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A LEGIÃO

ESTRANGEIR
A
Clarisse Lispector

Anthony Gabriel V. Bonfim


Os Desastres de Sofia
“Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o
abandonara, mudara de profissão, e passara pesadamente a
ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele.”

“As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam


e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais:
as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não
era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de
tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só;
meu enredamento vem de que uma história é feita de
muitas histórias. E nem todas posso contar”
Os Desastres de Sofia
Eventos:
A estória é narrada por uma garota que, após a morte de seu professor do primário, conta
eventos de 4 anos atrás, onde seu fascínio pelo gordo e feio professor se assemelhava a, como
descrito, uma espécie de amor ou obsessão. A garota é extremamente arteira e importunava o
professor a toda chance, ação essa que descreve como uma forma de salva-lo, ou leva-lo para seu
lado, um dia o professor pede que os alunos escrevam um conto com as próprias palavras sobre um
homem pobre que, após sonhar com um tesouro, vaga pelo mundo em busca das riquezas mas não
as encontra, e voltando para casa torna-se rico quando trabalha em sua plantação. A garota,
apressada para ir ao recreio termina a redação primeiro, com a tentativa de subverter as
expectativas do professor, em seu texto procura remover a moral da estória original, adicionando a
frase “o tesouro que se disfarça está escondido onde menos se espera”, para sua surpresa o
professor não recebe essa adição com cólera, mas sim com admiração. A reação inicial da garota é
descrença, mas após fugir do professor e refletir, percebe que a forma com que tratava o professor
era uma reflexão de si mesma e suas próprias inseguranças, sentimentos de falta de valor próprio.
Os Desastres de Sofia
Análise:
O tema do conto é o próprio ato de escrever, e para Clarisse, uma expressão do seu encontro
com a literatura em si, o nome do conto é o mesmo de um livro da Condessa de Ségur, este que
Clarisse leu durante a infância. A dinâmica do professor e da aluna é representada em certos
momentos de forma erótica, com a narradora descrevendo o professor como o santo e si mesma
como a prostituta, a mulher que ainda iria se tornar, descreve sua relação com o professor como
um ato de sedução, e ao fim, se descreve como uma virgem anunciada. O fato é que a personagem
da narradora vê no professor uma figura de um inimigo, mas esse antagonismo é uma forma de
suporte para si, refletindo sua auto percepção negativa nele para justificar suas ações, e sua
repreensão como esperança de que no futuro, após a infância, talvez se tornaria uma pessoa
melhor que “não acredita nas mentiras”. Também é interessante apontar que os papeis
tradicionais de educador-educando são invertidos, já que ao fim o professor se vê como um
aprendiz e a aluna se vê como uma “mestra”.
A Repartição dos Pães
“Era sábado e estávamos convidados para o almoço
de obrigação. Mas cada um de nós gostava demais de
sábado para gastá-lo com quem não queríamos. Cada
um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do
desejo. Eu, eu queria tudo. E nós ali presos, como se
nosso trem tivesse descarrilado e fôssemos obrigados
a pousar entre estranhos.”

“Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas


teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós
comemos. Pão é amor entre estranhos.”
A Repartição dos Pães
Eventos:
Um grupo de convidados a um almoço de sábado aparecem à casa da anfitriã sem disposição
para estar lá, por ser um sábado prefeririam gastar o dia com pessoas que realmente importam e
não com um grupo de estranhos, porém essa falta de disposição logo desaparece quando o grupo
percebe que a mesa do almoço estava tão robusta e completa que sentem que não mereciam tal
alimento. O grupo se deleita sobre o banquete sem expelir palavra alguma de amor, mas se
regozijando com uma ideia vaga de união. Pão é o amor entre estranhos.

Análise:
O conto possui uma série de simbolismos bíblicos, como a ceia, o fato de que a anfitriã é
descrita como uma pessoa que lava os pés de estranhos, e o pão e vinho presentes no banquete; O
conto representa o lado das pessoas que se aproveitam do altruísmo, que sem merecer se regozijam
sobre um banquete que não merecem como se estivessem interessados desde o princípio, como
parasitas, sugando o que podem quando podem.
A Mensagem
“A princípio, quando a moça disse que sentia angústia,
o rapaz se surpreendeu tanto que corou e mudou
rapidamente de assunto para disfarçar o aceleramento
do coração.”

“Mas, atolado no seu reino de homem, ele precisava


dela. Para quê? para lembrar-se de uma cláusula?
para que ela ou outra qualquer não o deixasse ir longe
demais e se perder? para que ele sentisse em
sobressalto, como estava sentindo, que havia a
possibilidade de erro? ”
A Mensagem
Eventos:
A história de um jovem que sente uma conexão verdadeira com uma garota através da
angústia, gerando um maravilhamento de finalmente poder conversar sobre as coisas que
realmente importam, essa conexão de ambos através de sofrimento mútuo porém faz com que
homem e mulher se encontrem ambos num mesmo nível de compreensão, e essa visão diminui nele
a mulher nela, e passa a trata-la como um homem, a partir daí a relação entre ambos começa a
ruir e, entretanto, não conseguem se separar, não sabendo o que queriam um do outro tratavam a
si mesmos como rochas menores a se apoiar antes de se alcançar as maiores, não havia amor, tanto
que ela contava a ele sobre a atração que tinha ao professor, e ele nãoa a via como mulher. Durante
um dia quando andam de volta para casa da escola se encontram de frente com uma grande casa
velha, essa que representa como uma esfinge a maturidade que de certa forma buscavam alcançar,
no fim a garota assume seu papel de mulher, e o garoto assume seu papel de homem, com a dúvida
sanada de que não havia forma dele realmente compreender angústia, justificando o que julgava
ser um ludibrio da garota como a razão pela qual a relação ruiu em primeiro lugar, ele era homem
e ela mulher. Os dois se separam e o jovem fica vazio sentindo que, justificando o sentimento como
um momento de fraqueza, realmente precisava dela.
A Mensagem
Análise:
O conto representa uma história de jovens tentando encontrar o caminho da maturidade, a
figura da casa representa todas as expectativas, medos e inseguranças desse objetivo, seu tamanho
força-os a olhar de baixo para cima, diminuído suas figuras e deixando claro o quão pequenos são
por ser jovens. O fim deixa um vazio de uma relação não compreendida e não vivida, abandonada
pela ignorância.
Macacos
“Meu menino menor sabia, antes de eu saber, que eu
me desfaria do gorila: "E se eu prometer que um dia
o macaco vai adoecer e morrer, você deixa ele ficar?
E se você soubesse que de qualquer jeito ele um dia
vai cair da janela e morrer Iá embaixo?“ Meus
sentimentos desviavam o olhar”

“No dia seguinte telefonaram, e eu avisei aos meninos


que Lisette morrera. O menor me perguntou: "Você
acha que ela morreu de brincos?" Eu disse que sim.”
Macacos
Eventos:
O conto é sobre as experiências da narradora com macacos de estimação, o primeiro macaco
tendo entrado em sua casa perto do ano novo, quando a mulher foi desfazer-se do bicho seus filhos
a imploravam para que fique lá, dizendo: “E se eu prometer que um dia o macaco vai adoecer e
morrer, você deixa ele ficar? ”. Um ano depois a mãe vê na praia de Copacabana um homem
vendendo macacos, e se lembrando de seus filhos e das alegrias que eles a traziam resolve comprar
uma macaca para criar uma “cadeia de alegria”. A macaca, chamada Lisette, era pequena a ponto
de quase caber nas mãos, tendo brincos saia colar e pulseira, porém sua vida foi efêmera, durando
apenas três dias até adoecer, a família leva a macaca a um hospital onde o médico diz que sua vida
é improvável, e que não se compra macacos na rua já que eles podem vir com uma doença, “tinha-
se que comprar macaca certa, saber da origem, ter pelo menos cinco anos de garantia do amor,
saber do que fizera ou não fizera, como se fosse para casar”. A mãe diz ao doutor, que é um amante
de animais, que se conseguir fazer a Lisette viver pode considera-la de si. No fim a macaca morre,
o filho da narradora pergunta a ela se Lisette morreu de brincos, e a mãe responde que
provavelmente sim, um tempo depois o filho mais velho diz "Você parece tanto com Lisette!", e a
narradora responde "Eu também gosto de você".
Macacos
Análise:
O tema da relação humana com animais é recorrente na coletânea. Nesse conto em particular,
há uma clara antropomorfização da macaca Lisette, que que usa saia e brincos, é descrita com
uma aparência imigrante e jeito delicado, também há uma comparação da macaca com a
narradora nas últimas sentenças do conto. Além desse tema, percebi uma certa semelhança na
descrição da macaca com a forma que as pessoas tendem tratar a ideia de ter filhos. Também há
uma justaposição da forma que o primeiro macaco é tratado, indesejado utilizando da morte como
argumento para que fique, e da macaca Lisette, desejada, utilizando da doação como argumento
para que viva, o conto parece fazer um ponto sobre como descartamos coisas importantes quando
temos a chance de te-las.
O Ovo e a Galinha
O Ovo e a Galinha
Eventos:
Pode ser classificado como uma dissertação sobre o mistério do ovo, é uma descrição
linguisticamente complexa sobre as filosofias do ovo.

Análise:
A narrativa é uma análise introspectiva, que acompanha os pensamentos do locutor, muitas
vezes rompendo com a linearidade e contradizendo linhas de pensamento. O absurdo do objeto de
análise questiona a realidade inicial estabelecida na primeira frase do texto, que logo é rompida,
parte do princípio de que há uma verdade a ser contada, mas a linguagem confunde e disfarça essa
verdade. A figura do ovo e da galinha são claras referências à clássica pergunta de quem veio
primeiro, notável pelo seu absurdo por ser uma pergunta que pode ser aproximada de tantos
ângulos até que se perceba que não há uma resposta real, o texto ironiza a questão original,
criando uma filosofia baseada em comparações tão absurdas que podem fazer com que a pergunta
de quem veio primeiro comece a fazer sentido em comparação. A estrutura do texto em si é um
desafio para os limites da literatura, questionando o alcance do absurdo nos elementos que possam
montar uma narrativa, narrativa esta que é argumentável que a tese sobre o ovo não monta, de
fato, chamar “O Ovo e a Galinha” de um conto pode ser considerado esticar os limites de
significado da palavra em si, mas se não é um conto, o que é? Quem veio primeiro? O ovo ou a
galinha?
Tentação
“Numa terra de morenos, ser ruivo era uma
revolta involuntária.”

“Entre tantos seres que estão prontos para se


tornarem donos de outro ser, lá estava a menina
que viera ao mundo para ter aquele cachorro.
Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o
sob os cabelos, fascinada, séria.”
Tentação
Eventos:
Uma garota ruiva soluçando senta nos degraus da frente de sua casa numa tarde, observada
por uma pessoa do outro lado da calçada são narrados os eventos em que um Cão Basset, também
ruivo, atravessa a rua, os dois como se metades de um mesmo ser param e num momento inerte
olham um nos olhos do outro, como se pudessem se comunicar, o Basset então atravessa a rua, a
garota o segue com os olhos, mas ele sendo mais forte que ela não olha para trás.

Análise:
Novamente o tema de relação animal com o homem, o conto utiliza o “ser ruivo” como
característica distintiva, “Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária”, e como
tal representa a relação inseparável do destino entre a raça humana e a dos cães.
Viagem à Petrópolis
“Era uma velha sequinha que, doce e obstinada, não
parecia compreender que estava só no mundo. Os olhos
lacrimejavam sempre, as mãos repousavam sobre o
vestido preto e opaco, velho documento de sua vida.”

“A estrada branca de sol se estendia sobre um abismo


verde. Então, como estava cansada, a velha encostou a
cabeça no tronco da árvore e morreu.”
Viagem à Petrópolis
Eventos:
Narra a história de mocinha, uma idosa cuja família inteira morreu conforme a vida passou e
ficou sozinha, vivia de caridade na casa de uma família que, cansada de sua presença, resolveu
leva-la para Petrópolis para deixa-la na casa de um parente, durante a viagem ela tenta se
relembrar de sua vida e de seus familiares que morreram, como os filhos e o marido. Ao chegar na
casa de Arnaldo, o parente, ela é recusada, Arnaldo a paga uma passagem para o Rio para que
volte a casa da mãe e diga que “A casa de Arnaldo não é asilo não, viu! ”, mocinha aceita a
passagem, mas antes de voltar logo decidiu fazer o de costume, passear um pouco e apreciar a
paisagem, sentou-se numa pedra junto à uma árvore, e como estava cansada se apoiou para
descansar e morreu.

Análise:
Este conto é notório por ter sido escrito quando a autora tinha apenas 14 anos, isso se torna
bem claro quando se percebe que esse é provavelmente o mais objetivo da coletânea, sem a
linguagem rebuscada, porém, ainda com a introspecção de personagens que lhe é característica. A
história de mocinha é uma de solidão, de como o valor de um indivíduo é apenas percebido quando
está rodeado de pessoas que se importam com si, mocinha morreu sozinha, sem ninguém para
prantear ou sequer sentir sua falta.
A Solução
“Chamava-se Almira e engordara demais. Alice era a
sua maior amiga. Pelo menos era o que dizia a todos
com aflição, querendo compensar com a própria
veemência a falta de amizade que a outra lhe
dedicava.”

“Ficou encarregada da roupa suja, e dava-se muito


bem com as guardiãs, que vez por outra lhe
arranjavam uma barra de chocolate. Exatamente
como para um elefante no circo.”
A Solução
Eventos:
O conto narra a história das “amigas” Almira, gorda e presunçosa, e Alice, pensativa e
educada. A amizade era unilateral, partindo completamente de Almira que era sempre ignorada
por Alice aos sorrisos. Um dia Almira percebeu que Alice chegara atrasada para ao trabalho e
mais tarde encontrou-a chorando com os olhos vermelhos, no almoço implorou para que Alice a
explicasse o que acontecera, e Alice, enfurecida, grita “Sua gorda Você não pode me deixar em
paz? ”, e grita que a razão de sua tristeza é que “Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai
mais voltar. Numa espécie de despertar Almira responde Alice enterrando um garfo em sua
garganta, logo sendo presa. Na prisão Almira finalmente tem companheiras e se dá muito bem com
as guardiãs, que por vezes à entregam barras de chocolate “exatamente como para um elefante no
circo”.

Análise:
O tema é a relação interpessoal unilateral, representada por Almira, sendo gorda,
representando sua gula pela amizade de Alice que a tolera.
Evolução de uma Miopia
“Se era inteligente, não sabia. Ser ou não
inteligente dependia da instabilidade dos outros.
Às vezes o que ele dizia despertava de repente
nos adultos um olhar satisfeito e astuto.”

“E foi como se a miopia passasse e ele visse


claramente o mundo. O relance mais profundo e
simples que teve da espécie de universo em que
vivia e onde viveria. Não um relance de
pensamento. Foi apenas como se ele tivesse
tirado os óculos, e a miopia mesmo é que o
fizesse enxergar.”
Evolução de uma Miopia
Eventos:
Conta a história de um garoto de óculos que se torna obcecado com as classificações em que os
adultos o atiravam de forma instável, o ser educado, o ser inteligente, o ser dócil, todas instáveis
pois eram dependentes de situação e contexto. O garoto recebe a notícia que iria passar um dia na
casa de uma prima casada e sem filhos, e nisso vê a oportunidade de, a partir das primeiras
impressões, escolher a classificação a qual seria julgado pelo amor da prima, criando assim pela
primeira vez uma estabilidade porém no dia em questão é pego de surpresa pela prima ter um
dente de ouro, a quebra do planejamento faz que o plano pare de funcionar, além disso o amor que
acreditava que viria garantido da mulher de forma imediata veio de forma mais gradual e natural,
suas observações não surtiam efeito na forma como ela o via. Numa pausa no banheiro decide que
já que seu plano não tinha dado certo, iria passar um dia inteiro sem ser julgado como nada, assim
criando uma estabilidade, porém, conforme o dia passava percebia que era julgado pela prima
como um amado. Nesse dia percebeu uma das raras formas de estabilidade, a do desejo
irrealizável, no caso o desejo da prima de ter filhos, e que o menino de óculos fosse seu, um ideal
intangível, pela primeira vez sentiu atração pelo imoderado e amor à paixão, e de repente era
como se a miopia acabasse e ele pudesse ver o mundo claramente. “Talvez tenha sido a partir de
então que pegou um hábito para o resto da vida: cada vez que a confusão aumentava e ele
enxergava pouco, tirava os óculos sob o pretexto de limpá-los e, sem óculos, fitava o interlocutor
com uma fixidez reverberada de cego”.
Evolução de uma Miopia
Análise:
O texto apresenta ideias de instabilidade da percepção humana e relação a indivíduos, instável
pois é dependente de situação e contexto, e o desagrado dos rótulos que tentam definir o mutável
constante, o dente de ouro representa o fato de que o inesperado é constante, e que a ideia
tradicional de estabilidade é inalcançável da maneira ideal, a única certeza real é a incerteza, e a
única estabilidade é o fato de que podemos garantir a instabilidade.
A Quinta História
“Esta história poderia chamar-se "As Estátuas".
Outro nome possível é "O Assassinato". E
também "Como Matar Baratas".”

“A quinta história chama-se "Leibnitz e a


Transcendência do Amor na Polinésia".
Começa assim: queixei-me de baratas.”
A Quinta História
Eventos:
O conto é narrado da perspectiva de uma escritora contando ideias para estórias. A primeira,
“como matar baratas”, fala da personagem que se queixa da infestação de baratas em sua casa e
recebe de uma senhora a dica de uma mistura de açúcar e gesso que seria capaz de matar e
prender as baratas. A segunda, “O Assassinato”, é a mesma até o ponto da mistura, e
linguisticamente mais rebuscada e descritiva fala sobre a narradora acordando durante a noite
para ver as baratas mortas. A Terceira, “Estátuas”, é a mesma até o ponto das baratas mortas,
onde continua descrevendo o processo de endurecimento das mesmas pelo gesso, sendo descritas
como corpos carbonizados e endurecidos pelo Vesúvio em Pompéia. A quarta, sem nome, descreve
a manhã seguinte onde a narradora encontra novas baratas em sua casa. O conto termina
descrevendo o começo da quinta história, “Leibnitz e a transcendência do amor na Polinésia”, que
começa com as baratas.

Análise:
O conto apresenta uma metalinguagem que descreve o próprio processo de surgir com ideias
para estórias e descreve-las. Clarisse Lispector era notória por escrever e reescrever suas estórias,
fato representado no fato de que na manhã seguinte ainda existem baratas a serem dedetizadas,
um ciclo infinito de ideias de uma obra que nunca é realmente finalizada.
Uma Amizade Sincera
“Não é que fôssemos amigos de longa data. Conhecemo-
nos apenas no último ano da escola. Desde esse momento
estávamos juntos a qualquer hora.”

“Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no


aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão
por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E
sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros”
Uma Amizade Sincera
Eventos:
Narra a história de dois amigos que se conheceram no último ano de colégio, no começo
tinham uma relação bem movimentada onde não havia nada que não pudessem confiar um ao
outro, porém com o tempo as conversas se desgastaram e ficavam sem coisas para falar, Ao convite
do narrador, seu amigo que antes morava sozinho passa a morar em sua casa, animados vêm a
oportunidade de reascender as chamas da amizade, porém percebem que estão mais solitários
juntos do que por si mesmos, quando o amigo tem uma questão a ser resolvida com a prefeitura o
narrador usa do caso como pretexto para uma intensa movimentação em busca da documentação
exigida, e após isso ambos tem assunto temporário. Com isso o narrador percebe o porquê dos
noivos se presentearem, para ceder a alma um ao outro, coisa que nenhum dos amigos estava
disposto a fazer, e como tal estavam fatigados, o conto termina com a separação de ambos ao
pretexto de férias de família, e com um último aperto de mão melancólico percebem que nunca
mais iriam se ver, e que também não queriam se ver, mas que no fim sabiam que eram amigos
sinceros.

Análise:
O conto analisa uma complexa situação social entre amigos, apresenta a verdadeira amizade
sincera como uma que inevitavelmente encontraria seu fim pela própria sinceridade e desgaste.
Os Obedientes
“Mas se alguém comete a imprudência de parar
um instante a mais do que deveria, um pé
afunda dentro e fica-se comprometido. Desde
esse instante em que também nós nos
arriscamos, já não se trata mais de um fato a
contar, começam a faltar as palavras que não o
trairiam”

“Nada mais havia a dizer. Faltava-lhes o peso de


um erro grave, que tantas vezes é o que abre por
acaso uma porta. Alguma vez eles tinham levado
muito a sério alguma coisa. Eles eram
obedientes.”
Os Obedientes
Eventos:
Um casal viveu muitos anos juntos. Sua harmonia conjugal era aparentemente perfeita. Mas
não tinham emoções. Cumpriam com perfeição a rotina, totalmente obedientes ao que se
convencionou chamar de realidade de um casal, inclusive quanto à fidelidade. Nem
individualmente nem em comum, faziam ou diziam algo de inconveniente. Já ultrapassada a idade
de 50 anos, ambos começaram a ter alguns sonhos. Cada um pensava timidamente em seu interior
sem falar: ele imaginava que muitas aventuras amorosas significariam vida; ela, que outro homem
a salvaria. Certo dia, ela estava comendo uma maçã e sentiu quebrar-se um dente da frente.
Olhou-se no espelho do banheiro, "viu uma cara pálida, de meia-idade, com um dente quebrado, e
os próprios olhos..." Então, jogou-se pela janela. O marido continuou existindo; "seco
inesperadamente o leito do rio, andava perplexo e sem perigo sobre o fundo com uma lepidez de
quem vai cair de bruços mais adiante."
Os Obedientes
Análise:
De certa forma o tema dessa obra é o inverso de “Uma amizade sincera”, onde aqui a ideia
clássica da união do casal é vista sem questionamento pelos personagens por uma obediência ao
ambiente social, se em uma amizade sincera a verdadeira amizade é aquela que acaba, aqui a
percepção é a de que manter a relação é a única opção e o amor surgirá como produto. “Trata-se
de uma situação simples, um fato a contar e esquecer. Mas se alguém comete a imprudência de
parar um instante a mais do que deveria, um pé afunda dentro e fica-se comprometido. ”
Questionar a realidade de como as coisas são compromete a percepção da veracidade dessa
realidade, mas se sua vida é construída numa mentira, você realmente gostaria de descobrir a
verdade?
A Legião Estrangeira
“Ela se agarrava em si, não querendo. Mas eu
esperava. Eu sabia que nós somos aquilo que tem
de acontecer. Eu só podia servir-lhe a ela de
silêncio. E, deslumbrada de desentendimento, ouvia
bater dentro de mim um coração que não era o
meu. Diante de meus olhos fascinados, ali diante de
mim, como um ectoplasma, ela estava se
transformando em criança.”

“O amarelo é o mesmo, o bico é o mesmo. Como na


Páscoa nos é prometido, em dezembro ele volta.
Ofélia é que não voltou: cresceu. Foi ser a princesa
hindu por quem no deserto sua tribo esperava.”
A Legião Estrangeira
Eventos:
O narrador, que é uma mulher, recebeu, um dia antes do Natal, um pinto. Quem deu foi a sua
vizinha, que sumiu sem explicações. Porém, lembrou-se de Ofélia, a filha de oito anos dessa família
que não aceitava nenhuma intimidade. Ao passar do tempo, Ofélia começou a visitar a narradora
diariamente e quando ouviu o piar do pinto, pediu para vê-lo e pegá-lo. No momento em que pegou
o pinto, deixou de mostrar a sua maturidade e se tornou uma criança brincando com o pintinho.
Depois o largou na cozinha, se despediu e retornou a sua casa. A narradora, seguindo sua intuição,
logo depois que a menina saiu, foi à cozinha e encontrou o animal morto. “Como na Páscoa nos é
prometido, em dezembro ele volta. Ofélia é que não voltou: cresceu. Foi ser a princesa hindu por
quem no deserto sua tribo esperava”.

Análise:
Trata-se de mais um conto sobre o atingir da maturidade, Ofélia é uma criança que age como
adulta, porém é revelada como criança de fato em sua interação com o pintinho, essa revelação da
infantilidade é, porém, muito breve, pois logo o pinto, que representa a juventude, morre e Ofélia
cresce para nunca mais voltar, o conto parte da perspectiva de uma figura materna, e diferente de
“A Mensagem”, não é sobre autodescobrimento, mas sim sobre a posição inevitável de ver os
jovens se tornarem adultos.

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