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- Sam Keen
PRÓLOGO
Londres,
28 de Maio, 1831
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Cara Julia
Como ousa ir para o outro lado do país sem me avisar? Fui
visitá-la em sua casa e todos disseram que havia viajado. Sua irmã
me disse que foi para a casa de sua tia ser treinada para arrumar
um marido e que ficará por aí até a próxima temporada. Quanto
baboseira. Espero que não esteja magoada com isso, você não
precisa de treinamento nenhum para arrumar um marido. Olha para
mim, arrumei um marido tão esquisito quanto eu. Se é que você
quer um marido. Não perguntam nem sua opnião.
Minha querida amiga, se isso for um plano seu de fugir da
sociedade, venha até minha casa. Estou grávida, mas não mais
chata que o normal. Minha barriga ainda não cresceu tanto a ponto
de me impedir de andar por aí, poderíamos passear. Lucas me deu
um esqueleto de presente uns tempos atrás, acredita? Ele é
maravilhoso! Lucas, não o esqueleto (que também é maravilhoso).
Acho que você iria adorar vê-lo de perto (o esqueleto, não Lucas).
Por favor, escreva-me logo. Exijo explicações.
Com muito amor,
Jane
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Merda.
Ele estava sentado ao seu lado.
Se Gladys não fosse uma senhora de tão bom coração, Julia
arrumaria confusão com a tia.
É óbvio que a mulher havia arrumado os lugares de modo que
Julia e Winsford ficassem lado a lado. Não havia escapatória
daquele plano da tia. Contudo, Julia tinha certeza de que Winsford
não se interessaria e Gladys deveria aceitar que não havia futuro
naquela coisa de casamento arranjado.
Agora que sabia que ela era irmã do melhor amigo, nada faria.
Julia conhecia as regras, sabia que homens não deviam cobiçar as
irmãs dos amigos.
— Então a senhorita gosta de cavalos?
Deus, por que as pessoas tinham de conversar umas com as
outras? Não podiam ficar todos calados até tudo acabar?
Julia olhava para ele ou não?
Era educado olhar? Ele estava bem ao lado, olhá-lo enquanto
conversavam tão perto não parecia decente.
Jesus Cristo, sua falta de experiência social era enervante.
Olhou para Winsford, mas se arrependeu assim que o viu tão
belo ao seu lado.
Decidiu olhar para o alfinete no lenço de seu pescoço. Dourado
e com uma gema de âmbar na ponta, combinando com o tom de
seus cabelos.
— G-Gosto, meu lorde — Julia respirou fundo e decidiu olhar
para ele novamente, como uma pessoa normal — São animais
encantadores e gentis.
Ele sorriu e assentiu, deixando que um dos lacaios da casa lhe
servisse um pouco de vinho.
— São animais magníficos, de fato. E extremamente
inteligentes, não? Lamento não ter tempo para cavalgar por
diversão.
— Oh, pelo menos o senhor tem cavalos — Julia se amuou —
Papai nunca comprou nenhum para nós, apenas para puxar nossos
veículos. Eu tinha de ir ao haras para cavalgar, mas queria um
cavalo só meu.
Winsford riu enquanto tomava um gole da taça, repousando-a
na mesa.
— Um infortúnio, é verdade.
— Estou soando como uma jovem mimada... Desculpe-me —
Julia murmurou consigo mesma, pegando a própria taça de vinho e
bebendo tudo de uma vez.
O marquês a olhou com certa surpresa, depois bisbilhotou a
taça de vidro para ver mesmo se tinha acabado tudo.
Julia era solteira, mas não era uma debutante adolescente e,
portanto, adorava beber quando podia. Um hábito não muito
saudável, mas conseguiu convencer a tia a deixar que os lacaios lhe
servissem vinho não diluído para conseguir aturar um jantar junto de
Winsford.
— Pode ficar com o meu, se quiser — ele indicou a taça, bem
humorado.
Julia sentiu o rosto esquentar tanto quanto o interior de seu
corpo após uma golada grande de vinho.
— Srta. Wilson? Está tudo bem?
Ela o olhou rapidamente, abrindo um sorriso trêmulo.
— Perdão, pensei que fosse suco.
Winsford riu um pouco mais alto que o normal, acabando por
chamar a atenção de alguns convidados. Gladys, inclusa.
A tia olhou para Julia com alegria, incentivando-a a conversar
com o marquês apenas com um olhar firme.
— Lorde Winsford, está tudo bem na fábrica? — Heloise
perguntou, ao lado de Julia, inclinando-se levemente para poder ver
o marquês.
Julia nunca agradeceu tanto por alguém falar por cima dela.
— Está tudo bem, Srta. Smith — mais um sorriso adorável dele,
que não surtiu nenhum efeito em Heloise — Soube que a senhorita
debutou ano passado.
— Ah, sim! — a mocinha sorriu de orelha a orelha — Foi muito
divertido, meu lorde. O Almack’s é tão grande, nunca havia dançado
tanto em uma única noite.
— Tenho certeza que a próxima será ainda mais divertida.
— Na próxima ela estará casada — anunciou o homem moreno
e grande que estava de frente para Heloise. Aquele que Julia não
achou de seu agrado.
A garota riu envergonhada e assentiu. Que tipo de
assanhamento era aquele?, pensou Julia. No meio da mesa de
jantar!
— Lorde Houghton e eu estamos noivos — explicou Heloise
com um enorme sorriso.
Julia assentiu. Bom para ela, Heloise parecia ser uma moça
muito simpática e gentil. E, apesar de não ser o tipo de Julia, o tal
lorde era um homem bonito. E ela não desejava que ninguém
tivesse um marido feio.
— Mas eu devia ter acreditado no senhor — a mocinha voltou a
conversar com Winsford — Não imaginei que os bailes fossem tão
cheios! E as regras são infinitas. Lady Houghton me ajudou
bastante.
— O mínimo que uma futura sogra deve fazer pela futura nora
— Winsford lançou um olhar bem humorado para Houghton — Não
concorda, meu caro?
O homem assentiu.
— Perfeitamente, Winsford.
Disfarçadamente, Julia se inclinou para trás, encostando todas
as costas na cadeira de modo que Heloise, Houghton e Winsford
pudessem conversar eternamente um com o outro.
Quando deu por si, estava afundando na cadeira e sumindo da
cena como gostava de fazer.
Seria uma longa noite.
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Dois dias depois, após recusar falar sobre qualquer assunto
relacionado a matrimônio, Julia aceitou receber uma visita de
Winsford e por um ponto final naquilo. Gladys já estava nervosa
demais para que seus chás fizessem efeito, a ponto de roer as
unhas na frente dos criados.
Mais dias sem respostas e a cidade inteira falaria de Julia como
se ela fosse uma rameira! Lilian já havia dado com a língua entre os
dentes, falando para suas amigas que Julia estava despida junto de
Winsford e parecia que até a reputação do marquês estava
começando a ser revisada também. E se a reputação de um homem
estava em jogo, bom, a coisa era séria!
Pensar que Marian havia feito fofocas sobre ela sem ao menos
conhecê-la... Julia não queria mais nenhum contato com aquelas
moças, nenhuma delas. Achava incrível como a opinião mudava tão
drasticamente diante do que era inapropriado.
Era melhor resolver aquilo e tornar tudo apropriado.
Winsford a esperava na sala de visitas, no mesmo lugar onde
Sir Jonas dera a Marian uma noite de surpresas.
De pé em frente a uma das janelas que dava para os jardins da
frente, ele não a ouviu entrar. Ela ficou quieta no batente da porta,
admirando. O marquês havia trazido um buquê de lírios brancos.
Ela gostava de lírios brancos. Será que Gladys havia lhe
contado aquilo?
Apenas quando Julia pigarreou baixinho que ele se virou,
fazendo uma mesura.
— Srta. Wilson.
Julia o cumprimentou com um sorriso encabulado e nervoso,
estendendo as mãos onde segurava a casaca dobrada do marquês.
— Acredito que isso pertença ao senhor.
Ele olhou para o pano negro.
— Parece que a senhorita cuidou bem dela — Winsford colocou
o pano dobrado debaixo do braço e, um tanto sem jeito, lhe
entregou o buquê — Para a senhoria. Gosta?
Julia pegou o buquê como se fosse a coisa mais preciosa do
mundo.
— Gosto sim, obrigada. São lindas flores.
Ele sorriu daquele jeito lindo de sempre, fazendo-a sentir
milhares de borboletas no estômago.
— Sente-se, por favor, Srta. Wilson.
Julia o fez, olhando para a porta entreaberta da sala de visitas.
Gladys estava nos jardins dos fundos, lendo um bom livro - segundo
ela.
— Desculpe-me pelos dias de silêncio — começou ela — Fiquei
um tanto abalada por tudo acontecer tão de repente.
O marquês aceitou as palavras delas com um aceno educado e
paciente.
— Eu sei que a senhorita deseja um casamento por amor —
Winsford iniciou o tão temível assunto — Lady Hanes comentou
comigo.
— É v-verdade — Julia anuiu, enrolando o indicador na fita ao
redor do papel que segurava o buquê — Por isso, não acho que
deveríamos nos casar. Não quero impedi-lo de conhecer uma
mulher com quem o senhor crie uma história de amor. Talvez o
senhor jamais venha se afeiçoar por mim... E nós dois seríamos
infelizes.
Winsford a olhou com curiosidade.
— O que nos impede de termos uma história de amor?
Ela engoliu em seco. Não havia aquela pergunta no enredo que
fizera em sua mente.
— A Srta. Tucker parece interessada no senhor...
— A Srta. Tucker não passa de uma menina para mim —
respondeu ele, sério.
Julia assentiu delicadamente, sentindo uma comichão em seu
corpo. Então ele não estava interessado em nenhuma das moças
locais, no entanto, ainda queria ter certeza de que não estava
arrastando o marquês para um casamento desagradavel.
— M-Mas a questão, meu lorde... — ela enrolou mais o dedo,
olhando para baixo — A questão é que David ficaria muito bravo.
Sabe, por serem amigos. Se ele ouvir que o senhor me arruinou-
— Eu não a arruinei — Winsford respondeu, sisudo — E David
sabe que eu jamais faria algo com a senhorita.
Julia resfolegou baixinho, voltando a encarar as mãos. É claro
que ela não o agradava nem para interlúdios luxuriantes. Por isso
não deveria fantasiar sobre casar com ele, uma vez que toda aquela
situação não envolvia um pingo de sentimentalismo. Nem luxúria.
Ela não poderia demonstrar carinho nem desejo por ele. Não
haveria nada para aproveitar naquela união.
— Não, não foi isso que eu quis dizer! — o marquês apressou-
se em explicar — A senhorita é muito bonita e não seria ruim... Não,
agora estou soando demasiadamente inapropriado. Eu quis dizer
que a senhorita é uma mulher e eu- Não, não. Eu... A senhorita, hm,
é digna de ser desejada... N-Não, não. Desculpe-me pela falta de
pudor.
Ela riu, não conseguindo segurar o riso mesmo estando muito
constrangida. Ele parecia ser tão sem jeito quanto ela. Quando ela
ergueu o rosto para secar as lágrimas de riso, deparou-se com um
homem adulto corado e envergonhado como um jovenzinho.
Ele era lindo, ela não conseguia suportar. Aquela era sua única
chance de tê-lo com ela, de tentar conquistá-lo. Não deveria deixar
suas inseguranças e medos tirar aquela oportunidade de conquistá-
lo.
Winsford pigarreou, arrumando-se no sofá.
— Srta. Wilson, eu não posso deixá-la ser difamada. Apesar de
toda a inocência da situação, eu vi suas roupas íntimas e... Porções
de sua pele que apenas seu marido deveria ver.
Julia sentiu os dedos dos pés se curvarem dentro de suas
sapatilhas, tamanho o constrangimento que aquelas memórias lhe
causavam. Não só Winsford tivera um vislumbre de sua lingerie,
como o pai de Heloise.
— Acho que nunca mais quero ver o Sr. Smith... — ela
murmurou, mas Winsford a ouviu e deu um risinho abafado — D-
Desculpe-me pela confusão, Lorde Winsford. Por isso não desejo
que o senhor se case comigo porque um... Um homem grosseiro
mandou.
O marquês balançou a cabeça de modo despreocupado.
— Srta. Wilson, eu não poderia deixá-la com um escândalo
assim. Mas se deseja pensar mais sobre o casamento, eu espero.
— N-Não. Eu já me decidi e já o fiz esperar demais.
Ele assentiu, educado.
— O senhor não se importaria de se casar comigo? Quero que
o senhor também possa escolher o que deseja.
Ele riu baixo, o que a deixou ainda mais nervosa. O que havia
de tão engraçado? Winsford estava sempre rindo.
— De maneira nenhuma, Srta. Wilson. Apesar das péssimas
circunstâncias em que o casamento foi arranjado e o pouco que a
conheço, eu a acho encantadora. Aceitei todos esses convites
apenas com o intuito de vê-la outra vez.
Julia sentiu o rosto corar e o abaixou. Winsford a achava
encantadora? Havia planejado cortejá-la?
Não, não podia ser.
— O senhor iria me cortejar...?
— Sim.
Ela piscou de novo.
— P-Para casamento?
— Sim, Srta. Wilson. Acredito que daria uma linda marquesa e
gostaria muito de conhecê-la mais. Não seria difícil me apaixonar
pela senhorita.
Julia ficou ainda mais perplexa. Era assim mesmo, então? Um
homem a achava bonita e decidia que iniciaria os cortejos? E dizia
na sua cara que a achava uma linda marquesa? E que se
apaixonaria por ela?
Meu Deus, ela precisava sentar.
Ah, não, já estava sentada. Era melhor não se fundir ao
estofado quando começasse a derreter de amores pelo marquês.
Estava sendo difícil pensar com clareza sobre como seria
aquele casamento com ele sendo tão galante.
— Mas... E David? Eu sei que amigos costumam respeitar as
irmãs uns dos outros. Tenho muitos primos.
Winsford anuiu com um movimento incerto de cabeça, como
quem questiona.
— Há um consenso universal sobre isso, mas não se preocupe.
A não ser que a senhorita não queira se casar comigo... — ele
diminuiu o volume da voz — Há algum outro homem por quem a
senhorita esteja apaixonada? Creio que algo possa ser arranjado
para que fique com ele e não tenha de casar comigo. O importante é
que se case com alguém e não fique difamada.
Ela fez que não rapidamente, as faces corando de vergonha.
Estava diante do homem por quem estava apaixonada, que ironia. E
o mesmo homem não ficaria nem um pouco chateado caso ela não
o quisesse.
— Certo... — Winsford assentiu devagar, tocando o lenço em
seu pescoço de modo ansioso — Srta. Wilson, perdoe-me por
perguntar, mas... A senhorita veio para Chester para esconder
algum segredo? Um segredo... De mulher.
As sobrancelhas de Julia se uniram em irritação. Até ele?
— Não estou grávida, Lorde Winsford. Sei que a vinda repentina
da sobrinha londrina da condessa causa um pouco de curiosidade,
afinal, por que eu deixaria a cidade tão de repente?
— Tenho de concordar com seu pensamento — ele riu consigo
mesmo — Bem, então não está grávida, certo.
— Seria um problema?
Winsford ergueu as sobrancelhas, pego desprevenido. Julia não
tardou a se arrepender da pergunta tão impulsiva.
— É uma questão complicada — o marquês riu, nervoso — É
claro que eu não a mandaria se livrar de um bebê-
— Não precisa responder — ela o acalmou com um aceno
breve — Fui impertinente. Só fiquei curiosa... Mas não estou
grávida. Minha tia tem razão, eu nunca nem dancei com um homem
que não fosse da família... Não há mulher mais inocente que eu.
O marquês uniu as sobrancelhas levemente.
— Não entendo como alguém tão agradável e bonita como a
senhorita nunca tenha dançado. Imagino que seja sua timidez, não?
Julia assentiu, desviando o olhar do dele. Não gostava de
dançar, então não se importava.
— E-Eu aceito me casar com o senhor — ela mudou o assunto,
ansiosa para finalizar aquele enervante encontro — Com uma
condição.
Winsford a respondeu com um movimento positivo de cabeça.
— Não vamos viver em Londres — ela disse — Apenas quando
formos visitar meus pais. E-Eu não gosto da cidade... Prefiro ficar
aqui no campo. É claro quando nossas... Nossas f-filhas forem
moças, teremos de viver em Londres por alguns meses, mas agora,
não. Não quero.
— Sem problemas — o marquês sorriu simpaticamente — Eu
também prefiro o campo. Minha última ida a Londres foi estressante,
quando retornei de Chester a cidade inteira falava comigo como se
Lady Thomasina fosse minha noiva, citando eventos que nunca
aconteceram. Estavam todos cochicando, até eu saber que ela
estava com outro homem e pensavam que eu estava sendo
enganado. Fofocas de jornal... Imagino que isso tenha atrapalhado a
situação dela com o Sr. Chatham mais do que a minha “honra
masculina”. Uma enorme besteira, se me permite dizer, o que
chamam de alta-sociedade.
O coração de Julia perdeu o ritmo, quase fazendo seu
estômago embrulhar junto.
A mera menção das manchetes mentirosas dela a fez pensar
em toda a ideia tola e infantil que tivera.
— A notícias falsas o incomodaram...? A-Afetaram a vida do
senhor?
— Não, Srta. Wilson. Foi apenas um mal entendido — Winsford
voltou ao costumeiro humor simpático — Tenho certeza que vai
gostar de sua nova casa, a senhorita gosta de gatos, não?
Julia tombou a cabeça para o lado levemente.
— Gosto... O senhor conheceu Sir Jonas naquele terrível soirée.
Winsford riu ao lembrar de Marian caindo de costas no chão.
— Espero que ele faça amizade com meus gatos.
— Oh — o rosto de Julia ganhou um tom vivo — o senhor tem
gatinhos?
— Oito — ele sorriu ao vê-la se animar — Há uns gatos que
vivem nos estábulos de tempos em tempos, creio que apenas para
dormir durante o frio.
— Ah, mas eles merecem casinhas também... Eu posso fazer
casacos para eles, como faço para o Sir Jonas — Julia juntou as
mãos no colo em um contido gesto de animação, mas logo foi
tomada por embaraço — D-Desculpe-me pela animação... Eu devo
escrever para meus pais, falar sobre o casamento e... P-Podemos
terminar de falar sobre isso depois?
O homem riu consigo mesmo novamente, anuindo e se pondo
de pé. Julia o acompanhou, alisando a saia de seu vestido vinho e
fazendo uma mesura educada para... Seu noivo?
Winsford lhe tomou a mão sem luva, beijando-a sobre o nó dos
dedos. Ao fim do ato, continuou a segurando entre suas mãos.
— Serei um bom marido, Srta. Wilson. Cuidarei de você e, o
quiser, eu lhe darei. Basta pedir, farei o possível para que seja feliz
nesse casamento.
Ela abaixou o rosto, envergonhada com aquilo tudo. Olhava
para suas mãos juntas as de Winsford, sentindo o toque da pele
dele na sua.
Ela só queria amor, mas aquilo não era algo fácil de se pedir.
— Voltarei amanhã para terminar os arranjos e para falar com
Lady Hanes.
Julia assentiu rapidamente, nervosa e com a mão formigando.
— Até mais ver, Srta. Wilson.
— Até... L-Lorde Winsford.
Após minutos sozinha na sala, Julia continuou em pé, olhando
para o vão da porta. Pôde ouvir a carruagem levar Winsford para
longe da mansão e foi aí que Julia se permitiu encarar os fatos.
Teria de mandar uma carta para seus pais explicando toda a
natureza escandalosa daquele casamento. Até lá, uma semana.
Então mais uma semana até a resposta retornar, com seu pai
permitindo ou não o casamento.
No meio tempo, Julia poderia pensar melhor em seu futuro
como marquesa.
Lady Winsford.
Sentiu um frio na barriga, mas não conseguiu distinguir se era
do tipo bom ou ruim.
CAPÍTULO 7
***
Mamãe, papai, David, uma mulher esbelta de cabelos
escuros que devia ter a sua idade.
Estavam todos lá. Exceto Marcus e Thomas.
Julia deveria escrever para seus irmãozinhos, os dois se
sentiriam demasiadamente tristes ao saberem que perderam o
casamento da irmã.
Enquanto que Mary e Charles pareciam tranquilos com tudo
aquilo, David estava com os braços cruzados e emburrado
como um garotinho. A esposa, muito deslocada, permanecia
sentada no sofá, bebericando um chá que Gladys praticamente
enfiava goela a baixo na mulher. Faz bem para o bebê, ela
repetia para Alice.
— Família — ela pigarreou baixinho — Que surpresa.
— Julia! — Mary exclamou, abraçando a filha e enchendo
seu rosto de beijos — Julia, que saudades! Os dias têm sido tão
aborrecedores sem você por perto para me fazer rir. Não
deveria tê-la deixado vir para cá, tão longe de nós... Eu sei que
Gladys tem lhe tratado muito bem, mas ficar um ano aqui?
Julia abriu um sorriso pequeno e tristonho. Também sentia
falta da mãe, principalmente quando a tia tentava lhe moldar de
todas as maneiras.
— Mary — Charles a chamou com uma firmeza sutil —
Temos outros assuntos para tratar antes de matarmos as
saudades de nossa filha.
— Sim — David se pronunciou, sisudo — Eu não estou
entendendo nada, como Isaac e você foram ficar juntos? E ele
não mencionou nada para mim. Vocês se conheceram em
Londres? Como ele foi ficar com você?
Julia decidiu não se ofender com a pergunta, sentando-se
de forma majestosa na outra extremidade onde sua nova
cunhada estava.
Alice a olhou, um tanto sem jeito, e a cumprimentou com
um aceno de cabeça e um sorriso nervoso. Julia retribuiu o
gesto.
— É um prazer conhecê-la, Alice. Prometo que iremos
conversar quando isso tudo acabar — ela disse para a
cunhada, depois voltou para os pais — Parece que o nome dele
é Isaac, pelo visto.
— Ela nem ao menos sabia o nome dele! — David olhou
para os pais em busca de apoio.
É claro que ela sabia, passou dois anos e meio suspirando
por aquele homem. Qualquer coisinha que ouvia sobre ele era
como uma prenda. Só queria irritar o irmão, que não estava
sendo nem um pouco sensível.
Mary tentou acalmar o filho com um olhar firme, mas o
primogênito não se abalou.
— Talvez, minhas queridas, — Gladys riu nervosa, olhando
sorrateiramente para Emanuelle e Laura — devêssemos
conversar na biblioteca.
— Sim — Charles maneou a cabeça, chamando os dois
filhos mais velhos com um aceno firme — Tenho certeza que
Alice consegue entretê-las.
Os quatro foram até a pequena biblioteca do falecido conde
no segundo andar, cujas janelas davam para os jardins do
fundo. Fecharam bem a porta para que nenhuma das duas
ouvisse do que falariam. Julia achava melhor que Emanuelle e
Laura ficassem com a ideia de que ela havia se apaixonado por
Winsford.
O que não deixava de ser mentira, embora alguns detalhes
da história fossem um tanto diferentes.
Nervosa, mas contida, Julia se sentou numa das duas
poltronas de couro escuro perto da lareira apagada. Sua mãe
se sentou na outra e os dois homens ficaram de pé. Com as
cortinas bem abertas, a luz do sol iluminava todo o ambiente
aconchegante e masculino onde seu falecido tio passara várias
horas do dia lendo com as filhas mais novas.
— Segundo sua carta, você e Winsford foram pegos em um
momento inapropriado — Charles descansou as mãos sob a
barriga, relaxado e nada preocupado.
— A camareira de tia Gladys apertou meu espartilho,
aquela... Enfim — Julia explicou, apesar de ter escrito tudo
aquilo na carta — Tia Gladys acha que eu ando curvada então
mandou apertar para que eu mal me movesse. Se não fosse
por Lorde Winsford eu teria desmaiado e só Deus sabe o que
mais aconteceria.
Mary deu um muxoxo sem paciência, batendo a mão na
perna em um sinal de desgosto.
— Ela que anda ereta feito uma tábua.
Charles não defendeu a irmã e concordou com a esposa,
fazendo um movimento leve com a cabeça.
— Nós acreditamos em você, Julia — o pai se recostou na
escrivaninha pequena próxima às duas poltronas — Você não é
o tipo que se colocaria em uma situação inapropriada com um
homem que mal conhece. Com homem nenhum, na verdade.
— Ainda mais sendo ele meu amigo — David finalmente se
pronunciou — Creio que Isaac jamais se envolveria com minha
irmã para... Encontros sexuais.
Mary resfolegou, horrorizada, e arremessou a almofada que
estava em suas costas direto no filho. David desviou com a
precisão de um soldado bem treinado.
— David, por favor — a mulher o fuzilou com um olhar, mas
logo voltou a feição serena de sempre e se apoiou num dos
braços da poltrona para falar com Julia — Julia, eu sei que nós
sempre conversamos sobre amores e paixões, mas... Temo que
você tenha de se casar com ele, gostando ou não do marquês.
Charles anuiu, lamentando junto da esposa.
— Toda a situação, por mais acidental que tenha sido, foi
bastante comprometedora. Pelo o que você nos escreveu, filha,
você se expôs demais na frente de muitas pessoas. Se tivesse
sido em Londres... Seria ainda pior, mesmo se casando,
continuariam a difamá-la até outro mexerico maior aparecer.
David balançou a cabeça em negação, tocando os cabelos
loiros.
— Mas ela... Julia — ele se abaixou na frente da irmã —
Estou muito incomodado com isso tudo.
Julia revirou os olhos e cruzou os braços.
— Por que ele é seu amigo? Petunia se casou com o
melhor amigo de Lucas e os dois são amigos ainda.
— Não é por isso — ele bufou irritado, mas logo segurou as
mãos de Julia com delicadeza — É só que eu não quero que
você se case com alguém que não conhece e fique sozinha...
Nós três sempre falamos sobre como você precisa de um
marido bom e que a ame, não um casamento arranjado. Talvez
Winsford e você não se deem bem. Ele está sempre focado nos
negócios, desde que éramos pequenos ele só falava em ficar
no lugar do pai.
Julia abaixou o rosto, os olhos começaram a pesar em
lágrimas que ela tentou conter. Secou a bochecha rapidamente
assim que Mary lhe tocou o ombro com carinho, era
embaraçoso demais chorar na frente de alguém.
— E-Eu gosto dele, vamos nos dar bem. Ele vai gostar de
mim — ela murmurou, quase inaudível — Disse que estava
planejando me cortejar antes do incidente. Espero que goste de
mim com o tempo.
Mary deu um sorriso um tanto triste, tocando a maçã do
rosto de Julia com as costas da mão.
— Ele vai adorá-la, filha.
Charles pigarreou baixo, um tanto acanhado diante de tanto
sentimentalismo, mas também contente por Julia ao menos
gostar de Winsford.
Ela fungou, recompondo-se.
Seus pais eram os melhores. Não se importavam quando
ela deixava de ir para algum evento por qualquer motivo que
fosse, incentivavam-na em seus passatempos, levando-a para
assistir corridas de cavalos ou visitar o haras para cavalgar.
Charles era um homem pacato para quem havia estado em
guerra e quase beijado a morte uma porção considerável de
vezes. Era agradecido por ter filhos saudáveis e vê-los crescer,
coisas que realmente importavam. A vida era preciosa, disso
ele sabia, poderia acabar a qualquer momento. Se sua filha
gostava de cavalos, ajudá-lo com as funções de um filho mais
velho e ficar em casa com seu gato, ele não a impediria de
fazê-lo por que alguém decidiu que ela tinha de se casar ou
ficaria obsoleta.
Mary não era muito diferente, embora fosse mais atenta aos
deveres sociais de Julia depois de seu debute e a importância
de se encontrar um marido. Mas ainda era uma mulher tão
pacífica quanto o marido e que não se importava com os gostos
reclusos ou masculinos da filha.
— Seu irmão conhece Winsford desde garoto — Charles
voltou a se recostar na escrivaninha — e eu já tive a
oportunidade de conversar com ele diversas vezes. É um bom
sujeito, mas casamento envolve negociações e eu preciso vê-lo
para tratarmos de certos assuntos.
— Eu digo o mesmo — David se pôs de pé — Podemos ir
até a casa dele.
— Vamos convidá-lo para cá — Mary sugeriu, levantando-
se junto de Julia — É melhor, já que todos estamos aqui.
Enquanto isso, eu vou dar uma olhada nos vestidos novos que
sua tia lhe deu, Julia.
A mais nova suspirou, derrotada.
— São tão bonitos, mas não me sinto confortável com
tantos enfeites.
A mãe riu em divertimento, a sonoridade adorável de sua
voz ecoando pela biblioteca.
— Eu trouxe alguns vestidos que você não colocou nos
baús.
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O dia chegou.
O dia em que ela viraria Lady Winsford.
Casada com Lorde Winsford.
Morando e dormindo na mesma cama que Lorde Winsford
Tendo filhos- Bem, você já entendeu.
Julia não sabia se ficava feliz ou tinha um ataque de nervos.
Tudo estava agradável, até então. O jardim de Gladys estava
repleto de tendas, enormes arranjos de flores azuis e um pequeno
bufê com tudo o que Julia gostava. Bolinhos franceses e chocolates.
Além de um bolo alto cheio de flores de açúcar. No centro havia um
corredor de cadeiras brancas viradas para o arco onde o vigário
faria a união do casal.
O noivo estava parado junto dos outros homens, tentando pegar
um bolinho na mesa sem que Charles ou Lorde Vallance vissem. O
restante da família estava espalhado pelo gramado, bebericando
algo ou comendo um dos refinados canapés preparados pela
cozinheira de Gladys.
Por um momento Julia sentiu saudades da família inteira. Era
um momento especial e queria todos ali, apesar de detestar a
maldita barulheira que faziam. O sentimento de saudades se
misturava com certa tristeza ao ver que Isaac era o único Ballard
presente. Mas parecia que o noivo estava adorando tudo e Laura
não o deixava em paz, vez ou outra fazendo o homem rir e
Emanuelle revirar os olhos.
Julia bisbilhotava tudo da janela de seu quarto enquanto
Madame Rutherford abotoava as costas de seu lindo vestido
esvoaçante. A obra da modista ficou do jeito que Julia pedira. A saia
era cheia, com musselina fina e repleta de flores douradas pelo
tecido transparente. Por debaixo, a saia de seda era grande
também, maior que o exigido pela moda vigente. Sua clavícula
estava despida, o decote do vestido revelando seus ombros e
caindo em mangas bufantes de musselina, deixando a mostra seus
braços e suas mãos sem luvas. Havia até feito as unhas, o que
alegrou Natalie, que não parou de elogiar Julia enquanto cortava as
unhas da patroa e as envernizava discretamente.
Seu cabelo fora devidamente arrumado pela criada, que o partiu
no meio, com duas tranças nas laterais do penteado, caindo em um
arco até ficarem presas no coque baixo e cheio de esferas de ouro
cuidadosamente posicionadas pelos fios claros.
Seria um problema para se desfazer daquele penteado na hora
das...
— Deus do céu... — Julia murmurou, lembrando-se de sua
ignorância.
— Algum problema, Srta. Wilson? — Madame Rutherford
perguntou, afastando-se de Julia.
Ela suspirou lentamente, virando para olhar no espelho e
evitando olhar para a modista.
— Estou um pouco nervosa, apenas.
A mulher deu um muxoxo cheio de compaixão e, quando abriu a
boca para consolar Julia, a mais nova disparou:
— As relações são agradáveis, madame?
A modista ergueu as sobrancelhas e, pela primeira vez, corou
em suas faces. Mas não demorou para retornar a postura de
sempre.
Julia havia tido a tal conversa com a mãe na noite anterior, no
entanto, Mary estava tão envergonhada que não conseguia explicar
as coisas. Tia Gladys, nem se fala. Disse apenas para ela ficar
parada que o marido faria tudo. Mary discordou e disse que a
mulher deve participar, mas quando foi explicar mais além, não
conseguiu. Julia decidiu que não forçaria a mãe a tamanho
constrangimento, afinal, Petúnia estava lá para sanar suas dúvidas.
No entanto, tudo o que conseguiu com a prima fora seu
desenho de abóbora.
Ainda pensava no momento que compartilhou com o marquês
no sofá de Gladys. No toque quente de suas mãos em seu sexo,
senti-lo dentro dela a fez pensar no qur mais ele poderia colocar em
seu corpo. Ela o queria tanto naquele momento que ficou surpresa
por ter conseguido parar. Não queria um momento ainda mais
constrangedor do que o que os levou ao casamento.
Pelo resto do dia ela sentiu aquela deliciosa e proibida
inquietação em seu íntimo, ansiosa pelas mãos dele outra vez.
— Quando feitas com um homem gentil, são sim, Srta. Wilson.
Principalmente quando o amamos.
Ela estava apaixonada pelo marquês, mas amor era um
sentimento muito forte. Era muito cedo para dar nomes aos
sentimentos. Mesmo quando ela vivia o procurando na multidão,
ansiosa para vê-lo mesmo que de longe, Julia tentou ao máximo
não dizer para si mesma que o amava. Ela sabia que o amor era
fruto da amizade e companheirismo. Quando era uma observadora
distante, Isaac não a conhecia. E ela não o conhecia.
Mas agora as coisas caminhavam para algo muito melhor e ela
queria que um dia fosse o mais belo amor.
— Gosto muito de Lorde Winsford...
— Então o marquês será um querido amante — ela sorriu com
confiança e colocou o véu sobre o penteado de Julia — Está pronta.
Acho que todos estão ansiosos para vê-la, Srta. Wilson.
Ela se olhou no espelho uma última vez, com o vestido de
casamento e tudo.
Inacreditável.
— Posso lhe pedir um último favor, madame?
— O que quiser, Srta. Wilson.
Julia agradeceu com um sorriso.
— Poderia chamar meu irmão, por favor? Se minhas irmãs
insistirem em vir com ele, diga que chamei apenas David.
A modista maneou a cabeça como um mordomo bem treinado e
deixou Julia a sós.
Ela voltou a se olhar no espelho, um tanto incrédula de que
estava mesmo prestes a se casar com Lorde Winsford.
Viu David entrar no quarto pelo reflexo do espelho, virando-se
imediatamente para o irmão que abriu um sorriso genuíno.
— Você está uma graça, Julia.
Ela corou em lisonja, as mãos alisando as saias de musselina.
— Ainda está chateado com Lorde Winsford?
— Estou feliz que vai se casar com Isaac, juro. Fiquei
enciumado, mas passou — assegurou o irmão, gentilmente
arrumando o véu da noiva — Ele é meu melhor amigo, será o
marido mais digno do mundo.
— Mais que você? — Julia ergueu uma das sobrancelhas de
modo jocoso e arrancou uma risada do irmão — Vou contar tudo
para Alice.
— Eu tenho alguns defeitos — ele brincou, mas então, ficou
sério — Mas se ele a magoar, avise-me que eu mesmo vou dar uns
socos naquela cara bonita dele.
Ela fez que não imediatamente, arrancando outra risada do
irmão.
Com um suspiro pesaroso, Julia bisbilhotou pela janela mais
uma vez.
— Isaac tem família, não é? Sinto um aperto no peito ao vê-lo
sem ninguém...
Ela não via a hora de terem muitos filhos.
— Ele tem tios e primos, mas não convive muito com eles. Não
se preocupe, isso não é algo que o deixa triste. Isaac não se
importa, acredito que seja algo que filhos únicos costumam sentir.
O noivo não parecia triste. Estava rindo e conversando com
Gladys e Charles. Até mesmo Alice estava na roda de conversa, um
tanto risonha, mas ainda muito tímida ao lado de Gladys. Ele
sempre estava sorrindo para as pessoas. Era a hora de alguém
sorrir para ele e esse alguém seria Julia.
— Acho que é minha hora de ir casar, então... Pode avisar o
papai para vir me buscar.
***
***
***
***
Ela exclamou surpresa, apertando os braços de Isaac a ponto
de marcá-lo com as unhas curtas.
— Tudo bem? — ele perguntou imediatamente.
Julia fez que não, e para seu terror, seus olhos ficaram
levemente marejados até ela piscar e duas lágrimas escorrerem
pelas têmporas.
Céus, ela estava chorando. Devia ser horrível para ela. O que
ele tinha de fazer para amenizar aquilo?
Ele se abaixou para beijá-la no rosto, mas aquilo o fez se mover
dentro dela um pouco mais fundo e ela gemeu em desconforto,
contorcendo-se.
Decidiu ficar parado.
Julia se contorceu mais um pouco, agora movendo o quadril de
forma circular e mantendo os olhos fechados. Um suspiro baixo e
trêmulo saiu de seus lábios e ela colocou as pernas ao redor da
cintura dele.
— Eu a machuquei? — ele perguntou, as mãos de Julia
deslizando por seus braços e indo até suas mãos.
— Já passou... — ela moveu o quadril novamente, procurando
uma posição agradável. Somente aquilo já o deixava louco, senti-la
por dentro, movendo-se contra ele — Agora... É tão bom.
Sim, era maravilhoso senti-la quente ao redor dele. E vê-lo
afundando dentro dela era ainda melhor. O encaixe perfeito.
— Vai ficar melhor, eu prometo.
— Acredito em você, meu bem.
Julia era maravilhosa. Não havia nada em seu corpo que não o
deixasse fervendo de desejo. Suas curvas femininas, a cintura fina e
os seios macios. Isaac tocou em cada parte dela, deslizando as
mãos por seus quadris e subindo até os seios, os massageando
lentamente, observando com imenso deleite as expressões de
satisfação que a esposa fazia. Quando retornou as mãos para a
cintura dela, tomou a iniciativa e quase se retirou por completo dela,
apenas para estocá-la uma vez e ouvi-la gemer em um tímido
prazer.
Sua esposa demonstrou uma ousadia que ele jamais esperou.
Julia parecia tão tímida, mas era a própria paixão. Despindo-se para
ele, pedindo para ser possuída, puxando-o para perto dela. Aquilo o
incendiava de desejo, refletindo em seus movimentos que ficaram
mais firmes e em um ritmo não muito lento. A cada investida, ela
suspirava trêmula, abrindo-se para ele.
Ele se mantinha lento, mas com certa firmeza. Queria apreciar a
esposa de cima, ver as expressões de prazer que ela fazia. Não
queria que aquilo acabasse tão logo começaram.
A relação que Isaac tinha com a intimidade era diferente, ele
não sentia vontades com mulheres por quem não estava
apaixonado. Não se sentia comfortável com a ideia de fazer sexo
com alguém que não conhecia, como uma meretriz. Tentou quando
era mais novo, mas no fim, nem seu corpo queria. Embora não
tenha consumado nada, pediu que a mulher lhe ensinasse como dar
prazer a uma dama.
Compartilhar de um contato tão íntimo com Júlia era, para ele,
algo profundo, pessoal e secreto. Uma expressão de afeto tão
íntima que nada se igualava. O contato dos corpos nus, as carícias
que ela fazia em seus ombros e o cheiro dela o envolvia, deixando-o
perdido de amores pela esposa. Era um momento de extrema
vulnerabilidade física e emocional.
Julia o puxou pelos ombros até poder beijá-lo e envolvê-lo com
os braços, suspiros de paixão por entre os lábios, fugindo em meio
ao beijo. Quando ele ia fundo, ela o presenteava com um gemido
ardente, mas baixo o bastante para apenas os dois ouvirem.
Surpreendia-o ter passado trinta e um anos sem provar dos
prazeres mais intensos, embora duvidasse que fosse se sentir tão
eufórico com qualquer mulher. Julia e ele compartilhavam da
primeira vez e da curiosidade, tornando o momento mais caloroso
do que ele imaginou. Os beijos apaixonados dela, as mãos
deslizando por suas costas em carícias ansiosas, o rubor lascivo em
seu rosto.
Aquilo tudo era especial demais e vinha dela.
Isaac não aguentaria por mais tempo, já estava segurando a si
mesmo havia minutos demais, desde que Julia se despiu na sua
frente e se sentou em seu colo, tão junta de seu sexo que ele pode
sentir o calor molhado dela.
E agora estava mais forte, ao redor dele, apertando-o a cada
espasmo de desejo que ela dava. Se fosse proposital ou não, ele
não sabia, mas Julia o estava levando a loucura da paixão com seus
gemidos acalorados.
Ele retornou as mãos para a cintura dela, afastando-se do beijo
e a estocando com mais rapidez. Ela gemeu surpresa, mas se
deleitou tão logo ele a viu aproveitar aquilo, respirando rapidamente,
as unhas ansiosas arranhando seus antebraços antes dela segurá-
lo nos pulsos.
Ela suplicou para que ele continuasse, tão envolta em seu
próprio prazer que parecia mal se importar com o marido ali. Aquele
pedido o inflamou diante do intenso prazer que uma mulher era
capaz de sentir diversas vezes em uma noite. Ele tentou manter o
ritmo rápido que ela estava gostando, mas aquilo só o levava para
mais perto do próprio ápice. Quando as unhas dela marcaram seus
pulsos com força, Julia suavizou as mãos e o puxou para abraçá-lo
mais uma vez. Apenas para que ele pudesse tomá-la o suficiente
antes de se derramar dentro dela.
Toda a tensão havia se esvaziado de seu corpo, mas ele ainda
a olhava de cima, seu corpo sobre o dela e os olhos juntos aos
cristais claros de Julia. Ela piscou lentamente, como uma gatinha
preguiçosa, mas os fechou junto de um suspiro satisfeito.
Poderia dormir ali mesmo, tão mais intenso fora com ela do que
sozinho, o havia deixado cansado. Mas não podia deitar por cima
dela e a puxou para ficar por cima dele, acabando por sair de dentro
dela. Julia estava tão amortecida quanto ele, sonolenta, se
esticando em cima dele até ficar apenas com o rosto sobre seu
peito.
Um silêncio confortável os cercou, ambos preguiçosos demais
para falar. Apenas um carinho demorado nos cabelos de Julia, que,
um tanto acanhada, deslizava a ponta dos dedos pelo ombro nu do
marquês.
— Céus... — ela sussurrou, horrorizada.
— O que foi? — Isaac perguntou, alarmado — Eu fiz algo de
errado?
— A gata viu tudo — Julia cochichou, apontando para a gata
sentada na poltrona feito uma estátua, os olhos vidrados nos dois.
Isaac gargalhou, o animal desceu da poltrona e correu até o
quarto de Julia ao lado, deitando-se na cama dela e retornando para
mais uma prolongada soneca.
— Não é como se ela fosse uma gatinha inocente — o marquês
disse, bem humorado, enquanto seus dedos deslizavam pelos
longos cabelos platinados da esposa e terminavam por descer até o
traseiro macio dela — Já teve sua cota de filhotes.
Os olhos de Julia se animaram.
— Há filhotinhos por aqui? Por que não me disse antes?
Ele riu outra vez, encantado demais por ela.
— Eu dei para as crianças das fazendas. Tenho certeza que são
exímios caçadores de ratos e protetores de galinhas.
Julia riu igualmente, o som feminino de seu riso o conquistando
mais um pouco. Ele não resistiu e a beijou.
— Eu gostaria de me banhar — ela sussurrou, cobrindo-se com
o lençol.
— A banheira ainda está quente, presumo — Isaac afastou
alguns fios que havia ficado contra um pouco de suor na testa dela
— Fique a vontade.
Julia se apoiou em um de seus cotovelos, usando a mão livre
para tocar o marido em seu peito.
— V-Venha comigo.
Ele deu um sorriso surpreso, mas assentiu e se levantou da
cama. Julia tentou não olhar para o corpo nu dele, mantendo os
olhos nos próprios pés e as mãos segurando o lençol ao redor do
corpo. Apesar de ter estado em um momento tão íntimo com ele
minutos atrás, desprovida de nenhuma roupa ou vergonha, no
momento ela estava extremamente encabulada.
Pensar que o havia sujado com seu sangue era constrangedor e
agradeceu a qualquer força maior por acontecer apenas durante o
primeiro encontro do casal.
Jogou o lençol em cima dele, apressadamente entrando na
água morna enquanto o marido tentava se desfazer da armadilha.
Quando ela se arrependeu e pensou que o havia chateado, o
marquês estava sorrindo risonho.
Apesar de constrangida, parte de Julia ainda estava louca por
Isaac. Quando ele entrou na banheira, ela foi logo para o colo dele,
que a beijou em seu queixo delicadamente. Descobriu que gostava
muito de ficar por cima, de tê-lo olhando para ela com tanta
admiração e desejo. Era como cavalgar, ela tinha todo o domínio.
E Julia era uma exímia amazona.
CAPÍTULO 15
***
Maldição.
Antes fossem suas irmãs e prima, mas eram Marian, Heloise e
Lilian. Todas amassadas num único sofá, desconfortavelmente
segurando sombrinhas e chapéus.
— Lady Winsford! — Heloise levantou de supetão, fazendo as
outras duas tombarem para os lados — Que imenso prazer em
revê-la.
Julia não demonstrou nenhuma expressão. Continuou de pé, as
mãos frente ao corpo e a cabeça firme.
— O que desejam? Infelizmente tive de interromper meu
desjejum.
As três se entreolharam, mas Heloise parecia a mais simpática.
Lilian estava colada em Marian, como se a mais velha das três
pudesse protegê-la de algo.
— Viemos apenas desejar felicidades ao novo casamento —
Heloise riu um tanto nervosa, segurou a saia e fez uma mesura — E
parabenizá-la por ser a nova marquesa.
As outras duas fizeram o mesmo, Marian um tanto desanimada.
— Mas quanta simpatia — Julia observou com sua natural
ironia, ainda parada feito uma estátua — Pensei que não queriam
mais falar comigo. A rameira, pelo o que ouvi, que tira as roupas
para o marquês da cidade.
Marian ficou púrpura de vergonha e Julia sentiu um pouco de
orgulho de si mesma.
Antes seu atrativo era Londres, agora era o fato de ser a esposa
do homem mais influente das redondezas. É claro que, moças
burguesas como elas eram incentivadas a manter laços sociais com
quem tivesse uma boa posição na sociedade.
Julia compreendia, mas não aceitava o fato delas terem
explicitado suas opiniões negativas sobre ela embasadas em nada
mais nada menos do que na ignorância. Os mexericos logo
chegaram aos ouvidos de Madame Rutherford, que havia lhe dito
tudo.
— Mas quem diria tal coisa, m-minha lady? — Lilian perguntou,
engolindo em seco.
— A senhora há de entender que, dada as circunstâncias, não
podíamos ser vista em sua augusta companhia — Heloise se
explicou — Mas é óbvio que a senhora e o marquês compartilham
de grande sentimento.
Julia inspirou e expirou, calada. Ela estava sufocando e ainda
pensavam que os dois haviam tido relações no meio de um jardim.
— Peço que se retirem de minha casa — ela se virou de lado,
como quem permite a passagem — Agora.
Heloise balbuciou alguma coisa. Lilian resfolegou, tristonha.
Marian deu um muxoxo impaciente.
— Certo, nós vamos nos retirar, Lady Winsford — Heloise
pigarreou baixinho e vestiu seu chapéu — Só queríamos manter a
amizade.
Julia ergueu uma das sobrancelhas e estendeu a mão na
direção da porta. Quando as três passaram de costas, Lilian olhou
por sobre o ombro e pediu desculpas com um triste olhar sincero.
A nova marquesa suspirou cansada e se sentou no sofá outrora
ocupado pelo trio ternura. Não tardou para que Sr. Price entrasse na
sala, pigarreasse baixinho e chamasse a atenção dela.
— Minha excelentíssima Lady Winsford, com a vossa licença —
o criado a reverenciou com um enorme floreio de mão.
Julia se sentou corretamente, alisando as saias. O secretário
era um homem bastante esbelto e elegante, o par de óculos
pequeno lhe dava um ar acadêmico. A modista e ele deviam formar
um curioso casal.
— S-Sim, Sr. Price?
— Não pude deixar de notar que a senhora teve um impasse
com as três moças.
Julia uniu as sobrancelhas.
— O senhor é um belo de um fofoqueiro. Suspeito que meu
marido faça bom uso de suas habilidades.
O secretário do marido deu um riso reservado e concordou com
um breve aceno de cabeça.
— O senhor tem alguma informação sobre elas? Dada a sua
natureza... Curiosa.
Ele riu outra vez. Julia acabou por convidar o homem a se
sentar, o que ele fez sem cerimônias. Devia ser um abusado, mas
Julia estava começando a gostar do homem.
— São informações não muito agradáveis.
— Fale-me sobre Marian. Essa parece desgostar de mim e eu
não sei porquê.
Price pigarreou baixo e assentiu.
— Bem, A Srta. Stewart debutou faz muito anos, como deve
saber.
— Bastante jovem, inclusive.
— Foi um mero ato de desespero de seus pais, visto que a
jovem estava envolvida com alguém inapropriado.
Julia ergueu as sobrancelhas.
— Por isso ela parece achar que eu estou grávida!
Price negou tudo com um sutil gesto.
— A Srta. Stewart, minha lady, estava envolvida com outra
moça.
Julia ficou boquiaberta.
— Não!
— Uma escandalosa verdade. A moça estava apaixonada pela
própria camareira, cujo sentimento era recíproco.
— Mas...! — ela abaixou o tom de voz — E o que aconteceu?
— A criada voltou para a Irlanda, de onde veio, e a Srta. Stewart
debutou de modo a encontrar um marido.
— Mas ela não quer um marido...
— Suspeito que não.
Julia coçou o queixo com a ponta do indicador.
— Como o senhor sabe disso tudo?
Price sorriu um tanto orgulhoso.
— As modistas ouvem de tudo, Lady Winsford.
A marquesa acabou por rir.
— É claro, Sr. Price. Bem... Pobre Marian. Eu conheço alguém
que vive tal dilema, mas, pelo o que me parece, ela e sua... Amada
não foram separadas.
Sua tia Joanna e Olivia Wentworth eram inseparáveis, mas
ninguém fora da família sabia que as duas não eram apenas
amigas. Se alguém sabia, as vozes não escapavam dos leques.
— Uma vida repleta de provações, Lady Winsford. Outrora tão
comum nas antigas civilizações.
Ela não pode deixar de concordar. Aquele era um assunto que
Jane adoraria discutir por horas a fio.
— E Heloise?
O secretário demonstrou certo desconforto em seu rosto, como
quem pensa em algo triste.
— Sr. Price? O senhor já fez fofoca demais, conte o resto. Eu
guardo segredos.
— Eu acredito que não deva falar, visto que já falei para Lorde
Winsford... Digamos que... A pobre moça foi atacada. Por Deus,
minha lady, não conte para ninguém. Eu não deveria ter contado
para Lorde Winsford.
Julia franziu o cenho e, quando entendeu, levou a mão ao peito.
Heloise que era tão animada e simpática, apesar de sua faceta
interesseira, não merecia passar por aquilo. Um ato tão intenso
como aquele, forçosamente deveria ser um pesadelo que ninguém
deveria vivenciar.
— Mas... E ela está bem?
— Parece que sim. Não engravidou, graças a Deus. Nem ficou
doente.
— Por isso Isaac insinuou certas coisas... — ela pensou alto e
logo ficou irritada — Não creio que ele tenha falado assim dela
enquanto foi uma violência. Ele não é como os outros homens, não
pode ser.
— Ele não sabia, madame. Apenas a família sabe, e nós. Todos
pensam que ela e Lorde Houghton tiveram um momento de luxúria
antes da hora, porque alguém espalhou por aí que a Srta. Smith não
era mais virtuosa.
— Ainda assim, não gosto que ele tenha tentado ofender a
honra dela.
Price concordou com um meneio.
— Infelizmente as mulheres carregam fardos que para os
homens se tornam prêmios. É difícil para muitos pensar de modo
diferente, mesmo que sejam boas pessoas. Faz parte de nossa
sociedade.
Julia o olhou com certa surpresa.
— O senhor é muito politizado. A esposa do meu primo iria
adorar conversar com o senhor.
O secretário agradeceu com um leve inclinar de cabeça.
— Madame Rutherford é a quem a estimada prima da senhora
deve dirigir as palavras. Sou um mero servo.
A marquesa o olhou com os olhos semicerrados.
— Da madame ou de meu marido?
Price caiu na risada.
— Lorde Winsford que me perdoe, mas meu amor é maior que a
necessidade de pagar as contas.
Ah, ela estava gostando daquele secretário. Um homem devoto
a sua amada era de confiança.
— Gostei muito do senhor — anunciou em voz alta — Continue
amando, Sr. Price. Homens de boa índole são sempre capazes de
amar.
O homem se levantou e a reverenciou até quase beijar o chão.
Parecia que estava na corte francesa.
— Ao seu dispor, digníssima Lady Winsford. Considere-me um
servo da senhora, também.
***
***
Ela ia contar, que mal teria? Não era como se fosse contar algo
terrível, só iria dizer que estava apaixonada por ele já fazia um bom
tempo.
Tecnicamente não havia problema nenhum, mas aquilo era algo
que Julia guardou para si por anos e era difícil dizê-lo mesmo que
Isaac tivesse se tornado seu marido. Era algo pessoal, secreto,
embaraçoso. Sentia-se como quando pensou em como diria para
ele no baile de Tamsin.
Certo, ela não tinha planejado dizer, só tinha planejado flertar
com ele - caso as coisas caminhassem para um rumo romântico -
ela contaria. E olha só, tem rumo mais romântico que o próprio
matrimônio? O casamento fora um acordo, mas ambos estavam
apaixonados, graças a Deus.
Julia estava pensando em contar quando tivesse pensando em
belas metáforas, mas quando Isaac lhe confessou, mais uma vez,
que pensou que jamais iria se casar... Ela decidiu que era hora de
fazê-lo se sentir muito querido. Ele tinha aqueles enormes olhos de
cachorrinho!
Iria contar a história do início, mas não falaria sobre seu surto
de inveja e raiva que a fez inventar rumores sobre Tamsin e Isaac
no ano anterior. Do início até o quase fim estava bom.
O marido havia a levado para a mata ao redor da Mansão
Ballard. Era um bosque bonito, com uma estrada de terra batida
cuja sombra da copa das árvores fazia um belo túnel natural. Era
silencioso e pitoresco, o único som sendo os de seus passos, dos
pássaros e outros animais correndo pelas plantas.
Deveria contar enquanto andavam ou parados em algum lugar?
Melhor parados, queria olhar para ele. Mas não havia onde se
sentar.
— Devo confessar que estou um pouco nervoso — Isaac riu um
tanto sem jeito, sua mão tocando a de Julia que descansava na
dobra de seu cotovelo — É algo sério...?
— Não é nada de ruim, prometo — ela tentou assegurar,
parando de caminhar e olhando ao redor — Gostaria de me sentar,
importa-se de se sentar na grama?
Ele olhou ao redor, por entre as árvores era possível ver os
campos abertos e foi para lá que Isaac guiou Julia. Até que estavam
fora do bosque, a visão dos campos de Chester inundando a
paisagem.
O marquês a ajudou a se sentar contra uma das árvores,
fazendo o mesmo logo em seguida.
Julia olhou para o campo outra vez, apenas, para então pôr as
próprias mãos em seu colo antes de tocar as do marido. Os dois
trocaram um olhar doce, o que fez com que ela sentisse vontade de
chorar por se sentir tão sortuda por tê-lo com ela. Talvez devesse
agradecer a camareira de sua tia por tê-la sufocado com o
espartilho.
— Eu sei que é uma memória dolorosa, mas a primeira vez que
nos vimos foi no velório do falecido Lorde Winsford. E sei que não
se lembra de ter me visto lá.
Ele assentiu, abatido.
— Não me lembro de muita coisa desse dia para ser sincero...
— Desculpe-me por tocar nesse assunto — ela disse, pesarosa
— É que esse foi o primeiro dia em que eu o vi e... N-Nesse dia eu...
Eu me apaixonei por você.
Julia viu as sobrancelhas dele se erguerem sutilmente, e seu
olhar parecia confuso, perdido. Surpreso? Eram várias emoções
naqueles olhos escuros.
— N-Não exatamente naquele momento — continuou, nervosa
com o silêncio dele — Mas eu logo o achei encantador... Queria
poder lhe consolar, dizer algo. E então e-eu passei a observá-lo
durante a temporada, eu o via e queria me aproximar, mas não
sabia como. Não seria apropriado... Q-Que eu tentasse flertar com
você como uma atirada.
Agora as sobrancelhas dele estavam franzidas, o que fez com
que Julia abaixasse o rosto em vergonha. Havia algo de errado
naquilo? Ela não deveria ter dito, pareceria uma louca apaixonada...
— Mas... — ele pigarreou, sem jeito — Mas já fazem quase três
anos que meu pai se foi. Por todo esse tempo eu nunca a vi por aí,
ou-
— Eu disse que sempre fiquei no canto... — Julia fungou, seus
olhos começaram a arder diante daquela confissão — Eu nem sei
bem o que sentia. Era só... Q-Que você é tão gentil com as
pessoas, eu o observava e queria poder ser o foco de tanta
gentileza. Um sentimento platônico sempre que o via, sua beleza
me deixava corada, fazia-me pensar em você me dando atenção. E
eu lhe dando atenção de volta... E esse pensamentos então iam
para eu o beijando... E...
Ele ficou calado de novo, mas dessa vez riu. Uma risada
surpresa, suas face estavam coradas e Isaac tentou falar alguma
palavra, mas apenas balbuciou sílabas.
— Deus, se eu soubesse antes — o marquês riu de novo,
olhando para Julia e abrindo um enorme sorriso — Acho que já
estaríamos casados há um bom tempo.
Julia corou com aquela hipótese, pensar que ele teria se
apaixonado por ela assim como ela se apaixonou por ele era
maravilhoso. Será mesmo que teria acontecido daquela forma?
Teria ele gostado dela?
— Seria esplêndido... — ela respondeu, brincando com a renda
da pelerine — Simplesmente esplêndido.
Os dois caíram em silêncio. Ela imaginou que ele estivesse
processando a notícia, enquanto que ela sentia a vergonha tomar
conta de si. Seu rosto estava quente e o coração batia rápido. Havia
contado.
Não foi tão ruim. Fora até rápido.
Bem, estavam casados e apaixonados, de fato. Seria diferente
confessar aquilo enquanto ele ainda era apenas um homem com
quem ela trocou duas palavras.
— Nunca contou para suas irmãs? — perguntou Isaac, de
repente — Lady Vallance? Vocês parecem tão próximas.
Julia fez que não, ainda olhando para os dedos embolados na
renda.
— Tinha vergonha... E se Petúnia soubesse ela faria algo
absurdo para nos unir. E-Eu estava pensando em contar para você
ano passado — ela o olhou, mas assim que se lembrou do motivo
por ter permanecido calada, voltou a olhar para os dedos — Mas
então você começou a cortejar minha prima.
— Julia... — ele disse imediatamente — Se eu soubesse, minha
querida, eu tenho certeza de que estaria perdidamente apaixonado
por você desde aquele dia.
Ela riu um tanto amuada, dando de ombros levemente.
— Não teria como saber se eu nunca disse nada — então ela o
olhou, suas mãos trêmulas buscando as de Isaac — Quando vi que
estava interessado em Tamsin eu decidi que não iria contar nada.
E...
Mandei mentiras para os periódicos sobre o relacionamento dos
dois para arruinar o romance de Tamsin com Dominick.
— Quis vir para cá quando a temporada acabasse e esquecê-lo.
E ficar um pouco longe da cidade. Não sabia que vivia aqui... V-Vê?
Era tão platônico, eu mal o conhecia, não sabia que vivia aqui. E vim
logo para onde morava. Céus, eu pensei que fosse morrer no soireé
de Tia Gladys! Eu estava ridícula com aquela roupa e... Meu rosto.
Eu não queria que fosse assim que me visse de novo.
Isaac riu do final tragicômico da história dela. Mas, então, suas
sobrancelhas se uniram em confusão.
— Então, por que ficou tão chateada quando o Sr. Smith falou
sobre nos casarmos?
— Eu não sei... Eu fiquei nervosa, com medo de você não
gostar de mim porque nos casamos por obrigação — a voz dela
abaixou, triste — E que, por isso, teria amantes e... Eu não
suportaria. Queria me casar com você, mas queria que fosse
natural. Porque me queria, não porque fora obrigado.
Ele negou com a cabeça um tanto lamentoso. Afagou o rosto
tristonho de Julia, tocando seu queixo até poder beijá-la
demoradamente.
Quando se afastaram, Isaac continuou a lhe afagar o rosto.
— Na noite do jantar de Lady Hanes eu fiquei encantado. Price
me convenceu a cortejá-la no dia da festa dos Smith, porque eu
estava decidido a não cortejá-la por causa de David. Mas, depois,
pouco me importava o seu irmão.
Julia riu, um pouco mais feliz, cor voltando ao seu rosto.
— Acho que ele não ficará contente por um bom tempo.
— Eu não me importo, estou apaixonado demais para deixar de
flertar com você — e, com um sorriso risonho, ele a beijou
novamente.
Julia se derreteu no beijo, envolvendo o pescoço de Isaac com
seus braços até estarem abraçados.
Ela estava tão feliz. Era como se grande parte de suas
preocupações estivessem ido embora. Havia contado a verdade
sobre seus sentimentos, que não eram novos como os deles, mas
antigos e secretos. Sem contar que ouvir de Isaac que ele estava
apaixonado por ela era maravilhoso.
Tudo estava tão bem em tão pouco tempo. Estava em Chester
havia apenas um mês e sua vida havia dado a melhor reviravolta
possível num piscar de olhos.
— Acho que não tem muita importância eu ter contado isso
agora que estamos casados, — ela disse — mas eu queria contar
porque... M-Mesmo que pense que nenhuma moça o quis de
verdade, eu o queria. E o quero agora.
O homem riu para si mesmo, algo que também soou um tanto
tristonho.
Isaac levou as mãos de Julia até seus lábios e as beijou
lentamente, deixando uma das palmas dela contra seu rosto. Os
dedos dela gentilmente o acariciaram na maçã do rosto.
— Não sei se é muito masculino de minha parte, mas eu
sempre quis os carinhos de uma dama.
— Sentir isso é humano, não feminino ou masculino. Acho que
todos nós queremos ser amados um dia..
— São sábias palavras, minha querida — ele sorriu ternamente,
olhando-a daquela forma que a fazia sentir o coração disparar
desde anos antes.
Ele tinha olhos lindos, escuros e cheios de sentimento. Ela
conseguia ver cada emoção de Isaac através daqueles olhos
castanhos. Desde o dia em que o vira desolado no velório do pai e
em todas as vezes em que o via olhar gentilmente para alguma
moça. Aquele olhar que ela queria que fosse só para ela, sempre só
para ela.
E agora era. Diante daquela realização, de que estava casada
com Lorde Winsford, seus olhos foram os delatores de seus
sentimentos. Molhados, ela não conteve as lágrimas que nasceram
tímidas e escorreram pela maçã de seu rosto.
— Estou tão feliz — confessou, envergonhada assim que Isaac
secou seu rosto com o polegar.
Ele respondeu com mais um sorriso, que ela pode ver era tão
feliz quanto as lágrimas dela. E, depois, um beijo lento e repleto de
doçura. Em meio ao carinho íntimo, Isaac a puxou para se sentar
sobre suas pernas e Julia o fez, as saias do vestido se amontoando
ao redor dela.
Ela riu da situação, feliz. Estava apenas feliz, um peso enorme
fora tirado de seus ombros.
Novamente ele a acariciou em seu rosto, olhando-a, admirando-
a, ela ousava pensar.
— Também estou feliz, Júlia — finalmente ele respondeu —
Talvez eu devesse agradecer a camareira que apertou o seu
espartilho?
Julia gargalhou, arrancando um riso do marido.
— Acho que sim.
— Contudo — Isaac adicionou enquanto acariciava o queixo
dela — Eu iria cortejá-la, sem incidente algum, e eu teria a pedido
em casamento.
Ela correspondeu a carícia, tocando a lapela da casaca do
marido, perdida em pensamentos.
— Mas e se, enquanto me cortejasse, visse que não gostava de
mim o suficiente para pedir minha mão?
— Julia, olhe pra mim.
Ela o fez, um tanto tristonha.
— Estamos casados, não estamos?
Julia assentiu, os olhos lacrimejando não mais de alegria, mas
por sua insegurança e auto-estima abaladas. Aquele era um lado
dela que ela não queria que o marido visse. Sentia-se como uma
mocinha que ainda se comparava com Petúnia e as outras garotas.
— Eu estou apaixonado por você, perdidamente — ele disse,
segurando-a pelo queixo de modo que compartilhassem o olhar — E
você é a moça mais bela para mim agora. Creio que eu jamais
deixarei de admirá-la. Vou lhe dizer todos os dias o quanto é linda e
como eu sou um tolo por você.
CAPÍTULO 16
***
***
***
***
Mary acabou indo com eles, Natalie insistira que seria menos
pior caso o dono do haras a visse com uma criada além do valete.
Então Julia foi com sua pequena dupla de empregados. Mary e
Miles. Que bonitinho, os nomes até combinavam!
— Não digam a Lorde Winsford que vou comprar um cavalo.
Miles a olhou de rabo de olho, ajudando-a a subir na carruagem.
— A senhora disse que Lorde Winsford estava ciente de sua ida
ao haras, madame.
Julia lhe lançou um olhar feio. O valete engoliu em seco.
— Estou cometendo algum crime, Sr. Miles?
— C-Claro que não, madame.
— Eu adoro cavalos! — Mary disse, segurando firme em sua
bolsinha simples enquanto a seguia para dentro — Meu pai sempre
gostou de cavalos, milady.
Julia abriu um lindo sorriso para a empregada.
— Eu também os adoro, Mary — depois, olhou para o camareiro
— E Lorde Winsford me prometeu uma égua como presente de
casamento.
— Que romântico! — a empregada levou a mão ao peito.
A marquesa assentiu sorridente e continuou assim até
atravessarem Chester e retornarem aos arredores da cidade. Ela
avistou o haras se aproximando, podia ver cavalos soltos em um
grande cercado, além de quatro longos estábulos e a construção
principal. Uma casa georgiana. Era uma linda fazenda que fora
convertida em um estabelecimento feito para a reprodução dos
melhores cavalos possíveis.
Miles parou em frente ao casarão de alvenaria, onde alguns
cavalariços esperavam para ver quem eram. Ele ajudou Julia a
descer e depois, Mary - completamente imune aos encantos do
valete. Antes de saírem, Natalie havia praguejado a tudo e a todos
por não poder sentar bem do ladinho de Miles ao irem ao haras. O
que, em prática, não acontecia nem com ela ali. Miles fora do lado
de fora junto do cocheiro.
— Gostaria que entrassem comigo, Sr. Miles. E Mary — a
garota estava olhando para um enorme cavalo negro ao longe —
Mary.
Ela tremeu de susto e voltou correndo para o lado da marquesa.
A porta do casarão se abriu e um homem baixo, rotundo e
bigodudo os cumprimentou. Estava vestido de forma espalhafatosa,
o tipo de gente que havia enriquecido e queria se misturar com a
alta sociedade, mas não sabia como.
— Bom dia, minha senhora — ele olhou para Julia e depois para
Miles com muita curiosidade — Pois não? Em que posso ajudá-los?
Julia se empertigou, tentando ficar mais imponente do que sua
costumeira postura pacata e apagada.
— Sou Lady Winsford.
As sobrancelhas grossas do homem se ergueram.
— Lorde Winsford se casou? Que ótima notícia — ele fez uma
mesura para ela — Sou Lyndon. Entre, por favor.
Julia o seguiu em direção a um pequeno vestíbulo antes de ser
levada até um escritório grande cujas janelas davam para onde os
cavalos estavam livres.
Ela se sentou em frente a mesa grande do homem, Miles e
Mary vieram junto e ficaram parados perto da porta. Decoro ou
sobrevivência, Julia não gostava de ficar sozinha com homens
desconhecidos em cômodos pequenos.
— O marquês está a caminho? — perguntou o homem,
puxando uma campainha escondida entre duas estantes
abarrotadas de livros caixa — Lorde Winsford é um cliente fiel,
temos muito apreço por ele. Mas não costumamos receber mulheres
por aqui, lamento não ter acomodações adequadas enquanto o
espera chegar.
Julia se remexeu na cadeira.
— Vim por mim mesma, Sr. Lyndon.
Uma criada entrou com uma bandeja de chá, tão quieta que
Julia mal a viu sair.
— Chá? — perguntou o proprietário.
Ela fez que não. Sua barriga estava doendo por estar ali,
sozinha.
— Gostaria de ver suas éguas, Sr. Lyndon. Gostaria de comprar
uma para mim, o senhor deve saber que meu marido tem poucos
cavalos pessoais, já que é com o senhor que ele os compra.
O homem pareceu um misto de surpresa e confusão. Olhou
para Miles parada próximo a porta, como se o criado fosse de
alguma ajuda.
— Gostaria de aguardar Lorde Winsford aqui ou prefere olhar os
animais, por enquanto? Posso levá-los até onde eles caminham.
Julia piscou lentamente. Já esperava por aquilo
— Eu mesma vim comprar, Sr. Lyndon. Agora, se me permite,
eu adoraria ver as éguas.
Julia se levantou de imediato. O dono do haras também o fez.
Vendo que Julia sairia sozinha, ele teve a decência de acompanhá-
la.
— Lady Winsford, creio que os estábulos não sejam apropriados
para uma dama como a senhora.
Ela não respondeu, continuou andando.
O Sr. Lyndon a levou para fora outra vez, Mary e Miles a
seguiram imediatamente a uma distância respeitosa.
O valete parecia querer arremessar Mary longe, ela não parava
de tagarelar para ele algo que Julia não conseguia ouvir.
— Não me ofendo com estábulos, Sr. Lyndon. Agradeceria se
me mostrasse suas éguas. Eu insisto, por favor.
Sr. Lyndon aquiesceu, olhando alarmado para os cavalariços de
bobeira na soleira do casarão. Os funcionários se apressaram na
direção dos estábulos.
— Temos éguas muito mansas, a senhora irá gostar —
assegurou o Sr. Lyndon — Nossos cavalos são das melhores raças.
Puros, eu posso garantir.
Ela apenas meneou com a cabeça. Logo estavam nos
estábulos, onde o homem se desculpou pelo cheiro, dizendo que
damas não costumavam ir até lá e que era comum os maridos
escolherem as éguas.
Julia apenas lhe deu um sorrisinho educado. Não se importava
com cheiro de animais e não tinha paciência para homens falando
baboseiras.
Então Julia viu a égua mais bela de todas. Uma puro-sangue
inglês, ela reconheceu. Era elegante e esguia, perfeita para
corridas. Seu pelo era tão negro que reluzia, a crina escura caia por
cima do chanfro branco e suas patas dianteiras tinham manchas
brancas que a faziam parecer usar meias. Era linda, a égua mais
refinada que Julia já vira.
— Essa é perfeita, Sr. Lyndon — disse Julia, observando-a
dentro de uma das baias — O que me diz dela?
— Ah! — o homem ficou todo animado, esquecendo-se que
Julia era uma presença incômoda em seu estabelecimento — Uma
puro-sangue inglês, nasceu aqui mesmo. Nós cruzamos nossos
próprios cavalos, não vai achar melhor pedigree. É uma égua
obediente, lhe servirá muito bem para um passeio.
Julia queria correr e saltar, mas o Sr. Lyndon não precisava
saber daquilo. O sujeito tinha cara de quem falava por aí que
mulheres cavalgando com as pernas abertas se tornavam inférteis.
— Pode se aproximar, Lady Winsford. Ela é mansa.
Ela o fez, estendeu a mão em um punho levemente fechado
para que o animal farejasse. Quando percebeu que estava à
vontade com Julia, se permitiu afagar o longo chanfro branco dela. A
égua a empurrou levemente com o nariz, o que Julia reconheceu
com uma saudação.
— Creio que ela tenha gostado da senhora — observou Lyndon.
Julia sorriu de orelha a orelha e chamou Mary com um aceno.
— Venha, Mary, pode tocá-la.
Os olhos de Lyndon ficaram enormes quando ele viu a criada
encostar em seu cavalo de pedigree. Mas Julia pouco se importava,
gostava muito de Mary e, pelo sorriso da empregada, ela estava
radiante.
— Lady Winsford — ele deu uma tosse leve — Vejo que gostou
da égua. Com a devida permissão do marquês, pode ser sua.
Julia e Mary pararam de afagar a puro-sangue.
— Permissão? — perguntou ela.
— Permita-me explicar, Lady Winsford, caso não compreenda.
Ele usava o mesmo tom que muitos homens usavam com
outras mulheres. O tom de quem fala com uma criança
desentendida sobre todos os aspectos da vida.
— Uma dama precisa da permissão do marido ou outro homem
da família para comprar um cavalo. E de sua companhia na hora da
compra, caso a dama se dê ao trabalho de ir ao haras como a
senhora.
— Mas não para comprar vestidos e chapéus, suponho.
O vendedor pigarreou, moveu sua cabeça e respondeu, um
tanto sério:
— Cavalos são diferentes de artigos de moda, Lady Winsford.
Principalmente cavalos de raça pura, feitos para servir a um
cavalheiro ou uma dama de respeito. São propriedades, tal como
uma residência. Essas estão sempre no nome dos maridos, a não
ser que estes tenham falecido.
Julia sobreviveu à vontade de revirar os olhos e bufar. Sabia
muito bem daquilo, sabia que nada pertencia a ela naquela vida.
Nem mesmo os filhos que concebesse e alimentasse com o próprio
leite. Odiava tudo aquilo, a ser reduzida a esposa ou filha de
alguém. Mas não imaginou que se aplicava a animais.
— Bem, lamento não ter a tal permissão. Mas tenho certeza que
não será preciso, o dinheiro não é do meu marido. É meu.
O Sr. Lyndon balançou a cabeça.
— Ainda sim, a senhora é casada. Essas modernidades ainda
não chegaram a nossa boa e velha Chester.
E nunca chegariam, ela presumiu.
— Eu quero essa égua, vou lhe pagar e fazer uma compra
como qualquer um — Julia disse, tentando soar firme — E eu lhe
pagarei um bom dinheiro por ela. Como qualquer cavalheiro que
vem aqui. Quanto ela custa?
O homem balbuciou alguma coisa, notavelmente constrangido
por discutir valores com uma mulher.
— Cem libras, Lady Winsford.
— Eu pago duzentas.
Miles se engasgou atrás dela, Mary rapidamente encheu as
costas do homem de batidas.
— O senhor está bem, Sr. Miles? — Julia perguntou com os
olhos firmes no homem.
O valete assentiu rapidamente, empurrando Mary para o lado
com uma cotovelada digna de um irmão mais velho.
Os cavalariços começaram a prestar atenção na negociação
que acontecia ali.
Duzentas libras era uma fortuna. Nunca vira um cavalo naquele
valor. Mas Julia pagaria o que fosse por conta de seu orgulho.
Queria que o Sr. Lyndon lhe vendesse a égua, para uma mulher que
não precisava de um marido.
Parte sua se envergonhava de pagar tamanha fortuna em um
cavalo, principalmente na frente dos criados que deveriam ganhar
uma migalha daquele valor. Bem, Miles devia ganhar bem, mas
Mary era uma simples empregada.
— Lady Winsford — o vendedor sorriu, pigarreou e sorriu de
novo — Ficarei feliz de deixar a égua esperando para que alguém
retorne com a permissão de seu marido. Não posso fazer negócio
sem os documentos necessários, somos um negócio de respeito.
Meu Deus, era só um cavalo! E ela estava oferecendo uma
quantidade generosa de dinheiro.
Ela respirou fundo, deu uma última olhada para a égua e se
virou para seus criados. Ela era linda, gentil e gostara de Julia.
Mas não iria ceder aquele bigodudo. Ele cederia a ela. E ela
usaria dos artifícios que menos gostava na aristocracia: sua
posição.
— Tenho certeza de que outro haras ficará feliz em fornecer a
marquesa com uma égua de muito mais pedigree. Vamos.
Miles e Mary assentiram de prontidão e os três começaram a se
distanciar dos estábulos.
— U-Um momento, Lady Winsford! — Sr. Lyndon exclamou
agudo demais, tossiu e deu cinco passinhos apressados na direção
dela — Podemos chegar a um acordo. Só precisa entregar a
permissão, a égua ficará à sua espera.
Julia continuou andando, braço dado a Mary.
— Tenho pressa, Sr. Lyndon. Gostaria de levá-la hoje mesmo.
Meu marido é muito ocupado, não posso incomodá-lo com minhas
modernidades.
— O haras próximo a fronteira de Manchester tem éguas árabes
muito elegantes, madame — disse Miles, ajudando as duas moças a
subirem no coche — O falecido Lorde Winsford já comprou cavalos
por lá. Lorde Houghton acabou de comprar um cavalo com ótimo
pedigree, ouvi dizer. Corre como nenhum outro.
Julia teria sorrido para o homem se aquilo não fosse estragar
sua postura de marquesa soberba.
— Mas Manchester fica muito longe — o vendedor balançou a
cabeça, olhando suplicante para Julia sentada no alto.
— Não tem problema. Devo lembrar as minhas amigas aqui em
Chester de que seus maridos devem comprar seus cavalos em
outro lugar. Afinal, quem não acreditaria na marquesa? Meu marido
tem uma ótima reputação e não quero que ele a manche voltando a
comprar por aqui.
Miles puxou as rédeas e a carruagem começou a andar. O
homem bigodudo veio atrás.
— L-Lady Winsford!
Ela olhou pela janela aberta, fungou e desviou o olhar fazendo a
melhor voz de choro que conseguiu:
— Vou dizer a Lorde Winsford como fui destratada por alguém
que ele confiava tanto.
Os cavalariços estavam rindo do patrão desesperado.
— Espere, minha lady!
Miles fez os cavalos pararem. Sr. Lyndon levou a mão ao peito,
a ponto de pôr os bofes para fora.
Julia se recuperou do choro seco em um segundo.
— Diga, meu senhor.
— Fechamos negócio, meus rapazes levam sua égua até a
residência do marquês-
— E da marquesa.
O homem assentiu veemente. Julia viu uma veia pulsar na testa
dele, por dentro ele devia estar uivando de ódio. Já ela estava doida
para rir.
— E o secretário nos entrega a permissão até amanhã.
— Muito bem, então.
Ela teria que ter a tal permissão, pelo visto. Mas havia
conseguido comprar a bendita égua com o próprio dinheiro. Tinha
certeza de que Isaac não ficaria chateado e daria a tal permissão,
seja lá como fosse isso. Um papel escrito "deixo que minha esposa
em seus completos vinte e dois anos e alguns meses compre a
porcaria de um cavalo com o próprio dinheiro"?.
Julia bufou sozinha e pediu para descer, seguindo o Sr. Lyndon
para fecharem negócio corretamente. A conta iria para o Sr. Price,
que havia se oferecido para administrar as finanças de Julia quando
Isaac lhe devolvera o dote. Ela aceitou, gostou do secretário logo de
início.
Ela sorriu para o vendedor, um sorriso muito doce, mas muito
falso.
— Lorde Winsford ouvirá apenas coisas boas do senhor.
O homem não parecia nada agradecido.
***
***
Ele não contou nadinha. Estava muito ocupado por cima dela e
ela não queria nada além do marido, estava muito contente em
deixar as novidades para outro dia. Era sempre um lamento quando
ele saía de dentro dela, quase como uma sensação de vazio pela
falta que ele fazia. O calor dos corpos unidos, os sons masculinos e
maravilhosos que Isaac deixava escapar, a força de suas mãos no
corpo dela marcando sua pele. Era tudo tão forte e delicioso, mas,
ao mesmo tempo, muito intimista e sentimental. Ele a admirava e
tocava como se fosse seu bem mais precioso. Fazia juras de paixão
enquanto a beijava da cabeça aos pés. Olhava em seus olhos
enquanto a possuía, declarando as mais belas palavras para ela
que se derretia toda. Ele a fazia se sentir linda, desejada e uma
infinidade de qualidades que ela nunca permitiu dar a si mesma.
Julia amava estar com ele. Mas será que o amava? Estava
muito mais apaixonada do que quando o via de longe anos atrás,
certamente. Agora ela conhecia Isaac como não conhecia quando o
observava em um cantinho de algum salão. Mas chamaria de amor?
Era muito cedo para dizer? Ela achava que era amor, sabia que ele
já estava a fazendo mais feliz. Mas seria amor ou apenas a alegria
de tê-lo só para ela?
Talvez os dois significassem a mesma coisa. Ela não fazia ideia,
precisava perguntar a alguém que já amara na vida.
— Sentiu minha falta hoje?
As palavras saíram antes que ela pudesse se envergonhar de
perguntar. Era tarde demais quando se arrependeu e escondeu o
rosto no peito dele. Não queria incomodá-lo, David havia lhe avisado
que ele se importava muito com a fábrica, todos na cidade haviam
comentado que Lorde Winsford era muito ocupado.
— Terrivelmente — ele a deitou contra os travesseiros de modo
que pudesse acariciar seu rosto e admirá-la de cima — Passei o dia
inteiro querendo beijá-la.
Julia sorriu, mas por dentro se perguntou se era só aquilo que
ele queria. Se não queria, também, conversar com ela, rir, ou
simplesmente passear pela herdade. Não apenas beijos e sexo. Ela
gostava muito dos prazeres a dois, não era uma hipócrita, mas
adorava conversar com o marido. Isaac sempre a escutava com
afinco quando ela lhe falava sobre qualquer coisa e costumavam
conversar bastante depois que os momentos mais íntimos
terminavam.
Ela tocou o rosto cansado dele, parecia muito sonolento. Seu
polegar deslizou pela maçã do rosto antes de tocar os lábios.
— Vamos dormir, meu bem.
Queria chamá-lo de meu amor, mas ainda era muito cedo para
expor seus sentimentos mais profundos. Queria ter certeza de que
ele iria gostar de ser chamado assim.
Dessa vez foi Isaac a deitar sobre seu peito, ela que sempre se
sentiu pequena demais se viu embalando um homem alto como ele.
Tão perfeitamente aconchegado nela. Ao tocar seus cabelos
dourados, Julia sentiu seu peito se aquecer um pouco mais. Devia
ser amor mesmo o que ela sentia.
CAPÍTULO 18
Logo cedo pela manhã a esposa pediu que ele a esperasse nos
estábulos enquanto ela fazia a toalete. Isaac não questionou,
percebeu que ela estava tramando algo e participaria da empreitada
de Julia.
Agora lá estava ele de pé em frente a baia da égua nova. Era
muito bonita, um pouco alta para Julia, ousava pensar. Parado em
cima da porteira, Sir Jonas o observava em silêncio.
— Você está sempre por aqui, não?
Isaac estendeu a mão para o bichano cheirar, mas ele o ignorou
com uma fungadinha.
O gato preto bocejou, pulou para fora da baia e correu para
longe dos estábulos. Sir Jonas sempre o ignorava, exceto quando
era hora de dormir e o gato invadia o quarto para se aconchegar
perto de Julia.
— Pois não venha dormir comigo depois — resmungou ele,
aborrecido por ter sido ignorado por um gatinho.
Então ele a viu chegar.
E não acreditou no que viu.
Aquelas roupas não eram capazes de camuflar seu corpo
feminino. Conforme ela caminhava para mais perto ele podia ver
todas as curvas dela acentuadas pela roupa justa.
Ela estava vestida feito um dândi de melhor qualidade. As
calças bege com uma casaca vermelha que era um tanto mais longa
atrás de modo a cobrir bem sua derrière. As botas eram de ouro,
perfeitamente iguais às de um cavalheiro. Ela até mesmo usava
uma cartola masculina preta perfeitamente repousada nos cachos
de seu penteado e um chicote pendurado em seu pulso.
Isaac engoliu em seco, ela estava linda. A calça era justa o
bastante para ele ver todo o contorno de suas pernas e quadril, a
casaca evidenciava a cintura e o busto. E a forma como ela
caminhava mais expansivamente ao vestir calças a deixou muito
confiante. Extremamente sensual e elegante. A liberdade de não ter
um espartilho a comprimindo fazia sua cintura balançar no ritmo de
sua caminhada.
Quando enfim ela o encontrou, estava um tanto corada,
alisando o tecido vermelho vivo de suas roupas e sem saber o que
fazer com o chicote.
— E-Espero que não se incomode com minhas roupas...
Ele não estava nem um pouco incomodado. Price havia lhe
descrito a indumentária, mas ele não imaginava que o deixaria tão
hipnotizado pelas pernas dela. Havia visto aquelas pernas todos os
dias, despidas ao redor do corpo dele. Mas era uma situação nova,
era muito mais escandaloso uma mulher com calças justas do que
uma mulher com pouca roupa. Isaac conhecia o corpo da esposa e
conseguia visualizar tudo que estava sendo contornado pelo tecido,
sua imaginação ficava aflorada.
— Está... Um escândalo lindo.
Ela riu envergonhada e cochichou:
— Os lacaios me olharam como se eu fosse uma louca.
Agora ele queria cobrir os olhos dos malditos lacaios por terem
olhado os contornos de sua esposa.
— Espero que eles não tenham ficado olhando muito.
Julia riu acanhada, envolvendo-o com seus braços de modo a
beijá-lo.
— Lorde Winsford, está com ciúmes?
Claro que estava! E nunca havia sentido aquilo em sua vida. A
ideia de outros homens olhando para o corpo de Julia o enervava,
pensar que poderiam desejá-la apertava seu coração e o deixava
irado. Ao mesmo tempo que ela estava tão magnífica naquelas
roupas que queria que todos vissem como sua esposa era a mulher
mais bela das ilhas britânicas e foram todos uns idiotas por nunca
terem a notado.
Ele estava incluído naquele grupo por nunca ter visto a
delicadeza de Julia em meio ao mar de cores e plumas.
— Não consigo lidar com o fato de olharem para o seu lindo
traseiro nessas calças.
O rubor no rosto dela foi tanto que ele se orgulhou do feito. Mas
então ela riu e olhou por sobre o ombro, tentando ver o próprio
traseiro.
— Não dá nem para ver! A casaca cobre tudo, seu bobo.
Ele se inclinou para perto dela, sorrateiramente apertando-a
onde ela esperava estar coberta pela casaca.
— Mas eu já o vi várias vezes. E ele deve estar muito bonito
agora.
Julia o empurrou pelo ombro, bastante risonha e corada.
— Pare com isso ou vou jogá-lo nesse feno — sibilou ela,
apontando para a baia bastante enfezada.
O marido não se abalou nem um pouco com sua tentativa de
ser autoritária. E envolveu pela cintura com os dois braços,
puxando-a para perto de seu corpo antes de perguntar contra seu
ouvido:
— Para fazermos coisas indizíveis?
O rosto dela ganhou um tom novo de rosa. Mais um ponto para
ele, que anotou em seu caderninho mental. Havia algo de muito
satisfatório em fazer a esposa enrubescer.
— Não sou obrigada a responder a essa acusação.
Ele gargalhou, apoiando-se na porteira da baia da égua. O
animal olhou para ele, piscou e olhou para Julia. Se os cavalos
pudessem sorrir, a égua estaria sorrindo para a dona.
— Gostou dela? — perguntou Julia, aproximando-se da égua
para afagar seu longo pescoço — Pensei em chamá-la de Dianna.
Você gosta, garota?
A égua inclinou a cabeça contra Julia, que riu e deu um beijo no
pelo escuro dela.
— Parece que ela gostou — indicou Isaac, encantado com a
doçura da esposa.
— Ela é tão linda — Julia abriu a baia e deixou que Dianna
saísse. A égua não foi para longe dela, muito obediente — Espero
que ela se dê bem com Mallow. Mas que não tenham bebês.
— Ah, fique tranquila quanto a isso — Winsford seguiu até onde
Mallow estava ouvindo toda a conversa — Ele foi castrado.
As sobrancelhas claras dela se ergueram e Julia ficou na ponta
dos pés, tentando observar as partes menos dignas do animal do
outro lado da porteira. Quando viu que faltava uma dupla
importante, ela recuou surpresa e constrangida.
Winsford ficou um tanto chocado com aquela atitude, se Julia
ainda fosse uma mocinha inocente ele a teria impedido
imediatamente de olhar. E mesmo Julia já sendo versada em certos
aspectos da vida, não deveria olhar aquele tipo de coisa. A razão
principal pela qual as mulheres tinham apenas éguas era para que
não fossem expostas aos detalhes mais selvagens de um cavalo
macho, quase sempre chocantes para olhos inocentes. Mas Julia já
dissera que estava familiarizada com animais de fazenda e que
gostava de cavalos, deve ter visto todo tipo de comportamento
selvagem entre eles. E lá estava ela, de calças e olhando para a
falta de testículos do pobre Mallow.
Isaac quis rir. Nunca esperaria aquilo de Julia, o casamento só
lhe revelava os aspectos mais surpreendentes da esposa.
— Eu deveria fazer isso com Sir Jonas — comentou ela,
pensativa, enquanto voltava para Dianna e começava a celá-la —
Ele já deve ter engravidado Vivi, sabia? E vai engravidar as outras
gatas. Deus sabe bem que metade dos gatinhos em Mayfair são
filhos de Sir Jonas.
Isaac deu uma risada bem humorada. Seus gatos machos,
também, costumavam sair por aí e ter filhotes por todo canto. Mas
ele havia castrado todos, que era um feito muito simples para um
médico. Quanto às gatas, o doutor preferia não arriscar a vida delas.
— Não fala comigo, mas engravida as minhas gatas. Um
verdadeiro libertino.
— Ora, você não gosta do meu gato?
Ela estava com as mãos no quadril a meio caminho de terminar
de pôr as rédeas em Dianna.
Isaac prendeu o riso, certo que levaria uma bronca. Sir Jonas
não dava a mínima para ele.
— De maneira nenhuma, querida. Eu o adoro.
— Ele é um amorzinho. Dorme com você todos os dias.
Ele tinha quase certeza que na cabeça do gato ele estava
dormindo com Julia.
— Vamos castrá-lo — anunciou ela, terminando de preparar
Dianna — Mallow continua esperando por você.
O cavalo o olhava bem triste dentro de sua baia, o pobre estava
esperando que alguém o levasse para um passeio também.
Isaac preparou o cavalo em menos de cinco minutos e, quando
o levou para onde Julia e Dianna estavam, o animal recuou.
— O que foi, garoto?
Mallow balançou a cabeça e relinchou, encolhendo-se.
— Está com medo dela? — Isaac estava incrédulo. Mallow não
tinha medo dos cavalos escoceses e enormes que puxavam os
veículos dele, mas tinha da nova Srta. Dianna.
Julia gargalhou e deu batidinhas orgulhosas no pescoço de
Dianna. A égua era pura elegância, altiva e bonita. Não estava
dando a mínima para Mallow.
— Vai ter de me alcançar quando convencê-lo a andar.
E com isso, a esposa colocou um pé sobre o estribo e se
impulsionou para cima de Dianna com a graça de uma amazona
bem treinada, a altura da égua não foi de longe um empecilho. O
movimento das pernas ao se sentar se frente o deixou quente, as
coxas apertadas dentro da calça e repousadas no corpo do cavalo o
instigavam.
Meu Deus, como uma roupa havia mudado toda aura de sua
esposa. Ela parecia até mais alta e mais ereta. Ele não sabia se
queria arrancar a roupa dela e possuí-la ou se queria ficar olhando
para aquela escandalosa Julia.
E, enquanto ele mal respirava, Julia bateu com os calcanhares e
galopou rápido para os campos atrás da Mansão Ballard.
***
***
***
***
***
Price tinha uma lista, literalmente. Era enorme, duas folhas mais
precisamente, que ele sacudiu com entusiasmo ao voltar para o
galpão destinado às lagartas. Quatro fileiras longas de cestos em
cima de cestos repletos de folhas de amoreiras e muitas Gertrudes
se deliciando delas.
Logo no dia seguinte em que retornou a tecelagem, Isaac
contou as novidades para Price enquanto faziam sua caminhada
pela fábrica. O homem agradeceu a Deus e ao mundo pela vinda do
novo herdeiro, que ele alegava com unhas e dentes que seria um
menino muito saudável. O marquês continuava pensando na
hipotética Marceline de cabelos platinados, mas não estragaria a
felicidade do secretário que se ofereceu para lhe mostrar os nomes.
E lá estava Price, arrumando seus óculos e começando a
averiguar a lista.
— Samuel?
Isaac fez que não. Comum demais.
— Augustus?
estrangeiro demais.
— Christian?
Religioso demais.
— Elliot?
Com Lorde Vallance andando por aí no mesmo círculo social
que eles? Com certeza pensariam que o filho era dele. A alta-
sociedade adorava um escândalo envolvendo crianças ilegítimas.
— É o nome do marido da prima dela.
— Definitivamente, não — Price vasculhou a lista com mais
afinco — Que tal... Oliver?
Oliver soava jovial, alegre. O nome de um menino que teria
muitos amigos.
— Perguntarei a Julia o que ela acha desse nome. Se ela
permitir, Oliver será o próximo marquês.
O secretário guardou sua lista no bolso da casaca negra, dando
batidinhas amistosas no local.
— Será um menino lindo, o senhor verá. Logo de primeira.
— Eu gostaria muito que fosse uma menina.
Price levou a mão ao peito, ultrajado.
— Mas, Lorde Winsford, o herdeiro tem de ser o primogênito. É
muito mais respeitoso assim. Falarão muito bem da marquesa como
mãe.
Ele desconversou com um aceno, olhando curioso para uma
das cestas abarrotadas de folhas e pontinhos brancos. Às vezes as
pessoas falavam cada sandice e o pior é que, às vezes, ele
concordava.
Mas não daquela vez.
— Há muitos bebês para vir ainda — Isaac disse com um
sorriso, imaginando todos os filhos que teriam.
Ele estava muito feliz com a notícia da gravidez, mais do que
imaginou que ficaria. E olha que havia imaginado que ficaria bem
feliz. Pensar em uma casa cheia de crianças, todas feitas com amor.
Achava incrível a dádiva que um casal tinha de conceber bebês.
— Não posso ficar tanto tempo aqui — disse, voltando a
atenção para o secretário — Sabe como o trabalho é importante
para mim, era a única coisa a qual eu dedicava minha vida. Mas
agora há Julia e um bebê... Price, você tem que me mandar para
casa quando eu estiver muito focado no trabalho.
— O senhor nunca me obedece, mas eu farei o possível —
assegurou o secretário — Está tudo bem até agora, Lorde Winsford.
Ainda não ouvi reclamação sobre a nova linha de produção, embora
as moças novas tenham reclamado sobre a troca de função.
— Suponho que ainda estejam se acostumando com as
técnicas novas. Vou dar uma olhada nelas.
O galpão outrora recuperado das chamas agora dava lugar a
um extenso maquinário de tear nos mais variados estágios. Todos
ocupados por mulheres, cujas mãos pequenas agradavam não só a
Isaac como qualquer outro dono de uma fábrica qualquer. Dirigiu-se
ao grupo que trabalhava nas máquinas de tear, unindo os filamentos
finos do casulo para formar um fio de linha.
Observou uma moça morena não muito mais velha que Julia se
atrapalhar com o fio delicado que segurava. A fibra arrebentou e
Isaac sentiu uma pontada no próprio peito. Aquilo era dinheiro
arrebentando.
A operária parecia nervosa, tentando unir a ponta arrebentada à
outra extremidade da máquina de aviamento.
— Com licença.
Ela pulou de susto, mas permaneceu sentada. Sabia que não
deveria interromper o trabalho mesmo se o marquês em pessoa
estivesse ali.
— Milorde! Foi um acidente, eu juro.
— Como é seu nome?
Ela engoliu em seco, seus olhos começaram a marejar. Isaac se
remexeu incomodado com as lágrimas dela.
— O-Ophelia Smith, milorde.
Ele abriu um sorriso gentil. Pelo menos pensou que fosse,
porque Ophelia fungou baixinho. Seus dedos ainda tentavam
prender o fio na máquina e ele percebeu que a moça tinha curativos
no indicador e dedo médio das duas mãos. Devia tê-los furado
enquanto aprendia a usar a nova máquina.
— A senhorita machucou os dedos aqui?
— Isso não é importante, milorde — assegurou ela, esfregando
as mãos nas saias de tartan antes de voltar a tentar prender o fio.
— Não precisa chorar, Srta. Smith. Está tudo bem, tente outra
vez.
Ophelia anuiu, engolindo o choro de nervoso.
— A senhorita tem de ter mais cuidado com as mãos, Srta.
Smith — apontou ele — É um fio muito mais delicado que a lã, seus
curativos podem se prender a ele e fazê-lo arrebentar. A senhorita
estava no lanifício, não estava?
Ela assentiu, finalmente colocando o fio de volta na máquina e a
fazendo voltar a girar.
— Pronto — ele ficou ereto outra vez, olhando para a operária
sentada ao lado de Ophelia — Ajude-a da próxima vez, mesmo se
diminuir o seu ritmo. Uma hora ela aprenderá.
— Sim, milorde — assentiu a mulher, claramente mais velha
que a mirrada Ophelia.
Ele voltou sua atenção para a visão geral do galpão. As
mulheres eram lentas, ainda não estavam acostumadas às novas
funções e com a fragilidade do fio de seda. Ele também não estava
familiarizado com a maioria dos rostos. Podia não saber o nome de
suas operárias, mas conhecia os rostos de praticamente todas elas.
Voltou-se para Price.
— Lorde Winsford — o secretário começou — Será difícil
competir com as outras sericulturas em Cheshire. O condado tem
um histórico. Mesmo que o senhor tenha o domínio local do algodão
e da lã, há outras famílias que trabalham com a seda há trezentos
anos.
Ele estava ouvindo aquela ladainha já fazia quase um mês. Mas
havia traçado um plano perfeito naquele tempo. Logo as vantagens
penderiam para o lado Ballard da indústria têxtil local.
Puxou Price para longe das operárias.
— Sabe o que você pode fazer com isso, Price?
— Por favor, não me mande enfiar em locais inapropriados outra
vez.
— Não farei isso, mas deveria — resmungou Isaac — Contrate
algum rapazola para entrar numa dessas tecelagens, ver as quantas
andam. Pode se fingir de marido de alguém, filho de outro. Não sei.
As sobrancelhas negras de Price se ergueram.
— Um espião?
— Chame do que quiser, meu caro. Dependendo do caso,
podemos contratar os operários deles por um salário maior. Vemos
como são as condições de trabalho e dizemos que aqui é melhor, é
fácil convencer alguém com dinheiro e comida boa.
O secretário pareceu ponderar.
— Pode funcionar. Mas e se o rapaz der com a língua entre os
dentes?
— Ele não vai, vamos pagá-lo bem, pode oferecer dez libras —
ele deu batidinhas amistosas no ombro do homem — Fale para um
dos administradores anotar o nível de produção dessa semana.
Quero ver se elas melhoram. E faça o que eu disse, encontre um
rapaz confiável. Alguém das fazendas.
O secretário assentiu. Dez libras era um dinheiro muito bom,
qualquer um aceitaria. Aquilo era o valor anual que um fazendeiro
doméstico juntava.
— E se as moças não melhorarem?
— Terão de melhorar ou perderão os empregos — anunciou
para todas ouvirem, deixando o galpão um tanto aborrecido.
Quantos fios a Srta. Smith já havia arrebentado? Ou as outras
mulheres ali. Elas tinham de entender que a fibra vinha de um
casulo pequeno e, apesar de ter milhares de lagartas no galpão ao
lado, a quantidade era muito menor que o bando de ovelhas e as
plantações de algodão produziam. Nada poderia ser desperdiçado,
cada fio era importante para que um novelo ou uma bobina fossem
feitos. E aquilo gerava dinheiro, que não tornaria aquela empreitada
toda uma falha.
Ele não queria falhar. Não queria admitir que estava errado para
Price e a esposa. E espionagem entre indústrias era uma das coisas
mais comuns no ramo, só seria a primeira vez que tentaria algo do
tipo.
***
Querida prima,
Lamento ter demorado para dar minhas felicitações, estou
em Londres com Nick visitando a família dele. Soube que se
casou com Lorde Winsford, fico imensamente feliz com isso. O
marquês é um dos homens mais doces que já conheci e desejo
que vocês dois sejam muito felizes juntos. Na última vez que
nos vimos eu desejei que ele encontrasse alguém que o
amasse muito e espero que você seja essa pessoa.
Espero, também, que todos nós nos vejamos no Natal e
finalmente todos os novos bebês irão se conhecer. Escreva-me
mais, sinto saudades de você, Petúnia e Jane.
Com amor,
Tamsin
***
***
***
Devia haver uma razão para que Isaac fosse tão focado em
trabalhar, além dos motivos que ele hipotetizara. Uma razão que
Julia não compreendia. O homem frequentara uma universidade
diferente das dos demais aristocratas, não fora um rapaz lascivo,
nem tinha uma contagem grande de mulheres em seu histórico.
Julia tinha referências masculinas que não se encaixavam muito
naquilo e, por mais tola que sentisse ao pensar aquilo, tinha a ideia
de que todos os homens experimentavam a mesma juventude
libertina.
Alguém deveria ensinar as moças solteiras mais sobre os
homens. Ela lembraria de dizer às filhas que os cavalheiros devem
ser doces e respeitosos como o pai delas. Não que Julia quisesse
que seu marido tivesse sido um patife, mas ela queria compreender
porque ele não se permitia se divertir de uma forma saudável. Ele
mesmo dissera que gostava de festas e de conhecer novas
pessoas. Quando ela ainda o observava no canto dos salões de
baile, Julia o via ir embora antes de todos e deixar Londres antes da
temporada acabar. Era jovem, bonito, ele não precisava ganhar
cabelos grisalhos antes da hora.
Talvez fosse uma promessa ao pai, algo que os herdeiros
precisam fazer. Assim como ela tinha o dever de se casar com um
homem de ótimas referências de modo a garantir o sucesso das
irmãs mais novas, um herdeiro tinha seus deveres a cumprir.
Ela amanheceu curiosa, desde a noite passada, quando o
marido desconversou sobre um tal sócio. Julia não desconfiava que
Isaac estivesse a traindo, mas algo estranho estava acontecendo.
Ele podia se meter em algum problema com os operários e os
sindicalistas como quando a introdução das máquinas levou ao
incêndio criminoso.
Só não sabia o que esse problema poderia ser.
E ela também queria uma desculpa para ir à fábrica ver o
marido e conhecer mais as partes menos nobres que ele não
mostrava. E queria uma desculpa para cavalgar. Perguntara a
Gladys se ela podia cavalgar e a tia disse que, se cavalgasse como
uma mulher decente, nada de ruim aconteceria enquanto ela não
tivesse uma barriga muito grande. E por mulher decente Julia
entendeu uma que usava um lindo vestido e uma cela lateral.
Não gostou da resposta da tia então perguntou para a
cozinheira, que tinha dois filhos e uma filha, que tipo de atividades
ela podia manter no início da gravidez. A mulher respondeu a
mesma coisa, já que sabia que a marquesa cavalgava feito um
homem de modo bastante perigoso.
Derrotada, Julia pediu que o cavalariço preparasse a carruagem
para levá-la até a tecelagem. Estava se sentindo bem naquele dia,
tinha certeza que seu bebê estava germinando a todo vapor dentro
dela sem lhe causar nenhum enjoo.
Quando chegou à fábrica, foi recebida por Price assim que o
cocheiro abriu a porta da carruagem para ela descer. O secretário
se ofereceu para ajudá-la, bastante surpreso por vê-la ali.
— Minha digníssima Lady Winsford, que surpresa agradável —
o homem disse com um sorriso educado, soltando sua mão assim
que ela estava na segurança do chão — A senhora está uma graça
como sempre!
Julia agradeceu com um aceno de cabeça muito elegante.
— Faz décadas que eu não o vejo, Sr. Price. Como vão as
coisas?
— Muito bem, obrigado. Devo parabenizá-la pela gravidez,
madame, é um momento de muita alegria.
— Obrigada — ela resistiu ao impulso de tocar sua barriga
inexistente e segurou no braço de Price — Meu marido comentou
que o senhor tem uma lista de nomes.
O secretário riu enquanto passavam pelo arco alto da enorme
porta do prédio administrativo, sempre aberta para receber os
compradores.
— Sugeri alguns, sim. Lorde Winsford gostou do nome Oliver,
mas precisa de sua permissão primeiro.
— Oliver é um nome lindo — respondeu ela — Imagino um
menino muito bonito tendo um nome desse.
Os dois pararam no vasto vestíbulo do prédio de tijolos. As
bobinas ainda formavam um corredor, lindos mostruários para os
grandes compradores verem.
— Com todo o respeito, Lady Winsford, duvido que a senhora
seja capaz de produzir filhos feios.
Julia corou e abaixou o rosto um tanto risonha. Quando
percebeu que Price a levava na direção de onde ficava o escritório
de Isaac, ela o puxou levemente pelo braço.
— Gostaria de dar uma volta — ela abriu um sorriso muito doce
e inocente para o secretário — Até agora não conheci o restante da
fábrica, apenas o prédio administrativo. E o senhor me prometeu
uma tour.
Price assentiu, um tanto surpreso e relutante.
— Não posso conhecer o restante? — perguntou Julia — Não
creio que ver galpões com operários possa ferir minha honra. E,
como marquesa, tenho interesse em tudo que faz parte do
patrimônio da minha família. Posso ou não posso?
— Claro que pode, Lady Winsford — o homem riu e lhe
estendeu o braço outra vez — Onde quer ir primeiro?
— Aonde o senhor quiser me levar primeiro.
Price meneou a cabeça e indicou o caminho. Ambos
atravessaram o vestíbulo com seu corredor de bobinas, onde uma
porta dupla de madeira dava lugar a um corredor horizontal. De
onde ela estava, podia ir tanto para a esquerda quanto para a
direita. Na parede em frente a porta a primeira coisa que viam era o
brasão dos Ballard acima do nome da tecelagem e seu ano de
fundação. Pouco menos de cem anos, o que era pouco, da
perspectiva de Julia, para uma companhia bem estabelecida.
— A esquerda temos o lanifício — Price indicou um dos lados
do longo corredor — Todos os galpões ficam lado a lado, com a
linha de produção específica para cada estágio. A fiação e a
tecelagem. O mesmo acontece com o algodão, do outro lado, mas é
um processo diferente.
— Quero ver — ela sorriu, curiosa de ver a fibra de uma flor se
tornar linha e tecido — Podemos?
— Claro, madame — ele indicou o caminho para o lado direito.
As paredes de alvenaria logo deram espaço para janelas de
vidro altas que deixavam os galpões expostos.
— A fiação da fibra do algodão.
Ela olhou através do vidro três fileiras de máquinas de tear que
iam até o final do galpão e encostavam no teto. Todas conectadas
por algum tipo de fio que ela não identificou o material. Todas
giravam juntas, movidas a água e com o auxílio de alguma operária.
— Como funcionam essas máquinas? — perguntou, curiosa.
— Não faço a mínima ideia, Lady Winsford. Mas Lorde Winsford
adoraria explicar cada detalhe dessas geringonças, o marquês é
apaixonado por isso.
Julia assentiu. Sabia bem como ele gostava daquilo, o homem
deveria ter se tornado engenheiro e inventando as próprias
máquinas.
— É uma boa desculpa para ganhar a atenção do marquês —
disse Price, lançando uma piscadela a ela.
Julia riu sem muito humor. Até o secretário sabia que Isaac
podia ser um tanto ausente.
— Vamos entrar, quero ver de perto — disse, por fim —
Podemos entrar? Não vou atrapalhar?
— Nada desconcentra essas mulheres — assegurou o
secretário, abrindo a porta de madeira com um painel de vidro —
Por favor.
Ela entrou primeiro, o som do funcionamento das máquinas de
tear não era alto, mas a quantidade delas no ambiente transformava
tudo em uma cacofonia ritmada. Julia percebeu uma camada branca
cobrindo algumas partes do chão. Abaixo dos seus pés, fino e
felpudo. Eram pequeninas fibras de algodão, acumuladas no chão e
nas superfícies de um jeito que parecia uma poeira macia. Julia
esfregou o pé contra o piso e as viu voarem com facilidade.
Com certeza aquele tipo de coisa devia entrar pelo nariz e boca
e sabe-se lá o que faria com os operários.
Que na verdade eram operárias. Todas ocupadas pegando rolos
grandes de linha das máquinas e os colocando sobre carrinhos de
madeira. Enquanto que outras trabalhavam para manter as
máquinas funcionando, tendo de girar algo aqui ou ali. Encaixar um
cilindro para uma nova bobina. Empurrar um carrinho carregado até
o outro lado do galpão.
— Que curioso... Só há mulheres?
— Aqui dentro, sim — explicou Price — As mãos são pequenas
e delicadas. As mãos de um homem podem facilmente arrebentar
um fio, por isso eles ficam em outros departamentos.
Julia assentiu, olhando pensativa. Eram muitas mulheres, de
todas as idades. Exceto crianças, o que ela aprovou.
— São muitas pessoas — comentou — Onde moram? Não
podem morar muito longe, compromete a qualidade do trabalho.
Price riu, mas logo disfarçou tudo com uma tosse. Julia o olhou,
indagativa.
— A senhora tem uma mente muito empreendedora, Lady
Winsford.
— Bem... Eu sempre gostei de contabilidade. Li sobre todo o
funcionamento da fábrica em números, nos livros caixa. Agora estou
vendo pessoalmente.
— Um interesse incomum, minha lady — comentou Price —
Mas muito bem vindo, talvez Lorde Winsford ouça a senhora quando
der algum conselho. Porque a mim ele não escuta. Uma esposa tem
mais estima que um secretário.
Julia soltou um risinho baixo, negando com a cabeça.
— Darei o meu melhor, Sr. Price.
O homem agradeceu com um meneio muito elegante.
— Mas respondendo a sua primeira pergunta: Algumas famílias
moram na vila operária. Mas a maioria vive nos arredores de
Chester. Alguns têm família nas fazendas, gerações que vivem nas
terras dos Ballard.
A fábrica da família do marido devia fazer muito bem pela
economia de Cheshire.
— Suponho que pessoas de todo o condado sejam
contratadas?
Price assentiu um tanto dúbio.
— Não temos muitos funcionários como fábricas maiores,
apesar de Lorde Winsford ser referência na produção de algodão e
lã. Por vezes, a qualidade de um negócio de família enraizado é o
suficiente para a reputação. Não é preciso um complexo gigantesco
de galpões.
Julia aquiesceu. Já vira fábricas muito maiores em Londres.
Mas ela sabia que o marido tinha renome na indústria têxtil. Ela lera
todos os livros contábeis e registros do escritório de Isaac, que não
se importava que ela o fizesse.
— Quantas pessoas trabalham aqui?
O homem pareceu pensar.
— Umas quinhentas pessoas.
Ela ergueu as sobrancelhas. Era muita gente, ao seu ver.
— Uma noite no Almack's, suponho — Price observou.
Julia riu. Alguns salões londrinos ficavam abarrotados. Curiosa,
ela olhou para o empregado do marido.
— O senhor já foi ao Almack's?
Um homem comum como Price não deveria frequentar lugares
exclusivos em Londres.
— Ainda não tive o desprazer, Lady Winsford.
A marquesa gargalhou e rapidamente cobriu os lábios quando
viu algumas operárias olharem para ela por cima do ombro.
— Sou apenas um secretário, no final das contas — finalizou
Price, tocando o peito bastante pomposo — Em lugares como
Liverpool e Manchester há fábricas ainda maiores. E, se me permite
dizer, são repugnantes.
Ela o seguiu para o largo corredor outra vez.
— Por que acha isso?
— Estamos no meio do campo, longe dos centros mais
conurbados. Tenho a teoria de que o vento leva as impurezas das
chaminés, mantendo o ar campestre. Mas em Liverpool? Fica pela
cidade, pairando no ar. Com a evolução das máquinas as coisas
não param de crescer.
Julia conhecia aquele tipo de ar pesado, crescera em Londres.
Algumas partes da cidade eram até mais escuras e nubladas, ela
percebia mesmo dentro da segurança de uma carruagem bem
fechada. O porto na beira do Tâmisa, de acordo com David, era um
mundo à parte. Como uma dama de ótima estirpe, Julia nunca havia
frequentado aqueles lugares.
Não que a curiosidade aceitasse um não como resposta.
— Há outras tecelagens no condado? Isaac comentou que
Cheshire tem um histórico têxtil.
— De certo modo, sim — respondeu, pensativo — Mas são
pequenas, negócios de família e antigos. Focam geralmente na
produção de seda, alguns trabalham com linho. Então não são
concorrência diretamente. É como uma selva onde todos coexistem
em paz.
— Mas meu marido começou uma sericultura... — observou
Julia — Acha que ele pode competir com uma marca tradicional e
que existe há muito mais tempo?
Price deu um muxoxo e exalou, incerto.
— Lorde Winsford é muito teimoso, minha lady. Desde que me
contratou, quando o pai ainda era vivo, o marquês sempre tentava
convencer o falecido Lorde Winsford a ramificar a tecelagem para a
produção de seda. Diz que o futuro das indústrias é produzir muito e
em variedade.
Julia meneou com a cabeça.
— Ele gosta muito disso — respondeu ela — Nada tirará de sua
cabeça o desejo dele.
O secretário concordou com um aceno.
— Temos certeza de que o nome da família e a reputação da
tecelagem irão alavancar as vendas e Lorde Winsford voltará a
pensar em outros assuntos.
— Isso não irritaria os pequenos produtores outrora salvos por
serem os únicos sericultores?
Price exalou outra vez. Julia começou a se preocupar, juntando
todos os fatos.
O marido monopolizava o algodão e a lã, mas a seda ainda era
domínio das familiares que não se comparavam com o tamanho de
uma fábrica. Então ele havia decidido produzir seda, em seu modo
de produção em massa.
— Vamos torcer para que isso não cause nenhuma briga entre
magnatas — disse ela, com um sorriso gentil — Porque eu também
gostaria de ver o sucesso do negócio da minha família.
O marido apoiava seus desejos de cavalgar, correr e saltar. Não
reclamava de seus trajes masculinos. Havia mandado instalar um
circuito para ela treinar. O mínimo que ela queria fazer como
agradecimento era apoiar o marido no que ele queria. E, pensando
bem, Julia gostava de ter um marido bem sucedido. Se ele queria
ser um grande produtor de seda inglês, bem, ela não via a hora de
vestir-se com a seda de Isaac.
***
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***
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***
***
Quando Isaac chegou em um dos vastos campos de algodão, a
neve cobria o chão, o inverno havia despido as árvores por toda a
paisagem e os algodoeiros não davam flor desde o final do outono.
Não era a época para pragas, estava muito frio e o solo estava
muito duro.
Ficou agradecido por ver um pequeno grupo ao invés de uma
multidão de arrendatários curiosos. Não era a primeira vez que
lidava com alguma praga e sempre havia algum curioso querendo
ver o que acontecia. O que era natural, afinal, a renda de todos
dependiam do plantio e do gado. Não queriam que a praga se
alastrasse por vários hectares que não só davam lar aos
algodoeiros, como plantavam o alimento dos animais e dos
moradores.
Os campos de algodão ficavam mais afastados das casas e
construções que formavam os milhares de hectares dos Ballard.
Uma porção de mais ou menos vinte metros quadrados, no limite de
um dos campos, parecia estar em quarentena. Dois homens
colocavam lençóis sobre uma das fileiras de arbustos.
Isaac duvidava que aquilo fizesse uma praga parar, mas poderia
ajudar enquanto decidiam como se livrar do que estivesse atacando
os algodoeiros.
Ele cavalgou pela estrada que delimitava um dos hectares,
circundando o enorme retângulo com várias e várias fileiras de
algodão. Parou em uma edícula que os lavradores usavam para
comer e amarrou Mallow a uma das pilastras que segurava o
telhado.
Do outro lado da estrada, que não era mais larga que duas
carroças, estavam Price, um de seus administradores Heitor Griffin
e Ernie Chambers, um dos arrendatários mais velhos e fazendeiros
mais experientes. Isaac confiava em Chambers para manter o
plantio saudável sempre, o homem entendia da terra como se
tivesse nascido da própria.
— O que aconteceu, afinal? — perguntou o marquês assim que
foi de encontro com os três homens parados entre duas fileiras de
algodoeiros — Não estamos em época de praga.
Isaac olhou para os arbustos cujos botões - que eram poucos a
sobreviver no frio - ainda estavam fechados e verdes. Abaixou-se
para olhar melhor e viu alguns insetos andando sobre os botões,
criaturinhas escuras e pequenas. Tinham uma mandíbula longa e
afiada.
Já havia visto aquele inseto antes, não era a primeira vez. Mas
quando isso acontecia, semanas antes os fazendeiros identificavam
os buracos feitos pelo Bicudo-do-algodoeiro, as larvas ou os ovos.
Não havia nada daquilo em todos os botões que ele olhou, apenas
os besourinhos desgraçados começando a perfurar as maçãs do
algodoeiro.
— Apareceram da noite pro dia, milorde — Chambers anunciou,
a boina marrom espremida em uma das mãos enquanto a outra
bagunçava os fios grisalhos em sua cabeça — Juro pelos meus
netos.
Isaac olhou para Price. O secretário parecia desapontado, mas
não surpreso com a conclusão que ambos tiraram apenas com uma
troca de olhares.
— Alguém os jogou aqui, eles não aparecem no inverno —
disse o marquês, respirando fundo e olhando para a vastidão de
algodoeiros — Até onde vai?
— Até onde eles estão cobrindo com panos, milorde — o
fazendeiro indicou com o queixo — Uns trinta metros quadrados, no
máximo.
Isaac balançou a cabeça, esfregou o rosto com uma das mãos e
olhou para os besouros abaixo dele. Aquilo era represália de alguém
que ele espionou nos últimos sete meses. Provavelmente nunca
descobriria quem, mas só podia ser em Chester.
— As amoreiras, alguém viu algo de diferente nelas hoje? —
perguntou para Chambers.
— Os besouros estão só aqui, milorde.
— Talvez devêssemos queimar esse espaço, Lorde Winsford —
Griffin lamentou, puxando um caderno pequeno de couro de dentro
de sua casaca enquanto mantinha a pasta debaixo de um dos
braços — É um espaço de terra pequeno, não terá prejuízo, desde
que lidemos com isso rápidamente. Sr. Chambers disse que logo o
solo se recupera, as pragas estão somente nos botões.
— É o melhor, milorde — Chambers falou, recolocando a boina
— Não acredito que esses insetos vão sobreviver nesse clima, mas
é melhor não arriscar e matá-los logo com fogo. O solo está tão
congelado que não creio que uma queimada breve atrapalhe as
coisas.
Isaac olhou para o espaço que ocupavam, não era possível que
cada algodoeiro daqueles estivesse com besouros. E de onde
diabos alguém tiraria tantos de uma hora para outra?
Encomendando de algum entomologista lunático que os colecionava
aos montes?
Além de que era uma burrice sem tamanho, jogar praga em
algodoeiros que não floresciam no inverno. No frio que mataria os
insetos. Um ataque amador, mas que não o deixou menos irritado.
Estava perdendo a paciência. A frustração com sua sericultura o
estressava quase sempre, depois de finalmente se livrar da tensão
de mandar alguém espionar por ele. A vida era mais fácil quando
vivia com os estresses normais do algodão e da lã, um negócio
muito bem estabelecido e que lhe dava rios de dinheiro. Mas a
sericultura, seu sonho para a tecelagem, era quase um fiasco que
só lhe causava problemas.
Só queria ficar em casa e massagear os pés da esposa.
Mas a culpa era dele, afinal, fora ele quem começara com
aquela história toda. Tinha de lidar com as consequências de decidir
espionar a concorrência e iniciar um novo negócio desconhecido.
— E então, Lorde Winsford? — Price perguntou, quebrando o
silêncio.
— O que mais eu posso fazer? — ele soltou os braços,
impotente e irritado — Façam o que tiverem de fazer, entendem
mais disso do que eu. E perguntem a cada um aqui se viram alguém
estranho circulando. Até mesmo as crianças. Principalmente as
crianças, elas são muito observadoras. Sr. Chambers, fale com o
pessoal por aqui sobre isso.
— Como quiser, milorde.
— Griffin, ajude o Sr. Chambers e anote tudo o que ouvir. Faça
um registro de todos os algodoeiros afetados e providencie que a
neutralização da praga ocorra de forma segura e sem mais perdas.
Griffin assentiu, anotando tudo mentalmente como ele sempre
fazia. O homem jovem e de cachos castanhos pegou sua pasta e
indicou o caminho para Chambers. O fazendeiro e o administrador
passaram a contar e interrogar os homens e mulheres espalhados
pelos campos.
Isaac caminhou ao longo da estrada, observando os algodoeiros
mais atentamente.
— Alguma sugestão de quem poderia revidar assim, meu lorde?
— perguntou Price.
— Não faço a mínima ideia. Mas suponho que seja algum dos
produtores locais. Nós não causamos prejuízo a ninguém em
Liverpool e Manchester, só mandamos alguém para observar.
O secretário concordou com um meneio pensativo.
— Surrupiamos muitas das operárias por aqui, no final das
contas. Uma hora notariam. É mais sutil atacar uma plantação do
que suas ovelhas.
— Eu pensei que a essa altura estaríamos estabelecidos com a
sericultura para iniciar uma produção mais substancial — Isaac
resmungou, abaixando-se um pouco para ver um besouro se enfiar
dentro de um botão — Mas me enganei. É um processo
extremamente lento, acho que eu deveria ter ouvido meu pai. Ou ser
mais paciente.
Price lhe lançou um sorriso condolente e amigável. Como em
muitos de seus momentos de liberdade, o homem tocou o ombro de
Isaac e lhe deu um aperto firme.
— O mundo dos negócios é feito a base de tentativa e erro, meu
lorde. Mas não desista, a sericultura do senhor ainda é muito jovem.
— Tem razão, Price. Eu sei disso.
Price o acompanhou enquanto ele caminhava para onde
Chambers e dois rapazes conversavam de forma calorosamente
irritadiça. O fazendeiro dava ordens como um general,
provavelmente mandando os lavradores começarem os preparativos
para atear fogo nos algodoeiros afetados e tomarem certeza de que
a praga não estava se alastrando.
— O que o senhor fará se descobrirmos o mandante?
— Um pedido de paz? — ele riu sem muita graça — Não sei,
Price. Claramente não podemos passar o resto dos dias tentando
sabotar uns aos outros em nome da ganância. Talvez o sujeito tenha
uma proposta interessante.
— Acha que a menina grávida deu com a língua entre os
dentes?
A Srta. Walker era muito bondosa, Isaac duvidava que ela
cometeria o mesmo erro outra vez. Infelizmente Muriel perdera o
bebê aos três meses. Demorou mais cinco para se recuperar da
tristeza, consolando-se na promessa de cuidar da futura criança
Ballard.
— Duvido muito, ela adora Julia — respondeu Isaac — Não
faria mal algum à marquesa.
— Também duvido disso, meu lorde, para ser sincero.
Isaac tirou o relógio de seu bolso. Será que Julia estava bem?
— Posso resolver tudo em nome do senhor — disse Price ao
notar sua ansiedade — Agora que já deu as ordens, vou ficar de
olho no processo, ao longo da semana o senhor ficará a par de
tudo. Mais tarde vou até a Mansão Ballard e faço um relatório de
tudo que resolvemos por hoje. E me convido para o jantar dessa
noite.
— Você é muito abusado — ele riu, mas agradeceu com um
tapinha masculino nas costas do secretário — Julia ficará feliz de tê-
lo no jantar. As irmãs dela e a mãe vieram nos visitar.
Price agradeceu com um leve inclinar de cabeça.
— Uma mais encantadora que a outra, se me recordo do
casamento, meu lorde.
Eram sim. Mary era uma mulher muito alegre que o fazia
lembrar da própria mãe, Emanuelle era educada e agradável e
Laura era pura energia e juventude. Ele ainda queria conhecer os
meninos Thomas e Marcus, que escreviam para a irmã a cada duas
semanas. Pelas epístolas dos meninos, eles adoravam se enfiar em
problemas na escola, mas se safavam antes de descobrir que eram
eles os autores.
Ele fazia parte de uma família agora, sem contar que estava
prestes a ter o primeiro filho. Por mais que quisesse ficar ali,
averiguando cada algodoeiro por si só até ter certeza de que estava
tudo perfeito, era melhor voltar para casa.
— Ficarei no aguardo do seu relatório. E de sua companhia
para o jantar.
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Se Price um dia estivera só o caco, aquilo foi no passado -
que era horas atrás. O homem estava impecável como sempre, a
única diferença era um olhar cansado e a falta dos óculos.
Trouxera consigo um rolo de papel grande debaixo do braço
e, no rosto, um sorriso exausto.
— Meus parabéns pela pequena Lady Marceline, meu lorde.
— Lamento muito que você não tenha ganhado o seu tão
querido herdeiro, Price.
O secretário riu, balançou a cabeça e negou com um aceno.
— Meu senhor, eu daria minha vida por ela.
— Muito obrigado — Isaac lhe deu um forte aperto no ombro,
do tipo que significava um abraço que não podia ser dado — Você é
um bom amigo, Price.
Ele fez uma de suas reverências teatrais e exageradas. Tirou
o rolo de debaixo do braço e o abriu sobre a mesa do escritório. Era
uma planta do setor de produção da fábrica, onde todos os galpões
e a garagem estavam.
Isaac voltou para trás da madeira escura e analisou sua
fábrica de cima. Price se pôs a enumerar os estragos:
— O depósito das lagartas, o galpão de aviamento e o galpão
de xx foram todos tomados. As máquinas devem ser todas
descartadas e novas serão encomendadas de Londres. Perdemos a
maioria das bobinas de linha e de tecido tingido. Janelas precisam
ser recolocadas, o telhado de dois galpões sucumbiu, mas a
estrutura está intacta como da última vez.
Ele averiguou o espaço perdido, deu um longo suspiro e
sentou.
— Eu posso simplesmente desistir da seda, não posso?
As sobrancelhas de Price se ergueram sutilmente.
— Pode, mas... O senhor teimou tanto com todos. Podemos
arcar com as despesas para repor todo o material perdido.
— Não me importa mais, isso só me causou problemas.
Briguei com minha esposa, coloquei homens em risco. Até as
pobres operárias tendo de mudar de função por causa da minha
vaidade.
— Bem... — Price um longo suspiro, puxou uma das cadeiras
acolchoadas de frente para a mesa e fez o abuso de se sentar —
Fico feliz que tenha mudado de ideia, meu lorde. Às vezes
precisamos de uma boa lição da vida.
Isaac riu de si mesmo e concordou com um aceno demorado.
Olhou outra vez para a planta. Gastaria rios de dinheiro para limpar
tudo aquilo, mas estava tudo bem. A vida era maravilhosa, ele tinha
uma filha e uma esposa perfeitas. Suas operárias ficariam satisfeitas
assim que voltassem para as funções originais, ganhando o mesmo
salário e comendo da mesma comida. Seria tudo como antes, mas
melhor.
Seu pai estaria lhe dando uma bronca naquele momento por
ter gastado tanto dinheiro em um projeto que estava fadado à falha
desde o início. Mas Isaac era do tipo que aprendia errando, nunca
sem tentar. O mundo dos negócios não existia sem riscos.
Sentado ali em seu escritório, ponderava sobre as coisas
mais importantes em sua vida. Sua esposa, sua filha
pequenina, suas cunhadas tão encantadoras, sua sogra que
pareia tê-lo adotado. Ele tinha uma família, não tão grande
como a de todo mundo, mas ainda era a família dele. E nada
naquele mundo valeria mais que aquelas pessoas. A seda não
havia dado certo, mas ele ainda tinha todo o legado deixado
pelo seu pai para cuidar e estava feliz com aquilo.
— O Sr. Hillintong está cuidando dos gastos necessários para
os reparos — continuou Price, enrolando a planta — Os
administradores vão resolver tudo para o senhor, não se preocupo.
Quando tudo estiver limpo, o senhor pode ir lá dar uma olhada.
Deseja descobrir quem foi o mandante do crime?
Isaac fez que não, distraído enquanto mexia num trenzinho
inacabado que ele estava esculpindo e montando fazia algumas
semanas diante da possibilidade de ter um filho. Marcelina teria de
brincar com trenzinhos de corda, pelo visto.
— O recado já foi dado, não quero saber quem foi. Tenho
coisas mais importantes com que me preocupar.
Price assentiu com um aceno respeitoso, levantou-se e
colocou a planta debaixo do braço outra vez.
— O senhor precisa de mim para mais alguma coisa? Há
uma senhora modista em Chester que pensa que morri carbonizado.
O marquês riu e o dispensou com um aceno, vendo Price
deixar a sala com mais uma reverência antes de sumir das vistas
dele. Quando se viu sozinho percebeu o quão cansado estava. Seu
corpo todo estava doendo do esforço da noite anterior, sua cabeça
latejava e os olhos ardiam. O silêncio do escritório o fez pensar em
tudo que perdera, na ferida que aquele incêndio havia deixado
aberta em sua propriedade. Ele amava aquela tecelagem, era o seu
trabalho, onde dedicou anos de sua vida adulta. Um incêndio
criminoso o feria profundamente.
Todo o esforço, estresse e trabalho virou pó. Sua ambição
com a seda, reduzida a cinzas. A frustração era tão grande,
misturada com raiva e tristeza, que o fez querer chorar.
Mas ele não o faria. Era um homem orgulhoso e não chorava
por qualquer coisa. Mesmo sozinho, precisava ser forte para limpar
tudo aquilo e precisava ser forte para sua filha e esposa. Do choro
pueril ao choro adulto de Marceline, ele estaria ali para ela todos os
dias.
Para todos os filhos que Julia o presenteasse.
Mas para isso ele precisava se alimentar. A última coisa que
comera foi um copo de leite que Mary o forçou a beber durante o
parto para enganar seu estômago.
Deixaria que as cunhadas ficassem com Julia e Marceline,
enquanto isso, ele faria um banquete digno de guerreiros vikings.
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