o trabalho, tentando
compensar com a ampliação da exploração da mais-valia relativa o que perdeu com
diminuição das jornadas (MARX, 2014b).

No início do século XX se disseminou, nos setores de ponta da economia mundial, o processo


fordistas de produção: aumentando a remuneração dos trabalhadores como forma de ampliar o
mercado de consumo, consolidando a jornada de oito horas por dia, a decompondo e
dividindo as tarefas de acordo com padrões rigorosos. O fordismo se caracterizou como um
sistema de reprodução social baseado na produção e no consumo de massa, que forjou uma
nova estética mais condizente com a sociedade racionalizada22, modernista e populista. O
fordismo se caracteriza pela produção em massa de bens homogêneos, uniformidade,
padronização, grandes estoques, pouco treinamento, baixas condições de segurança,
integração principalmente vertical, economia de escala, alto grau de divisão e especialização
do trabalho. A organização da sociedade na época fordista pode ser sintetizada da seguinte
forma: regulação, rigidez, negociações coletivas, relativa distribuição dos ganhos de
produtividade, estabilidade, centralização, intervenções nos mercados (MATTOS; PORTO;
FREITAS, 1995).

O desenvolvimento das forças produtivas e a incorporação dos progressos técnicos à produção


no período fordista se combinaram às transformações sociais. As políticas econômicas de
corte liberal foram aos poucos sendo substituídas pelo keynesianismo. O Estado passou a
intervir mais diretamente na economia para promover o bem-estar social e, principalmente,
para amenizar os ciclos econômicos e garantir mercados consumidores para a produção em
massa. Importante destacar que, em países subdesenvolvidos, como o Brasil, o Estado de
Bem-estar Social não chegou a ser implantando totalmente, os pequenos avanços observados
no período coexistiram com formas arcaicas de organização social. A sociedade de consumo
de massa não chegou a se estabelecer totalmente nos países subdesenvolvidos, o mercado de
trabalho formal não absorveu toda a mão de obra e, por essa razão, poucos tiveram acesso ao
consumo das mercadorias produzidas com base nos métodos fordistas.

22
Mattos, Porto e Freitas (1995) fazem uma interessante argumentação que associa os métodos
fordistas de produção ao modernismo, as formas mais flexíveis de produzir, que seriam implantadas a
partir da década de 1970, são associadas ao pós-modernismo.
46

Os problemas de saúde mais recorrentes nos trabalhadores diretamente empregados nos


processos de produção fordistas eram mortes, mutilações, intoxicações causadas por produtos
químicos, pneumopatias, dermatoses e perdas auditivas (SELIGMANN-SILVA;
BERNARDO; MAENO; KATO, 2010).

No que se refere ao conceito mais abrangente de saúde, como o anteriormente citado, pode-se
dizer que na época do predomínio dos processos fordistas de produção foram observados
alguns avanços, por demandar a inclusão dos trabalhadores na sociedade de consumo e
promover o desenvolvimento das forças produtivas, melhoram as condições de moradia,
saneamento, alimentação e o desemprego esteve razoavelmente controlado. Importante
registrar que estes avanços foram conquistados principalmente nos países desenvolvidos, em
países subdesenvolvidos, como o Brasil, não aconteceram grandes mudanças, os processos de
produção mais modernos se restringiram a poucos e limitados segmentos produtivos.

Por outro lado, o fordismo e o Estado de Bem-estar Social não garantiram trabalho com
amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre processos e ambientes. Além disso, a
produção e o consumo de massa resultantes da busca por economias de escala se revelaram
extremamente nocivos para o meio ambiente.

Na década de 1970, o fordismo começou a ser substituído por formas mais flexíveis de
produção nos segmentos de ponta da economia mundial. Essa transformação produtiva foi
causada pelo acirramento da concorrência devido à entrada no mercado das empresas dos
países derrotados na Segunda Guerra Mundial, pelo choque do petróleo de 1973, pela
incorporação de novas tecnologias como a microeletrônica e pelas reivindicações dos
movimentos sociais a partir da década anterior.

Os processos de produção que ganharam força nos segmentos de ponta da economia a partir
dos anos 1970 se caracterizam pela produção em pequenos lotes, flexibilidade, variedade de
produtos ofertados, controle de qualidade, intensificação do trabalho, adaptação à demanda,
execução de múltiplas tarefas, remuneração por produção, eliminação da demarcação rígida
de tarefas, organização mais horizontal, ênfase no engajamento de todas as equipes de
trabalho, segurança e estabilidade para os trabalhadores do núcleo central, insegurança e
rotatividade para os demais (MATTOS; PORTO; FREITAS, 1995).

O crescimento da disputa por mercados consumidores, a partir da década de 1970, forçou as


empresas a modernizarem seus processos produtivos. Foram incorporadas inovações, como a
microeletrônica e a automação, que possibilitaram a implantação de formas flexíveis de
47

produção mais ajustadas às oscilações da demanda. Com a reestruturação produtiva do


capital, as políticas keynesianas destinadas a amenizar os ciclos econômicos e garantir o pleno
emprego foram substituídas por medidas neoliberais, que desregulamentaram e flexibilizaram
as regras trabalhistas para atender às novas exigências do capital. A reestruturação produtiva
da base econômica da sociedade foi acompanhada pelas transformações superestruturais
representadas pelo neoliberalismo. Importante destacar que, em países subdesenvolvidos,
como o Brasil, os processos de trabalho flexíveis não chegaram a substituir totalmente as
formas anteriores de produção, que continuam a existir, em partes, essa continuidade se
explica pelo baixo valor da força de trabalho, que torna antieconômicos os negócios
intensivos em capital.

Devido à coexistência de processos de trabalho arcaicos e modernos, da economia doméstica


de subsistência ao toyotismo, novos problemas relacionados à saúde dos trabalhadores se
somaram aos antigos, que continuam a existir no Brasil.

A partir dos anos 1980, a LER/DORT se somou aos tradicionais problemas de saúde dos
trabalhadores brasileiros, com o agravante de afetar indistintamente a indústria, o comércio e
o setor de serviços; a partir da década de 1990, também as doenças mentais relacionadas ao
trabalho passaram a preocupar (SELIGMANN-SILVA, BERNARDO, MAENO e KATO,
2010).

Quanto ao conceito ampliado de saúde, observa-se que a implantação de processos de


trabalho mais flexíveis reverteu, em partes, os avanços do período anterior, como o pleno
emprego e a estabilidade. Além disso, a aplicação de políticas neoliberais, ao ampliar o
desemprego e impulsionar as privatizações, piorou as condições de moradia, saneamento,
educação, saúde e alimentação. Em graus diferenciados, esse fenômeno pode ser observado
nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Exposta, em linhas gerais, a relação entre
processo de produção e saúde, passemos à análise da Enquete Operária.
48

4. A ENQUETE OPERÁRIA

4.1 Desenvolvimento e utilização

O capitalismo industrial se desenvolveu a partir do final do século XVIII, paralelamente,


cresceu o proletariado. Segundo Thiollent (1982), a burguesia precisou conhecer para
controlar a nova sociedade que nascia. Na primeira metade do século XIX, governos e
representantes da classe dominante organizaram enquetes para tentar entender a questão
operária; na segunda metade do século XIX, grupos socialistas utilizaram enquetes como
instrumento de autoconhecimento da classe operária (THIOLLENT, 1982, p. 103).

É neste contexto que, em 1880, Marx (1982) redigiu e publicou a Enquete Operária. A
primeira referência de Marx (2008) à necessidade de elaboração de enquetes ocorreu em
1866, em nome do Conselho Central Provisório da Associação Internacional dos
Trabalhadores, o autor publicou mensagem solicitando a elaboração de inquéritos estatísticos
sobre a situação dos operários dos países em que a Associação Internacional dos
Trabalhadores (AIT) atuava, o levantamento deveria ser realizado em todas as localidades em
que existissem ramos da AIT. Marx (2008) destaca que, para agir com algum sucesso, é
preciso conhecer a realidade sobre a qual se vai atuar, as enquetes contribuiriam para isso.
Segundo o autor, se conseguissem dar conta de tamanha tarefa, os trabalhadores provariam
estar em condições de comandar seus próprios destinos. Ou seja, as enquetes eram entendidas
como ações da classe trabalhadora para se autocompreender e para fortalecer sua atuação
política. Neste ponto é importante destacar que Marx (2008) não separava as organizações da
classe trabalhadora – como a AIT – da própria classe trabalhadora, para o autor as
organizações e os dirigentes da classe eram, fundamentalmente, partes da própria classe, e não
iluminados que vinham de fora23. É por essa razão que, na introdução da Enquete Operária,
Marx (1982) afirma que apenas os operários podem descrever com conhecimento de causa os
males que suportam, e que apenas estes podem remediar as misérias sociais que sofrem. No
documento elaborado em 1866 para AIT estão indicados os eixos principais da Enquete de
1880: condições do ambiente de trabalho, idade sexo e número de empregados, formas de
pagamento, jornadas de trabalho, natureza da ocupação, efeitos do trabalho sobre o operário,
estrutura da empresa. Como se nota, Marx (2008) não separava a luta por condições de saúde

23
A ideia de que a teoria revolucionária vem de fora da classe trabalhadora surgiu na II Internacional,
ou seja, depois de Marx. Esta ideia, incompatível com o materialismo histórico, ajuda a explicar por
que as enquetes operárias – nos moldes da elaborada por Marx (1982) – deixaram de ser valorizadas.
49

no trabalho da luta pela emancipação do trabalho, essa prática seria mantida na Enquete
Operária. Marx (2008) sugeria que as enquetes fossem elaboradas a partir dos eixos
indicados. Posteriormente, o Conselho Central da AIT organizaria um relatório com as
informações coletadas. As lutas políticas impediram que as enquetes fossem realizadas,
somente em 20 de abril de 1880 seria publicada a Enquete Operária pela revista francesa
Revue Socialiste. O questionário original não foi assinado por Marx. Mas em carta
endereçada a Friedrich Adolph Sorge, em 05 de novembro de 1880, Marx (2005) confirma ter
redigido a Enquete Operária publicada pela Revue Socialiste.

Antes de discutir o conteúdo da Enquete de 1880, é necessário apresentar o contexto histórico


no qual ela foi elaborada, a França do final do século XIX. O movimento sindical e outras
organizações de luta e resistência da classe trabalhadora francesa nasceram no final do século
XVIII e se fortaleceram durante o século XIX (CARONE, 2005). De acordo com o autor, no
final do século XVIII, com o objetivo de resguardar os trabalhadores dos riscos profissionais,
surgiram as primeiras associações mutualistas ou fraternais organizadas por ofício ou local de
moradia; nos anos 1830, as ideias do inglês Robert Owen ganharam força entre os
trabalhadores; a partir da década de 1860, as vertentes anarquistas de Proudhon e Bakunin
passaram a hegemonizar os movimentos da classe trabalhadora francesa.

Para Engels (2013), as organizações dos trabalhadores franceses se fortaleceram


paralelamente ao desenvolvimento social e político do país. Paris era, à época, o principal
polo de luta e resistência da classe trabalhadora. De acordo com o autor, a partir de 1830 os
trabalhadores começaram a conquistar razoável independência política. Ainda segundo Engels
(2013, p. 189), em fevereiro de 1848 foi estabelecida uma “República Social” na França com
apoio dos trabalhadores, entretanto, em junho do mesmo ano os republicanos burgueses
romperam acordos firmados induzindo os trabalhadores a se rebelarem, após cinco dias de
luta os trabalhadores foram reprimidos, derrotados e desarmados, as conquistas da “República
Social” foram atacadas. Engels (2013, p. 189): “Era a primeira vez que a burguesia mostrava
a que insanas crueldades de vingança ela é instigada quando o proletariado ousa contrapor-se
a ela como uma classe separada, com seus próprios interesses e exigências.” O autor continua
seu raciocínio afirmando que, entretanto, a repressão de 1848 foi uma brincadeira de crianças
se comparada com a fúria repressiva de 1871, após a Comuna de Paris.

Engels (2013) apresenta os fatos que antecederam a Comuna de Paris. De acordo com o autor,
durante o Segundo Império Francês (1852 – 1870) houve grande desenvolvimento industrial.
Guerras breves foram promovidas para a expansão das fronteiras do país. O objetivo principal
50

era retomar a margem esquerda do Reno. Em 1870, teve início a guerra franco-prussiana. Em
02 de setembro, o imperador francês e milhares de soldados foram capturados. Em 04 de
setembro, os operários parisienses proclamaram a República (MARX, 2013d) e autorizaram
os deputados de Paris eleitos para o antigo corpo legislativo a atuarem como “Governo da
Defesa Nacional” (ENGELS, 2013, p. 190). O objetivo principal era organizar e promover a
defesa de Paris contra as tropas prussianas. De acordo com Engels (2013), os parisienses
capazes de manejar armas foram alistados na Guarda Nacional, a maioria destes eram
trabalhadores. Em 28 de janeiro de 1871, foi assinado em Versalhes o acordo sobre o
armistício e a capitulação de Paris (MARX, 2013d). Em 18 de março, o governo francês
enviou tropas para desarmar a Guarda Nacional parisiense, tais armas “haviam sido
produzidas durante o cerco a Paris e pagas por subscrição pública” (ENGELS, 2013, p. 191).
A Guarda Nacional parisiense se recusou a entregar suas armas e teve início a guerra com o
governo francês estabelecido em Versalhes. A Comuna de Paris existiu por 72 dias, durante
esse curto período de tempo o poder esteve nas mãos dos trabalhadores, foi a primeira
revolução proletária vitoriosa.

Durante sua curta existência, a Comuna adotou medidas progressistas. Engels (2013) enumera
as seguintes: substituição do exército permanente pela Guarda Nacional, à qual passavam a
pertencer todos os cidadãos aptos a portar armas; isenção de todos os pagamentos de aluguéis
de outubro de 1870 a abril de 1871, podendo os inquilinos descontar valores já pagos das
parcelas futuras; cancelamento das vendas de bens depositados em casas públicas de penhora;
confirmação da eleição de estrangeiros para a Comuna; limitação dos salários dos
funcionários da Comuna; separação entre a Igreja e o Estado; cancelamento de todos os
repasses estatais para fins religiosos; transferência dos bens da Igreja para o patrimônio
nacional; levantamento das fábricas paradas pelos proprietários e elaboração de planos para o
gerenciamento destas pelos trabalhadores; supressão do trabalho noturno dos padeiros.

Em 28 de maio de 1871 a Comuna de Paris foi derrotada pelas tropas do governo francês
apoiadas pelos prussianos, que forneceram apoio logístico e libertaram soldados franceses
para lutar contra a Comuna. Milhares de comunardos foram presos, torturados, deportados e
executados. Em 1872 a atuação da Associação Internacional dos Trabalhadores foi proibida
na França (WOODCOOK, 2002). As principais lideranças da Comuna de Paris foram presas,
mortas ou obrigadas a fugir para outros países (WOODCOOK, 2002). Carone (1995) afirma
que 30.000 comunardos foram fuzilados. Engels (2012, p. 19): “A França naturalmente
precisou de muitos anos para recuperar-se da sangria de maio de 1871.”
51

É importante destacar que o marxismo não hegemonizou o movimento dos trabalhadores


franceses no século XIX. A Comuna de Paris, por exemplo, era composta principalmente por
blanquistas e membros da Associação Internacional dos Trabalhadores próximos do
anarquismo proudhoniano. O blanquismo foi uma corrente que atuou no movimento dos
trabalhadores franceses. Louis-Auguste Blanqui (1805 – 1881) e seus seguidores acreditavam
que um pequeno grupo de revolucionários dedicados e disciplinados seria capaz de tomar o
poder e promover transformações sociais. Partindo do referencial marxista, Coggiola (2011)
define as ideias econômicas blanquistas como pré-proudhonianas e como expressão de uma
sociedade formada por pequenos produtores rurais e urbanos, para Blanqui o lucro nascia na
circulação (comércio), devido à venda das mercadorias acima do seu valor24, sendo assim,
seria necessário desmonetizar a economia e fazer com que os produtores trocassem suas
mercadorias pelo valor de custo. Pierre Joseph Proudhon (1809 – 1865) foi um dos
fundadores do anarquismo. Participou da revolução 1848 e foi preso. Escreveu livros que
influenciaram o movimento operário francês. Para Marx (2007a), o socialismo proudhonniano
não se elevou acima do horizonte burguês, defendia a concorrência mas não foi capaz de
perceber as consequências negativas da concorrência, queria condições de vida burguesas sem
as consequências necessárias destas condições25.

Entretanto, após a Comuna de Paris e com o avanço da produção industrial sobre a artesanal,
blanquistas e proudhonianos começaram a perder espaço no movimento operário para forças
que melhor representavam os trabalhadores das indústrias. Carone (1995) mostra que o
movimento sindical francês se fortaleceu ao longo dos anos 1870, surgiram diversas câmaras
sindicais e sindicatos, formaram-se federações e confederações, ocorreram congressos
operários em Paris (1876), Lion (1878) e Marselha (1879). O autor ressalta ainda que, em
1878, houve anistia política na França, possibilitando o retorno de grande número de homens
e mulheres que haviam formado a Comuna de Paris, este fato fortaleceu os movimentos dos
trabalhadores. Importante destacar também que, na França, apenas a partir de 1881 o
movimento anarquista separou-se nitidamente dos socialistas26 (WOODCOCK, 2002).

24
Segundo Marx (2014b), o lucro tem origem na esfera da produção devido à mais-valia não paga aos
trabalhadores, e não circulação, como pensava Blanqui.
25
Para um crítica das ideias de Proudhon, ver Marx (2007b).
26
Na segunda metade dos anos 1880, surgiu o movimento anarco-sindicalista, que hegemonizou o
movimento sindical francês até a Primeira Guerra Mundial (CARONE, 1995).
52

É neste contexto de renascimento e fortalecimento dos movimentos sociais que, em 1880, a


Revista Revue Socialiste organizou o Questionário sobre as condições de vida e de trabalho
da classe operária francesa. A Enquete, composta por 101 questões abertas, foi redigida por
Marx (1982). Várias publicações efêmeras surgiram na França entre 1879 e 1882, todas com o
objetivo de informar, reorganizar e fortalecer o movimento operário francês, a Revue
Socialiste foi uma destas publicações efêmeras (FERREIRA, 2004), desapareceu em 1881
(THIOLLENT, 1982). Foram distribuídos 25 mil exemplares do Questionário, cerca de 100
retornaram preenchidos, entretanto, este fato tem importância relativa. “O essencial era que os
questionários, chegando aos operários, lhes dessem novas possibilidades de conhecer a
maneira pela qual a exploração capitalista funciona” (LANZARDO, 1982, p. 245).

A Enquete de Marx (1982) objetivava compreender a situação da classe trabalhadora para


fortalecer suas organizações de luta e resistência, que haviam sido liquidadas após a Comuna
de Paris e começavam a ressurgir no final dos anos 1870. Além disso, na introdução do
Questionário, Marx (1982) destaca que, um dos objetivos deste era forçar o governo francês a
fazer uma investigação séria sobre a situação da classe operária, como já havia acontecido na
Inglaterra, resultando em conquistas como a limitação da jornada legal de trabalho em dez
horas e em leis sobre o trabalho de mulheres e crianças. Marx (1982) ironiza afirmando que,
apesar dos escassos recursos de que dispunha, iniciaria as pesquisas acreditando que poderia
animar o governo republicano da França a seguir o exemplo do governo monárquico da
Inglaterra.

Marx conhecia bem a realidade francesa, além de artigos, havia escrito três livros sobre o
país: As Lutas de Classe na França (em 1850), O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (em
1852) e A Guerra civil na França (em 1871). No contexto de renascimento e fortalecimento
do movimento operário francês, Marx (1982) se dirigiu à classe trabalhadora para informar e
se informar também sobre questões relacionadas à saúde dos trabalhadores, o que mostra a
importância que o autor atribuía a estas.

Na introdução da Enquete, Marx (1982, p. 249) afirma: “Estes cadernos do trabalho


constituem o primeiro passo que a democracia socialista tem que dar para abrir caminho à
renovação social.” Ao final da introdução o autor destaca que as respostas dos trabalhadores
seriam classificadas e serviriam de base para a elaboração de monografias especiais que
depois seriam reunidas, o que estava de acordo com o planejamento feito pelo Conselho
Central Provisório da Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1866.
53

Rubel (1970) destaca que a Enquete Operária aborda os três grandes problemas tratados no
livro I de O Capital: a produção de mais-valia absoluta (através de ampliações das jornadas),
a produção de mais-valia relativa (através da intensificação do trabalho) e as formas de
pagamento (salários por tempo e por peça). Mais à frente mostraremos que estes e outros
problemas tratados em O Capital reaparecem na Enquete, o que a torna atual. Rubel (1970)
afirma também que, com sua Enquete, Marx (1982) pretendia completar e renovar os dados
estatísticos de que dispunha a partir das respostas dos operários. Além disso, o autor ressalta
que, o objetivo principal da Enquete Operária era politizar e fortalecer os trabalhadores e suas
organizações.

Difícil saber se as informações recolhidas através da Enquete teriam valor estatístico, como
sugere Rubel (1970). Entretanto, sabe-se que, após a publicação da Enquete Operária, Marx,
Engels, Guesde e Lafargue (2000) elaboram o Programa do Partido dos Trabalhadores
Franceses, que foi publicado em três revistas, incluindo a Revue Socialiste, em 20 de julho de
1880. Posteriormente, o Programa do Partido dos Trabalhadores Franceses foi aprovado em
congresso realizado em novembro de 1880. Marx, Engels, Guesde e Lafargue (2000)
utilizaram a Enquete na elaboração do programa do Partido dos Trabalhadores Franceses, na
seção econômica deste foram inseridas 12 bandeiras de luta, destacamos as seguintes: redução
das jornadas para 6 horas diárias, proibição do trabalho de menores de 14 anos, garantia de
pelo menos 1 dia de folga para todos os trabalhadores, salário mínimo condizente com o preço
dos alimentos (e determinado por uma comissão formada por trabalhadores), igualdade de
salários entre trabalhadores franceses e estrangeiros, igualdade salarial entre homens e
mulheres, apoio do Estado para os idosos e deficientes, responsabilização financeira dos
patrões pelos acidentes de trabalho, cancelamento das privatizações. Interessante notar que o
programa do Partido dos Trabalhadores Franceses é atual e incorpora reivindicações de saúde
dos trabalhadores, ou seja, não separa estas da luta pela emancipação do trabalho. É também
por isso que defendemos a atualidade da obra de Marx, a Enquete incluída, além de tratar de
problemas que continuam existindo, o autor não separa as questões de saúde dos
trabalhadores da luta pela libertação do trabalho, nem coloca esta como mais importantes do
que aquelas.

Apesar de ser menos valorizada do que no tempo de Marx, a forma enquete operária –
entendida como um mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora –
continuou sendo utilizada por movimentos sociais. Mao Tsé-Tung organizou enquetes sobre a
classe trabalhadora chinesa, para Mao, as enquetes operárias eram úteis porque combatiam o
54

subjetivismo (THIOLLENT, 1982). Tafalla (2006) propôs a realização de uma enquete


operária na Catalunha. Na Itália da década de 1960 a forma enquete operária foi retomada e
rediscutida com profundidade. A esquerda italiana foi o mais impressionante movimento
popular de transformação da Europa Ocidental no período posterior à II Guerra Mundial
(ANDERSON, 2010). É neste contexto que foram retomadas as discussões sobre as enquetes
operárias. O descontentamento com o Partido Socialista Italiano (PSI) e com o Partido
Comunista Italiano (PCI) fez nascer o movimento conhecido como operaísmo, que propunha
o retorno a Marx e o desenvolvimento de ferramentas e métodos capazes de responder aos
desafios colocados pela industrialização fordista do pós-guerra (CAVA, 2013). As origens do
operaísmo remetem à tentativa de retomada e aplicação da crítica da economia política
marxista na Itália, a partir dos anos 1960, por jovens dissidentes do PSI e do PCI
(ALTAMIRA, 2012). Os operaístas lançaram publicações seminais – Quaderni Rossi, Classe
Operaia, Gatto Selvaggio, Contropiano – que exploraram as transformações do trabalho e do
capital na Itália (ANDERSON, 2010). O operaísmo criticava o reformismo e a política de
conciliação de classes do PSI, PCI e dos sindicatos.

A retomada da Enquete Operária foi realizada principalmente pelo grupo de militantes


reunidos em torno da publicação Quaderni Rossi, entre eles: Dario Lanzardo e Raniero
Panzieri. Este último foi um dos principais responsáveis pela valorização da forma enquete
operária. Naquele contexto, um dos objetivos das enquetes era investigar e esclarecer porque
os trabalhadores estavam se afastando das suas organizações (ALTAMIRA, 2012). Foram
realizadas enquetes operárias na Fiat, na Olivetti e na Pirelli (TAFALLA, 2006). Além de
realizar enquetes, os militantes do Quaderni Rossi procuraram teorizar sobre a forma enquete
operária27.

Segundo Panzieri (1982, p. 231), “a enquete é um método correto, eficaz e politicamente


fecundo para entrar em contanto com os operários isolados ou com grupos de operários.” Para
o autor, não há contradições entre a forma enquete operária e o trabalho de construção
política, ocorre que aquela é parte deste. Panzieri destaca ainda que o trabalho de elaboração

27
O campo Saúde do Trabalhador é herdeiro do Modelo Operário Italiano (MOI), que foi uma
iniciativa do Partido Comunista Italiano (PCI) e começou a ganhar força nos anos 1960, inclusive
fazendo uso de questionários e entrevistas (PAIVA; VASCONCELOS, 2011). Considerando que os
operaístas, o Quaderni Rossi inclusive, são contemporâneos do MOI, é possível que este tenha
utilizado a Enquete de Marx, assim como é possível que alguns operaístas tenham participado do
MOI, vale lembrar que militantes retornaram ao PCI nos anos 1970. Mas não encontramos materiais
que confirmassem o uso da Enquete Operária pelo MOI e a participação de operaístas neste, trata-se
de tema interessante que pode ser aprofundado em outras pesquisas.
55

de uma enquete reúne militantes e operários, a discussão teórica entres estes é um meio de
formação política. Para Lanzardo (1982), a Enquete de 1880, foi uma explicação teórica sobre
problemas concretos vividos e conhecidos dos trabalhadores, a crítica se manifestava ora
como esclarecimento direto ora como juízo de valor, e tinha como objetivo principal a
conscientização. Lanzardo ressalta ainda que, para os militantes do Quaderni Rossi, as
enquetes eram uma forma de testar se a teoria e os instrumentos de intervenção do grupo eram
funcionais.

Thiollent (1982) destaca pontos positivos da Enquete Operária: a negação da passividade e o


fato de ser mais do que uma simples somatória de opiniões. Por outro lado, o autor afirma que
a Enquete de 1880 não é perfeita nem aplicável em qualquer circunstância ou época, mas a
concepção que a sustenta pode servir como base para a elaboração de novas enquetes
operárias. É também neste sentido que defendemos a atualidade da Enquete, algumas questões
continuam válidas, além disso, a concepção que a sustenta pode ser útil como ponto de partida
para novas enquetes operárias. Por exemplo, talvez o problema do estranhamento no processo
produtivo possa ser melhor investigado e combatido através de enquetes operárias, que
poderiam ser elaboradas partindo da concepção da Enquete de 1880.

Boa parte dos movimentos sociais e sindicais separam a luta por saúde da luta pela libertação
do trabalho, a Enquete Operária não comete este erro. No limite, trabalho livre é saudável, e o
trabalho saudável só o será se for livre. A obra de Marx, a Enquete inclusive, capta essa
dimensão importante das lutas por saúde no trabalho e pela libertação deste, por isso não
separa uma da outra. Houve um intenso desenvolvimento das forças produtivas depois de
Marx, tornando ainda mais concreta a possibilidade de existência de trabalho livre e saudável,
o que não ocorre devido à exigência de valorização do capital. Porque o trabalho livre e
saudável é ainda mais possível no tempo presente, a não separação das lutas por saúde do
trabalhador e libertação do trabalho, como na Enquete, é bastante atual. Além disso, a
atualidade da Enquete Operária está também na valorização que ela promove do saber dos
trabalhadores.

Por fim, afirmar a atualidade da forma enquete operária não significa sobrevalorizá-la, trata-se
de um mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora que pode ser
empregado por movimentos sociais, sindicatos e até em estudos e ações do campo Saúde do
Trabalhador. Mas as enquetes precisam partir e expressar teorias e práticas avançadas, é isso
que explica a força da Enquete de 1880.
56

4.2 Estrutura das empresas e acidentes de trabalho

Na primeira seção da Enquete, Marx (1982) procura se informar sobre o porte da empresa e a
natureza do processo produtivo em que está inserido o operário para, dessa forma, investigar e
compreender os acidentes de trabalho e suas consequências As questões abordam os seguintes
temas. Qual o ofício do trabalhador? A fábrica pertence a um capitalista ou é uma sociedade
anônima? Qual o número de operários e quais as idades e o sexo deles? Qual idade mínima
para ingressar na empresa? Havia aprendizes? Empregavam-se trabalhadores por tempo
determinado? A empresa vendia para o mercado nacional ou exportava a produção? A
empresa estava localizada no campo ou na cidade? O trabalhador completava sua renda com
outro trabalho, caso a fábrica estivesse localizada no campo? Como era realizado o trabalho, à
mão ou com auxílio de máquinas? Como era a divisão do trabalho na fábrica? Utilizava-se o
vapor como força motriz? Qual a fadiga muscular e nervosa? Como o trabalho afetava a saúde
do trabalhador? Quais as condições higiênicas da fábrica: sanitários e limpeza em geral?
Ventilação? Caiação das paredes? Ruído? Pó? Umidade? Havia vigilância do Estado em
relação às condições higiênicas do local de trabalho? Havia emanações nocivas? A fábrica
estava abarrotada de máquinas? Que tipo de combustível era empregado na fábrica? Gás?
Petróleo? Havia saídas de emergência para o caso de incêndios? Em caso de trabalho
domiciliar, utilizam-se ferramentas e pequenas máquinas? Empregam-se os filhos como
auxiliares? Vendia-se para clientes particulares ou empresas? Além disso, Marx (1982)
solicita que os operários enumerem os acidentes, questiona se as máquinas estavam
protegidas, se a empresa estava legalmente obrigada a indenizar o trabalhador em caso de
acidentes e se houve indenizações aos acidentados. Na última parte da Enquete, Marx (1982)
retorna aos acidentes de trabalho, questiona se no ofício ou oficina do operário havia
sociedades de socorro mútuo para os casos de acidentes, enfermidades, morte, viuvez e
incapacidade.

Como vimos anteriormente, investigações sobre as condições de vida e de saúde dos


trabalhadores não são estranhas ao marxismo. Engels (2010) relatou a situação da classe
trabalhadora inglesa em meados do século XIX. Marx (2014b) também estudou as condições
de saúde e segurança dos operários ingleses, utilizou, para isso, relatórios produzidos por
inspetores de fábrica. Em sua obra máxima, O Capital, Marx (2014b) expõe e discute
acidentes e perigos a que estavam expostos os trabalhadores ingleses, o autor mostra que são
os processos de produção que, no limite, explicam os acidentes:
57

Todos os órgãos dos sentidos são igualmente feridos pela temperatura


artificialmente elevada, pela atmosfera carregada de resíduos de matéria-
prima, pelo ruído ensurdecedor etc., para não falar do perigo mortal de se
trabalhar num ambiente apinhado de máquinas, que, com a regularidade das
estações do ano, produz seus boletins de batalha industrial. Ao mesmo
tempo, a economia nos meios sociais de produção, que no sistema de fábrica
atingiu pela primeira vez sua maturidade, transforma-se, nas mãos do capital,
em roubo sistemático das condições de vida do operário durante o trabalho:
roubo do espaço, ar, luz, e meios de proteção pessoal contra as
circunstâncias do processo de produção que apresentem perigo para a vida
ou sejam insalubres, para não falar de instalações destinadas a aumentar a
comodidade do trabalhador (MARX, 2014b, p. 497-498-499).
No trecho citado acima, além de relacionar os problemas de saúde dos trabalhadores com os
processos produtivos, Marx (2014b) esboça os traços principais dos acidentes e do trabalho
industrial na Inglaterra do século XIX. Na Enquete, Marx (1982) investiga se os mesmos
problemas começavam a afetar também os trabalhadores franceses, as questões elaboradas
pelo autor partem das observações e análises do trabalho industrial inglês. A relação entre o
processo de produção e os problemas de saúde não aparece diretamente, mas está presente no
Questionário. Podemos demonstrar isso comparando a Enquete com O Capital. Neste, Marx
(2014b) cita um relatório de inspeção de fábrica que trata dos acidentes com crianças inglesas
durante a limpeza de máquinas automáticas de fiar:

É possível que as self-acting mules sejam máquinas tão perigosas quanto


quaisquer outras. A maior parte dos acidentes ocorrem com crianças
pequenas, e precisamente porque engatinham por baixo das mules para
varrer o chão, enquanto as máquinas ainda estão em movimento. Diversos
minders ‘(trabalhadores que operam as mules) foram processados
judicialmente’ (pelos inspetores de fábrica) ‘e condenados ao pagamento de
multas em razão desse procedimento, porém sem que disso resultasse
qualquer benefício geral. Se os fabricantes de máquinas pudessem ao menos
inventar um varredor automático, cujo uso dispensasse essas crianças
pequenas de engatinhar por baixo da máquina, eles dariam uma bela
contribuição a nossas medidas preventivas. (Reports of Insp. of Factories for
31st October. 1866, p. 63, apud MARX, 2014b, p. 493).
Marx (2014b) conhecia os perigos relacionados à limpeza de máquinas a partir do que
relataram os inspetores fabris ingleses. Sabia que o problema estava relacionado ao processo
de valorização do capital, ou seja, à necessidade de acumulação, manutenção dos lucros e
funcionamento ininterrupto das máquinas. Esta possibilidade derivada da teoria marxista foi
reforçada através dos relatórios dos inspetores fabris. Na Enquete, Marx (1982) pergunta qual
idade com que as crianças começavam a trabalhar, além disso, investiga se os operários
franceses enfrentavam os mesmos problemas de saúde e segurança que os ingleses. Isso
aparece na questão 43: “As máquinas são limpas por operários especialmente designados para
isto ou são gratuitamente limpas pelos operários que trabalham com elas durante o dia?”
58

(MARX, 1982, p. 252). Esta questão é interessante por ter relação direta com os acidentes de
trabalho que ocorriam nas indústrias do século XIX, como, não raro, os operários eram pagos
por tarefa, ou por peça, e a limpeza das máquinas não era remunerada, os trabalhadores eram
forçados a fazer a limpeza das máquinas em funcionamento, o que provocava acidentes. É por
essa razão que, na Enquete, Marx (1982) indaga se a limpeza era realizada por operários
especialmente designados para isso. Percebe-se, dessa forma, que Marx (1982) procura
relacionar os acidentes aos processos de produção, inclusive considerando o trabalho real
realizados no dia a dia. Se é verdade que, por um lado, os processos produtivos se
transformaram, também é verdadeiro que a análise destes continua sendo fundamental para a
compreensão e combate aos agravos à saúde dos trabalhadores. Vilela, Almeida e Mendes
(2012, p. 2818) afirmam que “acidentes são influenciados por aspectos da situação imediata
de trabalho como maquinário, a tarefa, o meio técnico ou material, mas também pelas relações
de trabalho, cuja determinação situa-se na sua organização.” Utilizando as técnicas da
ergonomia da atividade, os autores estudaram a acidentalidade num frigorífico, concluíram
que a gênese dos agravos à saúde dos trabalhadores da empresa estudada estava na
organização do processo produtivo: trabalho intenso, precariedade dos meios técnicos
(sistema de abate arcaico, inadequação das luvas), absenteísmo, alta rotatividade,
recrutamento de pessoal inexperiente e práticas de gestão autoritárias. A intensificação do
trabalho causava fatiga, absenteísmo e alta rotatividade. Acidentes ocorriam devido ao
deslocamento de trabalhadores inexperientes para cobrir faltas e demissões. As relações de
trabalho autoritárias reforçavam o ciclo vicioso, já que limitavam as margens de regulação
dos operadores. Ainda que não tenha analisado e aprofundado o estudo sobre um ramo de
atividade específico, pode-se dizer que a ideia segundo a qual os acidentes devem ser
explicados a partir do processo de produção já estava presente no pensamento marxista, na
Enquete inclusive. Posteriormente, esta ideia seria retomada e aplicada pelos pesquisadores do
campo Saúde do Trabalhador,

O mesmo relatório de inspeção fabril citado anteriormente relata a ocorrência de acidentes


relacionando-os aos dias da semana e à limpeza das máquinas:

Mas [...] agora existem novas fontes de acidentes que não existiam há vinte
anos, especialmente a velocidade aumentada da maquinaria. Rodas,
cilindros, fusos e teares são, agora, movidos com uma força maior, e em
constante aumento; os dedos têm de agarrar o fio quebrado com mais rapidez
e segurança porque, se colocados com hesitação ou descuido, são
sacrificados. [...] Um grande número de acidentes é causado pela pressa dos
trabalhadores em executar sua tarefa. Devemos recordar que é da maior
importância para os fabricantes que sua maquinaria seja mantida
59

ininterruptamente em movimento, isto é, produzindo fio e tecido. Cada


parada de um minuto é não apenas uma perda de força motriz, mas de
produção. Por isso, os trabalhadores são incitados pelos supervisores,
interessados na quantidade da produção, a manterem a maquinaria em
movimento – e isso não é de pouca importância para operários que são pagos
por peso ou por peça. Embora na maioria das fábricas seja formalmente
proibido limpar as máquinas quando estas se encontram em movimento, tal
prática é geral. Só essa causa produziu, durante os últimos seis meses, 906
acidentes. [...] Embora a tarefa de limpeza seja realizada diariamente, o
sábado é geralmente reservado para a limpeza completa da maquinaria, e
isso ocorre, na maior parte do tempo, enquanto ela está em movimento. [...]
Por ser esta uma operação não remunerada, os operários procuram concluí-la
o mais rápido possível, razão pela qual o número de acidentes às sextas-
feiras e especialmente aos sábados é muito maior do que nos outros dias da
semana. Às sextas-feiras, o excedente de acidentes ultrapassa em cerca de
12% o número médio dos quatro primeiros dias da semana; aos sábados, esse
número é 25% maior do que a média dos 5 dias anteriores; porém, levando-
se em conta que a jornada de trabalho fabril aos sábados é de somente 7 ½
horas e de 10 ½ horas nos demais dias da semana, o excedente sobe para
mais de 65% (Reports of Insp. of Factories for 31st October. 1866, p. 9, apud
MARX, 2014b, p. 498).
O longo trecho que citamos acima é importante porque relaciona os acidentes ao processos de
produção, mostra que aqueles são determinados, em última instância, por este, como
preconiza o campo Saúde do Trabalhador. Não é a imprudência dos trabalhadores que causa
acidentes, estes são provocados, no exemplo citado acima, pela intensificação do trabalho
causada tanto pelo aumento do ritmo da produção quanto pelas formas pagamento, no caso o
salário por peça. É por essa razão que Marx (1982), na Enquete, questionou se os operários
eram pagos tempo ou por tarefa. A teoria econômica de Marx (2014b) ensina que a taxa de
lucros é a variável fundamental do modo capitalista de produção. O autor mostra que os
capitalistas são forçados a reinvestir seus lucros na produção para aumentar a competitividade
e sobreviver à concorrência. Entretanto, Marx (2014b) não para neste ponto, por saber que o
processo de produção afeta diretamente as condições de vida e saúde dos operários, o autor
buscou materiais e relatos que pudessem fundamentar e exemplificar sua teoria econômica
empiricamente, para isso se valeu dos relatórios de inspetores de fábrica, que conheciam de
perto os problemas do trabalho. Interessante notar que, no trecho citado anteriormente, os
acidentes ocorrem no processo de trabalho, ou seja, na relação do trabalhador com os objetos
e meios de trabalho, entretanto, é o processo de valorização do capital que intensifica o
trabalho provocando os acidentes. Por essa razão, é preferível utilizar a categoria processo de
produção entendida como unidade dos processos de trabalho e de valorização nos estudos de
ST.
60

Laurell e Noriega (1989) estudaram a acidentalidade numa empresa de mineração e siderurgia


do México, as informações fornecidas pela empresa apontavam as seguintes causas para os
acidentes ocorridos entre março de 1984 e fevereiro de 1985: ato inseguro 65,5%, falta de
conhecimento 12,45%, não utilização de equipamento de proteção 9,22%, condição insegura
7,35%, causas múltiplas 4,98%, atividades não propriamente de trabalho 0,25%. De acordo
com os autores, eram classificados como atos inseguros as práticas que se afastavam das
instruções para realização das tarefas, dessa forma, este conceito associava a causa dos
acidentes à indisciplina dos trabalhadores em relação às normas e regras estabelecidas,
escondendo, portanto, o fato de que a execução real do trabalho não seguia exatamente as
normas e instruções. Laurell e Noriega (1989) argumentam que a questão não era afirmar,
como fazia a empresa, que os acidentes eram causados por condutas equivocadas dos
trabalhadores, importante seria investigar e esclarecer por que ocorriam condutas
inadequadas. Que determinações do processo de produção provocavam condutas equivocadas
dos trabalhadores? Era possível cumprir todas as normas e instruções de segurança e ainda
assim manter o processo produtivo e atingir as metas estabelecidas? Segundo os autores, era a
natureza do trabalho executado que determinava a probabilidade de acidentes, e não as
condutas equivocadas. Para Laurell e Noriega (1989), era significativo que as taxas mais altas
de acidentes ocorressem entre os trabalhadores de manutenção, que não raro executavam suas
tarefas com as máquinas funcionando. Ou seja, a causa dos acidentes devia ser buscada no
processo de produção, que não podia parar, e não em supostas condutas equivocadas, também
aqui é o processo de valorização do capital que explica a acidentalidade.

Ainda que não aprofunde a análise da acidentalidade em ramos de produção e postos de


trabalho específicos, como se faz no campo Saúde do Trabalhador, pode-se dizer que a
Enquete de Marx (1982) é atual porque relaciona os processos sociais e econômicos em
situações historicamente determinadas com as condições de vida e saúde dos trabalhadores.
Lima e Samohyl (1986) discutem os determinantes da insegurança no trabalho, os autores
afirmam que os desenvolvimentos tecnológicos têm reduzido o esforço físico no trabalho, mas
sem reduzir o desgaste real do trabalhador, que se torna responsável por um número maior de
máquinas conforme estas vão se automatizando. O aumento incessante do ritmo de trabalho
inviabiliza as medidas preventivas, aumenta a fatiga, cria situações estressantes, provoca
problemas osteomusculares e pode causar acidentes. Além disso, os autores ressaltam que,
conforme o trabalhador vai perdendo o controle sobre o processo produtivo e assumindo o
papel de simples vigilante da produção, perde-se o caráter consciente e proposital do trabalho
61

humano, ou seja, o mais poderoso meio de libertação do esforço e do tempo de trabalho, o


desenvolvimento tecnológico, acaba produzindo desgaste físico e mental dos trabalhadores.
Lima e Samohyl (1986) afirmam que o uso da ciência e da tecnologia para incremento da
mais-valia não permite que parcelas do excedente social produzido sejam destinadas ao
desenvolvimento de conhecimentos básicos ou aplicação dos já existentes para a melhoria da
insalubridade, da periculosidade e das condições de vida. Este argumento desenvolvido por
Lima e Samohyl (1986) para discutir os determinantes da insegurança do trabalho está
presente em Marx (1982, 2014b).

Por fim, é importante destacar que, em O Capital, quando trata de acidentes de trabalho, Marx
(2014b) jamais responsabiliza os trabalhadores, para o autor, tratava-se sempre de entender os
acidentes a partir da dinâmica do processo de produção. Neste ponto o pensamento marxista
antecipa as práticas que posteriormente seriam adotadas no campo Saúde do Trabalhador.

4.3 Jornadas e intensidade do trabalho

Questões sobre jornadas e intensidade do trabalho aparecem, principalmente, nas seções I, II e


III da Enquete de 1880. Estas perguntas foram elaboradas a partir das análises e observações
realizadas anteriormente por Marx, especialmente em O Capital. Optamos por discutir
jornadas e intensificação do trabalho juntas porque, como mostraremos, ambas estão
diretamente relacionadas. Marx (2014b) afirma que, devido aos limites físicos dos homens, a
intensificação do trabalho só é possível se acompanhada de reduções da jornada, mostrando,
portanto, que uma e outra estão diretamente relacionadas. De qualquer forma, antes de
iniciarmos a discussão é importante definir o que são as jornadas e a intensidade do trabalho,
depois analisaremos como essas questões aparecem na Enquete e em textos do campo Saúde
do Trabalhador.

A jornada de trabalho é aqui entendida como o número de horas trabalhadas em dado espaço
de tempo, por exemplo: 8, 10, 12 ou 14 horas por dia. Marx (2014b) mostra que as jornadas
não são fixas, que variam no tempo e no espaço e são determinadas pela interação de diversos
fatores. O autor afirma que o valor da força de trabalho é determinado pelo tempo
socialmente necessário para sua produção e reprodução, ele chama este período da jornada de
tempo necessário. Segundo Marx (2014b), no capitalismo as jornadas se dividem em duas
partes: o tempo necessário para reproduzir e repor o valor da força de trabalho e o tempo
excedente, ou sobretabalho, que é apropriado pelo capitalista. A primeira parte corresponde ao
62

tempo socialmente necessário para produzir meios de vida requeridos para garantir a
sobrevivência do trabalhador. A segunda parte da jornada de trabalho, o tempo excedente,
forma a mais-valia que é apropriada pelo capitalista. A partir da relação trabalho
excedente/trabalho necessário, Marx (2014b) calcula a taxa de mais-valia, ou taxa de
exploração. Por exemplo: se uma jornada de 12 horas diárias estiver dividida em 6 horas de
trabalho necessário e outras 6 horas de trabalho excedente, a taxa de mais-valia será de 100%.
A luta pelo aumento da taxa de mais-valia é constante no modo capitalista de produção. Ou
seja, o processo de valorização do capital determina o processo de trabalho, e o inverso é
verdadeiro. A ampliação da taxa de mais-valia pode ser atingida de duas maneiras: pelo
prolongamento das jornadas (mais-valia absoluta), ou então pelo aumento do trabalho
excedente em relação ao necessário (mais-valia relativa). Importante destacar que o capital
pode tentar se valer da combinação da mais-valia absoluta com a relativa. Entretanto, os
limites físicos do trabalhadores impõe barreiras à combinação de jornadas ampliadas e
trabalho intensificado. Marx (2014b) mostra que, no início do capitalismo, os aumentos das
taxas de mais-valia foram obtidos através do prolongamento das jornadas, posteriormente,
cresceu a resistência da classe trabalhadora e os capitalistas privilegiaram a exploração da
mais-valia relativa.

De acordo com Marx (2014b), a barreira ao prolongamento das jornadas é duplamente


determinada. Por um lado se impõem os limites físicos, os homens precisam dormir, comer,
tomar banho. Além destas necessidades, o prolongamento das jornadas é bloqueado por
barreiras morais:

O trabalhador precisa de tempo para satisfazer as necessidades intelectuais e


sociais, cuja extensão e número são determinados pelo nível geral de cultura
de uma época, a variação da jornada de trabalho se move, assim, no interior
de limites físicos e sociais, porém ambas as formas de limites são de
natureza muito elástica e permitem as mais amplas variações. Desse modo,
encontramos jornadas de trabalho de 8, 10, 12, 14, 16, 18 horas, ou seja, das
mais distintas durações (MARX, 2014b, p. 306).
A intensificação do trabalho é definida por Marx (2014b) como elevação do esforço,
preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho, maior dispêndio de trabalho no
mesmo tempo. Ou, dito de outra forma, com a intensificação o trabalhador produz mais
valores de uso numa mesma unidade de tempo, os aumentos da taxa de exploração que eram
realizados através de ampliações das jornadas e via mais-valia absoluta passam ser obtidos
através da mais-valia relativa. A magnitude intensiva, ou de grau, se impõe sobre a magnitude
extensiva. Entretanto, Marx (2014b) ressalta que, há sempre um ponto nodal na produção a
63

partir do qual aumentos da intensidade e das jornadas se excluem, os limites físicos dos
trabalhadores impedem que jornadas e intensidade sejam ampliadas ao mesmo tempo. Em
geral, a eficiência da força de trabalho cai à medida que as jornadas são ampliadas, por outro
lado, com a redução destas, em situações historicamente determinadas, o capital é capaz
compensar no grau de exteriorização do trabalho o que perde na redução da duração deste.
Marx (2014b) constata que na metade do século XVIII, na Inglaterra, país com as forças
produtivas mais desenvolvidas à época, o capital, através da intensificação do trabalho,
compensou com vantagem as reduções nas jornadas. Na Enquete Operária, Marx (1982)
investiga se as reduções na jornada estavam sendo acompanhadas de elevações da intensidade
do trabalho também na França, como veremos à frente, o autor tenta avaliar se a tendência
observada na Inglaterra estava se repetindo na França.

A questão da intensificação do trabalho, detectada por Marx (2014b) no final do século XIX,
é extremamente atual e importante para as pesquisas e atuações em Saúde do Trabalhador. É
possível afirmar que a produtividade é ampliada e os processos de trabalho são
revolucionados com o objetivo de maximizar lucros em grande medida através da
intensificação do trabalho, o que causa graves problemas de saúde nos trabalhadores. Marx
(2014b, p. 460):

Se à primeira está claro que a grande indústria tem de incrementar


extraordinariamente a força produtiva do trabalho por meio da incorporação
de enormes forças naturais e das ciências da natureza ao processo de
produção, ainda não está de modo algum claro que, por outro lado, essa
força produtiva ampliada não seja obtida mediante um dispêndio aumentado
de trabalho.
Ferreira (2001) afirma que, atualmente, os aumentos da produtividade decorrentes da
reestruturação produtiva resultam basicamente da intensificação do trabalho. De acordo com a
autora, os trabalhadores que se mantiveram empregados durante a reestruturação produtiva
estão trabalhando mais e mais intensamente. Ferreira (2001) ressalta ainda a importância de se
diferenciar produtividade de intensificação. A primeira seria o quociente entre a quantidade
que se produz e o que é necessário para produzi-la, em geral pode ser medida por meio de
índices numéricos. Já a intensificação é difícil de ser medida numericamente porque se
relaciona ao esforço despendido no trabalho.

Rosso (2008) relaciona a intensificação ao aumento do grau de dispêndio de energias dos


trabalhadores. O autor também ressalta a importância de diferenciar produtividade de
intensidade. Rosso (2008) afirma que, apesar de não ser homogêneo, está em curso um
64

processo de intensificação do trabalho, especialmente nos ramos de atividade em que a


concorrência é maior. Além disso, o autor destaca a importância de considerar não só a
dimensão física do esforço relacionado ao trabalho intensificado, é preciso ter em conta
também a dimensão emocional e cognitiva, que tem sido mais exigida à medida que avançam
as formas flexíveis de produção e os empregos no setor de serviços, neste último a
intensificação aparece na exigência crescente por qualidade. Rosso (2008) associa os
processos de trabalho mais flexíveis e intensificados a problemas de saúde como LER,
estresse, depressão, hipertensão e gastrite.

Pina e Stolz (2011) analisaram a intensificação do trabalho ocorrida no Brasil, a partir da


década de 1990, através da regulamentação do dispositivo conhecido como Banco de Horas
pela Lei nº 9.601, de 21 de janeiro de 1998, e pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de
agosto de 2001. Os autores ressaltam que, mesmo antes das legislações citadas, as mudanças
na administração do tempo de trabalho já eram objetos de acordos coletivos. Ou seja, a Lei
sancionou e regulamentou uma prática que já começava a acontecer. Pina e Stolz (2011)
mostraram como o Banco de Horas permite que as empresas se ajustem às oscilações da
demanda sem ampliar o pessoal empregado e, inclusive, sem pagar horas extras, já que o
tempo extraordinário é descontado posteriormente. Entretanto, os autores ressaltam que, como
as empresas utilizam o Banco de Horas para responder às oscilações da demanda, as horas
trabalhadas a mais envolvem maior dispêndio de energia do que as descontadas, isso porque
as empresas solicitam mais horas de trabalho quando a demanda está alta e obrigam os
trabalhadores a tirar folgas quando o ciclo se inverte. Utilizando a imagem de Marx (2014b), é
possível afirmar que a porosidade das horas trabalhadas é menor do que a das horas
compensadas. Essa possibilidade de ajustar o pessoal ocupado à demanda provoca
intensificação do trabalho. Os autores destacam ainda que, nas folgas dos trabalhadores que
descontam horas, o pessoal que está trabalhando sofre com a intensificação porque é obrigado
a se deslocar para cobrir as tarefas dos que estão de folga. O que também caracteriza
intensificação do trabalho. Além disso, Pina e Stolz (2011, p. 173) afirmam que o Banco de
Horas afeta do descanso dos trabalhadores:

O prolongamento e a intensificação do trabalho empreendem,


simultaneamente, a dilatação do tempo de trabalho e a diminuição do tempo
de não trabalho durante a jornada, ambos determinantes do desgaste
operário. No mesmo processo, ampliam os condicionantes e os limites do
tempo de não trabalho fora da jornada: a reposição e o desenvolvimento de
capacidades biopsíquicas podem ser comprometidos pela insuficiente
quantidade e qualidade do repouso, pela energia despendida no
estudo/capacitação e nos deslocamentos residência-trabalho/estudo-
65

residência. Há ainda o fato de que, somente depois de um longo período,


parte do tempo de trabalho já efetivado pode se expressar em tempo de não
trabalho, por ocasião das folgas (individuais ou coletivas).
No final do século XIX o capitalismo industrial ensaiava os primeiros passos para a produção
em massa, que viria depois com a implantação dos processos de produção tayloristas e
fordistas. Os métodos de produção mais flexíveis, associados ao toyotismo e à exigência de
maior dispêndio de energias emocionais e psíquicas, só se consolidariam nos setores de ponta
da economia mundial muitos anos depois da publicação da Enquete Operária. Entretanto,
Marx (1982) percebe a tendência de crescimento das exigências de engajamento emocional e
psíquico, a 15º questão da Enquete pergunta qual a fadiga nervosa imposta pelo trabalho e
como esta repercute sobre a saúde dos trabalhadores.

Marx (2014b) mostra que a inserção de maquinaria no processo produtivo, que ganhou força
na Inglaterra, no final do século XVIII, foi um meio poderoso de ampliação das jornadas e da
intensidade do trabalho. Isso porque, desde então, as máquinas passaram a controlar e ditar o
ritmo de trabalho. Nas corporações de ofício os trabalhadores conheciam praticamente todo o
processo produtivo e, sobretudo, controlavam o ritmo de trabalho. Com a superação das
corporações de ofício e a consolidação do capitalismo industrial, o ritmo de trabalho deixou
de ser comandado pelos trabalhadores e passou a ser ditado pelas máquinas a serviço da
acumulação de capital e do aumento das taxas de lucro. A partir de então ampliaram-se as
jornadas e intensificou-se o trabalho. Esse duplo movimento foi bastante prejudicial à saúde
dos trabalhadores. Marx (2014b, p. 349-350) descreve o prolongamento das jornadas de
trabalho da seguinte forma:

Depois de o capital ter levado séculos para prolongar a jornada de trabalho


até seu limite normal e, então, ultrapassá-lo até o limite do dia natural de 12
horas, ocorreu desde o nascimento da grande indústria no último terço do
século XVIII, um violento e desmedido desmoronamento, qual uma
avalanche. Derrubaram-se todas as barreiras erguidas pelos costumes e pela
natureza, pela idade e pelo sexo, pelo dia e pela noite. Mesmo os conceitos
de dia e noite, de uma simplicidade rústica nos antigos estatutos, tornaram-se
tão complicados que em 1860 um juiz inglês precisava de uma sagacidade
talmúdica para explicar ‘judicialmente’ o que era dia e o que era noite. O
capital celebrou suas orgias28.
Para Marx (2014b), além de possibilitar a ampliação das jornadas e da intensidade do
trabalho, ainda que não ao mesmo tempo, a introdução de máquinas nos processos produtivos

28
Interessante observar que, Marx (2014b, p. 350) faz uso de uma expressão literária e irônica para
fechar sua descrição dos processos sociais desumanos relacionados à ampliação das jornadas de
trabalho: “O capital celebrou suas orgias.” Este procedimento é recorrente na obra marxista.
66

reduziu a importância da força muscular, permitindo, dessa forma, o emprego de mulheres e


crianças, que passaram também a sofrer com doenças e acidentes de trabalho. De acordo com
o autor, nos ramos de atividade que exigem maior flexibilidade dos membros, o trabalho
infantil e feminino costuma ser ainda mais rentável. Além disso, o emprego de mulheres e
crianças aumenta a oferta de trabalho e o exército industrial de reserva29 pressionado e
enfraquecendo a resistência dos operários30. O tempo de trabalho necessário do homem, que
antes englobava a reprodução social do trabalhador e sua família, é dividido entre os
familiares que trabalham, e se reduz:

Ao lançar no mercado de trabalho todos os membros da família do


trabalhador, a maquinaria reparte o valor da força de trabalho do homem
entre sua família inteira. Ela desvaloriza, assim, sua força de trabalho. É
possível, por exemplo, que a compra de uma família parcelada em quatro
forças de trabalho custe mais do que anteriormente a compra da força de
trabalho de seu chefe, mas, em compensação temos agora quatro jornadas de
trabalho no lugar de uma, e o preço delas cai na proporção do excedente de
mais-trabalho dos quatro trabalhadores em relação ao mais-trabalho de um.
Para que uma família possa viver, agora são quatro pessoas que têm de
fornecer ao capital não só o trabalho, mas mais-trabalho. Desse modo, a
maquinaria desde o início amplia, juntamente com o material humano de
exploração, ou seja, com o campo de exploração propriamente dito do
capital, também o grau de exploração. (MARX, 2014b, p. 468-469).
Marx (2014b) mostra como a introdução de mulheres e crianças no processo produtivo
desestruturou as famílias, impedindo não só as brincadeiras das crianças como também o
trabalho livre que existia no círculo doméstico, impactando negativamente sobre as condições
de vida e de saúde.

Na Enquete Operária, Marx (1982) investiga se, na França, a introdução de máquinas no


processo produtivo provocou o emprego de mulheres e crianças, como já havia acontecido na
Inglaterra. Na primeira parte da Enquete, o autor questiona o grau de automação dos
processos produtivos e o emprego de trabalho infantil nestes. Marx (1982) solicita, na questão

29
Segundo Marx (2014b), o exército industrial de reserva é a população trabalhadora excedente
resultante do processo de produção capitalista. Esta população é, para o autor, condição de existência
do capitalismo por duas razões principais: pode ser empregada nos períodos de expansão econômica e,
além disso, pressiona para baixo o preço da força de trabalho.
30
Metzger, Maugeri e Benedetto-Meyer (2012) discutem a relação entre formas de gestão de pessoal e
violência no trabalho, os autores ressaltam que os trabalhadores atuais são submetidos pelas gerências
em função do exército de reserva formado por milhões de desempregados dispostos a aceitar qualquer
trabalho, além disso, os autores destacam que as possibilidades de deslocamento do capital são
maiores no presente, o que reforça a pressão sobre os trabalhadores e diminui a capacidade de
reivindicação destes. Sendo assim, é possível afirmar que o capital continua se valendo do exército de
reserva para enfraquecer a resistência dos trabalhadores.
67

4, que os respondentes indiquem a idade e o sexo dos operários com os quais trabalham. Na
questão 5, prossegue a investigação sobre o trabalho infantil: “Qual a idade mínima em que as
crianças (meninos ou meninas) começam a trabalhar?” (MARX, 1982, p. 250). Na questão 12,
Marx (1982) pergunta se o trabalho é realizado à mão ou com o auxílio de máquinas.
Objetiva, com isso, compreender o grau de automação nos diferentes processos produtivos
associando-o às condições de vida e de saúde dos operários. Na segunda parte da Enquete,
Marx (1982) pergunta, nas questões 38 e 39, se há turnos de menores de idade e se as lei
relativas ao trabalho infantil eram colocadas em prática. O autor questiona os respondentes
sobre o trabalho feminino na terceira parte da Enquete31. Na questão 63, perguntam-se quais
eram os salários das mulheres e das crianças. Na questão 66, Marx (1982) indaga qual o
salário do operário, da sua mulher e filhos. O autor formula questões a partir das análises e
observações que havia registrado em O Capital, que, por sua vez, baseiam-se, principalmente,
nos processos de produção observados na Inglaterra do século XIX. Tratava-se de examinar
se os processos sociais que ocorriam na França repetiam o padrão observado na Inglaterra,
que era a sociedade com o mais alto grau de desenvolvimento das forças produtivas. Neste
país, o emprego de mulheres e crianças enfraqueceu o movimento sindical e contribuiu para a
precarização das condições de vida, de trabalho e de saúde. Interessante notar que, com sua
Enquete, Marx (1982) não pretendia apenas se informar sobre a realidade francesa, tratava-se
também de informar e politizar os trabalhadores sobre a dinâmica do modo capitalista de
produção, ou seja, em alguma medida a Enquete procura sinalizar para os trabalhadores
franceses possíveis tendências de desenvolvimento do capitalismo.

Para Marx (2014b), a variável chave do modo capitalista de produção é a taxa de lucros32,
como está só pode ser ampliada a partir do trabalho vivo, o capital precisa aumentar a mais-
valia reduzindo os salários, precisa ampliar o tempo de trabalho excedente reduzindo o tempo

31
Heloani (2011) destaca que cresceu a utilização de máquinas-ferramentas no processo produtivo a
partir do final do século XIX, estas possibilitaram emprego de trabalhadores não especializados. O
autor ressalta ainda que, décadas depois, foi o aperfeiçoamento das máquinas-ferramentas que
permitiu o emprego de trabalhadores semi-especializados após poucos dias de treinamento, entre estes
muitas mulheres, possibilitando, dessa forma, a substituição de trabalhadores homens e o envio destes
para os campos de batalha durante a Primeira Guerra Mundial. Sendo assim, é possível afirmar que, a
Enquete captou e investigou uma tendência de desenvolvimento do capitalismo que se consolidaria e
aprofundaria décadas depois, como mostrou Heloani (2011).
32
Segundo Marx (2014b), a taxa de lucros é obtida pela divisão da mais-valia pela soma dos capitais
constante (máquinas, equipamentos e instalações) e variável (salários). Sendo assim, o capital procura,
de todas as formas, aumentar a mais-valia reduzindo os salários. Importante ressaltar que esse duplo
movimento se choca com os interesses da classe trabalhadora e, por essa, razão, encontra forte
resistência.
68

necessário para reproduzir e repor o valor da força de trabalho. Este movimento foi
parcialmente realizado, no século XIX, através da inserção de mão de obra feminina e infantil
nos processos produtivos, ampliou-se a força de trabalho e a geração de mais-valia sem que os
salários crescessem na mesma proporção. Na Enquete, Marx (1982) procura constatar a
ocorrência deste fenômeno na França e, além disso, tenta politizar e fortalecer a posição dos
trabalhadores na luta contra o que considerava uma tendência do capital: a proletarização e a
deterioração das condições de vida, saúde e trabalho. Importante destacar que, para Marx
(2014a, 2014b), tratava-se pensar a deterioração das condições de vida e trabalho não apenas
em seus aspectos materiais, através da capacidade de consumo, por exemplo; para o autor,
importava, também, pensar a desumanização provocada pelo trabalho estranhado, pelo
bloqueio da possibilidade de realização do trabalhador através do seu trabalho. Talvez esta
seja a mais radical das críticas marxistas ao modo de produção capitalista, ainda que possa
permitir a ampliação das possibilidades de consumo dos trabalhadores devido ao
desenvolvimento das forças produtivas, o capitalismo não pode permitir que estes controlem o
que, como, com que ritmo e quanto produzem, essa incapacidade de determinação do próprio
trabalho causa desrealização e estranhamento. Este tema tem sido abordado no campo Saúde
do Trabalhador, por exemplo, discutindo o trabalho repetitivo numa fábrica de metais,
Assunção (2013, p. 180) registra:

Na linha de montagem, a intensidade do ritmo de trabalho e a simplicidade


de operações não permitem a expressão da imaginação, gerando um conflito.
De um lado, o pequeno leque de possibilidades de criação; de outro, a
intensidade da atividade motora requerida. Sob esse ritmo, o trabalhador fica
exposto, ao mesmo tempo, à insuficiência de estimulação e à
hipersolicitação de movimentos.
A grande indústria nasceu na Inglaterra, no final do século XVIII, como coloca Marx (2014b).
Posteriormente, os processos de produção típicos do capitalismo industrial se espalharam para
outros países, os problemas relacionados à saúde dos trabalhadores idem. Na Enquete
Operária, Marx (1982) procura saber se os prolongamentos das jornadas de trabalho
associados à consolidação da grande indústria já estavam presentes na França do final do
século XIX. Exemplos. Questão 41: “Se há trabalho diurno e noturno, que sistema de turnos
se aplica?” (MARX, 1982, p. 252). Questão 42: “Qual é o número habitual de horas
extraordinárias durante os períodos de maior atividade industrial?” (MARX, 1982, p. 252).
Além de investigar a ampliação das jornadas, esta última pergunta mostra que a prática de
responder às oscilações positivas da demanda com horas extras, associada aos processos de
trabalho flexíveis e à reestruturação produtiva, já era conhecida no final do século XIX. Na
69

perspectiva marxista, a aplicação e transformação dos processos produtivos só é possível se a


correlação de forças entre as classes sociais permitir. Para Marx (2014b), foi a resistência
operária que forçou a redução das jornadas de trabalho na Inglaterra em meados do século
XIX. Escrevendo sobre a França, o autor registra que a jornada de 12 horas diárias foi
conquistada apenas com a Revolução de Fevereiro de 1848. Pelo mesmo caminho de
raciocínio, é possível pensar que, o retorno e o reforço da prática de responder às oscilações
positivas da demanda com horas extras, retomada com a reestruturação produtiva, foi possível
devido à correlação de forças desfavorável aos trabalhadores. Mészáros (2014) cita três
exemplos atuais de inversão da tendência de redução das jornadas de trabalho: forte oposição
patronal à lei que tentou fixar as jornadas em 35 horas semanais na Itália; acordo entre a
Volkswagen da Alemanha e os sindicatos para ampliar as jornadas de 35 para 42 horas, de
forma que estas 7 horas adicionais não caracterizem horas extras; aumento das jornadas de 48
para 52 horas semanais no Japão. O autor destaca ainda que, nestes dois últimos países, as
jornadas foram ampliadas apesar das altas taxas de desemprego. Para Basso (2014), as
jornadas de trabalho estão se tornando mais intensas, extensas e difíceis de suportar. O autor
destaca elevações da jornada ocorridas na França: de 35 para 36 horas sem aumento de
salários na Bosch de Vénissieux; de 35 para 38 horas nas fábricas da SEB no Vosges; de 35
para 37,5 na empresa de limpeza Cattinair, com elevação salarial simbólica de 2%; elevação
para 39 horas semanais no setor de hotelaria, neste caso com ampliação salarial de 11%.

Para Marx (2014b), o desenvolvimento das forças produtivas nasce da cooperação e da


divisão do trabalho e, por isso, nada custa ao capital, são forças naturais do trabalho social. O
autor ressalta que, a grande indústria ampliou as forças produtivas sociais incorporando a
ciência aos processos de trabalho. Por outro lado, é possível que parcialmente a elevação do
grau de desenvolvimento das forças produtivas ocorra devido à intensificação do trabalho
(MARX, 2014b). Ou seja, para o autor, em alguma medida o aumento da capacidade
produtiva pode ser obtido através da intensificação do trabalho. A história do capitalismo é
também a história da intensificação do trabalho.

Como vimos anteriormente, no modo capitalista de produção a concorrência é crescente, para


sobreviver, as empresas são forçadas a revolucionar constantemente seus processos de
produção. As empresas que conseguem revolucionar seus processos produtivos, inserindo
novas tecnologias e/ou novas formas de gestão do trabalho, são capazes de oferecer produtos
ou serviços abaixo do preço praticado pelos concorrentes, com isso, seus lucros ultrapassam a
média e só se reduzem quando as inovações se espalham e passam a ser empregadas pelos
70

concorrentes. Marx (2014b, p. 479) se refere a estes curtos períodos em que as inovações são
monopolizadas por uma única empresa com as seguintes palavras:

Durante esse período de transição, em que a indústria mecanizada permanece


uma espécie de monopólio, os ganhos são extraordinários, e o capitalista
procura explorar ao máximo ‘esse primeiro tempo do jovem amor’ por meio
do maior prolongamento possível da jornada de trabalho. A grandeza do
33
ganho aguça a voracidade por mais ganho .
Marx (2014b, p. 479) chama de “período de transição” o espaço de tempo em que um
capitalista monopoliza uma inovação antes que esta seja apropriada e empregada pelos
concorrentes. Isto ocorre porque, para Marx (2014b), as taxas de lucro tendem a se nivelar.
Elevações nos lucros tendem a atrair cada vez mais concorrentes, o que, por fim, reaproxima
os lucros da média. Além disso, é interessante observar que, no trecho acima, Marx (2014b)
associa os períodos em que inovações são monopolizadas por um único capitalista com
ampliações da jornada de trabalho. Esta associação reaparece na questão 42 da Enquete de
Marx (1982, p. 252): “Qual o número habitual de horas extraordinárias durante os períodos de
maior atividade industrial?” Os períodos de maior atividade industrial geralmente estão
relacionados ao ciclo econômico, mas é possível pensá-los também como decorrentes de
inovações tecnológicas ou nas formas de gestão do trabalho que aumentam os lucros. Sabendo
que estes aumentos tendem a desaparecer em pouco tempo, os capitalistas procuram ampliar
as jornadas para aproveitar ao máximo a conjuntura favorável.

Além de associar a ampliação das jornadas aos períodos em que as inovações produtivas são
monopolizadas por um único capitalista, Marx (2014b, p. 477) associa também o “desgaste
moral” das máquinas às ampliações das jornadas. As máquinas não geram valor, apenas
transferem o valor que possuem às mercadorias durante o tempo que operam. Entretanto,
devido à concorrência, novas máquinas são fabricadas e passam a operar incessantemente.
Uma máquina produzida ontem pode se tornar obsoleta hoje. Sendo assim, os capitalistas
preferem que o maquinário opere da forma mais intensa possível para maximizar lucros e
reduzir o risco de “desgaste moral”. Marx (2014b, p. 477): “Quanto mais curto o período em
que seu valor total é reproduzido, tanto menor o perigo de depreciação moral, e quanto mais
longa a jornada de trabalho, tanto mais curto é aquele período.” Não há na Enquete questões
que associem as ampliações das jornadas ao “desgaste moral” das máquinas empregadas na

33
Neste trecho, Marx (2014b) emprega outra expressão literária e irônica, compara inovações no
processo produtivo ao “primeiro tempo do jovem amor”, esta frase é de Schiller e ajuda a esclarecer o
raciocínio. Importante registrar ainda que, o exemplo de Marx (2014b) se refere ao setor industrial e à
incorporação de máquinas à produção, mas o argumento serve também para o setor de serviços e para
o emprego de novas formas de gestão do trabalho.
71

produção, talvez a explicação para isso seja a complexidade do assunto, dificilmente um


trabalhador teria condições de analisar o “desgaste moral” do maquinário que emprega para
produzir. De qualquer forma, trata-se de questão importante já que jornadas ampliadas são
prejudiciais aos trabalhadores por diversas razões, entre estas o aumento do risco de
ocorrência de acidentes.

Como vimos acima, o processo de valorização do capital exige a transformação constante do


processo de trabalho. Os capitalistas precisam reinvestir seus lucros para aumentar a
competitividade e sobreviver à concorrência. Conforme os aumentos da taxa de lucro através
da ampliação das jornadas, mais-valia absoluta, começaram ser inviabilizados pela resistência
e pelos limites físicos dos trabalhadores, o capital buscou garantir sua lucratividade pela
exploração da mais-valia relativa. Marx (2014b, p. 578) registra: “A produção do mais-valor
absoluto gira apenas em torno da duração da jornada de trabalho; a produção do mais-valor
relativo revoluciona inteiramente os processos técnicos do trabalho e os agrupamentos
sociais.” É por essa razão que a categoria processo de produção é central para o campo Saúde
do Trabalhador. Conforme a base técnica e os métodos produtivos se transformam devido à
exigência de valorização do capital, alteram-se os processos de trabalho e os problemas
relacionados à saúde dos trabalhadores.

À medida que as forças produtivas se desenvolvem, é possível produzir mais em menos


tempo. Para Marx (2014b), a ampliação da capacidade produtiva decorre da incorporação da
ciência aos processos produtivos e à intensificação do trabalho. Conforme a sociedade se
torna capaz de produzir mais em menos tempo, ou seja, à medida que, numa mesma jornada,
os trabalhadores produzem mais valores de uso, o tempo socialmente necessário para
reproduzir e repor a força de trabalho tende a diminuir. Ou seja, com a introdução de
máquinas nos processos de trabalho e o desenvolvimento das forças produtivas, seria possível
reduzir as jornadas e a intensidade do trabalho, mas, como o objetivo do capital é a
acumulação e a ampliação das taxas de lucro, o desenvolvimento das forças produtivas
provoca a intensificação e às vezes até o prolongamento das jornadas de trabalho. Marx
(2014b, p. 480) define esse fenômeno como “paradoxo econômico”. Esta crítica ao
capitalismo, presente em O Capital, completa crítica a este modo de produção discutida por
Marx (2007, 2013a, 2014a) e Engels (2007, 2013a) em seus primeiros textos, ou seja, além
produzir desrealização e estranhamento nos trabalhadores, o capitalismo não permite que os
desenvolvimentos tecnológicos sejam empregados para reduzir o ritmo e as jornadas de
trabalho.
72

As formas de pagamento também são utilizadas pelo capital para intensificar e às vezes até
para ampliar as jornadas. Marx (2014b) afirma que o salário por peça34 pode ser utilizado para
fazer fluir mais força de trabalho do operário. Na seção III da Enquete, Marx (1982) questiona
os operários sobre o salário por peça, ou tarefa, o foco das perguntas é a forma e a justiça do
pagamento, ou seja, se este é feito de acordo com o que é efetivamente produzido. Este
problema continua atual. Além disso, a intensificação do trabalho causada pelos métodos de
pagamento por produção preocupam atualmente. Os cortadores de cana são trabalhadores que
têm enfrentado sérios problemas devido aos pagamentos por produção. Tavares e Lima (2009)
estudaram o trabalho dos cortadores de cana no estado da Paraíba. As autoras constatam que
os pagamentos por produção atendem melhor os critérios de flexibilidade do receituário
neoliberal e intensificam o trabalho. Ferreira (2015, p. 385) afirma que o “sistema de
pagamento por produção tem sido um dos maiores responsáveis pelo ritmo de trabalho
frenético dos cortadores de cana, que não param de cortar nem para atender suas necessidades
fisiológicas.” Alves (2006) traz dados sobre a produtividade no Complexo Industrial
Canavieiro em São Paulo: crescimento de 50 para mais de 80 toneladas por hectare, entre as
décadas de 1960 e 1980; 3 toneladas de cana cortada por dia/homem nos anos 1950; 6
toneladas na década de 1980; 12 toneladas no final dos anos 1990 e início do século XXI. De
acordo com o autor, o crescimento da produtividade no setor se deve ao pagamento por
produção, que provoca o aumento do dispêndio de energia e do esforço no corte de cana,
podendo provocar a perda precoce da capacidade de trabalho e até mortes. Alves (2009)
sustenta que não cabe à sociedade a defesa e preservação de maus empregos, sendo assim, é
preciso promover a mecanização total do corte de cana. O autor defende a implementação de
políticas públicas capazes de gerar emprego e renda para os cortadores substituídos por
máquinas, além disso, ressalta que o ritmo da mecanização deve acompanhar o ritmo das
políticas públicas compensatórias. O autor destaca também que, enquanto políticas públicas
compensatórias não são adotadas, é preciso modificar as relações de trabalho para reduzir os
problemas de saúde dos cortadores. Para Alves (2009, p. 156) algumas ações devem ser
tomadas imediatamente: “o fim da terceirização, a adoção do controle da produção pelos
trabalhadores através da quadra fechada e o fim do pagamento por produção.” A análise de
Alves (2009) mostra que, no Complexo Industrial Canavieiro, o aumento da produtividade foi
obtido através da intensificação do trabalho.

34
O salário por peça é uma método de pagamento por produção. Mais à frente aprofundaremos a
discussão sobre os impactos das formas de remuneração sobre a saúde dos trabalhadores. Por enquanto
nos limitaremos a relacionar os pagamentos por produção com a intensificação do trabalho.
73

Ferreira (2004) afirma que a Enquete de Marx é espantosamente atual. A autora ressalta ainda
que discutir o Questionário é interessante como método de análise do trabalho. Segundo
Ferreira (2004), a Enquete serve mais como guia para discussão do trabalho do que como
fonte de informações a serem tabuladas. Entretanto, é importante acrescentar que o
Questionário relaciona os processos de produção com os problemas de saúde dos
trabalhadores, por isso continua atual e importante. Os processos de trabalho se transformam
alterando os problemas de saúde dos trabalhadores, surgem novas questões, como as doenças
mentais relacionadas ao trabalho, por outro lado, há problemas que persistem, como os
acidentes. Mas, de qualquer forma, para responder aos antigos e aos novos desafios do campo
ST continua sendo fundamental compreender e atuar na raiz dos problemas, e esta, em geral,
se encontra no processo de produção entendido em sentido marxista, ou seja, como unidade
dos processos de trabalho e de valorização. No caso das jornadas e da intensidade do trabalho,
se é verdade, por um lado, que o modo de produção capitalista promoveu transformações que
não aparecem diretamente nos textos marxistas, como o Banco de Horas; é também
verdadeiro que, para entender as dinâmicas das jornadas e da intensidade do trabalho, Banco
de Horas inclusive, é preciso utilizar as categorias e análises desenvolvidas por Marx (2014b).
O desafio atual do campo Saúde do Trabalhador é eliminar a nocividade do processo de
trabalho do tempo presente, para tanto é preciso compreendê-lo, daí a importância das
categorias e análises marxistas.

4.4 Salários e condições de vida

Questões sobre salários e condições de vida aparecem principalmente na seção III da Enquete.
Como mostraremos, também estas perguntas foram elaboradas a partir de análises teóricas
realizadas anteriormente. Sendo assim, optamos por expor as análises teóricas de Marx
(2013e, 2014b) para depois discutir mais diretamente o conteúdo da Enquete relacionando-o
com textos produzidos no campo Saúde do Trabalhador. É possível subdividir as questões que
relacionam salários e condições de vida em quatro grupos principais: formas de pagamento
(salários por tempo ou por peça), impacto do emprego de mulheres e crianças sobre os
salários da classe trabalhadora, tempo de trabalho necessário e excedente (trabalho pago e não
pago), efeito das crises sobre os salários. Mostraremos como Marx (2013e, 2014b) formula
estas questões para depois explorar como elas reaparecem na Enquete. Os salários têm
impacto direto sobre as condições de vida e de saúde dos trabalhadores. Gaze, Leão e
74

Vasconcellos (2011, p.260) afirmam que “não há saúde sem salário35.” O conceito de saúde
que adotamos foi definido na 8º Conferência Nacional de Saúde, entre outras questões, tal
conceito ressalta a importância de haver boas condições de alimentação, moradia e lazer, o
que apenas pode ser alcançado se forem garantidos bons salários. Sendo assim, comecemos
esta discussão apresentando como Marx (2013e, 2014b) define os salários.

Para Marx (2013e, p. 73): “o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de
subsistência necessários para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.”
Ou seja, segundo o autor, o preço de mercado do trabalho tende para o seu valor, assim como
ocorre com as demais mercadorias, oscilações ocorrem, mas a tendência é o preço das
mercadorias expressar seus valores, o mesmo ocorre com a força de trabalho. Marx (2014b)
relaciona os salários aos custos de produção do trabalhador, ou seja, aos custos necessários
para produzir e reproduzir o próprio trabalhador, a questão passa a ser como determinar tais
custos. Marx (2013e) ressalta que o valor da força de trabalho não é determinado exatamente
como as demais mercadorias. Para o autor, o preço de mercado do trabalho é formado por
dois elementos: um físico e outro histórico ou social. Apesar das altas e baixas provocadas
pelos ciclos econômicos, em média, os trabalhadores recebem, em forma de salário, valores
que lhes permitem adquirir os meios de subsistência necessários para manutenção e
reprodução da força de trabalho. Este é o elemento físico definido por Marx (2013e). Se
descessem abaixo deste limite mínimo, os salários não seriam suficientes para manter e
reproduzir a força de trabalho, ameaçando, desta forma, a própria continuidade do processo de
produção capitalista. Por esta razão, o autor define o valor necessário para manutenção e
reprodução da força de trabalho como limite último abaixo do qual os salários não podem
cair. Além deste limite físico, Marx (2013e) ressalta a importância de se considerar o
elemento histórico, ou social, que entra na composição dos salários, que, além de serem
suficientes para atender as necessidades físicas de reposição da força de trabalho, precisam
possibilitar a satisfação de necessidades associadas às condições sociais em que vivem os
homens, estas necessidades formam o padrão de vida tradicional de cada sociedade. Para

35
Os autores distinguem dois níveis de luta dos trabalhadores por saúde no trabalho: a luta implícita,
indireta e inespecífica, que reivindica melhores condições salariais, temporais e de relações de
trabalho sem pautar prioritariamente questões diretamente relacionadas à saúde; e a luta explícita,
direta, específica por saúde no trabalho, que coloca estas questões como prioridade. Os dois níveis se
completam e são importantes para a conquista de melhorias relacionadas à saúde dos trabalhadores,
mas é interessante destacar, como fazem os autores, que as lutas não diretamente ligadas a questões de
saúde no trabalho são importantes porque avanços relacionados a salários, jornadas e descanso
melhoram as condições de saúde dos trabalhadores.
75

Marx (2013e, p. 94): “Esse elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode
aumentar, diminuir e, até mesmo, desaparecer completamente, de tal modo que só subsista o
limite físico.” O autor cita exemplos históricos em que os salários se aproximaram de seus
limites físicos, especialmente durante guerras.

Segundo Marx (2013e, p.66): “os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de
trabalho incorporado em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho
empregado.” Considerando que o capital transforma a força de trabalho em mercadoria 36, o
valor desta também se altera na razão inversa do desenvolvimento das forças produtivas. O
autor mostra que o desenvolvimento progressivo das forças produtivas sociais permite que as
mercadorias sejam fabricadas com menos trabalho, reduzindo, dessa forma, seu valor. Isto é
possível, segundo Marx (2013e), devido à produção em grande escala, à concentração do
capital, à divisão do trabalho, à maquinaria, ao aperfeiçoamento das comunicações e dos
transportes.

O desenvolvimento das forças produtivas tende a reduzir o valor das mercadorias em geral, da
força de trabalho inclusive. Este movimento pode permitir, em curtos espaços de tempo, a
melhoria das condições de vida da classe trabalhadora, que é capaz de aumentar seu
consumo37. O desenvolvimento das forças produtivas permite que se produza mais no mesmo
tempo, então se, por exemplo, uma jornada de trabalho social é repartida igualmente entre
trabalho e capital e produz uma quantidade x de produtos, a força de trabalho será remunerada
com ½ x e o capital com ½ x, entretanto, se dobrar a força produtiva do trabalho e na mesma
jornada for possível produzir 2x, e se a divisão entre capital e trabalho se mantiver igual,
ambos se apropriarão de uma quantidade x cada um, aumentaria, dessa forma, o consumo dos
trabalhadores. Mas é difícil que uma situação como a exemplificada ocorra, isso porque os
desenvolvimentos das forças produtivas em geral ocorrem através da incorporação de
máquinas aos processos de trabalho, ou seja, devido ao crescimento do capital constante, que,
36
Para Marx (2013e) o capital transforma a força de trabalho numa mercadoria, mas não como todas
as demais, para determinação do valor da força de trabalho contribuem elementos físicos e históricos
ou sociais. Além disso, a força de trabalho é a única mercadoria capaz de produzir mais-valia.
37
Para Marx (2014b), devido ao reinvestimento dos excedentes no processo produtivo e à
concorrência, no longo prazo tende a crescer o capital constante (trabalho morto) em relação ao capital
variável (trabalho vivo), como apenas este último gera mais-valia, as taxas de lucro tendem a ser
reduzidas, apesar das contratendências; a redução dos lucros acirraria a luta de classes e empurraria os
salários para os seus limites mínimos necessários para repor a força de trabalho. Por esta razão e de
acordo com o pensamento de Marx (2014b), somente em algumas situações, como nos períodos de
ascensão dos ciclos econômicos, é possível haver melhorias nas condições de vida da classe
trabalhadora devido a apropriação dos ganhos de produtividade.
76

de acordo com Marx (2014b), tende a substituir o capital variável (trabalho vivo) e a reduzir
as taxas de lucro. Sendo assim, a ampliação da capacidade de consumo da classe trabalhadora
pode ser melhor explicada através do elemento social ou histórico38 associado ao padrão de
vida tradicional de cada sociedade, que varia no tempo e pode ser expandido inclusive porque
o capital lucra com a ampliação do mercado de consumo. Esta é mais uma contradição do
modo capitalista de produção, o padrão de vida tradicional das sociedades pode se elevar; por
outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas tende a substituir trabalho vivo (capital
variável) por trabalho morto (capital constante) causando desemprego e reduzindo as
possibilidades de consumo da classe trabalhadora.

Para Marx (2014b), o trabalho assalariado é o fundamento da produção capitalista. Entretanto,


o autor ressalta que a forma salário mascara a diferença entre trabalho necessário e excedente,
ou, em outros termos, entre trabalho pago e não pago. No capitalismo, os salários parecem
corresponder à jornada total, o que não ocorre na realidade, pois uma parte da jornada é
composta por trabalho não pago, é justamente aqui que se produz o mais valor necessário à
acumulação capitalista, o autor destaca que, se os capitalistas pagassem realmente todo o
trabalho realizado, o dinheiro não se transformaria em capital e não sobrariam recursos para
serem reinvestidos na produção. Marx (2014b) mostra que, para um servo, na época feudal,
era fácil distinguir o trabalho que fazia para si próprio do que fazia para o senhor, já que
cultivava tanto suas terras como as do senhor, reconhecendo, dessa forma, o trabalho
realizado para o senhor (nas terras deste) e para si próprio (em terras próprias). Além disso, na
época feudal ocorria dos servos trabalharem alguns dias da semana para os senhores e outros
para manterem suas famílias. Também neste caso era fácil diferenciar o trabalho necessário
do excedente. No capitalismo o trabalhador assalariado recebe o valor que deveria
corresponder à sua jornada de trabalho, assim sendo, o trabalho não pago não aparece tão
claramente quanto no feudalismo. Como ressalta Marx (2014b, p. 610), com a forma salário
todo trabalho parece ser pago:

Compreende-se, assim, a importância decisiva da transformação do valor e


da força de trabalho na forma-salário ou em valor e preço do próprio
trabalho. Sobre essa forma de manifestação, que torna invisível a relação
efetiva e mostra precisamente o oposto dessa relação, repousam todas as
noções jurídicas, tanto do trabalhador como do capitalista, todas as

38
Ao se contraporem ao capital exigindo melhores condições de vida, os movimentos dos
trabalhadores ajudam forjar e elevar o elemento social ou histórico dos salários.
77

mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de


liberdade, todas as tolices apologéticas da economia vulgar39.
Marx (1982) não explora exaustivamente, na Enquete, a compreensão dos operários sobre
trabalho pago e não pago, necessário e excedente. Certamente os trabalhadores teriam
dificuldade para determinar e comentar esta relação em seus ofícios, isso porque eles não
tinham visão total dos processos de produção e, além disso, como escreveu Marx (2014b), a
forma salário torna invisível a exploração. Entretanto, na questão 76, Marx (1982) solicita que
o trabalhador estabeleça um paralelo entre o preço da sua força de trabalho e os preços dos
artigos ou serviços que produz. Esta pergunta é útil tanto para determinar como as flutuações
de mercado influenciam o preço da força de trabalho do operário quanto para fazê-lo refletir
sobre a relação entre trabalho pago e não pago.

Por outro lado, Marx (1982) explora bastante as consequências das duas principais formas de
salário (por tempo e por peça) sobre as condições de vida e saúde dos trabalhadores franceses.
Em O Capital, Marx (2014b) analisa o salário por tempo e por peça nos capítulos 18 e 19,
respectivamente. Segundo o autor, salários por tempo e por peça eram conhecidos dos
trabalhadores ingleses e franceses desde o século XIV, e as diferenças nas formas de
pagamento não alteram sua essência, ou seja, ambas contêm uma parcela de trabalho não
pago. Para Marx (2014b), o salário por peça geralmente é mais favorável para a produção
capitalista por duas razões principais: permite a intensificação do trabalho e diminui a
necessidade de supervisão, isso ocorre porque a expansão da produção se torna interessante
para o trabalhador que, dessa forma, amplia sua remuneração. Importante destacar que este
problema aparece na Enquete e continua atual, inclusive causando graves danos à saúde dos
trabalhadores. Marx (2014b) enumera os problemas de saúde relacionados tanto ao salário
por tempo quanto ao salário por peça, alguns destes problemas seriam explorados
posteriormente na Enquete. Marx (2014b, p. 616) esclarece que: “O valor da força de trabalho
aumenta de acordo com seu desgaste, isto é, com a duração de seu funcionamento e de modo
proporcionalmente mais acelerado do que o incremento da duração de seu funcionamento.”
Sendo assim, se as jornadas se prologam para além do limite considerado normal, as horas
extra costumam ser melhor remuneradas do que horas normais de trabalho, embora, como
salienta Marx (2014b, p. 617): “numa proporção ridiculamente pequena.” O autor baseia esta
opinião em relatórios de inspetores de fábrica de seu tempo:
39
O trecho citado dialoga com a ideia de Marx (2014b) de que em sua manifestação as coisas
frequentemente se apresentam invertidas, sendo este fenômeno conhecido em quase todas as ciências,
exceto na economia política, que não enxerga que os salários correspondem a apenas uma parte das
jornadas, sendo a outra parte composta por trabalho não pago.
78

A taxa de pagamento do tempo extraordinário (na manufatura) é tão


pequena, ½ penny etc. por hora, que contrasta penosamente com o enorme
dano que inflige à saúde e à força vital dos trabalhadores [...] Além disso, o
pequeno excedente assim obtido tem frequentemente de ser gasto em meios
complementares de alimentação (CHILD. EMPL. COMM., “II REP.”, n.
117, p. XVI, apud MARX, 2014b, p. 617).
Em O Capital, Marx (2014b) destaca que o baixo preço da força de trabalho estimula o
prolongamento das jornadas. A Enquete explora questões relacionadas ao trabalho
extraordinário. Além disso, Marx (1982) investiga também os efeitos das formas de
remuneração sobre as condições de vida dos operários. Por exemplo. Os pagamentos por hora
que permitem ao capitalista empregar trabalhadores nos momentos de pico da produção,
eliminando a regularidade da ocupação e fazendo “com que o sobretrabalho mais monstruoso
se alterne com a desocupação relativa ou total” (MARX, 2014b, p. 616). Esta questão aparece
na Enquete nas perguntas 52 e 54, quando Marx (1982) indaga aos operários se o trabalho é
sazonal e se eles recebem por hora ou por dia.

Problemas relacionados aos salários por peça, ou por produção, apontados por Marx (2014b)
continuam atuais: descontos e fraudes, surgimento de intermediários entre o capital e os
trabalhadores. Todas estas questões aparecem na Enquete e continuam sendo discutidas no
campo da Saúde do Trabalhador, trataremos delas mais à frente.

A introdução de trabalho feminino e infantil na produção também impacta diretamente sobre


os salários. Marx (2014b) discute este ponto quando relaciona maquinaria e grande indústria.
Para o autor, o emprego de trabalho feminino e infantil cresceu à medida que a maquinaria
tornou prescindível a força física. Este movimento, além de estender os problemas de saúde
no trabalho para mulheres e crianças, também contribuiu para reduzir salários. Para Marx
(2014b), o valor da força de trabalho precisa ser suficiente para possibilitar a manutenção do
trabalhador e sua família. Entretanto, o autor mostra que, conforme mulheres e crianças
começaram a ser empregadas, repartiu-se o valor da força de trabalho do homem entre sua
família, a compra da força de trabalho de toda a família pode até custar mais do que
anteriormente custava a força de trabalho do homem individualmente, entretanto, somado, o
excedente produzido cresce mais do que os custos. Além disso, com a entrada de mulheres e
crianças no mercado de trabalho, ampliou-se a classe trabalhadora que, por outro lado, teve
sua capacidade de reivindicação sindical reduzida, o que contribuiu para a redução dos
salários. Sendo assim, a maquinaria possibilitou a ampliação da classe operária ocupada e da
taxa de exploração. Marx (2014b, p. 468) percebe e ressalta este problema, da mesma forma
79

que permite reduzir o tempo de trabalho e as jornadas, as máquinas podem causar o efeito
inverso:

Assim, esse poderoso meio de substituição do trabalho e de


trabalhadores transformou-se prontamente num meio de aumentar o
número de assalariados, submetendo ao comando imediato do capital
todos os membros da família dos trabalhadores sem distinção de sexo
nem idade.
A análise realizada por Marx (2014b) das consequências sobre os salários da introdução de
mulheres e crianças na produção reaparece na Enquete. Discutiremos este assunto mais à
frente, quando entrarmos mais diretamente o conteúdo do Questionário.

Na Enquete Operária, Marx (1982) explora também os efeitos dos ciclos econômicos e das
crises sobre os salários e as condições de vida dos trabalhadores. Antes de entrarmos na
discussão do conteúdo da Enquete relacionado aos salários e às crises do modo capitalista de
produção, é importante apresentar brevemente o pensamento de Marx (2014b) sobre as crises
do capital. No campo marxista existem diversas compreensões sobre as crises do modo de
produção capitalista. Por exemplo. Para Mészáros (2002), o capitalismo enfrenta, atualmente,
uma crise estrutural associada à não recomposição das taxas de lucro do período
imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Segundo Mészáros (2014), a crise
estrutural do capitalismo teve início nos anos 1970 e apresenta quatro características
principais: caráter universal, ou seja, atinge todas as esferas econômicas (financeira,
comercial, etc.); não está limitada apenas a alguns países, seu alcance é global; é
temporalmente extensa, ou contínua, ou até permanente, não se trata de uma crise cíclica
como as anteriores; sua modalidade pode ser definida como sub-reptícia, ou seja, contrasta
com as erupções e desmoronamentos espetaculares do passado, ainda que sem excluir
totalmente a possibilidade de ocorrerem fenômenos semelhantes. Para o autor, a crise
estrutural do capitalismo ataca a totalidade deste e coloca a exigência de sua superação. Esta
interpretação é bem aceita mas não é consensual no campo marxista. A partir de Marx
(2014b) é possível pensar a causa das crises capitalistas por dois caminhos: um de curto e
outro de longo prazo. A crise de longo prazo está associada à queda tendencial das taxas de
lucro causada pelo crescimento da composição orgânica do capital, Marx (2014b) calcula esta
dividindo o capital constante (trabalho morto) pelo capital variável (trabalho vivo), para o
autor esta relação é crescente no capitalismo, ou seja, o primeiro tende a crescer mais rápido
que o segundo. Marx (2014b) calcula a taxa de lucros dividindo a mais-valia (trabalho não
pago) pela soma do capital variável (salários) com o capital constante (máquinas,
80

equipamentos e instalações). Como o capital constante está no denominador e, no longo


prazo, cresce mais rápido que as demais variáveis da equação, os lucros tendem a cair. É este
fenômeno que, de acordo com o autor, inviabilizará o modo de produção capitalista, pois a
queda das taxas de lucro obrigará os capitalistas a ampliarem a exploração potencializando a
resistência da classe operária. Marx (2014b) enumera algumas contratendências à queda das
taxas de lucro, as principais são o aumento do grau de exploração do trabalho, a redução dos
salários e o barateamento do capital constante. Entretanto, o autor deixa claro que as
contratendências podem conter apenas momentaneamente a queda dos lucros, que tende a
prevalecer no longo prazo. Por isso chamamos de crise de longo prazo o fenômeno resultante
da queda tendencial das taxas de lucro. Por outro lado, Marx (2014b) mostrou que o modo
capitalista de produção sofre com crises cíclicas geralmente associadas à expansão econômica
e a elevação dos salários (capital variável). Segundo o autor, com a expansão econômica e o
aumento dos lucros, as empresas reinvestem na produção e contratam mais pessoal para
atender à demanda crescente, este movimento reduz o exército industrial de reserva e eleva os
salários. Como os salários (capital variável) estão no denominador da equação da taxa de
lucros, o crescimento daqueles em algum momento provocará a redução desta. Interessante
notar que, as crises cíclicas do capitalismo podem ocorrer mesmo sem grandes variações no
valor do capital constante (máquinas, equipamentos e instalações). Durante os períodos de
expansão econômica as empresas aumentam os investimentos produtivos ampliando o pessoal
empregado para atender à demanda crescente, conforme este movimento começa a provocar a
elevação dos salários, devido à redução do exército industrial de reserva, os investimentos
produtivos vão se tornando menos rentáveis e são reduzidos. A crise irrompe quando a
elevação dos salários inviabiliza os investimentos produtivos, neste ponto se encerra o ciclo
expansivo e tem início a retração. Com a redução dos lucros, diminuem os investimentos e o
pessoal empregado começa a ser demitido, conforme este movimento avança, os salários
caem até que esta redução torna rentável a retomada dos investimentos produtivos, neste
ponto se encerra o ciclo recessivo e tem início a expansão, a retomada econômica. As crises
cíclicas são periódicas, causam graves problemas sociais, mas, em geral, são resolvidas
fundamentalmente pelos mecanismos de mercado, ou seja, pelas oscilações nos preços,
especialmente do trabalho40. Na Enquete, Marx (1982) trata principalmente das crises cíclicas,

40
Sobre a teoria das crises em Marx, ver Pereira (1987), apesar de não ser marxista, o autor analisa
com detalhes e profundidade o pensamento de Marx sobre as crises do modo capitalista de produção.
Além disso, é interessante a análise que o autor faz da evolução do valor do capital constante,
sugerindo que este não teria se elevado como imaginava Marx (2014b), isso ajudaria a explicar a
longevidade do capitalismo.
81

investiga como estas afetam as condições de vida e de saúde dos trabalhadores e, além disso,
se esforça para politizar os operários informando-os a respeito do funcionamento do modo
capitalista de produção. Entretanto, como veremos à frente, há uma questão que relaciona as
flutuações do emprego com o crescimento do capital constante.

Expostas as ideias marxistas sobre salários e crises do capitalismo, desenvolvidas


anteriormente à Enquete, entremos mais diretamente no conteúdo desta para explorar como
tais análises reaparecem em forma de questionamento aos trabalhadores, e como Marx (1982)
relacionou o processo de produção às condições de vida e de saúde dos operários. Além disso,
apresentaremos alguns textos produzidos no campo Saúde do Trabalhador para discutir como
os problemas apontados na Enquete são tratados atualmente.

A relação entre as formas de remuneração e as condições de vida e de saúde dos trabalhadores


foi bastante explorada na Enquete e continua atual. Em O Capital, Marx (2014b) mostrou que
o salário por tarefa, era conhecido dos trabalhadores ingleses e franceses desde o século XIV.
Interessante notar que, os problemas relacionados a esta forma de remuneração também são
antigos e ainda estão presentes no mundo do trabalho. No Brasil, a agroindústria canavieira é
um dos setores econômicos em que os problemas relacionados a salários por produção são
mais graves. Guanais (2013) mostra que este método de pagamento é funcional para a
agroindústria canavieira porque atrela a remuneração ao volume de cana cortado, fazendo os
trabalhadores se identificarem com os objetivos e as metas da empresa, mas, por outro lado,
ao incentivar a intensificação do trabalho promove o esforço excessivo contribuindo para a
ocorrência acidentes, dores na coluna, tendinites e câimbras. Segundo a autora, o salário por
produção, apesar de já existir anteriormente, difundiu-se na agroindústria canavieira a partir
da reestruturação produtiva do setor sucroalcooleiro nacional em meados da década de 1980.
Os dilemas apontados por Marx (1982) na Enquete, reaparecem no estudo da autora, inclusive
nas falas dos trabalhadores. Guanais (2013) constata diversas consequências relacionadas aos
salários por produção: as usinas passam a conhecer exatamente o ritmo e a intensidade do
trabalho de cada cortador de cana, mantendo empregados apenas os mais produtivos; diminui
a necessidade de supervisão, pois os trabalhadores passam a interiorizar a disciplina e o
autocontrole; as ampliações de jornadas e a intensidade do trabalho são apoiadas e endossadas
pelos próprios cortadores, que, dessa forma, recebem mais; cresce a competição entre os
trabalhadores. Na questão 57 da Enquete, Marx (1982) pergunta se o trabalhador, que recebe
por tarefa, sofre reduções salariais justificadas pela alegação de que o artigo produzido não
atende aos requisitos de qualidade. Guanais (2013) mostra que os cortadores desconhecem
82

quanto efetivamente produzem, isso ocorre porque o sistema de medição e pesagem das
empresas confunde os trabalhadores, a cana cortada é medida em metros, mas os salários são
pagos com base no peso (toneladas), como não sabem ao certo quanto receberão por dia, os
cortadores acabam se empenhando ainda mais no trabalho, às vezes até mais do que podem
suportar. Além disso, a autora relata que as medições da produção ocorrem sem a fiscalização
dos trabalhadores, que com frequência reclamam de serem lesados. Como se vê, os dilemas
explorados na Enquete sobre os logros relacionados ao salário por tarefa continuam atuais na
agroindústria sucroalcooleira, com a reestruturação produtiva e a implantação de formas mais
flexíveis de produção, é possível que tais problemas se ampliem e se alastrem para outros
ramos de atividade.

Marx (2014b) afirma que os pagamentos por peça possibilitam a exploração de um


trabalhador por outro e a existência de intermediários entre o capital e o trabalho. Por isso, na
questões 60 e 61, o autor indaga aos operários se os salários são pagos por intermediários e,
caso isso ocorra, quais são as cláusulas contratuais. Além disso, nas questões 64 e 65, Marx
(1982) procura comparar os salários por peça e por tempo, para avaliar qual seria mais
interessante para os trabalhadores. O estudo de Guanais (2013) no setor sucroalcooleiro
entrevistou os trabalhadores de uma empresa da cidade de Cosmópolis, no interior de São
Paulo, e constatou que a maioria destes prefere os pagamentos por produção, segundo os
cortadores, esta forma de remuneração aumenta seus vencimentos, somente duas
trabalhadoras disseram preferir salários por tempo, já que não conseguiam ser tão produtivas
quanto os melhores cortadores. A partir destes depoimentos, Guanais (2013) conclui que há
também uma questão de gênero a ser melhor investigada, por cuidarem das suas famílias, as
cortadoras de cana enfrentam dupla jornada e já chegam cansadas no trabalho, apresentam,
por essa razão, menor produtividade. A Enquete, não explora questões de gênero nem as
preferências dos trabalhadores sobre as formas de remuneração, provavelmente porque o
autor buscava traçar um panorama ampliado e mais geral da classe trabalhadora francesa,
priorizando portanto esse caminho e não investigando a concretude e as particularidades dos
processos de trabalho.

A abordagem de Marx (1982) sobre o trabalho feminino e infantil ocorre mais pela
perspectiva econômica do que de gênero. Partindo, da análise realizada em O Capital, onde
estudou o desenvolvimento histórico do modo capitalista de produção, Marx (1982) pergunta,
nas questões 63 e 66, quais eram os salários das mulheres, crianças e homens, conhecendo em
média as remunerações de toda a família empregada e os preços dos artigos necessários para
83

repor e reproduzir a força de trabalho familiar, seria possível determinar se, como já havia
ocorrido na Inglaterra, também na França o emprego de trabalho infantil e feminino estava
contribuindo para a aumentar os lucros do capital, que ampliou a força de trabalho disponível
sem ampliar os salários na mesma proporção. Os efeitos deste movimento para a classe
trabalhadora foram principalmente a extensão dos problemas de saúde no trabalho para
mulheres e crianças. Interessante notar que, na Enquete, Marx (1982) se dirige aos
trabalhadores homens, aos chefes de família, e não às mulheres, que também trabalhavam.
Dessa forma, é possível dizer que, a Enquete não explora diretamente, mas expressa uma
questão de gênero à medida que Marx (1982) se dirigi a uns trabalhadores e não a outros.
Importante registrar que, há 135 anos, seria difícil agir de outra maneira, inclusive porque
eram os homens que estavam organizados em sindicatos e outras organizações operárias, se já
era difícil colher as impressões destes, chegar até mulheres e crianças estava fora do alcance
de Marx e da Revista Revue Socialiste. Esta dificuldade dos movimentos operários para
organizar toda a força de trabalho ajuda a explicar porque os salários baixaram à medida que
mulheres e crianças foram incorporadas aos processos produtivos.

Marx (1982) investiga se os salários das famílias trabalhadoras, inclusive somando as


remunerações das mulheres e crianças, eram suficientes para cobrir os gastos necessário para
repor e reproduzir a força de trabalho, ou seja, se somados os salários dos membros da família
estavam acima do limite mínimo tolerável. Na questão 69, Marx (1982) pede que os
trabalhadores digam quais são os preços dos artigos de primeira necessidade, o autor divide
estes em seis grupos: moradia (aluguel, reparos, seguros, aquisição e manutenção de móveis,
calefação, iluminação, água), alimentação (pão, carne, legumes, batatas, laticínios, peixe,
manteiga, azeite, banha, açúcar, sal, temperos, café, cerveja, sidra, vinho), roupas e higiene
(vestimentas para familiares, lençóis, cobertores, sabão), outras despesas (correios, taxas de
empréstimo, mensalidades escolares, revistas, jornais, contribuições para caixas de greve e
sindicatos), gastos relacionados ao trabalho e profissão e, por fim, impostos e taxas. Ou seja,
nesta questão, o autor esboça o que imagina ser o padrão de vida tradicional para a sociedade
francesa do final do século XIX, e investiga os preços destas mercadorias, conhecidos estes,
seria possível avaliar se os salários eram suficientes para repor o valor da força de trabalho,
que é fundamental para a saúde dos trabalhadores e inclusive para manutenção da acumulação
e do próprio modo capitalista de produção. Na questão 70, Marx (1982) solicita que o
trabalhador diga qual o seu montante semanal e anual de ganhos e gastos, dessa forma seria
possível saber se a massa salarial das famílias estudadas estava adequada ao padrão de vida
84

francês da época. Na questão 71, o autor pergunta aos trabalhadores se estes já observaram
altas dos artigos de primeira necessidade superiores a dos salários. Na questão 76, Marx
(1982) instiga o trabalhador a refletir sobre trabalho pago e não pago, faz isso solicitando ao
mesmo que estabeleça um paralelo entre os preços dos artigos ou serviços que produz e o
preço da sua força de trabalho. Neste ponto, a intenção do autor de politizar os trabalhadores é
clara, Marx (2014b) afirmou que a forma salário torna e exploração invisível, na Enquete o
autor tentou iluminar as relações de exploração capitalistas.

A aproximação estabelecida na Enquete entre crises, salários e empregos é interessante.


Entretanto, os trabalhadores precisariam ter bons conhecimentos sobre os ciclos econômicos
para responder às questões, afinal, por trás destas estava toda teoria marxista da crise.
Percebe-se, nestas perguntas, a intenção de Marx (1982) de se informar sobre a realidade
francesa e sobre o conhecimento dos trabalhadores, mas, além disso, nota-se também a
intenção de politizar os operários levando até eles informações sobre a dinâmica do modo
capitalista de produção. Na questão 72, o autor, solicita aos trabalhadores que relatem as
oscilações salariais que conhecem, como vimos anteriormente, os salários tendem a crescer
nos ciclos expansivos à medida que mais pessoal é contratado, o contrário ocorre quando a
elevação salarial inibe novos investimentos e tem início a retração. Percebe-se, desta forma,
que Marx (1982) explora, nesta questão, o conhecimento dos trabalhadores sobre os ciclos de
expansão e crise da economia capitalista. Na questão 73 o autor especifica ainda mais o
problema, solicita que os trabalhadores relatem as baixas sofridas pelos salários nos períodos
de retração ou crise industrial, aqui Marx (1982) não só tenta se informar como também
procura politizar os operários, já que sua pergunta contém uma afirmação: os salários
diminuem durante as retrações e crises industriais. Como vimos anteriormente, esta
possibilidade foi detalhada na análise teórica desenvolvida em O Capital. Na questão 74,
Marx (1982), explora o contrário, ou seja, os aumentos salariais nos momentos de expansão
econômica, ou prosperidade, também aqui percebe-se a presença da análise desenvolvida
anteriormente em O Capital e, além disso, a busca por se informar e politizar ao mesmo
tempo, já que a pergunta contém uma afirmação. A questão 75 trata do mesmo tema por outro
ângulo, Marx (1982) solicita que os trabalhadores comentem os períodos de desemprego
involuntário que experimentaram durante as crises. O processo de produção capitalista, com
seus ciclos de avanço e retração, desemprega amplas parcelas da classe trabalhadora
periodicamente, na questão 75, Marx (1982) explora os efeitos deste movimento sobre os
trabalhadores. Já a questão 77 indaga se o trabalhador conhece operários que perderam o
85

emprego devido à introdução máquinas e outros aperfeiçoamentos, ou seja, o autor trabalha os


efeitos da crise causada pela inserção de maquinaria na produção ou, dito de outra forma,
explora as consequências do crescimento do capital constante e da composição orgânica do
capital41. Se este movimento fosse confirmado, seria um sinal de que a lei da queda tendencial
das taxas de lucro já estava atuando na França do final do século XIX, o que colocaria uma
série de problemas e desafios para a classe trabalhadora. Para Marx (2014b, p. 508), o capital
pode aumentar o emprego de máquinas para utilizá-las como arma de resistência contra
greves e reivindicações dos trabalhadores: “O Capital, de maneira aberta e tendencial,
proclama e maneja a maquinaria como potência hostil ao trabalhador. Ela se converte na arma
mais poderosa para a repressão periódica das revoltas operárias, greves etc.” Segundo o autor,
a partir de 1830, surgiram inúmeros inventos utilizados pelo capital para tornar o mais
desnecessário possível o emprego de força de trabalho viva nos processos produtivos,
combatendo, dessa forma, os motins operários. Este tipo de fenômeno continua atual. Alves
(1991, 2009) mostra que a mecanização do complexo agroindustrial canavieiro foi uma
resposta patronal ao ciclo de greves dos cortadores iniciado na cidade de Guariba, em 1984.
De acordo com o autor, as usinas ampliaram a mecanização do corte de cana queimada para
responder às greves dos trabalhadores, colheitadeiras foram introduzidas na produção para
substituir cortadores e operadores de guincho. A questão 77 da Enquete contempla também a
possibilidade de eliminação de empregos em razão de greves e outras lutas dos trabalhadores.

Por fim, é importante discutir o conteúdo da questão 99 da Enquete, nesta, Marx (1982)
indaga se o operário conhece fábricas em que a remuneração é paga parcialmente em forma
de salário e parcialmente em forma de participação nos lucros (PL). O autor solicita ainda que
o trabalhador aponte e compare as remunerações onde não há e onde há participação nos
lucros, indicando também as obrigações que pesam sobre os que recebem PL. Por exemplo:
estes trabalhadores podiam fazer greves? A questão 99 é interessante porque mostra que os
problemas relacionados às remunerações por participação nos lucros são mais antigos do que
se imagina. A tendência é associar a PL às formas flexíveis de produção surgidas com a
reestruturação produtiva. Entretanto, a presença deste tema na Enquete indica que o problema
é antigo. Pina e Stolz (2011) discutem as consequências das remunerações por participação
nos lucros. Segundo os autores, o governo brasileiro regulamentou o inciso XI do artigo 7º da

41
Anteriormente, definimos este tipo de crise como sendo de longo prazo para diferenciá-la das crises
causadas por elevações cíclicas dos salários, que definimos como crises de curto prazo. Interessante
perceber que, na Enquete, Marx (1982) trabalha com as duas modalidades de crise, apesar do espaço
reduzido e da complexidade do assunto.
86

Constituição Federal por meio da Medida Provisória nº 794, de 29 de dezembro de 1994,


nascia assim o instituto da Participação nos Lucros ou Resultados, que, após sucessivas
reedições e alterações, foi aprovado através da Lei nº 10.101, de 19 de janeiro de 2000.
Analisando diversos acordos coletivos do setor automotivo, Pina e Stolz (2011) relatam as
consequências da remuneração por PL sobre os trabalhadores: possível culpabilização dos
trabalhadores por acidentes quando são associados indicadores de segurança no trabalho ao
pagamento de PL e controle do absenteísmo, pois faltas não justificadas são descontadas da
PL, pressionando os trabalhadores a não se afastarem, inclusive adiando a procura por
cuidados médicos e contribuindo, dessa forma, para o aumento do presenteísmo. Os autores
destacam ainda que:

Mesmo o acréscimo no preço da força de trabalho – efetivado pela PLR, mas


não pelo banco de horas – não compensa o maior desgaste advindo do
aumento da grandeza extensiva e da grandeza intensiva do trabalho. Esse
desgaste é tanto mais agravado pela defasagem entre a realização cotidiana
da atividade de trabalho e o período do efetivo pagamento implicado pelos
dois mecanismos, de modo que, durante o ano, os trabalhadores recebem
abaixo do valor de reprodução da força de trabalho (PINA; STOLZ, 2011, p.
173).
No trecho acima citado percebe-se a aproximação dos autores em relação aos temas e análises
desenvolvidas por Marx (1982, 2014b). Na questão 58 da Enquete, Marx (1982) pergunta
quanto tempo os trabalhadores esperam para receber seus pagamentos. Um mês? Uma
semana? Marx (1982) afirma que a diferença entre a execução das tarefas e pagamento por
estas é um crédito que os trabalhadores fazem ao patrão. Pina e Stolz (2011) chamam a
atenção para este problema, pois a grandeza intensiva e extensiva do trabalho cresce
cotidianamente devido aos pagamentos por PL, que podem ser efetivamente realizados muitos
meses depois. Os autores destacam que esta defasagem entre a realização das tarefas e seu
pagamento pode forçar o valor da força de trabalho para baixo do necessário para garantir sua
reprodução.

A referência a remunerações por participação por lucros na Enquete mostra a atualidade desta
e, por outro lado, a continuidade dos processos de exploração, que se transformam na
aparência, mas não a essência. Além disso, a atualidade da Enquete é reafirmada pelo
crescimento das remunerações por produção e pelos efeitos das crises do capital sobre os
trabalhadores.
87

4.5 Greves e organização dos trabalhadores

Na IV e última seção da Enquete, Marx (1982) investiga principalmente o grau de


organização dos trabalhadores franceses. Para compreender está seção é preciso ter em mente
o contexto histórico francês e lembrar dos objetivos de Marx (1982) e da Revista Revue
Socialiste. Como vimos no início deste capítulo, em 1880 os movimentos dos trabalhadores
franceses começavam a se reorganizar, em 1871 a Comuna de Paris havia sido duramente
reprimida, seus líderes foram executados, presos ou deportados.

Entretanto, de acordo com Woodcock (2002), na segunda metade da década de 1870, o


movimento sindical se fortaleceu, foram formadas federações e confederações, ocorreram
congressos operários em Paris (1876), Lion (1878) e Marsella (1879). Além disso, em 1878
foram anistiados os que haviam participado da Comuna de Paris sete anos antes, este
acontecimento ajudou a fortalecer os movimentos sindicais e políticos franceses.

Segundo Ramminger, Athayde e Brito (2013), no congresso operário de Marsella, em 1879,


teses marxistas foram vitoriosas. No ano seguinte, Marx (1982) elaboraria a Enquete
Operária a pedido da Revista Revue Socialiste. Para Ramminger, Athayde e Brito (2013), não
há nenhuma ilusão de neutralidade na Enquete, o diálogo crítico é estimulado pela forma
interrogativa, a problemática e a posição por trás das questões é clara, o que mobiliza os
trabalhadores para desenvolverem o raciocínio próprio e superarem as respostas mecânicas.
Ainda segundo os autores, a quarta parte do questionário era um convite à reflexão dos
trabalhadores sobre como eles estavam se opondo à exploração.

Além de possibilitar a reflexão dos trabalhadores sobre sua capacidade de resistir à


exploração, a quarta parte da Enquete permitiria um melhor conhecimento das formas de luta
existentes, de maneira que estas pudessem ser aprimoradas, ou seja, tratava-se de conhecer
para melhorar a atuação das organizações e movimentos de esquerda.

Na questão 92, Marx (1982) pergunta se o trabalhador conhece casos em que o governo
colocou a força pública a serviço dos patrões em contextos de greves e outros enfrentamentos.
Na questão 93, o autor pergunta se os trabalhadores conheciam casos em que o governo
interviu contra coalizões ilegais dos patrões. A partir do contraponto estabelecido entre estas
duas perguntas, Marx (1982) procura jogar luz sobre as relações de poder estabelecidas na
sociedade capitalista, politizando os trabalhadores sobre a parcialidade do Estado. Segundo
Marx e Engels (2013f, p. 219): “O poder do Estado moderno não passa de um comitê que
88

administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo.” Ou seja, nas questões 92 e
93, Marx (1982) investiga qual a opinião dos trabalhadores sobre o caráter e a natureza do
Estado capitalista. É por estas questões e outras que é possível afirmar não haver neutralidade
na Enquete, o que é coerente e está de acordo com as ideias marxistas. Em sua décima
primeira tese sobre Feuerbach, Marx (1975b, p.24) registra que “Os filósofos têm apenas
interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”

As questões da seção IV da Enquete estão organizadas na perspectiva da décima primeira tese


de Marx (1975b) sobre Feuerbach, ou seja, não se tratava apenas conhecer e interpretar a
realidade da classe trabalhadora francesa, importava politizá-la e colher informações que
ajudassem no fortalecimento das organizações de esquerda para a superação dos problemas
sociais. Na questão 82, Marx (1982) pergunta se existiam associações operárias no ofício do
respondente, em caso positivo, o autor indaga sobre quem as dirigia e solicita ainda que
fossem enviados os estatutos da entidade. Tratava-se de conhecer o grau de organização dos
trabalhadores para atuar junto a eles. Nas questões 83, 84, 85, 86 e 87, Marx (1982) investiga
as greves operárias. Quantas haviam sido realizadas desde a contratação do trabalhador? Qual
a duração destas greves? Foram parciais ou gerais? Quais as finalidades? Reivindicação de
aumentos salariais? Luta contra reduções salariais? Discutiu-se nessas greves a redução das
jornadas? Quais os resultados das greves realizadas? As respostas a estas questões
permitiriam a visualização do grau de organização e as conquistas da classe trabalhadora
francesa. Na questão 89, Marx (1982) pergunta se o grupo profissional do trabalhador apoiou
greves de outras categorias, caso este apoio tivesse acontecido, ficaria demonstrada a
maturidade política da classe trabalhadora francesa. Na questão 91, Marx (1982) indaga se
ocorreram coalizões de empregadores para impor reduções salariais e aumentos de carga de
trabalho. Ao analisar as questões 89 e 91, percebe-se um contraponto estabelecido por Marx
(1982), que estimula os trabalhadores a pensarem sobre o nível de organização e coesão de
suas lutas em comparação com as coalizações patronais, seriam eles tão solidários e coesos
entre si quanto seus patrões? Questões como essa surgem a partir dos contrapontos
estabelecidos e estimulam a reflexão dos trabalhadores. Nas questões 95 e 96, Marx (1982)
pergunta se existem sociedades de socorro mútuo no ofício do trabalhador para casos de
acidentes, enfermidade, morte, incapacidade e viuvez. O autor indaga também se o ingresso
nestas sociedades é voluntário ou obrigatório e se os operários controlam os recursos
arrecadados. Na questão 99, Marx (1982, p. 255-256) pergunta se na profissão do trabalhador
existem fábricas em que a remuneração é paga parcialmente em forma de “pretensa”
89

participação nos lucros. No final da questão, o autor pergunta se os trabalhadores que recebem
em forma de “pretensa” participação nos lucros podem ser “algo mais que humildes
servidores de seus patrões”. Na linguagem desta última pergunta, no adjetivo “pretensa” e na
expressão “humilde servidores de seus patrões” percebe-se claramente que Marx (1982) toma
partido e não esconde sua posição. Na última questão da seção IV, Marx (1982) pergunta
quais eram as condições físicas, intelectuais e morais em que viviam e trabalhavam os
operários do mesmo ofício do respondente. No final da Enquete havia espaço para os
trabalhadores registrarem suas observações gerais.

Como vimos anteriormente, pouco tempo após a publicação da Enquete Operária, Marx,
Engels, Guesde e Lafargue (2000) elaboram o Programa do Partido dos Trabalhadores
Franceses. Há confluências entre os dois documentos. Por um lado, há reivindicações
relacionadas à saúde dos trabalhadores no Programa do Partido dos Trabalhadores Franceses;
por outro, a Enquete foi também um instrumento de ação política. Entretanto, apesar de estar
diretamente relacionada ao contexto político francês do final do século XIX e às lutas
travadas à época, a seção IV da Enquete, por seu conteúdo e forma, coloca indiretamente
questionamentos que são bastante atuais. Existe neutralidade em campos do conhecimento
caracterizados por disputas e conflitos, como a ST? O conhecimento pode ser neutro? A
neutralidade é possível em um mundo divido em classes? Partindo do referencial marxista, a
resposta para as questão anteriores é negativa, ou seja, a neutralidade é impossível. Marx
(1975b) afirmou que os filósofos haviam se limitado a interpretar o mundo de diversas
maneiras, sendo que a questão fundamental, entretanto, era transformá-lo. Ao tentar
transformar a realidade, conscientemente ou não, afirmamos nossas posições e ideias. É por
isso que não há neutralidade. Por outro lado, os que pretendem manter a realidade como está,
afirmam igualmente seus posicionamentos e suas ideias quando atuam, também entre estes
não há neutralidade. É possível dizer que a seção IV da Enquete está de acordo com um dos
eixos principais do pensamento marxista, que é fazer da teoria uma arma de combate e
resistência da classe trabalhadora. Além disso, Marx (1982) integrou as questões de saúde dos
trabalhadores na luta pela superação do capitalismo, procedimento que, devido às novas
possibilidades tecnológicas, é ainda mais atual no tempo presente.
90

5 CONCLUSÃO

Neste estudo analisamos a atualidade da Enquete Operária elaborada por Karl Marx em 1880.
Com sua Enquete, o autor pretendia informar e se informar sobre as condições de vida e de
saúde dos trabalhadores franceses, além disso, tentou politizar e contribuir para o
fortalecimento da classe trabalhadora. A forma enquete operária – entendida como um
mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora – tanto leva quanto traz
conhecimentos, pode, inclusive, ser elaborada em conjunto com os trabalhadores.

Iniciamos este estudo pela hipótese de que a Enquete é atual porque trata de problemas de
saúde que continuam presentes no mundo contemporâneo, sendo inclusive objetos de ação do
campo Saúde do Trabalhador. Por essa razão, procuramos mostrar como tais problemas
aparecem na Enquete Operária e em estudos de ST. Por exemplo: a intensificação do trabalho
causada pela automação; os problemas de saúde relacionados a formas de pagamento, como o
salário por produção; problemas relacionados à mensuração do trabalho pago por produção;
exigência de horas extras associada às oscilações da demanda; o desemprego e o trabalho
sazonal. A hipótese inicial se confirmou, entretanto, ao longo da pesquisa surgiram outras
questões que reforçam a atualidade da Enquete Operária.

Exploramos a concepção marxista de trabalho procurando relacioná-la com o campo Saúde do


Trabalhador. Este procedimento foi necessário para fundamentar a análise sobre a atualidade
da Enquete Operária, que, como a ST, procura entender os problemas de saúde dos
trabalhadores a partir do processo de produção. Sendo assim, foi preciso retomar e rediscutir a
teoria de Marx sobre o trabalho mostrando com ela evolui até chegar à categoria processo de
produção.

As ideias marxistas a respeito do trabalho, expressas inicialmente nas obras Manuscritos


Econômico-filosóficos (de 1844) e A Ideologia Alemã (de 1846), reaparecem e são retomadas
em O Capital (de 1867), mostrando, dessa forma, a continuidade do pensamento do autor.

As categorias alienação e estranhamento, elaboradas e desenvolvidas por Marx (2007, 2013a,


2014a) e Engels (2013a, 2014a) em seus primeiros textos, são importantes porque
possibilitam que o ato de trabalho seja pensado como externalização do trabalhador
(alienação) que, no modo de produção capitalista, não se reconhece nem no que produz nem
no próprio ato de trabalhar (estranhamento), porque não pode determinar o que, como, com
que ritmo e quanto produzir. Ou seja, o estranhamento se manifesta como objeção social à
91

realização do trabalhador. Sendo assim, para o resgate do lado humano do trabalho


preconizado pela ST (MENDES; DIAS, 1991; DIAS, 1995; LACAZ, 2007) é preciso utilizar
as categorias alienação e estranhamento. Ou seja, é preciso utilizar os textos marxistas, que
continuam atuais.

O processo de produção capitalista é, para Marx (2014b), a unidade dos processos de trabalho
e de valorização. O primeiro entendido como ato preconcebido para obtenção de finalidades
pré-estabelecidas através do manuseio de objetos e meios de trabalho. O segundo entendido
como forma de valorização do valor, ou, em outros termos, como estratégia de extração de
mais-valia. Utilizar a categoria processo de produção é importante porque permite pensar o
processo de trabalho juntamente com o processo de valorização do capital, ou seja, o primeiro
não é determinado exclusivamente por formas de gestão de pessoal e desenvolvimentos
tecnológicos, estes, para serem aplicados, precisam atender ao critério de valorização do
capital. Sendo assim, a utilização da categoria processo de produção permite pensar o trabalho
como o que ele realmente é, ou seja, uma relação social, e não o resultado direto das formas
de gestão de pessoal e dos desenvolvimentos tecnológicos, porque também estes são
condicionados pelo processo de valorização e são empregados apenas quando rentáveis. Por
essa razão, destacamos a centralidade da categoria processo de produção para se pensar as
relações entre trabalho e saúde. Laurell e Noriega (1989) utilizam esta metodologia.
Entretanto, no Brasil os pesquisadores do campo Saúde do Trabalhador têm adotado a
categoria processo de trabalho para discutir e pensar a relação entre trabalho e saúde.

Para escrever O Capital, Marx (2014b) utilizou materiais produzidos pelos inspetores de
fábrica de seu tempo, estes relatórios fundamentaram empiricamente a teoria marxista. Marx
(2014b) utiliza tais materiais para denunciar as péssimas condições de trabalho e para mostrar
que a causa principal dos acidentes devia ser buscada no processo de produção capitalista, que
prioriza a valorização do capital comprometendo inclusive a segurança dos trabalhadores.
Neste sentido, é possível afirmar que Marx (2014b) é atual porque antecipa práticas que
seriam adotadas posteriormente pelo campo Saúde do Trabalhador, que, por sua vez, rechaça
a ideia de “ato inseguro” e a consequente culpabilização dos trabalhadores pelos acidentes de
que são vítimas.

Para escrever a Enquete Operária, Marx (1982) utilizou as análises e categorias


desenvolvidas em O Capital, é por isso que a Enquete tem importância no conjunto da obra
marxista. Algumas das questões sobre acidentes de trabalho foram elaboradas a partir de
relatórios de inspetores de fábrica ingleses, que Marx (2014b) havia citado em O Capital. As
92

perguntas sobre os movimentos do emprego e dos salários durante dos ciclos da economia
capitalista estão baseadas na teoria das crises presente em O Capital. A Enquete Operária é
atual também porque nela reaparece sintetizada a teoria desenvolvida em O Capital, esta
teoria é importante para se compreender o processo de produção capitalista e,
consequentemente, a relação entre trabalho e saúde.

O objetivo da Enquete não se restringia à coleta de informações sobre a classe operária


francesa, tratava-se de contribuir para o fortalecimento dos movimentos dos trabalhadores,
que começavam a se reorganizar após a dura repressão que se seguiu à Comuna de Paris.
Além de instrumento de conhecimento, a Enquete é uma forma de ação política que se
posiciona ao lado dos trabalhadores. É por isso que algumas perguntas contêm afirmações.

A Enquete Operária, como o próprio nome já revela, explora principalmente o trabalho


industrial. O modo de produção capitalista se desenvolveu ampliando cada vez mais o setor de
serviços, o que implicou em uma série de novos dilemas e problemas relacionados à saúde
dos trabalhadores. Este é um dos limites da Enquete, o texto de Marx (1982), não contempla o
setor de serviços, que passou a causar não poucos problemas de saúde para os trabalhadores.
Por isso defendemos que é a forma enquete operária, como mecanismo de investigação e de
politização, que continua atual, e não todas as perguntas formuladas por Marx (1982). Novas
enquetes podem utilizar algumas questões elaboradas em 1880, outras devem ser
reformuladas, mas a Enquete Operária é atual pela concepção que a sustenta, esta deve estar
presente em futuras enquetes. Importante destacar que é um erro sobrevalorizar o poder e a
importância das enquetes operárias, que são atuais e podem ser empregadas, mas de forma
alguma substituirão a teoria. A força e a atualidade da Enquete de 1880 está justamente no
fato dela se apoiar na teoria marxista de seu tempo.

Concluímos que a Enquete Operária é atual por seis razões principais: explora problemas de
saúde e de vida que continuam presentes no mundo contemporâneo; relaciona problemas de
saúde e de vida dos operários ao processo de produção capitalista, procedimento que
posteriormente seria seguido pelo campo Saúde do Trabalhador; valoriza o saber dos
operários, outro princípio posteriormente adotado pela Saúde do Trabalhador; é uma síntese
da teoria desenvolvida por Marx em O Capital, esta teoria é importante para se compreender
o processo de produção capitalista e, consequentemente, a relação entre trabalho e doença; na
Enquete as questões relacionadas à saúde dos trabalhadores são integradas na luta pela
libertação do trabalho; futuras enquetes operárias podem tomar como base a Enquete de 1880.
93

A forma do conflito entre capital e trabalho não é exatamente a mesma do tempo da Enquete
Operária, mas a essência não mudou, continua associada ao processo de produção capitalista
e à exigência de valorização do valor lhe é inerente. É o que o explica a atualidade da Enquete
e dos problemas que ela aborda.
94

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100

ANEXO A – O QUESTIONÁRIO DE 1880 – KARL MARX

Nenhum governo (monárquico ou republicano-burguês) ousou fazer uma investigação séria a


respeito da situação da classe operária na França. Mas, por outro lado, muitas pesquisas já
foram feitas a respeito das crises agrárias, financeiras, industriais, comerciais ou políticas.

A infâmia da exploração capitalista, evidenciada pelas investigações oficiais do governo


inglês, e as conseqüências legais dessas revelações (limitação da jornada legal de trabalho a
dez horas, leis sobre o trabalho da mulher e da criança, etc.) só serviram para aumentar o
temor da burguesia francesa aos perigos que poderiam ser acarretados por uma indagação
sistemática imparcial.

Com os escassos meios de que dispomos, iniciaremos por nossa conta esta indagação,
acreditando que, com isso, possamos talvez animar o governo republicano da França a seguir
o exemplo do governo monárquico inglês. Confiamos contar, para isso, com a ajuda de todos
os operários da cidade e do campo, conscientes de que apenas eles podem descrever, com
todo conhecimento de causa, os males que suportam, e de que só eles, e não os salvadores
providenciais, podem energicamente remediar as misérias sociais que sofrem. E contamos,
também, com os socialistas de todas as escolas, que, aspirando a uma reforma social, devem,
necessariamente, desejar adquirir o conhecimento mais exato e fiel possível a respeito das
condições em que vive e trabalha a classe operária, a classe à qual pertence o porvir.

Estes cadernos do trabalho constituem o primeiro passo que a democracia socialista tem que
dar para abrir caminho à renovação social.

As cem perguntas contidas no questionário são da mais alta importância. As respostas deverão
conter o número de ordem da pergunta correspondente. Não é necessário responder a todas as
perguntas, mas recomendamos que as respostas sejam as mais amplas e detalhadas possíveis.
Não se publicará o nome da operária ou operário que enviar a resposta, a não ser que haja
expressa autorização para isso; entretanto, cada remetente deverá indicar seu nome e
endereço, de modo a permitir, se for o caso, entrar em contato com ele.

As respostas devem ser dirigidas ao administrador da Revue Socialiste, M. Lécluse, 28, rue
Royale, Saint-Cloud, Paris.

As respostas serão classificadas e servirão de base para uma série de monografias especiais,
que serão publicados na Revue Socialiste, e, mais tarde, reunidas em um volume.
101

1) Qual é o seu ofício?

2) A fábrica em que você trabalha pertence a um capitalista ou a uma sociedade anônima? Dê


os nomes dos patrões capitalistas ou dos diretores da empresa.

3) Declare o número de trabalhadores da empresa.

4) Declare a idade e o sexo destes trabalhadores.

5) Qual a idade mínima em que as crianças (meninos ou meninas) começam a trabalhar?

6) Qual o número de fiscais ou outros empregados na fábrica que não são assalariados
comuns?

7) Há aprendizes? Quantos?

8) Existem, além dos operários empregados regular e usualmente, outros que são empregados
de tempos em tempos?

9) A indústria do seu empregador trabalha exclusiva ou principalmente para o mercado local,


para o mercado nacional ou para a exportação?

10) A fábrica em que você trabalha está no campo ou na cidade? Indicar o lugar em que ela
está situada.

l 1) Se a fábrica funciona no campo, diga se seu trabalho industrial lhe basta para cobrir suas
necessidades ou se o combina com algum trabalho agrícola.

12) Seu trabalho é feito à mão ou com auxílio de máquinas?

13) Dar detalhes a respeito de como é a divisão do trabalho em sua indústria.

14) Emprega-se o vapor como força motriz?

15) Indique o número de edifícios ou locais em que funcionam os diferentes ramos da


indústria. Descreva a especialidade em que você trabalha, referindo-se não apenas à parte
técnica como também à fadiga muscular e nervosa que o trabalho lhe impõe, e de como
repercute, em geral, sobre a saúde do operário.
102

16) Descreva as condições higiénicas da fábrica: tamanho das instalações e lugar destinado a
cada operário; ventilação, temperatura, caiação das paredes; condições em que se encontram
os sanitários; limpeza em geral; ruído das máquinas, pó do metal, umidade, etc.

17) O município ou o governo vigiam as condições de higiene da fábrica?

18) Em sua indústria há emanações nocivas que provoquem enfermidades específicas entre os
operários?

19) A fábrica está abarrotada de máquinas?

20) A força motriz, os mecanismos de transmissão e as máquinas estão protegidas para a


prevenção de qualquer acidente?

21) Enumerar os acidentes de trabalho ocorridos durante o tempo em que você trabalha na
fábrica.

22) Se o lugar de trabalho for uma mina, enumerar as medidas preventivas adotadas pelo
patrão para assegurar a ventilação e impedir as explosões e outros acidentes perigosos.

23) Se trabalha em uma fábrica de produtos químicos, em altos-fornos, em metalúrgica ou


qualquer outra indústria em que haja perigos especiais, enumerar as medidas de precaução
adotadas pelo patrão.

24) Que tipo de combustível se emprega na fábrica (gás, petróleo etc.)?

25) Em caso de incêndio, dispõe a fábrica de saídas em quantidade suficiente?

26) Em caso de acidente, o patrão está legalmente obrigado a indenizar o operário ou a sua
família?

27) Se não é obrigado, ele já tem pago indenização aqueles que sofreram acidentes enquanto
trabalhavam para enriquecê-lo?

28) Existe algum serviço médico na fábrica?

29) Se você trabalha em casa, descreva as condições da sua sala de trabalho. Trabalha
somente com ferramentas ou emprega pequenas máquinas? Você tem como auxiliares seus
filhos ou outras pessoas (adultos ou menores, homens ou mulheres)? Trabalha para clientes
particulares ou para uma empresa? Você trata diretamente com estes ou através de um
intermediário?
103

II

30) Indicar as horas de trabalho por dia e os dias de trabalho na semana.

31) Indicar os dias de festa durante o ano.

32) Pausas que existem durante a jornada de trabalho.

33) Os trabalhadores de sua fábrica comem a intervalos determinados ou irregularmente?


Comem dentro ou fora da fábrica?

34) Trabalha-se durante as horas das refeições?

35) Se é utilizada a força do vapor, quando se abre o vapor e quando se fecha?

36) Trabalha-se à noite?

37) Indicar as horas em que trabalham os meninos e os menores de 16 anos.

38) Dizer se há turnos de meninos e menores, que se substituam mutuamente durante as horas
de trabalho.

39) O governo ou o município encarrega-se de pôr em prática as leis vigentes sobre o trabalho
infantil? E submetem-se a elas os patrões?

40) Existem escolas para os meninos ou menores que trabalham nesse ofício? Se existem, a
que horas funcionam? Quem a dirige? Que se ensina nelas?

41) Se há trabalho diurno e noturno, que sistema de turnos se aplica?

42) Qual é o número habitual de horas extraordinárias durante os períodos de maior atividade
industrial?

43) As máquinas são limpas por operários especialmente designados para isto ou são
gratuitamente limpas pelos operários que trabalham com elas durante o dia?

44) Quais são as normas e penalidades por atraso? A que horas começa o dia de trabalho, e a
que horas recomeça após as refeições?

45) Quanto tempo você gasta na ida para o trabalho e no regresso à casa?

III

46) Que espécie de contrato você tem com seu patrão? Você é contratado por dia, semana,
mês, etc.?
104

47) Quais são as condições estabelecidos para dar ou receber aviso prévio?

48) No caso de o contrato ser rompido e o empregador estar errado, a que penalidade ele deve
se submeter?

49) E quando o operário está errado, que penalidade deve sofrer?

50) Se existem aprendizes, em que condições são eles empregados?

51) Trabalham de modo permanente ou com interrupção?

52) No seu ramo de atividade, o trabalho é sazonal ou é regularmente distribuído no


transcorrer de todo o ano? Se o seu trabalho é sazonal, como é que você vive nos períodos em
que não há trabalho?

53) Você recebe por tempo ou por tarefa?

54) Se você é pago à base de tempo, seu pagamento é por hora ou por dia?

55) Paga-se salário adicional pelo trabalho extra? Em caso afirmativo, qual o salário?

56) Se o salário que você cobra é por tarefa, como se regula? Se você trabalha num lugar em
que o trabalho executado se mede por quantidade ou por peso, como acontece nas minas, diga
se o patrão ou seus representantes recorrem a truques para escamotear-lhe uma parte de seus
ganhos.

57) Se você é pago por tarefa, usa-se o pretexto da qualidade do artigo para enganá-lo,
reduzindo seu salário?

58) Quer seja por tarefa ou por tempo, quando o trabalho é pago? Em outras palavras, durante
quanto tempo você credita a seu patrão antes de receber o preço do trabalho efetuado? Você é
pago após um mês? Uma semana? etc.

59) Você observou que, ao lhe pagarem com atraso, obrigam-no, frequentemente, a recorrer à
casa de penhores na qual você deve depositar uma taxa de juros alta e despojar-se de coisas
que lhe são necessárias? Você observou que isso o obriga a endividar-se junto aos
comerciantes e a tornar-se devedor deles? Conhece casos em que operários perderam seus
salários por causa da falência ou da bancarrota de seus patrões?

60) Os salários são pagos diretamente pelo patrão ou há intermediários no pagamento (agentes
comerciais, etc.)?
105

61) Se os salários são pagos por meio de intermediários, quais são as cláusulas do contrato?

62) Qual é a quantia que você recebe em dinheiro, por dia e por semana?

63) Que salários recebem as mulheres e as crianças que trabalham com você na mesma
fábrica?

64) Qual foi, em sua fábrica, o mais alto salário por dia, durante o mês anterior?

65) Qual foi o mais alto salário por tarefa, durante o mês anterior?

66) Que salário você recebeu no mesmo período, e, caso tenha família, quanto ganharam sua
mulher e seus filhos?

67) Os salários são pagos totalmente em dinheiro ou de outro modo?

68) Caso o patrão lhe alugue a casa em que vive, em que condições é feito esse aluguel? Ele
desconta o aluguel do salário?

69) Quais são os preços dos artigos de primeira necessidade, tais como: (a) aluguel da
moradia, indicando as condições do contrato; número de cômodos e de pessoas que os
ocupam; gastos com reparos e seguros; compra e manutenção dos móveis, calefação,
iluminação, água, etc.; (b) alimentos: pão, carne, legumes, batatas, etc., laticínios, peixe,
manteiga, azeite, banha, açúcar, sal, temperos, café, cerveja, sidra, vinho, fumo,
etc.; (c) vestimentas para pais e filhos, roupa de cama, higiene pessoal, banhos, sabão,
etc.; (d) despesas várias: correio, taxas de empréstimo e agiotagem, pagamento da escola para
os filhos, revistas, jornais, contribuições a sociedades e caixas para greves, sindicatos,
etc.; (e) em seu caso pessoal, gastos relacionados com o exercício de seu trabalho ou
profissão; (f) impostos e taxas.

70) Procure estabelecer o montante semanal e anual de ganhos e gastos seus e de sua família.

71) Em sua experiência pessoal, já observou uma alta maior de preços dos artigos de primeira
necessidade, moradia, comida, etc., que dos salários?

72) Declare as flutuações dos níveis salariais que conhece.

73) Indique as baixas sofridas pelos salários nos períodos de retração ou de crises industriais.

74) Indique o aumento dos salários nos períodos de chamada prosperidade.


106

75) Fale das interrupções que intervieram no trabalho após mudanças de métodos ou crises
particulares e gerais. Fale de seus próprios períodos de desemprego involuntário.

76) Estabeleça um paralelo entre o preço dos artigos que você produz ou dos serviços que
você presta e o preço de seu trabalho.

77) Você conhece casos em que operários perderam o emprego porque foram introduzidos
máquinas novas ou aperfeiçoamentos de um outro tipo?

78) O desenvolvimento do maquinismo e o aumento da produtividade do trabalho


aumentaram ou diminuíram a intensidade e a duração do trabalho?

79) Sabe de algum caso de elevação dos salários em conseqüência dos progressos da
produção?

80) Você já conheceu alguma vez simples operários que tenham saído do trabalho aos
cinqüenta anos e que possam viver do que ganharam como assalariados?

81) Em sua profissão, durante quantos anos um operário de saúde média pode continuar a
trabalhar?

IV

82) Existem, em seu ofício, associações operárias? Quem as dirige? Envie-nos os seus
estatutos e regulamentos.

83) Quantas greves foram declaradas em sua indústria, desde que você nela trabalha?

84) Quanto duraram essas greves?

85) Foram greves parciais ou gerais?

86) Que finalidade tinham essas greves: aumento de salários ou eram uma luta contra
diminuições salariais? Discutia-se nelas a duração da jornada de trabalho ou referiam-se a
outras causas?

87) Quais foram seus resultados?

88) Como funcionam os tribunais do trabalho?

89) Seu grupo profissional apoiou greves de operários pertencentes a outras categorias?
107

90) Quais são os regulamentos e as penas estabelecidos pelo patrão de sua empresa para
administrar seus operários?

91) Houve coalizões de empregadores que procuram impor reduções de salários, aumentos do
trabalho, para se oporem às greves, ou, de modo mais geral, para imporem sua vontade?

92) Você conhece casos em que o governo tenha posto a força pública a serviço dos patrões
contra os operários?

93) Conhece casos em que o governo tenha intervindo para proteger os operários contra os
abusos dos patrões e suas coalizões ilegais?

94) O governo impõe, contra os patrões, a execução das leis vigentes sobre o trabalho? Os
inspetores do governo cumprem os seus deveres?

95) Existem, em sua oficina ou em seu ofício, sociedades de socorro mútuo, para casos de
acidentes, enfermidade, morte, incapacidade temporal para o trabalho, viuvez, etc.? Em caso
positivo, envie-nos seus estatutos e regulamentos.

96) O ingresso nessas sociedades é voluntário ou obrigatório? Os fundos dessas sociedades


estão sob o controle exclusivo dos operários?

97) Se se trata de cotas obrigatórias, postas sob o controle do patrão, diga se são deduzidos do
salário. Os patrões pagam juros pelas somas retidas? Essas quantias são devolvidas aos
operários em caso de expulsão ou de dispensa? Você conhece casos em que os operários se
tenham beneficiado dos chamados fundos de aposentadoria controlados pelos patrões, e cujo
capital se tenha formado por cotas deduzidos dos salários?

98) Existem, em seu ofício, sociedades cooperativas? Como são dirigidos essas sociedades?
Empregam operários de fora, como fazem os capitalistas? Envie-nos seus estatutos e
regulamentos.

99) Na sua profissão existem fábricas nas quais a retribuição dos operários é paga parte com o
nome de salário e parte com o de uma pretensa participação nos lucros? Compare as quantias
recebidas por estes operários com as quantias recebidas por outros operários, em fábricas
onde não existe nenhuma pretensa participação nos lucros. Faça a lista das obrigações às quais
estes operários estão submetidos. Eles podem fazer greve, etc.? É possível para eles serem
algo mais do que humildes servidores de seus patrões?
108

100) Quais são, em geral, as condições físicas, intelectuais e morais em que vivem os
operários e operárias que trabalham em seu ofício?

101) Observações gerais.

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