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A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO

Henry James

RESUMO E ANÁLISE
A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO

VISÃO GERAL

Henry James publicou sua novela The Turn of the Screw (A Outra Volta do
Parafuso) em 1898. Embora o próprio James tenha chamado sua história de
fantasmas de potboiler (ou seja, uma obra de pouca qualidade feita às pressas apenas
para ganhar dinheiro), os críticos literários argumentam que ela é um estudo
complexo da psicologia do narrador.

RESUMO DO ENREDO

A novela começa com um prólogo, no qual um homem chamado Douglas apresenta


um manuscrito que planeja ler para um grupo de pessoas. Ele foi escrito por uma
governanta, que havia confiado o manuscrito a Douglas pouco antes de morrer.

Após o prólogo, a narrativa em primeira pessoa da governanta começa com sua


chegada a Bly, uma propriedade rural na Inglaterra. Com apenas 20 anos de idade,
ela conseguiu seu primeiro emprego como governanta de duas crianças órfãs, Miles e
Flora, que moram em Bly. O tio das crianças mora em Londres e é o tutor delas.
Quando a governanta fez a entrevista para o cargo com o belo tio, ela foi seduzida por
seus encantos, mas ele a orientou a assumir total responsabilidade pelas crianças e
nunca mais entrar em contato com ele. Embora a enorme responsabilidade a deixe
ansiosa, as preocupações da governanta são dissipadas quando ela conhece a
simpática caseira de Bly, a Sra. Grose, bem como seus jovens pupilos. De fato, Flora,
de 8 anos, e Miles, de 10, irradiam uma beleza e uma inocência tão extraordinárias
que a governanta conclui que eles nunca lhe causarão problemas.

Apesar do otimismo da governanta, uma série de eventos perturbadores ocorre,


começando com uma carta que chega da escola onde Miles está matriculado. A carta
informa que Miles foi expulso, sem qualquer explicação adicional. Alarmada, a
governanta pede ajuda à Sra. Grose, mas, juntas, elas não conseguem entender como
um garoto tão perfeito poderia cometer uma ofensa que merecesse essa dura
consequência. A governanta decide ignorar a carta por enquanto. Os dias passam
felizes, até que, em um anoitecer, enquanto passeia sozinha pelos jardins, a
governanta vê um homem estranho empoleirado em uma das torres de Bly. Ela fica
assustada, mas não conta a ninguém, até que vê o rosto do homem novamente,
espiando pela janela da sala de jantar. Depois que ele desaparece, ela compartilha
sua experiência chocante com a Sra. Grose e descreve a aparência do homem. A Sra.
Grose suspira e o identifica como Peter Quint, o camareiro do tio, que havia morrido
antes da chegada da governanta. Segundo a Sra. Grose, Quint era depravado e havia
corrompido a antiga governanta, a Srta. Jessel, que também havia morrido.
Enquanto estavam juntos em Bly, a dupla perversa era "livre" demais com Miles e
Flora.

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Certa tarde, enquanto estava sentada à beira do lago com Flora, a governanta viu a
aparição de uma mulher de preto e concluiu imediatamente que se tratava da Srta.
Jessel. Além disso, como Flora ignorou a aparição, a governanta se convence de que
as crianças estão se comunicando clandestinamente com os fantasmas. Após concluir
que Quint e a Srta. Jessel voltaram dos mortos para continuar a corromper as
crianças, a governanta decide proteger seus pupilos e salvar suas almas inocentes da
possessão dos demônios.
Ela confidencia tudo à Sra. Grose, e a caseira, atônita, promete apoiar a batalha da
governanta contra o mal.

Durante os meses de verão, a governanta vê os fantasmas apenas duas vezes, mas


percebe a marca da influência vil deles no comportamento das crianças,
especialmente no de Miles. Ela descobre o menino ao ar livre no meio da noite e,
embora ele finja querer provar que pode ser mau, ela supõe que ele estava
conspirando com Quint. Mais tarde, Miles exige saber quando voltará para a escola,
levando à tona a questão do que afinal havia acontecido lá, mas a governanta teme
enfrentar o assunto e permanece evasiva. Pouco tempo depois, Miles retoma seu
charme e convida a governanta a ouvir enquanto ele toca piano. A música a acalma
temporariamente, mas de repente ela percebe que Flora está desaparecida. Ela corre
para o lago com a Sra. Grose, certa de que a garota havia ido até lá para se comunicar
com o espírito da Srta Jessel. Assim que encontram Flora, a governanta vê a figura de
sua predecessora do outro lado do lago e pede a Flora e à Sra. Grose que confirmem a
visão. Enquanto a Sra. Grose olha, mas não vê a aparição, Flora faz uma careta
silenciosa e pede à Sra. Grose que a leve embora. A governanta admite que a alma de
Flora está, afinal, "perdida". Na manhã seguinte, a Sra. Grose parte com Flora,
deixando a governanta e Miles sozinhos em Bly.

Determinada a ter sucesso com Miles onde havia fracassado com Flora, a governanta
acredita que pode salvar a alma dele ao obter uma confissão sobre suas transgressões
na escola. Ela pergunta diretamente a ele sobre o assunto, mas antes que ele possa
responder, o rosto de Quint aparece novamente na janela. Virando Miles
rapidamente para ela, a governanta o pressiona para obter uma resposta até que ele
finalmente confessa que havia dito "coisas" aos colegas de classe. Ela fica feliz com
essa demonstração de lealdade a ela, considerando-a um repúdio a Quint, e abraça o
garoto, mas descobre que seu coração havia parado.

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RESUMO DO PRÓLOGO

A novela começa em uma véspera de Natal na última década do século XIX, cerca de
50 anos após os eventos da história principal. Em uma casa antiga, um grupo se
reuniu junto à lareira para contar histórias de fantasmas. Entre os participantes está
o narrador do prólogo, cuja identidade permanece desconhecida. A história de um
garoto assombrado por espíritos acaba de terminar e alguém comenta que essas
histórias raramente apresentam crianças. Isso faz com que um homem chamado
Douglas diga: "Se a criança dá ao fenômeno outra volta no parafuso, o que me diriam
de duas crianças?”. Na sala ecoam pedidos para ouvir a história. Embora Douglas
inicialmente tenha se recusado, dizendo: "É horrível demais", ele finalmente cede.
No entanto, ele não pode aliviar imediatamente o suspense de seu público, pois
precisa primeiro mandar buscar o manuscrito da história, que está em sua casa na
cidade.

O manuscrito, existente "em tinta velha e desbotada", foi escrito por uma mulher que
Douglas conheceu quando era estudante universitário, durante um feriado em casa.
Ela era a governanta de sua irmã e dez anos mais velha que Douglas, mas eles se
afeiçoaram um ao outro e passaram horas juntos, caminhando e conversando. Ela
acabou confidenciando a ele uma história sobre seu primeiro cargo como governanta,
que assumiu aos 20 anos de idade, depois de deixar o vilarejo onde cresceu como
filha de um pastor. Ao chegar a Londres, ela respondeu a um anúncio de emprego.
Quando se encontrou com seu possível empregador, descobriu que ele era um belo
cavalheiro, "uma figura que nunca havia aparecido diante dela, exceto em um
sonho". Ele estava procurando uma senhora para educar sua sobrinha e seu sobrinho
órfãos, que moravam em sua casa de campo, Bly. A governanta anterior morreu, e a
caseira, Sra. Grose, estava cuidando deles enquanto isso. Se ela aceitasse o cargo de
governanta, teria "autoridade suprema" sobre as crianças, mas "jamais deveria
incomodá-lo" ou contatá-lo sobre qualquer assunto. Embora ela tenha sentido algo
inquietante na proposta, o cavalheiro expressou tanta gratidão por ela e seus
encantos a seduziram tanto que ela aceitou, contra seu bom senso.

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RESUMO DO CAPÍTULO 1

A voz da governanta assume a narração no início deste capítulo, quando Douglas lê


em voz alta seu relato em primeira pessoa, e a novela termina sem retornar ao
narrador anterior.

A governanta fica ansiosa ao viajar de carruagem pelo campo para assumir seu papel
em Bly, mas suas dúvidas são aliviadas quando ela vê a extensa propriedade. De
dentro de grandes janelas voltadas para a estrada, criadas curiosas observam a nova
governanta descer da carruagem. A caseira, Sra. Grose (uma mulher mais velha), fica
na porta com uma das crianças que serão cuidadas pela governanta, uma linda
menina chamada Flora. Embora a governanta houvesse temido que ela e a caseira
não se dariam bem, a caseira pareceu tão feliz em vê-la que a governanta concluiu
que elas seriam boas amigas. Além disso, a beleza sobrenatural de Flora dissipa suas
dúvidas sobre sua própria capacidade de cuidar de crianças pequenas. Ela comenta
que "não poderia haver desconforto em relação a algo tão belo quanto a imagem
radiante da minha menininha". O irmão mais velho de Flora, Miles, de 10 anos,
estava naquele momento em um colégio interno, mas voltaria em dois dias para as
férias de verão. Depois que a Sra. Grose garante à governanta que Miles também é
tão angelical que ela ficará deslumbrada por ele, a governanta admite que havia sido
deslumbrada em Londres pelo tio do menino.

A governanta dedica o dia seguinte a conquistar o afeto de Flora enquanto elas


percorrem a propriedade juntas. Ela segue a garota por corredores, por aposentos
vazios e por escadas tortuosas, chegando, por fim, "ao topo de uma velha torre
quadrada munida de balestreiros". Ao escrever seu relato daquele dia anos mais
tarde, a governanta observa que se imaginou em um castelo romântico, mas logo
perceberia que "era uma casa grande, feia [...]" na qual ela tinha a impressão de
todos estavam "quase tão perdidos quanto os passageiros em um imenso navio à
deriva".

RESUMO DO CAPÍTULO 2

Na noite anterior ao retorno de Miles do internato, a governanta recebe uma carta do


diretor, que informa que Miles havia sido expulso sem qualquer explicação.
Alarmada com a ideia de que Miles se comportou mal, a governanta pede a opinião
da Sra. Grose sobre o assunto. A caseira fica indignada com a sugestão de que Miles
poderia se comportar de forma desonrosa e pede: "Veja-o, senhorita, primeiro.
Depois acredite". Embora essas palavras confortem a governanta, suas dúvidas sobre
o caráter de Miles voltam à tona mais tarde naquela noite. Ela interroga a Sra. Grose,
que admite que o menino foi travesso em algumas ocasiões. Quando a governanta
questiona se a má conduta de Miles é de um grau que infere que ele estivesse
corrompido, a caseira ri e pergunta: "Você tem medo que ele a corrompa?".

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Na manhã seguinte, dúvidas incômodas sobre a governanta anterior das crianças - e
as circunstâncias de sua morte - obrigam a governanta a procurar a Sra. Grose
novamente. A caseira compara a governanta com sua antecessora, dizendo que ela é
igualmente jovem e bonita e observando que "era assim que ele gostava que fossem
todas". Essas últimas palavras deixam a governanta perplexa, pois parecem se referir
não ao tio das crianças, mas a outro homem desconhecido. No entanto, ela ignora
esse comentário estranho, pois está ansiosa para saber sobre a morte de sua
antecessora. De acordo com a Sra. Grose, a antiga governanta deixou Bly para passar
umas férias curtas em casa, depois de um ano de serviço. Embora a Sra. Grose
esperasse que ela retornasse a Bly, ela nunca o fez. O tio das crianças acabou dando a
notícia da morte da jovem, mas não os detalhes.

RESUMO DO CAPÍTULO 3

Quando a governanta chega à parada da carruagem para buscar Miles, ele está
esperando por ela. Sua incrível beleza extingue qualquer dúvida sobre sua bondade, e
a governanta declara: "Eu o vi na hora, por fora e por dentro, com o grande brilho de
frescor, a mesma fragrância positiva de pureza, na qual eu tinha visto sua irmãzinha
desde o primeiro momento". Quando chegam novamente a Bly, a governanta já está
indignada com as acusações claramente falsas que se escondem por trás da carta do
diretor. Ela decide ignorar completamente a carta e não discutir seu conteúdo com
ninguém, inclusive Miles.

Os dias de verão passam rapidamente. Embora se espere que a governanta conduza


as lições diárias das crianças, muitos anos depois ela reflete: "Agora sinto que,
durante semanas, as lições devem ter sido mais minhas. Aprendi algo - no início,
certamente - que não havia sido um dos ensinamentos de minha pequena e sufocada
vida" como filha de um pastor. Ela aprende como o espaço e a liberdade são
estimulantes e como incentivam a imaginação. Todas as noites, depois que as
crianças estão na cama, a governanta desfruta do que ela chama de "minha própria
hora". Ela passeia pelos jardins, refletindo sobre quão bem ela havia atendido às
expectativas de seu patrão. Com emoção, ela se imagina encontrando-o de repente no
caminho e recebendo seu olhar de aprovação. Em um certo anoitecer, enquanto
estava perdida nesse devaneio habitual, a governanta se vira para a casa e vê um
homem no topo de uma das torres. Depois de acreditar momentaneamente que ele
era o homem de seus sonhos, materializado, a governanta percebe que ele não lhe é
familiar. O estranho a encara despudoradamente por algum tempo e depois
desaparece.

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ANÁLISE DO PRÓLOGO-CAPÍTULO 3

Quando A Outra Volta do Parafuso foi publicada pela primeira vez em 1898, e por
várias décadas depois, os resenhistas e críticos dispensaram qualquer consideração
sobre o Prólogo da novela, concentrando sua atenção na história da governanta,
conforme ela a conta. Críticos posteriores reconheceram que, além do valor dos
"fatos" que ele fornece, o Prólogo é rico em pistas sobre como os leitores devem
interpretar a história que se segue. Alguns críticos argumentaram que, desde seu
ambiente aconchegante até seu jogo exagerado de suspense, o Prólogo parodia as
convenções da narrativa e da ficção, sinalizando, assim, que o conto que está por vir
foi criado para cativar e emocionar sem levar em conta a realidade. Embora a novela
apresente elementos clássicos de histórias de fantasmas, ela também se envolve com
outras tradições narrativas. As convenções do romance gótico já estavam bem
estabelecidas no final do século XIX e, invariavelmente, incluíam uma velha mansão
em um local isolado no campo e uma atmosfera de pavor agourento. A governanta se
encontra em um cenário como esse em Bly. Imediatamente após ver o homem na
torre, a governanta se pergunta: "Haveria algum segredo em Bly - um mistério de
Udolpho ou um parente louco [...] mantido em um confinamento insuspeito?".
Assim, ela se imagina envolvida em um romance gótico, como Os Mistérios de
Udolpho (1794), de Ann Radcliffe, ou Jane Eyre (1847), de Charlotte Brontë.

Se alguns críticos argumentam que o Prólogo prepara o palco para o puro artifício e
entretenimento da "história de fantasmas" propriamente dita, outros afirmam que
ele funciona para desestabilizar a compreensão da história como sendo apenas uma
história de fantasmas ou apenas entretenimento. Esses críticos afirmam que a
narrativa principal não é confiável, tanto porque a incerteza assombra o relato da
governanta quanto porque vários deslocamentos narrativos afastam o leitor dos
eventos originais da história. A governanta não conta sua história no momento em
que ela acontece. Ela a registra como um livro de memórias anos, possivelmente
décadas, depois. Embora esse longo intervalo possa levantar dúvidas sobre a
exatidão de suas memórias, a governanta interrompe repetidamente sua narrativa
para sugerir que, com o benefício da retrospecção, ela agora entende sua experiência
mais claramente do que na época. No entanto, ao reconhecer formas alternativas de
perceber os eventos originais da história, a governanta pode obscurecer a verdade
mais do que esclarecê-la.

O prólogo em si acrescenta mais filtros à história da governanta. Ela confiou seu


manuscrito a Douglas - o estimado contador de histórias do Prólogo - pouco antes de
morrer. Douglas, por sua vez, entregou o manuscrito ao narrador não identificado do
Prólogo, cuja "transcrição exata [...] feita muito mais tarde" serve como texto da
novela. Assim, a história da governanta passou por várias iterações antes de se tornar
o livro nas mãos do leitor: A Outra Volta do Parafuso. Essa estrutura de narrativa
dentro de uma narrativa cria lacunas entre a história, os contadores de histórias e o
público da história e, portanto, convida - e até mesmo promove - a especulação sobre

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as omissões, evasões, repressões e distorções que podem confundir o texto. A novela
de James pode ser o que parece - uma fantástica história de fantasmas - ou pode ser
a manifestação de agendas e desejos ocultos.

Essas três primeiras seções também sugerem uma discrepância entre as aparências
inocentes e a realidade em relação a Miles, de 10 anos. Os ideais cristãos informam a
descrição que a governanta faz das duas crianças, refletindo sua educação como filha
de um pastor. Ela fica maravilhada com a "beleza angelical" de Flora, decidindo que
"não poderia haver desconforto em uma conexão com algo tão belo quanto a imagem
radiante" da garotinha. Da mesma forma, a governanta fica maravilhada com a
incrível beleza de Miles e afirma que ele tem "a mesma fragrância positiva de pureza,
na qual eu tinha visto sua irmãzinha desde o primeiro momento". Associando pura
inocência a essa beleza, a jovem governanta desacredita as insinuações do
mestre-escola sobre a maldade de Miles, mas seu “eu” mais velho - o narrador da
história - adverte que "era uma armadilha". A ambiguidade e a dúvida logo
confundirão as suposições fáceis sobre beleza, inocência, infância e corrupção.

RESUMO DO CAPÍTULO 4

Chocada, a governanta permanece imóvel por longos momentos, tentando entender


a presença do estranho na torre. Ela retorna à casa, ainda remoendo o mistério, e
encontra a Sra. Grose no saguão. O rosto da caseira é tão amigável que a governanta
decide não incomodá-la com a notícia de sua visão surpreendente e não diz nada a
respeito.
Ao observar discretamente os outros membros da casa nos dias seguintes, a
governanta conclui que ninguém mais sabe que um intruso de alguma forma teve
acesso à torre. O incidente é preocupação exclusiva dela, mas o "trabalho
encantador" de ensinar e cuidar de crianças tão adoráveis logo dissipa suas
preocupações persistentes. Miles, em particular, deslumbra a governanta com sua
beleza. Por meio de sua disposição gentil e inocente, ele torna absurdas as
insinuações do diretor contra ele. A governanta conclui que Miles era "fino e bonito
demais para o pequeno e horrendo mundo escolar impuro" e, assim, o diretor,
tomado pela inveja, o expulsa.

Em uma tarde de domingo, a governanta entra na sala de jantar vazia e pára


assustada. O estranho misterioso está do lado de fora da janela, encostando o rosto
no vidro. Embora esteja aterrorizada, um senso de dever obriga a governanta a correr
para fora e ao redor da casa para confrontar o homem. Mas ele havia desaparecido
sem deixar rastros. No momento em que a governanta se aproxima da janela e olha
para dentro, como o estranho fez, a Sra. Grose entra na sala de jantar. A caseira
empalidece de medo e, em seguida, também corre para fora, para o local onde a
governanta estava.

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RESUMO DO CAPÍTULO 5

Incapaz de esconder seu alarme, a governanta agora conta à Sra. Grose sobre o
intruso. Ela descreve o homem como "um horror", mas, a pedido da Sra. Grose,
fornece uma imagem mais detalhada: "Ele tem cabelos vermelhos, muito vermelhos,
bem encaracolados, e um rosto pálido, [...] e bigodes bastante estranhos que são tão
vermelhos quanto seus cabelos". Ao ouvir essa descrição, a Sra. Grose fica ruborizada
e diz que ela se encaixa em Peter Quint, que serviu como empregado pessoal do tio
das crianças quando este residia em Bly. Depois que o tio se mudou para Londres,
Quint permaneceu e ficou "no comando". A governanta pergunta o que aconteceu
com Quint, e a Sra. Grose declara: "O Sr. Quint morreu".

RESUMO DO CAPÍTULO 6

Ao perceber que viu um fantasma, a governanta fica momentaneamente paralisada


de medo. Depois de acalmar-se, ela e a Sra. Grose se retiram para a sala de aula para
discutir a situação. Embora a caseira nunca tenha testemunhado a aparição - e,
aparentemente, nem qualquer outra pessoa que vivia em Bly -, ela não duvida do
testemunho da governanta. Elas discutem as horríveis revelações da noite e se
comprometem a "suportar as coisas juntas". A meia-noite se aproxima, mas antes
que as mulheres se retirem, a governanta compartilha sua convicção de que Peter
Quint está procurando Miles. A Sra. Grose faz objeções, pois as implicações da ideia
são monstruosas demais, mas depois admite que Quint "gostava de brincar com ele"
e "tomava muitas liberdades" com o garoto e com todos os outros. Por temer a
retaliação de Quint, a Sra. Grose nunca relatou seu comportamento indecoroso ao
empregador em Londres. Quint continuou com suas perversidades sem controle por
vários meses, até que, em uma noite de inverno, sofreu uma queda fatal no gelo após
uma bebedeira no bar público.

Certa de que veria Quint novamente, a governanta encontra coragem em sua


determinação de proteger as crianças a todo custo, decidindo desviar a atenção de
Quint de seus protegidos oferecendo-se "como uma vítima expiatória". Seu
estratagema lhe dá um senso de propósito e até mesmo prazer. Ela imagina que
haveria uma grandeza em deixar seu ato heróico de autossacrifício ser percebido e
admirado pela pessoa certa, ou seja, o tio das crianças.

Em uma tarde, a governanta e Flora vão até ao lago sem Miles. Enquanto Flora
brinca perto da água, a governanta volta sua atenção para seu trabalho de bordado,
mas logo percebe que alguém as está observando do outro lado do lago. A governanta
olha fixamente para seu trabalho, com medo de levantar os olhos, mas finalmente
consegue olhar para Flora. A garota está construindo um barco de costas para o lago.
Por alguns instantes, a governanta fixa os olhos em Flora enquanto ela reúne
coragem, depois direciona seu olhar para o outro lado do lago.

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RESUMO DO CAPÍTULO 7

Depois disso, a governanta procura a Sra. Grose para compartilhar seu desespero e
sua recém-descoberta compreensão de um horror ainda maior: Flora está bem ciente
da aparição horripilante e não quer que a governanta saiba disso. A governanta
explica que outro fantasma apareceu para elas no lago, mas dessa vez "uma mulher
de preto, pálida e terrível". O fantasma fixou seu olhar terrível em Flora, sinalizando
claramente seu desejo de "tomá-la". O fato de Flora conhecer e aceitar as intenções
da mulher fantasmagórica é, como diz a governanta, "monstruoso demais".

A governanta não havia chegado a conhecer sua antecessora, a Srta. Jessel, mas tem
certeza de que o espírito no lago era o da antiga governanta. A Sra. Grose admite que
a Srta. Jessel ficou mal-afamada por sua ligação com Peter Quint. Embora fosse uma
dama, ela permitiu que Quint a rebaixasse com sua depravação, e eles "faziam o que
[...] desejavam" um com o outro. Quando a governanta sugere que a devassidão da
Srta. Jessel pode ter ocasionado sua partida - e até mesmo sua morte -, a Sra. Grose
permanece evasiva, mas concorda que a situação era terrível. A governanta é
dominada por um sentimento de derrota e chora ao dizer que não pode "salvar ou
proteger" as crianças, pois elas já estão corrompidas.

RESUMO DO CAPÍTULO 8

Mais tarde naquela noite, a governanta e a Sra. Grose se reúnem na sala de aula para
conversar sobre os acontecimentos do dia. A governanta reafirma sua convicção de
que Flora percebeu a presença da Srta. Jessel no lago, estava em "comunhão" com o
diabólico e havia feito disso um hábito. Embora a Sra. Grose não mostrasse sinais de
duvidar de seu relato, a governanta ressalta que, se ela tivesse fabricado todo o caso,
não poderia ter produzido descrições que correspondessem às de Peter Quint e da
Srta. Jessel.

A análise minuciosa da governanta sobre sua experiência no lago a prepara para fazer
à caseira uma pergunta que a assombra: "O que você tinha em mente quando, [...]
antes de Miles voltar, [...] me disse não poder afirmar que ele jamais fizera algo de
mal?". A Sra. Grose revela que, quando Quint estava em Bly, Miles era seu
companheiro constante por vários meses. Mesmo depois que a caseira repreendeu o
garoto por se relacionar com um reles empregado, ele continuou a desaparecer com
Quint por horas e depois mentiu sobre isso. Além disso, Miles despudoradamente
disse à Sra. Grose que, se Quint era um reles empregado, ela também o era. A Srta.
Jessel, por sua vez, não fez nada para impedir as farras de Miles com Quint, pois isso
permitiu que ela ficasse sozinha com Flora.

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ANÁLISE DOS CAPÍTULOS 4 A 8

Esse grupo de capítulos demonstra a confusão que a governanta faz entre beleza e
inocência, introduzindo a influência corruptora da sexualidade. Mais uma vez, o
relato da governanta soa com tons cristãos. Se as crianças de Bly se parecem com
Adão e Eva como inocentes no Jardim do Éden, então Quint é o ator de má-fé que
polui a pureza delas ao revelar um inominável conhecimento carnal. Os estudiosos de
James observaram que a aparência de Quint o codifica como maligno, especialmente
seu cabelo vermelho, que é uma característica comumente associada a Satanás. A
governanta abraça corajosamente seu papel de guardiã da inocência. Chamada para
"salvar" as crianças do pecado, ela se compromete com um autossacrifício
semelhante ao do Messias "aceitando, convidando" o mal sobre si mesma e "servindo
como uma vítima expiatória". No capítulo 7, entretanto, a governanta se desespera
com o fato de Flora estar perdida, condenada. Como seu protótipo bíblico (Eva),
Flora é uma participante voluntária de sua própria corrupção, aceitando as atenções
dos demônios mal-intencionados.

Durante várias décadas após a primeira publicação de A Outra Volta do Parafuso, os


leitores geralmente a entendiam como uma história de fantasmas com uma figura
salvadora que, com a coragem de suas convicções cristãs, se opõe às forças malignas
que atacam as almas das crianças. A publicação do ensaio de Edmund Wilson, The
Ambiguity of Henry James (1934), alterou essa leitura estabelecida e lançou o
pensamento crítico sobre a novela em uma nova direção. Informado pelas teorias de
Sigmund Freud sobre a sexualidade e o subconsciente, o ensaio de Wilson argumenta
que a governanta sofre de histeria sexual, um distúrbio psicológico que induz suas
alucinações sobre Quint e a Srta. Jessel. A Outra Volta do Parafuso não é, portanto,
uma história de fantasmas, mas um estudo da neurose psicossexual da governanta.
Criada em um vicariato, a jovem governanta é sexualmente inexperiente e, além
disso, internalizou a proibição religiosa e vitoriana contra os desejos corporais. Sua
atração pelo patrão a coloca em um dilema moral e, de acordo com a teoria
freudiana, ela reprime seu desejo sexual, levando-o para o subconsciente.
Notavelmente, ela está no jardim, fantasiando sobre um encontro casual (embora
totalmente inocente) com seu empregador, quando vê Quint pela primeira vez. O
olhar direto dele, repleto de insinuações sexuais, a incomoda, e ele se empoleira em
uma torre, um símbolo claramente fálico, de acordo com a lógica freudiana. Nessa
interpretação da novela, a governanta é uma narradora não confiável; as
ambiguidades e repressões que se espalham por sua história obscurecem tanto suas
origens quanto - como ficará mais evidente - seu significado.

A duplicação, como mecanismo literário, ocorre no Capítulo 4 e se repetirá em


capítulos futuros, servindo como um motivo que ilustra a psique dividida da
governanta. Depois que a governanta vê Peter Quint do lado de fora da janela da sala
de jantar, ela sai correndo para confrontá-lo, mas encontra o espaço diante da janela
vazio. Ela reflete: "Percebi, confusamente, que deveria me colocar no lugar onde ele

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estava. Foi o que fiz; encostei meu rosto na vidraça e olhei, como ele havia olhado,
para dentro da sala". Quando a Sra. Grose entra no quarto e fica vermelha de medo, a
governanta assume efetivamente o papel de Peter Quint e se torna o que ela teme.
Por meio dessa duplicação, a narrativa identifica a governanta com os fantasmas,
sugerindo que eles podem ser projeções de suas apreensões sexuais subconscientes.
Entretanto, logo após essa segunda aparição de Quint, a governanta se distancia das
aparições e de seus propósitos. Ela diz à Sra. Grose que Quint "estava procurando
pelo pequeno Miles. [...] Era isso que ele estava procurando". Ela não consegue
explicar como chegou a essa conclusão, deixando em aberto a possibilidade de estar
deslocando seus próprios desejos sexuais reprimidos para os fantasmas e as crianças.

RESUMO DO CAPÍTULO 9

A governanta aceita que seu único curso de ação é observar as crianças em busca de
sinais reveladores e esperar pelo próximo incidente. Ela se preocupa com a
possibilidade de as crianças perceberem uma mudança nela, mesmo quando o
próprio comportamento encantador delas se torna visivelmente exagerado. Mais
ansiosos do que nunca para agradá-la e entretê-la, eles ficam continuamente
"contando histórias, encenando charadas, vestindo disfarces, [...] e, acima de tudo,
surpreendendo-a" com sua esperteza. A governanta permite que a doçura deles
acalme seus medos, sabendo muito bem que seu alívio do pavor não durará muito.

Ao longo da história, a governanta destaca seu papel de narradora, como faz agora
quando admite: "Descobri que realmente me retraio; mas preciso dar meu mergulho
horrível" e continuar "o registro do que foi horrível em Bly". Assim, ela revisita a
noite em que, enquanto lia à luz de velas enquanto o resto de Bly dormia, sucumbiu a
um impulso irresistível de sair de seu quarto. Com a vela na mão, ela passa pela cama
de Flora, posicionada perto da sua, sai do quarto e se aproxima da grande janela
perto da escada. Assim que a vela se apaga, ela percebe uma figura subindo as
escadas. Ela sabe que é Quint, mas não sente terror e o encara com uma ousadia
inesperada. Por longos momentos, eles se olham em silêncio e, em seguida, como se
o próprio silêncio fosse "um atestado da força [... da governanta]", o espectro de
Quint desce a escada e desaparece.

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RESUMO DO CAPÍTULO 10

Quando a governanta finalmente retorna ao seu quarto, ela se detém ao ver a cama
vazia de Flora. No entanto, seu alarme diminui rapidamente quando Flora sai de trás
da cortina e repreende a governanta por deixá-la sozinha à noite. Incapaz de se
explicar, a governanta pergunta se Flora viu alguém enquanto olhava pela janela. A
menina nega, mas a Governanta tem certeza de que ela está mentindo.

Essa noite é a primeira de muitas durante as quais a governanta permanece


acordada, atenta e, ocasionalmente, sai de seu quarto para examinar a escada.
Embora nunca mais veja Quint na casa, ela espia uma mulher sentada na escada de
baixo em uma noite. A governanta sabe que se trata da Srta. Jessel, mas a figura
desaparece na escuridão sem revelar seu rosto.

Depois de mais de uma semana de vigílias noturnas, a governanta cede ao sono, mas
acorda à uma hora da manhã. Flora está novamente na janela e, convencida de que a
garota está se comunicando com alguém no gramado, a governanta sai do quarto sem
ser notada. Um cálculo rápido lhe garante que uma janela na torre proporcionará a
mesma vista que a janela de seu próprio quarto. Ela se dirige à câmara e abre as
cortinas. À luz da lua, ela vê uma pequena figura e fica desalentada ao perceber que é
Miles. Ele está olhando atentamente em direção à governanta, mas acima dela, não
deixando dúvidas de que "havia uma pessoa na torre".

RESUMO DO CAPÍTULO 11

Na tarde seguinte, a governanta convence a caseira a se juntar a ela no terraço.


Enquanto ela desabafa mais uma vez com a Sra. Grose, as crianças passeiam
harmoniosamente juntas no gramado, à vista das mulheres. A Sra. Grose, como
sempre, recebe o relato da governanta sem ceticismo. No entanto, ela continua a ver
nas crianças "nada além de beleza e amabilidade", mesmo quando permite que a
governanta faça "dela um receptáculo de coisas sinistras" sobre elas.

A governanta conduz Sra. Grose pelos eventos angustiantes da noite anterior,


descrevendo como Miles foi até ela assim que chegou ao gramado e como eles
voltaram para o quarto dele sem trocar uma palavra. Com a cabeça girando com
inúmeras perguntas, ela finalmente perguntou a Miles por que ele saía à noite. Ele
sorriu e disse que queria mostrar a ela que podia ser mau, "para variar". Quando ela
questionou como ele poderia confiar que ela o veria, Miles disse que havia instruído
Flora a ir até a janela, perturbando assim o sono da governanta e fazendo com que
ela olhasse para fora e o visse.

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RESUMO DO CAPÍTULO 12

Como a Sra. Grose responde à sua narrativa com menos consternação do que ela
pareceria merecer, a governanta acrescenta mais um detalhe que, segundo ela,
"realmente resolve a questão". Pouco antes de sair de seu quarto, Miles lhe disse:
"Pense, você sabe, o que eu poderia fazer!". Essas palavras aludiram às transgressões
do garoto na escola e, antes disso, com Peter Quint. Olhando para Miles e Flora no
gramado, a governanta declara que, embora pareçam estar lendo um livro juntos, na
verdade estão falando sobre Quint e a Srta. Jessel. As crianças parecem
anormalmente belas e boas, mas isso é uma farsa fantástica que esconde sua
verdadeira lealdade à dupla depravada que as ensinou a praticar a maldade. Quando
a governanta conclui que Quint e a Srta. Jessel "querem pegá-las", a caseira,
perplexa, pergunta: "Mas para quê?". A governanta tem uma resposta pronta: "Por
amor a todo o mal que, naqueles dias terríveis, a dupla colocou neles. E para
continuar a alimentá-los com esse mal, para manter o trabalho dos demônios".

A governanta continua, declarando que o objetivo final de Quint e Jessel é destruir as


crianças. Até esse ponto, as aparições se apresentaram sempre à distância - "no topo
de torres [...] na borda mais distante dos lagos". No entanto, elas estão determinadas
a se aproximar cada vez mais das crianças, para tentá-las e fazê-las "perecer na
tentativa" de se aproximarem. Essa perspectiva é terrível demais para a Sra. Grose,
que decide que elas devem alertar o tio das crianças sobre a situação. A governanta
discorda. Ela se comprometeu a não incomodar o tio e não quer colocar em risco a
boa opinião que ele tem dela.

RESUMO DO CAPÍTULO 13

As semanas passam e a governanta sente que ela e seus pupilos chegaram a um


acordo tácito de que certos assuntos são tabus. Se, no decorrer de suas lições ou em
uma conversa divertida, elas se aproximarem de um desses assuntos, elas
abruptamente desviam a discussão para outra direção. As crianças nunca disseram
uma palavra sobre sua antiga preceptora, mas envolvem sua atual preceptora com
perguntas intermináveis sobre ela mesma, seu passado e a aldeia onde cresceu.

O verão dá lugar ao outono sem que os espectros de Quint ou da Srta. Jessel


apareçam novamente diante da governanta. No entanto, a libertação dessas visões
gera mais ansiedade do que alívio, pois ela prefere enfrentar o mal de olhos abertos.
Ela sabe que Quint e a Srta. Jessel ainda estão à espreita em seu meio e que as
crianças podem vê-los e se comunicar com eles. Embora sem enxergar os demônios,
a governanta detecta a chegada deles pela chegada de uma sensação de "quietude,
uma pausa na vida" que se torna aparente mesmo quando ela e seus pupilos estão
ocupados com atividades. A partida dos espíritos também é claramente marcada.

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Nesse momento, as crianças de repente enchem a governanta de beijos e começam a
falar sobre o tio.

ANÁLISE DOS CAPÍTULOS 9 A 13

A narrativa da governanta é retrospectiva, olhando para trás, para si mesma e para


suas experiências em Bly anos antes. Como a governanta está tanto fora quanto
dentro da moldura espaço-temporal de sua história, surge uma visão dupla, na qual a
narradora transmite a perspectiva de seu "eu" mais jovem juntamente com o ponto
de vista mais "objetivo" de um observador distante. Assim, a governanta que escreve
o manuscrito se posiciona como uma autora onisciente, e seu "eu" mais jovem como
a heroína de um romance gótico. Em consonância com o tom de pavor generalizado
que permeia as obras góticas, a governanta como autora ocasionalmente prenuncia a
desgraça, assim como a governanta mais jovem expressa alegria. Assim, durante seus
primeiros dias em Bly, a jovem preceptora se maravilha: "Não era apenas um livro de
histórias sobre o qual eu havia adormecido e sonhado?", após o que a
preceptora-autora conclui: "Não; era uma casa grande e feia [...], [...] na qual eu
tinha a fantasia de estarmos quase tão perdidos quanto um punhado de passageiros
em um grande navio à deriva". No Capítulo 9, a governanta desempenha seu papel
autoral de forma ainda mais evidente, declarando: "Acho que realmente estou me
segurando, mas tenho de dar meu horrível mergulho". Com essas
autorrepresentações discursivas, a governanta - que, ironicamente, não tem nome -
constrói simultaneamente sua identidade como heroína gótica e como autora no
controle de seu próprio destino.

Se esses capítulos começam com as crianças se superando para agradar a governanta,


no Capítulo 10, Miles se sente inclinado a organizar uma pequena insurreição. Como
ele é um garoto de 10 anos, sua rebelião contra a autoridade pode muito bem ser
explicada por causas naturais. Mas a governanta interpreta seu mau comportamento
como uma confirmação de que forças sobrenaturais o estão corrompendo. Além
disso, ela diz à Sra. Grose que a "beleza sublime das crianças, sua bondade
absolutamente antinatural [...] é uma política e uma fraude". A própria beleza que a
governanta elogiava como prova da pureza das crianças é agora, segundo ela,
evidência de seu profundo corrompimento. Embora a governanta nunca declare
explicitamente a natureza desse corrompimento, ela insinua que Quint e a Srta.
Jessel introduziram as crianças na sexualidade. Notavelmente, aos 10 anos de idade,
Miles está no limiar da puberdade. Independentemente de as aparições serem reais
ou não, a governanta as investe com o horror que sente em relação às relações
sexuais, e sua campanha para salvar Miles de Quint é, sem dúvida, seu repúdio à
sexualidade em desenvolvimento do garoto.

A ambiguidade continua abundante na história. As conversas entre a governanta e a


Sra. Grose são exercícios de discrição, hesitação, inferência e insinuação. Juntas, as
mulheres abordam o delicado assunto das "liberdades" de Quint com a Srta. Jessel e

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as crianças, mas evitam detalhar as transgressões às quais fazem alusão. Quanto às
aparições de Quint e da Srta. Jessel, elas oscilam entre a presença e a ausência - entre
a realidade e a ilusão -, principalmente depois que a governanta aparentemente
perde seu poder de clarividência para vê-las. Embora ela diga que a estranha
sensação de quietude no ambiente agora a avisa quando os demônios estão
presentes, essa afirmação é muito tênue para não levantar dúvidas.

RESUMO DO CAPÍTULO 14

Os membros da mansão Bly estão caminhando para a igreja em uma manhã fresca de
domingo. A Sra. Grose segura a mão de Flora e, um pouco atrás deles, a governanta
caminha com Miles. Sem aviso prévio, Miles lhe diz: "Olhe aqui, minha querida, [...]
quando vou voltar para a escola, por favor?". Há muito tempo a governanta teme
essa pergunta, e ela a faz parar. Antes que a governanta possa responder, Miles
observa que um sujeito como ele precisa da companhia de seu próprio sexo. Ele
então a desafia a dizer que ele não tem sido bom, o que ela faz, lembrando-o da noite
no gramado. Encarando essa indiscrição, Miles diz que foi apenas para mostrar que
ele pode ser ruim, mas, garante a ela, ele é capaz de coisas muito piores. Com essa
ameaça pairando entre eles, Miles pergunta novamente quando ele voltará para a
escola. A governanta hesita, oferecendo respostas evasivas, até que Miles pergunta se
o tio sabe que ele não está na escola. Quando ela murmura que o tio realmente não se
importa, Miles diz que ele mesmo fará uma petição ao seu tutor e entra na igreja.

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RESUMO DO CAPÍTULO 15

A governanta permanece no pátio da igreja, sentada em uma lápide, ponderando


suas opções. Embora houvesse ocasionalmente se debatido a respeito do significado
da carta do diretor, até então ela a havia descartado como absurda. A governanta
agora admite que teme descobrir "os horrores reunidos por trás" da expulsão de
Miles da escola, mesmo sabendo que Miles tem razão em exigir que ela resolva "o
mistério dessa interrupção" de seus estudos. Ocorre-lhe que ela pode fazer as malas e
desaparecer antes que os demais voltem da igreja.

No momento em que a governanta entra no corredor vazio de Bly, ela já decidiu ir


embora. A questão de como conseguirá transporte a desespera, e ela afunda na base
da escada. Percebendo como sua própria figura caída na escada espelha a da mulher
fantasma que ela viu de cima uma noite, a governanta se levanta e se dirige à sala de
aula para pegar suas coisas. Ela pára dentro da sala e vê o mesmo fantasma - a Srta.
Jessel - sentado em sua mesa, vestindo preto e com uma aparência trágica. O espírito
se levanta e se dirige à governanta com um olhar que parece "dizer que seu direito de
se sentar à minha mesa era tão bom quanto o meu de me sentar à sua". Em seguida,
o fantasma desaparece, e a governanta decide ficar.

RESUMO DO CAPÍTULO 16

No final daquela tarde, a governanta procura a Sra. Grose em seus aposentos.


Embora ninguém tenha questionado sua ausência da igreja, a governanta explica que
foi surpreendida pela figura da Srta. Jessel, que comunicou seu sofrimento e não
deixou dúvidas de que "ela quer Flora". A Sra. Grose reage com alarme, e a
governanta lhe garante que escreverá para o tio das crianças e revelará tudo.
Expandindo suas razões para isso, a governanta declara que "agora está tudo
resolvido" entre Miles e ela sobre a questão da escola. O garoto está confiante em sua
vantagem sobre ela, pois acredita que ela tem medo de entrar em contato com o tio,
mas ela mostrará a ele o contrário. Ela planeja contar ao tio que Miles foi expulso
"por maldade". Por que mais - quando ele é tão inteligente, bonito e perfeito? [...] Ele
é requintado - portanto, só poderia ser isso".

RESUMO DO CAPÍTULO 17

A governanta se senta para escrever a carta naquela noite, enquanto a chuva e o


vento batem na janela de seu quarto. Em pouco tempo, ela se rende ao desejo de
verificar como está Miles e vai até a porta dele, que estava fechada. Ela não ouve
nada no quarto do menino até que a voz dele diz: "Eu digo, você aí - entre". Quando a
governanta se aproxima da cama de Miles, segurando a vela no alto, ele lhe dá um
sorriso encantador e diz que estava acordado, pensando, e que ouviu os passos dela.
Quando ela pergunta sobre o que ele estava pensando, ele volta a falar sobre a escola.
A governanta garante a Miles que ele voltará, talvez para uma escola diferente, mas

20
então observa a estranheza de ele nunca ter falado sobre seus dias de escola. Como
ele nunca havia mencionado a escola, ela supôs que ele estava satisfeito em
permanecer em Bly.

Mesmo mantendo um ar de serenidade, Miles se torna mais obstinado, dizendo que a


governanta deve chamar seu tio a Bly para lhe dizer que ela administrou mal os
estudos do garoto. A governanta, que também está ficando animada, ressalta que, se
envolverem o tio, Miles terá de revelar por que a escola não o deixa voltar. De
repente, tomada de pena do garoto, a governanta o abraça, pedindo que ele seja
sincero com ela. Ele diz que gostaria que ela "o deixasse em paz", mas ela não
consegue mais se conter. Ela pergunta de forma incisiva o que aconteceu em sua
escola e até mesmo antes de ele ir para a escola. Quando ela cai ao lado dele, gritando
que quer salvá-lo, há "uma explosão e um frio extraordinários, uma rajada de ar
congelado e um tremor na sala". Miles grita e o quarto fica escuro. Recuperando o
juízo, a governanta observa que sua vela se apagou, ao que Miles responde: "Fui eu
quem a soprou!".

RESUMO DO CAPÍTULO 18

Na manhã seguinte, a governanta acena com a cabeça quando a Sra. Grose pergunta
se ela escreveu para o tio das crianças, mas ela não admite que não enviou a carta. As
crianças a surpreendem com seu brilhantismo durante as aulas da manhã e, depois
do almoço, Miles a convida para ouvir enquanto ele toca piano na sala de aula. A
música é tão envolvente que a governanta imagina ter adormecido, mas depois se
levanta com um sobressalto. Ela se esqueceu de Flora e não faz ideia de onde a garota
está. Deixando para trás Miles, que começou a cantar, a governanta corre para o
quarto da Sra. Grose, certa de que a garota está com ela. Mas ela não está. Depois de
constatar que Flora não está em nenhum lugar da casa, a governanta tem certeza de
que ela está com a Srta. Jessel. Ela diz à caseira que Miles a distraiu deliberadamente
para permitir que sua irmã saísse sem ser notada. Ao sair correndo pela porta, a
governanta deixa sua carta sobre a mesa, para ser postada. A Sra. Grose fica na porta,
relutante em se aventurar no tempo cinzento, mas depois segue a governanta para
procurar Flora.

ANÁLISE DOS CAPÍTULOS 14 A 18

O capítulo 14 marca um ponto de virada no relacionamento entre a governanta e


Miles. O menino já havia demonstrado sinais de um espírito independente, mas
durante a caminhada até a igreja, ele desafia totalmente a autoridade da governanta.
Mesmo antes de Miles falar, a governanta observa como suas roupas registram o
poder e a autoridade que são, de fato, prerrogativas masculinas: "Vestido para o
domingo pelo alfaiate de seu tio, que tinha uma mão livre e uma noção [...] de seu ar
grandioso, o título de independência de Miles, os direitos de seu sexo e situação,
estavam [...] estampados nele". Enquanto Miles tem direito à independência e ao

21
poder devido ao seu "sexo e situação", a governanta não tem, pelos mesmos motivos.
Como uma mulher inglesa na era vitoriana, seu direito à independência já havia sido
restringido; mas como filha de um pároco pobre, a governanta não pode reivindicar
independência ou autoridade verdadeira. Assim, ela se atrapalha quando Miles faz
valer sua vontade, admitindo que "se sentiu impotente". O garoto declara seu desejo
de voltar à escola e mantém o comando da conversa que se segue, deixando a
governanta derrotada sentada em uma lápide.

Imediatamente após seu confronto com Miles, a governanta decide deixar seu cargo
em Bly. Esse é um desvio significativo de sua decisão anterior de proteger as crianças
e merece alguma atenção. Os críticos argumentam que a governanta se apega
excessivamente às crianças, principalmente a Miles. Sua ânsia de derrotar Quint,
portanto, deriva menos de um desejo de libertá-lo da influência de Quint do que de
um desejo de possuir o menino. Se a governanta havia se convencido de que Miles
estava satisfeito em passar seus dias com ela, ele desmente essa ideia fora da igreja
ao insinuar que a companhia dela é insatisfatória. Além disso, se a governanta se
imaginou como a heroína de um romance gótico - e substituiu Miles por seu tio no
papel do herói arrojado -, Miles, ao afirmar sua autoridade, efetivamente se apodera
da função de autoria dela. Com sua fantasia gótica interrompida, a governanta decide
deixar Bly. Antes de partir, ela se vê sentada na escada de uma maneira notavelmente
semelhante à do espectro da Srta. Jessel e, em seguida, descobre a mulher fantasma
sentada em sua própria mesa. Em ambos os casos, a governanta se vê em sua
predecessora, portanto, quando ela se dirige à Srta. Jessel como "sua pobre mulher
miserável", provavelmente está falando de si mesma.

Disciplinada por sua religião e pela cultura vitoriana a ver a sexualidade como
pecaminosa e o desejo sexual feminino, em particular, como antinatural, a
governanta não consegue falar diretamente sobre o assunto. Ela se agrada ao
imaginar a admiração de seu patrão, mas sentir desejo por ele a deixaria horrorizada,
obrigando-a a reprimir tais sentimentos. Independentemente de o espírito da Srta.
Jessel ser real, a desonra que a governanta atribui à sua antecessora pode refletir sua
própria culpa pelos sentimentos que nutre pelo patrão e, possivelmente, por Miles.
Como a governanta não consegue reconhecer a sexualidade, mesmo quando registra
suas experiências décadas depois, ela assombra sua narrativa como uma ansiedade
ambígua, até mesmo um pavor. Assim, quando Miles diz do lado de fora da igreja:
"Você sabe, minha querida, que para um sujeito estar sempre com uma dama", a
governanta "[tenta] rir" da insinuação dele, mas consegue apenas um efeito "feio e
estranho". Mais tarde, ela é atraída para a cabeceira da cama dele durante a noite. O
que se segue é uma conversa em que a enormidade do que permanecia não dito é tão
grande que leva a governanta a finalmente perguntar a Miles o que aconteceu na
escola. A resposta dele é impedida por forças paranormais ou pela própria psique da
governanta, que se defende de verdades inadmissíveis e indizíveis lançando "um
sopro e um frio extraordinários, uma rajada de ar congelado e um tremor no quarto".

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RESUMO DO CAPÍTULO 19

Certa de que Flora desejou voltar ao local onde a Srta. Jessel apareceu, a governanta
se dirige diretamente ao lago. Não há sinal de Flora, além do local vago onde o
barquinho deveria estar ancorado. Concluindo que Flora atravessou a água a remo, a
governanta se dirige ao longo do perímetro coberto de vegetação do lago, com a Sra.
Grose em seu encalço. Elas descobrem o barco amarrado a uma cerca velha e passam
pelo portão no momento em que Flora emerge de uma moita. Ela permanece imóvel,
sorrindo, enquanto as mulheres se aproximam silenciosamente dela. Sem dizer uma
palavra, a Sra. Grose abraça a criança e pega sua mão enquanto a governanta a
observa. Flora finalmente fala, perguntando onde Miles está. A governanta reage a
essas palavras "como o brilho de uma lâmina desembainhada" e responde
impulsivamente: "Eu lhe direi se você me disser - [...] onde está a Srta. Jessel, meu
amor?".

RESUMO DO CAPÍTULO 20

Quando a governanta pronuncia o nome que sempre permaneceu sem ser dito, a Sra.
Grose grita e o rosto de Flora se contrai em um olhar fixo. A governanta, então,
suspira e aponta para o outro lado do lago, onde a aparição da Srta. Jessel se
materializou. Ela se volta para Flora triunfante, aliviada com essa prova visível de
suas alegações, mas a menina apenas a olha com desânimo. Determinada a obter o
reconhecimento de Flora, a governanta grita para ela: "Ela está lá, sua infeliz - lá, lá,
lá, e você sabe disso tão bem quanto sabe de mim!". Flora olha friamente para a
governanta, que, em seguida, pede a confirmação da Sra. Grose. Quando a caseira
olha fixamente para a margem oposta, indicando que não vê nada de importante, a
governanta se dá conta de sua própria situação desesperadora.

Mesmo quando a aparição continua "tão grande quanto um fogo ardente" aos olhos
da governanta, a Sra. Grose assegura a Flora que "é tudo um mero engano, uma
preocupação e uma piada". Flora, que de repente parece "quase feia", chama a
governanta de cruel e implora à Sra. Grose que a leve embora. Balançando a cabeça,
a governanta supõe que perdeu Flora porque ela tentou interferir nos desígnios do
demônio sobre a menina. Ela diz a elas para irem embora e, quando elas
desaparecem, ela afunda no chão em desespero. A noite está caindo quando a
governanta finalmente se levanta e volta para Bly. Ela se isola na sala de aula até as
oito horas, quando Miles aparece. Ele se senta com ela em silêncio pelas duas horas
seguintes.

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RESUMO DO CAPÍTULO 21

A Sra. Grose acorda a governanta antes do nascer do sol. Flora passou a noite com a
caseira e, depois de horas de sonhos agitados, a garota agora está febril. Ao saber que
Flora deseja nunca mais vê-la, a governanta diz à Sra. Grose para levar Flora para a
casa do tio. A governanta tem "uma nova esperança" após a companhia silenciosa de
seu pupilo mais velho na noite anterior. Ela acredita que Miles quer lhe contar tudo -
e esteve perto de fazê-lo na noite passada - mas precisa de mais tempo. Ela diz à Sra.
Grose que dois dias a sós com Miles devem ser suficientes, e "ele estará do meu lado".

Sra. Grose concorda com o plano da governanta e admite que Flora falou mal da
governanta durante toda a noite, usando linguagem chula, incompatível com “uma
dama". Como Flora só poderia ter aprendido essas palavras horríveis com os
próprios demônios, a caseira acredita plenamente que forças malignas estão
atacando as crianças. Momentaneamente aliviada por ter um aliado, a governanta
então se lembra com desgosto da carta que enviou a Londres. A Sra. Grose lhe diz
que a carta desapareceu e suspeita que Miles a tenha roubado. Essa notícia só reforça
a determinação da governanta de ficar a sós com Miles, e ela pede à Sra. Grose que
parta rapidamente com Flora.

RESUMO DO CAPÍTULO 22

Depois que a Sra. Grose parte com Flora, a governanta passa por um momento de
ansiedade, com medo de enfrentar sua situação sozinha. Miles deixou de fingir que é
seu aluno e havia saído de casa "para dar um passeio" logo após tomar café da manhã
com a irmã e a Sra. Grose. Ele não retorna até o anoitecer, quando se junta à
governanta na sala de jantar, já que ela havia decidido dispensar a prática de comer
na sala de aula. Suas primeiras palavras são sobre Flora e sua aparente saúde
debilitada. Depois que a governanta comenta que a doença da menina não é grave,
mas "poderia ter se tornado grave se ela tivesse ficado", os dois terminam a refeição
em silêncio.

RESUMO DO CAPÍTULO 23

Quando a mesa estava limpa e os criados saíram da sala de jantar, Miles se levanta
para espiar pela janela - a mesma janela pela qual a governanta viu Peter Quint
espiando. Miles parece procurar por algo que não consegue ver, e a governanta
percebe "com uma pontada de esperança" que ele perdeu o poder de perceber "os
outros", ou seja, as aparições. Voltando à governanta, Miles diz que gostou de sua
longa caminhada, mas se preocupa com a possibilidade de a governanta ter se
sentido solitária. Ela garante a Miles que permanece em Bly para ajudá-lo no que for
possível. Abandonando a cautela, ela diz que ele também pode ajudá-la,
contando-lhe tudo. Quando Miles reage com uma expressão dolorosa, a governanta
sente "um horror perverso pelo que [ela] estava fazendo [...], pois em que consistia

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aquilo senão na intrusão da ideia de grosseria e culpa em uma pequena criatura
indefesa [...]?". Miles concorda em revelar tudo mais tarde. No entanto, antes de sair
da sala de jantar, a governanta pergunta se ele roubou a carta dela.

RESUMO DO CAPÍTULO 24

Enquanto a pergunta da governanta ainda paira no ar, o rosto de Peter Quint aparece
na janela. A governanta dá um pulo e segura Miles em seus braços para evitar que ele
se vire e veja aquele "rosto de danação". Com uma voz distante, Miles admite que
pegou a carta. Radiante com o fato de o menino ter confiado a ela essa confissão, a
governanta o segura com mais força e olha desafiadoramente para a aparição do lado
de fora da janela. Ela tem certeza de que Miles não pode mais ver ou se comunicar
com Quint, embora ele soubesse que ele estava em presença mas não sabia de quê, e
muito menos sabia que a governanta sabia. Ela sente uma onda de triunfo quando o
rosto de Quint desaparece.

Encorajada por seu sucesso, a governanta pergunta se Miles foi expulso da escola por
roubo. O garoto expressa surpresa e, em seguida, diz que a escola o expulsou por
coisas que ele disse a vários outros garotos. Depois que ele admite que essas coisas
eram "ruins demais" para o diretor da escola escrever em sua carta, a governanta
grita: "O que foram essas coisas?". Sua exigência aparentemente invoca o espectro
infernal de Quint, cujo rosto reaparece na janela. A governanta puxa Miles para si
novamente e grita "Não mais!" para o fantasma, revelando assim a presença do
demônio. Perplexo, Miles se pergunta se "é ele" e então, branco de raiva, exclama:
"Peter Quint - seu demônio!". Quando a governanta garante a Miles que ele está livre
da influência de Quint para sempre, o garoto solta um grito horrível. A figura
espectral desaparece, deixando a governanta sozinha com Miles, cujo "pequeno
coração, despojado, havia parado".

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ANÁLISE DOS CAPÍTULOS 19 A 24

A novela termina sem resolver a questão da existência dos fantasmas. Eles são reais,
e a governanta está competindo com espíritos malignos para salvar a alma das
crianças? Ou a governanta está tendo alucinações e os fantasmas são projeções de
seus próprios desejos sexuais reprimidos? Ambas as interpretações explicam
igualmente bem os eventos dos capítulos finais. Quando Flora desaparece, a
governanta acredita que ela foi ao lago para se comunicar novamente com a Srta.
Jessel e, de fato, elas encontram a garota lá. Nem Flora nem a Sra. Grose veem a
figura da ex-governanta aparecendo do outro lado do lago, mas talvez a caseira não
tenha os poderes de clarividência necessários e talvez a garota, realmente
corrompida, esteja mentindo. Como alternativa, Flora e Sra. Grose podem não ver a
aparição porque ela não está lá. A governanta está sofrendo de delírios psicossexuais
desencadeados por desejos que ela não consegue aceitar. Se a aparição for um reflexo
dos desejos subconscientes da governanta, o lago, com sua superfície reflexiva, pode
simbolizar um espelho no qual a governanta vislumbra sua própria culpa e pavor.

No final, a ambiguidade também impede um cálculo conclusivo de inocência e culpa


na narrativa. Embora a governanta acredite que os fantasmas são reais, ela
ocasionalmente fica sujeita a dúvidas, que convidam à suspeita insustentável de que
ela está "louca". Ela recebe a visão da Srta. Jessel do outro lado do lago com "uma
emoção de alegria", imaginando-a como prova perante testemunhas de que ela "não
era cruel nem louca". Mas como a caseira e Flora falham como testemunhas, o júri
ainda não decidiu: Os demônios estão realmente tentando possuir a alma das
crianças? Ou a governanta é culpada por atormentar as crianças inocentes com
alucinações do mal que corre solto em Bly? Quando Miles admite, no último capítulo,
que "disse coisas" na escola, seu crime confessado parece tão benigno que a
governanta se pergunta rapidamente se ele "talvez seja inocente". Essa possibilidade
a deixa alarmada, pois ela pensa: "se ele fosse inocente, o que seria de mim?". Se for
esse o caso, então a própria governanta é a infeliz cujas autoilusões expulsam Flora
de sua casa e Miles de sua morte. Se espíritos malévolos estiverem realmente
atacando as crianças, então a governanta é, como ela acredita, a heroína inocente da
história.

Tanto como uma jovem mulher quanto como uma mulher mais velha escrevendo um
livro de memórias, a governanta se esforça para criar uma identidade para si mesma.
Sua falta de um nome que não seja "a governanta" registra o pouco valor dado à sua
individualidade como mulher pobre na Inglaterra vitoriana. O cargo que ela assume
em Bly lhe oferece a oportunidade de criar algo de si mesma, mesmo que apenas em
sua imaginação. A mansão em si lembra "um castelo de romance", e o "mestre" - ou o
tio das crianças - investiu-a de autoridade total sobre os acontecimentos nesse
pequeno reino. Embora a governanta admita que "foi levada a Londres" pelos
encantos do mestre, Miles logo substitui o tio como objeto de sua afeição e até
mesmo obsessão. Ela se preocupa em ter Miles só para si, como se ele e ela fossem o

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senhor e a senhora de Bly. De fato, depois que a Sra. Grose e Flora partem, a
governanta manda servir o jantar com Miles não na sala de aula, como de costume,
mas na sala de jantar, onde ela os imagina "como um jovem casal que, em sua viagem
de núpcias, [...] se sente tímido na presença do garçom". Se a governanta ousou
imaginar um futuro para si mesma como uma personagem importante em Bly, seu
triunfo sobre Quint no capítulo final parece garantir seu sonho. No entanto, quando
ela abraça Miles, dizendo: "Você agora é meu", ele morre, extinguindo assim a
identidade que a governanta imaginou para si mesma. Anos mais tarde, ela recupera
uma identidade nobre ao escrever uma narrativa que a apresenta como a heroína que
enfrenta corajosamente o mal para salvar as almas (se não as vidas) das crianças.

ANÁLISE DAS PERSONAGENS

A GOVERNANTA

A governanta, cujo nome nunca é revelado, é a narradora em primeira pessoa da


história principal da novela. Os detalhes de sua vida anterior ao cargo de governanta
em Bly são fornecidos em grande parte no prólogo de sua história, por um
personagem chamado Douglas. Ele se tornou um bom amigo da governanta quando
era estudante universitário, e ela era a governanta de sua irmã. Ela acabou
confidenciando a ele um relato chocante de seu primeiro compromisso como
governanta, que mais tarde registrou em um manuscrito que deu a ele antes de
morrer.

De acordo com Douglas, a governanta era "a mais jovem de várias filhas de um
pastor pobre do interior". Devido aos infortúnios financeiros de sua família, ela foi
para Londres aos 20 anos de idade e foi entrevistada por um cavalheiro "na Harley
Street", que precisava de uma governanta para seu sobrinho e sobrinha órfãos. A
governanta sentiu uma atração desconhecida por esse cavalheiro. Como Douglas
explica, ele era "um solteirão no auge da vida, uma figura que nunca havia surgido,
exceto em um sonho ou em um romance antigo, diante de uma garota ansiosa e
esvoaçante de um vicariato de Hampshire". Para essa "moça ansiosa" e inexperiente,
o cargo que o cavalheiro procura ocupar parece assustador: As crianças moram em
sua isolada casa de campo, Bly, e "a jovem que se tornasse governanta teria
autoridade suprema", com a ajuda apenas de uma caseira e de algumas outras
pessoas, e "ela nunca deveria incomodá-lo" sobre qualquer assunto. Apesar de suas
reservas, a governanta aceita o cargo, principalmente porque deseja agradar o
cavalheiro.

A narrativa da governanta, que ela escreve anos depois, começa quando ela chega a
Bly. Ela está nervosa e cheia de dúvidas, mas a elegância da propriedade a
impressiona, fazendo-a sentir-se "um pouco orgulhosa". A extraordinária beleza das
crianças aumenta ainda mais sua confiança. Embora a perspectiva de supervisionar
as crianças a tenha preocupado, a governanta conclui que "não poderia haver

28
desconforto em uma conexão com algo tão belo quanto a imagem radiante" de seus
jovens pupilos. Os encantos de suas circunstâncias, juntamente com um
recém-descoberto senso de autoridade, incentivam a governanta a imaginar que
tinha tido grande sorte. Ela também fantasia com seu empregador, ansiando pelo
reconhecimento de seus méritos.

Olhando para trás depois de muitos anos, a governanta escreve: "Oh, foi uma
armadilha - [...] para minha imaginação, para minha delicadeza, talvez para minha
vaidade; para o que quer que fosse mais excitável em mim". Independentemente do
motivo pelo qual ela foi inicialmente tão seduzida, a governanta logo percebe forças
malignas em Bly. Como explicar essa percepção depende de sua própria pergunta
sobre "o que havia de mais excitável" nela. Alguns leitores vêem a piedade da
governanta como o que mais governa sua reação à situação. O fato de ela conseguir
ver as aparições malignas enquanto outros não conseguem é um testemunho de sua
pureza e virtude. O mal que persegue as crianças é real, e a cruzada da governanta
para salvar suas almas demonstra seu crescimento de uma garota ansiosa para uma
mulher corajosa. Outros leitores argumentam que o que é mais excitante na
governanta é sua sexualidade emergente, que primeiro é associada ao seu
empregador e, mais tarde, a Miles. Devido à sua formação cultural e religiosa, ela
reage aos seus desejos com horror e, para resolver esse conflito psíquico, reprime
seus sentimentos. No entanto, o horror e a culpa continuam à espreita em seu
subconsciente, manifestando-se nas alucinações das aparições sexualmente
desviantes. A governanta é, portanto, psicologicamente instável, e sua perspectiva
narrativa não é confiável.

A SRA. GROSE

No prólogo que precede a narrativa da governanta, Douglas apresenta a Sra. Grose, a


caseira de Bly, como uma "excelente mulher" que cuida das crianças enquanto
aguarda a chegada de uma nova governanta. O personagem da Sra. Grose que surge
na história principal é, em grande parte, uma construção da própria governanta, pois
ela fornece a narrativa a partir de sua perspectiva. Refletindo sobre o primeiro
encontro com a caseira, a governanta escreve: "Desde o primeiro momento, eu
percebi que deveria me dar bem com a Sra. Grose". Ela imediatamente considera a
mulher mais velha como uma companheira confiável e, quando surgem problemas,
solicita seu apoio como confidente. A Sra. Grose é uma mulher respeitável que
estremece ao se lembrar da devassidão de Quint, e a governanta recorre a ela várias
vezes para compartilhar os horrores das aparições que encontra.

Apesar de sua confiança na simpatia da caseira, a governanta considera a Sra. Grose


sua inferior em termos de classe e inteligência. Quando a caseira se recusa a olhar a
carta do diretor, a governanta observa: "Minha conselheira não sabia ler! Estremeci
com meu erro". A compreensão lenta que a Sra. Grose tem das situações muitas vezes
exaspera a governanta, e ela frequentemente interrompe a mulher mais velha para

29
orientar seus pensamentos na direção certa. Talvez por sua sensibilidade ser menos
refinada, a Sra. Grose nunca vê as aparições que a governanta vê, mas também nunca
duvida das afirmações da governanta sobre elas. Mesmo depois de não conseguir ver
a figura da Srta. Jessel do outro lado do lago, a caseira confia no julgamento da
governanta e, seguindo seu conselho, leva Flora embora.

Exaltando a constância da Sra. Grose, a governanta escreve: "ela aceitou, sem


impugnar diretamente minha sanidade mental, a verdade que eu lhe dei, e terminou
demonstrando-me [...] uma ternura espantosa", mas leitores atentos podem
questionar essa avaliação. Se a governanta afirma que a caseira ficou "extremamente
feliz" ao vê-la quando chegou a Bly, ela também observa que "ela estava tão feliz -
uma mulher robusta, simples, limpa e saudável - que estava positivamente atenta
para não demonstrar demais". Em retrospecto, a governanta vê nessa restrição um
prenúncio dos mistérios sombrios de Bly, mas pode ser que ela superestime o afeto e
o respeito da Sra. Grose por ela. Afinal de contas, ela persegue continuamente a Sra.
Grose com afirmações chocantes, coagindo a caseira a ver as crianças como corruptas
e, como ela mesma admite, fazendo da caseira "um receptáculo de coisas escabrosas".
Embora a governanta reconheça: "Comecei a achar que ela estava tentando me
evitar", ela ignora a evasão da caseira e conclui: "O fato de ela ter me dado as costas
não foi, felizmente, para minhas justas preocupações, uma afronta que pudesse
impedir o crescimento de nossa estima mútua". O grau de estima que a Sra. Grose
tem pela governanta permanece incerto e, no final, ela pode ter se sentido aliviada
por ter escapado com Flora.

MILES

Miles, de dez anos de idade, e sua irmã Flora são órfãos, pois perderam seus pais em
circunstâncias não reveladas na Índia. Eles moram em Bly, uma propriedade rural
em Essex que pertence ao seu tio e tutor, que mora em Londres. Como o tutor é "um
solteirão no auge da vida", ele não tem experiência ou interesse em cuidar de
crianças e contrata a filha de um jovem pastor para ser a governanta. Ao ver seus
pequenos pupilos, a governanta fica maravilhada com a beleza requintada deles, que
ela compara à dos "santos bebês de Rafael".

Como a governanta narra a história, suas percepções de Miles moldam a


compreensão do leitor sobre ele. No início, ela interpreta sua extraordinária beleza e
charme como prova de sua pureza e descarta uma carta incriminadora do internato
como um "grotesco" ultraje. A caseira revela que Miles demonstrou "espírito de ser
travesso" no passado e, por fim, admite que ele esteve por vários meses em
companhia do antigo criado de seu tio, Peter Quint, que era "depravado" e "muito
livre com todos". Ao ouvir isso, a governanta, que já havia visto o fantasma do criado
morto duas vezes, relata uma súbita e "portentosa clareza" de que o fantasma está
procurando Miles. Ela tem certeza de que Quint corrompeu a pureza do garoto
quando eles estavam juntos, e a aparição do demônio agora pretende possuir a alma

30
dele. À medida que a governanta se torna mais vigilante e protetora das crianças,
Miles encena pequenos atos de rebeldia contra sua vigilância, inclusive um passeio à
meia-noite, mas ela atribui isso à influência maligna do fantasma. A governanta
finalmente salva a alma inocente de Miles das tentações perversas de Quint, mas,
uma vez despojado do demônio, "seu pequeno coração" pára.

Do ponto de vista da governanta, Miles é "tão inteligente, belo e perfeito [...] só pode
ser isso" - que sua perfeição está sendo atacada por vilões sobrenaturais. Uma
explicação mais natural para a insubordinação emergente de Miles é o fato de ele ser
um garoto de 10 anos. À beira da puberdade, ele está tomando consciência da
sexualidade, dos papéis de gênero e "dos direitos de seu sexo e situação". Ele está
ansioso por independência e se ressente da autoridade da governanta, que ele
considera cada vez mais inferior, em virtude de seu "sexo e situação". Quanto mais
fortes se tornam os esforços dela para "cercar e absolutamente salvar" as crianças,
mais Miles desafia o controle dela, para provar que é capaz. Ele aspira a ser um
homem do mundo, como seu tio, livre do jardim da infância e da domesticidade.
Assim, da mesma forma que seu tio instrui a governanta a "nunca incomodá-lo [...] e
deixá-lo em paz", Miles, recusando as expressões de preocupação da governanta com
ele, diz a ela: "deixe-me em paz". Sem levar em conta os desejos de Miles, a
governanta finalmente o isola em Bly com ela e, no momento em que o toma como
seu, ele morre.

FLORA

Flora, de oito anos de idade, e seu irmão Miles são órfãos e a responsabilidade foi
atribuída a seu tio. "Um solteirão no auge da vida", o tio desfruta de sua vida
indulgente em Londres e não tem interesse nas crianças. Ele as envia para sua
propriedade rural, Bly, onde são cuidadas por uma nova governanta, após a morte da
anterior.

Como a história se desenrola do ponto de vista da nova governanta, o


desenvolvimento narrativo do caráter de Flora depende em grande parte de como a
governanta a percebe. Inicialmente, Flora impressiona a governanta com sua beleza e
charme, mas quando a governanta toma conhecimento das aparições malignas que
assombram Bly, sua visão idealista de Flora e Miles dá lugar a visões mais sombrias.
Ela descobre que uma das aparições é o falecido criado de seu patrão, Peter Quint. De
acordo com a caseira, Quint era um canalha e "fazia o que queria" com as crianças e
com a antiga governanta, uma cúmplice voluntária de sua depravação. A outra
aparição é a "infame" ex-governanta, Srta. Jessel, que aparece pela primeira vez no
lago enquanto Flora e a governanta estão sentadas à beira da água. Como Flora
ignora a figura da Srta. Jessel, a governanta tem certeza de que a garota é cúmplice
do esquema da ex-governanta, que é, junto com Quint, contaminar ainda mais as
crianças.

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Embora a governanta veja as duas crianças como vítimas da influência perversa das
aparições, ela aparentemente considera Flora mais suscetível às tentações do mal do
que Miles. Durante o confronto final com o fantasma da Srta. Jessel, Flora se recusa
a reconhecer a horrível visão, levando a governanta a acusá-la de mentir e a observar
que a menina "havia se tornado comum e quase feia". Compare isso com a cena final
da história, na qual a governanta se alegra com a cegueira de Miles para Quint,
considerando-a um sinal de sua lealdade a ela e à inocência. Se os fantasmas são
produtos do conflito psíquico da governanta em relação à sexualidade, como muitos
leitores argumentam, então ela pode transferir seus medos subconscientes de sua
própria degeneração para Flora, que representa a garota inocente que ela já foi.

PETER QUINT

Peter Quint serviu como criado do tio das crianças quando ambos moravam em Bly,
no ano anterior à chegada da governanta. De acordo com a Sra. Grose, Quint era um
malandro degenerado que era "muito livre com todo mundo". Ela nunca detalha essa
alusão, mas a governanta aparentemente infere que Quint tomava liberdades sexuais
com a antiga governanta e com as crianças. Depois que a ex-governanta deixou Bly
por motivos desconhecidos, Quint ficou encarregado de tudo, até mesmo das
crianças. Ele passava horas sozinho com Miles, em particular. Essa situação
escandalosa durou vários meses, até que Quint caiu no gelo depois de sair de um bar
e morreu congelado.

Embora a governanta nunca encontre Quint, o homem, ela vê uma figura com
"cabelos ruivos, muito ruivos, bem encaracolados" e um olhar despudorado, que a
caseira identifica como o criado morto. A governanta continua a ver o fantasma de
Quint e tem certeza de que ele voltou dos mortos para corromper ainda mais as
crianças e tentar suas almas para a condenação. Sua determinação em "salvar" as
crianças alimenta suas ações durante o restante da história. Alguns leitores
argumentam, entretanto, que a perspectiva da governanta não é confiável e que os
fantasmas são, na verdade, alucinações da parte dela. Quint não é um demônio
sobrenatural, mas uma projeção do horror subconsciente que a governanta
experimenta em associação com seus desejos sexuais reprimidos. Como filha de um
pastor, a governanta conhece as associações bíblicas de cabelos ruivos com o mal,
portanto, não é de surpreender que seus medos sexuais reprimidos se manifestem
em visões de um homem insolente de cabelos ruivos.

SRTA. JESSEL

A Srta. Jessel foi a governanta em Bly durante o ano anterior aos eventos da história.
Ela deixou o cargo sob o pretexto de visitar a família, mas morreu antes de retornar.
Embora a Sra. Grose descreva a Srta. Jessel como "bonita" e "uma dama", ela
também revela que a ex-governanta permitiu que Peter Quint a rebaixasse. A Sra.
Grose deixa em aberto a natureza dessa "humilhação", mas dá a entender que é

32
sexual e que as atividades promíscuas do casal incluíam as crianças. Enquanto estava
no lago com Flora, a governanta vê a aparição de "uma mulher vestida de preto,
pálida e terrível"e imediatamente conclui que a figura é a Srta Jessel. Ela percebe,
horrorizada, que a ex-governanta quer "se apoderar" de Flora para continuar a
corrompê-la, e que Flora sabe disso. Confiando na Sra. Grose, a governanta expressa
seu medo de que Flora receba a atenção da Srta. Jessel e que a menina, juntamente
com seu irmão, possa estar perdida. Quando a figura da Srta. Jessel aparece
novamente no lago, a governanta exige que Flora reconheça a visão sinistra. A garota
se recusa, confirmando assim sua cumplicidade com os desígnios malignos da
aparição.

Do ponto de vista da governanta, a Srta. Jessel é "uma figura de [...] inconfundível


horror e maldade" que, junto com Quint, tem o objetivo de destruir a alma das
crianças. De outra perspectiva, o fantasma da Srta. Jessel é um espectro que surge
não dos mortos, mas do subconsciente da governanta. Tendo reagido com horror à
atração sexual que sentia por seu patrão, a governanta reprimiu seus sentimentos. As
revelações a respeito do decaimento moral da Srta. Jessel - e a sugestão de que isso
era "o que ela desejava" - desencadeiam a culpa subconsciente e a aversão a si mesma
que a governanta sente em relação a seus próprios desejos. De fato, a governanta
inadvertidamente se identifica com sua predecessora quando se vê sentada na escada
onde, em suas palavras, "um mês antes, na escuridão da noite e tão curvada com
coisas más, eu tinha visto o espectro da mais horrível das mulheres". Se a aparição da
Srta. Jessel é uma projeção das próprias ansiedades sexuais da governanta, então a
governanta inconscientemente se considera a mulher "mais horrível".

DOUGLAS

No Prólogo, um grupo está reunido em uma antiga casa contando histórias de


fantasmas, e Douglas está entre eles. Ele está insatisfeito com o efeito produzido
pelas histórias contadas até então e, depois de uma história com uma criança,
pergunta: Se a criança dá ao fenômeno outra volta no parafuso, o que me diriam de
duas crianças?”. Sua pequena plateia clama para ouvir mais, mas ele só revela que
sua história supera todas as outras "por sua feiúra, horror e dor". Sabendo que
despertou a curiosidade do grupo, ele os deixa em suspense enquanto manda buscar
o manuscrito da história, que está trancado em sua casa em Londres.

Douglas parece gostar da emoção da expectativa que provoca em seus ouvintes e,


para aumentar suas expectativas, ele divulga mais alguns detalhes tentadores. O
manuscrito foi escrito por uma mulher que o deu a Douglas antes de morrer, há 20
anos. Anos antes, quando a mulher era a governanta da irmã de Douglas, ele e ela se
tornaram amigos íntimos, e ela lhe confidenciou a história que mais tarde escreveu.
Observando a modéstia e o refinamento da mulher, Douglas tem certeza de que ela
nunca havia compartilhado seu relato chocante. Enquanto Douglas fornece esses
fragmentos de informação, ele olha atentamente para o narrador desconhecido do

33
prólogo, que deduz, com base nas observações de Douglas, que a mulher "estava
apaixonada". Douglas concorda, mas se recusa a dizer com quem ou se ele estava
apaixonado por ela. O manuscrito chega, e Douglas o lê em voz alta para todos. Anos
depois, antes de Douglas morrer, ele entrega o manuscrito ao narrador
desconhecido.

O NARRADOR DO PRÓLOGO

O narrador do Prólogo está entre aqueles que se reuniram em uma antiga casa para
compartilhar histórias de fantasmas. O narrador, cujo nome nunca é revelado, tem
um interesse especial por Douglas, outro membro do grupo, e observa que Douglas
"não estava acompanhando" as histórias com muito interesse. Douglas anuncia que
conhece uma história que supera todas as outras, mas se recusa a dizer muito mais
até conseguir o manuscrito, que está trancado em sua casa em Londres. Embora o
grupo o repreenda por despertar a curiosidade deles sem satisfazê-la, o narrador
reflete: "foram justamente os escrúpulos dele que me encantaram". Se Douglas
encanta o narrador, o narrador também intriga Douglas. Enquanto explica como
conheceu a mulher que escreveu o manuscrito, Douglas fixa seus olhos no narrador,
que adivinha em voz alta que a mulher nunca confidenciou sua história a ninguém
além de Douglas porque "ela estava apaixonada". Douglas concorda, mas adverte que
"a história não contará" com quem. Anos mais tarde, e pouco antes de morrer,
Douglas dá o manuscrito ao narrador, sugerindo a persistência de um vínculo mútuo
entre eles. O narrador observa que a narrativa do manuscrito, que segue
imediatamente o prólogo, é "uma transcrição exata da minha própria que fiz muito
mais tarde". Embora os estudiosos da literatura tenham debatido se o narrador é um
homem ou uma mulher, a visão tradicional é que ele é do sexo masculino.

O TIO

Depois que seus pais morreram, o tio tornou-se o guardião de Miles e Flora, cujo pai
falecido era irmão do tio. Solteiro bonito, o tio mora em Londres, onde se dedica a
"hábitos caros" e exerce seu "charme com as mulheres". Sua vida na "Harley Street"
não comporta crianças, então ele envia Miles e Flora para morar em sua propriedade
rural, Bly. Após a morte misteriosa da primeira governanta das crianças, o tio
contrata uma nova governanta - a "jovem, inexperiente e ansiosa" filha de um pároco
do interior. A nova governanta não teria aceitado o cargo, com suas
responsabilidades assustadoras, se o tio não a tivesse encantado, fazendo-a acreditar
que estava lhe fazendo um grande favor. Ela foi tão "arrebatada" por ele que também
consentiu com sua principal estipulação, especificamente, "que ela nunca o
incomodasse". Quando segredos obscuros passam a perturbar a vida em Bly, a
governanta decide não entrar em contato com o tio e imagina como ele admiraria sua
competência. No entanto, é improvável que o tio realmente se importe com o que
acontece em Bly. Em um determinado momento, ele por exemplo não hesita em
deixar as crianças nas mãos de seu criado, um homem que a caseira chama de

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"depravado". O tio não se preocupa com as crianças ou com a governanta delas; ele
está totalmente preocupado com a busca ininterrupta de seu próprio prazer.

TEMAS

AMBIGUIDADE E OS LIMITES DO CONHECIMENTO

As obras tardias de Henry James, inclusive A Outra Volta do Parafuso, são


notoriamente resistentes a interpretações fáceis. Em determinado momento, o
próprio irmão de James, William (um ilustre psicólogo americano), protestou contra
o fato de sua ficção ter se tornado obscura demais e aconselhou James a esclarecer a
mensagem moral de suas obras. A obscuridade assombra A Outra Volta do Parafuso
em todos os níveis. As frases densas e serpenteantes exigem atenção cuidadosa, até
mesmo um exame minucioso, ou o leitor corre o risco de se perder no caos de
substantivos, pronomes e orações desordenados. Embora o diálogo entre os
personagens seja menos complexo do ponto de vista sintático do que a narração,
decifrar o significado do que não é dito apresenta desafios. A governanta
frequentemente interrompe as declarações da Sra. Grose e as termina por ela,
deixando os leitores imaginando o que a caseira poderia ter dito, se tivesse a chance.
As conversas entre Miles e a governanta também são repletas de interrupções,
suposições e frases inacabadas. Também não há alívio da incerteza no nível do
enredo, já que o debate sobre a "realidade" dos fantasmas ainda é intenso entre os
leitores e parece não ter solução. Por fim, a própria estrutura da novela, que aninha
uma narrativa dentro de outra, obscurece a narrativa original da governanta com
ainda mais incertezas e agrava o problema da ambiguidade.

Embora a ambiguidade generalizada em A Outra Volta do Parafuso possa frustrar


alguns leitores, muitos estudiosos da literatura argumentam que a ambiguidade é o
ponto principal - que um tema importante na obra é a incerteza fundamental da
realidade. Isso marca um afastamento das premissas da maior parte da ficção
britânica publicada no início do século XIX. O romance vitoriano tradicional se
baseia na convenção de um narrador em terceira pessoa que sabe tudo para criar um
mundo narrativo estável e realista. Frequentemente preocupados em explorar as
relações sociais, esses romances dependem de verdades "universais" - em grande
parte derivadas da religião - sobre conduta moral e as consequências da má conduta,
e as reutilizam. As obras de James do final do século XIX contestam não apenas a
concepção do realismo literário, mas também as verdades morais inerentes a ele. Por
esse motivo, muitos estudiosos consideram James um dos primeiros praticantes do
modernismo literário, e escritores modernistas conhecidos, como Ezra Pound e
Virginia Woolf, reconheceram sua influência em suas obras.

Assim como A Outra Volta do Parafuso - ou pelo menos as suas interpretações de


inspiração freudiana -, a ficção modernista tem como ponto de partida a noção de
que a realidade é uma questão de perspectiva individual, que é sempre limitada e

35
comprometida em algum grau. Enquanto os textos realistas empregam um narrador
onisciente e endossam estruturas sociais e morais tradicionais, as obras modernistas
favorecem um filtro narrativo não confiável e se concentram nos pensamentos,
percepções e motivações interiores do indivíduo. Há muitas explicações para a
mudança paradigmática do realismo para o modernismo por volta da virada do
século XX - incluindo uma crescente desilusão com a religião e a retidão moral,
especialmente após a Primeira Guerra Mundial - mas, para entender melhor A Outra
Volta do Parafuso, é útil considerar como a psicologia freudiana minou as noções de
certeza do século XIX.

Sigmund Freud foi um psicólogo austríaco cujas publicações, incluindo Estudos


sobre Histeria (1895), popularizaram o conceito de subconsciente. Ao contrário da
presunção de longa data de que as pessoas controlam totalmente seus pensamentos e
ações, o modelo mental de Freud identifica um conjunto de pensamentos e desejos
reprimidos - em grande parte sexuais - que influenciam o comportamento de um
indivíduo. A mente consciente não está ciente desses pensamentos, tendo-os banido
para o subconsciente por serem muito impróprios, mas mesmo assim eles vêm à
tona, incontrolavelmente, como sonhos, fantasias, medos inexplicáveis e histeria.
Freud localizou a incerteza na própria raiz da consciência humana, lançando assim
dúvidas sobre a pretensão de qualquer pessoa de "conhecer" a realidade. Embora as
interpretações freudianas clássicas de A Outra Volta do Parafuso diagnostiquem a
governanta como uma histérica sexual cuja compreensão da realidade não é
confiável, a incerteza é sistêmica no texto, permeando até mesmo a moldura externa
do Prólogo. Com relação a uma pergunta sobre a história da governanta, ainda não
contada, o narrador do Prólogo diz: "A história contará", mas Douglas, o pretenso
contador de histórias, responde: "A história não contará". A história da governanta,
enterrada como está na história de Douglas e depois novamente na transcrição do
narrador, é semelhante ao subconsciente da novela. Como tal, ela não vai contar,
porque não pode.

SEXUALIDADE E O FIM DA INOCÊNCIA

O título da novela de James faz alusão à conjectura de Douglas, no Prólogo, de que


sua história provocará um horror sem precedentes porque envolve o dobro de
crianças. Ao perguntar: "Se a criança dá ao fenômeno outra volta no parafuso, o que
me diriam de duas crianças?”, Douglas dá a entender que o grau de inocência em
jogo em uma disputa contra o mal determina a quantidade de terror envolvida. Além
disso, ele depende do acordo tácito entre seu público de que a infância simboliza o
estado de inocência. A governanta repete essa associação convencional, mas vê Miles
e Flora como representantes excepcionais da inocência devido à sua beleza
impressionante. Ela se entusiasma com a "beleza angelical" de Flora e conclui que,
pelo fato de Miles ser "muito bom e justo" para cometer qualquer delito, a carta do
diretor da escola é absurda. As crianças são como "um par de pequenos grandes, de
príncipes de sangue, para os quais tudo [...] teria de ser cercado" a fim de proteger

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sua pureza. Quando a governanta descobre que espíritos malignos estão atacando as
almas das crianças, ela se encarrega de preservá-las da corrupção, lutando contra os
demônios até que, finalmente, o "pequeno coração de Miles [...] é despojado". O
próprio James se referiu à sua novela como um potboiler (ou seja, uma obra de
pouca qualidade feita às pressas apenas para ganhar dinheiro), incentivando assim a
compreensão dela como uma disputa de suspense entre o bem e o mal. Nessa
interpretação, a governanta é um modelo de virtude ideal e, por fim, prevalece sobre
a iniquidade.

Entretanto, como o conto de James é repleto de ambiguidade, ele permite


interpretações alternativas do que constitui inocência, culpa e corrompimento. De
fato, a natureza do mal que ameaça a inocência das crianças nunca é declarada
explicitamente. A carta do diretor da escola não fornece nenhuma explicação para a
expulsão de Miles, de modo que a governanta pode apenas especular que ele fez algo
"para corromper" seus colegas de classe. A Sra. Grose divulga que Peter Quint era
"muito livre com todos", inclusive com a Srta. Jessel e as crianças, mas não entra em
detalhes. E quando a governanta finalmente força uma confissão de Miles sobre seus
crimes na escola, ela fica sabendo apenas que ele "disse coisas".

Em 1934, o crítico literário Edmund Wilson recrutou as teorias psicológicas de


Sigmund Freud para explicar o silêncio em torno da maldade em Bly. Com base em
seu trabalho clínico com pacientes do sexo feminino, Freud propôs que a repressão
de ideias e impulsos sexuais pode se tornar patológica em algumas mulheres e se
manifestar como histeria sexual. Wilson argumenta em The Ambiguity of Henry
James (1934) que a governanta é "um caso neurótico de repressão sexual", uma
condição que se desenvolve depois que ela conhece seu empregador. O tio das
crianças, arrojado e sofisticado, é "um solteirão no auge da vida, uma figura que
nunca apareceu, exceto em um sonho ou em um romance antigo, diante de uma
garota ansiosa oriunda de um vicariato de Hampshire". A governanta admite que "foi
arrebatada" por ele, mas não consegue admitir o desejo sexual, que sua religião e
cultura classificam como pecaminoso. Incapaz de reconhecer seus pensamentos
"malignos", ela os remete ao subconsciente, onde permanecem ocultos, mas
produzem um pavor nervoso generalizado. Notavelmente, a governanta está
familiarizada com o livro Os Mistérios de Udolpho e outros romances góticos, que
apresentam uma atmosfera de horror à espreita e geralmente envolvem fenômenos
sobrenaturais. A imaginação dela é, portanto, preparada para alistar seu próprio
pavor flutuante e desejos reprimidos para alimentar delírios de demônios
sobrenaturais envolvidos em pecados sexuais. Nessa interpretação freudiana da
novela, as crianças são totalmente inocentes, e é a governanta que as aflige com seu
corrompimento - um corrompimento causado pelo conhecimento sexual reprimido.

A crítica do final do século XX sobre A Outra Volta do Parafuso atribui a culpa à


própria sociedade, questionando os medos produzidos culturalmente em torno da
sexualidade - especialmente a sexualidade feminina e não normativa - que obrigam

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os indivíduos a negar seus próprios desejos. O ensaio The Beast in the Closet (A Fera
no Armário), de Eve Sedgwick, de 1990, abriu uma linha produtiva de estudos queer
sobre James que, embora reserve conclusões sobre a própria sexualidade de James,
identifica os silêncios e as ambiguidades em sua obra como locais de conteúdo
homossexual reprimido. Essa escola de interpretação observa que, pouco antes de
James publicar A Outra Volta do Parafuso, o escritor Oscar Wilde enfrentou
acusações de "indecência" entre pessoas do mesmo sexo e passou por um julgamento
que chamou a atenção do público. O tribunal britânico decidiu de forma decisiva
sobre a criminalidade da homossexualidade, condenando Wilde e sentenciando-o a
dois anos de trabalhos forçados. James acompanhou o julgamento de perto,
conforme revelado em suas cartas, e expressou desaprovação pela humilhação
pública de Wilde. Escrito após o julgamento de Wilde, A Outra Volta do Parafuso
pode registrar, por meio de seu discurso evasivo e elíptico, o imperativo cultural de
silenciar certas sexualidades. Na medida em que o texto coloca em primeiro plano
seus próprios silêncios e os tematiza como sexualidade reprimida, os leitores podem
interpretar as trágicas consequências dessa supressão como uma crítica à
intolerância da sociedade.

O CONTROLE SOCIAL DA IDENTIDADE FEMININA

A ausência evidente do nome da governanta sugere que sua identidade, fora de sua
posição doméstica, é incerta. Ela é filha de um pastor e, como tal, seria considerada
de classe média e "uma dama" na Inglaterra vitoriana. No entanto, como os
infortúnios financeiros de sua família a forçaram a procurar trabalho, sua identidade
socioeconômica é ambígua, oscilando entre a de uma senhora respeitável e a de uma
mulher da classe trabalhadora. Para complicar a situação, as categorias sociais
britânicas do século XIX não acomodam facilmente o papel de uma governanta: Ela
não é uma empregada doméstica e não é uma mãe; em vez disso, é paga para agir
como uma mãe de classe alta, transmitindo boas maneiras e sabedoria aos seus
protegidos. Embora o status social liminar da governanta marginalize
exclusivamente sua identidade, a cultura em que ela vive circunscreve as identidades
e a autonomia de todas as mulheres, independentemente da classe. A governanta
reconhece isso ao contemplar a independência de Miles, "os direitos de seu sexo e
situação" - direitos aos quais o sexo feminino não tem direito.

Apesar das restrições que seu gênero e classe impõem à sua identidade, a governanta
resiste a desaparecer em seu papel de governanta. Talvez o primeiro indício de sua
própria autonomia surja depois que ela chega a Bly e entra em seu luxuoso quarto -
"o melhor da casa" - e se coloca diante dos grandes espelhos com os quais, pela
primeira vez, [ela] podia se ver da cabeça aos pés". A governanta se imagina a
senhora da mansão, refletindo: "Eu poderia dar uma volta pelo terreno e apreciar,
quase com um senso de propriedade que me divertia e me lisonjeava, a beleza e a
dignidade do lugar". Se a elegância de Bly - juntamente com a "autoridade suprema"
que ela exerce ali - eleva o senso de si mesma da governanta, as armadilhas góticas

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da propriedade também a incentivam a imaginar que ela é uma heroína gótica, um
modelo de identidade feminina que ela conhece como leitora de "romances antigos".
Assim, ela se considera não apenas uma governanta, mas também "uma jovem
notável" que empreende um "voo de heroísmo" para proteger Bly do mal.

Para validar sua identidade heróica, a governanta deseja que os outros a reconheçam
como tal. Assim, ela pensa: "[Haveria] uma grandeza em deixar que se visse que eu
poderia ter sucesso onde muitas outras garotas poderiam ter falhado". Ela assim
esperava que ela seria notada por alguma testemunha de sensibilidade refinada que
apreciaria sua extraordinária virtude e coragem, e essa testemunha seria seu próprio
empregador. Mas seu empregador nunca mais a vê depois da entrevista em Londres.
Em vez disso, Peter Quint fica olhando para a governanta da torre e, por alguns
momentos, ela escreve, "nunca tirou os olhos de mim". Ele "não é um cavalheiro",
portanto, seu olhar insolente, longe de confirmar a identidade honrosa dela, a
degrada. Seu olhar a reduz à governanta que ela é. Quando a figura da Srta. Jessel
aparece diante da governanta, ela se reconhece na aparição "desonrada e trágica",
sugerindo que o senso exaltado que a governanta tem de si mesma é instável.

Se a jovem governanta não consegue estabelecer sua própria identidade de forma


decisiva, ela faz outra tentativa, anos depois, quando escreve a história de seu "voo
heróico" em Bly. Em sua narrativa, ela se apresenta como uma jovem virtuosa que
luta bravamente contra as forças do mal. Mais uma vez, ela precisa de uma
testemunha do lado certo para reconhecer sua notável identidade, por isso confia seu
manuscrito a Douglas, que é de fato um cavalheiro. Embora Douglas descreva a
governanta como "a mulher mais agradável que já conheci", ele não deduz de sua
narrativa que ela era corajosa, nem que "teve sucesso onde muitas outras garotas
poderiam ter falhado". Em vez disso, ele enfatiza que "ela estava apaixonada. [...]
Isso veio à tona - ela não podia contar sua história sem que isso viesse à tona". Esse é
o fato mais importante que ele extrai da história dela, que não é a forma como a
governanta desejava ser vista, especialmente porque essa avaliação também se
adequa à infame Srta Jessel. Ao fornecer a visão de Douglas sobre a governanta, a
novela registra como aqueles privilegiados por "sexo e situação" efetivamente
frustram os esforços de outros - das mulheres - para determinar sua própria
identidade.

SÍMBOLOS E MOTIVOS

O GÓTICO

Ao ver a figura de Peter Quint empoleirada na torre, a governanta se pergunta:


"Haveria um segredo em Bly - um mistério de Udolpho ou um parente insano e
inominável mantido em um confinamento insuspeito?". Essas referências a Os
Mistérios de Udolpho (1794), de Ann Radcliffe, e Jane Eyre (1847), de Charlotte
Brontë, revelam que a governanta gosta de romances góticos, assim como muitas

39
mulheres britânicas de classe média do século XIX. Exemplificados por Jane Eyre,
de Brontë, os romances góticos vitorianos apresentam um conjunto de elementos
padrão: uma mulher jovem e inocente presa em uma mansão isolada, semelhante a
um castelo; uma atmosfera de terror sombrio, muitas vezes sobrenatural; a
descoberta de um segredo ou mistério sombrio; e um cavalheiro enigmático e bonito.

Os motivos góticos convencionais permeiam a própria história da governanta sobre


suas angustiantes aventuras em Bly. Ela ressalta sua juventude e inexperiência
quando, ao ponderar sobre suas novas "circunstâncias" em Bly, admite que "elas
tinham, por assim dizer, uma extensão e uma massa para as quais eu não estava
preparada e na presença das quais eu me encontrava, de repente, um pouco
assustada e não menos do que um pouco orgulhosa". Essa percepção de si mesma
como uma garota inocente cercada por ameaças iminentes logo dá lugar à impressão
de que ela está vivendo em "um castelo de romance [...] um lugar que de alguma
forma [...] tiraria toda a cor dos livros de histórias e contos de fadas". A governanta,
escrevendo seu relato muitos anos depois, desdenha as noções idílicas de seu “eu”
mais jovem, declarando que Bly não passa de "uma grande e feia casa antiga [...]".
Como se quisesse dissipar qualquer ideia de que sua história é um conto de fadas, a
governanta acrescenta, retrospectivamente, o motivo gótico do terror à espreita,
sugerindo que os horrores insuspeitados que estão por vir dão "ao tempo anterior um
encanto de quietude". As aparições fantasmagóricas de Peter Quint e da Srta. Jessel
proporcionam ao conto sustos sobrenaturais. Segundo seu próprio relato, a
governanta luta bravamente contra os demônios, encorajada pela convicção de que
seu enigmático e belo patrão admiraria sua coragem. Finalmente, o mistério sinistro
que preocupa a governanta e justifica sua luta para salvar a alma de Miles é a questão
do que ele havia feito na escola.

Como a governanta escreve seu relato retrospectivamente, sua história é composta de


duas perspectivas ao mesmo tempo: o ponto de vista limitado de seu “eu” mais jovem
e o ponto de vista quase onisciente de seu “eu” mais velho. A governanta, como
escritora, explora a tensão entre essas duas perspectivas para aumentar o suspense e
o terror de sua história. Assim como ela avisa sobre monstros à espreita onde seu
“eu” mais jovem vê um paraíso de conto de fadas, a governanta mais velha
interrompe repetidamente as descrições cor-de-rosa de seus dias com as crianças
para prenunciar a desgraça. Dessa forma, a governanta instila suspense gótico em
sua história enquanto a escreve e confere a si mesma poderes de onisciência que ela
não poderia reivindicar quando era uma jovem mulher - ou qualquer tipo de mulher
- na Inglaterra do século XIX.

OS FANTASMAS

Os fantasmas de Peter Quint e da Srta. Jessel funcionam como símbolos, mas o que
eles representam varia dependendo de como os leitores interpretam a história. Se,
como afirma uma interpretação predominante, a inocência das crianças estiver em

40
perigo e a virtuosa governanta estiver lutando para salvar suas almas das forças do
mal, então os fantasmas simbolizam essas forças. Mais especificamente, eles
simbolizam o mal que tenta os inocentes a pecar, uma forma cristã arquetípica do
mal que a Bíblia apresenta como a serpente no Éden. Quint e a Srta. Jessel são
condenados pelos pecados que cometeram, cuja natureza provavelmente é sexual,
embora isso nunca seja totalmente revelado. Enquanto viviam em Bly, Quint e a Srta.
Jessel atraíram as crianças para o caminho do pecado, e a dupla demoníaca, que
retornou do inferno, deseja "brincar com eles com esse mal ainda", para tentar suas
almas à condenação. A governanta diz à Sra. Grose: "O sucesso dos tentadores é
apenas uma questão de tempo" e, como o valor simbólico dos tentadores - Quint e
Srta. Jessel - transcende a história, as palavras da governanta também ressoam além
de seu contexto, alertando os leitores de que ninguém pode escapar do pecado.

A outra interpretação da história, igualmente competitiva e amplamente difundida,


vê os fantasmas como alucinações ou produtos da psique perturbada da governanta.
Esses problemas decorrem do conflito moral que ela vivencia devido ao surgimento
de sentimentos de desejo sexual. Criada em um lar religioso em uma sociedade que
demoniza os desejos corporais - especialmente os de uma mulher -, a governanta
internalizou uma associação de horror e imoralidade com a sexualidade. Ela não
consegue conciliar seus sentimentos sexuais pelo patrão com a compreensão de si
mesma como uma mulher de fé e respeitabilidade, por isso reprime seus desejos. De
acordo com a teoria freudiana, embora o conteúdo reprimido do subconsciente
desapareça da mente consciente, ele continua a assombrar a mente como uma
apreensão inominável. Portanto, se os fantasmas são projeções do subconsciente da
governanta, eles representam o horror e o pavor que ela atribui à sexualidade.

JANELAS E MOLDURAS

Das quatro vezes em que a governanta vê a aparição de Peter Quint, três são por
meio de uma moldura real ou imaginada. Na primeira vez, ela o vê olhando para ela
da torre e pensa: "O homem que me olhava por cima das ameias era tão definido
quanto um quadro em uma moldura". Em seguida, ele aparece para ela pela janela da
sala de jantar, como faz no último encontro. Na única vez em que a governanta não
vê Quint através de uma moldura, ela observa que ele está perto de uma na escada:
"A aparição havia chegado ao patamar na metade da subida e, portanto, estava no
ponto mais próximo da janela". Toda vez que a governanta vê a figura de Quint, há
uma moldura, ou limiar, entre eles.

Seguindo uma sugestão das interpretações freudianas da história de James, esses


episódios de limiar podem representar momentos em que uma janela se abre
brevemente entre as mentes consciente e subconsciente da governanta. Se Quint
simboliza seu horror à sexualidade, as visões que ela tem dele são visões dos desejos
terríveis que ela reprimiu. De fato, quando a governanta compartilha com a Sra.
Grose suas primeiras impressões sobre Quint, ela o faz de forma inarticulada, usando

41
termos que se aplicam igualmente bem ao conteúdo indescritível de seu próprio
subconsciente: "O que é ele? Ele é um horror. [...] Ele é - Deus me ajude se eu souber
o que ele é". Quint nunca cruza os limiares que o enquadram, de modo que os
horrores do subconsciente da governanta nunca penetram totalmente em sua mente
consciente. Ela os encara apenas para empurrá-los de volta para baixo, assim como
encara a figura de Quint subindo as escadas e, mantendo-se firme, manda-a "direto
escada abaixo e para a escuridão".

O LAGO

Com suas profundezas misteriosas e superfície reflexiva, o lago em Bly representa e


espelha o subconsciente da governanta. A governanta reprimiu seus sentimentos
sexuais, mas eles continuam a assombrar sua consciência, afligindo-a com um
nebuloso sentimento de culpa e indignidade. Identificando a culpa e a depravação
sexual com a Srta. Jessel, a governanta projeta sua própria aversão a si mesma em
suas alucinações com a antiga governanta, cuja aparição "ergueu-se ereta" do lago,
como se estivesse saindo do subconsciente da governanta. A figura que a governanta
vê duas vezes na beira da água é de um "horror inconfundível", cujo "longo alcance
de [...] desejo" reflete os medos reprimidos da governanta de que ela não pode
escapar de seus próprios desejos monstruosos.

DUPLICAÇÃO

Ao longo da narrativa, a governanta se vê repetindo inadvertidamente vários dos


comportamentos dos fantasmas. Esse padrão de duplicação apóia o argumento de
que os fantasmas são produtos da mente subconsciente da governanta. Um exemplo
de duplicação ocorre depois que a governanta vê a aparição de Quint espiando pela
janela da sala de jantar. Ela corre para fora, explicando: "Percebi confusamente que
eu deveria me colocar no lugar onde ele estava. Foi o que fiz; encostei meu rosto na
vidraça e olhei, como ele havia olhado, para dentro do quarto". Nesse momento, a
governanta se torna o que ela teme. Ela assume efetivamente o aspecto aterrorizante
de Quint e assusta a Sra. Grose, que por acaso entra no quarto. Ao duplicar as ações
de Quint e suas consequências, a governanta diminui a distância entre ela e os
horrores que ele representa, sugerindo que ela os identifica como parte de si mesma.
Após o confronto da governanta com Miles no pátio da igreja, ela retorna a Bly
sozinha e afunda na base da escada. Percebendo "que era exatamente onde, mais de
um mês antes, na escuridão da noite e tão envolta em coisas más, eu tinha visto o
espectro da mais horrível das mulheres", a Srta. Jessel, a governanta se levanta e vai
para a sala de aula. Lá ela vê a figura da Srta. Jessel, sentada na mesma escrivaninha
em que a própria governanta se senta. Esse episódio de duplicação sugere que a
própria governanta está tomada de "coisas más". Miles acaba de rejeitar suas
atenções e, com isso, agita a culpa e o horror que envolvem sua atração
subconsciente pelo patrão e, talvez, por Miles. Ela descreve a figura da Srta. Jessel

42
sentada em sua mesa como "desonrada e trágica" e grita: "Sua terrível miserável
mulher!", mas a governanta pode muito bem estar se referindo a si mesma.

CITAÇÕES IMPORTANTES

1.
“The story had held us, round the fire, sufficiently breathless, but except the obvious
remark that it was gruesome, as on Christmas Eve in an old house a strange tale
should essentially be, I remember no comment uttered till somebody happened to
note it as the only case he had met in which such a visitation had fallen on a child.”

(Prólogo)
Esta é a primeira frase da novela, e estabelece a atmosfera gótica tanto do Prólogo
como da narrativa da governanta. A frase também fundamenta a narração da
narrativa da governanta num cenário clássico de narração de histórias: é um dos
numerosos strange tales compartilhados numa reunião "à volta da lareira". O
próprio James descreveu a sua novela como um "potboiler desavergonhado", e esta
frase inicial parece confirmar que A Outra Volta do Parafuso é simplesmente uma
história de fantasmas e não, como algumas interpretações o fazem, um estudo de
conflitos psicossexuais.

2.
“‘The story won’t tell,’ said Douglas; ‘not in any literal vulgar way.’”

(Prólogo)
Douglas corrige o narrador do Prólogo, que se aventura a dizer que a história da
governanta contará por quem ela estava apaixonada. Na sua narrativa, a governanta
confessa que "foi arrebatada" pelo patrão, mas dá pistas que sugerem que também
foi arrebatada por Miles e que era demasiado possessiva em relação a ele. Ao
esquivar-se a perguntas sobre a sua relação com a governanta, Douglas também
encoraja a especulação de que ela estava apaixonada por ele. Esta incerteza quanto
ao interesse amoroso da governanta contribui para a ambiguidade generalizada que
assombra a novela, tornando-a numa "história que não conta".

3.
“Let me say here distinctly, to have done with it, that this narrative, from an exact
transcript of my own made much later, is what I shall presently give.”

(Prólogo)
Essas são as palavras do narrador do Prólogo, que aqui se dirige diretamente ao
leitor. A declaração começa como uma confissão, como se o narrador se sentisse
obrigado a reconhecer que a narrativa é uma cópia, mas termina com uma garantia
de que a cópia é precisa. No entanto, o esforço do narrador para dissipar as dúvidas
sobre a autenticidade da história apenas destaca o quanto o leitor está distante dos

43
eventos originais, que a governanta registrou décadas depois de terem ocorrido.
Posteriormente, ela compartilhou a história com Douglas, que depois a compartilhou
com o narrador desconhecido. Ao sinalizar o distanciamento da narrativa em relação
às suas origens, o texto de James coloca os leitores em posição de questionar o
quanto ela é "exata" e verdadeira.

4.
“This […] prospective patron proved himself a gentleman, a bachelor in the prime of
life, such a figure as had never risen, save in a dream or an old novel, before a
fluttered anxious girl out of a Hampshire vicarage.”

(Prólogo)
Com sua descrição da governanta como uma "garota ansiosa" e de seu patrão como
um solteirão no auge da carreira, Douglas lança a semente para a interpretação
freudiana da novela de James. Popularizada pela primeira vez na década de 1930
pelo crítico literário Edmund Wilson, essa interpretação usa as teorias psicológicas
de Sigmund Freud para argumentar que a governanta é neurótica. Ela fica
horrorizada com os desejos sexuais desconhecidos por seu patrão e os reprime, mas
eles assombram seu subconsciente. Os fantasmas são manifestações delirantes de
seu pavor subconsciente e, portanto, não são fantasmas de fato.

5.
“The large impressive room, one of the best in the house, the great state bed, as I
almost felt it, the figured full draperies, the long glasses in which, for the first time,
I could see myself from head to foot, all struck me […] as so many things thrown
in.”

(Capítulo 1)
Por muitas razões, tanto pessoais quanto sociais, a governanta luta para definir sua
identidade. Embora a elegância de Bly envergonhe sua "própria casa escassa", seu pai
é um pároco e o status social de sua família seria respeitável. Ela é, por direito, uma
dama, mas como os infortúnios financeiros a obrigam a se juntar à classe
trabalhadora, sua identidade é indeterminada. Entretanto, seu quarto "grande e
impressionante" em Bly a incentiva a se ver "da cabeça aos pés" como mais do que
uma governanta e a reivindicar sua identidade como uma dama - e uma dama de
algum valor.

6.
“Are you afraid he’ll corrupt you?”

(Capítulo 2)
Sra. Grose faz essa pergunta à governanta, que, tendo recebido uma carta da escola
de Miles anunciando sua expulsão, se pergunta se o garoto era uma influência
corruptora ali. A questão de quem corrompe quem é o mistério central da novela, que

44
se baseia na questão do que constitui corrompimento. Do ponto de vista da
governanta, Peter Quint e a Srta. Jessel poluíram a alma das crianças ao
apresentá-las ao mal, cuja natureza ambígua é provavelmente sexual. No entanto, o
texto permite outra perspectiva, que vê a governanta como vítima de ansiedades
culturais sobre a sexualidade, especialmente a sexualidade feminina. Seu medo
internalizado da sexualidade desestabiliza sua psique, fazendo com que ela se
atormente e corrompa as crianças com alucinações de um mal inexistente.

7.
“What I then and there took him to my heart for was something divine that I have
never found to the same degree in any child—his incredible little air of knowing
nothing in the world but love.”

(Capítulo 3)
A governanta se encanta com a beleza de Miles ainda mais do que com a de Flora,
interpretando-a como um sinal de sua pureza e divindade. Se a infância simboliza a
inocência porque as crianças ainda não adquiriram o conhecimento proibido, então
Miles, que não conhece nada "além do amor", é nada menos do que divino, como
indica sua beleza angelical. Ironicamente, a governanta logo passará a cogitar que as
crianças estão aprendendo conhecimentos proibidos e que sua beleza excepcional -
um ardil criado para enganar - prova isso.

8.
“I dare say I fancied myself in short a remarkable young woman and took comfort
in the faith that this would more publicly appear.”

(Capítulo 3)
Depois que as crianças vão para a cama, a governanta costuma passear pelo jardim,
imaginando que a propriedade é sua e que ela, no comando total do pequeno mundo
de Bly, administra os assuntos com habilidade e propriedade. Agrada-lhe pensar na
admiração de seu patrão, caso ele testemunhe suas capacidades. Seu desejo de ser
vista pelo empregador trai sua preocupação constante com ele e também revela seus
esforços para definir sua identidade. Embora as circunstâncias permitam que ela se
considere uma "jovem notável", ela deseja que o reconhecimento dos outros a
confirme como tal. Não conseguindo obter esse reconhecimento enquanto estava em
Bly, a governanta mais tarde escreve uma narrativa que transmite seus méritos
notáveis, fazendo com que eles "apareçam mais publicamente".

45
9.
“Was there a ‘secret’ at Bly—a mystery of Udolpho or an insane, an unmentionable
relative kept in unsuspected confinement?”

(Capítulo 4)
Quando a governanta vê um homem estranho empoleirado em uma das torres de Bly,
a visão chocante evoca pensamentos de dois romances góticos populares do século
XIX: Os Mistérios de Udolpho, de Ann Radcliffe, e Jane Eyre, de Charlotte Brontë.
Essas referências estabelecem a familiaridade da governanta com as convenções
literárias góticas e sugerem que ela está predisposta a mapear os motivos favoritos do
gênero, incluindo segredos obscuros e horrores insuspeitados, em suas próprias
experiências. Embora o tom dessa alusão intertextual aponte para a paródia, o
suspense dramático que ela evoca pode ser outro exemplo da propensão da
governanta para o prenúncio exagerado.

10.
“‘Quint!’ she cried.”

(Capítulo 5)
Embora a novela de James ofereça amplo apoio ao argumento de que a governanta
psicologicamente perturbada alucina a respeito dos fantasmas, os leitores que
afirmam que os fantasmas são reais apontam para esse momento como prova. A
governanta nunca conheceu Peter Quint e não sabia de sua existência, portanto não
poderia estar familiarizada com sua aparência. No entanto, depois que ela fornece
uma descrição detalhada da figura que viu, a caseira imediatamente o identifica
como o antigo criado do mestre e grita "Quint!".

11.
“I had an absolute certainty that I should see again what I had already seen, but
something within me said that by offering myself bravely as the sole subject of such
experience, by excepting, by inviting, by surmounting it all, I should serve as an
expiatory victim and guard the tranquility of the rest of the household.”

(Capítulo 6)
A retórica da governanta alude a um comportamento messiânico, pois ela visualiza o
sacrifício de si mesma aos desígnios demoníacos de Quint para salvar a inocência de
seus protegidos. Embora a "Sra. Grose tenha se mantido distante" e nunca tenha
especificado as transgressões de Quint, a governanta leu em suas palavras que elas
eram sexuais. A autoproclamada "alegria" com que a governanta antecipa o fato de
servir como vítima de Quint permite, portanto, duas interpretações: Como uma cristã
devota, ela se alegra com a oportunidade de servir de modelo para o sacrifício de
Cristo; alternativamente, como uma mulher sexualmente reprimida, ela é
subconscientemente seduzida pela infame promiscuidade de Quint.

46
12.
“It was a pity I should have to quaver out again the reasons for my not having, in
my delusion, so much as questioned that the little girl saw our visitant even as I
actually saw Mrs. Grose herself, and that she wanted, by just so much as she did
thus see, to make me suppose she didn’t, and at the same time, without showing
anything, arrive at a guess as to whether I myself did!”

(Capítulo 8)
Depois de ter visto a aparição da Srta. Jessel enquanto estava no lago com Flora, a
governanta diz à Sra. Grose que sabe que Flora também viu o fantasma, justamente
porque a menina não demonstrou nenhum sinal de tê-lo visto. Perplexa com essa
lógica, a caseira pressiona a governanta para que explique sua certeza de que Flora
está ligada ao espírito da Srta Jessel. Notavelmente, a governanta não expõe suas
razões, mas repete o que já havia dito à Sra. Grose. Com suas muitas cláusulas que se
equivocam entre quem viu e quem não viu, essa frase produz mais confusão do que
clareza e tipifica o estilo narrativo evasivo e ambíguo da governanta.

13.
“They’re seen only across, as it were, and beyond—in strange places and on high
places, the top of towers, the roof of houses, the outside of windows, the further
edge of pools, but there’s a deep design, on either side, to shorten the distance and
overcome the obstacle: so the success of the tempters is only a question of time.”

(Capítulo 12)
Essas são as palavras da governanta para a Sra. Grose, ostensivamente avisando que
as aparições de Quint e da Srta. Jessel estão conspirando para se aproximar das
crianças, para tentá-las a entregar suas almas à condenação. No entanto, se
submetida à análise freudiana, essa declaração registra os temores da governanta em
relação aos seus próprios demônios subconscientes. Ela reprimiu seus pensamentos
e sentimentos sexuais perturbadores e, até o momento, eles só a assombram na
"borda mais distante" da consciência. Eles inevitavelmente "ultrapassarão" as
barreiras de sua mente - assim como as crianças inevitavelmente perdem a inocência
- e ela será vítima das tentações que a intrigam e a horrorizam.

14.
“I call it relief though it was only the relief that a snap brings to a strain or the burst
of a thunderstorm to a day of suffocation. It was at least change, and it came with a
rush.”

(Capítulo 13)
Essas duas frases encerram o Capítulo 13 e demonstram o uso de prenúncio pela
governanta, no qual ela se baseia ao longo de sua narrativa. Como um dispositivo
literário, o prenúncio produz suspense, um efeito desejável se, como James
observou, ele pretendia que sua novela fosse simplesmente um potboiler. Entretanto,

47
de acordo com a própria premissa estrutural da novela, a governanta escreveu a
narrativa principal. Suas alusões a romances góticos indicam que ela está
familiarizada com as convenções do gênero, que incluem presságios de terror. Como
a governanta anseia por "ser vista" como notável e heróica, é possível que ela escreva
sua narrativa no estilo gótico para se lançar - e criar sua identidade - como uma
heroína gótica.

15.
“Turned out for Sunday by his uncle’s tailor, […] Miles’s whole title to independence,
the rights of his sex and situation, were so stamped upon him that if he had
suddenly struck for freedom I should have had nothing to say.”

(Capítulo 14)
Enquanto caminhava para a igreja com Miles, a governanta observou que o garoto,
vestido à moda de seu tio, transmitia um ar de independência e autoridade a que os
homens de sua classe social têm direito. Como mulher e empregada, ela não tem
direito a esses privilégios e reconhece isso ao pensar que só poderia permanecer em
silêncio caso ele exigisse liberdade. Essa é a situação da governanta: sua inerente
falta de autoridade alimenta seu desejo de "ser vista" exercendo autoridade para
proteger seus protegidos, mas seus protegidos - especialmente Miles - têm
autoridade para expor seu poder como ilusório.

16.
“My fear was having to deal with the intolerable question of the grounds of his
dismissal from school, since that was really but the question of the horrors gathered
behind.”

(Capítulo 15)
Desde seu segundo dia em Bly, a governanta tem evitado falar sobre a expulsão de
Miles da escola. Ela agora acredita que a influência maligna de Quint está por trás da
má conduta de Miles e, a partir desse momento, pressiona o garoto para que explique
a expulsão. Do seu ponto de vista, ela pode salvar Miles de Quint - e da condenação -
ao conseguir uma confissão de seu pecado. De outra perspectiva, "os horrores
reunidos por trás" da expulsão de Miles são, na verdade, os horrores subconscientes
da própria governanta em relação à sexualidade, que ela projeta na vaga carta do
diretor da escola. Por meio de suas alucinações a respeito de Quint, ela transforma
esse horror interior em um mal externo contra o qual precisa lutar para salvar os
inocentes.

48
17.
“Dark as midnight in her black dress, […] she had looked at me long enough to
appear to say that her right to sit at my table was as good as mine to sit at hers.”

(Capítulo 15)
Depois de decidir deixar Bly, a governanta vai até a sala de aula para pegar suas
coisas e vê a aparição da antiga governanta sentada à sua mesa. A Srta. Jessel parece
"desonrada e trágica", mas a governanta se identifica momentaneamente com ela,
não se considerando melhor do que sua antecessora. Talvez a governanta sinta
vergonha por não ter conseguido atender às expectativas de seu empregador. Como
alternativa, a figura desonrada da Srta. Jessel pode ser uma projeção da própria
mente da governanta. A miséria e a aversão a si mesma que ela vê na Srta. Jessel são,
na verdade, seus próprios sentimentos, provocados por seus desejos sexuais
inaceitáveis.

18.
“‘To let me alone,’ he replied.”

(Capítulo 17)
A governanta chega à cabeceira de Miles no meio da noite e o encontra acordado.
Preocupada com o que teria acontecido em sua escola, ela sugere que há algo que ele
quer lhe contar, e a resposta dele ecoa as palavras do tio, que orientou a governanta a
nunca incomodá-lo, a "deixá-lo em paz". Desta forma, Miles se torna um análogo de
seu tio. A governanta fica cada vez mais atenta a Miles, e ele se rebela, alegando sua
necessidade de independência. Embora esse seja um comportamento natural para
um garoto de 10 anos, a governanta o vê como uma consequência da influência
demoníaca de Quint.

19.
“Much as I had made of the fact that this name had never once, between us, been
sounded, the quick smitten glare with which the child’s face now received it fairly
likened my breach of the silence to the smash of a pane of glass.”

(Capítulo 20)
Os silêncios e as lacunas proliferam na narrativa da governanta, servindo como
marcadores para os assuntos que ela percebe serem tão terríveis que são
indescritíveis. Ela "deu muita importância ao fato" de as crianças nunca falarem de
sua antiga governanta e interpreta o silêncio delas como prova de sua comunicação
clandestina com o espírito perverso da falecida. Notavelmente, a governanta quebra
esse silêncio ao dizer o nome da Srta. Jessel, mas Flora apenas olha sem falar. Mais
uma vez, a governanta interpreta o silêncio da garota como um sinal de que ela é
culpada de participar de horrores indescritíveis.

49
20.
“Flora continued to fix me with her small mask of disaffection, and even at that
moment I prayed God forgive me for seeming to see that, as she stood there holding
tight to our friend’s dress, her incomparable childish beauty had suddenly failed,
had quite vanished.”

(Capítulo 20)
Quando a governanta exige que Flora testemunhe a aparição da Srta. Jessel pairando
sobre o lago, a menina permanece em silêncio, e a governanta conclui que perdeu
Flora para os demônios infernais. Ao mesmo tempo, a governanta percebe que a
beleza da garota está desaparecendo. Sua incerteza sobre o que vê encoraja a suspeita
de que, na verdade, foi a percepção da governanta sobre Flora que mudou. Enquanto
antes ela atribuía à garota uma "beleza infantil", a governanta agora vê Flora como
"quase feia" devido à sua suposta perda da inocência infantil.

21.
“So I put it before her, but she continued for a little so lost in other reasons that I
came again to her aid.”

(Capítulo 21)
Embora a governanta se refira à Sra. Grose como sua amiga e companheira, ela se
considera superior à caseira, tanto social quanto intelectualmente. A governanta
repetidamente "apresenta" à sua companheira novas idéias sobre Quint, a Srta.
Jessel e as crianças, mas sua linha de raciocínio frequentemente deixa a caseira
perdida, como acontece aqui. Ao representar a Sra. Grose como uma pessoa de
raciocínio lento, a governanta faz dela o contraponto perfeito para suas próprias
afirmações, muitas vezes intrigantes. Assim, como a Sra. Grose é simplória, ela não
consegue entender a lógica paradoxal da governanta, que geralmente se baseia em
suposições questionáveis; e como a Sra. Grose não consegue entender, a governanta
precisa "ajudá-la", em grande parte tirando conclusões para ela - conclusões
baseadas nas mesmas suposições.

22.
“How on the other hand could I make a new reference without a new plunge into the
hideous obscure?”

(Capítulo 22)
A Sra. Grose e Flora foram embora, e a governanta pensa em como arrancar de Miles
uma confissão de suas transgressões. Ela está relutante em abordar o assunto com
ele por medo de confrontar "o obscuro hediondo", uma admissão de sua parte que
explica a evasividade de sua própria narrativa e a ambiguidade generalizada da
novela. "O obscuro hediondo" se esconde sob o texto de James, assim como o
subconsciente sob a mente consciente. Como o subconsciente do texto, ele é

50
hediondo demais para ser colocado em palavras, mas age por meio de silêncios e
incertezas para desestabilizar o significado do texto.

23.
“We continued silent while the maid was with us—as silent, it whimsically occurred
to me, as some young couple who, on their wedding journey, at the inn, feel shy in
the presence of the waiter.”

(Capítulo 22)
Embora a governanta tenha convencido a Sra. Grose a partir com Flora para que ela
tivesse tempo de conversar com Miles e conseguir a confissão dele, seu pensamento
"caprichoso" enquanto janta com Miles sugere outros motivos, talvez inconscientes.
Antes desse momento, ela já se imaginava a dama da casa, mas agora assume o papel
com mais seriedade, informando aos empregados que ela e Miles comerão na sala de
jantar, não na sala da aula. De fato, ao dispensar "a ficção" de que Miles é seu aluno e
dizer a ele que é sua "amiga", a governanta ignora as diferenças de idade e classe
entre eles, o que lhe permite vê-los como um casal.

24.
“The frames and squares of the great window were a kind of image, for him, of a
kind of failure.”

(Capítulo 23)
Depois que a governanta e Miles terminam de jantar, Miles olha pela janela da sala.
A governanta tem a impressão de que, embora Miles procure Quint, sua clarividência
falha pela primeira vez. O impedimento da comunicação do menino com o demônio é
simbolizado pela moldura da janela. Miles pode muito bem se sentir “impedido”, mas
não necessariamente por não mais poder se comunicar com os mortos. Apesar de
desejo expresso do menino de deixar Bly, "para ver mais da vida", a governanta
restringiu o mundo dele a apenas os dois, prendendo-o como se em uma armadilha.

25.
“It was for the instant confounding and bottomless, for if he were innocent what
then on earth was I?”

(Capítulo 24)
Miles finalmente revela o que aconteceu na escola: Ele "disse coisas" a alguns outros
garotos. Essa ofensa é tão mais branda do que a governanta imaginava que ela se
sente "flutuar não para a claridade, mas para uma obscuridade mais sombria". Ela
vislumbra momentaneamente a possibilidade de Miles não ter sido corrompido por
Quint, o que, por sua vez, a força a enfrentar "um obscuro mais sombrio", talvez os
horrores reprimidos em seu subconsciente. Como a possibilidade da inocência de
Miles é aterrorizante demais, a governanta logo supõe que ele deve ter dito coisas
abomináveis e o exorta a confessar isso.

51
PARA REFLETIR

1.
O conteúdo do Prólogo aumenta ou diminui sua confiança na governanta como uma
narradora confiável? Por quê?

2.
Levando em conta o gênero e a classe social da governanta, explique por que o nome
dela nunca é revelado.

3.
No prólogo, Douglas diz que a governanta estava apaixonada, mas sua narrativa não
diz por quem, "não de uma forma literalmente vulgar". Quem ela amava? O tio?
Miles? Outra pessoa? De que forma o amor dela é uma parte central de sua história,
como sugere Douglas?

4.
Há um debate de longa data entre os leitores sobre se os fantasmas da novela são
reais. Como a carta da escola de Miles entra nesse debate? A existência da carta dá
mais credibilidade a um dos lados do debate? Por quê?

5.
Na primeira vez em que a governanta vê a aparição de Quint, ela nota "a intensa
quietude em que os sons da noite caíam". No parágrafo final de sua narrativa, ela se
refere ao "dia calmo" duas vezes. Que outros momentos de silêncio ocorrem? O que o
silêncio significa na novela?

6.
Observe atentamente as passagens em que a governanta se concentra em Flora.
Como a impressão que ela tem de Flora muda ao longo da narrativa? A governanta se
vê refletida na menina? Em caso afirmativo, como isso explica a mudança de suas
percepções sobre Flora?

7.
A governanta vê a Sra. Grose como uma "mulher simples, limpa e saudável", mas sua
narrativa permite que os leitores especulem que a caseira é uma personagem
complexa que, na verdade, está manipulando a governanta por seus próprios
motivos. Levando em conta as duas posições, decida qual delas é mais convincente e
explique por quê.

8.
No final do Capítulo 17, a governanta grita: "Porque a vela se apagou?” e Miles
responde: "Fui eu que a apaguei”. Por que Miles apaga a vela? O que a vela pode

52
representar para a governanta e, separadamente, para Miles? Como o ato de Miles de
apagar a vela se relaciona simbolicamente com os temas do romance?

9.
Embora não haja referências textuais explícitas à sexualidade, quando a Sra. Grose
afirma que "Quint era muito livre", há boas razões para suspeitar que ela quer dizer
muito livre sexualmente. Qual é o ponto de vista geral da novela com relação à
sexualidade? Ela condena a sexualidade como algo ruim? Ou critica as proibições
sociais que controlam a sexualidade? Explique sua resposta.

10.
No final da novela, pouco antes da morte de Miles, a governanta exclama para ele:
"Que importância tem ele agora, meu querido? Você agora é meu, [...] mas ele perdeu
você para sempre!". Há pelo menos duas maneiras de entender sua declaração: Ela
salvou Miles de Quint ou acredita que, finalmente, está de posse do próprio Miles.
Com qual interpretação você concorda e por quê?

53
Sobre o que "A Outra Volta do Parafuso" se trata afinal?
Jonathan Dean

Algo terrível aconteceu em Bly, e algo horrível acontece com os personagens; mas o
que foi? Alguém por favor nos diga o que está acontecendo!

Não, nós não vamos!

Desde que a novela de Henry James apareceu na revista Collier's, serializada ao


longo de vários meses no início de 1898, as muitas, muitas perguntas sem resposta
desta história têm intrigado, frustrado, tentado e enfurecido os leitores, sem
mencionar aqueles que encontram a história traduzida para ópera, TV e cinema.
Os fantasmas são reais? A governanta está louca? Por que Miles foi expulso da
escola? Devemos acreditar na Sra. Grose quando ela descreve Quint como
verdadeiramente desprezível? Como Srta. Jessel morreu? Ela estava grávida e, se
sim, quem era o pai? O que as crianças testemunharam? O que as crianças
entendem? Houve um crime e, se sim, quem foi o responsável?

Mas "A Outra Volta do Parafuso" não é um mistério, é uma história de fantasmas.
Não apenas "A Outra Volta do Parafuso" falha em responder a qualquer uma dessas
perguntas, sua falta de clareza é talvez o ponto.

Como o poeta Brad Leithauser escreveu sobre a obra-prima de James na revista The
New Yorker, "O livro se torna um modesto monumento à busca ousada da
ambiguidade. Ele é rigorosamente comprometido com a falta de compromisso".
Porque esta obra de arte é completamente aberta, ela funciona como um teste de
Rorschach. As pessoas têm uma tendência a encontrar nela quaisquer questões que
tragam consigo.

Alguns exemplos de como a obra é interpretada:

A visão "Sem sexo, por favor, somos britânicos":


Talvez o que aconteceu em Bly não tenha sido tão terrível, pelo menos não pelos
padrões de 2018. Talvez as crianças tenham aprendido sobre os assuntos íntimos
devido ao fato de sua antiga governanta ter tido um caso com um colega. E Miles
pode ter sido expulso da escola interna porque ousou discutir sobre sexo com seus
colegas. Na Inglaterra vitoriana, o estigma de tal caso poderia muito bem destruir
tanto Jessel quanto Quint, como parece ter acontecido. O que foi pior para as
crianças: testemunhar toda essa triste história ou ter que fingir que nunca
aconteceu?

A visão freudiana:
Ou será que o caso entre Quint e Jessel não era um problema até que a nova
governanta das crianças o tornou um? A psicanálise do início do século XX

54
frequentemente diagnosticava uma condição conhecida como "histeria sexual", ou
seja, problemas psicológicos graves decorrentes da repressão sexual exigida das
mulheres bem-educadas naquela época. (Até mesmo a palavra "histérica" é misógina.
Etimologicamente, deriva do grego antigo "histera", ou útero, equiparando assim "a
condição de ter um útero" com "uma vida emocional excessiva e caótica".) Na ópera,
a governanta vê seu primeiro fantasma quando está sozinha no parque, fantasiando
sobre uma visita imaginária do tio das crianças, por quem ela parece ter uma queda.
Isso significa que os fantasmas são manifestações de seu próprio desejo reprimido?
Ou são suas visões pesadelos do que Flora e Miles se tornarão se ela falhar em
proteger a inocência deles (ou a sua própria)?

A relevância do movimento #MeToo:


Qualquer pessoa que não esteja vivendo atualmente em uma caverna, com os olhos
vendados e tampões nos ouvidos, perceberá que Bly é assombrada por memórias
traumáticas de algum mal monstruoso. (Os detalhes exatos - estupro, assassinato,
incesto, abuso infantil, automutilação, abuso sexual, etc. - são deixados para a
imaginação do público, tornando o mal ainda mais assustador.) Os fantasmas podem
não existir de fato, mas as memórias certamente direcionam e controlam todas as
nossas vidas, tanto as memórias reprimidas de trauma quanto as lembranças
afetuosas daqueles que amamos e perdemos. Seriam os fantasmas cicatrizes nesse
sentido, memórias de pessoas que amamos, que nos machucaram ou ambas as
coisas?

A quebra de maus hábitos:


Conforme a novela se desenrola, a governanta assume a tarefa de libertar as crianças
de seus tutores maliciosos do mal. Ela acredita que os fantasmas estão controlando
as crianças além da sepultura, manipulando seu comportamento ruim. Mas parar
esse comportamento ruim não é tão fácil, porque agora essas crianças são viciadas:
envergonhadas do que estão fazendo, cientes de que é destrutivo e errado, mas
incapazes de parar. E como qualquer pessoa que já tentou parar abruptamente sabe,
não é tão simples quanto "apenas dizer não" (Isso é verdade tanto para o vício em
sexo, drogas, um relacionamento ruim, beber muito refrigerante diet ou
simplesmente verificar o iPhone toda vez que você respira). A governanta é uma
espécie de assistente social, que se atribui o dever de libertar essas crianças de seu
vício. Mas é quase impossível alguém conseguir quebrar o mau hábito de outra
pessoa, e a governanta acaba se fixando obsessivamente nisso. Isso não é outro tipo
de vício?

O diretor de palco Peter Kazaras, em uma entrevista recente ao Broadway World,


rejeita a abordagem de "ou isso, ou aquilo", comum o suficiente nas críticas de A
Outra Volta do Parafuso, que postula que "OU os fantasmas existem, OU a
governanta está louca". "É o errado a se fazer", diz Kazaras. "A morte da arte é o
reducionismo... Você faz essa pergunta para se livrar da responsabilidade: 'São

55
fantasmas; ou está tudo na mente da mulher. Então não há nada que possamos
fazer.' Como sociedade, todos somos culpados pela falta de envolvimento e empatia."

Uma lição que todos podemos tirar de A Volta do Parafuso: se você vê algo, diga algo.
Para a governanta, a primeira indicação de que algo não está bem é a carta da escola
de Miles, expulsando o menino. Sua resposta é a pior escolha possível:

Sra. Grose: O que você fará então?


A Governanta: Não farei nada.
Sra. Grose: E o que você dirá a ele?
A Governanta: Não direi nada.

Ao contrário da Sra. Grose, não vamos aplaudir essa decisão. Evitar confronto com as
pessoas em sua vida geralmente não é a resposta. Se não aprendermos mais nada
com A Outra Volta do Parafuso, que pelo menos encoraje aqueles que falam assim
que percebem um problema.

56
Ainda mais assustador: Sobre "A Outra Volta do Parafuso"
Brad Leithauser

Em "A Outra Volta do Parafuso", publicado em 1898, a narradora sem nome é uma
jovem mulher, filha de um pastor, que é contratada como governanta de duas
crianças angelicais em Bly, uma remota casa de campo inglesa. O que inicialmente
parece um idílio pastoral logo se torna aterrorizante, à medida que ela se convence de
que as crianças estão se associando a dois espíritos malévolos. Esses são os
fantasmas de antigos funcionários de Bly: um criado e uma governanta anterior. Em
vida, escandalosamente, os dois foram demitidos como amantes ilícitos, e suas
visitações espectrais às crianças sugerem satanismo e possíveis abusos sexuais.
Claramente, Miles, de dez anos, e Flora, de oito anos, precisam ser protegidos. No
entanto, a governanta, em sua tentativa de proteger suas pupilas de perigos
possivelmente imateriais, acaba traumatizando a menina e matando o menino.

O leitor, de fato, se torna um júri único. Ele deve determinar a culpa ou inocência da
governanta. Qualquer julgamento que formos, o livro cumpre abundantemente sua
promessa, estabelecida nas primeiras páginas, de que nada pode se comparar em
termos de pura "terrível - temerosidade". É uma história de fantasmas sombria e
rica. A linguagem é extremamente densa - James tardio em todo o seu requinte
retórico rococó - e, embora o livro tenha apenas algumas centenas de páginas, ele
cria um encanto não apenas sombrio, mas extenso: parece mais longo do que é.
Histórias de fantasmas geralmente têm sucesso em dez ou quinze páginas
compactas, habilmente projetadas para culminar em um momento em que todos os
medos menos plausíveis são realizados. No entanto, James, trabalhando em uma
escala muito mais ampla, consegue manter a tensão aumentando. Sua história se
torna cada vez mais sombria, cada vez mais assustadora. Mesmo assim, apesar de
todas as inovações de enredo, a questão central da história pode ser expressa de
forma direta: A governanta está louca?

Se os fantasmas são reais, então ela está sã, e seus esforços desesperados para
proteger suas queridas crianças, embora condenados no final, são nobres e de
abnegação. Se os fantasmas são meras ilusões, então ela está sofrendo um surto de
insanidade, no qual suas "revelações" sobre as comunicações sobrenaturais das
crianças e sua percepção delas como aliadas ao mal indizível devem refletir suas
agressões e hostilidades profundamente reprimidas.

O desejo de James de nos transformar em jurados tem sido ansiosamente adotado ao


longo dos anos. "A Outra Volta do Parafuso" tem servido como um grão irresistível
para aqueles críticos inclinados a resolver histórias de uma vez por todas. Em
comentário após comentário, artigo após artigo, as evidências têm sido examinadas e
julgamentos têm sido proferidos. Leitores bons e inteligentes têm confirmado a
validade dos fantasmas (Truman Capote); leitores igualmente bons e inteligentes
estabeleceram de forma contundente a loucura da governanta (Edmund Wilson).

57
Todas essas tentativas de "resolver" o livro, por mais admiráveis que sejam,
inadvertidamente contribuem para sua diminuição. Sim, se optarmos por aceitar a
realidade dos fantasmas, "A Outra Volta do Parafuso" apresenta um relato
estimulante de terror desenfreado. (Foi assim que o li pela primeira vez, na minha
adolescência.) E se aceitarmos a loucura da governanta, temos uma visão fascinante
de uma dissolução mental avassaladora. (Foi assim que o li em seguida, sob a
instrução de um professor na faculdade.) Mas "A Outra Volta do Parafuso" é maior
do que qualquer uma dessas interpretações. Seu prazer mais profundo reside na
forma cuidadosamente elaborada em que James se recusa a tomar partido. Em seus
vinte e quatro breves capítulos, o livro se torna um modesto monumento à audaciosa
busca pela ambiguidade. Ele é rigorosamente comprometido com a falta de
compromisso. Em cada releitura, você tem que se maravilhar novamente com a
habilidade e meticulosidade com que James joga dos dois lados.

O diálogo das crianças apresenta um exemplo astuto. Eles constantemente utilizam


frases que podem ser ingênuas - ou podem ser astutas e desagradáveis. Quando Miles
pede à governanta para enviá-lo para um internato, observando que ele é "um
sujeito, entende? que está - bem, crescendo", ele está mostrando um desejo ingênuo
de estar com meninos de sua própria idade, ou está confessando a comovente
precocidade da criança abusada? Quando Flora diz à governanta: "Não quero te
assustar", ela está explicando por que é universalmente admirada por seu bom
comportamento, ou está fazendo uma ameaça dissimulada?

"A Outra Volta do Parafuso" proporciona uma oportunidade incomparável de ler de


forma bifurcada, de operar parágrafo por parágrafo em dois níveis. Logicamente, o
efeito disso deveria ser expansivo. James está lidando com a abertura; os leitores
podem alternar, à vontade, entre conto de fantasmas e estudo de personagens.

No entanto, a maior proeza do livro, seu paradoxo mais agudo, é que o efeito final é
precisamente o oposto da abertura. "A Outra Volta do Parafuso" pode ser o livro mais
claustrofóbico que já li. Sim, você é livre para alternar constantemente de uma
interpretação para a próxima, e no entanto, à medida que você avança mais
profundamente na história, cada interpretação começa a parecer mais terrível que a
outra. À medida que o horror se acumula, a bela casa de campo efetivamente
desaparece, como a carne que se retira do crânio de um cadáver, e somos depositados
em uma paisagem infernal, sem plantas, baixa de ossos e pedras: muitos lugares para
correr, mas nenhum lugar para se esconder.

Críticos acadêmicos, para quem a expressão "narrador não confiável" é


consistentemente uma das mais empolgantes na linguagem, têm, como era de se
esperar, focado suas energias na loucura da governanta - frequentemente
interpretada como uma forma de histeria sexual. A nova edição da Penguin, com
uma introdução de David Bromwich, é característica. Seu ensaio é inteligente e
habilmente escrito, mas ele não demonstra muito interesse em explorar todas as

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implicações necessárias se os fantasmas forem reais. Ele conclui, sem rodeios, que o
mal que ameaça as crianças "é canalizado e comunicado pela governanta", que nos
apresenta "uma imagem inesquecível de projeção psicológica - os medos internos da
governanta transfigurados pela imaginação em uma ameaça palpável." Ele
efetivamente nos oferece uma história de fantasmas sem fantasmas.

No entanto, é um mundo mais morto, por assim dizer, se os fantasmas forem


eliminados. Bromwich faz conexões perspicazes com a ficção não sobrenatural de
James, aproximadamente do mesmo período, grande parte dela preocupada - como
"A Outra Volta do Parafuso" - com narradores instáveis, casas cheias de segredos,
feitos questionáveis de clarividência, etc. Mas ele faz pouco para traçar as outras,
menos respeitáveis, relações literárias do livro - todas as conexões de volta às
histórias de fantasmas do início do século XIX e aos romances góticos, em última
análise, de volta aos contos populares e anedotas à beira da lareira sobre movimentos
estranhos na moita e gritos não identificáveis no cemitério iluminado pela lua, frios
abruptos e brisas que parecem toques invasivos... Embora "A Outra Volta do
Parafuso" seja o mais famoso dos contos fantasmagóricos de James, ele escreveu
ficção sobrenatural ao longo de sua vida - mais de setecentas páginas ao todo. O
gênero o obcecava.

O título de James, "A Outra Volta do Parafuso", carrega sugestões de excitação e


suspense acumulativos. E também traz conotações de câmara de tortura e
depravação impensável. Ele nos atrai, nos adverte. No entanto, a sugestão da câmara
de tortura só se concretiza se os fantasmas forem possivelmente autênticos. Eu disse
que qualquer interpretação do livro (fantasmas reais/loucura real) pode parecer pior
que a outra, mas isso só é verdade enquanto você está lendo. Você pode fechar a capa
do livro, assim como você fecharia uma cripta, na história da governanta
desequilibrada e suas crianças condenadas. Mas a cripta se abre novamente se ela
não estiver louca. Quando o livro completo está de volta à prateleira, a interpretação
mais assustadora é aquela em que algum agente sobrenatural real está solto e
caminha entre nós. Se a governanta está louca, ela matou involuntariamente um
menino brilhante e bonito; isso é uma tragédia, mas localizada. No entanto, se os
fantasmas são genuínos, há rachaduras irregulares no firmamento acima de todos
nós, e ninguém está seguro.

As melhores histórias de fantasmas entenderam intuitivamente essa assimetria


radical. O Mal e o Bem não estão igualmente ou complementarmente equiparados. O
Bem pode triunfar no final, e a alma salva pode encontrar seu caminho para o
alicerce celestial do Paraíso. Mas o Mal, apesar de sua derrota eventual, nunca será
facilmente suprimido. Ele tem um brilho de pele de cobra, um mesmerismo próprio.
Condenados à miséria eterna, os amaldiçoados estão inquietos em sua perdição.
Alguns deles são tão cruéis que são rejeitados até pelo inferno e, às vezes, conseguem
se infiltrar entre nós.

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