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(Fundacentro)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TRABALHO, SAÚDE E AMBIENTE
São Paulo
2015
Júlio César Lopardo Alves
São Paulo
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Serviço de Documentação e Biblioteca – SDB / Fundacentro
São Paulo – SP
Sergio Roberto Cosmano CRB-8/7458
Ao Prof. Dr. José Marçal Jackson Filho pelas orientações sempre precisas.
Aos meus pais e aos meus avós pelo exemplo de dedicação e perseverança.
A todos companheiros e a todas companheiras com quem sonhei, lutei, sonho e luto por
mundo melhor, este trabalho não existiria sem as discussões e sonhos que tivemos e temos
juntos.
O DERROTADO INVENCÍVEL
(Carlos Drummond de Andrade)
– Gigantes!
(Moinhos
de vento...)
– Malina
mandinga,
traça
d’espavento!
(Moinhos e moinhos
de vento...)
– Gigantes!
Seus braços
de aço
me quebram
a espinha
me tornam
farinha?
Mas brilha
divino
o santelmo
que rege
e ilumina
meu valimento.
Doído,
moído,
caído,
perdido,
curtido,
morrido,
eu sigo,
persigo
o lunar
intento:
pela justiça no mundo,
luto, iracundo.
RESUMO
Em 1880, Karl Marx elaborou a Enquete Operária com objetivo de investigar as condições de
vida e de saúde da classe trabalhadora francesa. Além disso, a Enquete procura politizar os
trabalhadores e contribuir para o fortalecimento das suas organizações de luta, é, portanto, um
instrumento de ação política. Esta dissertação analisa a atualidade da Enquete Operária. Para
isso, discutiu-se a concepção marxista de trabalho salientando as potencialidades negativas e
positivas deste. Destacou-se a importância da categoria processo de produção no sentido
marxista, ou seja, como unidade dos processos de trabalho e de valorização. Apresentou-se,
em linhas gerais, o desenvolvimento do capitalismo e do campo Saúde do Trabalhador,
mostrando como os problemas de saúde e de vida se transformam com a evolução do processo
produtivo. Cinco eixos da Enquete Operária foram explorados: desenvolvimento e aplicação,
estrutura das empresas e acidentes de trabalho, jornadas e intensidade do trabalho, salários e
condições de vida, greves e organização dos trabalhadores. A Enquete Operária é atual por
seis razões principais: explora problemas de saúde e de vida que continuam presentes no
mundo contemporâneo; relaciona problemas de saúde e de vida dos operários ao processo de
produção capitalista, procedimento que posteriormente seria seguido pelo campo Saúde do
Trabalhador; valoriza o saber dos operários, outro princípio posteriormente adotado pela
Saúde do Trabalhador; é uma síntese da teoria desenvolvida por Marx em O Capital, esta
teoria é importante para se compreender o processo de produção capitalista e,
consequentemente, a relação entre trabalho e doença; na Enquete as questões relacionadas à
saúde dos trabalhadores são integradas na luta pela libertação do trabalho; futuras enquetes
operárias podem tomar como base a Enquete de 1880. A obra de Marx, a Enquete inclusive, é
atual porque o conflito entre capital e trabalho continua existindo. A forma enquete operária –
entendida como um mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora –
continua atual. Marx dirigiu sua Enquete aos trabalhadores franceses do final do século XIX,
o que impede o emprego de todas as questões em outros contextos. Mas, por outro lado, a
elaboração de enquetes operárias em outros momentos históricos não pode prescindir da
teoria marxista, da Enquete de 1880 inclusive, por isso ambas são atuais.
In 1880, Karl Marx developed the Worker's Inquiry, with intention to investigate the life and
health conditions of the french worker's class. Besides that, the Inquiry seeks to politicize the
workers and contribute to the strengthening of the struggle organizations, it was, therefore, a
political action tool. This dissertation analyzes the Worker's Inquiry topicality. For this
purpose, was discussed the marxist conception of work, emphasizing the negative and
positive potentialities of the work. Was highlighted the importance of the category
"production process" in the marxist meaning, that is, this category as the unicity of the
categories "labour-process" and "capital appreciation process". Was exposed, in general lines,
the development of the capitalism and of the Worker's Health field, showing how the health
and life problems get transformed with the evolution of the productive process. Five axes of
the Worker's Inquiry was explored: development and application; structure of the companies
and work-related injuries; working hours and intensity of work; salaries and life conditions;
strikes and worker's. The Worker's Inquiry is contemporary because of six main reasons: the
health and life problems exposed in the Inquiry continues to exist in the contemporary world;
relate the worker's life and health problems with the capitalist production process, a procedure
that would be followed later by the Worker's Health field; value the worker's knowledge,
another principle subsequently adopted by the Worker's Health; the Inquiry is a synthesis of
the theory developed by Marx in “The Capital”, this theory is important to understand the
capitalist production process and, consequently, the relation between work and disease; in the
Inquiry, the questions related to worker's health was integrated in the struggle for the freedom
of work; future versions of worker's inquiries could be based on the 1880's Inquiry. The works
of Marx, including the Inquiry, are current today because the conflict between capital and
work still exist. The worker's inquiry's instrument, as a worker’s class investigation and
politicization mechanism, remains actual. Marx steered his Inquiry to the french workers in
the late of 19th century, and therefore the use of all questions in another contexts is not
possible. By other side, the elaboration of others worker's inquires in others historical
moments cannot dispense with the Marxist theory, as so the 1880's Inquiry, and that's why
both are still topical today.
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................9
2 CONCEPÇÃO MARXISTA DE TRABALHO................................................................12
2.1 Trabalho na história..............................................................................................12
2.2 Alienação e estranhamento...................................................................................17
2.3 Processo de trabalho, processo de valorização e processo de produção..........26
3 SAÚDE DO TRABALHADOR E MARXISMO..............................................................35
3.1 Avanço do capitalismo e surgimento do campo Saúde do Trabalhador..........35
3.2 Processo de produção e saúde..............................................................................42
4 A ENQUETE OPERÁRIA.................................................................................................48
4.1 Desenvolvimento e utilização................................................................................48
4.2 Estrutura das empresas e acidentes de trabalho................................................56
4.3 Jornadas e intensidade do trabalho.....................................................................61
4.4 Salários e condições de vida..................................................................................73
4.5 Greves e organização dos trabalhadores.............................................................87
5 CONCLUSÃO.....................................................................................................................90
REFERÊNCIAS......................................................................................................................94
ANEXO A – O QUESTIONÁRIO DE 1880 – KARL MARX..........................................100
9
1 INTRODUÇÃO
Nosso estudo analisa a atualidade da Enquete Operária1, documento redigido e publicado por
Marx em 1880, com o objetivo de investigar as condições de vida e de saúde da classe
trabalhadora francesa. A Enquete também procura politizar e contribuir para a organização e
fortalecimento dos trabalhadores franceses, ou seja, é um instrumento político que toma
partido e não cria uma falsa ilusão de imparcialidade. Nas questões elaborados por Marx
reaparecem as análises e observações realizadas pelo autor em suas obras, especialmente O
Capital, isso torna a Enquete um texto importante, o que contrasta com sua pouca utilização
pelos movimentos do trabalhadores e pelas ciências sociais.
1
Empregamos os nomes Enquete Operária, Enquete de 1880, Questionário e Enquete como
sinônimos. Mas privilegiamos a palavra Enquete, que tem o sentido de investigação.
10
capítulo dois discutimos, em linhas gerais, a relação entre processo de produção e problemas
de saúde dos trabalhadores.
Na maioria das línguas ocidentais trabalhar tem dois sentidos, por um lado, a negatividade: a
ideia de esforço, fadiga e repetição; por outro, a possibilidade positiva de externalização, de
transformação da realidade, de objetivação da existência subjetiva do homem (ALBORNOZ,
2008). Algumas línguas empregam palavras distintas para registrar os dois sentidos do ato de
trabalhar: no francês travailler e ouvrer ou oeuvrer, em italiano lavorare e operare, no
espanhol trabajar e obrar, em alemão arbeit e werk, em inglês labour e work (ALBORNOZ,
2008). A palavra trabalho utilizada na língua portuguesa se originou do latim tripalium, que
era um instrumento agrícola com três pontas afiadas empregado para bater trigo, milho e
linho. Entretanto, o tripalium também era utilizado como instrumento de tortura. O verbo do
latim vulgar tripaliare significa torturar (ALBORNOZ, 2008).
Pode-se dizer que o sentido negativo da palavra trabalho se mantém até o presente, ainda que
não exclusivamente. É comum ouvirmos trabalhadores se referirem aos períodos de não
trabalho como “tempo livre”. Esta expressão, em si mesma, registra a negatividade do
trabalho na sociedade atual: sua carga de esforço, fadiga, repetição e estranhamento. O modo
de produção capitalista separa os meios de produção dos produtores, impedindo, dessa forma,
que estes determinem o conteúdo, a intensidade e os objetivos do trabalho, que passam a ser
determinados pela exigência de valorização do capital. O trabalho transforma-se em meio de
sobrevivência e perde suas possibilidades libertárias. Atualmente, além de trabalhar, algumas
pessoas mantêm hobbies, esta palavra é empregada para indicar atividades e tarefas que são
praticadas por prazer e realização, por outro lado, expressa também a negatividade do trabalho
na sociedade atual, como se não fosse possível alcançar prazer e realização nas atividades
produtivas.
Na antiguidade grega o trabalho agrícola era valorizado porque estabelecia um elo entre o
homem e a terra, não se tratava ainda de desenvolver técnicas e métodos para aumentar a
produtividade, que era regida pela divindade da terra e pelos ciclos naturais, pelo contrário,
mais importante era se adaptar a estes (ALBORNOZ, 2008). À medida que escravos
começaram a ser incorporados à produção agrícola, o trabalho com a terra deixou de ser
valorizado (ALBORNOZ, 2008). Sociedades baseadas no trabalho escravo tendem a
desvalorizar os produtores diretos. Aristóteles, por exemplo, quase igualava os artesãos aos
instrumentos que produzem um objeto (ALBORNOZ, 2008). Na Grécia antiga valorizava-se,
sobretudo, a ação que não gerava nada além de si própria, os gregos diferenciavam práxi2 de
poiesis, valorizavam muito mais aquela do que esta, práxis estava associada à ideia de
liberdade, à solução de problemas teóricos e às atividades que não geravam diretamente
produtos materiais, poeisis se referia às atividades práticas associadas à fabricação e produção
de objetos materiais (ALBORNOZ, 2008).
A sociedade grega valorizava muito mais o trabalho intelectual dos filósofos e políticos do
que as atividades práticas dos artesãos e outros trabalhadores, por isso às vezes deixava estas
últimas a cargo de mulheres e escravos, que eram considerados inferiores. Apesar do intenso
desenvolvimento das artes e do pensamento em geral, a sociedade grega não chegou a
2
Posteriormente, Marx daria outro sentido para a palavra práxis, que passaria a ser utilizada como
síntese dialética de teoria e prática.
14
É possível dizer que o sentido negativo do ato de trabalhar inaugurado pela tradição judaico-
cristã está presente na sociedade atual. O trabalho tornou-se repetitivo e entediante para os
produtores, que não controlam os ritmos, possibilidades e objetivos da produção e, por isso,
fazem o possível para aumentar o “tempo livre” do trabalho, sonham com um paraíso onde
não seja mais necessário comer o pão com o suor do rosto.
Paralelamente ao Renascimento, surge a Reforma protestante que, por sua vez, alterou a
compreensão tradicional sobre o trabalho (ALBORNOZ, 2008). Segundo Lutero, o trabalho é
a base e a chave da vida (ALBORNOZ, 2008). A Reforma protestante manteve a ideia de que
trabalhar era a consequência da queda do paraíso, mas, por outro lado, sustentava que todos
deviam trabalhar, o ócio começou a ser condenado, a salvação e a virtude passaram a
depender do trabalho (ALBORNOZ, 2008). Calvino radicalizou a Reforma, o trabalho passou
ser enxergado como a vontade de Deus, que já teria predeterminado os homens que seriam
vitoriosos e os que fracassariam. Segundo Calvino, os lucros deveriam ser continuamente
reinvestidos para ampliar a produção e criar mais trabalho (ALBORNOZ, 2008).
15
Weber (2007) mostrou como a ética protestante e sua concepção de trabalho ajudaram a
impulsionar o desenvolvimento do modo capitalistas de produção a partir do século XVI,
quando as relações de produção feudais começam a ser superadas na Europa. Por outro lado e
sem desconsiderar a importância dos apontamentos de Weber (2007), é possível pensar o
inverso, ou seja, no quanto as incipientes relações de produção capitalistas ajudaram a forjar a
ética protestante.
3
Para uma discussão sobre os pensadores socialistas anteriores ao marxismo, ver Engels (1980).
16
de transformação do real; mas, por outro lado, não se ocuparam dos graves problemas
relacionados à saúde dos trabalhadores empregados nas fábricas.
A concepção de trabalho de Marx e Engels (2007, 2013a) e Marx (2014a) parte da economia
política inglesa e da filosofia alemã, reconhece a centralidade do trabalho para a geração de
riqueza e para a autoconstrução humana, mas os autores não param neste ponto, eles
percebem que, além de riqueza e realização, o trabalho pode também produzir miséria e
estranhamento, doença e desrealização4. Por essa razão os autores são importantes para o
campo Saúde do Trabalhador, eles exploram a categoria trabalho em sua totalidade, incluindo
4
Marx e Engels se encontraram pela primeira vez em 1842, quando este visitou o jornal Gazeta
Renana, que tinha Marx nos seus quadros. Filho de pai industrial, Engels conheceu e se impressionou
com as péssimas condições de vida dos trabalhadores; estudou e escreveu sobre economia política e
sobre as condições de vida dos trabalhadores. Em 1844, publicou Esboço para uma Crítica da
Economia Política, texto que influenciou Marx. O interesse comum pelas lutas de emancipação dos
trabalhadores foi eixo principal da amizade e da colaboração entre Marx e Engels.
17
Para Marx (2014a), o homem é um ser que se define pela forma como produz, ou seja: por seu
trabalho, por sua atividade vital, por sua vida produtiva. O autor ressalta que também os
animais produzem, mas não da mesma maneira que os homens. Marx (2014a, p. 84): “A
atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal.
Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico.” Para o autor, os animais produzem por
instinto e de acordo com os padrões da espécie para atender suas carências imediatas, já o
homem é um ser que produz verdadeiramente quando livre de carências e que, por produzir de
forma consciente, é capaz de transformar seus próprios padrões de produção à medida que
conhece a legalidade dos objetos, podendo seguir inclusive as “leis da beleza” (MARX,
2014a, p. 85). De acordo com o autor, o animal produz a si próprio, unilateralmente, enquanto
o homem produz universalmente e reproduz a natureza inteira. Segundo Marx (2014a, p. 84):
“a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem.” Aqui aparece a potencialidade
positiva do trabalho, que Marx (2013b) retomaria, por exemplo, em 1875, quando escreveu
Crítica do Programa de Gotha, e registrou que, na futura sociedade comunista, o trabalho
deixaria de ser apenas meio de vida para se transformar na primeira necessidade vital. A
concepção de trabalho registrada nos Manuscritos reaparece também em O Capital, quando
19
Marx (2014b) diferencia a produção dos animais da humana, porque esta é projetada e
planejada primeiramente na consciência. Para Marx (2014a), o animal não se distingue da sua
atividade vital, já o homem é capaz de submeter esta à sua consciência e à sua vontade,
podendo, por essa razão, seguir inclusive as “leis da beleza”, se quiser. Como o trabalho
humano é consciente, o homem transforma seus padrões de produção e suas próprias
necessidades.
Toda atividade produtiva envolve algum grau de alienação, entendida aqui como remissão
para fora, despojamento e transformação qualitativa dos materiais e objetos trabalhados. Nesta
perspectiva a alienação é uma etapa do trabalho, é a externalização do trabalhador. Os
produtos do trabalho humano são objetivações dos que os produziram. Marx (2014a, p. 80):
“O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal (sachlich), é a
objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. A efetivação (Verwirklichung) do trabalho é
a sua objetivação.” Um escritor fixa sua existência subjetiva nos seus romances, um artesão
nos vasos e objetos que produz e assim sucessivamente. As criações artísticas, quando não
condicionadas e limitadas do mercado, são exemplos de produções livres de carências
imediatas, como comer, beber e vestir-se; permitem, por essa razão, a realização dos artistas,
que podem desenvolver plenamente suas capacidades de expressão e criação, e que se
reconhecerão em suas produções e na atividade que exercem. O homem aliena e externaliza
seu ser nos produtos do seu trabalho, que, por outro lado, espelham e refletem a existência
subjetiva do homem. O estranhamento ocorre quando o produtor não se vê refletido nos
produtos do seu trabalho. Ao separar os produtores dos meios de produção, o capital obriga os
primeiros a venderem suas forças de trabalho, e passa a determinar o que, como, com que
ritmo e quanto deve ser produzido, o trabalho deixa de ser atividade consciente e livre para se
submeter à dinâmica do processo de valorização do capital. O estranhamento nasce do
rebaixamento do trabalho de necessidade vital para meio de vida, da separação do trabalho
intelectual – da etapa de concepção e planejamento – da execução. O homem submetido ao
trabalho estranhado produz para receber um salário que lhe permita suprir suas carências
imediatas (comer, beber, vestir-se), mas não se realiza plenamente em sua atividade
produtiva. Para Marx (2014a, p. 84-85): “O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto
que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua
essência, apenas um meio para sua existência.” A liberdade da necessidade, a existência se
20
Segundo Marx (2014a, p. 83), o trabalhador submetido ao trabalho estranhado: “Está em casa
quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto
voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório.” Ou seja, o trabalho deixa de ser uma
necessidade vital e se transforma em meio para a manutenção da existência física:
Sua estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui [de forma] tão pura que, tão
logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de
uma peste. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é
um trabalho de autosacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade
(Äusserlichkeit) do trabalho aparece para o trabalhador como se [o trabalho]
não fosse seu próprio, mas de outro, como se [o trabalho] não lhe
pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um
outro (MARX, 2014a, p. 83).
Para Marx (2014a), o estranhamento ocorre no trabalho (atividade, ato de produção) e em
relação aos produtos deste. O autor define o primeiro caso como estranhamento de si, o
segundo caso é definido como estranhamento da coisa. Ou seja, o trabalhador estranha sua
própria atividade, que não lhe pertence e provoca desrealização, e estranha os objetos que
produz, que conformam um mundo alheio que se volta contra seu produtor. Segundo Marx
(2014a), o estranhamento ocorre mais no próprio trabalho do que em relação aos produtos
5
Em textos posteriores, Marx (2013e, 2014b) não faz referência à “essência humana”, esta expressão é
mais comum nos Manuscritos que, como dissemos acima, eram, originalmente, anotações do autor a
partir das suas leituras. Entretanto, a crítica ao trabalho estranhado reapareceu nos textos posteriores
aos Manuscritos, inclusive em O Capital.
6
As relações de produção escravistas são um exemplo de trabalho estranhado que pode existir em
modos de produção diferentes do capitalismo.
21
A crítica de Marx (2014a) ao modo capitalista de produção presente nos Manuscritos é radical
e irreconciliável, condiciona a superação do estranhamento à suprassunção da propriedade
privada. Não se trata, para o autor, de reivindicar melhores salários, a questão é superar a
separação dos produtores em relação aos meios de produção, que obriga os primeiros a
venderem suas forças de trabalho:
7
Dois anos após a redação dos Manuscritos, em 1846, a partir da análise do francês Jacques Peuchet,
Marx (2013c, p. 48) publicou um texto sobre casos de suicídios ocorridos na França em que registrou:
“Entre as causas do suicídio, contei muito frequentemente a exoneração de funcionários, a recusa de
trabalho, a súbita queda dos salários, em consequência de que famílias não obtinham os meios
necessários para viver, tanto mais que a maioria delas ganha apenas para comer.” Como se vê, a
relação entre trabalho e saúde sempre esteve presente no pensamento de Marx.
23
Quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; quanto mais
valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem
formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais
civilizado seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o
trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito
o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador
(MARX, 2014a, p 82).
Quanto maior o desgaste do trabalhador, mais poderoso se torna o mundo objetivo, que lhe é
alheio e se volta contra seu produtor; quanto mais riqueza produz, mais pobre se torna o
mundo interior do trabalhador, que aliena seu ser em objetos que não lhe pertencem; quanto
mais objetos produz, mais sem-objeto é o trabalhador; cuja exteriorização do trabalho nos
produtos significa uma existência externa, fora do trabalhador, independente e estranha a ele,
e que se transforma numa potência autônoma que o confronta (MARX, 2014a).
Em 1846, Marx e Engels (2007) concluíram a redação de A Ideologia Alemã, que, por falta de
editores, só seria publicada em 1932. Os autores definem atividade livre como a
exteriorização criadora decorrente do livre desenvolvimento de todas as capacidades
humanas. O estranhamento reaparece como negação da potencialidade libertária e criativa do
trabalho. Para Marx e Engels (2007), o trabalho, sob o capitalismo, perde toda a aparência de
autoatividade e só conserva a vida definhando-a.
e que até mesmo dirige esse querer e esse agir (MARX; ENGELS, 2007, p.
38).
Como vimos acima, a crítica marxista ao capitalismo não se limita à exploração inerente a este
modo de produção, Marx (2007, 2013a, 2014a) e Engels (2007, 2013a) denunciam também o
estranhamento produzido pelas relações capitalistas de produção, que se caracterizam pelo
trabalho assalariado e pela transformação da força de trabalho em mercadoria. Os autores
mostram que o homem se objetiva, se constrói e se realiza por meio do trabalho, que é a
fixação objetiva da sua existência subjetiva. Ao separar os meios de produção dos
trabalhadores, o capital impede que estes determinem o que, como, com que ritmo e quanto
produzir; ou seja, o capital bloqueia as possibilidades de objetivação plena da existência
subjetiva dos trabalhadores. O trabalho deixa de ser autotélico e autodeterminado e se torna
estranho. Os homens não se reconhecem nem nos produtos nem no mundo que produzem, um
e outro lhes aparecem como entidades estranhas e hostis, os produtos do trabalho se voltam
contra seus produtores. A esfera fundamental para a realização e a autoconstrução humana, o
trabalho, passa a provocar desrealização, desefetivação e estranhamento. Para Marx (2014a), a
desvalorização do mundo dos homens cresce com a valorização do mundo das coisas.
Considerando que a valorização do mundo das coisas se expressa na produção incessante e
crescente de mercadorias, é possível afirmar que ampliou-se desvalorização do mundo dos
homens, que se expressa em forma de estranhamento.
esta qualidade do trabalho em geral é negada à grande maioria dos trabalhadores, que são
submetidos à exploração e ao estranhamento9. Para Laurell e Noriega (1989), a negação da
capacidade criativa do trabalho ajuda a explicar porque este se torna destrutivo e não
potencializa as capacidades humanas dos trabalhadores. Os autores ressaltam que o trabalho
estranhado10 provoca o uso deformado e deformante do corpo e das potencialidades psíquicas
dos trabalhadores, torna-se, por essa razão, uma “atividade cujo componente desgastante é
muito maior que o da reposição e desenvolvimento das capacidades” (LAUREEL;
NORIEGA, 1989, p. 116).
Nos Manuscritos Econômico-filosóficos (de 1844), Marx (2014a) dialoga com a economia
política inglesa, especialmente Smith e Ricardo, posteriormente, Marx continuaria e
aprofundaria seus estudos sobre economia política. Entre 1857 e 1858, escreveu os
manuscritos econômicos conhecidos como Grundrisse, que seriam publicados após a morte
do autor. Em 1859, publicou Para a Crítica da Economia Política. Entre 1861 e 1863, redigiu
os cadernos conhecidos como Teorias da Mais-valia, também publicados postumamente. Nos
9
Os autores não utilizam a categoria estranhamento, como fazemos neste estudo, eles empregam
alienação com sentido negativo, optamos por substituir alienação por estranhamento na citação.
10
Idem.
27
anos seguintes concentrou-se na redação de O Capital, o primeiro volume deste foi publicado
em 1867.
Em O Capital, Marx (2014b) mantém sua concepção de trabalho como sendo um ato
teleológico, ou seja, como ação planejada para obtenção de fins estabelecidos previamente. O
trabalho definido como ato teleológico é um dos eixos que une os primeiros textos de Marx,
como os Manuscritos Econômico-filosóficos e A Ideologia Alemã, à obra principal do autor,
O Capital. Além disso, é possível afirmar que as categorias alienação e estranhamento são
retomadas e retrabalhadas em O Capital, como, por exemplo, no primeiro capítulo deste,
quando o autor discute o caráter fetichista da mercadoria e seu segredo.
É famoso o exemplo de Marx (2014b) sobre a diferença entre abelhas e arquitetos: com a
construção dos favos de suas colmeias as abelhas envergonham mais de um arquiteto;
contudo, o pior destes se diferencia da melhor daquelas porque planeja antes de construir. A
melhor das abelhas não é capaz de avaliar e julgar o resultado do seu trabalho, o pior dos
arquitetos é. O trabalho humano não é somente instintivo, o homem projeta suas atividades
antes de executá-las, esta diferença fundamental separa os seres humanos dos animais. Marx
(2014b, p. 255): “Um incomensurável intervalo de tempo separa o estágio em que o
trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho daquele
em que o trabalho humano ainda não se desvencilhou de sua forma instintiva.” Braverman
(1987, p. 50) reforça do argumento marxista: “O trabalho humano é consciente e proposital,
ao passo que o trabalho dos outros animais é instintivo.” O homem planeja antecipadamente e
avalia os resultados de sua atividade produtiva, transformando métodos e instrumentos. Ao
transformar seus métodos e instrumentos de trabalho, o homem transforma o meio e a si
próprio, e se faz histórico, porque herda condições de vida das gerações passadas e transmite
suas contribuições às gerações futuras.
Discutindo a concepção de trabalho marxista, Lessa e Tonet (2008) ressaltam que antes de
transformar a natureza, o homem projeta sua ação e o resultado desta na própria consciência,
enquanto as atividades executadas pelos animais são determinadas geneticamente. Além
disso, os objetos construídos pelo trabalho humano são portadores de uma ineliminável
dimensão social: baseiam-se na história passada, compõe a vida da sociedade presente e
fazem parte da história dos homens. Lessa e Tonet (2008, p.26): “O trabalho é o fundamento
do ser social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos
homens.” O trabalho produz a estrutura material que fundamenta o processo histórico de
construção do indivíduo e da própria sociedade (LESSA; TONET, 2008).
28
Trabalho é uma categoria central no pensamento marxista porque diferencia os animais dos
homens e porque transforma estes em seres históricos, que produzem a partir das conquistas
herdadas das gerações passadas. Trabalho é e será uma categoria central porque o homem
precisa estabelecer relações com o meio para satisfazer suas necessidades. Marx (2014b, p.
261) define o trabalho como atividade orientada para produção de valores de uso e
apropriação do natural para satisfação das necessidades humanas, e, além disso, como
“condição universal do metabolismo entre homem e natureza, perpétua condição natural da
vida humana e, por conseguinte, independente de qualquer forma particular dessa vida.”
Em O Capital, Marx (2014 b) aprofunda sua análise do processo de produção capitalista, que,
para o autor, é a unidade dos processos de trabalho e de valorização. Comecemos
apresentando como autor define as categorias processo de trabalho e processo de valorização,
que, unidas, constituem o processo de produção capitalista.
A análise marxista do trabalho como atividade orientada para obtenção de finalidades pré-
estabelecidas, que aparece em O Capital, é um prolongamento das ideias desenvolvidas pelo
autor em suas primeiras obras. Como mostramos na seção anterior, Marx (2007, 2013a,
2014a) e Engels (2007, 2013a), em seus primeiros textos, discutiram a dimensão teleológica
do ato de trabalho. Marx (2014b, p. 256) mantém sua compreensão do trabalho humano como
atividade planejada e projetada previamente: “No final do processo de trabalho, chega-se a
29
Para Marx (2014b, p. 256), “a terra (que, do ponto de vista econômico também inclui a água)”
é a fonte original de provisões e meios de subsistência já prontos. A terra antecede o homem e
oferece-lhe víveres e produtos independentes do seu trabalho. Por exemplo: a madeira
extraída de uma floresta virgem. Segundo Marx (2014b), são objetos de trabalho todas as
coisas que o homem apenas retira e separa de sua conexão com a terra, como a madeira que
citamos anteriormente. Por outro lado, o autor define como matéria-prima os objetos de
trabalho que já passaram e foram filtrados por trabalhos anteriores. Por exemplo: a madeira
extraída de um bosque plantando pelo homem. Sendo assim, Marx (2014, p. 256) afirma que:
“Toda matéria-prima é objeto de trabalho, mas nem todo objeto do trabalho é matéria-prima.
O objeto de trabalho só é matéria-prima quando já sofreu uma modificação mediada pelo
trabalho.” O autor destaca que, em geral, apenas na indústria extrativa (mineração, caça,
pesca) os objetos de trabalho são oferecidos imediatamente pela natureza, ou seja, sem a
mediação e o filtro de trabalhos anteriores, os demais ramos industriais manipulam matérias-
primas, ou seja, objetos de trabalho que já foram trabalhados anteriormente.
Meios de trabalho são, para Marx (2014b), coisas ou um complexo de coisas colocadas pelo
trabalhador entre si próprio e os objetos de trabalho, para servirem de guia da atividade sobre
estes. O autor destaca que, além de fornecer objetos de trabalho, a terra oferece meios de
trabalho para o homem, por exemplo: a pedra utilizada para moer, prensar e cortar. Marx
(2014b, p. 257): “É assim que o próprio elemento natural se converte em órgão de sua
atividade, um órgão que ele acrescenta a seus próprios órgãos corporais, prolongando sua
forma natural”. O autor afirma que os homens das cavernas já utilizavam meios de trabalho,
como pedras, madeiras, conchas e ossos, além destes, também animais domesticados
desempenharam papel importante como meios de trabalho. Marx ressalta que o uso e a
criação de meios de trabalho, embora exista em germe em certas espécies animais, é uma
característica específica do processo de trabalho humano. Por essa razão, o autor argumenta
que as épocas econômicas se distinguem por “como” e “com que meios de trabalho” se fazem
as coisas, e não pelas coisas que são feitas. Para Marx (2014b), o estudo dos meios de
trabalho é fundamental para a compreensão das formações socioeconômicas extintas. Os
meios de trabalho “não apenas fornecem uma medida do grau de desenvolvimento da força de
30
trabalho, mas também indicam as condições sociais nas quais se trabalha” (MARX, 2014b, p.
257).
Marx (2014b) destaca ainda que, objetos e meios de trabalho são meios de produção dos
valores de uso corporificados nas mercadorias. O autor ressalta ainda que, nos valores de uso
resultantes do processo de trabalho, estão incorporados, na forma de meios de produção,
valores de uso produzidos anteriormente, ou seja, valores de uso podem se tornar meios de
produção, serão, neste caso, não apenas resultado, mas condição do processo de trabalho.
Assim sendo, dependendo de sua função e da posição que ocupa no processo de trabalho, um
valor de uso pode aparecer como meio de produção ou produto final.
Depois de analisar os três momentos do processo de trabalho, Marx (2014b) afirma que este é,
fundamentalmente, atividade humana que, com ajuda de meios de trabalho, transforma os
objetos de trabalho de acordo com finalidades pré-estabelecidas. O processo se encerra no
produto, que se torna um valor de uso, um material natural que teve sua forma alterada para a
satisfazer as necessidades humanas, o trabalho se incorpora no objeto, o que aparecia para o
trabalhador como movimento, se manifesta no produto como qualidade imóvel, é objetivação
(MARX, 2014b).
De acordo com Marx (2014b), o objetivo principal dos capitalistas é a produção de valores de
troca e não de valores de uso, estes “são produzidos porque e na medida em que são o
substrato material, os suportes do valor de troca” (MARX, 2014b, p. 263). O autor destaca
11
Neste estudo utilizaremos as categorias mais-valor e mais-valia com o mesmo sentido,
empregaremos uma ou outra forma de acordo com contexto e a necessidade.
31
que, o objetivo dos capitalistas é a produção de mercadorias cujos valores sejam maiores do
que a soma dos valores necessários para a produção da força de trabalho e dos meios de
produção utilizados no processo produtivo. Para Marx (2014b), a mercadoria é a unidade dos
valores de uso e de troca, e seu processo de produção, no capitalismo, é a unidade do processo
de trabalho e de valorização. O processo de produção capitalista, a forma capitalista de
produção de mercadorias, se caracteriza e se diferencia por ser também processo de
valorização do capital.
Os meios de produção utilizados no processo produtivo não criam valor, apenas transferem
seus valores para as mercadorias. Por outro lado, a força de trabalho empregada no processo
de produção cria valor. Marx (2014b) destaca que a força de trabalho possui um valor de uso
específico, que consiste no fato dela criar e ser fonte de valor:
Braverman (1987, p. 58) exemplifica bem esta questão: “A capacidade ‘peculiar’ da força de
trabalho para produzir em favor do capitalista depois que ela se reproduziu é, portanto, nada
mais que a extensão do tempo de trabalho para além do ponto em que ele poderia ter parado.”
A equação que resume o processo de produção capitalista é D – M – D’, onde D significa dinheiro e
12
separados pelo período de almoço, poderíamos dizer que o processo de valorização ocorre no
período da tarde; se a jornada fosse de apenas quatro horas, haveria processo de formação de
valor, ou seja, o valor de troca da força de trabalho seria incorporado no produto, mas não
haveria processo de valorização do capital, porque o capitalista não teria como se apropriar de
parte do trabalho despendido.
na Inglaterra no final do século XIV. No século XV, a maior parte da população inglesa era
composta por camponeses que cultivavam a própria terra protegidos por algum tipo de
garantia, por essa época, existiam também assalariados rurais, que eram camponeses que
cultivavam terras de grandes proprietários quando não estavam trabalhando em seus próprios
domínios (MARX, 1977). Em geral, todos os camponeses utilizavam terras comunais para o
pastoreio do gado e o suprimento de recursos como a lenha, por exemplo. O processo de
acumulação primitiva nos campos ingleses nada mais foi do que a expropriação dos bens
comunais dos camponeses e a expulsão destes dos solos que possuíam (MARX, 1977).
Segundo o autor, foi a alta dos preços e a expansão das manufaturas de lã que impulsionaram
a expropriação dos camponeses. As terras comunais foram transformadas em campos de
pastagem. Os camponeses expropriados, que antes sobreviviam do próprio trabalho, foram
expulsos de suas terras e forçados a sobreviver como assalariados (MARX, 1977).
Nas cidades prevaleciam corporações comandadas por mestres que dominavam seus ofícios
por inteiro. O capital comercial tentava se apropriar dos processos produtivos para aumentar
sua rentabilidade, mas encontrava forte resistência. Entretanto, com o tempo as corporações
foram derrotadas. Marx (1977) mostra que as novas manufaturas começaram a se estabelecer
em locais afastados e, portanto, fora do controle municipal e das corporações. Devido à
ampliação da divisão do trabalho e da maior produtividade, as novas manufaturas suplantaram
as corporações e se impuseram.
13
No Brasil escravista a realidade era ainda mais dura, Pena e Gomes (2011) afirmam que a Medicina
do Trabalho – configurada à época em medicina da força de trabalho escravizada – empregava práticas
pré-científicas de medicina veterinária. Para os autores, a depressão conhecida como banzo pode ter
sido a primeira epidemia de doença mental relacionada ao trabalho no Brasil.
38
A partir da segunda metade do século XX, a tentativa de intervir nos locais de trabalho e a
atuação multiprofissional fortaleceram a Saúde Ocupacional, no Brasil, regulamentou-se o
Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho, especialmente as normas que exigem a
presença de equipes técnicas multiprofissionais nos locais de trabalho, mas a Saúde
Ocupacional foi incapaz de atingir os objetivos aos quais se propunha devido aos seguintes
fatores: manutenção do referencial mecanicista da Medicina do Trabalho; não concretização
da interdisciplinaridade; apesar da proposta de focar no coletivo, os trabalhadores
continuaram sendo abordados como objetos das ações de saúde; a produção de conhecimentos
não acompanhou o ritmo de desenvolvimento dos processos produtivos (MENDES; DIAS,
1991). Além disso, é preciso considerar que, nos anos 1960, surgiram movimentos sociais que
passaram a questionar os valores estabelecidos e a exigir maior participação, inclusive nas
questões de saúde e segurança no trabalho14, a medicalização e o caráter ideológico das
instituições médicas passaram a ser criticados, ganhou força a teoria da determinação social,
que afirmava a centralidade do trabalho para a compreensão dos processos de saúde e doença
(MENDES; DIAS, 1991). Os Estados foram forçados a aceitar algumas reivindicações dos
movimentos sociais, por exemplo: na Itália, o “Estatuto dos Trabalhadores” incorporou
princípios como a não delegação da vigilância de saúde, a não monetização dos riscos, a
aceitação do saber dos trabalhadores. Conquistas semelhantes foram alcançadas em outros
países (MENDES; DIAS, 1991). É possível sintetizar da seguinte forma os resultados das
transformações observadas a partir da década de 1960: desconfiança dos trabalhadores nos
procedimentos técnicos e éticos dos profissionais dos serviços de saúde ocupacional, como os
exames pré-admissionais; conceitos como “limites de tolerância” e “exposição segura” foram
criticados e questionados; afirmou-se da importância da organização do trabalho para a
compreensão dos processos de saúde e doença (MENDES; DIAS, 1991).
Os movimentos sociais nascidos nos anos 1960 somados às transformações que começavam a
ocorrer no processo produtivo, deram origem ao campo Saúde do Trabalhador, que tenta
14
Laurell (1982) mostra como a efervescência político-cultural do final dos anos 1960 teve impacto
inclusive na medicina, intensificando a polêmica sobre o caráter das doenças e questionando o
paradigma dominante que associava estas a fenômenos biológicos individuais. Heloani (2011) afirma
que, na década de 1960, cresceu a resistência ao processo de produção e consumo de massa
(fordismo), aumentaram os índices de absenteísmo e turnover, o autor chamou esse fenômeno de
“fuga do trabalho”. Segundo Heloani (2011), a partir de então o capital tentou reestruturar o trabalho
para torná-lo mais atrativo, principalmente para os jovens. Braverman (1987) destaca que, nos anos
1960, cresceu a insatisfação contra o trabalho associado ao processo de produção fordista nos países
de primeiro mundo. De acordo com o autor, foi a própria sociedade de consumo e produção em massa
que começou a ser questionada.
39
Além de se aproximar do marxismo pelo valor que atribui à categoria processo de trabalho e,
consequentemente, às análises desenvolvidas por Marx (2014b) para explicar a gênese, o
funcionamento e os limites das relações capitalistas de produção; a ST dialoga e se aproxima
do pensamento de Marx (1982, 2014a, 2014b) em dois outros pontos: a tentativa de resgate do
lado humano do trabalho (MENDES; DIAS, 1991; DIAS, 1995; LACAZ, 2007) e a
valorização do saber dos trabalhadores (MENDES; DIAS, 1991; MINAYO-GOMEZ;
THEDIM-COSTA, 1997; VASCONCELLOS, 2011). Estas duas últimas possibilidades de
aproximação podem ser mais exploradas no campo.
Para Marx (2014a), o trabalho é parte essencial da condição humana, o homem se define e se
humaniza pelo trabalho, quando este é livre; ou se desrealiza e se frustra, se o trabalho lhe é
estranho, se os produtos de seu trabalho lhe são negados. O capital torna o trabalho estranhado
porque não permite que os trabalhadores determinem o que, como, com que ritmo e quanto
produzir. O trabalho se torna exterior ao trabalhador, daí o estranhamento produzido neste
último. Marx (2013b) afirma que, na sociedade comunista, com a superação da subordinação
à divisão do trabalho, este deixará de ser apenas um meio de viver e se tornará a primeira
necessidade vital16.
Portanto, para a discussão e o resgate do lado humano do trabalho (MENDES; DIAS, 1991;
DIAS, 1995; LACAZ, 2007) reivindicados pela ST, é importante retomar as ideias de Marx e
Engels (2007, 2013a) e de Marx (2014a).
15
As ideias e eixos norteados das práticas em ST surgiram a partir das reivindicações dos movimentos
sociais dos anos 1960, principalmente na Itália. No Brasil essas ideias começaram a ganhar força no
final da década de 1970 com o início da abertura política e o fortalecimento dos movimentos sociais e
sindicais. Para uma interessante análise dos distintos períodos da ST no Brasil, ver Dias (1995).
16
É difícil visualizar e imaginar a superação do modo de produção capitalista e da divisão do trabalho
a partir do presente, de qualquer forma, o trecho de Marx (2013b) serve para mostrar as
potencialidades libertárias e emancipatórias que pensador alemão atribui ao trabalho.
41
Sendo assim, é possível afirmar que há confluências entre o campo Saúde do Trabalhador e o
pensamento marxista. Explorar estas confluências pode fortalecer a atuação e a produção de
conhecimentos em ST.
Entretanto, para finalizar esta seção é importante retomar a análise realizada no primeiro
capítulo deste estudo, conforme mostramos, Marx (2014b) distingue três momentos do
processo de trabalho. Primeiro: o trabalho propriamente dito como atividade orientada para
um fim pré-estabelecido. Segundo: objetos de trabalho. Terceiro: meios de trabalho. Para o
autor, processo de trabalho é a relação de intercâmbio do homem com a natureza, o homem
estabelece finalidades previamente e tenta realizá-las empregando objetos e meios de trabalho
retirados da natureza. Sendo assim, processo de trabalho é uma categoria que pode ser
empregada para explicar a relação do homem com o meio independentemente do modo de
produção, que pode ser capitalista ou não. Para Marx (2014b), o processo de produção
capitalista é a unidade dos processos de trabalho e de valorização. Dessa forma, entendemos
que é mais correto empregar a categoria processo de produção nas análises realizadas em ST,
isso porque tal categoria é a unidade dos processos de trabalho e de valorização, ou seja,
contempla estas duas dimensões. O emprego da categoria processo de trabalho em vez de
processo de produção implica no abandono da categoria processo de valorização, que explica
42
A relação entre trabalho e saúde tem sido relatada desde a Antiguidade e de variadas formas17,
as primeiras abordagens formais sobre o tema surgiram no século XIX, na Europa, a partir da
criação da Medicina do Trabalho e da implantação dos serviços médicos dentro das empresas
(SELIGMANN-SILVA; BERNARDO; MAENO; KATO, 2010).
17
Para uma interessante abordagem sobre a relação entre trabalho e saúde na música popular
brasileira, ver Pina (2014).
43
Para Marx (2014b), o capitalismo é um modo de produção que se revoluciona sem parar, isso
ocorre porque, para sobreviver à concorrência, os capitalistas são forçados a incorporar
avanços tecnológicos e organizacionais à produção. Ao revolucionar o processo produtivo, o
capitalista individual obtém lucros superiores à média, mas, com o passar do tempo, os altos
lucros atraem concorrentes de outros ramos da produção e as inovações se difundem,
nivelando novamente as taxas de lucro. Marx (2014b) mostrou que, além de lutarem entre si
para aumentarem seus lucros, revolucionando constantemente a produção, os capitalistas
combatem também e fundamentalmente os trabalhadores, tentando aumentar as jornadas ou a
taxa de exploração através da ampliação do tempo não pago, porque só o trabalho vivo gera
valor. Segundo Marx (2014b), o capital pode ampliar seus lucros através do aumento da mais-
valia absoluta (ampliação das jornadas) ou da mais-valia relativa (ampliação da taxa de
exploração). O primeiro método vigorou principalmente no início do capitalismo industrial18,
mas tem sido retomado nas últimas décadas em conjunturas e circunstâncias específicas; o
segundo método de ampliação de lucros vigorou no tempo de Marx e nas décadas seguintes 19.
Forçado a respeitar jornadas regulamentadas e estabelecidas a partir, principalmente, da luta
dos trabalhadores20, o capital passou a jogar peso na intensificação do trabalho21 ou, dito de
18
Marx (2014b, p. 350): “Assim que a classe trabalhadora, inicialmente aturdida pelo ruído da
produção, recobrou em alguma medida seus sentidos, teve início sua resistência, começando pela terra
natal da grande indústria, a Inglaterra.” Marx (2014b) mostra que as reduções da jornada de trabalho
só foram possíveis devido à luta dos trabalhadores. Sendo assim, em conjunturas de refluxo da
resistência trabalhadora, é possível que o capital se valer da extração de mais-valia absoluta. Mais à
frente aprofundaremos a discussão sobre esse tema.
19
Laurell e Noriega (1989) distinguem fases históricas de maturação do processo de produção
capitalista, analisadas a partir do processo de valorização, estas fases corresponderiam a diferentes
estratégias de extração de mais-valia (absoluta ou relativa), analisadas a partir do processo de trabalho,
estas fases corresponderiam a diferentes formas de subsunção do trabalho ao capital. Para os autores,
na fase em que prevaleceu o processo de valorização através da mais-valia absoluta, os processos de
trabalho eram a cooperação simples e a manufatura; por outro lado, quando passou a prevalecer a
mais-valia relativa, os processos de trabalho eram o maquinismo simples, o taylorismo, o fordismo e a
automação de fluxo contínuo.
20
Marx (2014b, p. 342): “O capital não tem a mínima consideração pela saúde e duração da vida do
trabalhador, a menos que seja forçado pela sociedade a ter essa consideração.”
44
21
Intensificação do trabalho pode ser definida, de acordo com Marx (2014b, p. 482), como “um
preenchimento mais denso dos poros do tempo de trabalho.” Retomaremos esta questão no próximo
capítulo.
45
22
Mattos, Porto e Freitas (1995) fazem uma interessante argumentação que associa os métodos
fordistas de produção ao modernismo, as formas mais flexíveis de produzir, que seriam implantadas a
partir da década de 1970, são associadas ao pós-modernismo.
46
No que se refere ao conceito mais abrangente de saúde, como o anteriormente citado, pode-se
dizer que na época do predomínio dos processos fordistas de produção foram observados
alguns avanços, por demandar a inclusão dos trabalhadores na sociedade de consumo e
promover o desenvolvimento das forças produtivas, melhoram as condições de moradia,
saneamento, alimentação e o desemprego esteve razoavelmente controlado. Importante
registrar que estes avanços foram conquistados principalmente nos países desenvolvidos, em
países subdesenvolvidos, como o Brasil, não aconteceram grandes mudanças, os processos de
produção mais modernos se restringiram a poucos e limitados segmentos produtivos.
Por outro lado, o fordismo e o Estado de Bem-estar Social não garantiram trabalho com
amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre processos e ambientes. Além disso, a
produção e o consumo de massa resultantes da busca por economias de escala se revelaram
extremamente nocivos para o meio ambiente.
Na década de 1970, o fordismo começou a ser substituído por formas mais flexíveis de
produção nos segmentos de ponta da economia mundial. Essa transformação produtiva foi
causada pelo acirramento da concorrência devido à entrada no mercado das empresas dos
países derrotados na Segunda Guerra Mundial, pelo choque do petróleo de 1973, pela
incorporação de novas tecnologias como a microeletrônica e pelas reivindicações dos
movimentos sociais a partir da década anterior.
Os processos de produção que ganharam força nos segmentos de ponta da economia a partir
dos anos 1970 se caracterizam pela produção em pequenos lotes, flexibilidade, variedade de
produtos ofertados, controle de qualidade, intensificação do trabalho, adaptação à demanda,
execução de múltiplas tarefas, remuneração por produção, eliminação da demarcação rígida
de tarefas, organização mais horizontal, ênfase no engajamento de todas as equipes de
trabalho, segurança e estabilidade para os trabalhadores do núcleo central, insegurança e
rotatividade para os demais (MATTOS; PORTO; FREITAS, 1995).
A partir dos anos 1980, a LER/DORT se somou aos tradicionais problemas de saúde dos
trabalhadores brasileiros, com o agravante de afetar indistintamente a indústria, o comércio e
o setor de serviços; a partir da década de 1990, também as doenças mentais relacionadas ao
trabalho passaram a preocupar (SELIGMANN-SILVA, BERNARDO, MAENO e KATO,
2010).
4. A ENQUETE OPERÁRIA
É neste contexto que, em 1880, Marx (1982) redigiu e publicou a Enquete Operária. A
primeira referência de Marx (2008) à necessidade de elaboração de enquetes ocorreu em
1866, em nome do Conselho Central Provisório da Associação Internacional dos
Trabalhadores, o autor publicou mensagem solicitando a elaboração de inquéritos estatísticos
sobre a situação dos operários dos países em que a Associação Internacional dos
Trabalhadores (AIT) atuava, o levantamento deveria ser realizado em todas as localidades em
que existissem ramos da AIT. Marx (2008) destaca que, para agir com algum sucesso, é
preciso conhecer a realidade sobre a qual se vai atuar, as enquetes contribuiriam para isso.
Segundo o autor, se conseguissem dar conta de tamanha tarefa, os trabalhadores provariam
estar em condições de comandar seus próprios destinos. Ou seja, as enquetes eram entendidas
como ações da classe trabalhadora para se autocompreender e para fortalecer sua atuação
política. Neste ponto é importante destacar que Marx (2008) não separava as organizações da
classe trabalhadora – como a AIT – da própria classe trabalhadora, para o autor as
organizações e os dirigentes da classe eram, fundamentalmente, partes da própria classe, e não
iluminados que vinham de fora23. É por essa razão que, na introdução da Enquete Operária,
Marx (1982) afirma que apenas os operários podem descrever com conhecimento de causa os
males que suportam, e que apenas estes podem remediar as misérias sociais que sofrem. No
documento elaborado em 1866 para AIT estão indicados os eixos principais da Enquete de
1880: condições do ambiente de trabalho, idade sexo e número de empregados, formas de
pagamento, jornadas de trabalho, natureza da ocupação, efeitos do trabalho sobre o operário,
estrutura da empresa. Como se nota, Marx (2008) não separava a luta por condições de saúde
23
A ideia de que a teoria revolucionária vem de fora da classe trabalhadora surgiu na II Internacional,
ou seja, depois de Marx. Esta ideia, incompatível com o materialismo histórico, ajuda a explicar por
que as enquetes operárias – nos moldes da elaborada por Marx (1982) – deixaram de ser valorizadas.
49
no trabalho da luta pela emancipação do trabalho, essa prática seria mantida na Enquete
Operária. Marx (2008) sugeria que as enquetes fossem elaboradas a partir dos eixos
indicados. Posteriormente, o Conselho Central da AIT organizaria um relatório com as
informações coletadas. As lutas políticas impediram que as enquetes fossem realizadas,
somente em 20 de abril de 1880 seria publicada a Enquete Operária pela revista francesa
Revue Socialiste. O questionário original não foi assinado por Marx. Mas em carta
endereçada a Friedrich Adolph Sorge, em 05 de novembro de 1880, Marx (2005) confirma ter
redigido a Enquete Operária publicada pela Revue Socialiste.
Engels (2013) apresenta os fatos que antecederam a Comuna de Paris. De acordo com o autor,
durante o Segundo Império Francês (1852 – 1870) houve grande desenvolvimento industrial.
Guerras breves foram promovidas para a expansão das fronteiras do país. O objetivo principal
50
era retomar a margem esquerda do Reno. Em 1870, teve início a guerra franco-prussiana. Em
02 de setembro, o imperador francês e milhares de soldados foram capturados. Em 04 de
setembro, os operários parisienses proclamaram a República (MARX, 2013d) e autorizaram
os deputados de Paris eleitos para o antigo corpo legislativo a atuarem como “Governo da
Defesa Nacional” (ENGELS, 2013, p. 190). O objetivo principal era organizar e promover a
defesa de Paris contra as tropas prussianas. De acordo com Engels (2013), os parisienses
capazes de manejar armas foram alistados na Guarda Nacional, a maioria destes eram
trabalhadores. Em 28 de janeiro de 1871, foi assinado em Versalhes o acordo sobre o
armistício e a capitulação de Paris (MARX, 2013d). Em 18 de março, o governo francês
enviou tropas para desarmar a Guarda Nacional parisiense, tais armas “haviam sido
produzidas durante o cerco a Paris e pagas por subscrição pública” (ENGELS, 2013, p. 191).
A Guarda Nacional parisiense se recusou a entregar suas armas e teve início a guerra com o
governo francês estabelecido em Versalhes. A Comuna de Paris existiu por 72 dias, durante
esse curto período de tempo o poder esteve nas mãos dos trabalhadores, foi a primeira
revolução proletária vitoriosa.
Durante sua curta existência, a Comuna adotou medidas progressistas. Engels (2013) enumera
as seguintes: substituição do exército permanente pela Guarda Nacional, à qual passavam a
pertencer todos os cidadãos aptos a portar armas; isenção de todos os pagamentos de aluguéis
de outubro de 1870 a abril de 1871, podendo os inquilinos descontar valores já pagos das
parcelas futuras; cancelamento das vendas de bens depositados em casas públicas de penhora;
confirmação da eleição de estrangeiros para a Comuna; limitação dos salários dos
funcionários da Comuna; separação entre a Igreja e o Estado; cancelamento de todos os
repasses estatais para fins religiosos; transferência dos bens da Igreja para o patrimônio
nacional; levantamento das fábricas paradas pelos proprietários e elaboração de planos para o
gerenciamento destas pelos trabalhadores; supressão do trabalho noturno dos padeiros.
Em 28 de maio de 1871 a Comuna de Paris foi derrotada pelas tropas do governo francês
apoiadas pelos prussianos, que forneceram apoio logístico e libertaram soldados franceses
para lutar contra a Comuna. Milhares de comunardos foram presos, torturados, deportados e
executados. Em 1872 a atuação da Associação Internacional dos Trabalhadores foi proibida
na França (WOODCOOK, 2002). As principais lideranças da Comuna de Paris foram presas,
mortas ou obrigadas a fugir para outros países (WOODCOOK, 2002). Carone (1995) afirma
que 30.000 comunardos foram fuzilados. Engels (2012, p. 19): “A França naturalmente
precisou de muitos anos para recuperar-se da sangria de maio de 1871.”
51
Entretanto, após a Comuna de Paris e com o avanço da produção industrial sobre a artesanal,
blanquistas e proudhonianos começaram a perder espaço no movimento operário para forças
que melhor representavam os trabalhadores das indústrias. Carone (1995) mostra que o
movimento sindical francês se fortaleceu ao longo dos anos 1870, surgiram diversas câmaras
sindicais e sindicatos, formaram-se federações e confederações, ocorreram congressos
operários em Paris (1876), Lion (1878) e Marselha (1879). O autor ressalta ainda que, em
1878, houve anistia política na França, possibilitando o retorno de grande número de homens
e mulheres que haviam formado a Comuna de Paris, este fato fortaleceu os movimentos dos
trabalhadores. Importante destacar também que, na França, apenas a partir de 1881 o
movimento anarquista separou-se nitidamente dos socialistas26 (WOODCOCK, 2002).
24
Segundo Marx (2014b), o lucro tem origem na esfera da produção devido à mais-valia não paga aos
trabalhadores, e não circulação, como pensava Blanqui.
25
Para um crítica das ideias de Proudhon, ver Marx (2007b).
26
Na segunda metade dos anos 1880, surgiu o movimento anarco-sindicalista, que hegemonizou o
movimento sindical francês até a Primeira Guerra Mundial (CARONE, 1995).
52
Marx conhecia bem a realidade francesa, além de artigos, havia escrito três livros sobre o
país: As Lutas de Classe na França (em 1850), O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (em
1852) e A Guerra civil na França (em 1871). No contexto de renascimento e fortalecimento
do movimento operário francês, Marx (1982) se dirigiu à classe trabalhadora para informar e
se informar também sobre questões relacionadas à saúde dos trabalhadores, o que mostra a
importância que o autor atribuía a estas.
Rubel (1970) destaca que a Enquete Operária aborda os três grandes problemas tratados no
livro I de O Capital: a produção de mais-valia absoluta (através de ampliações das jornadas),
a produção de mais-valia relativa (através da intensificação do trabalho) e as formas de
pagamento (salários por tempo e por peça). Mais à frente mostraremos que estes e outros
problemas tratados em O Capital reaparecem na Enquete, o que a torna atual. Rubel (1970)
afirma também que, com sua Enquete, Marx (1982) pretendia completar e renovar os dados
estatísticos de que dispunha a partir das respostas dos operários. Além disso, o autor ressalta
que, o objetivo principal da Enquete Operária era politizar e fortalecer os trabalhadores e suas
organizações.
Difícil saber se as informações recolhidas através da Enquete teriam valor estatístico, como
sugere Rubel (1970). Entretanto, sabe-se que, após a publicação da Enquete Operária, Marx,
Engels, Guesde e Lafargue (2000) elaboram o Programa do Partido dos Trabalhadores
Franceses, que foi publicado em três revistas, incluindo a Revue Socialiste, em 20 de julho de
1880. Posteriormente, o Programa do Partido dos Trabalhadores Franceses foi aprovado em
congresso realizado em novembro de 1880. Marx, Engels, Guesde e Lafargue (2000)
utilizaram a Enquete na elaboração do programa do Partido dos Trabalhadores Franceses, na
seção econômica deste foram inseridas 12 bandeiras de luta, destacamos as seguintes: redução
das jornadas para 6 horas diárias, proibição do trabalho de menores de 14 anos, garantia de
pelo menos 1 dia de folga para todos os trabalhadores, salário mínimo condizente com o preço
dos alimentos (e determinado por uma comissão formada por trabalhadores), igualdade de
salários entre trabalhadores franceses e estrangeiros, igualdade salarial entre homens e
mulheres, apoio do Estado para os idosos e deficientes, responsabilização financeira dos
patrões pelos acidentes de trabalho, cancelamento das privatizações. Interessante notar que o
programa do Partido dos Trabalhadores Franceses é atual e incorpora reivindicações de saúde
dos trabalhadores, ou seja, não separa estas da luta pela emancipação do trabalho. É também
por isso que defendemos a atualidade da obra de Marx, a Enquete incluída, além de tratar de
problemas que continuam existindo, o autor não separa as questões de saúde dos
trabalhadores da luta pela libertação do trabalho, nem coloca esta como mais importantes do
que aquelas.
Apesar de ser menos valorizada do que no tempo de Marx, a forma enquete operária –
entendida como um mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora –
continuou sendo utilizada por movimentos sociais. Mao Tsé-Tung organizou enquetes sobre a
classe trabalhadora chinesa, para Mao, as enquetes operárias eram úteis porque combatiam o
54
27
O campo Saúde do Trabalhador é herdeiro do Modelo Operário Italiano (MOI), que foi uma
iniciativa do Partido Comunista Italiano (PCI) e começou a ganhar força nos anos 1960, inclusive
fazendo uso de questionários e entrevistas (PAIVA; VASCONCELOS, 2011). Considerando que os
operaístas, o Quaderni Rossi inclusive, são contemporâneos do MOI, é possível que este tenha
utilizado a Enquete de Marx, assim como é possível que alguns operaístas tenham participado do
MOI, vale lembrar que militantes retornaram ao PCI nos anos 1970. Mas não encontramos materiais
que confirmassem o uso da Enquete Operária pelo MOI e a participação de operaístas neste, trata-se
de tema interessante que pode ser aprofundado em outras pesquisas.
55
de uma enquete reúne militantes e operários, a discussão teórica entres estes é um meio de
formação política. Para Lanzardo (1982), a Enquete de 1880, foi uma explicação teórica sobre
problemas concretos vividos e conhecidos dos trabalhadores, a crítica se manifestava ora
como esclarecimento direto ora como juízo de valor, e tinha como objetivo principal a
conscientização. Lanzardo ressalta ainda que, para os militantes do Quaderni Rossi, as
enquetes eram uma forma de testar se a teoria e os instrumentos de intervenção do grupo eram
funcionais.
Boa parte dos movimentos sociais e sindicais separam a luta por saúde da luta pela libertação
do trabalho, a Enquete Operária não comete este erro. No limite, trabalho livre é saudável, e o
trabalho saudável só o será se for livre. A obra de Marx, a Enquete inclusive, capta essa
dimensão importante das lutas por saúde no trabalho e pela libertação deste, por isso não
separa uma da outra. Houve um intenso desenvolvimento das forças produtivas depois de
Marx, tornando ainda mais concreta a possibilidade de existência de trabalho livre e saudável,
o que não ocorre devido à exigência de valorização do capital. Porque o trabalho livre e
saudável é ainda mais possível no tempo presente, a não separação das lutas por saúde do
trabalhador e libertação do trabalho, como na Enquete, é bastante atual. Além disso, a
atualidade da Enquete Operária está também na valorização que ela promove do saber dos
trabalhadores.
Por fim, afirmar a atualidade da forma enquete operária não significa sobrevalorizá-la, trata-se
de um mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora que pode ser
empregado por movimentos sociais, sindicatos e até em estudos e ações do campo Saúde do
Trabalhador. Mas as enquetes precisam partir e expressar teorias e práticas avançadas, é isso
que explica a força da Enquete de 1880.
56
Na primeira seção da Enquete, Marx (1982) procura se informar sobre o porte da empresa e a
natureza do processo produtivo em que está inserido o operário para, dessa forma, investigar e
compreender os acidentes de trabalho e suas consequências As questões abordam os seguintes
temas. Qual o ofício do trabalhador? A fábrica pertence a um capitalista ou é uma sociedade
anônima? Qual o número de operários e quais as idades e o sexo deles? Qual idade mínima
para ingressar na empresa? Havia aprendizes? Empregavam-se trabalhadores por tempo
determinado? A empresa vendia para o mercado nacional ou exportava a produção? A
empresa estava localizada no campo ou na cidade? O trabalhador completava sua renda com
outro trabalho, caso a fábrica estivesse localizada no campo? Como era realizado o trabalho, à
mão ou com auxílio de máquinas? Como era a divisão do trabalho na fábrica? Utilizava-se o
vapor como força motriz? Qual a fadiga muscular e nervosa? Como o trabalho afetava a saúde
do trabalhador? Quais as condições higiênicas da fábrica: sanitários e limpeza em geral?
Ventilação? Caiação das paredes? Ruído? Pó? Umidade? Havia vigilância do Estado em
relação às condições higiênicas do local de trabalho? Havia emanações nocivas? A fábrica
estava abarrotada de máquinas? Que tipo de combustível era empregado na fábrica? Gás?
Petróleo? Havia saídas de emergência para o caso de incêndios? Em caso de trabalho
domiciliar, utilizam-se ferramentas e pequenas máquinas? Empregam-se os filhos como
auxiliares? Vendia-se para clientes particulares ou empresas? Além disso, Marx (1982)
solicita que os operários enumerem os acidentes, questiona se as máquinas estavam
protegidas, se a empresa estava legalmente obrigada a indenizar o trabalhador em caso de
acidentes e se houve indenizações aos acidentados. Na última parte da Enquete, Marx (1982)
retorna aos acidentes de trabalho, questiona se no ofício ou oficina do operário havia
sociedades de socorro mútuo para os casos de acidentes, enfermidades, morte, viuvez e
incapacidade.
(MARX, 1982, p. 252). Esta questão é interessante por ter relação direta com os acidentes de
trabalho que ocorriam nas indústrias do século XIX, como, não raro, os operários eram pagos
por tarefa, ou por peça, e a limpeza das máquinas não era remunerada, os trabalhadores eram
forçados a fazer a limpeza das máquinas em funcionamento, o que provocava acidentes. É por
essa razão que, na Enquete, Marx (1982) indaga se a limpeza era realizada por operários
especialmente designados para isso. Percebe-se, dessa forma, que Marx (1982) procura
relacionar os acidentes aos processos de produção, inclusive considerando o trabalho real
realizados no dia a dia. Se é verdade que, por um lado, os processos produtivos se
transformaram, também é verdadeiro que a análise destes continua sendo fundamental para a
compreensão e combate aos agravos à saúde dos trabalhadores. Vilela, Almeida e Mendes
(2012, p. 2818) afirmam que “acidentes são influenciados por aspectos da situação imediata
de trabalho como maquinário, a tarefa, o meio técnico ou material, mas também pelas relações
de trabalho, cuja determinação situa-se na sua organização.” Utilizando as técnicas da
ergonomia da atividade, os autores estudaram a acidentalidade num frigorífico, concluíram
que a gênese dos agravos à saúde dos trabalhadores da empresa estudada estava na
organização do processo produtivo: trabalho intenso, precariedade dos meios técnicos
(sistema de abate arcaico, inadequação das luvas), absenteísmo, alta rotatividade,
recrutamento de pessoal inexperiente e práticas de gestão autoritárias. A intensificação do
trabalho causava fatiga, absenteísmo e alta rotatividade. Acidentes ocorriam devido ao
deslocamento de trabalhadores inexperientes para cobrir faltas e demissões. As relações de
trabalho autoritárias reforçavam o ciclo vicioso, já que limitavam as margens de regulação
dos operadores. Ainda que não tenha analisado e aprofundado o estudo sobre um ramo de
atividade específico, pode-se dizer que a ideia segundo a qual os acidentes devem ser
explicados a partir do processo de produção já estava presente no pensamento marxista, na
Enquete inclusive. Posteriormente, esta ideia seria retomada e aplicada pelos pesquisadores do
campo Saúde do Trabalhador,
Mas [...] agora existem novas fontes de acidentes que não existiam há vinte
anos, especialmente a velocidade aumentada da maquinaria. Rodas,
cilindros, fusos e teares são, agora, movidos com uma força maior, e em
constante aumento; os dedos têm de agarrar o fio quebrado com mais rapidez
e segurança porque, se colocados com hesitação ou descuido, são
sacrificados. [...] Um grande número de acidentes é causado pela pressa dos
trabalhadores em executar sua tarefa. Devemos recordar que é da maior
importância para os fabricantes que sua maquinaria seja mantida
59
Por fim, é importante destacar que, em O Capital, quando trata de acidentes de trabalho, Marx
(2014b) jamais responsabiliza os trabalhadores, para o autor, tratava-se sempre de entender os
acidentes a partir da dinâmica do processo de produção. Neste ponto o pensamento marxista
antecipa as práticas que posteriormente seriam adotadas no campo Saúde do Trabalhador.
A jornada de trabalho é aqui entendida como o número de horas trabalhadas em dado espaço
de tempo, por exemplo: 8, 10, 12 ou 14 horas por dia. Marx (2014b) mostra que as jornadas
não são fixas, que variam no tempo e no espaço e são determinadas pela interação de diversos
fatores. O autor afirma que o valor da força de trabalho é determinado pelo tempo
socialmente necessário para sua produção e reprodução, ele chama este período da jornada de
tempo necessário. Segundo Marx (2014b), no capitalismo as jornadas se dividem em duas
partes: o tempo necessário para reproduzir e repor o valor da força de trabalho e o tempo
excedente, ou sobretabalho, que é apropriado pelo capitalista. A primeira parte corresponde ao
62
tempo socialmente necessário para produzir meios de vida requeridos para garantir a
sobrevivência do trabalhador. A segunda parte da jornada de trabalho, o tempo excedente,
forma a mais-valia que é apropriada pelo capitalista. A partir da relação trabalho
excedente/trabalho necessário, Marx (2014b) calcula a taxa de mais-valia, ou taxa de
exploração. Por exemplo: se uma jornada de 12 horas diárias estiver dividida em 6 horas de
trabalho necessário e outras 6 horas de trabalho excedente, a taxa de mais-valia será de 100%.
A luta pelo aumento da taxa de mais-valia é constante no modo capitalista de produção. Ou
seja, o processo de valorização do capital determina o processo de trabalho, e o inverso é
verdadeiro. A ampliação da taxa de mais-valia pode ser atingida de duas maneiras: pelo
prolongamento das jornadas (mais-valia absoluta), ou então pelo aumento do trabalho
excedente em relação ao necessário (mais-valia relativa). Importante destacar que o capital
pode tentar se valer da combinação da mais-valia absoluta com a relativa. Entretanto, os
limites físicos do trabalhadores impõe barreiras à combinação de jornadas ampliadas e
trabalho intensificado. Marx (2014b) mostra que, no início do capitalismo, os aumentos das
taxas de mais-valia foram obtidos através do prolongamento das jornadas, posteriormente,
cresceu a resistência da classe trabalhadora e os capitalistas privilegiaram a exploração da
mais-valia relativa.
partir do qual aumentos da intensidade e das jornadas se excluem, os limites físicos dos
trabalhadores impedem que jornadas e intensidade sejam ampliadas ao mesmo tempo. Em
geral, a eficiência da força de trabalho cai à medida que as jornadas são ampliadas, por outro
lado, com a redução destas, em situações historicamente determinadas, o capital é capaz
compensar no grau de exteriorização do trabalho o que perde na redução da duração deste.
Marx (2014b) constata que na metade do século XVIII, na Inglaterra, país com as forças
produtivas mais desenvolvidas à época, o capital, através da intensificação do trabalho,
compensou com vantagem as reduções nas jornadas. Na Enquete Operária, Marx (1982)
investiga se as reduções na jornada estavam sendo acompanhadas de elevações da intensidade
do trabalho também na França, como veremos à frente, o autor tenta avaliar se a tendência
observada na Inglaterra estava se repetindo na França.
A questão da intensificação do trabalho, detectada por Marx (2014b) no final do século XIX,
é extremamente atual e importante para as pesquisas e atuações em Saúde do Trabalhador. É
possível afirmar que a produtividade é ampliada e os processos de trabalho são
revolucionados com o objetivo de maximizar lucros em grande medida através da
intensificação do trabalho, o que causa graves problemas de saúde nos trabalhadores. Marx
(2014b, p. 460):
Marx (2014b) mostra que a inserção de maquinaria no processo produtivo, que ganhou força
na Inglaterra, no final do século XVIII, foi um meio poderoso de ampliação das jornadas e da
intensidade do trabalho. Isso porque, desde então, as máquinas passaram a controlar e ditar o
ritmo de trabalho. Nas corporações de ofício os trabalhadores conheciam praticamente todo o
processo produtivo e, sobretudo, controlavam o ritmo de trabalho. Com a superação das
corporações de ofício e a consolidação do capitalismo industrial, o ritmo de trabalho deixou
de ser comandado pelos trabalhadores e passou a ser ditado pelas máquinas a serviço da
acumulação de capital e do aumento das taxas de lucro. A partir de então ampliaram-se as
jornadas e intensificou-se o trabalho. Esse duplo movimento foi bastante prejudicial à saúde
dos trabalhadores. Marx (2014b, p. 349-350) descreve o prolongamento das jornadas de
trabalho da seguinte forma:
28
Interessante observar que, Marx (2014b, p. 350) faz uso de uma expressão literária e irônica para
fechar sua descrição dos processos sociais desumanos relacionados à ampliação das jornadas de
trabalho: “O capital celebrou suas orgias.” Este procedimento é recorrente na obra marxista.
66
29
Segundo Marx (2014b), o exército industrial de reserva é a população trabalhadora excedente
resultante do processo de produção capitalista. Esta população é, para o autor, condição de existência
do capitalismo por duas razões principais: pode ser empregada nos períodos de expansão econômica e,
além disso, pressiona para baixo o preço da força de trabalho.
30
Metzger, Maugeri e Benedetto-Meyer (2012) discutem a relação entre formas de gestão de pessoal e
violência no trabalho, os autores ressaltam que os trabalhadores atuais são submetidos pelas gerências
em função do exército de reserva formado por milhões de desempregados dispostos a aceitar qualquer
trabalho, além disso, os autores destacam que as possibilidades de deslocamento do capital são
maiores no presente, o que reforça a pressão sobre os trabalhadores e diminui a capacidade de
reivindicação destes. Sendo assim, é possível afirmar que o capital continua se valendo do exército de
reserva para enfraquecer a resistência dos trabalhadores.
67
4, que os respondentes indiquem a idade e o sexo dos operários com os quais trabalham. Na
questão 5, prossegue a investigação sobre o trabalho infantil: “Qual a idade mínima em que as
crianças (meninos ou meninas) começam a trabalhar?” (MARX, 1982, p. 250). Na questão 12,
Marx (1982) pergunta se o trabalho é realizado à mão ou com o auxílio de máquinas.
Objetiva, com isso, compreender o grau de automação nos diferentes processos produtivos
associando-o às condições de vida e de saúde dos operários. Na segunda parte da Enquete,
Marx (1982) pergunta, nas questões 38 e 39, se há turnos de menores de idade e se as lei
relativas ao trabalho infantil eram colocadas em prática. O autor questiona os respondentes
sobre o trabalho feminino na terceira parte da Enquete31. Na questão 63, perguntam-se quais
eram os salários das mulheres e das crianças. Na questão 66, Marx (1982) indaga qual o
salário do operário, da sua mulher e filhos. O autor formula questões a partir das análises e
observações que havia registrado em O Capital, que, por sua vez, baseiam-se, principalmente,
nos processos de produção observados na Inglaterra do século XIX. Tratava-se de examinar
se os processos sociais que ocorriam na França repetiam o padrão observado na Inglaterra,
que era a sociedade com o mais alto grau de desenvolvimento das forças produtivas. Neste
país, o emprego de mulheres e crianças enfraqueceu o movimento sindical e contribuiu para a
precarização das condições de vida, de trabalho e de saúde. Interessante notar que, com sua
Enquete, Marx (1982) não pretendia apenas se informar sobre a realidade francesa, tratava-se
também de informar e politizar os trabalhadores sobre a dinâmica do modo capitalista de
produção, ou seja, em alguma medida a Enquete procura sinalizar para os trabalhadores
franceses possíveis tendências de desenvolvimento do capitalismo.
Para Marx (2014b), a variável chave do modo capitalista de produção é a taxa de lucros32,
como está só pode ser ampliada a partir do trabalho vivo, o capital precisa aumentar a mais-
valia reduzindo os salários, precisa ampliar o tempo de trabalho excedente reduzindo o tempo
31
Heloani (2011) destaca que cresceu a utilização de máquinas-ferramentas no processo produtivo a
partir do final do século XIX, estas possibilitaram emprego de trabalhadores não especializados. O
autor ressalta ainda que, décadas depois, foi o aperfeiçoamento das máquinas-ferramentas que
permitiu o emprego de trabalhadores semi-especializados após poucos dias de treinamento, entre estes
muitas mulheres, possibilitando, dessa forma, a substituição de trabalhadores homens e o envio destes
para os campos de batalha durante a Primeira Guerra Mundial. Sendo assim, é possível afirmar que, a
Enquete captou e investigou uma tendência de desenvolvimento do capitalismo que se consolidaria e
aprofundaria décadas depois, como mostrou Heloani (2011).
32
Segundo Marx (2014b), a taxa de lucros é obtida pela divisão da mais-valia pela soma dos capitais
constante (máquinas, equipamentos e instalações) e variável (salários). Sendo assim, o capital procura,
de todas as formas, aumentar a mais-valia reduzindo os salários. Importante ressaltar que esse duplo
movimento se choca com os interesses da classe trabalhadora e, por essa, razão, encontra forte
resistência.
68
necessário para reproduzir e repor o valor da força de trabalho. Este movimento foi
parcialmente realizado, no século XIX, através da inserção de mão de obra feminina e infantil
nos processos produtivos, ampliou-se a força de trabalho e a geração de mais-valia sem que os
salários crescessem na mesma proporção. Na Enquete, Marx (1982) procura constatar a
ocorrência deste fenômeno na França e, além disso, tenta politizar e fortalecer a posição dos
trabalhadores na luta contra o que considerava uma tendência do capital: a proletarização e a
deterioração das condições de vida, saúde e trabalho. Importante destacar que, para Marx
(2014a, 2014b), tratava-se pensar a deterioração das condições de vida e trabalho não apenas
em seus aspectos materiais, através da capacidade de consumo, por exemplo; para o autor,
importava, também, pensar a desumanização provocada pelo trabalho estranhado, pelo
bloqueio da possibilidade de realização do trabalhador através do seu trabalho. Talvez esta
seja a mais radical das críticas marxistas ao modo de produção capitalista, ainda que possa
permitir a ampliação das possibilidades de consumo dos trabalhadores devido ao
desenvolvimento das forças produtivas, o capitalismo não pode permitir que estes controlem o
que, como, com que ritmo e quanto produzem, essa incapacidade de determinação do próprio
trabalho causa desrealização e estranhamento. Este tema tem sido abordado no campo Saúde
do Trabalhador, por exemplo, discutindo o trabalho repetitivo numa fábrica de metais,
Assunção (2013, p. 180) registra:
concorrentes. Marx (2014b, p. 479) se refere a estes curtos períodos em que as inovações são
monopolizadas por uma única empresa com as seguintes palavras:
Além de associar a ampliação das jornadas aos períodos em que as inovações produtivas são
monopolizadas por um único capitalista, Marx (2014b, p. 477) associa também o “desgaste
moral” das máquinas às ampliações das jornadas. As máquinas não geram valor, apenas
transferem o valor que possuem às mercadorias durante o tempo que operam. Entretanto,
devido à concorrência, novas máquinas são fabricadas e passam a operar incessantemente.
Uma máquina produzida ontem pode se tornar obsoleta hoje. Sendo assim, os capitalistas
preferem que o maquinário opere da forma mais intensa possível para maximizar lucros e
reduzir o risco de “desgaste moral”. Marx (2014b, p. 477): “Quanto mais curto o período em
que seu valor total é reproduzido, tanto menor o perigo de depreciação moral, e quanto mais
longa a jornada de trabalho, tanto mais curto é aquele período.” Não há na Enquete questões
que associem as ampliações das jornadas ao “desgaste moral” das máquinas empregadas na
33
Neste trecho, Marx (2014b) emprega outra expressão literária e irônica, compara inovações no
processo produtivo ao “primeiro tempo do jovem amor”, esta frase é de Schiller e ajuda a esclarecer o
raciocínio. Importante registrar ainda que, o exemplo de Marx (2014b) se refere ao setor industrial e à
incorporação de máquinas à produção, mas o argumento serve também para o setor de serviços e para
o emprego de novas formas de gestão do trabalho.
71
As formas de pagamento também são utilizadas pelo capital para intensificar e às vezes até
para ampliar as jornadas. Marx (2014b) afirma que o salário por peça34 pode ser utilizado para
fazer fluir mais força de trabalho do operário. Na seção III da Enquete, Marx (1982) questiona
os operários sobre o salário por peça, ou tarefa, o foco das perguntas é a forma e a justiça do
pagamento, ou seja, se este é feito de acordo com o que é efetivamente produzido. Este
problema continua atual. Além disso, a intensificação do trabalho causada pelos métodos de
pagamento por produção preocupam atualmente. Os cortadores de cana são trabalhadores que
têm enfrentado sérios problemas devido aos pagamentos por produção. Tavares e Lima (2009)
estudaram o trabalho dos cortadores de cana no estado da Paraíba. As autoras constatam que
os pagamentos por produção atendem melhor os critérios de flexibilidade do receituário
neoliberal e intensificam o trabalho. Ferreira (2015, p. 385) afirma que o “sistema de
pagamento por produção tem sido um dos maiores responsáveis pelo ritmo de trabalho
frenético dos cortadores de cana, que não param de cortar nem para atender suas necessidades
fisiológicas.” Alves (2006) traz dados sobre a produtividade no Complexo Industrial
Canavieiro em São Paulo: crescimento de 50 para mais de 80 toneladas por hectare, entre as
décadas de 1960 e 1980; 3 toneladas de cana cortada por dia/homem nos anos 1950; 6
toneladas na década de 1980; 12 toneladas no final dos anos 1990 e início do século XXI. De
acordo com o autor, o crescimento da produtividade no setor se deve ao pagamento por
produção, que provoca o aumento do dispêndio de energia e do esforço no corte de cana,
podendo provocar a perda precoce da capacidade de trabalho e até mortes. Alves (2009)
sustenta que não cabe à sociedade a defesa e preservação de maus empregos, sendo assim, é
preciso promover a mecanização total do corte de cana. O autor defende a implementação de
políticas públicas capazes de gerar emprego e renda para os cortadores substituídos por
máquinas, além disso, ressalta que o ritmo da mecanização deve acompanhar o ritmo das
políticas públicas compensatórias. O autor destaca também que, enquanto políticas públicas
compensatórias não são adotadas, é preciso modificar as relações de trabalho para reduzir os
problemas de saúde dos cortadores. Para Alves (2009, p. 156) algumas ações devem ser
tomadas imediatamente: “o fim da terceirização, a adoção do controle da produção pelos
trabalhadores através da quadra fechada e o fim do pagamento por produção.” A análise de
Alves (2009) mostra que, no Complexo Industrial Canavieiro, o aumento da produtividade foi
obtido através da intensificação do trabalho.
34
O salário por peça é uma método de pagamento por produção. Mais à frente aprofundaremos a
discussão sobre os impactos das formas de remuneração sobre a saúde dos trabalhadores. Por enquanto
nos limitaremos a relacionar os pagamentos por produção com a intensificação do trabalho.
73
Ferreira (2004) afirma que a Enquete de Marx é espantosamente atual. A autora ressalta ainda
que discutir o Questionário é interessante como método de análise do trabalho. Segundo
Ferreira (2004), a Enquete serve mais como guia para discussão do trabalho do que como
fonte de informações a serem tabuladas. Entretanto, é importante acrescentar que o
Questionário relaciona os processos de produção com os problemas de saúde dos
trabalhadores, por isso continua atual e importante. Os processos de trabalho se transformam
alterando os problemas de saúde dos trabalhadores, surgem novas questões, como as doenças
mentais relacionadas ao trabalho, por outro lado, há problemas que persistem, como os
acidentes. Mas, de qualquer forma, para responder aos antigos e aos novos desafios do campo
ST continua sendo fundamental compreender e atuar na raiz dos problemas, e esta, em geral,
se encontra no processo de produção entendido em sentido marxista, ou seja, como unidade
dos processos de trabalho e de valorização. No caso das jornadas e da intensidade do trabalho,
se é verdade, por um lado, que o modo de produção capitalista promoveu transformações que
não aparecem diretamente nos textos marxistas, como o Banco de Horas; é também
verdadeiro que, para entender as dinâmicas das jornadas e da intensidade do trabalho, Banco
de Horas inclusive, é preciso utilizar as categorias e análises desenvolvidas por Marx (2014b).
O desafio atual do campo Saúde do Trabalhador é eliminar a nocividade do processo de
trabalho do tempo presente, para tanto é preciso compreendê-lo, daí a importância das
categorias e análises marxistas.
Questões sobre salários e condições de vida aparecem principalmente na seção III da Enquete.
Como mostraremos, também estas perguntas foram elaboradas a partir de análises teóricas
realizadas anteriormente. Sendo assim, optamos por expor as análises teóricas de Marx
(2013e, 2014b) para depois discutir mais diretamente o conteúdo da Enquete relacionando-o
com textos produzidos no campo Saúde do Trabalhador. É possível subdividir as questões que
relacionam salários e condições de vida em quatro grupos principais: formas de pagamento
(salários por tempo ou por peça), impacto do emprego de mulheres e crianças sobre os
salários da classe trabalhadora, tempo de trabalho necessário e excedente (trabalho pago e não
pago), efeito das crises sobre os salários. Mostraremos como Marx (2013e, 2014b) formula
estas questões para depois explorar como elas reaparecem na Enquete. Os salários têm
impacto direto sobre as condições de vida e de saúde dos trabalhadores. Gaze, Leão e
74
Vasconcellos (2011, p.260) afirmam que “não há saúde sem salário35.” O conceito de saúde
que adotamos foi definido na 8º Conferência Nacional de Saúde, entre outras questões, tal
conceito ressalta a importância de haver boas condições de alimentação, moradia e lazer, o
que apenas pode ser alcançado se forem garantidos bons salários. Sendo assim, comecemos
esta discussão apresentando como Marx (2013e, 2014b) define os salários.
Para Marx (2013e, p. 73): “o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de
subsistência necessários para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.”
Ou seja, segundo o autor, o preço de mercado do trabalho tende para o seu valor, assim como
ocorre com as demais mercadorias, oscilações ocorrem, mas a tendência é o preço das
mercadorias expressar seus valores, o mesmo ocorre com a força de trabalho. Marx (2014b)
relaciona os salários aos custos de produção do trabalhador, ou seja, aos custos necessários
para produzir e reproduzir o próprio trabalhador, a questão passa a ser como determinar tais
custos. Marx (2013e) ressalta que o valor da força de trabalho não é determinado exatamente
como as demais mercadorias. Para o autor, o preço de mercado do trabalho é formado por
dois elementos: um físico e outro histórico ou social. Apesar das altas e baixas provocadas
pelos ciclos econômicos, em média, os trabalhadores recebem, em forma de salário, valores
que lhes permitem adquirir os meios de subsistência necessários para manutenção e
reprodução da força de trabalho. Este é o elemento físico definido por Marx (2013e). Se
descessem abaixo deste limite mínimo, os salários não seriam suficientes para manter e
reproduzir a força de trabalho, ameaçando, desta forma, a própria continuidade do processo de
produção capitalista. Por esta razão, o autor define o valor necessário para manutenção e
reprodução da força de trabalho como limite último abaixo do qual os salários não podem
cair. Além deste limite físico, Marx (2013e) ressalta a importância de se considerar o
elemento histórico, ou social, que entra na composição dos salários, que, além de serem
suficientes para atender as necessidades físicas de reposição da força de trabalho, precisam
possibilitar a satisfação de necessidades associadas às condições sociais em que vivem os
homens, estas necessidades formam o padrão de vida tradicional de cada sociedade. Para
35
Os autores distinguem dois níveis de luta dos trabalhadores por saúde no trabalho: a luta implícita,
indireta e inespecífica, que reivindica melhores condições salariais, temporais e de relações de
trabalho sem pautar prioritariamente questões diretamente relacionadas à saúde; e a luta explícita,
direta, específica por saúde no trabalho, que coloca estas questões como prioridade. Os dois níveis se
completam e são importantes para a conquista de melhorias relacionadas à saúde dos trabalhadores,
mas é interessante destacar, como fazem os autores, que as lutas não diretamente ligadas a questões de
saúde no trabalho são importantes porque avanços relacionados a salários, jornadas e descanso
melhoram as condições de saúde dos trabalhadores.
75
Marx (2013e, p. 94): “Esse elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode
aumentar, diminuir e, até mesmo, desaparecer completamente, de tal modo que só subsista o
limite físico.” O autor cita exemplos históricos em que os salários se aproximaram de seus
limites físicos, especialmente durante guerras.
Segundo Marx (2013e, p.66): “os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de
trabalho incorporado em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho
empregado.” Considerando que o capital transforma a força de trabalho em mercadoria 36, o
valor desta também se altera na razão inversa do desenvolvimento das forças produtivas. O
autor mostra que o desenvolvimento progressivo das forças produtivas sociais permite que as
mercadorias sejam fabricadas com menos trabalho, reduzindo, dessa forma, seu valor. Isto é
possível, segundo Marx (2013e), devido à produção em grande escala, à concentração do
capital, à divisão do trabalho, à maquinaria, ao aperfeiçoamento das comunicações e dos
transportes.
O desenvolvimento das forças produtivas tende a reduzir o valor das mercadorias em geral, da
força de trabalho inclusive. Este movimento pode permitir, em curtos espaços de tempo, a
melhoria das condições de vida da classe trabalhadora, que é capaz de aumentar seu
consumo37. O desenvolvimento das forças produtivas permite que se produza mais no mesmo
tempo, então se, por exemplo, uma jornada de trabalho social é repartida igualmente entre
trabalho e capital e produz uma quantidade x de produtos, a força de trabalho será remunerada
com ½ x e o capital com ½ x, entretanto, se dobrar a força produtiva do trabalho e na mesma
jornada for possível produzir 2x, e se a divisão entre capital e trabalho se mantiver igual,
ambos se apropriarão de uma quantidade x cada um, aumentaria, dessa forma, o consumo dos
trabalhadores. Mas é difícil que uma situação como a exemplificada ocorra, isso porque os
desenvolvimentos das forças produtivas em geral ocorrem através da incorporação de
máquinas aos processos de trabalho, ou seja, devido ao crescimento do capital constante, que,
36
Para Marx (2013e) o capital transforma a força de trabalho numa mercadoria, mas não como todas
as demais, para determinação do valor da força de trabalho contribuem elementos físicos e históricos
ou sociais. Além disso, a força de trabalho é a única mercadoria capaz de produzir mais-valia.
37
Para Marx (2014b), devido ao reinvestimento dos excedentes no processo produtivo e à
concorrência, no longo prazo tende a crescer o capital constante (trabalho morto) em relação ao capital
variável (trabalho vivo), como apenas este último gera mais-valia, as taxas de lucro tendem a ser
reduzidas, apesar das contratendências; a redução dos lucros acirraria a luta de classes e empurraria os
salários para os seus limites mínimos necessários para repor a força de trabalho. Por esta razão e de
acordo com o pensamento de Marx (2014b), somente em algumas situações, como nos períodos de
ascensão dos ciclos econômicos, é possível haver melhorias nas condições de vida da classe
trabalhadora devido a apropriação dos ganhos de produtividade.
76
de acordo com Marx (2014b), tende a substituir o capital variável (trabalho vivo) e a reduzir
as taxas de lucro. Sendo assim, a ampliação da capacidade de consumo da classe trabalhadora
pode ser melhor explicada através do elemento social ou histórico38 associado ao padrão de
vida tradicional de cada sociedade, que varia no tempo e pode ser expandido inclusive porque
o capital lucra com a ampliação do mercado de consumo. Esta é mais uma contradição do
modo capitalista de produção, o padrão de vida tradicional das sociedades pode se elevar; por
outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas tende a substituir trabalho vivo (capital
variável) por trabalho morto (capital constante) causando desemprego e reduzindo as
possibilidades de consumo da classe trabalhadora.
38
Ao se contraporem ao capital exigindo melhores condições de vida, os movimentos dos
trabalhadores ajudam forjar e elevar o elemento social ou histórico dos salários.
77
Por outro lado, Marx (1982) explora bastante as consequências das duas principais formas de
salário (por tempo e por peça) sobre as condições de vida e saúde dos trabalhadores franceses.
Em O Capital, Marx (2014b) analisa o salário por tempo e por peça nos capítulos 18 e 19,
respectivamente. Segundo o autor, salários por tempo e por peça eram conhecidos dos
trabalhadores ingleses e franceses desde o século XIV, e as diferenças nas formas de
pagamento não alteram sua essência, ou seja, ambas contêm uma parcela de trabalho não
pago. Para Marx (2014b), o salário por peça geralmente é mais favorável para a produção
capitalista por duas razões principais: permite a intensificação do trabalho e diminui a
necessidade de supervisão, isso ocorre porque a expansão da produção se torna interessante
para o trabalhador que, dessa forma, amplia sua remuneração. Importante destacar que este
problema aparece na Enquete e continua atual, inclusive causando graves danos à saúde dos
trabalhadores. Marx (2014b) enumera os problemas de saúde relacionados tanto ao salário
por tempo quanto ao salário por peça, alguns destes problemas seriam explorados
posteriormente na Enquete. Marx (2014b, p. 616) esclarece que: “O valor da força de trabalho
aumenta de acordo com seu desgaste, isto é, com a duração de seu funcionamento e de modo
proporcionalmente mais acelerado do que o incremento da duração de seu funcionamento.”
Sendo assim, se as jornadas se prologam para além do limite considerado normal, as horas
extra costumam ser melhor remuneradas do que horas normais de trabalho, embora, como
salienta Marx (2014b, p. 617): “numa proporção ridiculamente pequena.” O autor baseia esta
opinião em relatórios de inspetores de fábrica de seu tempo:
39
O trecho citado dialoga com a ideia de Marx (2014b) de que em sua manifestação as coisas
frequentemente se apresentam invertidas, sendo este fenômeno conhecido em quase todas as ciências,
exceto na economia política, que não enxerga que os salários correspondem a apenas uma parte das
jornadas, sendo a outra parte composta por trabalho não pago.
78
Problemas relacionados aos salários por peça, ou por produção, apontados por Marx (2014b)
continuam atuais: descontos e fraudes, surgimento de intermediários entre o capital e os
trabalhadores. Todas estas questões aparecem na Enquete e continuam sendo discutidas no
campo da Saúde do Trabalhador, trataremos delas mais à frente.
que permite reduzir o tempo de trabalho e as jornadas, as máquinas podem causar o efeito
inverso:
Na Enquete Operária, Marx (1982) explora também os efeitos dos ciclos econômicos e das
crises sobre os salários e as condições de vida dos trabalhadores. Antes de entrarmos na
discussão do conteúdo da Enquete relacionado aos salários e às crises do modo capitalista de
produção, é importante apresentar brevemente o pensamento de Marx (2014b) sobre as crises
do capital. No campo marxista existem diversas compreensões sobre as crises do modo de
produção capitalista. Por exemplo. Para Mészáros (2002), o capitalismo enfrenta, atualmente,
uma crise estrutural associada à não recomposição das taxas de lucro do período
imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Segundo Mészáros (2014), a crise
estrutural do capitalismo teve início nos anos 1970 e apresenta quatro características
principais: caráter universal, ou seja, atinge todas as esferas econômicas (financeira,
comercial, etc.); não está limitada apenas a alguns países, seu alcance é global; é
temporalmente extensa, ou contínua, ou até permanente, não se trata de uma crise cíclica
como as anteriores; sua modalidade pode ser definida como sub-reptícia, ou seja, contrasta
com as erupções e desmoronamentos espetaculares do passado, ainda que sem excluir
totalmente a possibilidade de ocorrerem fenômenos semelhantes. Para o autor, a crise
estrutural do capitalismo ataca a totalidade deste e coloca a exigência de sua superação. Esta
interpretação é bem aceita mas não é consensual no campo marxista. A partir de Marx
(2014b) é possível pensar a causa das crises capitalistas por dois caminhos: um de curto e
outro de longo prazo. A crise de longo prazo está associada à queda tendencial das taxas de
lucro causada pelo crescimento da composição orgânica do capital, Marx (2014b) calcula esta
dividindo o capital constante (trabalho morto) pelo capital variável (trabalho vivo), para o
autor esta relação é crescente no capitalismo, ou seja, o primeiro tende a crescer mais rápido
que o segundo. Marx (2014b) calcula a taxa de lucros dividindo a mais-valia (trabalho não
pago) pela soma do capital variável (salários) com o capital constante (máquinas,
80
40
Sobre a teoria das crises em Marx, ver Pereira (1987), apesar de não ser marxista, o autor analisa
com detalhes e profundidade o pensamento de Marx sobre as crises do modo capitalista de produção.
Além disso, é interessante a análise que o autor faz da evolução do valor do capital constante,
sugerindo que este não teria se elevado como imaginava Marx (2014b), isso ajudaria a explicar a
longevidade do capitalismo.
81
investiga como estas afetam as condições de vida e de saúde dos trabalhadores e, além disso,
se esforça para politizar os operários informando-os a respeito do funcionamento do modo
capitalista de produção. Entretanto, como veremos à frente, há uma questão que relaciona as
flutuações do emprego com o crescimento do capital constante.
quanto efetivamente produzem, isso ocorre porque o sistema de medição e pesagem das
empresas confunde os trabalhadores, a cana cortada é medida em metros, mas os salários são
pagos com base no peso (toneladas), como não sabem ao certo quanto receberão por dia, os
cortadores acabam se empenhando ainda mais no trabalho, às vezes até mais do que podem
suportar. Além disso, a autora relata que as medições da produção ocorrem sem a fiscalização
dos trabalhadores, que com frequência reclamam de serem lesados. Como se vê, os dilemas
explorados na Enquete sobre os logros relacionados ao salário por tarefa continuam atuais na
agroindústria sucroalcooleira, com a reestruturação produtiva e a implantação de formas mais
flexíveis de produção, é possível que tais problemas se ampliem e se alastrem para outros
ramos de atividade.
A abordagem de Marx (1982) sobre o trabalho feminino e infantil ocorre mais pela
perspectiva econômica do que de gênero. Partindo, da análise realizada em O Capital, onde
estudou o desenvolvimento histórico do modo capitalista de produção, Marx (1982) pergunta,
nas questões 63 e 66, quais eram os salários das mulheres, crianças e homens, conhecendo em
média as remunerações de toda a família empregada e os preços dos artigos necessários para
83
repor e reproduzir a força de trabalho familiar, seria possível determinar se, como já havia
ocorrido na Inglaterra, também na França o emprego de trabalho infantil e feminino estava
contribuindo para a aumentar os lucros do capital, que ampliou a força de trabalho disponível
sem ampliar os salários na mesma proporção. Os efeitos deste movimento para a classe
trabalhadora foram principalmente a extensão dos problemas de saúde no trabalho para
mulheres e crianças. Interessante notar que, na Enquete, Marx (1982) se dirige aos
trabalhadores homens, aos chefes de família, e não às mulheres, que também trabalhavam.
Dessa forma, é possível dizer que, a Enquete não explora diretamente, mas expressa uma
questão de gênero à medida que Marx (1982) se dirigi a uns trabalhadores e não a outros.
Importante registrar que, há 135 anos, seria difícil agir de outra maneira, inclusive porque
eram os homens que estavam organizados em sindicatos e outras organizações operárias, se já
era difícil colher as impressões destes, chegar até mulheres e crianças estava fora do alcance
de Marx e da Revista Revue Socialiste. Esta dificuldade dos movimentos operários para
organizar toda a força de trabalho ajuda a explicar porque os salários baixaram à medida que
mulheres e crianças foram incorporadas aos processos produtivos.
francês da época. Na questão 71, o autor pergunta aos trabalhadores se estes já observaram
altas dos artigos de primeira necessidade superiores a dos salários. Na questão 76, Marx
(1982) instiga o trabalhador a refletir sobre trabalho pago e não pago, faz isso solicitando ao
mesmo que estabeleça um paralelo entre os preços dos artigos ou serviços que produz e o
preço da sua força de trabalho. Neste ponto, a intenção do autor de politizar os trabalhadores é
clara, Marx (2014b) afirmou que a forma salário torna e exploração invisível, na Enquete o
autor tentou iluminar as relações de exploração capitalistas.
Por fim, é importante discutir o conteúdo da questão 99 da Enquete, nesta, Marx (1982)
indaga se o operário conhece fábricas em que a remuneração é paga parcialmente em forma
de salário e parcialmente em forma de participação nos lucros (PL). O autor solicita ainda que
o trabalhador aponte e compare as remunerações onde não há e onde há participação nos
lucros, indicando também as obrigações que pesam sobre os que recebem PL. Por exemplo:
estes trabalhadores podiam fazer greves? A questão 99 é interessante porque mostra que os
problemas relacionados às remunerações por participação nos lucros são mais antigos do que
se imagina. A tendência é associar a PL às formas flexíveis de produção surgidas com a
reestruturação produtiva. Entretanto, a presença deste tema na Enquete indica que o problema
é antigo. Pina e Stolz (2011) discutem as consequências das remunerações por participação
nos lucros. Segundo os autores, o governo brasileiro regulamentou o inciso XI do artigo 7º da
41
Anteriormente, definimos este tipo de crise como sendo de longo prazo para diferenciá-la das crises
causadas por elevações cíclicas dos salários, que definimos como crises de curto prazo. Interessante
perceber que, na Enquete, Marx (1982) trabalha com as duas modalidades de crise, apesar do espaço
reduzido e da complexidade do assunto.
86
A referência a remunerações por participação por lucros na Enquete mostra a atualidade desta
e, por outro lado, a continuidade dos processos de exploração, que se transformam na
aparência, mas não a essência. Além disso, a atualidade da Enquete é reafirmada pelo
crescimento das remunerações por produção e pelos efeitos das crises do capital sobre os
trabalhadores.
87
Na questão 92, Marx (1982) pergunta se o trabalhador conhece casos em que o governo
colocou a força pública a serviço dos patrões em contextos de greves e outros enfrentamentos.
Na questão 93, o autor pergunta se os trabalhadores conheciam casos em que o governo
interviu contra coalizões ilegais dos patrões. A partir do contraponto estabelecido entre estas
duas perguntas, Marx (1982) procura jogar luz sobre as relações de poder estabelecidas na
sociedade capitalista, politizando os trabalhadores sobre a parcialidade do Estado. Segundo
Marx e Engels (2013f, p. 219): “O poder do Estado moderno não passa de um comitê que
88
administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo.” Ou seja, nas questões 92 e
93, Marx (1982) investiga qual a opinião dos trabalhadores sobre o caráter e a natureza do
Estado capitalista. É por estas questões e outras que é possível afirmar não haver neutralidade
na Enquete, o que é coerente e está de acordo com as ideias marxistas. Em sua décima
primeira tese sobre Feuerbach, Marx (1975b, p.24) registra que “Os filósofos têm apenas
interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”
participação nos lucros. No final da questão, o autor pergunta se os trabalhadores que recebem
em forma de “pretensa” participação nos lucros podem ser “algo mais que humildes
servidores de seus patrões”. Na linguagem desta última pergunta, no adjetivo “pretensa” e na
expressão “humilde servidores de seus patrões” percebe-se claramente que Marx (1982) toma
partido e não esconde sua posição. Na última questão da seção IV, Marx (1982) pergunta
quais eram as condições físicas, intelectuais e morais em que viviam e trabalhavam os
operários do mesmo ofício do respondente. No final da Enquete havia espaço para os
trabalhadores registrarem suas observações gerais.
Como vimos anteriormente, pouco tempo após a publicação da Enquete Operária, Marx,
Engels, Guesde e Lafargue (2000) elaboram o Programa do Partido dos Trabalhadores
Franceses. Há confluências entre os dois documentos. Por um lado, há reivindicações
relacionadas à saúde dos trabalhadores no Programa do Partido dos Trabalhadores Franceses;
por outro, a Enquete foi também um instrumento de ação política. Entretanto, apesar de estar
diretamente relacionada ao contexto político francês do final do século XIX e às lutas
travadas à época, a seção IV da Enquete, por seu conteúdo e forma, coloca indiretamente
questionamentos que são bastante atuais. Existe neutralidade em campos do conhecimento
caracterizados por disputas e conflitos, como a ST? O conhecimento pode ser neutro? A
neutralidade é possível em um mundo divido em classes? Partindo do referencial marxista, a
resposta para as questão anteriores é negativa, ou seja, a neutralidade é impossível. Marx
(1975b) afirmou que os filósofos haviam se limitado a interpretar o mundo de diversas
maneiras, sendo que a questão fundamental, entretanto, era transformá-lo. Ao tentar
transformar a realidade, conscientemente ou não, afirmamos nossas posições e ideias. É por
isso que não há neutralidade. Por outro lado, os que pretendem manter a realidade como está,
afirmam igualmente seus posicionamentos e suas ideias quando atuam, também entre estes
não há neutralidade. É possível dizer que a seção IV da Enquete está de acordo com um dos
eixos principais do pensamento marxista, que é fazer da teoria uma arma de combate e
resistência da classe trabalhadora. Além disso, Marx (1982) integrou as questões de saúde dos
trabalhadores na luta pela superação do capitalismo, procedimento que, devido às novas
possibilidades tecnológicas, é ainda mais atual no tempo presente.
90
5 CONCLUSÃO
Neste estudo analisamos a atualidade da Enquete Operária elaborada por Karl Marx em 1880.
Com sua Enquete, o autor pretendia informar e se informar sobre as condições de vida e de
saúde dos trabalhadores franceses, além disso, tentou politizar e contribuir para o
fortalecimento da classe trabalhadora. A forma enquete operária – entendida como um
mecanismo de investigação e de politização da classe trabalhadora – tanto leva quanto traz
conhecimentos, pode, inclusive, ser elaborada em conjunto com os trabalhadores.
Iniciamos este estudo pela hipótese de que a Enquete é atual porque trata de problemas de
saúde que continuam presentes no mundo contemporâneo, sendo inclusive objetos de ação do
campo Saúde do Trabalhador. Por essa razão, procuramos mostrar como tais problemas
aparecem na Enquete Operária e em estudos de ST. Por exemplo: a intensificação do trabalho
causada pela automação; os problemas de saúde relacionados a formas de pagamento, como o
salário por produção; problemas relacionados à mensuração do trabalho pago por produção;
exigência de horas extras associada às oscilações da demanda; o desemprego e o trabalho
sazonal. A hipótese inicial se confirmou, entretanto, ao longo da pesquisa surgiram outras
questões que reforçam a atualidade da Enquete Operária.
O processo de produção capitalista é, para Marx (2014b), a unidade dos processos de trabalho
e de valorização. O primeiro entendido como ato preconcebido para obtenção de finalidades
pré-estabelecidas através do manuseio de objetos e meios de trabalho. O segundo entendido
como forma de valorização do valor, ou, em outros termos, como estratégia de extração de
mais-valia. Utilizar a categoria processo de produção é importante porque permite pensar o
processo de trabalho juntamente com o processo de valorização do capital, ou seja, o primeiro
não é determinado exclusivamente por formas de gestão de pessoal e desenvolvimentos
tecnológicos, estes, para serem aplicados, precisam atender ao critério de valorização do
capital. Sendo assim, a utilização da categoria processo de produção permite pensar o trabalho
como o que ele realmente é, ou seja, uma relação social, e não o resultado direto das formas
de gestão de pessoal e dos desenvolvimentos tecnológicos, porque também estes são
condicionados pelo processo de valorização e são empregados apenas quando rentáveis. Por
essa razão, destacamos a centralidade da categoria processo de produção para se pensar as
relações entre trabalho e saúde. Laurell e Noriega (1989) utilizam esta metodologia.
Entretanto, no Brasil os pesquisadores do campo Saúde do Trabalhador têm adotado a
categoria processo de trabalho para discutir e pensar a relação entre trabalho e saúde.
Para escrever O Capital, Marx (2014b) utilizou materiais produzidos pelos inspetores de
fábrica de seu tempo, estes relatórios fundamentaram empiricamente a teoria marxista. Marx
(2014b) utiliza tais materiais para denunciar as péssimas condições de trabalho e para mostrar
que a causa principal dos acidentes devia ser buscada no processo de produção capitalista, que
prioriza a valorização do capital comprometendo inclusive a segurança dos trabalhadores.
Neste sentido, é possível afirmar que Marx (2014b) é atual porque antecipa práticas que
seriam adotadas posteriormente pelo campo Saúde do Trabalhador, que, por sua vez, rechaça
a ideia de “ato inseguro” e a consequente culpabilização dos trabalhadores pelos acidentes de
que são vítimas.
perguntas sobre os movimentos do emprego e dos salários durante dos ciclos da economia
capitalista estão baseadas na teoria das crises presente em O Capital. A Enquete Operária é
atual também porque nela reaparece sintetizada a teoria desenvolvida em O Capital, esta
teoria é importante para se compreender o processo de produção capitalista e,
consequentemente, a relação entre trabalho e saúde.
Concluímos que a Enquete Operária é atual por seis razões principais: explora problemas de
saúde e de vida que continuam presentes no mundo contemporâneo; relaciona problemas de
saúde e de vida dos operários ao processo de produção capitalista, procedimento que
posteriormente seria seguido pelo campo Saúde do Trabalhador; valoriza o saber dos
operários, outro princípio posteriormente adotado pela Saúde do Trabalhador; é uma síntese
da teoria desenvolvida por Marx em O Capital, esta teoria é importante para se compreender
o processo de produção capitalista e, consequentemente, a relação entre trabalho e doença; na
Enquete as questões relacionadas à saúde dos trabalhadores são integradas na luta pela
libertação do trabalho; futuras enquetes operárias podem tomar como base a Enquete de 1880.
93
A forma do conflito entre capital e trabalho não é exatamente a mesma do tempo da Enquete
Operária, mas a essência não mudou, continua associada ao processo de produção capitalista
e à exigência de valorização do valor lhe é inerente. É o que o explica a atualidade da Enquete
e dos problemas que ela aborda.
94
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Com os escassos meios de que dispomos, iniciaremos por nossa conta esta indagação,
acreditando que, com isso, possamos talvez animar o governo republicano da França a seguir
o exemplo do governo monárquico inglês. Confiamos contar, para isso, com a ajuda de todos
os operários da cidade e do campo, conscientes de que apenas eles podem descrever, com
todo conhecimento de causa, os males que suportam, e de que só eles, e não os salvadores
providenciais, podem energicamente remediar as misérias sociais que sofrem. E contamos,
também, com os socialistas de todas as escolas, que, aspirando a uma reforma social, devem,
necessariamente, desejar adquirir o conhecimento mais exato e fiel possível a respeito das
condições em que vive e trabalha a classe operária, a classe à qual pertence o porvir.
Estes cadernos do trabalho constituem o primeiro passo que a democracia socialista tem que
dar para abrir caminho à renovação social.
As cem perguntas contidas no questionário são da mais alta importância. As respostas deverão
conter o número de ordem da pergunta correspondente. Não é necessário responder a todas as
perguntas, mas recomendamos que as respostas sejam as mais amplas e detalhadas possíveis.
Não se publicará o nome da operária ou operário que enviar a resposta, a não ser que haja
expressa autorização para isso; entretanto, cada remetente deverá indicar seu nome e
endereço, de modo a permitir, se for o caso, entrar em contato com ele.
As respostas devem ser dirigidas ao administrador da Revue Socialiste, M. Lécluse, 28, rue
Royale, Saint-Cloud, Paris.
As respostas serão classificadas e servirão de base para uma série de monografias especiais,
que serão publicados na Revue Socialiste, e, mais tarde, reunidas em um volume.
101
6) Qual o número de fiscais ou outros empregados na fábrica que não são assalariados
comuns?
7) Há aprendizes? Quantos?
8) Existem, além dos operários empregados regular e usualmente, outros que são empregados
de tempos em tempos?
10) A fábrica em que você trabalha está no campo ou na cidade? Indicar o lugar em que ela
está situada.
l 1) Se a fábrica funciona no campo, diga se seu trabalho industrial lhe basta para cobrir suas
necessidades ou se o combina com algum trabalho agrícola.
16) Descreva as condições higiénicas da fábrica: tamanho das instalações e lugar destinado a
cada operário; ventilação, temperatura, caiação das paredes; condições em que se encontram
os sanitários; limpeza em geral; ruído das máquinas, pó do metal, umidade, etc.
18) Em sua indústria há emanações nocivas que provoquem enfermidades específicas entre os
operários?
21) Enumerar os acidentes de trabalho ocorridos durante o tempo em que você trabalha na
fábrica.
22) Se o lugar de trabalho for uma mina, enumerar as medidas preventivas adotadas pelo
patrão para assegurar a ventilação e impedir as explosões e outros acidentes perigosos.
26) Em caso de acidente, o patrão está legalmente obrigado a indenizar o operário ou a sua
família?
27) Se não é obrigado, ele já tem pago indenização aqueles que sofreram acidentes enquanto
trabalhavam para enriquecê-lo?
29) Se você trabalha em casa, descreva as condições da sua sala de trabalho. Trabalha
somente com ferramentas ou emprega pequenas máquinas? Você tem como auxiliares seus
filhos ou outras pessoas (adultos ou menores, homens ou mulheres)? Trabalha para clientes
particulares ou para uma empresa? Você trata diretamente com estes ou através de um
intermediário?
103
II
38) Dizer se há turnos de meninos e menores, que se substituam mutuamente durante as horas
de trabalho.
39) O governo ou o município encarrega-se de pôr em prática as leis vigentes sobre o trabalho
infantil? E submetem-se a elas os patrões?
40) Existem escolas para os meninos ou menores que trabalham nesse ofício? Se existem, a
que horas funcionam? Quem a dirige? Que se ensina nelas?
42) Qual é o número habitual de horas extraordinárias durante os períodos de maior atividade
industrial?
43) As máquinas são limpas por operários especialmente designados para isto ou são
gratuitamente limpas pelos operários que trabalham com elas durante o dia?
44) Quais são as normas e penalidades por atraso? A que horas começa o dia de trabalho, e a
que horas recomeça após as refeições?
45) Quanto tempo você gasta na ida para o trabalho e no regresso à casa?
III
46) Que espécie de contrato você tem com seu patrão? Você é contratado por dia, semana,
mês, etc.?
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47) Quais são as condições estabelecidos para dar ou receber aviso prévio?
48) No caso de o contrato ser rompido e o empregador estar errado, a que penalidade ele deve
se submeter?
54) Se você é pago à base de tempo, seu pagamento é por hora ou por dia?
55) Paga-se salário adicional pelo trabalho extra? Em caso afirmativo, qual o salário?
56) Se o salário que você cobra é por tarefa, como se regula? Se você trabalha num lugar em
que o trabalho executado se mede por quantidade ou por peso, como acontece nas minas, diga
se o patrão ou seus representantes recorrem a truques para escamotear-lhe uma parte de seus
ganhos.
57) Se você é pago por tarefa, usa-se o pretexto da qualidade do artigo para enganá-lo,
reduzindo seu salário?
58) Quer seja por tarefa ou por tempo, quando o trabalho é pago? Em outras palavras, durante
quanto tempo você credita a seu patrão antes de receber o preço do trabalho efetuado? Você é
pago após um mês? Uma semana? etc.
59) Você observou que, ao lhe pagarem com atraso, obrigam-no, frequentemente, a recorrer à
casa de penhores na qual você deve depositar uma taxa de juros alta e despojar-se de coisas
que lhe são necessárias? Você observou que isso o obriga a endividar-se junto aos
comerciantes e a tornar-se devedor deles? Conhece casos em que operários perderam seus
salários por causa da falência ou da bancarrota de seus patrões?
60) Os salários são pagos diretamente pelo patrão ou há intermediários no pagamento (agentes
comerciais, etc.)?
105
61) Se os salários são pagos por meio de intermediários, quais são as cláusulas do contrato?
62) Qual é a quantia que você recebe em dinheiro, por dia e por semana?
63) Que salários recebem as mulheres e as crianças que trabalham com você na mesma
fábrica?
64) Qual foi, em sua fábrica, o mais alto salário por dia, durante o mês anterior?
65) Qual foi o mais alto salário por tarefa, durante o mês anterior?
66) Que salário você recebeu no mesmo período, e, caso tenha família, quanto ganharam sua
mulher e seus filhos?
68) Caso o patrão lhe alugue a casa em que vive, em que condições é feito esse aluguel? Ele
desconta o aluguel do salário?
69) Quais são os preços dos artigos de primeira necessidade, tais como: (a) aluguel da
moradia, indicando as condições do contrato; número de cômodos e de pessoas que os
ocupam; gastos com reparos e seguros; compra e manutenção dos móveis, calefação,
iluminação, água, etc.; (b) alimentos: pão, carne, legumes, batatas, etc., laticínios, peixe,
manteiga, azeite, banha, açúcar, sal, temperos, café, cerveja, sidra, vinho, fumo,
etc.; (c) vestimentas para pais e filhos, roupa de cama, higiene pessoal, banhos, sabão,
etc.; (d) despesas várias: correio, taxas de empréstimo e agiotagem, pagamento da escola para
os filhos, revistas, jornais, contribuições a sociedades e caixas para greves, sindicatos,
etc.; (e) em seu caso pessoal, gastos relacionados com o exercício de seu trabalho ou
profissão; (f) impostos e taxas.
70) Procure estabelecer o montante semanal e anual de ganhos e gastos seus e de sua família.
71) Em sua experiência pessoal, já observou uma alta maior de preços dos artigos de primeira
necessidade, moradia, comida, etc., que dos salários?
73) Indique as baixas sofridas pelos salários nos períodos de retração ou de crises industriais.
75) Fale das interrupções que intervieram no trabalho após mudanças de métodos ou crises
particulares e gerais. Fale de seus próprios períodos de desemprego involuntário.
76) Estabeleça um paralelo entre o preço dos artigos que você produz ou dos serviços que
você presta e o preço de seu trabalho.
77) Você conhece casos em que operários perderam o emprego porque foram introduzidos
máquinas novas ou aperfeiçoamentos de um outro tipo?
79) Sabe de algum caso de elevação dos salários em conseqüência dos progressos da
produção?
80) Você já conheceu alguma vez simples operários que tenham saído do trabalho aos
cinqüenta anos e que possam viver do que ganharam como assalariados?
81) Em sua profissão, durante quantos anos um operário de saúde média pode continuar a
trabalhar?
IV
82) Existem, em seu ofício, associações operárias? Quem as dirige? Envie-nos os seus
estatutos e regulamentos.
83) Quantas greves foram declaradas em sua indústria, desde que você nela trabalha?
86) Que finalidade tinham essas greves: aumento de salários ou eram uma luta contra
diminuições salariais? Discutia-se nelas a duração da jornada de trabalho ou referiam-se a
outras causas?
89) Seu grupo profissional apoiou greves de operários pertencentes a outras categorias?
107
90) Quais são os regulamentos e as penas estabelecidos pelo patrão de sua empresa para
administrar seus operários?
91) Houve coalizões de empregadores que procuram impor reduções de salários, aumentos do
trabalho, para se oporem às greves, ou, de modo mais geral, para imporem sua vontade?
92) Você conhece casos em que o governo tenha posto a força pública a serviço dos patrões
contra os operários?
93) Conhece casos em que o governo tenha intervindo para proteger os operários contra os
abusos dos patrões e suas coalizões ilegais?
94) O governo impõe, contra os patrões, a execução das leis vigentes sobre o trabalho? Os
inspetores do governo cumprem os seus deveres?
95) Existem, em sua oficina ou em seu ofício, sociedades de socorro mútuo, para casos de
acidentes, enfermidade, morte, incapacidade temporal para o trabalho, viuvez, etc.? Em caso
positivo, envie-nos seus estatutos e regulamentos.
97) Se se trata de cotas obrigatórias, postas sob o controle do patrão, diga se são deduzidos do
salário. Os patrões pagam juros pelas somas retidas? Essas quantias são devolvidas aos
operários em caso de expulsão ou de dispensa? Você conhece casos em que os operários se
tenham beneficiado dos chamados fundos de aposentadoria controlados pelos patrões, e cujo
capital se tenha formado por cotas deduzidos dos salários?
98) Existem, em seu ofício, sociedades cooperativas? Como são dirigidos essas sociedades?
Empregam operários de fora, como fazem os capitalistas? Envie-nos seus estatutos e
regulamentos.
99) Na sua profissão existem fábricas nas quais a retribuição dos operários é paga parte com o
nome de salário e parte com o de uma pretensa participação nos lucros? Compare as quantias
recebidas por estes operários com as quantias recebidas por outros operários, em fábricas
onde não existe nenhuma pretensa participação nos lucros. Faça a lista das obrigações às quais
estes operários estão submetidos. Eles podem fazer greve, etc.? É possível para eles serem
algo mais do que humildes servidores de seus patrões?
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100) Quais são, em geral, as condições físicas, intelectuais e morais em que vivem os
operários e operárias que trabalham em seu ofício?