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104 PERRY ANDERSON

LIFHA GENS DO ESTADO ABSOLUTIsTA

guerra, criou-se uma cascata de novos cargos â venda, leiloaram-se d. absolutismo frames consistiu em que o £pice de scu llorescimento in-
tulos, iRulttplicaram-se os empréstimos for9ados e as Tenda8 terno nao coincidiu com o Spice de sua supremacia internacional: ao
piiJsllcas, oianipularao se os valores monetârios e, pela primeira vez, contrtirio, foi a estrutura politics ainda defeituosa e incomplete de Ri-
foi lan9ado rim imposto de “capitylo” ao qual nem a prhpria nobreza chelieu e Mazarino, mareada por anomalies instituclonais e dilaoerada
escapou. ° A infiavao, a home e o dcspovoamento fustigavam os por sublevydes intemas. que eonsumou espetamilares éxitos extemos,
campos. Contudo, no espa9o de cinco anos, a Franta foi de novo ao passo que a monarquia consolidada e estâvel de Luis XIV — cowi
mergulhada no conflito europeu pela sueesslio espanhola. Mais uina sua autoridade e sua forma aiilitar enormemente aunientadas — fra-
vez, a in6pcia diploniâtica e as rudes p ñes de Luis XIV cassou solenemente em impor se â Europa on realizar conquistas terri-
maximizaram a colig no contra a FmnSa no eonftito militar decisivo Mortars not£veis. A constru9ao institucional e a expans4o
que agora se travava: o vantajoso testamento de Carlos II fora internacional estiveram defasadas e invertidas no caso franoés. A razâo
nienosprezado pelo herdeiro trances, Flan- dres oeupadn pelas tropas disso, certa- mente, reside na acelera9âo de um tempo distinto daquele
da Franca, a Espanha dirigida por emissâ- rfOS franCeseS, os contratos do conjunto do absolutismo nos palses mailtimos — Holanda e
de comércio de escravos com gg 5jjg3 ppJ@ mas ainericanas foram Inglaterra. O abso- lutismo espanhol deteve a domina9ito européia
incorporados pelos mercadores hanceses o o pretendente Stuart exilado durante cem anos; posta em xeque, inicialmente, pela Revolupâo
ostensivamente saudado como monarca da Inglaterra. A deteraiinyho Holandesa, a sua supremacia serta enfim destrulda pelo absolutisnio
Bourbon de monopolizar a totalidade do império hispanico, recusando francés, em meados do século XVII, com a ajtida da Holanda.
qiialquer partilha on diminuitlo da vasta presa espanhola, uniria Contudo, o absotutismo trances mo gozou de um periods compar8vel
inwitavelmente a Austria, Inglaterra, Holanda e a maior parte da de hegemonia na Europa ocidental. No espyo de vinte anos, ap6s o
Alemanhn contra ela. Por tudo querer, o absolu- tismo frances acabou Tratado dos Pireneus, a sua expansilo jâ tinha sido contida. A derrota
por mo conseguir virtualmenle nada de seu su- premo esloyo de final de Luls XIV mo se devsu a seus numerosos erros estratégicos,
expansEo politics. 0s eatrcitos Bourbon — agora com a poténcia de mas â altera9fio da posislo relative dv Franta no seio do sistema
300 mil homens, equipados core rifles e baionetas — foram dizimados polltico eumpeu que rcsuJtara do advento das revo1iu;des inglesas de
em Bleinheiin, Rninillies. Turim, Oudernade, Mal- plaquet. A prdpria 1640 e 1688." Foi a ascenslo econbmica do capitalis no ipglés gs
Franca foi golpeada pela invaslo, enquanto, no plano interno, os consoli&u;£o politics de seu fistado no tinal do século XVII que
impostos entravam em colapso, a moeda sofria desva- loriz 9£o, “surpreenderam” o absolutismo trances, niesmo na época de sua
eclodlam na capital os tuinultos do plo e a home e o trio entorpeciam a pr6pria asceosâo. Os verdadeiros vencedores da Guerra da Sucessdo
zoila rural. No entanto, â parte o levante huguenote loca) em Ctvennes, Espanhola loram os eomerciantes e os banqueirm de Lori- dres: esta
o campesinato parnianeceu tranqlLlo. Acinia dele, a classe dorninante anunciou uni imperialismo britanico de escala mundial. O Estado
cerrava compactas fileiras em torno da monarquia, mesmo em meio I feudal espanhol da iiltima fuse fora derrubado pelo seu equiva- lente e
sua autocr£tica disciptina e aos desastres estrangei- ros, que abalavam rival franeés, com o auxllio do govern Estado burgues da Ho- landa. O
a sociedade inteira. Estado feudal frances da fittima lase Koi barrado em seu curso per dois
A tranqtlilid8de apenas chegou com a derrota definitiva na gugr- Estados capitalistas de poder desigual — Inglaterra e Holanda
ra. A paz for mitigada pelas divisdas no seio da coligyâo vitodosa con- —, assistidos por seu parceiro austrlaco. O absolutismo Bourbon toi
tra Luls XIV, o que permitiu ao ramo jovem da dinastia Bourbon con- intrinsecamente mais forte e unificado do que o fora o absolutismo
servar a monarquia na Espanha, sob o pr o de unia separa9ho politica
da Franca. Sob oulros aspectos, a desastrosa ordâlia mo rendera ne-
nhuni beneficio ao absolutismo gaulés. Limitara-se a estabelecer a
Aus- tria nos Palses Baixos e na Itfilia e a fazer da Inglaterra senhora (30) Como e evidenle, Luis XfY mostrou•se incapaz de avaiiat ests mudnnta —
donde os xens constantes dlsparates diplomâiitos. A irsqueza iemporfina da Ingtaterra
do comércio colonial na América espanhola. Na verdade, o paradoxo na década de 1660, quando Carlos II era h6spede da Pran9a, Ievou-o mnstantcniente a
do subestiniar a ilha, mesino quando a sea importântia politics central na Enropa ocidental
era j“u ci6xia . Axaim, a falha cometida por Lute KIV por n$o ote r rienhum tipe de
auxilin pmmptivn a Jaime II, em 1688, antes do dtsembarque de Guilherme III. Tirla a
ser um dos erros mets faleis de uma carreira hem suprida deles.
(29) Gnubert, emir XI o Vingt Millions de Z•'rar guis, pp. 158-62.
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espanhol: mas as for9as contra ele dispnstas loram tambéin rnai8 pode- década de t760, quando se tornou nccessârio dispor de inquestionlvel
rosas. 0s diligentes preparativos internos do reinado de Luis ZIV com origem nobre para qualificar-se ao gran dn oficial. A classe aristocrfi-
vistas â domitlyho externa revelaram-se indicts. Aparentetnente tho tica em ecu eonjunto conservou um rigoroso estatuto da iiltima fase
prdzima, na Europa da década de 1660, a hora da supremania de Ver- feudal: constituia uma ordem juridicainente definida com cerca de 250
salhes nunca chegou a soar, mil pessoas, isenta do grosso dos impostos e coin o monop6lio dos
Em 1715, o advento da Regencia anunciou a rea9ño social a esse mais elevados escaloes da burocracia, do judici£rio, do clero e do
fraeasso. Liberando subitamente os seus ressentimentos contra a auto- exército. As snas subdivisaes eram agora meticulosamente definidas,
cracia real, até entâo contidos, a alta nobreza preparou uma reapari$£o do ponto de vista te6rico, e entre os altos pares e os mais interiores
imediata. O regente assegurou a concord8ncia do Porfemrni de Paris hobereaux* rurais existia um grande abismo. Mas, na prâtica,
para pñr de lado o testamento de Luis XIV, em troca da restaura9âo de lubrificantes como o dinheiro e o casamento 4izeram das snas mars
ecu direito traditional de reclama9ño: o governo passou ns mbos dos altas itistfineias, em mm- tos aspectos, um grupo distinto mais flezlvel
pares, que prontamente puseram finn ao sistema ministerial do rei fale- que nunca. A nobreza da Franca iia época do itumiiiismo possula uma
eido, assumindo, eles pr6prios, o poder direto no chamado R*k•r•O - completa seguran9a de seu domlnio no interior das estruturas do
die. Assim, t8nto a noblesse d’epée coino a noblesse de robe Goram Estado abaolutista. Todavia, subsistia entre ambos uin sentimento
ins- irreduUvet de desconlorto e atrito, mesmo neste filtimo periodo de
titucionalmente reintegradas pela Regéncia. A nova época viria uniilo 6liina entre aristocracia e monar- quia. Pois o absolutisino,
eieti- vamente acentuar o aberto caréter de classe do absolutismo: o independentemente da congsnialidade de ecus servidores ou dos
século ZVIII presenciftria â regressâo da inhuencia nto-nobre no atra.tivos de seu servi9o, continuava a ser um poder inacessivel e
aparelho de Estado e a domina9iio coletiva de uma alta aristocracia irresponsavel, exercido por sobre a cabya da no- breza em seii
cads vez mais uniticada. O controls dos magnatas sobre a pr6pria conjunto. A condipâo de aua elicâcia enquanto Estado estava na sua
Regéncia mo dii- raria muito: sob Fleury e, depois, sob os doia dista“ncia astrutural em relaiâo ñ classe oa qual sc recru- tara e cujos
lrâgeis monarcas que o sueederam, o sistema decis6rio na ciipula interesses defendia. O absotutistno na Franta nunea akan- Maria
do Estado reverteu ao antigo modelo ministerial, agora mo mais confian9a e aceityâo inquestioniiveis por parte da aristecracia em que
dirigido por um monarca impera- tfvo. Mas a partir dal a nobreza se baseava: as suas decisdes mo podium ser atribuldas I orders titular
manter-se-ia lirmemente aferrada acs mais altos car8os do 8overno: que lhe den vida — e tal earacterlstica era necessfiria, cnmo veremos,
de 1714 a 1789, apenas tres ministros nâo cram aristocratas com em raz8o da natureza inerente da pr6pria classe; e também arriscada,
dtulo?' Da mesma torma, a magistratura oti- cial dos porfemeiifz devido so perigo de ities impensadas ou arbitr£rias do Exe- cutivo que
formaria agora um restrito estrato nobilitrio, tanto em Paris como teriam repercussdes sobre ela. A plenitude do poder real, mesmo
nas provincias, do qual estavam excluldos os plebeus. Os quando exercido com brandura, alimentava reservas dos se- nhores
inteodants rear s, outrora o flagelo dos proprietârios rurais das pro- diante dele. Montesquieu — presidents do Partement dn Bor- déus no
vlneias, transtormarain-se, por ecu turno, numa casta quase eomplacente regime de Fleury — dcu expressho incontesttvel ao novo
heredit£- ria: durante o reinado de Luls XVI, catorze deles eram tipo de oposicionismo aristocrético caracterlstico do 8éfuto. Na
tilhos de antigos intendeuix No Igreja, todos os bispos e arcebispos verdade, a inonarquia Bourbon do século XVII eletuoo hem poucos
eram de orlgem nobre na segunda metade do s4culo e a maior parte movimentos de tipo “nivelador” contra os “poderes interme- diaries”
das abadias, prio- ratos e canonieatos ectavam sob controls da que Montesquieu e seus consortes tanto eloglavam. Na Franks, o
mesma classe. No exército, os mais altos comandos rnilitares aztrJeri ré:gime preservou a sua selva desconeertante de jurisdi96ex.
estaram solidamente ocupndos pelos grandes nobres; a compra de divisiies e institui90es heter6clitas —pps d’et‹E!* R*X• ’ñJñcfiozts, pnr-
companhias por roturierJ toi abollda ma lemetttx, xéné:ycha yes, genéralités — até a revolu$Bo. Ap6s Luis XII,

(31) Albert ‹ •oodnin. “The Sociel Structure end Economic end Political
Atti• tudns of ihe Prtnch i'4obility in the l8th Century”, ¥fitA fniernafioiiai (*I Nomt dado, na Franca, â peQuena nnbreza que tiranizava or sous campo-
Congress of Hk - torrent Scienccz, Rapports, t. p. 26t. neses. (N. T.)
t32) J. McMunners, 'France”, em Goodwin (Org.), The Z'uropeon Mibifiry
in it
PERRY ANDERSON MbiHA GENS OO ES’f AOO ABSOLUTISTA IOP

gnaw mo ‹›correu tienhuma raciollB âo adicional do sistema poli- gencia ioi, de modo geral, marcada pelo crescimento ecnnomico, coin
tico: niinca foram cri&dOb t8filai allandegfirias, item sistema fiscal. co- eonstBnte aumento de prm;os, relative, prospcndade agrâria (pelo me-
dilica9lo de leis ou administry$o local com car£ter uniforme. A tlnica nos no perlodo de 1730 a 1774) e recup ño deniografica: a popula-
tentativa da nionarquia de impor uuia nova eonformaslo a um corpn Rao da Franca subiu de 18•19 para 25-26 milh6es de habitantes, entre
eoletivo foi o seu persistente eslorpo para aS6egurar a obediéncla teo- t700 e 1789. Enquanto a agricu)tura continuava a ser o ramo amp1a-
l6gica do clero, através da persegui9ho ao jansenisrno — vigofosa e eiente dominante da produk to, as nianulaturas e o comtrcio ragistra-
invariavelmente contbatido pelo Parlement de Paris, em nome do gali- vam notâveis avan9os. A indñstria franeesa apresentou uin cremimento
eanismo tradicional. A anacr8nica querela em torno dessa questâo em sua produqâo da ordem de 60 per cento, durante esse século;“ no
ideolfigica tornou-se o principal ponto de destaque nas rela$0es entre o setor textil com aram a aparecer verdadeiras Iâbricas: lantaraoi se os
absolutisino e a riof›fesse de robe, desde a Regencia â época de Choi- alioerces das inddstrias do lcrro e do carvño. Muito mais r£pido, po-
sent, quando os jesuitas forani lornialmente expulsos da Franca por r4m, seria o progresso do com'ercio, sobretudo no plano internacionat
iniciativa dos parlementz, numa vit6ria simb6liea do galieanismo. Mui- e colonia). O comércio exterior propriamente dito quadruplicou dc
t gJ Sep, pt›rjm, serta £f impasse que se estabele ceu por finn entre a 1716- 20 a 1784-88, com um excedente regular de exporty6es. O
monarquia e a rnagistratura. Luis XIV deixara uiti Estado totalmente intercâmbio colonial conseguiu uin crescimento mais r£pido com o
afundado em dlvid8s; a Regénvia as reduzira a metade com o recurso
desenvolvimento das plants de shear, café e algodtto nas Antilhas:
its moratbrias: mas os custos da politics externa, • P * da *°>° da nos anos que precederam a revolustio, ehegaria a dois tempos do
Sucess$o da Austria, aliados â extravagância da corte, mantiYera2R 0 comércio externo da Frati9aN O surto comercial naturalmente
erârio em déiicit veloz e cada vez mais prolundo. Experiflncias suoes- estimulava a urbaniza9lo; houve uma onda de novas cnnstru96es nas
sivas de lan9ar novos impostos, roalpeiido a imunidade tiscal da aris- cidades e, pelo fina) do sé- culo, as cidades provinciais da Franca ainda
tocracia, foram alyo de resistencia on sabotagem not Parlementx e suplantavam as da Ingla- terra em n6mero e tamanho, a despeito do
nos Estados das provincias, mediante a recusa do registro dos tditos
nivel muito mais elevado da industrializyño no outro lado do canal.
on a apreGentyito de prot85tos iBdignados. As contradiv6es objetivas
Enquanto icso, decrescia a venda de cargos, com o cerco aristoerdtico
do ab- solutismo rnanilestavam-se at em sum k›rma mais diets. A
mooarquia ao aparelho de Estado. O absolutisms do século KV Ill recorria
ereseentemente aos empréstirnos publicos, o que mo criava um mesmo
procurava g2g pjqjjggg dg I1ObF8Z›g, gpqli8Bt0 esta mlVifldiCAYit O
oontrole sobre as pollticas da monarquia: a ar istecra cia, na verdade, gran de intimidade com o Es- tado: os rentiem nño recebiam o
recusava-se a alienar os seus pnvilégios eoon6micos sem cort£fttfStaf *" enobrecimento ou a imunidade fiscal, como acontecera com os o ciers.
reitos polltioos sobre a condusâo do Estado monérQuico. Na sua Inta
O grupo especliico de maior riquesa no seio da classe capitalists
contra os governos absolutistaa nesse caznpo, a oligarquia judicial do S lranoesa continuava a ser o dosJnoncierJ, cujos investirnentm
Parlementx passott, Cada vez main, • tilizar-se da linguagem radical
especulativos colhiam os imensos lucros dos con- tratos com o
tk ›z phitosophez: as errantes notes burguesas de libDNftde e exército, das arrecada9oes de impostos e dos empréstimos iornecidos
represen- trio passaram a Ire9'llm1t8r a retbrica de uiti dos ranos ao rei. Mas, de um modo geral, a diminui9âo do anesso dns comuns ao
da aristocracis francesa mais mftfCados pelo conservadorismo Estado feudal, simultaneamente ttO desenvoJvimento de uma
inveterado e pelo espi- rito de casta.^ Nas d&adas de 1770 e 1780, economic coinercial externa a este, emancipara a burguesia de sua
tomava-se nltida na Fran• dependéileia subaltarna frente ao absotutismo. Os comerciantes, donos
qa uitia curiosa contamina$ño cultural de set6es da nobreza pelo de manufaturas e arniadores da épora do iliiminismo, e os juristas e
eStadB situado abaixo dela. jorzialistas que eresceraoi com etes, prosperavam, agora, eada mz
p século XVIII assistira, nesse Interim, a uma r£pida expansâo mais, lora do âmbito do Estado, coin reniltados inevit£veis para a
das fileiras e das fortunas da burguesia local. A época posterior â Re- atttOnOOtJ politica da classe burguesa no seu conjunto.

(33) Para as atiludes dos #arfemeMs nns 6ltimos anos dn ancien râgirrie, ver 7- {R) A.Sobou1,Lo£ rofoionfranpoie,{,Pmñs,l964,p.4S.
pgyt, -p pitipp p,;;;iig, 17d7-178B Paris, 1962, pp. 149-60. (X) ].Lovgh,Aw/nfm#amAn*##8fbCew freane, LomBrm; 19dO,
pp.713.
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A monarquia, por sua vez, mostrou-se incapaz de proteger os impor a nobreza e ao clern um imposto territorial. 0s Perfetiients’ re-
ititeresses burgueses, mesino quando este8 coincldiam nominalmente sistiram furiosamente a tais planos; a monarquia, ciii desespero, de-
com os do pr6prio absolutismo. Em ilenhuma outra parte isso toi tño cretou a sha dissolutho; em seguida, recuando perante a com ao sur-
claro como nas polltieas externas do Estado Bourbon da ñltima tase. gida no seio das classes proprietârias, acabou por restabelece-los; e,
As goerras daquele século seguiram um padrao infalivelmente tradicio- finalmente, capitulando âs exig4ncias dos P‹irfemenrs, que queriara a
naI. As pequenas ane tics de territbrio na Europa sempre a4quiriam, convoca9&o dos Estados-Gerais antes da aprovaQâo de qualquer re•
na prâtica, maior prioridade que a defesa on aquisi94o de colonies ul- Korma fiscal, chamou os trés estadns, em meio â desastrosa escassez
tramarinas; o poder maritimo e comercial for sacrificado ao de cereais, ao desemprego getleralizado e â miséria popular de 1789. A
inilitarismo territorial.‘ Propenso ii paz, Fleury assegurou o éxito da reaqño aristocrética contra o absolutismo passou com isso â revol in
absor9âo da Lorena nas breves campanhas em torno da sucessto da burguesa que o derrubaria. Apropriadamente, o colapso histbrico do
Pol6nia em 1730, das quais a Inglaterra se manteve afastada. Estado absolutista frances estava diretamente ligado â inflexibilidade
Contudo, a Guerra da Sueessâo da Austria verla a frota brit£nica de sua lorma$âo feudal. A crise fiscal que detonou a revol âo de 1789
eastigar os na ios tran- ceses desde o Caribe ao oceario lndieo, loi provocada por sua incapacidade jurldica em taxar a classe que re-
infligindo a Frank a imensas perdas coinerciais, enquanto Saze presentava. A pr6pria rigidez do vineulo entre Estado e nobreza
conquistava o su1 dos Parses Baixos numa eampanha territorial beta aca- baria por precipitar a suB derrocada comum.
realizada mas fiitil: a paz restaurou o status quo oote em ambos os )
ados, eras Pitt, na Jnglaterra, assimilara bem as liqbes estratégicas. A
Guerra dos Sete Anos (1756-63), na qual a Franca comprometeu-se a
apoiar um ataque austflano d Prussia, con- trnrio a qualquer interesse
dinéstico racional, levou ao desastrc o im- pério colonial Bourbon.
Desta vez, os exércitos tranceses lutarain apa- tieamente na guerra
continental na Vestfâlia. ao passo que a guerra na- val desencadeada
pela Inglatwra varria o Canadâ, a fndia, a Africa ocidental e as Indias
ocidentais. Com a Paz de Paris, a diplomacia de Choiseul recuperou as
possessdes Bourbon nas Antilhas, rnas a chance da Franta presidir um
imperialismo mercanti) em escala mundial es- tava terminada. A
Guerra dv lndependencia Americans permitiu a Paris alcan9ar uma
revanche politica contra Londres, por procuratño: mas o papel da
Franca na América do Norte, embora vital para o su- cesso da
Revolu9iio Americans, loi essencialmente uma operyâo de pilhagem,
que trouxe poucos ganbos positivos â Franca. Na mrdade, forum os
custos da interven9âo Bourbon na Guerra da Independéncia
Americana que precipitarain a derradeira cries fiscal do absotutismo
lrances no plano interno. Eni 1788, a dlvida do Estado era tño grande
— apenas o pagamento dos juros signifier.va quase 50 por eento das
despesas correntes — e o délicit or9ament£rio era trio sério que os
ulti- mos ministros de Luis XVI, Calonne e Loménie de Brienne,
resolveram

{36) O oqamento naval nunca ultrapassou a metode do da Inglalerra: Dorn,


Competition for Empire, p. 116. Dorn apre8enta urn relato revelador sebre as deficien-
cies gerais dns lrotas francesas na época.
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A precoce centraliz âo adininistrativa do feudalisnio normando,


determinada pela prfinitiva conquista militar e pela modesta extensao
do pals, originou — como vimos — uma classe nobre invulgarmente
limitada e regionalmente unificada, sem potentados territoriais semi-
independentes comparfiveis aos do continence. As cidades, segundo ac
Wadi9des anglo-sax8nicas, sempre lizeram parte dos dorrilnios do rei
e. por isso, gozavam de priviligios comerciais, sein a autonomia
polltica das cnmunas do continente: na época medieval, nunca lorain
bastante numerosas ou fortes para desafiar o seu status subordinado.'
Tam- pouco os senhores ectesiâsticos chegariam a adquirir enclaves
senho- ri8is shlidos on de grande extensho. De tat modo, a monarquia
me- dieval da Inglaterra foi poupada dos perigos inerentes ao governo uni-
tario, que os govemantes feudais tiveram de enfrentar na Franca, I talia
ou Alemanha. Resultaria dat uma centralizyâo concorrente, tanto do
Inglaterra poder real como da representyâo nobre, no seio do conjunto da orga-
niza9âo polttica medieval. Esses dois processos cram, na realidade, mo
opostm, «ias complementares. Heotm do sistema parcelar da sobera-
Durantc a Idade Média, a monarquia ieudal da Inglaterra Koi, nia feudal, o poder motiarquico situado fora da suserania so encon-
de modo geral, muito mars poderosa que a da Franta. Ax dinastias trava apoio, em geral, no consentimento de assembléias de vassalos de
anglo-normanda e angevina criarani uin Estado inonârquico sem caritter excepcional capazes de votarem ajuda eConomiea on politica,
rival, em autoridade e eticacia, em todo o Ocidente europeu. Foi fora da hierarquia mediatizada das dependencies pessoais. Por esse
precisa- mepte a Jorpa da monarquia medieval inglesa que permitiu as motivo, como jé foi salientado, os Estados medievais quase nunca po-
suas am- biciosas aventuras &rritoriais no continente, em detrimento diaoi se contiapor diretamente â autoridade monârquica: eles cram
da Franca. A Guerra dos Cem Anos, ao longo da qual aucessivos rcis amiude a precotldi9ao de sua existencia. A administr âo e a autori-
ingleses, ao lado de sua aristocracia, tentaram conquistar e subjugar dade reais da Inglaterra angevina ndo tinham qualquer equivalents fiel
em toda a Eumpa do século XII. Mas o poder pessoal do monarca logo
vastas Areas da Frants, atravessando uma arriscada barreira
loi seguido — o que relorGa nossa arguinentydo — por precoces insti-
maritime, reprmentou urn leito miiitar sem similares na Idade
tuic6es de caréter coletivo da classe dominance feudal, com caracteris-
Média: xioal agressi o da siipe- rioridade organizacional do Estado
ticas singularmente unitérias: os Parlamentos. A existéncia na Ingla-
insular. Contudn, a olais forte mo- narquia medieval do Ocidente loi
terra desses parlamentos medievais, a partir do século XIII, ndo cons-
justamente aqueta que produziu o absolutismo mais fraeo e de menor
dura9âo. Enquanto a Franca se tor- nava a terra natal do mais tituia evidentemenle uma peciiliaridade national. O que os distinguia
forfnidâvel Estado absolutists da. Europa ocidental, a Inglaterra era mars o fato de se tratarem de institui9ñes ao mesmo tempo
experimentava uma variants de governo abso1u- dsta “iinicas” e “conglomeradas .2 Em outras palavras, havia apenas
partieularmente acanhada, eni todos os sentidos. A transi;;âo da época uma assem-
medieval para o micro da época moderna correspondeu, assim, na
histñria inglesa — apesar de todas as lendas locais sobre uma inque- (1) Webet, em sua an£ise dos cidades ingiesas itiedievBis, flpoilta, entre outras
brantâvel “continuidade” —, a uma inversâo proiunda e radical de eoisas. quanto I algtilftcidvo quo etas nunca ienham passado pela experiGricia de rt o-
muitos dos trios mais caracterislicos do primitivo dasnnvolrimento 1ut;t›es municipais on corporativas, coino aeonteeeu no continence: £rp+omp md Re-
feudal. Natura)mente, certos padr6es medievais de grande f, III, pp. 1276-81. Houve em Londres uma breve ‹•oo/uroiio iniurrecional, etc 1263-
5: ver a este respeito Gwyn Williams, Medioe›«zf London. frozrt C risinune to Co•
io›portancia tnmbém loram preservados e licargm como heransa: ioi pital, Londres, 1963, pp. 219-35. Mrs tralou-se de um episédio excepcional, override
preéisamente a fusdo contraditfiria das togas novas e trfidicinnais que no contento mais vastn da ltevolia dos Barbes.
deiiniu a parti- cular rupture polltica oeorridd na ilha durante a i2) As primeiras lunches judiciais do Pañamznto ingiés cram tnmbérn inusiin-
Renascen9a.
114 PERRY ANDERSON LIN HAG h 5 DO HSTADO A BSOLUTISTA

bléia deste tipo, cujos limites coincidiani com os do pr6prio pals, e n$o tiobreza, nos planoa judigig » «dministrativo Jocais. Enquanto no con-
uma para cada provincia; e no seio dessa assembléia nâo existia a divi- tinente o sistema de tribunais achava-se caraeteristicamente dividido
sho tripartida de nobres, clero e burgueses, grralmente predominante em jurisdi9ñes inonérqulcas e senhoriais separadas, na Inglaterra, a
no continents. Desde a época de Eduardo III, os cavaleiros e as cidades sobrevivencia dos tribunais tribais pré-feudais propiciara uma
dispuuham de representyilo regular no Parlamento inglés, lado a lado espécie de terreno comum no qual foi posslvel chegar a uma mistura
com os bar0es e os bispos. O sistema bicameral de Lordes e Comuns de ambas. Nesse sentido, os sâeriJy que presidium os tribunais dos
desenvolveu-se depois, e nâo dividiu o Parlamento segundo os estados, condados eram norneados pelo rei, em carâter nho-heredit£rio;
marcando basicaoiente uma distinpho intema â classe nobiliâria. Uma todavia, cram se- lecionados no seio da pequena nobreza local e mo
monatquia centralizada produzia uma assetnbléia unificada. em uina burocracia central; ao passo que os prfiprios tribunais
A precoce centraliza$8o da organizy$o politica feudal inglesa conservavam vestlgios de seu carater original de asse ibléias jurtdieas
gerou dnas outras conseqiiénCias. Os Parlamentos unitârios, que se populares, nas quais os homens Jivres da cooiunidade rural
reuniaai e›ti Londres, ngo alean9aram o mesmo grau de controle fiscal compareeiam perante os seus iguais. Dat resultaria ion bloqueio ao
meticuloso, neni os direitos de convocyâo regular que inais tarde ca- desenvotvimento posterior quer de uin sistema abrangente de bailli da
racterizariar alguns dos sistemas de estados do continente. Mas con- justisa real profisSionaliz8da, quer de uma extensa hntite ytisfice
seguiram assegurar uma tradicional limityilo negativa do poder legiS- baronial; em vez disso, Surgfria nos conda- dos uma auto-admin istr a9$o
lativo do rei, que teria grande iinportância na época do absolutisino: aristocrética e nfio-remunerada, que dc- pois evotuiria para os julzes de
depois de Eduardo I, passou a ser aceito que nenhum monarca poderia paz do intcio da épeca moderna. No pr6prio perlodo medieval,
decretar noYos estatutos sem o consentimeoto do Parlamento.’ Do naturalmente, o contrapeso dos tribunais 4e condado coexistia coin os
ponto de vista estrutural, este direito de veto correspondia estritamente tribunals senhoriais e com algumas franquias
is exigericias objetivas do poder de classe da nobreza. Coin efeito, uma senhoriais de tipo leudai ortodoxo, eonio as que se encontravam por
vez que a administra9ao real centratizada era, desde o inicio, geogrâ- todo o continence.
fica e tecnicamenle mais l£cil na Inglaterra que em qualquer outrft Ao mesmo tempo, a nobreza da Inglaterra na Idade Média cons-
regiao, havia uma necessidade proportionalmente menor de se equipar titula uma classe t8o militarizada e predat6ria conlo qualquer outra da
com uma autoridade decisbria inovadora, imposslvel de se justificar Europa: na verdade, distinguia-se entre as suas parceiras pela ampli-
pelos riscos inerentes ao separatismo regional e a anarquia ducat. De tal tude e constancia de snas agress0es external. Nenhuma outra aristo-
modo, embora os poderes executivos rears dos monarchs medievais cracia feudal da Alta Idade Média irradiou-se tAo longe e tfio livre-
ingleses lossem habitualmente muito maiores que os dos reis franceses, mente, enquaiito o conjunto de uina ordem, a partir de sua base terri-
precisamente por essa razilo etes nunca conquistaram a relative auto- torial. As sucessiva8 piJ hagens da Franca durante a Guerra dos Cem
nomia legislative eventualmente desfrutada por estes. Um outro trio Anos foram os leitos main espetaculares deste militarigmo: mas a Esc6-
era e Flandres, a Ren&nia e Navarra, Portugal e Cas ft fOFBM1 tambéin
comparâvel do teudalismo ingl8s toi a fusâo invulgar entre monarquia
atravessadas por expedi9oes militares vindas da Inglaterra, no século
e
XIV, Nesta época, os cavaleiros ingleses lutarain fora de seu pals
desde o Forth até o Ebro. A organiza9ao militar de tars expedi$des
das; este atuava coaio uina suprema corte encarresada das sites, o que preenchia a refletia o
maior parte de suai funi;des nn século XIII, quando se achava doininado priiiripnl• desenvolvimento local de qm leudalicmo "bastardo" monetarizado. O
mente por servidons do rei. Para a origem e a evolu9âo doe parlamenlos medievaix, ver ultimo exército leuda) propriamente dito, convocado com base na posse
G. O. Bayles, The i•'iedi«evaI Foyndationc of England, pp. 448-57; G, A. Holmes, Tie
£eier Middle l,ges, Londons, 1962, pp. 83-8. da terra, foi recrutado em 1385 para o ataque de Ricardo 11 â Escñeia.
(3) O signilicado ultimo de tnt tlmllyiio foi sublinhado per I. P. Camper, "Dif- A Guerra dos Cem Anos for travada essencialinente por companhias
ferences Bet 'ecu Engiish and Continents{ Governments in the Early Seventeenth Cen- contratadas, alistadas com base em pagamentos em dinheiro, por
tury", em 1. I. Bromley e E. H. Kossmann (Orgs.), Briioiii and the Hei herl‹ ide, Lon-
dres, 19%, pp. 62•%, csp. 65-71. Como ele nota, dat resu\tatia que a curginielsto de quia” ini- ciatfva dos grandes senhores , para servir â monarquia. Deviam
no inicio da Spoca moderna fosse pfeoedido pot um direito obe- diencia aos seus prñprios capitâes; recrutamentos nos
"posltivo" Inglis a limita-la, e mo apenas o direito natural on divino da teoria da sobe- condados e mer- cenñrios estrangeiros forpecerain gis togas
rnnia de Bodin.
suplementares. Rg o hoop z particip ao de uin exércfto profissional
e a escala das expedi9bes era
ChriH«ndom. 1337-1399. Loc drez, 19 72 , pp. 74 6.
PERB Y ANDER8ON

numericamente modesta: as tropas despachadas para a Franca


nurica alcan9aram muito mais que 10 mil homens. Os nobres que
chefiaram as siicessivas incursñes em territbrpi VAlOtS COnservararti
basicamente uma perspectiva de pirataria. 0s saques privados, a busca
de reféns e de terra eram os objetivos de sua ambi xo; e es eapitles
mais bcm- sucedidos enriqueceram-se i aciqamgnte com as guenas, nas
quais as foyas inglesas bateram repetidas vezes exéreitos * °
>*' ° ° ° res,
reunidos para expulsâ-las. A superioridade estratégica dos agres- sores
ingleses durante a maior parte do conflito nâo se baseava, como pod•
siia•rir uma ilusâo retrospectiva, no controle do poder marltimo. Cotn
efeito, as ff’otas dos mares do aorte mo passavaoi de transporter
impmvisados de tropas; coinpostas em sua maioria por barcos eomer-
ciais temporarla nsente apregados, eram ineapazes de patrulhar regu-
lareienle o oceano. Os barcos de guerra propriamente ditos confina-
vam-sc ainda, em grande parte, no Mediterrâneo, onde a galera mo-
vida a remo era a arma das verdadeiras guerrBs maritimas. As
batalhas travadas no mar eram, por conseguinte, naquela época ,
desconhecidas
oas éguas atl6nacas: os embate6 na ais ocorriazn de modo geral
em baias on estu£rios pouco profundos (Sluys ou La Rochelle), onde
os navies em ooinbate podiam engatar-se para as lutas corpo a corpo
entre os soldados a bordo. Era i«ipossIveI entâo o “controle
estratégico do
mar”. Desse ipodo, ah costas de ambos os lados do canal nao dispu-
nham dc delesa contra os deseoibarques armados. Em 1386, a Fraru;a
reuniu o maior exército e a mars ampla frota de toda a guerra para uma
invasâo em grande escala da Inglaterra: os planes de delesa da ilha
sequer chegaram a conteniplar a posaibilidade de deter esta forma no
mar, mas confiavam eni manter a lrota inglesa fora da rota da agrea-
sha, no Tâzniaa. a finn de atrai-la a jtI)t0 decJ6BO no ioterior.’ A ñttima
hora, a invasâo Koi cancelada, mas a vulnerabilidade inglesa diante
dos ataques inarltimos foi amplamente demonstrada durante a guerra,
na qual os destrutivos ataques oavñs desempenharain um papel equiva-
lents kz cheraucheez mi1itans ‹»n terra. As frotas da Franca e de
Caste- la, utilizando galeras de tipo meridfonal, muito mais égeis,
capturaram, saqucarani ou queimaram Uma foPmidâvel lista de portos
iiigleses; por toda a parte, de Devon a Essex: entre outraa cidades,
Plymouth, South- hairipton, Portsmouth, Lewes, Hastings, Winchelsey,
Rye, Gravesend e Harwich, todas forain tornados e pilhadas no
decornr do conflito.

{4) Quango a seio episñdin reveRdor. M J. J. Palmer England. Find and


LINHAGENS DO ESTADO ABSOLU TISTA lt?

Assim, a supremacia inglesa durante a maior parte da Guerra


dos Cem Anos, que determinou coino campo de batalha permanente —
cows todo o ecu cortejo de danos e deso unto — o territfirio francés,
niio foi urri resiiltado do poder maritlino.’ For produto da integr âo e
da solidez polifiea muito maiores da monarquia feudal inglesa, cuja
capa- eidade administrativa para explorer seu patrim8nio e eonvocar
sua no- breza foi, att o momento final da guerra, muito maior que a da
mo- IlAFQUla. f£ancesa, assolada por vassalos dealeais na Bretanha
on na Borgonha e eiifraquecida pof sua primitive incapacidad e de
desalojar o feudo inglés na Guiana. Por sua vez, a lealdade da
aristocracia iriglesa foi eimentada rias vitoriosas cgmpanhas extnmas,
âs quais loi levada per uma sine de prlncipes marciais. Apenas quBndo
a organic âo polities feudal da FranSa loi ela prñpria reorganizada
sobrt urns nova base militar e fiscal, no govemo de Carlos VI I,
surgiram as condi$oes para a mudan9a da maré. Derrotados os seus
aliados borgonheses, as tor9as da Inglaterra logo passaram a ser
enfrentadas por exércitos fran- ceses cada vez maiores e melhor
equipados. A anlarga conseqiiéncia do colapso final do poder ingles na
Franca serta a eclosâo das Guerras das Ouas Rosas, dentro do pals.
Uma vez que mo mais existia uma auto• ridade real vitoriosa para
manter unida a alta nobreza, a arcaiea m£- quina de guerra medieval
volta-se sobra si prhpria, enquanto as rivati- dades entre os grandes
senhores feudais liberavam por todo o pats os seus embrutecidoc
dependentes e bandos de soldados nontratados, e usurpadores rivais
cngalfinhavam-se na luta pela sucessâo. Uma germ- qâo de guerra civil
acabou, finalmente, com a ftindaqEo da nova dinas- tia Tudor em
1485, no eanipo de Bosworth.
O reinado de Henrique VII preparava agora, gradualmente, o
aparecimento de uma “nova monarquia” no Inglaterra. Durante o
re- giie Lancaster anterior, desenvolveram-se livremente as lobes
arlsto- créticas, que manipularam o Partamento para seus pr6prios lins,
ao passo que os governantes da Casa York esfo ;aram-se, em meio a
anar- quia dominante, no senlido de concentrar e tortalecer de novo as
insti- tDlQâes CEDtfalS dO poder real. Sendo ele prñprio um Lancaster
por ali- nidade, Henrique VII desenvolygii essencia)mente a pnitica
adminis- trativa York, Antes das Guerras day Dnas Rosas, os
Parlainentos erani virtualrnente anuais e durante a primeira dérada da
reconstrusño, de-

(5) Ver os pertinentes comentérios de t2. F. Richmond, “The War st See”, en


V. P«let Bor g. j, Tke Hundred beers’ lYer, terraces, 19?1, p. 117; e “English nasct
Power in the Filteenlh Century”, ZfñZo y. LII, n.° 174, leverelro de 1967, pp. 4-5. Oc
estudos sobre este tern a ainda eatEn on inlcio.
1tB PERRY Af'iDliliSON LlNiiAGEf•i s no ss’r Do zasocUTISTA I L9

pois de Bo5wOrth, isso voltou a ocorrer. Mas, mrna vez aprimorada a se- poderes sem precedentes sobre a lgreja, como legado papal na Ingla-
guran9a interns e consolidado o poder Tudor, Henrique VII demartou- terra. Tatito o rei como o niinistro mostravam-se preocupados princi-
se da institui9ño: de 1497 a 1509 — os ftltimos doze anos de seu feinado palmente com os neg6cios externos. As limitadas campanhas travadas
, esta tornou a reunir-se apenas mais uma vez. O govemo real cen• contra a Fran9B, em 1512-14 e 1522-25, constiiuiriam os principais
tralizado era exercido através de uma pequena roda seleta de conse- acnntecimentos do periodo; para acudir aos custos de tars operyties
lheiros pessoais e homens de conlian$a do monarca. O seu objetivo militares no continents foram necessârios dois breves arremedos de
pri• mârio loi a sujeiqâo do poder dos magnatas, que estiyera em convoca9ño parlamentar,' Depois disso, uma tentativa de tax âo arbi-
ascensâo no periodo anterior, com seus bandos uniformizados de tr”ar’ia promovida por Wolsry levantou utna oposit;ño das classes pro-
dependentes armados, o suborno sistemdtico de jurados e as constantes priet£rias contra Henrique VJJI suficiente para desestimufii-la. Nao
guerras pri- vadas. Hste programa, porém, foi aplicado com muito hsvia ainda sinais de qualquer desenvolvimento espetacular na orienta-
maior persistén• era e éxito do que na fasa York. A supreme $âo da polltica monârquica na, Inglaterra. Foi a crise matrimonial de
prerrogativa de justi9a for imposta â nobreza com o recurso I Star 1527-28, causada pela dec‘tsEo real de se divorciar de sua esposa espa-
Chamber, usr tribunal conei- liar que se tornaria o principal nhola, com o subseqtlentn impasse cum o papado sobre uina questlo
instrumento da monarquia contra mo- tins ou sedi9âo. A turbuléneia que aletava a sucess$o interna, que viria subitamente alterar toda a
regional no norte e no oeste I onde os senliores lrontein9os situa9iio polltica. Para lidar coin a obstruqgo papal — inspirada pela
reclamavam direitos de conquista e n8o a enleii- da$âo pelo monarca) hostilidade dinfistica do irnperador ao planejado novo casamento — loi
foi sulocada pela criy8o de conselhos especiais delegados para necessârio recorder a novas e mais radicals leis, e reunir apoio polltieo
controtar tais dreas in rin. 0s ampliados direitos de asilo e os national contra Cleo ente VII e Carlos V.
privilégios privados semi-rears foram gradualmente limitados; Assim, em 1529 i-Henrique convocou aquele que serie o
proibirain-se as tropas particulates uniformizadas. A administrtu;ho Parla- mento de maior dur no, a tim de mobilizar a classe fuodiéria
local foi subordinada ao contmle monârquico, com o recurso â sele$âo a seu favor no conJlito com o papado e o império e assegurar o
e supervi6hO Yf lantes dos julzes de paz; rebeli6es de usurpBdores endosso dela ao confisco politics da Igreja por parte do Estado na
rein- cidentes loram e6magadas. Criou-se um pequeno corpo de guarda Inglaterra. Entre- tanto, fal ren«scimento de uma instihzi§&a até ai
no lugar da polfcia armada.‘ Os domtnios rears foram itiuitn ampliados despzezada srtava longe de represcntar uma eapitulaqño
pela retomada de terras, euja receita lomeceu 1 monarquia um total constitucional de Henrique VIII on de Thomas Cromwell, que se
quadruplicado durante o reinado; as ineid8ncias leudais e os tributos tornou seu planejador politico em 1531; mo significou um
allandegârios foram igualmente explorados ao m8xifRo. Of YOlta, do enlraquecimento do poder real, mas apenas um novo impulso no
tinal do governo de Henrique VII, os rendimentos gerais da rrionarquia sentido de sua intensilicyâo. fiom efeito, os Par- lamentos da
tinham quase triplicado e existia uma resarva de tesouro que ia de 1 a 2 Relorma n;io sñ auoientaram grandernente o padroado e a
milhbes de libras.’ De tal modo, a dinastia Tudor eietivara um combo autoridade ds monarquia, ao transterir o controle de todo o aparelho
prumissor no sentldo da constriu;$o de um absolutfsmo inglés, na vi• eclesidstico para suas mbos. Sob a disso de Cromwell, eles
rada do século XVI. Henrique VIII herdou um Executivo poderoso e também suprimirain a autonomia dos privilégios senhoriais,
um pr6spero er£rio. destituindo-os do poder de designer juizes de paz; lntegrarain os
Os printtnros vinte anes do governo de Henrique VII I trouxeram senhores lronteiri$os aos condados e incorporaram o Pais de Gales,
poucas mudfllt9£tE â posi9ao de seguran9a interna da monarquia Tudor, juridica e administrativa-
A admintstrasâo politica de Wolsey nño foi marcada por inovy6es iiis-
titucionnis relevantes; no inâximo, o cardeal concentrou em snas maos
(B) C. Russell, 7'he Crgsia of Panliomezsts, Oztord, 1971, pp. 41-2, afifirma c8te-
gnricamente que o Parlammtn Inglis deste periodo, com as snas breres sessbes rna-
mente convorades, era uma lope em detlinio: por outro lado, enfaliza corretnmeu te
{6) S. T. Bindof{, ypJy WgJ*tnd, Londres, 1966, pp. S6-6ti, fornece um born que o pacto cnnstitucional entre a monarquia e n Parlamentn bascava-se na unidade de
resumo de todo o processe. classe dos dirigtntes do pats. Ouanio £ base social do parlamentarismo ingI€s. ver as
17) G. R. EtHt. England uoder the Tudors, Londres, 1956, pp. 48. 53. agudas observaS6es de Penry Williams, ”The Tudor State”, Pier and I reicni, n,° 24.
julho de 1963, pp. 39€8.
PERRY ANDERSON
LIHHAGENS DO ESTADO AasoLuTi src 121

mente, ao reino do Inglaterra. Ainda mats signilicativo ioi o tato de oS nham sido aprovadas nove diferentes lets sobre traiQâo." O uso que
mosteiros terem sido dissolvidos e a sua vasta riqueza fundiâria expro- Henrique VIII fez do Parlamento, do qual ele esperou e recebeu poucos
priada pelo Estado. No ano de 1536, a combin an sovernaniental de inc6modos, for de abordagem confiantemente legalista: era um meio
eentralin ho ppgbcg e retorma religiosa provocaria ufn levantn poten- necessfirio aos fins do rei. Dentro da estrutura hcrdada dv organizaqâo
cialmente perigoso no ilorte, a Peregrinapho da Gra$a, ma rea9Bo re- polltica feudal inglesa, que conferira poderes singulares ao Parlamento,
gional particulgristz contra um Estado real relorqado, de tipo seme- estava em constru‹;ño uiri absotutismo iiarional que, na pratica, nada
lhante ds que oeorriam na Europft dental nesta época.* A rebelido licava a dcver ao de qualquer de saus parceiros continentais. Durante o
lot dispersada e criou-se usr novo e permanente Conselho do Norte, seu periods de vida. o poder pessoal efetivo de Henrique VIII no seio
com o objetivo de coirtrolar os territorios situados além do Trent. En- de seu reino foi perleitamente igual ao de seu conternpor$neo
qiianto isso, Cromwell ampliava e reorganizava a burocracia central. Francisco I na Franks.
convertendo o cargo de secretftrio do rei no mais alto posto ministerial e Apesar disso, a nova monarquia Tudor funcionava no interior de
criando os primeiros elementos de um conselho privado regular.' 0 Log£t uma limi âo fundamental, que a distingiiia de suas eo neres no
apbs a sua queda, o Conselho Privado for formalmente instltuciona-
exterior: faltava a ela um aparelho militar substancial. Para conipraen-
lizado como a ag ncia ezecutiv& D2BJ intiina da monarquia e desde
der por que o absolutisino inglés tornou a forma peculiar assumida no
fflt$o tOl’f1OU-SP O C,gfflC d8 m&QUjfjd J7 tlC•fl Tudor. ffl R,St8tlltO d6S
século XVI e no iiifeio do sécuto XVII, faz-se nemssârio ultrapassar a
Proclama90es, aparentemente destinado a eonlerir poderes legislativos
heran9a original de um Parlamento legislador, a finn de alcan9ar todo
extraordinârios â moti$tquifl, Iibertando-a para o futuro do beneplé-
o contexto interiiacional da Europa reitascentista. Nesse sentido, en-
cito do Parlamento, lot, por lim, neutralizado pelos Comuns.'1 Tal re-
quanto o Estado Tudor era construldo com exito no plano iiiterno, a
ciisa, evidentemente , mo impediu Henrique VIII de levar a cabo san-
guinârios expurgos de ministros e magnates, oit criar um ststeina de posJfio geopolltica da Inglaterra no exterior sofrsra rlpida e silerxrio-
pollcia secreta para dela96es e prisdes sumtirias. O aparelho samente uma drâstica mudan9a. Na época Lancaster, o poder externo
figpressivo do Estado cresceii rapidamente ao longo do reinado: ao da Inglaterra podia enfrentar on sobrepujar o de qualquer outro pals
seu final, ti- do continents, devido a natureza avan9ada da monarquia feudal na
Inglaterra. Mas, por volta do inicio do século XVI, o equillbrio de for-
pas entre os Estados ocidentais mais importantes mo4ilicara-se por
completo. A Espanha e a Franca — arubas vitirnas de invasoes
inglesas no pertodo precedents — cram agora monarquias dinftoueas e
(9) Encontra->t uma mfnuciosa anâlise sobre as implic•Sd<s da Pcrtgrinai;;âo da
Casa (em gerat subestimadasl em I. J. Scarisbricke, Henry VTZf, Lnndres, 1971, pp. Agres- sivas que disputavBai entre st a mnqulsta da It tli8. A Inglaterra
444-5, 4S2. lora rapidainente stiperada por elas. Todas as trés monarquias tiuham
(l0y As asscrpaes exaptradas sobre a “revolu9de” administrative de Cromwell. atin- gido um nivel comparlvel de oonsolida9âo interna, rnas foi
justaoiente tal equipara9d.o que possibilltaria que as vantagens
Government and naturais das dnas grandes potencias continentals da éprica se
zeccntc c zepzesmtatiYo, ver Russell, Ne Ar/rir a/4arfiémarsrs, p. III.
tornassem, pela primeira
(ii) Nessa époea, debateram-se tambéin planos para um exércfto pormattento fl
rim pariato juridicamente privilegiado — dues medidas que, st implementadai, miam
raodfiicado a cuno da kist6ria ingtesa xos s5culw XVI e XYII. Xa verdade, nenhum4
delss podts ser aceitG par uITt PaII8tII60tO que OgPikvA o controle da pelo Estado
(12) Joel Hurstfield, “Was there a Tudor Despotism after allf”, Tr ar clo i of
p a paz do reino p9 catnpO, mas conhecia a lbgic8 dBs troQAs profi$sionsis e era adxeno the Royal Itixtoritol Sociew, 1967, pp 83-108, critics com eticâcia os anncrnnismes
â constiloi as uma hierarquia juridica no seio da nobrezs, a qual atuarla soclal-
apoingéticos em que se basciam att hoje oc escritos sobre est periodo. Hurstficld pbt
mtnte tontra muitoc 6e ecus mcmbros. O prejcto de “^ exército permanente, P °P^’
redo tm l5W37 e encontrado rios arquivos do gabinete de Cmmvrell é aoallsido ear L. em relevo o impuln real que estava por irfis dn Estatuto das Prerlamap0cs, dos Mtce
8tont, "The Political Programme or Thomas Cmmwcll”, 2tu?fefrn o/ s8z fnstitute o/ sobre Traivao e de censure e propaganda oficiais do reian. A norm outrun min &
que a monarquia Tndor nao constitute mrna torma de absolutisoio mo sobreylve â anfi-
ytistaricaf jttseerch, xxIN, 1951. pp. 1-18. Quanto ii proposia de um estetuto jurtdlco
lise dn ldousnier, “Quelqnes Pro6ltmes Conccmant la Moiiarchie Abselue”, pp. 21-6.
A atiiu& de Henrique para corn o Parlamento acha-sc hem expesta em fienry WS,
pp. 653-4.
122 PERRY AHDERSON
LINHAGEN$ DO ESTADO ABSOLU"HSTA
vez, deeisivas. A populy8o da Franca era quatro on cinco vezes supe- Alemanha. Essas grandiosas aspirasbes forani dcscartadas como ilu-
rior â da Inglaterra. A Espanha tinha o dobro da popul ho inglesa, sees fantasmaghricas pelos historiadores subseqfientes: com efeito, elas
para nño falar de seu império ainericano e de suas possess0es euro- expressavam a difieu)dade pemeptual dos govemantas ingleses em
péias. Esta superioridade demogrâfica e econ6inica era acentuada pela adaptar-se â nova configura9âo diplomética, na qual a estatura da In-
necessidade geogratica que tinham ambos os palses de dssenvolver glaterra tanto diminuira, em termos reais, precisamente numa ép‹›ca
exéreitos modernizados e de cartiter permanente, para a guerra perpé- onde o seu proprio poder interno aumentava sensivelinente. Na ver-
tua daqueles tempos. A cria9ito das compagnies d ordonnanee e dos dade, fora exatamente tal perdtt de posi9$o internacional, ignorada pe-
termos, o emprego de infantaria mercenéria e da artilharia pesada, los protagonistas ingleses, que esteve por trâs de todo o erro de cdlculo
tudo isso conduziu a um novo tipo de aparelho mllltar da monarquia — do divfircio real. Nem o cardeal nem o rei compreenderam que o pa•
muito maior e mais caro do que o que se conhecia no pcriodo medie- pado era praticaoiente obrigado a submeter-se â pressiio superior de
val. Para as motiarquias da RenascenSa, a constru9ito de for9as mili- Carlos V, devido a hegemonic.do poder Habsburgo na Europa. A In-
tares na érea metropolitana era uma condi9$o indispensével ii sua pr6- glaterra fora marginalizada pelo conflito Franco-espaohol pela Itâlia:
pria sobrevivencia. O Estado Stuart toi poupado deste irnperativo, de- espectador impotetite, os seus interesses pesavam pouco na C*ria. A
vido a sua situ ño insular, Por um lado, o râpido aumento do custo e surpresa da descoberta iria iinpelir o Delensor da Fé para a Reforma.
do tamanho dos exércitos no intcio da poca moderna, junto aos pro- Todavia, as desventuras da politica externa de Henrique VIII mo se
blemas de transports, de embarque e aprovisionamentn de um grande limitaram a este calamitoso revés diplomético. Por trés vezes, a monar-
numero de soldados por via maritima, tornaram o tipo medieval de quia Tudor tentou inteivir nas guerras Valois-Habsburgo no norte da
expedi9des ultramarinas, nas quais a Inglaterra tanto se destacara, Pran9a, através de expedi9oes que cruzaram o canal. 0s exémitoc des-
cada vez mais anacrbnicas. A preponderância mi)itar das novas poten- pachados nestas campanhas de 1512-14, 1522-25 e 1543-46 foram na-
cies territoriais, baseada em seus recursos finaneeiros e humanos muito turalmente de volume considerâvel, compostos por recrutas tngleses
mais amplos, impediu toda a repeti9âo vitoriosa das campanhas de retor9ados com meroen$rios estrangeiros: 30 mil em 1Sl2, 40 mil em
Eduardo III on Henrique V. Por outro lado, tal ascendencia continen- t544. Faltou em seu emprego um objetivo estratégico sério e nao se
tal mo se fez traduzir em uma idéntrca capacidade de coinbate no mar: conseauiu nenhum ganho significativo: a retirada inglesa das linhas se-
mo ocorrera aitida qualquer transformaq5o importante na arte bélica cundârias da Inta entra Espanha e Franca provou-se two eustosa coino
naval, e assim a Inglaterra contitluava relativamente imune ao risco de fiitil. Contudo, estas guerras ‘Fa esmo" de Henrique Vllf, cuja falta de
uma invasao maritima. Em decorréncia disso, ma grave conjuntura da prop6sito coerente jfi toi tantas vezes destacada, n$o foram meramente
transivño rumo a uma “nova monarquia" na Inglaterrtt, Oño foi neces- o produto de um capricho pessoal: correspondiam precisainente a run
sârio nem posslvel ao Estado Tudor construir uma maquina militar curioso intervalo histbrico, en que a monarquia inglesa tinha perdido a
compar£vel âs do absotutisrno irancés ou espanhol. sua antiga importancift militar na Europa mas mo encontrara ainda o
No aspecto subjetivo, porém, Henrique VIII e sua germ&o, no luturo papel maritimo que a aguardava.
seio da nobreza inglesa, cram ainda incapazes de apreender a nova Nilo deixaram de ter para a prñpria Inglaterra as suas conse-
situa9 to internacional. O orgulho martial e as ambi96es continentais qtlencias fundamentais. O ultimo ato importante de Henrique VI II, a
de seus antecessores da ultima fase medieval ainda estavam vivos na sua alian3a corn o império e o ataque I Frank a en 1543, viria a ter
inetn6ria da classe dominance inglesa da época. O ultracautetoso Hen- eonseqtiéncias fatais para o destino ulterior da monarquia ingtesa. A
rique VII reavivara, cfc prñprio, as pretensdes tailcasterianas â monar- interven9âo militar no estrange)ro foi mal conduzida; ecus eustos cres-
quia francesa, lutara para impedir a anexyâo da Btetanha pelos Va- ceram muitissimo, ehegando a totalizar dez vezes mars que os da pri-
lois e planejara ativamente a coiiquista da sucessâo de Castela. meira guerra do seu reinado com a Franca; para cobri los, o Estado nâo
WOt6fly, que dirigiu a politics externa inglesa durante os vinte anos recorreu apcnas a empréstimos eompulsñrios e ao aviltamento da r oe-
seguintes, posou de ârbitro da concfirdia européia coin o Tratado de da, mas comyou tambéni a descarregar no iuercado o imenso lundo dc
Londres, e aspirou, nada mais nada menos, ao prfiprio papado italiaiio. propriedade agriria que acabara de adquirir dos mosteiros — e que
Por sua vez, Henrique VIII alimentou esperantas de se tornar Signfficava talvez um quarto do territfirio do reino. A venda dos dotnl-
imperador da
PERRY ANDERSON MbiHAGENS DO ES’PADO ABSOLUTISTA

nios da Igreja pela monarquia multipticou-se, â oiedida que a guerra se cussaes na prñpria classe hindiéria. No seu coiitexto trsaritiino pecu•
arrastava, até a morte de Henrique. Maa, quando a paz toi restaurada, liar, a derrog Io propriainente dita — sempre ligzda a um intenso
o gmsso do resultado deste grande golpe de sorte estava exaurldo;” e, sentimento das virtudes da espada e codificada contra as tentaq0es da
com ele, a unica grande chance que tave o absolutismo inglés de cons- bolsa — nunca chegou a ocorrer. Isso permitiria, por sua vez, uiria
truir uma sfilida base econ8mica independents dv tributaqilo parlamen- conversño gradual da aristocracia is atividades comerciais muito antes
tar. Tal transleréneia de fundos mo apenas entraqueceria o Estado a de qualquer outra classe rural eurapéia do mesmo genero. A predonii-
longo prazo: lortaleceria, também, em grande escala, a pequena no- nftncia da criyâo de gado lanilero, setor enl crescimento na agriculnira
breza que constituiu os principals compradores destas terras, e ciijo nu- do séeulo XV, acelerou, naturalmente, tal tendéncia. ao passo que a
mero e riqueza cresceu rapidamente, dat em diante. Assim uma das industria t4xtiJ rura), condgua âqueia, proporcionava altemativas aa-
guerras mais inconseqlientes e sem brilho da hist6ria inglesa teve turais ao investimento da pequena nobreza. A trajethria econ8niica que
conse- qiiéncias enormes, ainda que ocultas, sobre o equillbrio inferno conduziu das metamorfoses da renda feudal nos JCtt)OS XIV e XV â
de for- has ma sociedade inglesa. emergéncia de utn selor capita)ista rurat em expansdo no século XVIf
As duas lacetas deste episodio final do govemo henriquino prcs- estava pois aberta. U ma vez iniciada, tornou-se praticamente impos-
sagiavam, na verdade, a maior parte da evolu9âo da classe fundiâria sivel sustentar o carâter juridicamente separado da nobreza inglesa.
inglesa no seu conjunto. Nesse sentido, o conflito militar da d&ada de Durante a Idade Média, a Inglaterra, tal coino a maioria dos outros
1640 foi, no prâtica, a 6ltima guerra de agressao travada pela Ingla- paises, experimentou uma tendencia acentuada no sentido de uma
terra no continents até o tim do xéculo. As i)ustim de Crécy e estratifioyâo formal de cainadas no seio da aristocracia, com a
Agincourt se dasvaneceram. Mas o desaparecimento gradual de sua irttrodu9ño de novos tltulos, uma vez que a lvierarquia feudal primiova
vocyño tra- diciortal alterou profundamente o semblante da nobreza da de vassalos e suseranos tinha sido minada pelo surgimento das
Inglaterra. A ausencia da pressâo limitadora causada pela possibilidade rela9oes sociais monetarizadas e pela dissol 8o do sistema feudal
constante de uma invasâo permitiu d aristocracia inglesa dispensar um clâssico. Por toda a parte, a nobreza sentiu a necessidade de novos e
aparelho militar modernizado na época da Renascen9a; nño estaya oiais abun- dantes grans nobiliârquicos, jé que as dependencias
diretamente ame ada petas classes feudais rivais no estrangeiro e tinhs pessoais tinham, em geral, deelinado. Na Inglaterra, os séculos KIV e
relutancia, como qualquer outra nobreza num estfidio de evolusâo XY presenciariam a a&x;Ko de novos graus — duques, marqueses,
similar, em sub- meter-se a construplo maci9a do poder re8l no plano barhes e viscondes — no interior da nobreza, os quais, juntamente com
interno, conse- qtténcia lhgica de um grande exéreito regular. No os expetlientes desti- nados a garantir o direito de primogenitura da
contexto isolaeioiiista do reino insular houve, nssim, uma heran9a, separariam, pela primeira vez, um “pariato” distinto do
desmilitarizyito ezeepcionalmente precoca dz prbpria classe nobre. Em restante da classe." Dai em diante, tal estrato compreenderia sempre o
1500, todo par do reino inglés portava armas; â época de Elizabeth, jâ grupo mais poderoso e opulento da aristoeracia. Ao mesino tempo,
se catculou, apenas metade da aristocracia possuia alguma eaperi8ncia formou-se um fiolegio He- rlldico. que den definisâo jurldica â
de combate." Nas vésperas da guerra civil do século XVI1, pequena nobreza, limitan‹4o-a âs familias detentoras de escudos de
pouquissimos nobres dispunhaai de al- gum passado militar. armas e estabelecendo os procadi- mentos necessârios para a
Verificava-se uma progressive dissocia9âo da no• breza com raspeito â investiga9$o das pretensfies a esse estatuto.
lunsño militar bâsiea que a definia na ordem social medieva, num
processo muito mais precede do que qualquer outm do continente: tal
fato, necessariamente, teria importantes reper- (ISO A iransicao dn buronsto do inicio da Idade Média para o puriato dn final
dessa pertodo, e a evolusao concomitants dv classe dos cavaleiros para a pequcna im-
breza eslao tryadas em N. Denholm-Toung, “En Retriontant ie Pasa4 de l’Aristocracie
Anglaisc: Ie Mojren Age”, minutes, maio de 1937, pp. 257-fi9. (O pr6prin tJtuln de
t l3J No final do reinsdo, dois Us dos demonic monirlicos haviam sidn a1ie• “barito” adquiriria now significado como gray de 6irtlto mm firs do séeuto DV, pan
nados; s receita dv venda dat Serras eclecitsticas •lcanra+a, em ttiédia, 3o per cento a sando a ser usado de torma distinta.) A conselida9flo do sistem a de pariato é annlissde
roais que a das rendas das terras retidas pelo rti. Yer F. Dietz, Exgtich Oau rnzricut por K. B. Macfarlane, “The English NobUity in the Later Middle Ages”, AffJh fnfrr-
Finance. 1485-I SSL, Lnndres, 1064, pp. 147, 149. lS8, 214. national Congrecc ‹:f f2iston'col Stletieex, Viena, 1965, Relatñrios I, pp. 337•4S, que sa-
114) Stone, Tnr Ai 'r o/tâz zzorrnj', pp. 265-6. tienta o seu carâter no 'o e a sua dewondnnidade.

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