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Emaranhados

Sinopse
UM HOMEM DE SEU PASSADO A ASSOMBRAVA…
Com seus lindos olhos brilhando de ódio, Rebecca encarou Lorde David
Tavistock. Ele havia voltado ferido, mas vibrante e sensualmente vivo da
Guerra da Crimeia. Mas Julian Cardwell, seu marido doce e gentil e irmão
adotivo de David, não. Ela acusou David, selvagem e imprudentemente, da
decisão de Julian de entrar nos Guardas da Rainha, e da perda devastadora de
seu marido jovem e perfeito, cuja memória mesmo agora ainda dilacerava seu
coração e enchia seus sonhos.

ELE PROMETEU-LHE UM FUTURO…


Com seus olhos azuis obscurecidos por segredos escuros, David tinha
vindo para reivindicar a mulher que sempre amou. Durante toda a sua vida ele
tinha protegido o encantador Julian, escondendo a verdade de Rebecca sobre
as mulheres com quem Julian se relacionava, a criança que ele tinha gerado, e
a maneira escandalosa pela qual ele morreu. Agora, David ofereceu a Rebeca
uma vida de privilégio e riqueza como sua esposa. Ela queria um casamento
de conveniência, mas ele pretendia despertar suas paixões mais profundas,
para fazê-la esquecer de Julian Cardwell, e encontrar em sua cama todo o
êxtase do verdadeiro amor de um homem.
Capítulo 1
Inglaterra, fevereiro, 1854
Ela não iria para o cais. Já tinha dito isso a Julian. Muitas mulheres iam
ficar com seus homens até ao amargo fim, é claro. Ela os observava agora, da
janela do quarto do hotel, calma, ali de pé, as costas retas, de modo que
qualquer um que a observasse teria pensado que não sentia nenhuma emoção,
que a cena além da janela não tinha nada a ver com ela.
Os Guardas do Terceiro Batalhão dos Granadeiros estavam marchando
rapidamente ao longo das ruas de Southampton, fazendo um espetáculo
espetacular com seus uniformes de casaca vermelha e grandes capacetes de
pele de urso preto. Os curiosos e os patriotas alinhavam-se pelas ruas,
aplaudindo-os, gritando encorajamentos, acenando lenços. E as mulheres
estavam ali — esposas, namoradas e amantes — movendo-se ao longo das
calçadas ao lado das tropas marchando, a maioria delas olhando com anseio
para um homem em particular, olhares infelizes, pois logo estariam dizendo
adeus a seus homens.
Talvez para sempre.
Era fevereiro de 1854. Talvez muitos dos homens que marchavam tão
rapidamente ao longo da rua nunca vissem o fim do ano.
Eles deveriam navegar apenas até Malta, como medida de precaução,
afirmou o governo. Era muito improvável que houvesse guerra. O czar da
Rússia seria tolo se não recuasse quando foi ameaçado com o poder da
Inglaterra e da França. Mas o czar continuou a fazer sentir a sua presença no
Mar Negro e no Mediterrâneo. Ele continuou a tentar tirar proveito do
desmoronamento do Império Turco.
Os britânicos não estavam envolvidos em nenhuma grande guerra desde a
Batalha de Waterloo, quase quarenta anos antes. Mas as rotas de comércio
terrestre britânicas com a Índia e o Oriente estavam sendo ameaçadas, e os
britânicos clamavam por uma briga. No entanto, o governo afirmou que não
haveria guerra. Eles estavam enviando tropas para Malta apenas como uma
medida de precaução.
Rebecca, Lady Cardwell, dizia a si mesma enquanto olhava para a rua, que
esperava que Julian voltasse para o seu quarto para dizer adeus. Ela não iria
para o cais. Talvez seu controle a abandonasse em público. Não era para ser
contemplado. Quase nem sequer tinha vindo de Londres.
A ideia de ir até Southampton com ele, mas não mais longe, tinha sido
agonizante. Mas o pensamento de não ir tão longe quanto poderia, foi pior. Ela
tinha vindo.
‘Aquelas pobres mulheres’, ela pensou, observando-as lá abaixo na rua,
muitas delas com crianças. Apenas algumas das esposas tinham sido
autorizadas a ir com os homens alistados, seus nomes tirados pela loteria.
O resto teve que ficar, a maioria delas para serem cuidadas pelas paróquias
em que viviam. Elas deveriam viver de caridade enquanto seus homens se
preparavam para oferecer suas vidas ao serviço de seu país.
Muitas mulheres de oficiais estavam indo, é claro. Elas não tinham que
participar da loteria. Rebecca também teria ido, mas Julian não o permitiria.
Ela tinha abortado apenas um mês antes, pela segunda vez, em seu casamento
de dois anos. E ele tinha medo de que ela não tivesse recuperado sua saúde o
suficiente para fazer uma longa viagem e viver em um clima desconhecido.
Ela tinha implorado para ir com ele. Como iria viver sem ele? Mas sem
sucesso. Ele deliberadamente tomara sua pergunta literalmente e disse a ela
que ele tinha feito arranjos para que voltasse para casa, para Craybourne,
durante sua ausência. Sem dúvida ele estaria de volta à Inglaterra quase antes
de perceberem que tinha ido embora.
Mas Craybourne não era sua casa. Na verdade não. Era a casa do conde de
Harrington, a quem ela e Julian chamavam de pai. Mas, na realidade, ele não
era nem o pai de Julian nem seu sogro. Ele era o padrinho de Julian, que havia
levado Julian como um órfão de cinco anos e o criou com seu próprio filho.
Rebecca realmente não queria ir para Craybourne, mas não tinha escolha.
Julian tinha dito que ela iria para lá… até que ele voltasse.
Rebecca pôs a testa contra o vidro da janela. Até que ele voltasse. E se o
czar continuasse teimoso? E se os britânicos e os franceses se mantivessem
firmes? E se houvesse guerra, afinal?
E se…? Mas ela se endireitou novamente e virou com um sorriso
falsamente calmo e alegre quando a porta se abriu abruptamente atrás dela.
— Olhe quem eu trouxe para casa comigo, Becka — disse o capitão Sir
Julian Cardwell, sua voz alegre, seu rosto bonito e animado, seus olhos
brilhando com a excitação da ocasião. — Ele estava esgueirando-se ao longo
da rua e não queria vir comigo, tive que convencê-lo de que ficaria
mortalmente ofendida se ele não se despedisse de você antes de ir para a
guerra.
O major Lorde Tavistock fechou a porta atrás deles. David. O filho do
conde de Hartington. Parecendo apologético e, como sempre, dez vezes mais
bonito do que qualquer outro homem que conhecia, incluindo Julian. Ele era
mais alto do que Julian, com uma maior largura de ombros e peito, com cintura
mais estreita e quadris e pernas mais longas. Ele era mais moreno do que
Julian, com aqueles olhos azuis fazendo com que os olhos cinzas de Julian
parecessem bastante comuns. Mas então ele não tinha a natureza boa e aberta
de Julian, nem seu charme. Nem o amor dela.
Não gostava de David. Ela não desejava tê-lo ali no seu quarto de hotel.
Ele era um intruso. Ela tinha apenas um curto período de tempo com Julian,
talvez apenas uma hora ou menos. Era gananciosa de cada minuto daquele
tempo sozinha com ele. Mas não era culpa de David que estivesse lá, ela tinha
que admitir. Julian o trouxera, talvez insensível à necessidade de tê-lo sozinho
na hora final. Ou talvez ele achasse sua separação tão difícil de contemplar
como ela e estava tentando de alguma forma tirar um pouco da emoção dela.
— David — disse ela.
— Você vai desejar que eu vá para o diabo, Rebecca — disse ele,
aproximando-se dela, com a mão direita estendida. — Vou dizer adeus, então,
e deixá-la sozinha com Julian.
Adeus. Talvez ela nunca o visse novamente. Talvez houvesse guerra, afinal.
Talvez ele fosse morto. Ela não gostava dele, mas Julian sempre tinha pensado
nele como um irmão. E ela já tinha brincado com ele e o olhado como uma
espécie de herói — há muito tempo.
Ela até suspirou por ele durante um tempo enquanto era uma menina, até que
sua educação moral e seus próprios princípios firmemente mantidos a fizessem
perceber que ele não era de todo o tipo de jovem digno de sua devoção.
Eventos mais recentes confirmaram esta sua opinião. Mas ela não queria que
ele morresse.
Devia sentir algum traço de carinho por ele afinal, mesmo sob o desgosto e
a desaprovação.
— David — disse ela, olhando-o com seriedade nos olhos —, cuide-se.
Suas mãos estavam apertadas diante dela. Não as levaria até ele,
permaneceriam esticadas. Mas de repente — ela não sabia como tinha
acontecido — estava em seus braços, ela própria apertada contra seu pescoço,
as mãos dele em sua cintura, abraçando-o como se ela nunca o fosse deixar ir.
Seus olhos estavam firmemente fechados. — Mantenha-se a salvo.
— E você, Rebecca — disse ele. Seus braços a apertaram, como se para
forçar todo o fôlego para fora dela. — Vou cuidar de Julian para você.
E então ele estava caminhando de volta pela sala e abrindo a porta. Ele
falou sem olhar para trás. — Vejo você lá embaixo, Julian. Cinco minutos. Não
mais.
Ela nunca tinha feito algo tão indecoroso em sua vida, Rebecca pensou,
passando as mãos sobre a saia cheia de seu vestido verde. E então suas
últimas palavras ecoaram em sua mente. Cinco minutos. Não mais.
Ela apertou as mãos novamente e forçou um sorriso nos lábios. Não se
desonraria. — Julian — disse ela, olhando para o rosto dele, memorizando-o
como se esperasse esquecê-lo no momento em que ele partisse, cuide-se e não
se esqueça de escrever. Como se ela fosse sua mãe. Como se estivesse indo
para a escola. Ele estava indo para a guerra.
Talvez houvesse realmente guerra. Talvez… Apesar de si mesma, sentiu seu
sorriso trêmulo e suas mãos apertando-se dolorosamente.
— Becka, — ele disse suavemente, abrindo os braços para ela. Seu sorriso
normalmente aberto e encantador o havia abandonado, — Becka.
Ela se apressou em ir para seus braços e colocou sua testa contra seu
ombro, contra o duro escudo de seu casaco escarlate. Colocou seus braços em
torno de sua cintura e ficou ciente de que não podia senti-lo, mas apenas o
uniforme que usava. Era como se ele já tivesse sido tirado dela.
Ele riu e esfregou sua bochecha contra a parte superior de sua cabeça. —
Eu sabia que você seria assim —, disse ele.
— Como uma estátua de mármore, eu gostaria de ter insistido em mandá-la
de Londres para casa, para que não tivéssemos que passar por isso.
— Teria sido o mesmo lá —, disse ela. — Teria havido o momento da
separação, era inevitável. Oh, Julian. — Ela lutou contra as lágrimas.
— Becka —, disse ele, segurando-a, — é apenas para Malta, apenas um
exercício caro e inútil. Estaremos em casa no verão, marque minhas palavras,
o governo não quer a guerra.
Três minutos já se passaram, faltam apenas dois. Ela respirou lentamente e
levantou a cabeça.
— Becka, — ele disse, enquadrando seu rosto com as mãos, olhando em
seus olhos cor de avelã. — Becka, minha querida.
— Julian. — Havia um mundo e todo um universo de coisas para serem
ditas, mas tudo o que ela podia fazer era sussurrar seu nome.
— Eu tenho que ir —, disse ele, sorrindo. — Sorria para mim.
Ela tentou, sentiu a impossibilidade, e balançou a cabeça rapidamente.
— Bem, então, — ele disse, baixando a cabeça até que seus lábios tocaram
os dela, — beije-me, Becka.
Ela o beijou com desesperada ternura. Pode ser pela última vez. A última
vez. Ela tentou ter tempo para paralisar aquele momento.
— Minha querida. — Ele tinha puxado o rosto para trás alguns centímetros.
— Vou sentir falta de você a cada hora, de cada dia, até que eu esteja em casa
com você de novo. Você sabe disso, não sabe?
Ela assentiu com a cabeça. — Eu te amo.
Ele deu um tapinha em seus ombros rapidamente e se afastou dela para
verificar a espada ao seu lado e alcançar seu boné. Ele estava sorrindo de
novo.
— Você vai pegar o trem de volta para Craybourne amanhã de manhã —,
disse ele. — Estará lá antes da escuridão e o pai vai ter a carruagem na
estação para recebê-la. Estará bem segura, a senhorita Hough estará com você.
— Sim, estarei bem e a salvo, Julian — disse ela. — Você não deve se
preocupar comigo, vá agora, não se atrase.
— E ter que nadar depois até ao navio? Ele disse, sorrindo. — Não, por
Júpiter que não teria, meus homens não teriam sido tão bem entretidos em uma
década. — Ele estava abrindo a porta e passando por ela.
Houve um momento em que o pânico a agarrou, quando o instinto a teria
feito atravessar a distância entre eles, agarrando-o para um último beijo, um
último adeus. Um momento em que ela queria implorar a ele para levá-la com
ele apesar de tudo. Mas ela não era uma criatura de instinto. Era um ser
disciplinado e racional — ou pelo menos dizia isso a si mesma.
— Vou acenar para você pela janela —, disse ela.
— Sim, faça isso, Becka — disse ele. — Lembre-se que é apenas até
Malta. Há mais perigo nas ruas da Inglaterra do que haverá lá.
— Sim — disse ela.
E a porta se fechou.
Ele se foi.
Ficou de pé por alguns instantes, respirando fundo, resistiu à tentação de
abrir a porta e sair correndo pelas escadas atrás dele. Em vez disso, ela
cruzou o quarto para a janela com as pernas trêmulas e olhou para baixo.
A maioria dos soldados vestidos de vermelho tinha desaparecido. David
estava na calçada abaixo, de costas para o hotel. Ela sentiu um ressurgimento
de ressentimento contra ele. Era culpa dele que Julian fosse embora, talvez
para a guerra, talvez até a morte. Se David não tivesse comprado uma
comissão na Guarda e voltasse para casa várias vezes, usando seu uniforme,
trazendo histórias que pareciam indescritivelmente românticas e excitantes
para um jovem do campo, Julian não teria pensado em comprar uma para si
mesmo antes de seu casamento. Julian sempre olhou para David, sempre tentou
acompanhá-lo e imitá-lo. Embora Rebecca não pudesse imaginar por que era
assim. David sempre fora selvagem e irrefletido. Às vezes até cruel.
Seus lábios se apertaram. Sim, cruel. Flora Ellis tinha sido sua
companheira de brincadeiras e amiga durante seus anos de crescimento. Ela
tinha sido de linhagem bastante respeitável, embora fosse apenas filha do
vigário de Craybourne, enquanto Julian era um baronete e David era um
visconde, filho e herdeiro de um conde.
E, no entanto, agora Flora estava vivendo sozinha e desonrada com seu
filho, enquanto David navegava com seu batalhão, despreocupado com seu
destino. Recusara-se a casar com Flora, embora ela tivesse sido abandonada
por sua família e condenada por todos os outros durante muito tempo.
Por isso, Rebeca pensou, nunca perdoaria David.
E então Julian saiu do hotel e se juntou a ele, e os dois homens se viraram
para correr pela rua em direção ao cais. Por alguns momentos doentios
Rebecca pensou que ele não olharia para trás. Mas ele o fez, tirando o boné e
acenando-o jovialmente no ar, sorrindo para ela. Um menino em seu caminho
para alguma aventura emocionante, ansioso para ir.
Julian. Marido dela. O amor dela. O homem que ela adorara desde a
infância. Ela ergueu a mão, com a palma para fora, embora não a agitasse. Não
sorriu. Ficou assim até muito tempo depois de ele ter desaparecido. Até que
houve uma batida na porta e esta se abriu atrás dela.
— Rebecca? — perguntou uma voz de mulher. — Você precisa de
companhia? Eu vou embora novamente se não precisar.
Rebecca fechou a mão sobre si mesma e baixou-a. — Não vá embora,
Louisa — disse ela. — Vamos fazer alguma coisa, vamos ver o que
Southampton tem para oferecer de lojas e outras atrações, não é?
Nós só temos o resto do dia de hoje aqui para ver tudo o que há para ser
visto.
Ela se voltou para sorrir resolutamente para a acompanhante que Julian
insistira em contratar para ela depois de seu primeiro aborto há mais de um
ano.
Não mais se ressentia com sua decisão. Ela e Louisa Houghten eram
amigas.
****
David esperou na rua até que Julian saiu do hotel e se juntou a ele. Estava
feliz por não ter esposa. Não gostaria de tomar a decisão de levá-la ou de
deixá-la para trás.
Não aprovava levar mulheres à guerra — e ao contrário do que Lorde
Aberdeen, o Primeiro-Ministro disse, estava convencido de que haveria
guerra. Por outro lado, não achava que poderia dizer adeus a uma esposa na
Inglaterra, sabendo muito bem que havia uma forte chance de que nunca mais
fosse vê-la.
Ele não achava que seria capaz de fazê-lo. Já foi ruim dizer adeus a
Rebecca há alguns minutos. Ele fechou os olhos brevemente. Rebecca. Tinha-a
puxado para seus braços, ou teria ela chegado até lá? Isso não importava. Ao
longo de seus anos de crescimento eles tinham sido amigos e companheiros de
brincadeira, quase irmão e irmã por um tempo. E agora Julian tinha estado ali
na sala com eles. Tinha sido um gesto natural, abraçá-la assim.
Mas Deus, ele não seria capaz de deixá-la se ela fosse sua esposa.
Talvez ele nunca mais a visse.
— Uau! — Julian disse, aparecendo de repente ao lado dele. — Ar fresco,
vamos Dave.
— Tão mal? — David olhou para ele com simpatia.
— Pior, — Julian disse. — As mulheres ficam intensas com essas coisas,
pelo menos com Becka, mas ela nunca tem histeria ou algo assim, devo
admitir, sempre se pode contar que ela se comporte como a verdadeira dama
que é.
Estavam andando pela rua em direção ao mar. Assim que a maré fosse
favorável, eles estariam navegando.
— Ela não estará na janela? — perguntou David. Ele não olharia para trás.
— Por Júpiter. — Julian se virou, tirou o boné e acenou-o no ar, sorrindo
alegremente. — Pobre Becka, ela ainda não recuperou o ânimo, queria aquela
criança. Ela se sente um fracasso como mulher e esposa sem filhos, e outras
bobagens como essa.
David lembrou-se da brancura de seu rosto e do vazio de seus olhos quando
ele a visitou alguns dias depois de seu aborto.
— É melhor ficar em casa — disse Julian. — Becka não foi feita para a
vida rude, mas é difícil deixá-la, eu a amo, Dave, embora eu saiba que você às
vezes duvida.
David sentiu a mandíbula endurecer. Ele não queria pegar a isca — não no
momento.
— Eu sei — disse Julian. — Nenhuma outra mulher jamais quis dizer nada
para mim, exceto Becka. Eu me casei com ela porque a amo. Não havia outra
razão.
— Você não precisa se defender de mim — disse David. — Eu não sou o
seu guardião, Julian, não mais, e não significará nada para você se eu disser
que estou desapontado.
— Bem, algo está errado —, disse Julian, seu bom humor desaparecendo
por uma vez. — Sua boa opinião sempre foi importante para mim, Dave. Mais
do que a do pai. Sempre admirei seu autocontrole e sua força de caráter.
— Força! — David riu severamente. — Uma ótima maneira que eu tive de
mostrá-la. Permitir que você me manipulasse durante a infância.
Julian estremeceu. — Essa não foi uma palavra gentil para escolher, Dave
—, disse ele. — Você ainda está com raiva por causa da mulher com quem me
viu em Londres há uma semana ou pouco mais. Ela significava menos do que
nada para mim. Era apenas uma prostituta. Eu não iria mesmo reconhecê-la
agora se você a pegasse e a colocasse diante de mim. Foi só que Becka ficou
doente desde que perdeu a criança, e mesmo antes de ela perder, eu estava
tendo que ir devagar porque ela perdeu a última.
David fez um som de impaciência e desprezo.
— Eu a amo — disse Julian, sem graça.
— Sua união é sua própria preocupação, — David disse. — Se você
escolher arriscar e machucar Rebecca, eu não posso te impedir. Mas não
espere que eu vá mentir nunca mais ou encobrir seus erros para você
novamente. Acho que fiz isso muitas vezes. Talvez fosse melhor para Rebecca
ter conhecido a verdade antes de casar com você.
— Sobre a Flora? — Julian disse. — Por Júpiter, isso seria uma bagunça,
Dave. Eu sempre serei grato, mas você não precisa continuar falando sobre
isso.
— Você me prometeu então, — David disse.
— Sim eu reconheço. — Julian sorriu para ele. — Promessas como essa
simplesmente são fáceis de manter para você, talvez. Você não parece precisar
de mulheres da maneira que eu faço. Mas eu quero—me reformar. A partir
deste momento só há Becka. Deus, isso foi agonizante. De volta ao quarto do
hotel, Dave. Nunca haverá mais ninguém, está satisfeito? Eu a amo, sabe?
David não respondeu por um tempo. Ele estava agradecido ao ver que
estavam se aproximando do seu destino. O cais estava repleto de guardas
vermelhos e mulheres apegadas a eles, soluçando.
— Sim, Julian. — Ele disse finalmente. — Eu sei disso.
Era verdade também. Era uma pequena consolação, mas era verdade.
Capítulo 2
Malta e a Crimeia, 1854
A vida em Malta era tediosa. Houve uma onda de energia e ansiosa
expectativa quando os homens deixaram a Inglaterra, uma expectativa de que,
afinal, eles veriam ação. Mas a ação foi lenta em vir. Embora a Grã-Bretanha
e a França tenham declarado guerra à Rússia no final de março, mais dois
meses se passariam antes que as forças britânicas se aproximassem da cena de
possíveis hostilidades.
Eles tiveram que fazer sua própria ação. Mas porque não havia muito a ser
feito, o tédio era difundido. Apenas alguns homens conseguiram afastá-lo. O
capitão Cardwell era um deles. Começou um caso com Cynthia Scherer,
esposa do capitão George Scherer dos primeiros guardas do Primeiro
Coldstream[1].
Não era um assunto particularmente secreto. Nada existia de secreto na
vida militar. Talvez o único oficial do Terceiro de Granadeiros[2] ou do
Primeiro Coldstream que não soubesse disso, depois da primeira semana ou
mais, fosse o próprio capitão Scherer. O casal era pelo menos discreto o
suficiente para continuar seu caso enquanto ele estava ocupado com seus
deveres.
Ninguém pensou em contar a ele. Mesmo se o fato em si não fosse a coisa
mais honrosa a fazer, havia o fato de que todo mundo gostava de Julian
Cardwell, bem… Sua natureza vibrante e seu charme quente eram atraentes até
mesmo para seus homens. Ninguém censurou seu comportamento abertamente e
provavelmente muito poucos em particular. Julian era o tipo de homem que
precisava de mulheres, e todos sabiam que a delicada saúde de sua esposa o
forçara a deixá-la para trás na Inglaterra.
O Major Lorde Tavistock ficou de boca fechada durante três semanas
inteiras, embora compartilhasse um alojamento com Julian. Não era sua
preocupação, disse a si mesmo. Além disso, ele sabia por longa experiência,
qual seria a reação de Julian se ele se entregasse à tentação de o repreender.
Haveria o encantador sorriso juvenil e a certeza de que Cynthia Scherer não
significava nada para ele. Haveria a garantia renovada de que amava Rebeca e
ia ser fiel a ela a partir desse momento.
E o pior era que para Julian nada significava cada palavra do que ele dizia
— como sempre fazia. Não, ele ficaria fora disto, David decidiu.
E, no entanto, todas as suas resoluções foram jogadas ao vento quando
chegou a seu alojamento mais cedo do que se esperava de uma reunião em uma
tarde, para descobrir que tinha evitado presenciar por pouco, o que sem
dúvida teria sido uma cena extremamente embaraçosa.
Ele parou abruptamente na porta e olhou fixamente para Julian na cama.
Julian sorriu seu sorriso envolvente. — Seria tão bom se você esperasse
por alguns minutos, meu velho, — ele disse.
Quando David, de costas para a porta da sala, ouviu a mulher partir, ficou
branco de fúria. Estava dizendo a si mesmo por mais de cinco minutos para ir
embora e encontrar outra coisa para fazer por um tempo, esquecer, não se
envolver. Mas sabia que iria fazer exatamente isso, assim como sempre fez.
— Isso não vai acontecer novamente —, disse ele bruscamente quando
estava de volta para dentro do quarto, a porta firmemente fechada atrás dele.
Se convenceu de que sua indignação era puramente sobre o uso que tinha sido
feito de seu quarto. Sua raiva era justificada.
Julian estava reclinado em sua cama desarrumada apenas meio vestido, as
mãos entrelaçadas atrás da cabeça. Ele sorriu. — São ordens de um oficial
superior? Ele perguntou. — Desculpe meu velho, aquela cena não foi o melhor
do bom gosto, foi? Eu não estava esperando você.
— Ela é uma mulher casada —, disse David. Embora isso não fosse de
todo a causa real de sua fúria, assim como o fato de terem usado seu quarto e
sua cama não o era.
— Suponho que é melhor do que ficar com a filha virgem de alguém —
disse Julian. — Vamos, Dave, você tem que admitir a verdade disso.
— Não seria a primeira vez — disse David, soltando o cinto de sua espada
e colocando a espada sobre a mesa.
— Um golpe baixo — disse Julian, fazendo uma careta. — Eu sempre
lamentei esse erro, você sabe disso, Dave, aconteceu em um momento de
paixão irrefletida, eu queria que você não me lembrasse.
— Sua vida foi composta de momentos de paixão irrefletida —, David
disse friamente. — Pensei que talvez crescesse Julian. Pensei que talvez o
casamento com Rebecca o pudesse amadurecer, você parecia gostar dela, mas
está casado há mais de dois anos, tem vinte e quatro anos e não há sinal de
qualquer mudança para melhor.
Parecia um juiz moralizante e desprezível, pensou David. Ele ressentia-se
pelo fato de que Julian sempre parecia trazer à tona aquele lado dele — e se
amaldiçoou por não ter se afastado da visão de Julian e Lady Scherer juntos na
cama.
Julian balançou as pernas sobre o lado da cama e pegou a camisa. — Seu
problema, Dave, — ele disse picado, — é que você nunca aprendeu que a vida
deve ser desfrutada. Eu honestamente não sei como pode lidar com o celibato
— você é celibatário, eu assumo? Eu certamente não recomendaria qualquer
uma das putas daqui, a menos que você queira uma alternativa para morrer de
cólera, disenteria ou ferimentos de batalha.
— As pessoas podem machucar—se enquanto você está desfrutando da
vida de forma egoísta —, disse David. — Scherer, por exemplo, Rebecca,
Flora Ellis.
— Cynthia está entediada — disse Julian, eu estou entediado, não estamos
apaixonados, Dave, isso não é uma grande paixão. Becka não vai se machucar
porque ela nunca vai saber sobre isso, e isso não faz diferença nos meus
sentimentos por ela. Você quer saber a verdade, eu gostaria que ela estivesse
aqui, em vez de Cynthia, Deus, como eu gostaria, mas ela não está, assim eu
tenho que fazer o melhor do que há.
David sentou-se em sua própria cama para tirar as botas. Ele não chamaria
seu criado. Havia uma atmosfera muito tensa no quarto para ser compartilhada
com um criado.
— O tratamento silencioso — disse Julian. — Sempre recorre a ele e você
sempre foi perito nisso. — Ele sorriu vencedor. — Olha Dave, eu sei que acha
que trato Becka rotineiramente, e você está certo, maldito seja. Ela é tudo o
que um homem poderia pedir e mais, não é? E ela me ama. Isto nunca deixa de
me surpreender, que ela me ame, mas ela nem sempre está disponível, ou está
doente ou… ou está a mil quilômetros de distância. O que você espera que eu
faça?
Não havia sentido discutir mais com Julian. Nem sequer teria um
argumento. Julian capitularia quase imediatamente e seria contrito e
encantador e cheio de boas resoluções. Ele realmente não tinha mudado. E o
problema era que David o amava agora como sempre o amara — desde o
momento em que Julian chegou a Craybourne aos cinco anos. David, de sete
anos, deu as boas-vindas a este novo irmão em sua vida solitária com os
braços abertos e um coração ansioso. Sentiu-se instantaneamente protetor do
menor e mais jovem Julian, com seus cachos despenteados, grandes olhos
cinza e sorriso travesso.
Mesmo quando criança Julian tinha um encanto natural.
Naqueles dias David tinha medo de seu pai, cuja mão podia sentir-se
extraordinariamente pesada depois de algum disparate. Oh, ele tinha amado
seu pai também e sentiu que o amor retornou em plena medida. Mas tinha
medo de que o amor não pudesse temperar a severidade no caso de Julian.
Julian não era filho de seu pai e Julian era incrivelmente malicioso.
David tinha medo que Julian pudesse ser castigado mais severamente do
que ele e talvez até ser enviado para morar em outro lugar. O próprio
pensamento enchera David de ansiedade. E assim, quase desde o início,
desenvolveu o hábito de proteger Julian da detecção e do castigo, sempre que
a criança tinha cometido sérias proezas — como fazia ocasionalmente. Muitas
eram as palmadas que David suportara por uma ofensa que não tinha cometido.
Proteger Julian tinha-se tornado um hábito. Os espancamentos haviam
progredido para golpes mais severos à medida que cresceram, e David estava
ciente de sua crescente reputação — entre os criados e vizinhos — pela
selvageria e até pela astúcia, já que ninguém jamais o viu cometer todas as
suas várias ofensas.
Finalmente, quando ele tinha dezessete anos de idade, percebeu que era um
hábito inútil e indesejável. Então soube que seu pai, embora severo, dera amor
incondicional a ambos os meninos. E David tinha começado a considerar ser
uma fraqueza sua ser tão usado por seu irmão adotivo — embora para dar a
Julian o que era devido, ele demonstrava sempre encantadora gratidão pelas
intervenções de David e estava sempre repleto de resoluções para reformar
seus caminhos. Sua fraqueza essencial parecia encantadora, até mesmo
adorável, em um menino.
Mas o hábito tinha sido mais profundamente arraigado em David do que ele
tinha percebido. Havia chegado a hora, vários anos depois, quando Julian
chegara a ele frenético e de rosto branco. Em três meses casaria com Rebecca
e ele alegou amá-la muito. Mas houve um momento de paixão irrefletida — ele
não sabia o que poderia tê-lo possuído. Realmente não sabia. E não sabia o
que fazer.
Flora Ellis estava grávida.
Seria terrível para Rebecca descobrir a verdade. A humilhação, o
escândalo para ela seria mais do que Julian poderia suportar. E era ela que ele
amava. Ele sabia disso agora e depois saberia para sempre.
E assim David o fizera mais uma vez — e se arrependeu desde então. Ele
havia concordado, pela última vez, em assumir a culpa. Pelo amor de
Rebecca. E porque ele tinha acreditado, contra todas as evidências de sua
experiência, que o casamento mudaria Julian.
Fizera isso porque amava Rebecca, sempre amou e sempre amaria.
E assim, mais uma vez, se permitiu tornar-se o bode expiatório.
E tinha vivido desde então com a culpa de ter interferido em algo que não
deveria ter tocado. Julian e Rebecca deveriam ter sido deixados juntos para
resolver o problema de algum modo. Julian deveria ter sido forçado a assumir
a responsabilidade por sua ação por uma vez em sua vida.
No entanto, David pensou agora, com um sentimento de auto desprezo,
ainda amava o irmão adotivo, que havia entrado em sua vida solitária como
um pequeno raio de sol. Apesar da desilusão e da amargura, não podia odiar
Julian.
— Apenas tenha cuidado, — ele disse depois de um longo silêncio,
trazendo o argumento para um final bastante coxo. — Você não gostaria de
humilhá-la publicamente, Julian, e não gostaria de magoar Rebecca. Ela
merece algo melhor.
Julian passou os dedos pelos cabelos louros. — Você sempre foi minha
consciência, Dave —, ele disse. — Eu suponho que você percebe o quão
miserável me fez sentir. Como sempre é o seu silêncio que faz mais do que as
palavras. Terminarei com a maldita mulher. Você está satisfeito? Eu vou ser
tão celibatário como um monge, é bom para a alma ou algo assim, não é? —
Ele sorriu.
— Algo parecido. — David tirou o casaco e sentiu decepcionante frieza do
ar contra as mangas da camisa. — Senhor, eu odeio esse calor, por que alguém
não pode inventar um uniforme para ser usado em climas quentes? — Ele se
esticou na cama e fechou os olhos. Acorde-me quando algo excitante
acontecer. Você vai me acordar Julian?
— Você pode encontrar-se em um sono eterno se eu fizer isso —, Julian
disse. — Que tal se levantar para jantar dentro de duas horas?
— Isso soa bastante excitante, — David disse, bocejando imensamente.
****
Foi somente depois que as forças britânicas foram transferidas de Malta
para Gallipoli[3] em maio, que David percebeu que o caso havia retomado.
Embora provavelmente nunca tivesse parado, pensou.
Provavelmente Julian e Cynthia Scherer tinham-se tornado mais discretos.
David não disse nada durante todo o verão — mesmo depois de junho os
levar a Varna, na Bulgária, e o calor insalubre e os surtos crônicos de cólera,
febre e disenteria começaram a matar os homens por milhares, muito antes de
verem qualquer ação militar. O caso continuou inabalável. Talvez em breve
eles estivessem finalmente em guerra, pensou David severamente, e o tédio
teria um fim para Julian. Talvez logo o celibato — e a fidelidade conjugal —
fosse uma necessidade e não uma escolha.
Na verdade, parecia que isso seria provado correto. Em setembro, os
britânicos e os franceses desembarcaram na Crimeia[4] e o inimigo finalmente
se engajou, primeiro na tempestade do Alma Heights no dia vinte, e depois de
alguns pequenos confrontos, nas Batalhas de Balaclava em vinte e cinco de
outubro e Little Inkerman no dia seguinte. Os Guardas estabeleceram seu
acampamento no planalto de Chersonese, entre Balaclava[5], ao sul, e
Sebastopol[6], ao norte.
Até mesmo os oficiais tinham apenas tendas para viver. Parecia impossível
que qualquer caso clandestino pudesse ser conduzido em tais circunstâncias.
Mas Julian, naturalmente, sempre prosperou em desafio e perigo.
Passou a noite seguinte à batalha de Little Inkerman na tenda do capitão
Scherer enquanto o próprio capitão estava em serviço de piquete. David ficou
acordado a maior parte da noite, amaldiçoando-se por desperdiçar suas
energias e por se preocupar com um homem que nem era seu irmão.
Às vezes, ele pensava, o amor poderia ser muito semelhante ao ódio.
Julian voltou para a tenda que compartilhava com David antes do
amanhecer, e David se amaldiçoou novamente por sua sensação de alívio. Ele
não disse nada, embora não fingisse estar dormindo.
Julian suspirou e se contorceu em uma posição nominalmente confortável
no chão. — A vida começa a ficar interessante —, disse ele. — O ataque à
nossa retaguarda anteontem, à nossa frente ontem. Eu me pergunto de onde virá
o próximo. Depois vamos tomar a iniciativa, Dave, e atacar Sebastopol
finalmente? Isso é o que nós viemos aqui fazer, depois de tudo. — Ele
bocejou.
— Em breve veremos toda a ação com que poderemos lidar —, disse
David.
— Quanto mais cedo melhor, — Julian disse. — Eu não me juntei às forças
armadas apenas para deitar de costas olhando para a tenda o dia inteiro e toda
a noite, exceto quando há dever de piquete para aliviar o tédio.
— Vá dormir — disse David.
— Eu já fui, — Julian disse, bocejando novamente.
Ele havia retornado com segurança. Mas, obviamente, algo tinha ido
terrivelmente errado. No final da tarde do mesmo dia, quando David entrou no
espaço aberto cercado por barracas de oficiais, um local de reunião geral para
todos os oficiais de guardas fora de serviço. Descobriu que tinha entrado em
uma crise.
Uma dúzia de oficiais estava de pé nas laterais do espaço, um pouco como
espectadores em uma luta de prêmio. Julian estava de pé no centro vazio, com
os pés afastados, as mãos apertadas em punhos ao lado do corpo, parecendo
pálido e tenso. O capitão Scherer, com os braços presos por outros oficiais,
estava tirando uma luva de um dos punhos apertados. Ele estava olhando para
Julian, sua tez normalmente elegante quase roxa, o assassinato em seus olhos.
— Não, não George — disse um dos dois oficiais. — Uma vez que você a
atire, vai se encontrar em um inferno de uma confusão. Pense novamente.
O capitão Scherer afastou os dois amigos com um grunhido de raiva,
embora não tivesse batido nenhuma luva no rosto de Julian. Sua mão foi para
seu lado e com uma raspagem de metal sua espada estava livre de sua bainha.
A mão de Julian foi para o punho de sua própria espada.
— Parem agora! Ambos. — A voz do major Lorde Tavistock atravessou o
espaço como um chicote. Um rápido olhar lhe revelou que ele era o oficial de
mais alta patente presente. — Guarde-a, Scherer, se não quiser enfrentar uma
corte marcial, deixe cair sua mão de volta ao seu lado, Cardwell, não
precisamos começar a nos agredir uns aos outros quando os russos estão
compensados e prontos a fazer isso por nós.
Nenhuma das duas figuras centrais no drama se moveu por alguns
momentos. Eles continuaram a ficar com os olhos presos um no outro.
— O major Tavistock está certo, George — disse um de seus amigos, o
alívio em sua voz. — O general Bentinck não olharia com bondade para dois
de seus oficiais em duelo de brigada, especialmente durante o serviço ativo,
sem mencionar o duque de Cambridge, ou o próprio Raglan.
— Deixe isso, George — disse o outro amigo. — Pelo menos por enquanto.
O assunto pode ser tratado mais tarde, depois que a guerra acabar.
— Eu dou aos dois dez segundos. — A voz de David era fria e dura.
Agora não havia nenhum pensamento para qualquer sentimento pessoal. Ele
era um oficial, impondo sua vontade sobre os outros como uma questão de
disciplina militar.
O capitão Scherer devolveu sua espada lentamente à bainha depois de uns
cinco segundos. A mão de Julian afastou-se do punho da espada.
— Cuidado Cardwell, — o capitão Scherer sibilou entre os dentes. Seus
olhos não haviam se afastado de Julian. — Você não ouviu o fim deste assunto.
Pode estar seguro do fato de que sua vida inútil foi prorrogada por apenas um
curto período de tempo.
— Ficarei feliz em lhe dar satisfação a qualquer hora, em qualquer lugar —
disse Julian, sua voz calma e firme. — Seja com corte marcial ou ou sem corte
marcial, Scherer.
Quando o capitão Scherer finalmente se afastou, Julian caminhou em
direção à sua tenda sem dizer mais nada. David sentiu a tensão escorrer de seu
corpo, mesmo quando experimentou a fúria interior subir. Seria útil para
Julian se Scherer o tivesse derrubado — ele tinha fama de ser firme com sua
palavra. Seria nada menos do que Julian merecia.
David e Julian evitaram toda referência ao incidente durante os poucos dias
que restavam antes de entrarem em ação.
Cynthia Scherer desapareceu do acampamento. Fora mandada de volta para
Balaclava, ouviu David. Ele esperava fervorosamente que de lá ela fosse
enviada para a Inglaterra.
****
Os russos lançaram um enorme ataque surpresa no domingo, 5 de
Novembro, sob uma densa névoa. Milhares de soldados russos marcharam em
enormes colunas até as alturas de Sebastopol, a noroeste do acampamento
britânico e do outro lado do rio Tchernaya para o nordeste. A batalha durou o
dia inteiro. Os britânicos, numericamente mais fracos, fizeram recuar onda
após onda de ataque de ambos os lados suportando terrível matança.
A Segunda Divisão do General John Pennefather lutou sozinha por várias
horas, os reforços não chegando até que a situação parecia desesperadora. Em
particular parecia que os russos estavam a ponto de girar o flanco direito
britânico quando tomaram a possessão da bateria do Sandbag, que
negligenciava as inclinações íngremes do Kitspur no lado leste do campo de
batalha, fazendo recuar os soldados de defesa do Quarenta e Um e Quarenta e
Nove.
O salvamento veio a tempo sob a forma dos Guardas, os Granadeiros no
centro, os Coldstream à sua direita, os Fuzileiros Escoceses[7] à sua esquerda.
Conduziram os russos de volta ao declive e mantiveram a posição na linha.
Sua disciplina os impedindo de fazer uma perseguição selvagem ao inimigo
em fuga. Mas os homens da Quarta Divisão, também recém-chegados, não
sentiram tal restrição e foram despencando pela encosta em perseguição ao
inimigo até ao fundo do Kitspur. No calor e na excitação de uma batalha que
parecia estar ganha, os Guardas de Coldstream os seguiram e depois muitos
dos Guardas Granadeiros, apesar do fato de que vários de seus oficiais, o
Major Lorde Tavistock dentre eles, gritarem para segurar a linha.
David mergulhou para baixo, atrás de seus homens, através do pesado mato
de carvalho na colina, com a espada na mão, o coldre afrouxado na pistola,
xingando vulgarmente. As massas russas ainda estavam fugindo e não
mostravam sinal imediato de recuperar e reagrupar. Mas, mesmo assim, era
perigoso perseguir e deixar a Bateria Sandbag acima deles, defendida apenas
por um pequeno remanescente dos Guardas. Havia outras colunas russas ainda
acima, no alto e constantemente retomando seu avanço. Ele devia agrupar seus
homens, e todos os outros homens que encontrasse, e conduzi-los de volta à
colina — a ponta de espada, se necessário. As cabeças rolariam por isso.
As coisas não melhoraram pelo fato dos restos da névoa matinal,
combinada com a fumaça das armas, fazerem que tudo sobre ele ficasse quase
invisível. No entanto, no decurso de dez minutos ou mais, ele tinha dezenas de
homens subindo de novo a colina, e encontrava outros homens constantemente,
isolados, em pares e em pequenos grupos, e enviava-os em seu caminho com
maldições, resmungos e a ameaçadora espada.
Não era a única espada que acenava. De repente, através da fumaça e da
neblina, encontrou dois homens, um deitado no chão, o outro com um pé
assente em seu peito e sua espada preparada para matá-lo.
— Não o mate, leve-o prisioneiro. David havia gritado a ordem mesmo
enquanto seu cérebro estava interpretando a cena diante de seus olhos.
Ambos eram britânicos. O Capitão Scherer era o de baixo. Julian estava
prestes a matá-lo.
— Pelo amor de Deus, pare! — berrou David quando Julian virou a cabeça
bruscamente em sua direção. — Você ficou maluco?
— Fique fora disso, Dave. — A voz de Julian era áspera e quase
irreconhecível. Seus olhos eram ferozes com a selvagem luxúria do sangue da
batalha. — Isso não é da sua conta. E sua espada brilhou para baixo.
David ouviu um tiro. Acima do rugido constante e do trovão ensurdecedor
de armas do outro lado do campo de batalha, ele ouviu um único tiro e viu
Julian olhar para ele, a surpresa em seus olhos, antes de dobrar os joelhos e
cair sobre o corpo do capitão Scherer.
David olhou inexpressivamente a pistola em sua mão.
Envolto em fumaça e neblina, o momento parecia irreal. Aquele tempo e
aquele lugar pareciam não ter qualquer relação com a batalha mortal que
estava sendo travada furiosamente acima e ao redor. E nenhuma relação com
qualquer outra coisa sobre essa matéria. A batalha e tudo mais foram
esquecidos.
— O diabo! — A voz trêmula pertencia ao capitão Scherer. — Ele estava
demente, major, eu estaria morto se não fosse por você, devo a minha vida a
você. Ele estava empurrando o corpo que tinha caído sobre o seu próprio.
David observou uma mão firme devolver a pistola ao coldre e sentiu as
pernas de chumbo de alguém levá-lo através da distância até os dois corpos
emaranhados. Ele virou Julian com delicadeza e olhou para o sangue saindo
do pequeno e mortal buraco apenas acima de seu coração. Ele tocou três
dedos no pescoço de Julian. Não havia pulso.
— Ele está morto —, disse ele a ninguém em particular.
O capitão Scherer estava se levantando, agarrando seu braço de espada
ensanguentado. — Você não teve escolha, senhor — disse ele, com a voz
ressentida, a não ser vê-lo matar um irmão oficial a sangue frio.
— Julian. — Os lábios de David formaram o nome, mas era duvidoso que
alguém tivesse ouvido mesmo sem o barulho das armas.
— Morreu em batalha — disse o capitão Scherer com dureza. — A morte
de um herói, senhor, atirado por um russo em fuga, eles estão voltando, senhor.
Três batalhões russos avançavam ao longo das alturas acima deles,
afastando—os dos Granadeiros restantes na bateria com o duque de
Cambridge e suas insígnias. Vozes estavam gritando àqueles que ainda se
encontravam nas encostas do Kitspur para que voltassem.
Eles poderiam nunca ter voltado se os franceses não tivessem vindo em seu
socorro enquanto desbravavam seu caminho através das colunas russas para as
insígnias e, em seguida, continuar a lutar avançando com os Guardas restantes
para levar as insígnias e a eles próprios para a segurança de terrenos mais
altos. Mas os franceses entraram a tempo e levaram as colunas de volta para a
Ravina de St. Clemens.
Mesmo assim, muitos homens não conseguiram passar. O capitão Scherer o
fez por algum milagre, apesar do braço direito inútil. O major Lorde
Tavistock, lutando por puro instinto, sua espada brilhando em todas as
direções, sua mente entorpecida, caiu ferido e provavelmente teria sido morto
por uma baioneta russa se um sargento e um soldado não o tivessem arrastado
com eles para a segurança. Perdeu a consciência enquanto estava sendo levado
para as tendas do hospital, uma bala de mosquete atravessara o músculo de
seu braço esquerdo e outra se alojara entre a panturrilha e o osso de sua perna
esquerda.
****
Quase morreu. Foi incrível que não tivesse morrido. Muitos, milhares de
feridos que queriam desesperadamente viver não o fizeram. Ele nem queria
viver e ainda assim viveu.
Amaldiçoou o cirurgião que teria amputado tanto o braço quanto a perna,
ameaçando-o com a morte ou pior se o fizesse.
Ambas as balas foram removidas no hospital em Balaclava. E então a febre
se instalou. A febre que matou muito mais homens do que as feridas ou o
choque da amputação. A febre fez com que ele não soubesse que estava
mudando de novo e embarcava. Ele foi transferido para o Barrack Hospital[8]
de Scutari[9].
Talvez ele tivesse morrido lá — quase certamente o faria — se não
houvesse um grupo de enfermeiras recém-chegadas da Inglaterra que
insistissem na organização e na limpeza, no ar e no espaço.
Mesmo assim foi incrível que sobrevivesse. Uma das enfermeiras — sua
líder — advertiu-o para que talvez não o fizesse.
— Suas feridas estão cicatrizando bem, Major — disse a srta.
Nightingale[10], quase como uma constatação, algumas semanas depois de sua
chegada — e a febre recuou, mas você está morrendo, sabe disso, não sabe?
Apesar de todo o cuidado que ela mostrava a seus pacientes, não era uma
mulher para desperdiçar palavras. O major Lorde Tavistock apenas se impediu
de lhe dizer para ir para o inferno. Afinal, ela era uma dama.
— Apenas você pode se curar no resto do caminho —, disse ela. — Suas
verdadeiras feridas são aquelas com as quais não tenho habilidade, nem os
cirurgiões.
Não pode esquecer toda a matança? — Sua voz de repente era gentil,
compreensiva.
— Matei meu irmão — disselhe com os olhos fechados.
Ela não respondeu por um longo tempo, e ele não abriu os olhos para ver se
ela tinha se afastado.
— Não sei o quê, literalmente, quer isso dizer, Major — disse ela. — Você
tem uma esposa? Ou uma mãe e um pai? Ou qualquer família? Alguém que
chore por você quando estiver morto? Não é autocomplacência morrer quando
pode viver?
Quando finalmente abriu os olhos, ela tinha ido.
Ele tinha matado Julian. Julian, que apesar de tudo, amava. Ele poderia ter
gritado de novo e desviado aquela lâmina para baixo. Ou poderia ter
disparado em um braço ou uma perna. Em vez disso, tinha apontado para o
coração.
Matara o marido, o homem que Rebeca amava mais do que ninguém no
mundo. Ele nunca poderia ir para casa e enfrentá-la. Tentou não imaginá-la
quando lhe dissessem, quando a notícia fosse levada para ela. Tentou
arduamente, mas não pôde ver mais nada para lá de seus olhos por horas a fio,
quer estivesse acordado ou adormecido. A ideia de finalmente ter de se
encontrar cara a cara com ela, sabendo ser o assassino de seu marido, fez com
que desejasse a morte e se tornasse invejoso daqueles que morreram
aparentemente com tanta facilidade.
Tentou não imaginar que seu pai recebia a notícia da morte de Julian. E
então imaginou seu pai sabendo de sua própria morte também.
Ele era o único filho de seu pai, sua única criança. Seu pai tinha-se oposto
a que comprasse uma comissão com os Guardas, quando sua posição como
proprietário de terras por seu próprio direito e como herdeiro de um condado
deveria tê-lo mantido em casa. Mas ele tinha que fugir. Tinha que fugir dela.
Um fato irônico, como acontecera, quando se juntou ao exército levou Julian
para ele também, poucos meses antes de seu casamento.
Poderia ele deliberadamente morrer e causar a seu pai todo esse
sofrimento?
Poderia?
Finalmente decidiu viver — quase como se tivesse controle total sobre seu
próprio destino — quando ouviu um dos cirurgiões e a Srta. Nightingale
discutindo a conveniência de enviá-lo de volta para casa. O lar era o último
lugar na terra que queria ver. Se ele devia viver para evitar ir para lá, então
ele viveria.
Ele estava de volta com seu regimento na Crimeia logo após o Natal e
sofreu com seus homens e colegas oficiais todos os horrores indescritíveis do
inverno lá, sem roupas adequadas, habitação ou comida. Quase agradeceu o
sofrimento. Durante o ano seguinte ele se distinguiu em ação e outra vez,
adquirindo para si uma reputação de ousadia e severa devoção ao dever.
Também adquiriu uma das novas e cobiçadas Cruzes de Vitória, uma medalha
premiando o valor extraordinário.
O capitão Sir George Scherer tinha sido mandado para casa, um inválido,
depois da Batalha de Inkerman. O capitão Sir Julian Cardwell, enterrado com
tantos outros oficiais e homens nas Alturas de Inkerman, foi lembrado como
um herói e um pouco como um canalha adorável.
David encontrou o seu túmulo. Foi lá apenas uma vez — com passos
arrastados — logo depois de retornar de Scutari. Era uma vala comum[11].
Alguém tinha recolhido e enterrado oficiais e alistados todos juntos. Era
costume enterrar oficiais em túmulos individuais cuidadosamente marcados.
Mas Julian tinha sido amontoado com todos os outros — com todos os outros
de todos os regimentos e fileiras que eram conhecidos por não terem voltado
vivos até o Kitspur.
Tudo tinha sido confusão e ineficiência após a batalha, bem como durante
ela. David entristeceu-se por não estar lá para identificar o corpo, para dar a
Julian um enterro decente, digno de seu posto. Ele ficou olhando para baixo, o
rosto como pedra, no grande túmulo coberto de neve.
Julian estava lá. Julian, seu irmão. O homem que ele tinha matado.
Ele nunca mais voltaria.
O major Lorde Tavistock carregava seu segredo e carregava sua culpa
sozinho.
Capítulo 3
Craybourne, Inglaterra, julho de 1856
A Paz de Paris foi assinada na primavera de 1856, terminando o que veio a
ser conhecido na história como a Guerra da Crimeia. Uma das mais duras e
devastadoras guerras em que os britânicos já haviam participado.
Os sobreviventes do exército que deixaram a Grã-Bretanha mais de dois
anos antes, incluindo os mutilados e feridos, começaram a voltar para casa.
Rebecca Cardwell ainda usava preto. O véu e o pesado crepe tinham sido
retirados com relutância após o primeiro ano, mas ela continuou a usar luto, tal
como continuava a chorar. Ela o amava. Ele tinha sido leve e alegre em sua
vida por tanto tempo, que ela não podia se lembrar de uma época em que ele
não tivesse estado lá. Julian tinha sido sua vida. Ela ainda não sabia como
viver sem ele.
Agora a dor tornara-se mais aguda novamente, assim como a culpa. Ficou
de pé na janela de sua sala de estar privada em Craybourne, a casa de campo
do conde de Hartington, olhando para a calçada até que ela se transformava em
árvores a meio metro de distância. Estava de pé, assim como todas as tardes
nos últimos quatro dias, esperando que a carruagem voltasse da estação, e
supunha que ela faria isso todos os dias até que finalmente ele chegasse, como
havia informado seu pai aquela semana.
David.
Ela desejara que David estivesse morto. David, em vez de Julian. Ela
chorara amargamente sobre aquela injustiça. Sobre o fato de que fosse Julian
quem tinha morrido e David quem sobrevivera. Ela tinha lido em algum lugar
que os bons morrem jovens, que os maus continuam vivendo. Era uma ideia
totalmente absurda, mas mesmo assim — por que tinha que ser Julian quem
tinha morrido? Tinha estado tão cheio de vida, de amor e de riso.
Não demorou muito para que a racionalidade voltasse à sua mente. E a
culpa. Como poderia desejar que outro homem morresse apenas para que seu
marido pudesse viver? Como se uma mudança na realidade pudesse afetar a
outra. Ela não queria. Ela não queria que David morresse.
Só desejava que Julian vivesse. Ela desejava que ele tivesse sobrevivido.
Soubera assim que um soldado sombrio tinha chegado em Craybourne e
pediu para falar confidencialmente com o conde.
Ela sabia que um deles estava morto. Não esperava que fosse David —
nunca isso — enquanto havia esperado, doente do coração e doente do
estômago, andando pelo salão de ladrilhos para fora da biblioteca, recusando
a companhia de Louisa. Mas ela esperava e esperava que não fosse Julian.
Tinha tido uma esperança tenue pelo fato de que o soldado não tinha pedido
para falar com ela. Mas a esperança — se tinha havido esperança — tinha
fugido quando a porta da biblioteca se abriu e o conde, parecendo grave e
hesitante, lhe pediu para entrar.
Ela soube então que era Julian, não David. O conde não precisara dizer a
ela. Mas desejou com o último lamentável pedaço de esperança que afinal ele
a estivesse chamando para dar a notícia da morte de seu filho. Ela desejara
que, afinal, fosse David.
Mas fora Julian. Morto na Crimeia em uma batalha que eles chamaram
Inkerman. Morto várias semanas antes que a notícia a alcançasse.
Não, quando pensou racionalmente, não queria que David estivesse morto.
Mas ela o odiava. Se não fosse por ele, Julian nunca teria estado na Crimeia.
Ele ainda estaria vivo. Em vez disso, estava morto e enterrado em um lugar
onde ela não poderia nem mesmo colocar flores em seu túmulo. Ela se
inclinou para a frente para descansar sua testa contra o vidro frio da janela.
Mas se endireitou de novo ao ouvir bater à porta. Ela se abriu antes que ela
pudesse responder.
— Rebecca? A condessa de Hartington olhou ao redor da porta, sorriu e
entrou na sala. Eu pensei que você deveria estar aqui em cima. Deveria ter
vindo andar com a gente. Está um belo dia.
— Eu sei que você e o Pai valorizam seu tempo juntos sozinhos. —
Rebecca disse.
A condessa estalou a língua. — William e eu estamos casados há quase um
ano —, disse ela. — Já não estamos na lua-de-mel, por que você vai persistir
em sentir que não nos pertence, Rebecca? — Sentou-se numa espreguiçadeira
e fez um gesto para que Rebecca se sentasse também.
Rebecca sempre sentira que não pertencia completamente a esta casa,
embora nunca tivesse sido forçada a sentir-se indesejada. Ela tinha vindo para
Craybourne porque Julian tinha dito que era onde ela deveria ir. E ela tinha
ficado lá depois de sua morte, porque não havia nenhum outro lugar para ir.
Tinha sido incapaz de ir à propriedade de Julian porque nunca tinha vivido lá,
e também porque após a sua morte tinha passado a um primo dele. Tinha sido
incapaz de voltar para casa porque seu próprio pai tinha morrido logo após o
seu casamento e sua mãe tinha ido viver com uma irmã mais nova no norte da
Inglaterra. O irmão de Rebecca, Lorde Meercham, tinha alugado a casa em que
haviam crescido — a doze quilômetros de Craybourne — e levado sua família
para morar em Londres, embora na maioria das vezes viajassem pelo país,
passando de uma casa em festa para outra. Com os rendimentos que Julian lhe
deixara, seria difícil que ela se instalasse sozinha em qualquer lugar.
— Nunca disse isso. O pai é bondoso comigo — disse ela, sentada numa
poltrona ao lado da lareira. — Extremamente amável.
— Mas você sente todo o desconforto de viver em uma casa que dirigiu por
mais de um ano — disse a condessa, sorrindo com tristeza. — Mas onde agora
sente que não tem função e sente a estranheza da inversão de nossos papéis,
embora eu nunca tenha insistido no assunto, Rebecca, e nunca o faria. E eu lhe
perguntei se você se importava, não tenho certeza de que eu pudesse ter-me
casado com William se você tivesse sido terrivelmente adversa à ideia.
Rebecca olhou para as mãos em seu colo. — Fiquei feliz por você, Louisa
— disse ela. — E pelo Pai. Ele esteve sozinho por tantos anos. Deve ter sido
solitário, eu acho. Não teria sonhado em tentar impedir aquilo que vocês os
dois tinham acordado mutuamente. É só que, quando eu casei, sonhei com uma
casa e uma família minha e agora — oh, agora não há nada, mas prefiro não
falar sobre isso. As pessoas que se compadecem de si mesmas são tediosas.
Eu sou bem abençoada.
Ela não disse a verdade sobre o casamento de Louisa com o conde. Não
ficara feliz no momento. Tinha ficado profundamente chocada ao perceber,
muito gradualmente, o que estava acontecendo entre a sua acompanhante e o
conde de Hartington. Louisa era uma mulher tranquila, bastante simples, seis
anos mais velha que Rebecca, filha de um cavalheiro caído em tempos
difíceis. E, no entanto, de repente, estava planejando tornar-se condessa e
senhora de Craybourne — ou pelo menos era o que parecia.
No entanto não a deveria ter julgado como havia feito, Rebecca percebia
agora. Não devia ter imaginado que todo o negócio era sórdido, que Louisa
era uma intrigante aventureira. O casamento parecia estar progredindo bem.
Parecia haver uma verdadeira afeição entre Louisa e o conde. E era verdade
que Louisa nunca tentara ser outra coisa senão uma calorosa amiga de
Rebecca.
Houve alguma dificuldade é claro, na mudança de papéis. Rebecca fora a
senhora da casa até o casamento. Agora era uma viúva sem-teto que vivia com
parentes, e nem mesmo isso. Embora nunca nada tivesse sido feito para que se
sentisse uma estranha. Ela tinha que admitir isso. Tudo estava em sua
imaginação.
E claro, sua solidão havia sido acentuada pela perda de seu companheiro e
de sua posição na casa, tudo ao mesmo tempo — e menos de um ano depois de
perder Julian.
— Deveria tirar o seu luto em breve — disse a condessa suavemente. — Já
faz mais de um ano, Rebecca, você tem que começar de novo… Há muitos
cavalheiros maravilhosos no mundo, muitos deles elegíveis, e você é tão
amável… Sempre invejei sua beleza.
— Talvez em breve — disse Rebecca. — Posso retirar o luto, mas de
qualquer maneira, eu nunca poderia me casar de novo.
O sorriso da condessa desapareceu repentinamente. — Oh, querida —, ela
disse, — Estou-me sentindo tão nervosa, Rebecca. Você não?
Rebecca ergueu as sobrancelhas.
— Mas é claro que não, — respondeu a condessa, rindo. — Por que não fez
nada para incorrer em sua ira, eu acho… Você acha que ele vai se ressentir de
mim? Acha que ele vai acreditar que eu estou tentando suplantá-lo no afeto de
William? Acha que ele vai acreditar que eu sou meramente uma caçadora de
fortunas?
— David? — Rebecca disse.
— Sou sua madrasta — disse a condessa, fazendo uma careta. — E só dois
anos mais velha que ele, e saberá que eu era sua empregada, o que é mais
repreensível, de todas as criaturas, uma pobre dama. Você acha que ele virá
hoje, Rebecca? Ele disse em sua carta que iria sair Londres no decorrer da
semana.
— Talvez hoje — disse Rebecca — ou amanhã, nunca se sabe com David.
—Talvez ele precisasse de uma semana ou mais de vida selvagem em Londres,
a guerra terminara, sua comissão fora vendida.
— Graças a Deus, ele sobreviveu à guerra — disse a condessa. — Eu não
sei se William teria sido capaz de aceitar o choque se ele tivesse sido morto.
— Sim, — Rebecca disse. — Graças a Deus.
Mas a condessa mordeu o lábio em consternação. — Oh, Rebecca — disse
ela —, eu sinto muito. Mas que pouco tato da minha parte, — ela segurou uma
mão sobre sua boca e ficou em silêncio por um tempo. — Será que sua volta
para casa será bem-vinda ou não? Será que vai ajudá-la vê-lo e falar com ele
sobre o seu marido? Ou será doloroso lembrar que partiram juntos para a
guerra?
Mas Rebecca não teve a chance de responder. Ambas as senhoras
levantaram-se repentinamente e trocaram olhares.
— Cavalos? — perguntou a condessa. — É o Vinney de volta da estação? O
trem deve ter chegado.
Ficaram de pé ao lado da janela, olhando para ver se a carruagem se
desviava na direção dos estábulos como havia feito nas quatro tardes
anteriores, ou se chegaria até a casa. Ela passou a virada para os estábulos.
— Tenho de ir até William — disse a condessa sem fôlego, quando a
carruagem desacelerou no terraço abaixo delas e elas puderam ver baús
presos atrás. — Eu preferiria estar com ele em vez de ter que fazer uma grande
entrada mais tarde. Nunca me senti tão nervosa em toda minha vida. Vem
comigo, Rebecca?
— Sim, — Rebecca disse. Ela também não queria fazer uma grande
entrada.
Elas correram pela escada para se juntar ao conde de Hartington, que
estava saindo da biblioteca para o corredor.
****
O major Lorde Tavistock havia sido ferido novamente em 1855, uma
desagradável ferida de baioneta que lhe abrira o pescoço e o ombro. Fora um
ferimento recebido por salvar a vida de um jovem soldado raso, que muitos
homens de sua classe teriam considerado dispensável. Foi o ato com que
conquistou a Cruz de Vitória. Ele tinha perdido quantidades copiosas de
sangue, mas sobrevivera. A cicatriz ainda estava lívida. Tanto a perna como o
braço, doíam de vez em quando e às vezes, quando estava cansado ou quando
não estava prestando atenção suficiente, coxeava. Mas se comparasse sua
condição com a de muitos outros homens que voltaram para casa com ele
depois da paz ter sido assinada, então tinha que admitir que não tinha nada
para reclamar. Pelo menos ainda tinha os quatro membros e os dois olhos.
E é claro que muitos milhares não voltaram para casa. Por um longo tempo
ele queria ser um deles, até tinha tentado ser um deles. Mas sobrevivera.
Ansiava por voltar à Inglaterra. Tinha decidido muito antes, que se
sobrevivesse à guerra, venderia a patente e passaria o resto de sua vida no
campo em sua própria propriedade, olhando pelo bem-estar dos seus
dependentes. Tinha sido uma indulgência juntar-se ao exército e deixar suas
responsabilidades a um administrador.
Ele queria colocar tudo para trás. Queria esquecer. Queria ser curado. Não
de suas feridas — elas haviam-se curado tanto quanto era possível, ele supôs.
Mas das outras feridas que não eram físicas. Sua alma precisava de cura.
Talvez se ele pudesse começar uma nova vida e fazer algo que valesse a pena,
quem sabe se assim seria capaz de esquecer.
Ele seria curado.
Possivelmente.
Tinha de ir primeiro a Craybourne. Sabia disso. Devia ver seu pai. Mas
temia ir lá e passou quatro dias mais em Londres do que ele precisava para
conduzir o pequeno negócio que tinha lá.
Craybourne seria diferente. Seu pai tinha uma nova esposa. Ele não podia
imaginar seu pai com uma mulher. Sua própria mãe havia morrido no parto
quando ele tinha apenas dois anos de idade.
A mulher de seu pai tinha apenas trinta anos — e ela era a mulher que
Julian empregara para ser a companheira de Rebecca.
David não conseguia se lembrar de como ela era, embora ele devesse tê-la
encontrado uma ou duas vezes. Temia encontrá-la agora. Temia que ela fosse
frívola e mercenária. Temia que seu pai fosse infeliz e estivesse percebendo
agora, depois de quase um ano do erro cometido.
Ou talvez temesse por si mesmo. Talvez temesse não mais pertencer ao seu
lar. Não mais ter seu pai para si mesmo — como se ele ainda fosse um menino
pequeno e precisasse de segurança.
Ou talvez o que mais temia, o que atrasara seu regresso a casa por quatro
dias, fosse outra coisa. Rebecca ainda vivia em Craybourne, como havia feito
desde que Julian a mandara para lá quando partiu para Malta. Ela não tinha
para onde ir é claro, mas mesmo se tivesse, seu pai a teria persuadido a ficar.
Ele sempre tratara Julian como um filho. Pensaria nela como uma nora.
Ao longo de quase dois anos, David conseguiu persuadir-se de que não
tivera escolha no que havia acontecido durante aqueles terríveis segundos no
Kitspur durante a Batalha de Inkerman. A escolha tinha sido entre a vida de
Julian e a de Scherer. E ele não podia em toda a consciência, ter visto um
assassinato ser cometido a sangue frio. Afinal, era um oficial ao serviço de
Sua Majestade, lidando com dois colegas oficiais. Tinha sido imaterial que um
deles fosse Julian. Se tivesse sido qualquer um, menos Julian, ele teria feito a
mesma coisa sem escrúpulo de consciência. Ele tinha aliviado sua culpa com a
verdade óbvia desse pensamento, mesmo que não a tivesse banido. O
pensamento lhe permitiu continuar vivendo, de alguma forma.
Mas ele preferiria fazer qualquer outra coisa na vida do que ir a
Craybourne e ter que enfrentar a esposa de Julian. Sua viúva. Rebecca.
A viagem da estação parecia mais curta do que ele se lembrava, talvez
porque não queria chegar em casa. Apesar dos quatro dias e do aço de sua
mente, não estava pronto. Antes que pudesse recompor-se depois da viagem de
trem de Londres, passaram pelos portões e entre as árvores. E antes que ele
tivesse ajustado a sua mente para esse fato, tinham dobrado a curva no
caminho e deixado as árvores para trás e lá no topo de meio quilômetro de
gramados, estava a própria casa. Casa.
David se moveu inquieto em seu assento.
Alguns minutos mais tarde, subiu os degraus com passos firmes até as
portas principais que estavam sendo abertas para trás, mesmo enquanto pisava
no degrau inferior. E se perguntou se seu pai estaria lá no corredor para
cumprimentá-lo ou se teria que ir ele próprio para a entrada do salão. Mas
todo o nervosismo e todos os pensamentos fugiram quando entrou na porta e
viu seu pai vindo apressado ao seu encontro. No momento seguinte, eles
estavam trancados em um abraço apertado, contundindo.
— Meu filho — ouviu o conde dizer. Seu pai nunca tinha sido um homem de
demonstrar sentimentos, embora David nunca tivesse duvidado de seu amor.
Mas ele se agarrou a ele agora, sem palavras, sem vergonha. — Meu filho —
disse novamente.
— Papai. — Eles finalmente se soltaram e David olhou para o pai, uma
réplica mais velha de si mesmo, com os olhos no mesmo nível.
O rosto bonito, bastante estreito, bastante severo, adquirira dignidade com
a idade. O cabelo escuro estava prateado nas têmporas, talvez um pouco mais
do que tinha estado dois anos e meio antes. — É bom estar em casa. — As
palavras pareciam inadequadas à emoção do momento.
Uma mulher se levantou atrás do ombro de seu pai. David não ousou olhar.
Ele podia sentir seu coração batendo em seu peito e podia ouvi-lo martelando
contra suas orelhas. Seu pai virou-se e pôs um braço sobre sua cintura.
— Este é meu filho, minha querida — disse ele. — David, esta é Louisa,
minha esposa. Eu acredito que vocês se conheceram antes.
Ela era pequena e inclinada à gordura, embora não fosse de forma alguma
gorda, elegantemente vestida com um vestido azul, de corpo apertado, sua
ampla saia tornada mais completa por três volantes profundos. Tinha cabelos
castanhos-claros e olhos cinzentos. Seu rosto era amável e bastante simples.
David não conseguia se lembrar dela. Mas ela foi uma surpresa. Era difícil
vê-la como a esposa de seu pai, como sua companheira, sua amante, apesar do
fato de que seu braço ainda estava em sua cintura.
— David? — sua voz soou ansiosa e ele percebeu que ela devia estar tão
nervosa sobre o encontro com ele como ele estava sobre a reunião com ela.
Percebeu também que ela o devia ter saudado pelo seu título em reuniões
anteriores. Mas ela era sua madrasta agora.
Inclinou a cabeça para ela. — Madame! — ele disse. — É um prazer
conhecê-la novamente.
Ela sorriu de repente e ele pôde ver que não era inteiramente sem beleza.
— Você é tão parecido com William —, ela disse e corou. — Assim como seu
pai, eu tinha esquecido a sua aparência, embora nos encontrássemos em uma
ocasião, eu acredito… A sua viagem foi tediosa?… Os trens são tão
barulhentos e sujos. Acho, embora maravilhosamente rápidos… Você deve
estar pronto para o chá.
Ele se sentiu relaxado. Até que algo, talvez um pequeno movimento, fez
com que abaixasse os olhos na direção da escada e das sombras para um lado
deles. Ela estava quase invisível. Estava usando preto. Oh Deus, ela ainda
estava usando preto. Seu estômago se virou. Ele tinha esquecido que ela era
mais alta do que a média. E ele tinha esquecido o modo como ela tinha de se
manter tão regiamente ereta.
Ele não tinha esquecido seu cabelo. Mesmo na escuridão das sombras
podia ver que seu ouro puro não havia perdido nenhum brilho. Estava dividido
no centro e enrolado suavemente sobre suas orelhas. Seu rosto parecia
esculpido em alabastro. Ela sempre foi tão delicadamente pálida?
— Rebecca? — ele disse. De alguma forma, parecia que não havia mais
ninguém a não ser os dois. Ele deu alguns passos na direção dela.
— David. — Seus lábios formaram seu nome, embora ele sentisse o som
mais do que o ouviu.
E ele soube, com uma certeza dolorosa, que estava se enganando há mais de
um ano, que nada estava acabado. Que nada poderia ser esquecido, que não
poderia haver cura nunca. Pois foi ele quem a vestiu de preto e colocou aquele
olhar de alabastro em seu rosto.
Ele era a razão pela qual ela estava lá para sempre sozinha e nas sombras,
em vez de na luz e no sol com Julian.
Ele havia matado o marido dela. Ele atirou em Julian no coração.
— Rebecca, — ele disse, estendendo as mãos para ela sem saber como fez
isso, — Eu sinto muito. — Ela nunca saberia como.
Ela colocou suas mãos nas suas, dois esbeltos blocos de gelo, e apertou-as
com força até que ele pudesse sentir a dureza de sua aliança de casamento.
— Estou feliz por você estar seguro —, disse ela. — Estou feliz que você
tenha voltado para casa, David.
Ele ficou olhando para ela, querendo tomá-la em seus braços e abraçá-la
como ele a abraçou em Southampton a última vez que a viu, se perguntando se
ela precisava ser abraçada naquele momento.
Pelo assassino do marido.
A mão de seu pai apertou seu ombro. — Vamos todos para o chá —, disse
ele. — Podemos conversar lá.
David soltou as mãos de Rebecca e ofereceu seu braço. Ela o pegou e eles
subiram as escadas à frente de seu pai e da esposa de seu pai, todos
estranhamente silenciosos.
****
Eles haviam falado e conversado durante o chá, os três, e novamente
durante o jantar. Parecia não haver fim para as perguntas que seu pai e Louisa
tinham a fazer a David, e ele não mostrou relutância em respondê-las. Todo o
nervosismo de Louisa parecia ter evaporado. Parecia inteiramente feliz no
momento em que todos se dirigiram para o salão e o conde lhe pediu, como
costumava fazer, para tocar piano e cantar. Louisa tinha uma voz doce.
Ela estava tocando e cantando agora, o conde atrás dela, uma mão
descansando levemente em seu ombro, David de pé em seu outro lado.
Rebecca sentava-se no assento da janela, onde costumava sentar-se à noite,
embora o conde e Louisa frequentemente a incitassem a acompanhá-los ao
piano ou ao lado do fogo se fosse uma noite fria.
Ele havia mudado. Tinha envelhecido. Estava mais magro — pelo menos
seu rosto estava. Sua figura ainda parecia poderosa sob o terno escuro de
noite, que usava. Ele se parecia mais com seu pai do que nunca, alto, moreno e
severo. Exceto que havia uma nova suavidade nos olhos do conde, colocada
ali sem dúvida por seu contentamento com seu novo casamento e talvez pelo
retorno seguro de seu filho da guerra. Enquanto os olhos azuis de David eram
duros e sombrios ao mesmo tempo.
Eram olhos que viram o sofrimento, o horror e a morte, e não podiam
esquecer. Ou isto pareceu a Rebecca.
Mas ele tinha vivido isso. Julian não tinha. Havia pouca evidência física da
provação de David, exceto pela cicatriz chocantemente lívida no pescoço, que
se mostrava acima da gola da camisa e que ele havia dito ao conde se estendia
pelo pescoço e ao longo do ombro. Cortesia do czar russo, disse ele
levemente.
Rebecca estremeceu profundamente. Julian tinha recebido sua morte como
cortesia do czar russo.
Ela se sentia ressentida com David mais do que queria e sentia-se culpada
por sua reação. Ele estava seguro e amado e sendo acarinhado por seu pai e
por Louisa. Estava tudo acabado para ele. Era seu passado. Ele tinha o resto
da vida para olhar para frente.
Julian estava numa sepultura na Crimeia.
Era injusto. E sua amargura era injusta, ela sabia. Tais eram as realidades
da guerra. Não era de modo algum a única viúva que a guerra havia criado.
Pelo menos ela não tinha filhos para ficarem órfãos, embora pudesse ter dois
se as circunstâncias fossem diferentes.
Tantas viúvas pobres da guerra tiveram filhos.
— Rebecca? — Tinha estado tão mergulhada em pensamentos que não
notara que ele cruzava o salão em sua direção. Estava de pé na frente dela
agora, escuro e elegante, olhando para ela com os olhos azuis, duros e opacos.
— Você não canta mais?
Ela costumava cantar, durante sua infância e durante seu crescimento, tanto
em casa quanto em Craybourne, durante as frequentes visitas que fizera lá com
seus pais, o conde e seu pai eram amigos íntimos. Ela costumava gostar de
cantar em Craybourne à medida que crescia, porque os dois garotos haviam
gostado de vê-la e escutá-la. David costumava virar as páginas de sua música
até que Julian o expulsou.
Então David sentava-se a uma distância e a observava enquanto Julian
sentava ao lado dela sorrindo com apreço e flertando com ela até onde sua
apropriada educação permitiria.
— Seu pai quer ouvir Louisa — disse ela. — Ele gosta dela, David.
— Sim — disse ele. — Eu vi isso. Você se juntará a nós no pianoforte?
Ela balançou a cabeça rapidamente. A conversa no chá e na mesa de jantar
tinha englobado todos os tópicos relativos aos últimos dois anos, ao que
parece, com uma omissão flagrante.
— Você estava lá? — ela sussurrou. — Você viu acontecer?
Embora houvesse um longo silêncio, ela podia ver por seus olhos que ele
entendia o que ela estava pedindo.
— Sim. — Sua voz não era mais do que um sussurro também.
— Eles disseram que ele era um herói —, disse ela, inclinando-se para
frente e olhando para ele com fervor. — Isso é tudo, eles pareciam não saber
mais, suponho que todos os homens que morrem em batalha são chamados de
heróis, não são? Pelo menos para seus entes queridos sobreviventes. Milhares
de heróis por cada batalha.
Ela o observou engolir.
— Diga-me o que aconteceu — disse ela. — Diga-me como ele morreu.
Ele balançou sua cabeça. — Talvez seja melhor não falar, Rebecca. — Ele
disse.
— Por quê? — Ela agarrou a borda do assento da janela de cada lado até
que seus nós dos dedos ficaram brancos. — Porque ele não morreu a morte de
um herói? Porque foi horrível demais para descrever? Porque eu vou ficar
chateada? Ele era meu marido, David. Ele era meu amor. Você sabe disso mais
do que ninguém. Devo saber, por favor. Acho que talvez seja porque eu sei que
não posso deixá-lo ir. Não posso acreditar que ele está morto, que nunca mais
o verei, ainda não consigo acreditar depois de quase dois anos.
Suas mãos estavam apertadas atrás dele. Seus olhos perfuravam os dela.
— Não éramos muitos —, disse ele, — mas repelimos um ataque de uma
grande coluna de russos. — Nós os havíamos derrubado por uma encosta
íngreme e os perseguíamos, fazendo-os cair. Julian liderou a carga em sua
costumeira loucura, de um jeito totalmente corajoso. Ele foi atingido no
coração.
Sim, esse seria Julian. Se ela o tivesse na frente dela agora, iria sacudir a
vida dele. Uma bala. Através do coração. Ele não sentira nada. Ele não
soubera. Julian!
— Você está bem? — A voz de David era suave.
— Você não poderia tê-lo impedido? — ela perguntou. — Você não o
poderia ter protegido? — Ela sabia que suas perguntas eram tolas, infantis.
Ressentia-se pelo fato de ele ter deixado Julian ir em frente. Ele fora o
oficial superior de Julian. Deveria ter liderado a carga. Ele deveria ter parado
essa bala em particular.
— Nós estávamos todos carregando, Rebecca, — ele disse. — Fui ferido
durante o retiro que se seguiu, foram as feridas que me levaram ao hospital de
Scutari.
Ela estendeu as mãos com as palmas para cima em seu colo e olhou para
elas atentamente. — Então você não estava lá quando o enterraram? — ela
disse. — Você não viu como ele parecia, se seu rosto estava em paz ou
mostrava sofrimento.
— Estava em paz —, disse ele. — Eu o virei antes de voltar para o alto da
colina. Eu tinha que ter certeza de que ele estava morto.
Ela fechou os olhos.
— Ele era meu irmão, — ele disse suavemente.
Ela lamentava seu ressentimento irracional. Sim, selvagem como David era,
sempre gostara de Julian, ela acreditava. E Julian o amava e o imitava e
sempre desejava sua aprovação.
Julian havia-se juntado aos Guardas porque David era um deles. Pela
primeira vez, percebeu que David devia ter ficado perturbado com a morte de
Julian. E ele tinha testemunhado isso.
— Estou feliz que você estivesse lá —, ela disse, olhando para ele
novamente. — Espero que ele soubesse que você estava lá, ele soube, não é?
Você estava no mesmo regimento. Sim, ele saberia.
Ele franziu o cenho e não disse nada.
— Obrigada por me dizer, — ela disse. — Obrigada, David.
Era tolo a dor ser tão crua novamente depois de tanto tempo. Era auto
condescendente talvez, deixar a dor continuar. Para se afligir
interminavelmente. Talvez Louisa tivesse razão. Talvez fosse hora de deixar
seu luto.
Mas a dor era crua e nova de novo.
Ela se levantou e se afastou de sua mão estendida.
— Por favor, desculpe-me, — ela disse, passando apressada por ele. E
então notou o conde e Louisa, de pé ao lado do pianoforte, olhando para ela.
— Rebecca — disse a condessa —, deixe-me…
Mas ela sorriu para eles e passou correndo. — Por favor, desculpe-me —
disse ela.
Talvez essas lágrimas fossem necessárias, ela pensou cega por elas
enquanto subia apressadamente as escadas e entrava em seu quarto. Talvez não
fosse uma condescendência tola. Talvez essas fossem as lágrimas de cura
finalmente.
Por fim, era real. David o tinha visto morrer. David tinha tocado seu corpo
e o virado e confirmado que ele estava morto. Ele realmente foi enterrado na
Crimeia. Ele realmente foi.
Julian estava morto. Ele nunca mais voltaria para ela.
Ele estava morto.
Capítulo 4
— Eu deveria ter recusado responder — disse David. — Eu não deveria
ter lembrado tudo isso para ela novamente.
— Ela gostava do menino — disse o conde. — E ele saiu em um momento
ruim, quando sua saúde era delicada. Ela nunca se recuperou de sua morte.
— Eu não devia ter-lhe contado nada — disse David.
Louisa atravessou a sala em sua direção e pôs uma mão em seu braço. —
Eu a conheço bem —, disse ela. — Creio que foi porque ela não viu David,
que ela achou tão impossível de aceitar. E contrariada como ela está hoje à
noite, acredito que a ajudará se conhecer toda a história.
— Menino tolo — disse o conde. — Ele liderou a carga, David, ele
assumiu riscos desnecessários, como era típico de Julian.
— Foi o tipo de batalha — disse David. — Não era uma luta que pudesse
ser combatida pelas regras, seria conquistada pelo esforço individual e pela
temeridade. Nós estávamos tão malditamente superados em número… Perdoe-
me senhora.
— Louisa — disse a condessa, sorrindo. — É um embaraço ser sua
madrasta e apenas dois anos mais velha do que você.
— Louisa. — Ele assentiu. — Esta deve ter sido uma noite tediosa para
você com nada mais além de falar de guerra e exércitos. E agora isso; —
Disse chateado. — Minhas desculpas.
— Era inevitável —, disse ela. — Você se foi há mais de dois anos, David,
e houve apenas algumas cartas. Seu pai tem andado frenético por sua causa.
— Frenético, minha querida? — perguntou o conde.
— Sim. — Ela se virou para olhar para ele. — Você mal o mencionou,
William, ou suas ansiedades sobre ele, mas você acredita que não sei que
pensou em pouco mais desde que eu vim aqui pela primeira vez? Você acha
que eu não o conheço?
O conde ergueu as sobrancelhas e olhou para David. David não se
lembrava de ter visto seu pai sorrir antes. Raramente o via sorrir.
— E agora vou deixar vocês dois juntos — disse a condessa — para que
possam conversar livremente entre si sem medo de me aborrecer ou me
horrorizar. Vou olhar a Rebecca em meu caminho. Boa noite David! Boa noite
William! — Ela levantou o rosto para o marido, e ele a beijou brevemente nos
lábios.
Parecia estranho a David, ver seu pai beijando uma mulher.
Conversaram até a madrugada — sobre a guerra, sobre Julian, sobre a
decisão do conde de se casar novamente no ano anterior, sobre a decisão de
David vender sua patente e sair do exército. Sobre seus planos de se mudar
para Stedwell, a propriedade que tinha, e onde nunca tinha vivido ou
gerenciado por si mesmo. Ele estava para enviar uma carta para a governanta
e os criados com um mês de aviso antes que fosse para lá.
Era um regresso a casa satisfatório, pensou enquanto finalmente dizia boa
noite a seu pai e fechava a porta de seu quarto atrás dele.
Era maravilhoso estar de novo com seu pai, e sentira uma aprovação
cautelosa e inesperada da esposa de seu pai. Parecia que poderia ser um
casamento feliz. E ele tinha um bom futuro se olhasse para a frente, um
interessante futuro. Um desafio.
Ele se perguntou de repente enquanto desabotoava sua camisa se Rebecca
estava dormindo, se ela ainda estava chorando. Ele se perguntou se ela tinha
alguma suspeita de que ele tivesse mentido para ela. Perguntou-se se seu pai
tinha alguma suspeita. Ele se perguntava enquanto suas mãos abriam os botões
da camisa, como cada um deles reagiria se soubessem a verdade. Se
soubessem que a bala que tinha parado o coração de Julian tinha vindo de sua
própria pistola.
Sentiu uma familiar frieza e tontura zumbindo em sua cabeça. Nunca
deveriam saber, e isso era tudo sobre isso. Além de si mesmo, só havia um
homem que sabia a verdade. E George Scherer, onde quer que estivesse, era
pouco provável que dissesse a alguém. E assim David sentiu novamente, mas
mais intensamente do que ele tinha sentido anteriormente, todo o pesado fardo
de seu segredo. Um segredo que não podia compartilhar com ninguém.
Eu matei meu irmão, ele tinha dito à Srta. Nightingale. Era o mais próximo
que tinha chegado de dizer a verdade. Mas ele não pôde dizer mais nada,
embora tivesse pressentido que ela teria ouvido. Mas como ela própria
dissera, ela tinha habilidade apenas em curar o corpo. Não poderia ter dado
nenhuma absolvição à sua alma.
Ninguém poderia lhe dar isso. Nem mesmo Deus. Deus poderia ter o poder
de perdoar o pecado, mas Ele não poderia apagar a culpa. E este pecado em
particular não fora cometido contra Deus, mas contra Rebeca.
Ele não esperava encontrá-la ainda de luto.
Ele não esperava isso.
****
Flora Ellis morava com seu filho em uma pequena casa na área de
Craybourne a quinhentos metros da aldeia. Ela era aceita lá agora, sendo uma
curandeira da maioria dos males, embora não sentisse desejo de voltar para
lá. Convinha-lhe viver um pouco à parte, mas também estar perto de outras
pessoas. Não se importava em ir para a aldeia agora que não havia nenhuma
chance de encontrar seu pai lá. Seu pai tinha sido vigário na igreja no
momento de sua desgraça. Ele tinha sido recentemente transferido para outra
paróquia por seu próprio pedido. Não falava com a filha desde o dia em que
ela anunciara sua gravidez.
Ela recusara-se firmemente a revelar o nome do pai, embora se acreditasse
geralmente que era David Neville, Visconde Tavistock. Seu pai, o conde de
Hartington, tinha, depois de tudo, dado a Flora o chalé de uma ex-governanta
falecida para morar, e aparentemente a tinha apoiado desde que seu próprio
pai a repudiou e também a seu filho desde o nascimento, quase quatro anos
antes.
Flora ainda tinha alguns amigos, entre eles Rebecca Cardwell.
Rebecca a visitava frequentemente no chalé, embora Flora nunca a visitasse
em casa. Elas costumavam caminhar juntas, Richard com elas. Rebecca
gostava da amizade de alguém que era calma e metida consigo. E gostava de
ver Richard crescer, embora houvesse alguma dor em saber que ela poderia
estar assistindo seus próprios filhos crescerem se tivesse sido capaz de
sustentar a gravidez. Ela tentou não se preocupar com o assunto. Embora
sempre estivesse em silêncio, não era naturalmente de uma natureza triste. E
Rebecca visitou Flora na manhã após o retorno de David a casa.
Tinha que sair para longe da casa, para o ar. Tinha uma dor de cabeça,
causada por tudo o que tinha chorado na noite anterior — a primeira vez que
ela tinha chorado por mais de um ano — e por uma noite passada em grande
parte sem dormir.
Mas era uma dor de cabeça que precisava ser afastada, não acarinhada. Ele
estava morto, disse deliberadamente enquanto arrumava seu chapéu de abas
largas bem atrás em sua cabeça, como era a moda, e amarrou as fitas sob o
queixo.
Richard veio correndo em sua batida na porta da casa de campo e
imediatamente começou a falar com ela sobre um sapo que ele tinha visto no
dia anterior na borda da lagoa enquanto Flora surgiu atrás dele.
— Deixe Lady Cardwell pelo menos entrar, querido — disse ela, rindo. —
Entre, Rebecca.
Parecia David com seu rosto estreito e cabelos escuros, embora seus olhos
fossem cinza, não azuis. Sempre irritava Rebecca que a criança tivesse de
crescer para lidar com o estigma da bastardia, enquanto ele deveria ser
reconhecido filho de um visconde, neto de um conde. Ele devia ser Richard
Neville, não Richard Ellis.
Não havia nenhuma razão para que David não tivesse tomado as
consequências de seus atos e casado com Flora. Ela era, afinal de contas, uma
dama de honra, mesmo que não fosse de uma categoria tão alta como seria de
esperar para esposa de um visconde.
Isso não parecia importar tanto quanto antes, de qualquer maneira. Bastava
considerar o caso de Louisa, por exemplo. E havia todos os tipos de
aristocratas que se casavam em famílias de ricos comerciantes e industriais.
Flora era agradável o suficiente. Bonita mesmo, com seus cabelos e olhos
muito escuros, e sua figura voluptuosa. Era inteligente e de bom humor.
Rebecca frequentemente se perguntava sobre a paixão que devia ter queimado
entre ela e David para que Richard fosse concebido. Flora não mostrava
nenhuma amargura sobre o que tinha acontecido, ou o que não tinha
acontecido. Ela raramente mencionava David, nunca em conexão com ela
mesma.
— Oh, — ela disse agora, — você está usando cinza, Rebecca.
Rebecca olhou para baixo, de modo bastante consciente, para o vestido
liso, cheio de recortes, com corpete de jaqueta que tinha feito alguns meses
antes, mas não tivera a vontade ou a coragem de vestir até hoje. Ela tinha
usado preto por tanto tempo.
— É muito bem vindo, — disse Flora, — e elegante. Entre na cozinha, se
não se importar, eu vou fazer um pouco de chá.
Richard disse a Rebecca novamente sobre o sapo e como ele tinha saltado
cada vez que tinha tentado pegá-lo, se recusando a ser pego.
— As rãs precisam ser livres — disse ela, passando a mão pelo cabelo
macio. — Como os meninos.
Seu filho mais velho teria sido apenas alguns meses mais novo do que
Richard, se tivesse vivido. Às vezes parecia uma estranha ironia que o filho
ilegítimo de Flora tivesse sobrevivido e nascido, enquanto suas próprias
crianças muito desejadas, dentro do matrimônio, não tinham. Mas ela nunca
ficou muito tempo pensando nisso. A vida tinha demasiada dor para arrastar
seu humor para baixo, se o permitisse. Ela permitiu que a dor arruinasse quase
dois anos de sua vida.
Além disso, Richard não era indesejado, pelo menos por sua mãe. Ela
gostava dele.
— David está em casa — disse Rebecca a Flora. Ela não conseguiu resistir
a olhar mais de perto a sua amiga enquanto falava.
— Sim. — A mão de Flora parou por um momento enquanto colocava a
chaleira sobre o fogo para ferver. — Eu tinha ouvido, como ele está?
— Mais magro — disse Rebecca. — mais velho, seus olhos estão mais
velhos, ele está esgotado.
— Sim — disse Flora. — Eu tinha ouvido.
— Ele estava com Julian quando ele morreu —, Rebecca disse. — Ele me
contou como aconteceu.
— Oh? — As xícaras e os pires que Flora estava levantando de uma
cômoda vibraram uns contra os outros.
— Ele estava sendo tolo e imprudente. — Rebecca disse. — Ele estava
conduzindo uma ação e foi baleado no coração. Ele estava morto no momento
em que David chegou a ele e o virou. E então, David foi ferido. Os estranhos
enterraram Julian. Eu suponho que não importa, não é? Ele estava morto.
— Sim. — Flora organizou as xícaras lenta e deliberadamente em seus
pires. — Deve ter acontecido tão depressa Rebecca, que ele não sentiu dor.
— Isso foi o meu consolo durante a noite —, disse Rebecca. — Muitas
vezes tive pesadelos, me perguntando sobre isso.
— Sim — disse Flora. — Sim, eu posso entender isso. — A chaleira estava
começando a zumbir no fogo.
— E assim eu o coloquei para descansar, — Rebecca disse com firmeza,
sorrindo para Richard que estava segurando um livro e olhando para ela
esperançosamente.
Levantou-o para o colo. — De noite, eu o coloquei em repouso, Flora.
Tenho que continuar com a minha vida, sem ele. Eu me entreguei muito tempo
ao luto, nada pode trazê-lo de volta, afinal de contas, e sempre poderei me
lembrar que enquanto ele viveu, tudo era perfeito entre nós. Eu tive isso na
minha vida, pelo menos. Então eu vou em frente. Assim o vestido cinza. Não
mais preto. Já era tempo, não é?
— Sim — disse Flora, inclinando-se sobre o fogo para testar o calor da
chaleira com a mão, embora fosse óbvio que ainda não estava perto de ferver.
— Estou contente, Rebeca, feliz por você, não precisa se importar com
Richard sabe, já li essa história para ele por duas vezes esta manhã, não é,
querido?
— Mas eu gosto de conversar com ele — disse Rebecca, abrindo o livro e
sentindo-se de repente e inesperadamente alegre — e quase culpada pelo
sentimento.
Ela se perguntou mais tarde, quando saiu de lá e começou a caminhada de
volta para a casa dela, se deveria ter dito mais sobre David. Ela se perguntou
se Flora estava faminta por notícias dele ou se ouvir sobre ele era doloroso
para ela. Nunca o haviam discutido. Perguntou-se se David iria ao chalé.
Certamente ele iria querer ver o filho de três anos que ele tinha criado. A
criança era pouco mais do que um bebê quando ele partiu para Malta e
Crimeia.
Ela se ressentia dele novamente e do fato de que ele tinha tido uma mulher
encantadora com quem se tinha recusado a casar, e um filho vivo que se
recusou a reconhecer ou legitimar. E o fato de ter sobrevivido à guerra para
retornar e continuar a esquivar-se de suas responsabilidades.
Enquanto Julian... Mas não, ela não pensaria mais sobre isso.
A amargura só a machucaria, no final. Era hora de começar a viver
novamente. Tinha tomado essa decisão na noite anterior, enquanto secava as
lágrimas. E ela se comprometeu a fazê-lo aquela manhã. Não mais na
escuridão. Não mais com autopiedade. Não mais na amargura. Ela iria
encontrar algo para tornar a vida significativa outra vez. Deliberadamente
colocou algo como uma primavera em seu caminho.
E então viu David caminhando em sua direção ao longo do caminho que ela
estava tomando. Não havia possibilidade de se tomar outro caminho para
evitá-lo. Ele a vira. Todas as suas resoluções acabadas de tomar fugiram e ela
sentiu seu espírito despencar. E no entanto era David, pensou ela, andando
com determinação, que fora sua salvação. Ele lhe trouxera a verdade e a
libertara. Ele permitiu que ela colocasse finalmente Julian em repouso.
****
David tinha tomado uma decisão da noite para o dia. Ele supôs que era
aquela que estava pairando no fundo de sua mente por um longo, longo tempo,
embora nunca tivesse feito até agora um plano consciente. Afinal, ele não tinha
visto Rebecca e não sabia como ela estava vivenciando a morte de Julian ou
como ela estava lidando com a vida sem ele.
Ele só sabia que percebera sua situação. Sua mãe estava vivendo com uma
irmã. Seu irmão tinha uma esposa e pelo menos cinco filhos que David
conhecia. Rebecca vivia em Craybourne com seu pai, que nem sequer era, na
realidade, seu sogro. E seu pai tinha uma esposa nova, uma mulher apenas
alguns anos mais velha do que Rebecca — e uma mulher que estranhamente
tinha sido a companheira paga de Rebecca antes do casamento. Ela não podia
viver sozinha — Julian não fora um homem particularmente rico, e sua
propriedade tinha passado a outro parente desde que Rebecca não tinha filhos.
Devia sentir que não pertencia a lugar nenhum.
É claro que ela era jovem. E extraordinariamente bela. Talvez se tivesse
recuperado da morte de Julian e já estivesse envolvida em uma vida social
ativa novamente. Talvez ela tivesse algum pretendente, ou teria em breve.
Talvez se casasse de novo em breve. Esses eram os pensamentos que
haviam girado em sua cabeça durante os últimos meses.
Talvez ele não tivesse nenhuma responsabilidade para com ela.
Mas ele tinha visto a verdade na noite passada. Ele tinha visto que ela
ainda lamentava profundamente, que ela ainda não se tinha ajustado. Tinha
visto que ela ainda não havia aprendido a lidar com a vida depois de Julian. E
viu que vivia em uma casa onde se sentia fora do lugar, especialmente sob as
circunstâncias particulares do novo casamento de seu pai. E evidentemente,
Louisa era muito senhora de Craybourne, uma posição que a própria Rebecca
devia ter ocupado quando chegou pela primeira vez de Southampton.
A vida de Rebecca devia parecer vazia e inútil. No entanto, como mulher,
havia muito pouco que ela poderia fazer para mudar sua situação. Ela tinha
sido criada para viver a vida como uma mulher casada e mãe e como senhora
do lar de seu marido.
Depois de uma noite sem dormir David sentiu o peso de sua
responsabilidade para com ela. Tinha tomado uma decisão alguns meses antes
de seu casamento e assim assegurou que ela se casasse com Julian. Ele era
responsável pelo fato de ela se ter casado com um homem infiel, que, se ele
tivesse vivido, provavelmente teria trazido sua infelicidade final. Mas ele não
tinha vivido. David tinha matado seu marido e destruído todo o sentido de sua
vida.
E claro, havia o fato de que ele a amava, sempre a amara mesmo quando
era menino e ela era apenas uma garotinha tranquila e feliz, de cabelos
dourados e olhos cor de avelã, olhando-o com adoração e sorrindo para
Julian. A adoração tinha morrido quando ele tinha ficado cada vez mais em
apuros ao longo dos anos. Como o tempo em que ele tinha tomado a culpa por
trancar as duas filhas do chefe dos jardineiros, em um galpão de ferramentas
em um dia quente, e esquecê-las lá até que elas foram descobertas somente
seis horas mais tarde. Rebecca chorara com aquelas menininhas e olhara-o
com reprovação quando confessou ter sido o bandido mascarado que cometeu
o crime. Ela tinha baixado o olhar quando seu pai o levou para uma discussão.
Seus sorrisos para Julian nunca tinham parado.
Seu amor por Rebeca complicou as coisas. Havia sempre a chance de que o
que ele sentisse e decidisse fazer fosse mais autoindulgência que dever. E ele
pensou que talvez, não tivesse matado Julian se não tivesse amado Rebecca.
Talvez não estivesse tão indignado com o caso em que Julian estivera
envolvido.
Talvez fosse essa indignação que o fizera apontar para o coração, e não
para um braço ou uma perna.
Era um pensamento ridículo, é claro. Ele tinha agido com o instinto de um
oficial durante esse momento preciso. Sabia que não deveria deixar que a
culpa distorcesse suas lembranças do que tinha acontecido.
No entanto, foi o que aconteceu. E ele tomou uma decisão durante a noite.
Na manhã seguinte, descobriu que Rebecca tomara um leve café da manhã
no quarto, como costumava fazer, e saíra.
— Deve ter ido para a aldeia — disse a condessa. — Ou mais provável
para a casa de Flora Ellis. Ela geralmente me pergunta se eu quero ir quando
vai para a aldeia. Você sabe onde Flora mora? — E então ela corou, e ele
soube que ela tinha acabado de se lembrar do que Flora Ellis deveria ser para
ele.
— Sim — disse ele. — Eu irei encontrá-la.
Ele a encontrou a meio caminho da casa. Notou a cor cinza de sua roupa
imediatamente e a elegância. Seus cabelos brilhavam como ouro ao sol,
expostos pelo chapéu fora de moda em sua cabeça. Ele desejou de repente que
pudesse voltar atrás, mudar de ideia, ter mais tempo para pensar.
— Bom dia, Rebecca — disse ele.
— Bom dia, David. — Ela não sorriu.
— Você esteve visitando Flora Ellis? — Ele perguntou. Um mau começo.
Seus lábios se apertaram.
— Sim — disse ela. — E Richard, é onde você está indo?
— Não. — Disse ele. — Eu vim encontrar-te. Você gostaria de dar um
passeio?
Ele ofereceu-lhe o braço.
— Suponho que sim — disse ela, pegando-o.
— É a primeira vez que você usa cinza? — Ele perguntou.
— Sim. — Ela olhou para ele fugazmente. — Devo-lhe um pedido de
desculpas, David, por ter fugido na noite passada. Foi um alívio, você sabe,
descobrir que estava lá e que viu tudo acontecer. Que foi rápido e indolor, e
que ele morreu instantaneamente. Seu sorriso era tenso. — Que ele realmente
foi um herói. Eu precisava estar sozinha por um tempo.
— Sim — disse ele. — Eu entendi isso, Rebecca.
— Ele morreu —, ela disse, — há quase dois anos. É hora de o deixar
descansar. E a minha empregada está tirando todas as minhas roupas pretas
esta manhã.
Foi um pouco melhor do que esperava. Ela lhe dera a abertura que ele
precisava.
— O que você vai fazer? — ele perguntou. — Já pensou no seu futuro?
Ela olhou para a frente por um tempo. — As mulheres têm tão pouco
controle sobre seu futuro, David —, disse ela. — Eu odeio viver aqui, embora
pareça muito ingrato de minha parte dizer isto, pois seu pai é tão gentil comigo
como se Julian realmente tivesse sido seu filho, e Louisa continuou firmemente
a ser minha amiga. Mas você não pode imaginar o quão fora do lugar eu me
sinto.
— Sim, eu posso —, disse ele.
— Você pode? — Ela olhou para ele de novo. — Eu poderia ir viver com
Horace, suponho. Pelo menos ele é meu verdadeiro irmão, eu não acredito que
eles me virassem as costas, embora raramente estejam em casa, mas eles nunca
me convidaram, você vê. Acho que Denise não gosta muito de mim, não posso
ir lá, realmente não posso.
— Não. — Disse ele. — Acho que seria imprudente.
— Eu poderia viver muito modestamente do acordo que Julian fez comigo
no nosso casamento —, disse ela. — Muitas pessoas conseguem viver
confortavelmente com menos, mas quando eu o mencionei, o seu pai ficou
muito zangado. Ele nunca ficou bravo comigo antes, por isso estou relutante
em abordar o assunto novamente.
— Ele a vê como uma filha —, disse ele. — Julian estava conosco desde
os cinco anos, você sabe, ele era tanto filho da casa como eu.
— Eu sei — disse ela. E ele amava o conde e o chamava de pai. E ele te
amou, David.
— Sim, — ele disse, seu coração se sentindo como uma pedra no peito,
como fazia tantas vezes. — Nós éramos como irmãos, então meu pai não podia
vê-la entrar em relativa pobreza, você vê.
— E isso exclui um emprego também —, ela disse com um suspiro.
— Você já pensou em casamento? — Ele perguntou.
Ela fechou os olhos. — Não. — Ela respirou fundo. — Se você me tivesse
feito essa pergunta ontem, David, eu teria respondido que já sou casada. Mas
não sou, claro, eu sou uma viúva e tenho sido por quase dois anos. Não, eu não
pensei em casamento. É a única maneira que uma mulher pode mudar o estado
de sua vida, entretanto, não é? Eu terei que pensar em algo.
— Por fim eu vou para Stedwell. — Disse ele. — Tem sido minha por toda
a minha vida, mas nunca fiz mais do que ir até lá em breves visitas. Pretendo
torná-la minha casa e fazer do funcionamento da propriedade o meu trabalho.
Mandei um criado até lá esta manhã para avisar a governanta que eu estou
indo.
Ela precisará fazer alguns preparativos e contratar mais criados. Eu mandei
a notícia de que estarei indo em um mês ou mais.
— Acho que você é sábio — disse ela. — Não se sentiria em casa aqui por
mais tempo, David, não agora que seu pai se casou de novo. Eles são felizes,
você sabe… Se temeu por isto como eu o fiz… Bem, eu não acredito que seja
verdade.
— Sim — disse ele. — Eu estava um pouco preocupado, mas posso ver
que não precisava ter-me preocupado. Ela o ama genuinamente, eu acredito —
e ele a ela. Estou assumindo uma tarefa enorme em Stedwell. A casa está um
pouco degradada, eu acredito, e os jardins foram mantidos arrumados, mas
nada mais. Eu não sei nada sobre meus inquilinos e trabalhadores ou sobre a
eficiência ou falta de eficiência com que as coisas têm sido executadas. Não
conheço nenhum dos vizinhos.
— Será uma aventura —, disse ela. — Mas você precisa de algo para
mantê-lo ocupado, David.
— Para me manter longe de problemas? — Ele disse, olhando para ela. Ela
corou, mas não respondeu. Sabia que nunca o aprovara. Mas ele não podia
permitir que isso o impedisse.
— Vou precisar de uma esposa — disse ele.
— Sim — concordou ela. — Ela será capaz de tomar conta da casa e dos
jardins, enquanto você se concentra nas terras. Não terá nenhum problema em
encontrar alguém disposto, David. Você é jovem, e eu tenho certeza que sabe
que é bonito também. Uma chance de escolher alguém ainda?
— Sim, — ele disse e esperou que ela olhasse para cima. — Quero que
você se case comigo, Rebecca.
Ela o olhou inexpressivamente por um tempo. — Eu? — Ela disse
finalmente. — Quer que me case com você?
— Nós dois poderíamos resolver nossos problemas nos casando um com o
outro. — Disse ele.
— Não. — Sua voz era incrédula.
— Você teria uma casa própria, — ele disse. — Não só isso, você teria um
propósito definido na vida, seria muito necessária.
— Está propondo um casamento de conveniência? — Ela perguntou.
Eles pararam de andar e ela deixou cair o braço dela.
— Nós nos casaríamos só porque eu preciso de uma casa e você precisa de
uma ajudante?
— Não inteiramente — disse ele. — Nós não somos estranhos, Rebecca, eu
gosto de você e acho que talvez goste um pouco de mim, não seria tão frio
quanto um casamento de conveniência.
— Não gosto de você. — Seus olhos estavam arregalados. Ela se ruborizou
profundamente depois que as palavras foram ditas, mas ela não as retiraria. —
Julian o amava e acho que eu tinha um certo laço com você, mas nunca gostei
de você. Não quero me casar com você, David, nem por conveniência, nem
por carinho.
Ele se sentiu como se tivesse sido esbofeteado no rosto. Mas ela não lhe
tinha dito nada que ele já não soubesse. Não podia recuar. Percebera muito da
solidão de sua situação no que ela havia dito há alguns minutos atrás, embora
ela tivesse falado sem auto piedade.
— Pense nisso — disse ele. — Pense em uma casa e posição própria,
Rebecca. Pense em ser capaz de se afastar daqui e não ter que contemplar
viver com seu irmão ou com sua cunhada, que talvez se ressinta de tê-la com
eles. Que preciso de uma esposa.
Seus olhos escuros brilharam para ele de repente e suas narinas brilharam.
Não se lembrava de ver Rebecca zangada. — Você precisa de uma esposa?
— Ela perguntou. — Você tem uma, David. É aquela com quem não quis se
casar, e você tem um filho.
— Não. — Disse ele.
— Vá pedir a Flora que se case com você — disse ela. — Já pensou em
visitá-la hoje? Já pensou em ver como seu filho cresceu em sua ausência? Ele
tem seus cabelos escuros, você sabe.
— Flora também tem cabelos escuros — disse ele.
— Então vai negar sua paternidade? — Ela disse. — Eu desprezo você por
isso, David, eu o desprezo mais do que posso dizer… Tudo o que você sempre
fez eu poderia colocar com sendo da selvageria da juventude, mas não isso.
Como pôde gerar uma criança e abandonar sua mãe?
— Eu não a abandonei, — disse ele, — ou a criança. Eles estão seguros e
protegidos e têm todas as suas necessidades previstas, não têm?
— Por você? — ela disse. — Ou pelo seu pai?
— Ambos — disse ele.
Ela se virou e olhou através do amplo gramado em que haviam andado em
direção à linha distante de árvores.
— Ela não teria aceitado se casar comigo —, ele disse calmamente.
— Eu não acredito em você —, disse ela. — E por suas próprias palavras
está admitindo que nunca perguntou a ela, nem tentou fazer a coisa certa.
— Pergunte a ela — disse ele. — Acredito que ela lhe diga que não se
casaria comigo mesmo se eu tivesse pedido.
— Oh, sim — disse ela. — Dinheiro e uma casa em troca de silêncio e
docilidade, e assim seu filho é um bastardo, David, ele terá que viver sua vida
com esse estigma.
— Sim — disse ele. — Mas ele será bem cuidado, o casamento entre Flora
e eu teria sido impossível Rebecca, pergunte a ela.
Ela começou a caminhar na direção da casa distante. — O casamento entre
você e eu seria ainda mais impossível —, disse ela. — Não consigo imaginar
por que teve a ideia de perguntar. — Ela parou de novo e se virou para olhar
para ele. — Eu sou a esposa de Julian, a viúva de Julian, se quiser. Acha que
eu poderia me casar com você depois de ser dele, David?
Ele não conseguiu pensar em nenhuma resposta para dar a ela.
— Eu tentei, — ela disse, e seus olhos ficaram atormentados de repente. —
Não desejar que Julian voltasse para casa, e não você. Seria um desejo cruel,
não é? Mas eu desejei, no entanto. E agora gostaria, que Deus me ajude, se
apenas um de vocês tinha que voltar, então eu gostaria que fosse Julian que
estivesse de pé e você no túmulo na Crimeia. E eu odeio você por me forçar a
fazer essa admissão em voz alta. Não me siga. Por favor.
Ela se apressou a atravessar o gramado, segurando sua saia cheia na frente
para que não tropeçasse em sua pressa.
Ele ficou olhando para ela, sentindo como se tivessem enfiado uma faca em
seu estômago e torcido. Mas era natural, é claro. Como poderia esperar que
ela desejasse algo diferente?
E ele tinha o mesmo desejo que ela. Ele desejava que pudesse ser Julian a
estar em Crayboume com ela, e ele mesmo naquele sepulcro no Inkerman
Heights. Ela ficaria feliz — por um tempo — e ele estaria em paz.
Ele desejou profundamente.
Capítulo 5
A condessa estava para ir assistir a uma reunião na aldeia após o almoço,
para organizar uma festa com prêmios na escola. Rebecca normalmente teria
ido com ela, mas deu uma desculpa de dor de cabeça e se retirou para seu
quarto.
Por mais que se sentisse constrangida em viver em Craybourne depois da
morte de Julian, especialmente no ano passado, nunca sentira medo de sair de
seu quarto. Ela estava com medo agora. Não sabia onde poderia ir. Não sabia
onde David estava. No almoço, ele não havia dito nada sobre seus planos para
a tarde.
Ela tinha sido terrivelmente rude com ele. Não se lembrava de ter tratado
outro ser humano com tal descortesia. Não se lembrava de ter falado
deliberadamente para machucar em qualquer outra ocasião.
Se tivesse que ser um ou o outro de vocês, então eu desejo que fosse
Julian que estivesse aqui e você no túmulo lá na Crimeia.
Podia ouvir-se falando as palavras, querendo machucá-lo. Um sentimento
bastante vicioso em sua necessidade de ferir.
E você no túmulo, na Crimeia.
Sim, ela o odiava por forçá-la a dizer essas palavras. Ela o odiava.
Como se atrevia a pedir que se casasse com ele? E de uma maneira tão fria.
Só para que pudesse arranjar sua casa para ele.
Como ele poderia ter esperado que ela dissesse sim quando ela se tinha
casado com Julian? Ele sabia como esse casamento fora.
Ele sabia o quão perto eles haviam estado, quão profundamente eles se
haviam amado. Teria ele seriamente esperado que ela estivesse disposta a
fazer um casamento de conveniência depois de viver isso? E com ele, de todas
as pessoas?
Eu gosto de você, ele disse. Gostava? Sim, provavelmente gostava. Ele
gostava de Julian mesmo com toda a sua selvageria, e ela tinha sido a esposa
de Julian. E ele sempre foi tolerante com ela quando criança, embora ela
tivesse quatro anos menos do que ele, e fosse uma mera garota.
E acho que talvez goste um pouco de mim. Ele estava errado sobre isso.
Ela não gostava dele. No entanto, Julian o amava.
E sim, havia uma espécie vínculo. Ela fechou os olhos e lembrou-se de
Southampton e da partida final de Julian. Ela abraçou David e sentiu um
terrível temor por ele e implorou-lhe para que se mantivesse em segurança,
mesmo que toda sua mente estivesse em Julian e o fato de dever virar-se para
ele e despedir-se dele.
Para sempre, como havia acontecido.
Sim, ela sentia um pouco de carinho por David, supunha, embora tivesse
sido abafado pela aversão. Por aquele fato imperdoável sobre ele. Ele tinha
gerado o filho de Flora Ellis fora do casamento. O próprio pensamento
poderia fazer com que as bochechas de Rebecca ficassem quentes de
vergonha. E se recusou a assumir a responsabilidade por suas ações depois.
Ele se recusara a casar com Flora. Embora ela não o tivesse aceitado de
qualquer maneira, ele dissera. Isso era difícil de acreditar. Qualquer mulher
em tais circunstâncias se casaria alegremente, mesmo se ela não amasse o
homem. E como Flora poderia ter feito o que fizera se não tivesse amado
David?
Pergunte a ela, ele disse.
Isso lhe importava? Seria algo de sua conta, o que tinha se passado entre os
dois ex-amantes, e por que eles tinham tomado as decisões que tomaram?
Seria de seu interesse pessoal se David tratara Flora tão mal como sempre, ou
se Flora não queria casar? Eles tinham um acordo, David tinha dito, o que
quer que isso significasse, não era realmente sua preocupação, pensou
Rebecca, a menos que planejasse se casar com ele. E ela não planejava nada
disso. A ideia era absurda.
E, no entanto, quando se sentou para escrever uma carta para sua mãe,
mergulhou a caneta no tinteiro três vezes, mas não conseguiu pensar em uma
palavra para escrever. Exceto que — David está em casa —. Mas não podia
começar uma carta com aquelas palavras. Pareceria que o fato de seu regresso
a casa era de imenso significado para ela. Não era. Ela pousou a caneta e
levantou-se com um suspiro dez minutos depois, quando o papel ainda estava
em branco.
Olhou através da janela. Nuvens cobriam o céu desde manhã. Parecia frio.
Seria mais confortável ficar dentro de casa onde estava quente. Ela não tinha
nada que sair. Fizera sua visita naquela manhã e tinha tomado ar suficiente e
feito exercício para o dia. Era tarde demais para ir com Louisa. Ficaria dentro
de casa.
E, no entanto, apenas dois minutos depois, ela se apressara a entrar em seu
vestiário e estava amarrando as fitas de seu chapéu resolutamente sob o
queixo. Envolveu um xale em seus ombros. Precisaria disso esta tarde.
Ela ia ter uma palavrinha com Flora.
****
David não tinha seguido Rebecca de volta para casa. Em vez disso, havia-
se virado e caminhado de volta pelo caminho que tinham feito juntos, o
caminho que ela fizera sozinha. Tinha ido à casa de Flora Ellis apenas uma
vez, com seu pai. Fora antes do nascimento de seu filho.
Ele bateu na porta e então olhou para baixo quando ela foi aberta quase
imediatamente por um menino pequeno. Sim, a criança era morena, como ele
próprio — e como a mãe. Tinha os olhos cinzentos de Julian.
— Meu Senhor? — Flora Ellis apareceu atrás de seu filho e fez uma
reverência desajeitada. Ela parecia assustada.
— Flora? — ele disse. — Posso entrar?
Ela tirou o filho da porta e fez sinal para que David entrasse. Ela o
conduziu pelo caminho até uma pequena e acolhedora sala, arrancando um
livro de uma cadeira e uma costura de outra enquanto ela pedia que ele se
sentasse.
— Posso oferecer-lhe um refresco, milorde? — Ela perguntou.
Ele tinha esquecido como ela era linda, com sua figura voluptuosa.
Como era muito o tipo de Julian, fisicamente falando. Ele amava Rebecca,
é claro. Não poderia haver dúvida sobre isso. Mas Rebecca era uma refinada
senhora. Julian sempre precisara mais do que beleza, refinamento e amor.
— Não, obrigado — disse ele. — Flora, como vai? — Ela podia ser
voluptuosa para olhar, mas era uma senhora também. Fora uma menina feliz,
de espírito elevado, quando muitas vezes ele a viu brincando com seu pai,
como ele nunca fez com o dele.
— Estou bem, meu senhor — disse ela —, como você vê. E você? Eu estou
feliz por ter voltado da guerra em segurança. Fiquei feliz por saber que estava
voltando para casa.
— Obrigado — disse ele. Ele olhou para o menino, que estava de pé ao
lado de sua cadeira, agarrando a manga de sua mãe e olhando para ele.
— Você tem um filho bonito.
— Sim. — Ela sorriu para a criança. — Ele é meu orgulho e alegria.
— Você está vivendo bem, Flora? — Ele perguntou. — Você tem o bastante
de tudo?
— Sim, — ela disse apressadamente. — Estou muito bem abençoada,
graças a você e a Sua Senhoria, temos tudo o que precisamos.
— Ele vai para a escola da aldeia? — Ele disse. — Falaremos sobre sua
educação quando ele for mais velho e sobre uma carreira adequada para ele.
— Sim, — ela disse, — obrigado, você é muito gentil.
Ele olhou para ela meditando durante alguns momentos de silêncio e para a
criança. — Quero que Rebecca se case comigo. — Ele disse, e viu seus olhos
se arregalarem. — Ela quer saber por que não me casei com você.
Flora corou. — Eu disse na época que era loucura —, disse ela. — Eu
disse que voltaria para assombrá-lo. Eu deveria ter insistido na verdade a ser
dita, suponho. Mas na época eu não estava em estado de tomar decisões
sensatas. Permiti que você me falasse em algo com que eu nunca deveria ter
concordado.
— No momento —, disse ele, — parecia a única coisa a fazer. O casamento
estava todo organizado e os convites foram todos enviados. Teria sido um
escândalo terrível. E você disse que percebeu que Julian nunca se casaria com
você.
Flora inclinou-se sobre seu filho de repente e sussurrou em seu ouvido. —
Você pode ir pegar um biscoito do pote, se quiser, querido —, disse ela. —
Sente-se bem à mesa para comer.
— Dois? — Ele perguntou, levantando dois dedos.
Ela sorriu. — Dois então — disse ela. — Só desta vez e sem migalhas. —
Ela esperou que ele saísse da sala. — Por que você não diz a ela a verdade
agora? — ela perguntou.
— Ela o amava — disse ele. — Ela sempre o amará.
— E mesmo assim você quer se casar com ela? — Ela se ruborizou depois
de fazer a pergunta.
— Sim — disse ele.
Ela franziu o cenho. — Eu não sei por quê, quando você merece muito
mais. Mas é impertinência minha dizer isso. A deixaria se casar com você,
mesmo ela pensando isso de você? Faria isso pela memória dele.
— Sim — disse ele.
Ela olhou para as mãos. — Sempre a amou, não foi? — Ela disse. — Você
sempre foi dez vezes melhor homem do que ele era e muitas vezes o bode
expiatório, por sua própria escolha. Eu fui uma das poucas pessoas a perceber
isso, eu acho. Rebecca nunca o fez. Não foi por ele, ou pelo que o escândalo
lhe teria causado. Mas porque ela teria sido ferida e você a amava. — Ela
suspirou.
— Flora —, disse ele, — ela pode vir aqui fazer perguntas. Se decidir dar
qualquer consideração a minha proposta apesar de tudo, ela pode vir, e ela
precisa de um marido. Precisa de uma casa própria e um propósito para ela. E
poderia encontrá-los comigo.
— Vou responder às suas perguntas com cuidado —, disse ela.
Ele se inclinou na cadeira. — Mas você não vai dizer a ela a verdade?
— Eu prometi — disse ela. — Antes que seu pai me desse essa casa, antes
que soubéssemos que ele seria tão gentil… Quando você e Julian vieram
tomar providências para me apoiar, prometi que nunca diria a ninguém quem é
o pai de Richard… Fui uma tola talvez, mas eu prometi e não vou quebrar essa
promessa agora, se é seu desejo que eu a mantenha. Devo-lhe mais do que
posso pagar.
Ele procurou seus olhos antes de acenar com a cabeça, satisfeito, e se
levantou. — Não a reterei mais tempo — disse ele —, ou o frasco de
biscoitos estará vazio.
Ela o conduziu para o corredor. Mas ele parou com a mão na tranca da
porta e se virou para ela, hesitando por apenas um momento.
— Ele morreu bem, Flora —, disse calmamente. — E instantaneamente; não
podia sentir dor.
— Eu sei — disse ela. — Rebecca mencionou isso antes. — Houve uma
súbita onda de lágrimas em seus olhos e ela mordeu o lábio superior.
— Obrigada — sussurrou enquanto abria a porta e saía.
****
Rebecca encontrou Flora e Richard, não na casa de campo, mas ao lado de
uma lagoa de lírios, um pouco abandonada, a uma curta distância. Não tinha
sido muito frequentada desde que um lago muito maior tinha sido construído a
leste da casa. Mas Flora não levaria seu filho lá, onde eles poderiam encontrar
o conde ou a condessa a qualquer momento.
— Há sapos hoje? — Rebecca perguntou quando se aproximou.
— Só peixe — disse Flora com um sorriso enquanto Richard cutucava
intensamente a água com uma vara e chamava Rebecca para ir e ver.
Caminharam alguns minutos depois, ao longo do caminho arborizado que as
levaria de volta ao chalé. Richard corria adiante.
— Voltei esta tarde por uma razão — Rebecca disse abruptamente.
Flora a olhou inquisitivamente.
— O que aconteceu com David? — exclamou Rebecca. — Alguma vez lhe
pediu que se casasse com ele?
Flora respirou fundo. — Discutimos isso —, disse ela, — e decidimos
mutuamente contra isso. Ele é muito honrado e gentil.
— Honrado? — Rebecca disse com desdém. — Flora, e depois de discutir
as consequências, era justo que ele fizesse isso… Será que ele deixou claro
para você que não a queria?
— Eu não queria me casar com ele — disse Flora. — Teria sido uma coisa
errada, para nós dois. Nenhum de nós amava o outro. Ele teria feito isso por
nobreza e eu estaria fazendo isso apenas por medo e desespero.
— Mas teria criado seu filho — disse Rebecca. — Ele não lhe deve
casamento?
Flora não respondeu por um tempo. — Às vezes —, disse ela, — as
pessoas se deixam levar pela paixão, eu sei que você acharia isso difícil de
entender, Rebecca. Pois tem princípios morais e padrões de comportamento
tão fortes e eu devo respeitá-la por isso. Tentar corrigir um erro com outro
erro não resolve nada, teria sido errado eu me casar com Lorde Tavistock.
— Mas se você não o amasse — Rebecca disse. — Como você poderia
ter… — Ela se ruborizou — Perdoe-me, não é da minha conta. Me perdoe.
— Paixão e amor nem sempre andam de mãos dadas —, disse Flora. —
Nem sempre. Você culpa Lorde Tavistock por não ter-se casado comigo? Não
o faça. Ele teria feito isso, eu acredito, mas deixei claro que não era o que eu
queria. Ele não me enganou.
— Ele é responsável por Richard —, disse Rebecca, com os lábios
cerrados.
— Você acha que eu estaria aqui sem ele? — perguntou Flora. — Pode
olhar para ele e dizer que não deveria existir, Rebecca? Que ele é de alguma
forma errado? O que eu fiz estava errado. Eu não sabia disso e agora sei, mas
não posso estar tão triste quanto talvez devesse estar. Richard, entende, e eu
não lamento muito, e não quero que ninguém se sinta responsável, embora
deva confessar que sou grata pelo apoio que Lorde Tavistock e o conde de
Harrington me deram.
Rebecca ficou em silêncio. Sim, olhando dessa maneira, era difícil ver as
coisas em termos puramente preto e branco. Ela não conseguia entender a
conversa sobre paixão. Amor ela conhecia, mas a paixão era algo além de sua
experiência. Sugeria algo irracional, algo além de seu controle. Algo que ela
não queria experimentar.
Mas não julgaria. Nunca havia condenado Flora por algo que ela própria
não conseguia entender. E como poderia dizer que o que Flora e David haviam
feito estava errado quando havia Richard? Às vezes não era tão fácil decidir o
que era certo e o que era errado. Às vezes, a vida não era fácil.
— Eu não vou entrar —, ela disse enquanto se aproximavam da casa. — Só
precisava fazer essas perguntas, Flora. Ele quer que eu me case com ele.
— Lorde Tavistock? — perguntou Flora.
— Eu não poderia fazê-lo, é claro —, Rebecca disse. — Nem gosto dele,
nem o respeito, e não consigo considerar um segundo casamento ainda, é muito
cedo.
— São quase dois anos — disse Flora.
— Parece que já foi há muito tempo —, Rebecca disse com um suspiro. —
Não parece longo, Flora. Ainda me sinto casada, tenho que me convencer de
que sou viúva há quase dois anos, isso faz sentido?
— Sim — disse Flora em voz baixa.
— O que preciso perguntar — disse Rebecca —, embora seja tolo quando
não tenho intenção de casar com ele agora ou nunca. O que preciso perguntar
Flora é se você se importaria.
— Se você se casar com Lorde Tavistock? — perguntou Flora. — Não.
Não, Rebecca, você não deve pensar que eu faria isso. Isso ficou no passado.
Acabou. Não se pode segurar por minha conta. Ele seria para você um marido
maravilhoso. Eu sei isso. Ele é um homem maravilhoso.
Rebecca riu sem se divertir. — E mesmo assim você não o ama? — Ela
disse. — E não quer todas essas coisas maravilhosas para si mesma?
Flora corou e se inclinou para pegar o cacho de dentes-de-leão e
margaridas que Richard escolhera para ela. — Obrigada, querido. — Ela
disse. — Como são bonitas. — Ela se endireitou.
— Não? — Disse ela.
— Não, eu não, Rebecca, mas eu não o odeio, e vejo claramente que ele é
um bom homem.
Rebecca suspirou novamente. — Mas não estou em busca de marido —
disse ela. — Certamente, não David.
Ela se despediu e caminhou de volta para casa com a cabeça baixa.
Você teria uma casa própria, ele disse. Não apenas isso. Você teria um
propósito definido na vida. Você seria muito necessária.
Enquanto ela estava se apressando em direção a uma casa que não era
realmente dela, uma casa em que ela não tinha função claramente definida. Um
lugar onde ela tinha que encontrar seus próprios divertimentos com os quais
podia preencher os dias longos e vazios.
Mas não David. Ela nunca poderia se casar com David.
****
O sol retornou no dia seguinte e o conde anunciou no café da manhã que
todas as outras atividades deviam dar lugar a uma caminhada na tarde para o
lago.
— Você pode voltar a tocar Lady Bountiful amanhã, querida — disse ele,
dando tapinhas na mão da condessa — e Rebecca também… Hoje, você deve
agradar aos homens desta família e caminhar conosco.
A condessa sugeriu um passeio em vez disso, mas o conde insistiu que uma
caminhada seria exercício extenuante o suficiente. Ela olhou para o rosto dele
e sorriu.
— Oh, muito bem, então, William — disse ela. — Uma caminhada será, em
qualquer ritmo que você se preocupe em definir.
— Você tem que compreender minha idade avançada —, disse ele, e ela riu
para ele, pura e simplesmente.
Ninguém jamais havia provocado ou rido de seu pai, que David se
lembrasse.
E, no entanto, por mais severa que fosse a sua expressão, não parecia
zangado ou desagradado. David dirigiu o olhar para Rebecca. Ela estava
usando cinza novamente, um tom mais claro do que usara no dia anterior.
Perguntou-se se teria voltado para a casa de Flora Ellis ontem, se ainda estava
zangada com ele, se ainda estava decidida a recusá-lo.
Ele se perguntou se, desde a manhã anterior, ela havia sido tentada por sua
oferta. Se podia ser tentada. Ela estava comendo seu café da manhã com os
olhos baixos, embora tivesse conversado com alguma animação com Louisa
por um tempo sobre um morador idoso que gostava de ser visitado.
Tinham planejado visitá-lo naquela tarde. Sua visita teria que ser adiada
agora.
Ele andou com ela quando os quatro partiram para o lago depois do
almoço. Ela tomou seu braço sem protestar, e eles logo se distanciaram de seu
pai e Louisa, que estavam andando um pouco lentamente apesar dos protestos
de Louisa.
— O sol está de volta —, disse David.
— Sim, — Rebecca disse. — Ontem parecia que estávamos com um feitiço
de chuva.
Eles ficaram em silêncio.
— Falou com a Flora Ellis? — Ele perguntou finalmente.
— Sim — disse ela. Pareceu que ela não quis falar sobre isso, mas
continuou depois de um tempo. — Você falou a verdade, eu o tenho julgado
mal todo esse tempo, desculpe.
— Quanto estou perdoado? — Ele perguntou. — Você quer se casar
comigo?
— Não, — ela disse apressadamente. — Não David! Acho que fui clara.
Nunca deveria ter dito o que disse, e não quis dizer isso como eu disse, nunca
desejei que você morresse, só desejei que Julian estivesse vivo.
— Compreendi — disse ele. — Não estou pedindo para tomar seu lugar,
Rebecca.
Ela olhou para ele. — E então?
— Eu sei que você sempre o amará —, disse ele. — Eu nunca esperaria ou
pediria que você desistisse disso.
— E mesmo assim você deseja ser meu marido — disse ela.
— Sim.
— Se eu me casasse com você, eu teria que desistir dele —, disse ela. —
Eu deveria tudo a você: lealdade, obediência, afeição… É isso que o
casamento é, David. Não pode haver meia medida.
— E você não poderia com toda a consciência dar-me essas três coisas? —
ele perguntou. — Mesmo que o amor seja retido, a afeição é um ingrediente
desejável em qualquer relacionamento, acredito que um casamento pode
existir muito bem com afeto mútuo. Você não pode sentir isso por mim?
— Não sei — disse ela. — Eu honestamente não sei David, mas se não
puder oferecer meu coração, não poderei oferecer toda a minha lealdade. Eu
me sentiria como se o tivesse enganado, que tivesse sido infiel a você. Eu
nunca poderia oferecer-lhe meu coração. Está morto e enterrado na Crimeia.
Eles tinham chegado ao lago. Ficaram na margem por um tempo, olhando
para as árvores do outro lado. Mas ele se virou com ela para dar uma volta.
Ele ainda não estava pronto para se juntar a seu pai e Louisa.
— Se eu estivesse preparado para levá-la sem o seu coração? — ele
perguntou.
— Não funcionaria, David — disse ela. — Acredite, não faria isso. Julian
e eu nos amávamos muito, e mesmo assim havia certas coisas… Havia…
Tinha de ser trabalhado. Constantemente. Não foi fácil. Não para qualquer um
de nós. Foi apenas o nosso amor e nosso compromisso com esse amor que nos
manteve unidos até ao fim. Mesmo que estivéssemos separados nos últimos
sete meses do nosso casamento.
— Se você nunca mais puder amar —, disse ele, — se seu coração está
realmente morto com ele, Rebecca, você deve permanecer viúva pelo resto de
sua vida? Você nunca mais será capaz de considerar o casamento?
Ela olhou para ele, seus olhos sem vê-lo completamente. Ele sabia que
tinha colocado uma ideia nova e bastante assustadora em sua mente.
— Eu não sei, — ela disse finalmente. — Não sei David.
— Ou é só comigo? — ele perguntou. — É só que você não se pode casar
comigo porque eu cheguei em casa e ele não?
— Vocês eram como irmãos —, disse ela. — Eu não poderia me casar com
o irmão do meu marido morto.
— Mas não éramos irmãos — disse ele.
— David — disse ela. — Eu não poderia, por favor, eu não poderia.
Ela teve que deixá-lo. Não estava nem chorando, e nem perturbada.
Rebecca era uma pessoa muito disciplinada para mostrar muita emoção em
público. Ele sabia que seu comportamento na noite de seu retorno para casa
não era típico dela. Mas podia ver em seus olhos agora que ela não poderia
ser empurrada mais longe. Ela não o teria. Pelo menos neste momento ela não
o faria. Talvez amanhã ele tentasse novamente, depois que ela tivesse tido
tempo para considerar o que eles tinham falado hoje.
Mas ele não pensou que ela iria considerá-lo. Algum outro homem
eventualmente. Mas nunca ele.
E assim nenhum dos fardos de sua culpa poderia ser tirado de seus ombros.
Ele nunca seria capaz de fazer nada para ajudar e proteger a mulher cujo
marido e amante ele tinha matado quase dois anos antes. Ela não seria
ajudada.
— Vamos esperar aqui por alguns minutos, está bem? — Ele sugeriu, e
podia sentir seu alívio. — Meu pai e Louisa devem vir ter com a gente em
breve.
O conde, quando o fez, franziu o cenho no fim do lago onde eles se
levantaram e expressou sua preocupação com os juncos que estavam
crescendo fora da água.
— Qualquer barco que se aventurasse até este fim poderia ficar preso —,
disse ele, e nunca ficar livre. Seria muito perigoso nadar aqui. Vou ter que
limpá-lo.
— Mas os juncos dão um lindo e pitoresco aspecto ao lago —. Disse a
condessa. — Você não acha, David? Não tem que ser um lago de prazer, não é
meramente um prazer de olhar?
— Meus jardineiros adorariam estar à distância — disse o conde
secamente. — Você estaria oferecendo a eles uma desculpa maravilhosa para
serem preguiçosos, minha querida, teríamos a natureza selvagem até às portas.
Ela riu. — Agora não é isso que eu disse William — disse ela. — É,
Rebeca? Os homens persistirão em nos julgar criaturas insensatas ouvindo
apenas o que pensam que dizemos em vez do que realmente dizemos. Vamos
andar adiante e falar somente uma com a outra, certo?
Ele não estava arrependido, pensou David, enquanto caminhavam pelo
caminho pelo qual tinham vindo, por estar com seu pai na caminhada de volta.
— O que você acha? — perguntou o conde. — Quer que eu tenha o lago
limpo, David, ou devo agradar a sua madrasta?
— Eu não tocaria nessas perguntas com um remo de trinta metros —, disse
David, rindo.
— Bem, suponho que se é apenas em uma extremidade que está entupida e
pitoresca, não há grande dano, — o conde disse bruscamente. — Aqueles que
quiserem ainda podem se banhar e embarcar no outro extremo, mas eu não vou
permitir que o lago inteiro fique cheio deles, você sabe.
A explicação para a caminhada em vez de um passeio e para a lentidão da
caminhada veio no chá depois que todos terem chegado de volta à casa. A
condessa ficou de pé atrás da cadeira do marido depois de servir o chá e pôs a
mão no ombro dele.
— Devemos dizer a eles, William? — Ela perguntou.
Ele cobriu a mão dela com a dele e depois lhe deu um tapinha. — Eu disse
sim quando você me fez a mesma pergunta mais cedo, minha querida —, disse
ele. — Continue.
Ela corou profundamente. — Mas eu me sinto muito envergonhada —, disse
ela.
— David tem vinte e oito anos.
David ergueu as sobrancelhas.
— Você vai ter um irmão ou irmã —, disse ela. — Um meio-irmão ou meia-
irmã, isso é. Você se importará?
Para um homem de vinte e oito anos, ele devia ser incrivelmente ingênuo,
pensou David. Não tinha realmente considerado isso como uma possibilidade.
A ideia de seu pai gerar uma criança na idade de cinquenta e dois parecia
incrível para ele. E, no entanto, seu choque era ridículo. Afinal, seu pai tinha
apenas cinquenta e dois anos. Louisa tinha apenas trinta anos.
Um irmão ou irmã? Na sua idade? Ele se levantou.
— Se vou me importar? — Ele disse. — Estou encantado —, Ele sacudiu o
pai pela mão, notando com interesse que ele parecia tão embaraçado quanto
Louisa. E puxou Louisa para seus braços e a abraçou firmemente. — Estou
feliz por você — disse ele. — Por que você ficaria envergonhada de me
contar?
— Não sei — disse ela. — Também estou muito feliz e muito orgulhosa de
mim mesma, não é, William?
Mas o conde estava se levantando e estendeu os braços para Rebecca.
— Pai —, disse ela, entrando neles, — Estou encantada por você. E por
você também, Louisa.
E então as duas mulheres estavam se abraçando e Louisa estava rindo.
Pai e filho olharam conscientemente um para o outro sobre suas cabeças.
Talvez tudo não estivesse perdido depois de tudo, pensou David.
Capítulo 6
No café da manhã seguinte, Rebecca e Louisa fizeram arranjos para passar
a tarde visitando o idoso Sr. Maynard e um ou dois outros moradores que
estavam doentes. Mas Rebecca tinha a manhã para si mesma e levara um livro
para o roseiral ao lado da casa. Ela sempre encontrou ali um refúgio de paz e
beleza, com suas sebes bem organizadas, com ombreiras e entrada em arco de
pedra, com seus assentos de ferro forjado e estátuas de mármore. E claro, suas
rosas.
Abriu seu livro, mas nem sequer tentou ler. Uma brisa agitou as bordas das
páginas, mas não foi forte o suficiente para passá-las.
Ela continuava lembrando-se dele perguntando se iria permanecer para
sempre uma viúva desde que seu coração foi enterrado com Julian e ela não
podia contemplar casar sem ser capaz de dar seu coração. Apenas alguns dias
atrás ela teria respondido sem hesitar. A resposta teria sido sim. Como
poderia casar novamente quando já estava casada com Julian?
Ela não estava tão certa de sua resposta agora. Não poderia amar
novamente, era verdade. Mas a vida estaria tão vazia de significado se não
fosse para vivenciar nada mais do que aquilo que agora. Ela percebeu que
estava esperando havia muito tempo. Esperando que a próxima fase de sua
vida começasse. Esperando que Julian voltasse. Mas ele não iria voltar nunca.
Poderia sua própria vida parar apenas porque a dele tinha parado? Em um
momento ela tinha desejado que a resposta pudesse ser sim. Sabia que durante
quase dois anos desejara inconscientemente que também estivesse morta.
Mas não estava morta. E a vida estava se reafirmando. Lenta e
dolorosamente, mas inegavelmente. Ela tinha querido isso apenas alguns dias
antes.
E ela tinha posto de lado suas roupas pretas e vestiu cinza como um sinal
exterior de seu retorno à vida. No entanto o futuro apresentava-se vazio e
assustador. Ela estava sozinha.
Mas não sozinha agora, alguém estava vindo através do arco. Olhou por
cima do ombro e viu sem surpresa que era David. Ela meio que o esperava,
supunha. Nada tinha sido resolvido entre eles. Ela tinha dito não,
inflexivelmente e em ambas as ocasiões, quando ele tinha perguntado. Em
ambas as vezes ele desistiu de pressionar o ponto. Mas ela sabia que nada
tinha sido resolvido. Sabia que ele iria perguntar novamente. E sabia que sua
resposta final ainda não havia sido dada.
Não se cumprimentaram. Ele se sentou quietamente ao lado dela no assento
que ela escolhera. Era estranho que saudações não fossem necessárias. Ela
pensou. Parecia que eles estavam se comunicando além das palavras. Ele
estava esperando que ela falasse. Não impacientemente.
Mas sabia que ela diria algo. Ele sabia que ela tinha algo a dizer.
Ela fechou o livro. E olhou em seus olhos por alguns momentos.
— Estou feliz por eles, você sabe —, disse ela. — Não é que eu não esteja
feliz.
Ele não disse nada. Talvez porque não soubesse do que ela estava falando,
embora ela sentisse que ele sabia.
— Acho que não posso suportar estar aqui quando a criança nascer David.
Ela disse. — Serão mais uma família do que nunca e me sentirei mais fora
de lugar do que nunca.
Ainda assim ele não disse nada. Tirou o livro de suas mãos e colocou-o no
assento do outro lado dele.
— Eu queria tanto aqueles bebês! — Ela disse com seus olhos fechados
novamente. — Você não pode imaginar o quanto eu os queria, David. Era
muito difícil para Julian, ele estava tão satisfeito e depois tão chateado, tanto
por sua própria perda quanto por minha dor… Mas era mais difícil para mim.
Era parte de mim, doeu terrivelmente perdê-los.
Ela sentiu, por um momento, seus dedos descansarem levemente contra a
parte de trás de uma de suas mãos.
— Eles teriam feito nossa felicidade completa —, disse ela. — Assim
como esta criança fará a de seu pai e de Louisa. Estou realmente feliz por eles,
mas temo estar aqui.
Ele falou finalmente. — Venha comigo, então — disse.
Ela estava tão tentada. Pela primeira vez, ela foi tentada. No entanto,
durante toda a noite e pela manhã, soubera que ele iria perguntar novamente.
Ela tinha firmemente afastado sua mente de tomar uma decisão. Havia-se
convencido de que não havia nenhuma decisão a tomar. Não podia se casar
com ele.
— David — disse ela, abrindo os olhos para olhar para suas mãos. Ela
engoliu convulsivamente. — David, eu não o amo.
— Eu não peço seu amor, — ele disse. — Só peço sua ajuda e
companheirismo, Rebecca, e talvez um pouco de afeição, se eu provar ser um
bom marido para você. Não peço o que você não pode me dar.
— Mas como sua esposa —, ela disse, eu sentiria minha honra limitada
para dar tudo.
— Tudo o que puder — ele disse. — E sua lealdade. É tudo o que peço
Rebecca. É o que eu ofereço a você.
Ela apertou as mãos e as esticou sobre o colo.
— Como você se sentiria —, ele perguntou, — se vier para Stedwell
comigo e achar que está deteriorada e mesmo tão abandonada como eu
suspeito que está?
Ela pensou por um momento. — Acho que me sentiria revigorada —, disse
ela. — Haveria tanta coisa para fazer.
— Não haveria ninguém para lhe ajudar —, disse ele. — Exceto eu… e os
criados claro. Mas eu estaria ocupado com as terras, que precisarão de minha
atenção depois de todos esses anos.
— Eu não pediria ajuda —, disse ela. Seria maravilhoso não precisar de
ajuda. Ter somente um criado na realização de uma tarefa tão grande. Parou de
repente, percebendo o que estava dizendo.
— Você seria necessária, Rebecca, — ele disse. — Eu preciso de você.
Mas não podia. Ele era David. Ela nunca tinha gostado dele. Ou não
gostava desde a infância, de qualquer maneira. E especialmente não desde…
desde Flora. Ela não poderia usá-lo agora para sua própria conveniência.
— É só um casamento de nome que você está propondo? — perguntou ela,
sentindo-se ruborizada.
— Não. — Disse ele. Ela sabia que ele estava olhando firmemente para
ela, mesmo que ela não conseguisse virar a cabeça para encontrar seus olhos.
— Teria que ser um casamento em todos os sentidos da palavra, eu não
acredito que poderíamos viver juntos na mesma casa de outra forma.
— Mas eu não poderia… — ela disse, apertando as mãos firmemente em
seu colo. Não podia enfrentar as intimidades do casamento com um homem
que não amava. Mesmo com o homem que ela amava, tinha sido difícil.
O dever era, é claro, o que forçava uma mulher a submeter-se em silêncio
— toda a educação a preparara para isso —, mas ela não achava que teria
sido possível sem seu profundo amor por Julian, seu sincero desejo de agradá-
lo. Era desagradável para uma mulher, mesmo quando havia amor. Sem ele,
seria bastante repugnante.
— Eu não estaria tentando tomar o lugar de Julian, Rebecca, — ele disse.
Ele não entendia. Os homens não pareciam compreender. Julian sempre
achou prazeroso. Ele viera a ela quase todas as noites, exceto quando ela
estava de esperanças e quando estava tendo seus períodos mensais. Ela nunca
se importara, porque o amava e porque era sua esposa. Não acreditava que ele
alguma vez tinha percebido que não tinha sido tão agradável para ela como
tinha sido para ele.
— Venha comigo — disse David. — Case comigo e venha comigo.
Ela virou a cabeça para olhar para ele pela primeira vez. — David —, ela
disse, nós dois sabemos por que pode ser do meu interesse casar com você.
Estou solitária e à deriva e preciso de um marido e uma casa. Mas e você? Por
que gostaria de casar comigo quando pode casar com quem você escolher?
Você não me ama.
Era uma pergunta que a perturbara profundamente desde que ele a fez pela
primeira vez.
Ele sabia que ela não o amava e nunca poderia amar. E, no entanto, estava
preparado para casar com ela? Não fazia nenhum sentido.
— Quero começar minha nova vida em Stedwell sem demora, — disse ele.
— Depois de todos esses anos de negligência, eu não posso esperar para
começar. Preciso de uma esposa agora. Não quero mais perder um tempo
precioso indo tentando encontrar alguém adequado. Você é adequada. Eu a
conheço. Precisa de mim, precisamos um do outro.
Ainda não fazia sentido. Poderia ser tão frio que não sentia necessidade de
amor? Ou ele era ingênuo o suficiente para não acreditar no amor apenas
porque nunca o tinha encontrado para si mesmo?
— Mas talvez você encontrasse o amor se esperasse por algum tempo —
disse ela.
Ele balançou sua cabeça. — Eu acredito na afeição mais do que no amor
—, disse ele.
— Talvez você se apaixonasse por alguém depois do nosso casamento —,
disse ela, — e seria tarde demais.
— Eu faria os votos certos no dia do nosso casamento —, disse ele. — Não
posso desrespeitar os votos matrimoniais, Rebecca: toda a minha devoção e
fidelidade seriam prometidas a você pelo resto da minha vida ou da sua.
Parecia de algum modo frio e insensível, embora ele mencionasse devoção.
Como se a devoção pudesse ser desejada. E como se não houvesse nenhuma
emoção real envolvida. E, no entanto, era tudo o que ela poderia dar a um
segundo marido. Talvez pudesse funcionar. Talvez seu primeiro casamento não
fosse o único tipo de casamento que poderia ter sucesso.
E, no entanto, quase disse em voz alta: você não permaneceu nem devotado
nem fiel a Flora. Mas também ele não fizera os votos a Flora. Ela se perguntou
quantas outras mulheres tinha havido desde Flora. Devia ter havido outras,
certamente. Ouviu que os soldados, os oficiais de qualquer maneira — os
solteiros — muitas vezes viviam vidas de devassidão selvagem quando
podiam. Era o resultado inevitável da ameaça constante da morte, que era um
modo de vida para eles, ela supôs. David deve ter tido muitas mulheres. Ele
era um homem muito bonito e atraente.
Ela estava ciente de sua atração pela primeira vez desde o seu retorno. De
seus traços bonitos e olhos muito azuis. De seus ombros largos, e seu físico
bem musculoso. Ela tinha lutado contra sua atração por ele quando menina,
sofrendo dores terríveis de culpa sempre que se pegou olhando para ele com
apreciação ou sonhando com ele. Não era conveniente pensar em um homem
em termos físicos, especialmente quando não se podia gostar nem admirar o
próprio homem. Ela sempre se voltara com uma adoração renovada para
Julian, que merecia seu amor, e cuja pessoa inteira amava.
E agora David poderia ser seu. Sentia-se sem fôlego de repente, como se
estivesse correndo com força. Era errado ser atraída pelo corpo de um homem.
O físico não importava. Não tinha importância na vida. Tinha ouvido falar
tantas vezes na igreja, pelos pais e pela governanta enquanto crescia, que
estava profundamente arraigado em seu próprio ser. Além disso, ela sabia por
experiência que o lado físico do amor não era agradável para uma mulher.
Era um dever. Era o preço que uma mulher pagava por uma casa e um lugar
próprio na ordem social. E por companheirismo e amor e esse sentimento de
unidade com o amado. E para as crianças, se apenas pudesse levá-las a termo.
Tinha sido um preço tão pequeno para pagar por Julian. Alguns minutos de
desconforto cada noite em troca de longos dias de seu amor e para o que ela
esperava seria uma vida de companheirismo.
— Rebecca —, disse David, quebrando o silêncio, — Eu ficaria infeliz em
Stedwell, pensando em você sozinha aqui. Eu quero que ambos tenhamos uma
nova vida. As rosas vão morrer logo, não vão? Será outono e inverno, mas a
primavera voltará, sempre acontece… Quando as rosas florescerem de novo,
você pode ser a dona de sua casa, pode ter uma vida nova e significativa. Você
poderia ter algo para substituir o sofrimento e o vazio. Por amor a Julian,
quero dar-lhe segurança e uma chance, pelo menos, de contentamento.
— Por causa de Julian? — Ela disse. — É disso que se trata, então, David?
— E por mim — disse ele. — Eu preciso de você.
Isso foi o que a fez finalmente decidir, essa afirmação repetida de que ele
precisava dela. Fazia tanto tempo que ninguém precisava dela que sentia que
sua existência era importante para pelo menos uma pessoa. As poucas cartas
de Malta e Varna, de Julian, estavam cheias de amor e saudade, mas ele não
precisava dela o suficiente para mandar buscá-la. Isso era injusto, é claro. Ele
tinha negado a si mesmo e insistido que ela ficasse em casa, porque ela tinha
acabado de abortar e não tinha recuperado completamente a sua saúde ou seu
espírito antes de ele sair. Mas ela procurara em suas cartas por necessidade,
por algum sinal de que ele não poderia viver sem ela, assim como ela não
poderia viver sem ele. Ela teria ido em qualquer momento ao encontro dele.
E desde a morte de Julian? Louisa precisara dela, pelo menos
financeiramente, por um tempo. Mas não mais. O conde tinha sido gentil com
ela. Mas ele não precisava dela. Ninguém precisou dela por um longo tempo.
— David… — disse ela.
Mas ele não a deixou terminar. Pegou uma de suas mãos e apertou-a com
força. — Rebecca, — ele disse, — eu preciso de você. Eu preciso que você
diga sim mais do que pode perceber. — Assim como se ele soubesse o
argumento que finalmente iria contar mais para ela.
Ela olhou em seus olhos. Eles se olharam atentamente e ansiosamente. Ele
realmente queria se casar com ela, percebeu. E pensou em como devia ser
para ele estar em casa novamente na Inglaterra, vivo e seguro, depois dos
horrores de uma das piores guerras da história inglesa. Ela pensou em como
ele devia estar ansioso para colocar tudo atrás dele e começar a nova vida que
tinha decidido. Uma nova vida em que, sem dúvida, precisaria da ajuda de
uma mulher. Ela podia entender sua impaciência, sua relutância em olhar para
ele ou para o incerto advento do amor. E no momento, cedeu à tentação de
bloquear de sua mente o conhecimento de que devia cultivar a paciência, de
que devia dar-se o tempo para escolher com mais cuidado.
Ele precisava de uma esposa. E ele precisava de uma agora. Tinha-a
escolhido porque a conhecia e sentia certo afeto por ela. E por causa de
Julian. Mas acima de tudo porque ele precisava dela.
— Você não precisa temer que eu me consuma por ele, ou fale dele, ou até
mesmo pense nele —, disse ela. — Quando me tornar sua esposa, David, você
vai ter tudo de mim, como deve ser, como deve ser no casamento. — Ela não
tinha certeza se ela estava oferecendo o impossível.
— Quando? — ele disse. — Você está dizendo que sim?
Ela assentiu com a cabeça.
Ele apertou sua mão um pouco mais forte. — Vou ver o vigário esta tarde
—, disse ele, — e pedir que ele comece a ler os proclamas no próximo
domingo.
— Sim — disse ela. — Eu vou ver a costureira e ter roupas novas feitas.
Seria desrespeitoso para você usar mesmo meio luto depois de nosso
casamento. Ela olhou para a mão dela quando ele a soltou e tirou a aliança de
casamento dela. Passando-a lentamente sobre o nó por onde não passara desde
que Julian a colocou lá, no dia do seu casamento. Ela deixou cair o anel no
bolso de seu vestido, ciente dos olhos de David. Sua mão se sentia de repente
terrivelmente nua. Seu dedo estava branco e amassado onde o anel estava.
— Obrigado, Rebecca, — ele disse calmamente.
Ela sorriu fugazmente para ele. Era um homem sério e severo, como seu pai
sempre fora. Como o pai dela também fora. Embora também tivesse havido
aquela estranha selvageria em David — ainda mais perturbadora, porque
nunca parecia estar em perfeita harmonia com seu aspecto exterior. Quase
parecia que ele devia ser duas pessoas. Ela não conseguia imaginá-lo com
Flora.
Não seria fácil viver com ele. Ele era seu noivo, pensou de repente. Em
menos de um mês, uma vez que os proclamas tivessem sido lidos, ele seria seu
marido. Ela sentiu uma garra de pânico em seu estômago. O que tinha feito?
David? O David, de entre todas as pessoas?
Mas ela não se retrairia. Sua palavra tinha sido dada. Ele precisava dela. E
o céu sabia que ela precisava dele também, ou da vida que ele poderia
oferecer a ela, de qualquer maneira.
Ele ia ser seu marido.
— Vou deixar você com seus pensamentos e seu livro, — ele disse
gravemente, entregando-o a ela e ficando em pé. — Você gostaria de ficar
sozinha, não é? — Era uma pergunta irrespondível.
— Obrigada — disse ela, pegando o livro.
— Vejo você no almoço — disse ele. — Vamos dizer a meu pai e a Louisa
juntos, então?
Seu estômago revirou-se. Seria real, irrevogável, uma vez que alguém
soubesse. — Sim — disse ela. — Você o anuncia, por favor, David.
— Até mais tarde, então —, disse ele.
Quando ele se foi, ela levantou o livro com as duas mãos contra a boca e
fechou os olhos. Não conseguia se impedir de lembrar que, quando Julian
propusera casar-se com ela e ela aceitou, ele tinha gritado de alegria e
levantou-a de modo impróprio, levantando-a e girando-a até ficarem tontos e
rindo. E então ele a beijou…
****
— Gostaria de falar com você, David — disse o conde quando ele se
levantou da mesa do almoço.
Os dois homens haviam falado muito pouco nos últimos dez minutos, desde
que David havia anunciado que Rebecca se iria casar com ele e iria levá-la
com ele para Stedwell dentro de um mês. Louisa mal tinha parado de falar e
brilhava de excitação. Ela estava falando animadamente sobre roupas de noiva
para Rebecca quando o conde se levantou. E então ela corou e olhou para a
ele.
— Sinto muito, William — disse ela. — Esquecime.
— David provavelmente não acreditaria que você é normalmente muito
quieta minha querida — disse o conde.
— Já falei demais? — Seu rubor se aprofundou. — Tantas coisas felizes
têm acontecido nos últimos dias: David está voltando para casa e minha
descoberta de que ele não é um ogro depois de tudo, minha visita ao médico e
sua confirmação de minhas esperanças, e agora Rebecca casada — com
David. Não está todo o mundo feliz? — Ela riu.
— David? — perguntou o conde.
A condessa riu de novo. — É preciso uma mulher para apreciar um
casamento —, disse ela. — Rebecca, venha para o meu quarto e eu tomarei o
chá. — Ela ligou seu braço ao de Rebecca.
A maneira do conde não era tão festiva. Ele cruzou para a janela da
biblioteca alguns minutos depois, quando David fechou a porta atrás deles, e
ficou olhando para fora, com as mãos cruzadas nas costas.
— David, — ele disse, — você considerou isto cuidadosamente?
— Sobre meu casamento? — David disse. — Sim, papai, com muito
cuidado.
— Por que você está fazendo isso? — perguntou o conde. — É por causa
de Julian?
Com seu pai, pelo menos, ele não tinha que disfarçar — ou não
inteiramente, de qualquer maneira. Sim, foi por causa de Julian. Ou pelo
menos por causa do que tinha feito a Julian. Mas a razão era mais simples do
que isso — e muito mais complicada. E isso, pelo menos, ele poderia admitir
ao seu pai.
— Eu a amo, — ele disse.
O conde se afastou da janela, com o olhar muito sério. — Ah, sim — disse
ele. — Eu sei disso, David, eu sempre soube disso, ela era para você, você
sabe… Essa foi a razão de todas essas visitas enquanto vocês dois estavam
crescendo. Mas ela escolheu Julian. E esta é a última coisa que você deveria
estar fazendo.
— Porque ela o escolheu a ele e não a mim? — perguntou David. Ele não
sabia que Rebecca tinha sido escolhida para ele. Era uma notícia nova e
bastante dolorosa.
— Sim, por causa disso — disse o conde. — E por causa da razão por que
ela o fez, David. Ela estava apaixonada por ele. Ela ainda não começou a se
recuperar de sua perda. E está infeliz, solitária e chateada agora, por causa da
condição de Louisa.
— Então eu aliviarei sua infelicidade e solidão —, disse David, — E lhe
darei um filho seu.
O conde franziu o cenho. — Você não sabe muito sobre a vida, David, —
disse ele, — por todos os seus anos e suas experiências como soldado. Seu
amor e preocupação não vão fazer com que ela esqueça Julian. Eles só a vão
fazer se sentir ressentida e que venha a lhe odiar.
Talvez ele soubesse mais sobre a vida do que pensava seu pai. Ele sabia o
risco que corria. Ele já sentira todos os medos que seu pai estava
expressando. Mas seu pai não sabia as outras razões para o seu casamento.
Era algo que ele tinha que fazer, mesmo que ela acabasse por odiá-lo. Tinha
que cuidar dela. Cuidar dela e mantê-la segura. Ele tinha que a compensar de
alguma forma por deixá-la casar com Julian em primeiro lugar e por levar
Julian para longe dela no final.
— Quero-a — disse ele. — Eu preciso dela.
Seu pai passou uma mão sobre seus olhos. — Meu filho —, disse ele, — eu
queria que você fosse feliz, tudo que eu sempre quis para você é felicidade.
— Vou ser feliz, papai — disse David. — Estou feliz, Rebecca vai-se casar
comigo.
— E assim eles viveram felizes para sempre, — seu pai disse cansado. —
Eu amava Julian como um filho, David, e sempre o tratei como tal — ou pelo
menos eu pensava assim. Mas talvez me tenha enganado em acreditar nisso.
Sempre amei você mais. E sua vida sempre foi arruinada por ele. E parece que
ele está chegando até mesmo além do túmulo para nublar sua felicidade. Você
não vai ser feliz com Rebecca.
— Pensei que você também a amava — disse David em voz baixa.
— Eu o faço —, disse o conde, e continuarei a fazê-lo depois que ela for
sua esposa, David. Ela é uma boa e honrada mulher. Se ela concordou em
casar com você, então eu sei que ela vai fazer o melhor para ser uma boa
esposa para você. Mas não tenho certeza de que seu melhor será o suficiente,
não para você, meu filho. Você precisa de mais do que ela lhe pode dar.
— Eu disse a ela que eu não esperava seu amor, — David disse. — Disse a
ela que entendo sobre Julian. Sei que sempre o amará.
— Então você é um idiota — disse o conde, sentando-se pesadamente na
cadeira atrás da escrivaninha —, ou um inocente… Você nunca se livrará de
sua sombra?… O mais forte é arrastado pelo mais fraco?
David olhou para o pai.
— Você me acha tão cego e tão estúpido? — perguntou o conde. Você não
percebeu que eu sempre soube, meu filho? Sabia que nove de cada dez batidas
que eu dei em você quando era um menino, foram dadas ao filho errado?
Suponho que nós dois o amamos imprudentemente e muito bem. Você o
protegia de mim porque ele não era meu filho como você era. E eu o punia em
vez dele para mostrar a ele que o amava, não menos do que amava a você. E
agora isso David. Você se casará com a viúva que deveria ter sido sua esposa,
porque ela está sozinha e com o coração partido, por causa de Julian.
David não conseguiu pensar em nada para dizer.
— Bem. — O conde levantou-se de novo. — Não há nada a ser feito sobre
isso agora. Sua oferta foi feita e aceita. A honra deve levá-lo ao altar agora.
Espero pela sua felicidade, meu filho. E vou rezar por ela com fervor.
— Obrigado — disse David.
— Conhaque? — perguntou o conde, colocando dois copos num aparador
antes de pegar o decantador. — Suponho que terei de esperar que não haja um
outro Julian para ser companheiro de brincadeira de meu novo filho ou filha.
E, no entanto, eu o amava, David. Alguém teria que tentar muito, pois seria
difícil não amar Julian. Ele sempre quis parecer bem. Era apenas mais fraco
do que você. Ambos sentimos a necessidade de protegê-lo.
— Sim — disse David.
— Ele morreu bem? — perguntou o conde. — A história que você contou a
Rebecca estava ao menos perto da verdade?
David respirou fundo. — Ele morreu bem, papai — disse ele.
O conde assentiu e entregou-lhe o copo. — Eu observo que você não
respondeu a minha segunda pergunta —, disse ele. — Mas vamos deixá-lo
descansar. E o Richard Ellis? Você o viu desde o seu regresso?
— Ontem — disse David. — Parece ser um garoto robusto e feliz.
— Ele não se parece muito com você — disse o conde, sentando-se de
novo e olhando atentamente para o filho. — Exceto pelos olhos dele.
— Sim — disse David.
— Você vai continuar a prover o seu filho? — perguntou o conde,
colocando um pouco de ênfase extra na última palavra.
— Claro —, disse David. — Ele vai para uma boa escola quando ele for
mais velho, como eu assegurei à Flora ontem, e eu cuidarei para que ele esteja
preparado para um emprego decente.
— Sim — disse o conde. — Eu não esperaria que você esquecesse suas
obrigações, David, mesmo depois de seu casamento e talvez depois do
nascimento de sua descendência legítima.
— Não vou esquecer — disse David.
O conde assentiu. — Louisa vai tirar este casamento direito de suas mãos
—, disse ele. — Ela está em êxtase, como você certamente percebeu no
almoço. Haverá convidados em abundância, flores e carruagens decoradas e
café da manhã de casamento e numerosas atrocidades que eu não posso nem
sonhar no momento. Minha mente se afasta da própria perspectiva. Seja bem
humorado, David. — Ele franziu o cenho com ferocidade, como se esperasse
ter que lidar com uma dura oposição. — Você me entende? — Ela deve ser
autorizada a fazer tudo o que é apropriado para você e Rebecca.
David sorriu. — Eu posso subscrever a teoria de que um casamento é uma
ocasião festiva —, disse ele, — especialmente o meu próprio. Eu estava um
pouco extático também, você sabe papai, até que você começou a falar de
tristeza e destino para mim. Estimularei Louisa de qualquer maneira que eu
puder.
— Oh, meu filho — disse o pai, o olhando de repente melancólico, contra o
habitual, — Tudo o que desejo para você é que possa algum dia conhecer a
grande felicidade do amor no casamento.
Eram palavras que David nunca esperaria ouvir nos lábios de seu pai. Ele
sentiu um pavor profundo e uma grande punhalada de desejo de repente,
enquanto olhava para baixo para girar as últimas gotas de brandy em seu copo.
Era algo que ele supôs que nunca saberia.
Capítulo 7
Craybourne, agosto de 1856
A previsão do conde se mostrou bastante correta. Sua condessa aproximou-
se das núpcias vindouras com energia e prazer. Seu próprio casamento no ano
anterior tinha sido um acontecimento modesto, o conde ainda estava de luto
por seu afilhado no momento e seu filho ainda estava em guerra. Mas não
havia restrições no casamento de David e da sua querida Rebeca.
Os vizinhos por quilômetros ao redor foram convidados a assistir à
cerimônia de manhã na igreja da vila e depois ao café da manhã de casamento
em Craybourne. Os convites foram enviados para a mãe e a tia de Rebecca no
Norte. Para seu irmão e cunhada em Londres. E para as três irmãs do conde e
suas famílias. E para alguns amigos de David, oficiais da Guarda.
Rebecca devia ter um vestido de noiva e um enxoval. Mas a costureira da
vila não executaria uma tarefa tão importante.
Na verdade, ela não seria capaz de lidar com uma encomenda de trabalho
tão grande e em pouco tempo.
Rebecca devia ir para Londres por uma semana ou mais.
Rebecca não se opôs, ela iria calmamente viajando de trem com Louisa,
suas criadas e um lacaio, instalando-se em um hotel uma vez que seu irmão
estava fora da cidade. Ela não se opôs porque queria que o mês antes de seu
casamento fosse tão cheio de atividade que não teria tempo para pensar. Ela
não queria pensar.
Havia terror pairando em algum lugar na direção de seu pensamento.
E ela não fez nenhuma objeção porque percebeu a necessidade de comprar
um enxoval. Durante quase dois anos, não usara nada além de preto. Tinha
alguns vestidos cinzentos feitos alguns meses antes, mas mesmo aqueles
seriam inadequados para sua nova vida. Ela tinha falado sério quando disse a
David que seria uma falta de cortesia se levasse seu luto por seu primeiro
marido em um casamento com ele.
Ela não podia se casar como uma meia medida. Naturalmente nunca poderia
oferecer a David o seu amor, não havia mais nada para oferecer. Mas ela lhe
daria tudo o mais. Não podia casar-se com ele em consciência se alguma coisa
fosse retida. Daí o terror que constantemente pairava no limite de sua
consciência. Tinha sido fácil dar tudo a Julian. Nunca havia pensado em
segurar nada, mesmo o que ela nunca tinha gostado de dar. Tinha investido
todo o seu corpo e todo o seu ser. Não ia ser fácil com David.
Tudo tinha de ser novo. As roupas que Julian tinha comprado para ela. As
que usou antes de sua morte, tinham sido empacotadas em caixas e estavam no
sótão de Craybourne. A maioria delas estaria fora de moda de qualquer
maneira, mas mesmo aquelas que não estavam ficariam nas caixas.
Eventualmente, ela pediria a Louisa que as distribuísse entre os criados e os
pobres. Não levaria nada do seu primeiro casamento para o segundo.
Dera seu anel de casamento ao conde e perguntou se ele poderia mantê-lo
em algum lugar seguro.
Precisava pensar em Julian como estando morto, colocando-o firmemente
em seu passado, e viver no presente, planejando um futuro. Tudo isto trouxe
um vazio, que era em muitos aspectos pior do que o sofrimento que tinha tido.
Pelo menos, houve alguma emoção para sustentá-la. Agora não havia nenhuma.
Daí, novamente, o terror que afastou firmemente dos pensamentos que
ocupavam sua vida cotidiana.
Ela continuava lembrando a si mesma o que tinha decidido antes de
concordar em se casar com David, que era hora de viver novamente. E isso
era o que ia fazer. Talvez tivesse cometido um erro ao aceitá-lo — não se
atreveu a pensar nessa possibilidade —, mas havia coisas positivas para olhar
no futuro. Ela teria sua própria casa pela primeira vez em sua vida e muita
responsabilidade lá. Seria um novo começo.
Estaria ocupada demais para pensar em lembranças que não podia fazer
nada para alterar, a não ser esgotar a energia de sua vida. Havia alguma
excitação em ser capaz de olhar para o futuro novamente. A exuberância de
Louisa era um tanto infecciosa. Se ela pudesse simplesmente ignorar o terror,
Rebecca pensou, havia muito pelo que agradecer.
Frequentava a igreja com David, com o conde e a condessa todos os
domingos, exceto o que passava em Londres, e ouvia os proclamas sendo
lidos. Sentou-se com todos eles em refeições, andou e montou com ele e
passou noites com ele na sala de estar. Mas quase nunca estavam sozinhos.
Eles quase nunca falavam diretamente um com o outro. As únicas vezes em
que ela o tocou aconteceram quando tomava seu braço para ser escoltada de
um lugar para outro.
O clima festivo, que permeava a casa enquanto o casamento se aproximava
e os convidados da casa começaram a chegar, surpreendeu-a. Quanto a
excitação de Louisa, ela já se tinha acostumado, mas parecia estranho ver sua
mãe e sua tia sorrindo e chorando enquanto a abraçavam na chegada — e elas
haviam viajado um longo caminho apenas para o seu casamento. Seu irmão
também a abraçou e beijou afetuosamente e disselhe como estava feliz por ela.
Mesmo sua cunhada parecia satisfeita por ela. Os parentes e amigos de David
encheram a casa de barulhos e risos.
Ela não esperava que seu casamento fosse uma ocasião tão festiva. Era tudo
como se Julian nunca tivesse existido. No entanto, o próprio pensamento a fez
perceber quão tola ela era por ter esperado que todos ficassem sóbrios por
respeito à sua memória. Julian não era mais do que isso… Uma lembrança.
Ele não era nada para a maioria dos convidados reunidos para o seu
casamento com David. Até mesmo para David e para o conde ele não passava
de uma lembrança.
Ele era mais para ela? Ele era ainda mais que isso? Seu coração estava
enterrado com ele, mas seguramente o resto poderia continuar sem ele.
Tinha que continuar. Ela estava prestes a fazer um novo casamento.
E então ela acordou na manhã de seu casamento, viu o sol através das
cortinas ainda fechadas em suas janelas, e sorriu com determinação. Este era o
dia do seu casamento e ela estava prestes a se entregar a David pelo resto de
sua vida.
Logo seria forçada a sorrir, quer quisesse ou não. Parecia que logo que
saísse de um banho cheio de cheiro seu quarto de vestir estava cheio — com
sua criada pessoal, sua mãe e sua tia, e com Louisa.
E depois com Denise, sua cunhada, e inexplicavelmente com a criada de
Louisa. Todo mundo parecia estar falando ao mesmo tempo. Havia muita
risada. Rebecca falou e riu junto com elas.
Ela não devia usar branco. Afinal de contas, não era uma noiva virgem, mas
uma viúva. Usava um vestido de cor azul real. Cedera à moda e tinha uma
anágua arqueada feita em Londres. Concordava agora que era uma roupa muito
mais confortável do que as várias camadas de anáguas que normalmente usava,
e deixava as pernas livres para se mover. Sua saia parecia mais cheia e se
balançava agradavelmente enquanto ela se movia. O decote de seu vestido era
mais baixo do que o habitual e adornado com um colar de bordado inglês. As
mangas eram largas e abertas, acabando nos pulsos em forma de pagode. Suas
luvas brancas combinavam com o colarinho.
Não havia véu nupcial. Ela tinha comprado um chapéu para combinar com o
vestido. Mas Louisa tinha outras ideias.
— Tenho um buquê feito para você — disse ela. — Deve estar aqui a
qualquer momento. É principalmente de rosas corde-rosa, as suas favoritas,
Rebecca.
— Mas eu não sou… — Rebecca começou a protestar.
— Oh, sim, você é, — Louisa disse rapidamente. — Você certamente é uma
noiva.
— E você deve levar flores, Rebecca, — Denise concordou.
— Oh, sim, querida — disse a mãe de Rebecca.
Afinal, ela pareceria uma noiva. Ainda não conseguia acreditar que era
uma. Tudo parecia tão diferente da primeira vez. Mas ela firmemente fechou
sua mente para aquelas memórias particulares.
— E eu trouxe uma guirlanda correspondente feita para o seu cabelo —
disse Louisa, juntando as mãos ao peito e olhando admirada para a amiga. —
Oh, você está linda, Rebecca.
— Uma guirlanda? — Rebecca olhou para ela com alguma desconfiança.
— Não sou nenhuma menina, Louisa, vou usar um chapéu.
— Oh, de maneira alguma sobre sua cabeça —, disse Louisa. Ela riu
alegremente.
— Você estava imaginando algo como Ophelia? Apenas uma pequena
guirlanda sobre suas tranças. Será muito mais bonito de ver, e vai mostrar seus
gloriosos cabelos, o que é uma vantagem, eu mataria alegremente por seus
cabelos dourados. — Ela riu novamente.
— Seria muito bonito, querida — disse a mãe.
— Vamos tentar, mãe. — sugeriu à empregada, quando uma batida na porta
anunciou a chegada das flores.
Rebecca sentou-se mansamente no banco diante do espelho. Havia cor em
suas bochechas, ela notou. Estava acostumada a ver-se pálida. Mas o quarto
estava quente com tantas pessoas nele. E agora estava-se enchendo do cheiro
das rosas.
Seu cabelo, penteado à moda Imperatriz, enrolavam-se para trás
suavemente arredondado em uma parte central para revelar suas têmporas e
orelhas, não parecia muito diferente, depois que sua empregada tinha
terminado sua tarefa. Apenas mechas de folhas e pétalas se mostravam no
espelho como um delicado halo colorido.
Tinha que virar a cabeça de um lado para o outro para captar vislumbres da
guirlanda.
— Oh, querida, você está linda —, disse a mãe, inclinando-se sobre ela por
trás e abraçando-a, tomando cuidado para não tocar sua cabeça. — E você tem
um dia gloriosamente ensolarado e quente para o seu casamento, vai ser feliz,
eu sei, sempre tive um fraco por David. — Havia lágrimas em seus olhos.
Houve um tempo em que tanto sua mãe quanto seu pai lhe diziam que era
David que ela deveria encorajar, não Julian. Havia um entendimento entre eles
e o conde há anos, para encorajar tal união, disseram. Ela ficara surpresa de
que chegassem a considerar David para ela. Dada a sua reputação selvagem,
embora ele parecesse amadurecer e se meter em menos problemas à medida
que crescia até à idade adulta. Fora antes da época da desgraça de Flora. Mas,
é claro, aos olhos de seus pais ele tinha sido — e ainda era — um visconde e
herdeiro de um condado, enquanto Julian tinha sido um mero baronete.
Bem, sua mãe devia finalmente ter seu desejo realizado. Rebecca voltou-se
no banquinho, sorrindo, e levantou-se. E viu-se abraçada e beijada por todas
as damas presentes, enquanto as duas criadas sorriam com aprovação.
Rebecca segurou seu sorriso. Tudo estava começando.
Tudo… Uma nova vida inteira. As senhoras estavam saindo, convocadas
para as carruagens que estavam esperando para levá-las à igreja. E Horace,
seu irmão, estava parado na porta de seu quarto de vestir repentinamente
vazio, sorrindo para ela. Ele estendeu suas mãos para ela, beijando-a em
ambas as bochechas, e dizendo como estava linda.
— Com mãos frias como gelo — acrescentou.
— Ser uma noiva é um negócio nervoso —, disse ela. — Olhe bem,
Horace, as flores não me fazem parecer ridiculamente infantil?
— Você parece muito bem, para mim —, disse ele. — Além disso,
Rebecca, se esse quarto cheio de mulheres aprovou a sua aparência, então
quem sou eu para contradizê-las? Mamãe sempre tem um olho para o que é
certo e próprio. Também o faz Denise. Você está pronta?
Ela assentiu com a cabeça e pegou o pequeno buquê de rosas.
— Vamos, então — disse ele. — Nós não queremos manter uma igreja
cheia de pessoas esperando, não é?
Não, eles certamente não queriam fazer isso. O que poderia ser desculpável
em uma jovem e corada noiva, pareceria de mau gosto para uma viúva madura.
Além disso, não havia nenhum propósito no atraso. Havia uma nova vida a ser
iniciada e uma parte dela estava ansiosa para começar. Ansiosa para superar
suas dúvidas e aquela sensação de que estava traindo um homem que estava há
muito morto.
De certa forma, pensou, depois de ter sido transferida para fora da
carruagem do lado de fora da igreja e entrar em sua varanda fria pelo braço de
seu irmão, devia ser mais fácil ser uma noiva do que um noivo.
Tudo começou assim que a noiva chegou. Não havia tempo para dúvidas e
nervosismo de última hora. E a noiva entrou na igreja por trás de todos,
embora fosse verdade que todos viraram a cabeça para vê-la entrar. Devia ser
difícil ser o noivo, de pé na frente da igreja por um número incerto de minutos
antes da chegada de sua noiva, os olhos de todos focados nele.
Ela se perguntou por quanto tempo David estava esperando.
Ele parecia maravilhosamente bonito vestido em roupas formais, com
calças cinza, colete de linho branco bordado em prata, e casaco azul-escuro.
Ele não era de modo algum ofuscado pelo oficial dos Guardas ao seu lado,
resplandecente em seu uniforme escarlate. Ela notou pela primeira vez que
David não seguia a moda atual de bigodes pesados. Ele estava bem barbeado.
Ela estava feliz com isso.
Ele estava imóvel e alto, os pés ligeiramente afastados, as mãos às costas,
observando-a se aproximar. Seu noivo. Em seu último casamento, ele estava
de pé onde o oficial estava de pé agora. Ele tinha sido o padrinho de Julian.
Rebecca sentiu seu sorriso diminuir e não conseguiu restaurá-lo embora
afastasse a memória firmemente de sua mente. Pelo menos, graças a Deus,
tinha sido em uma igreja diferente, a igreja na casa de seu pai.
Ela não sorriu de novo. Não poderia sorrir. Era tudo tão real. Meu Deus era
muito real. A música de órgão estava chegando ao fim, o murmúrio de vozes
se aproximava de um silêncio expectante, e ela estava se voltando com o
noivo para encarar o vigário.
Ouviu as palavras do serviço não mais do que ouvira a primeira vez. Mas
por razões diferentes. Então ela foi levada pela euforia da ocasião. Julian
estava ao seu lado. Seu amor por ele havia brilhado através dela e seu desejo
de estar se afastando do altar com ele. A esposa dele. Caminhar para…
Felizes para sempre. Agora se sentia paralisada pela responsabilidade que
assumira, pela necessidade de dar o que nem sequer tinha sido consciente de
dar pela primeira vez. Pela necessidade de esquecer.
Não se pode esquecer nada, pelo simples esforço da vontade. Não ia ser
fácil esquecer. Talvez fosse impossível.
Ela observou a mão de David enquanto apertava a dela, uma mão forte, de
dedos longos e capazes — a de Julian tinha sido menor, com dedos mais
claros. Ouviu a voz dele enquanto olhava a mão, sem ouvir o que ele dizia, e
ouviu sua própria voz repetindo o que o vigário lhe disse, sem perceber o que
disse. Ela observou a outra mão de David colocar um anel em seu dedo — o
dedo onde o anel de Julian sempre estivera — e deslizá-lo para além de seus
dedos. Era um pouco mais largo do que o anel de Julian, muito brilhante e
novo.
Foi o anel que a sacudiu de seu estupor. O anel que não pertencia ao seu
dedo. Não era dela. Era um usurpador, tal como ele era. Ela olhou em seus
olhos azuis. Um olhar dorido. Eram os olhos que ele trouxera para casa da
Guerra da Crimeia.
—... Esposo e esposa.
Ela mal ouvia a voz do vigário, embora sentisse o sentido de suas palavras.
Os olhos do seu marido.
Ele inclinou a cabeça e beijou seus lábios, os dele leves e suaves. Nenhum
homem exceto Julian — e provavelmente seu pai durante a infância — beijara
seus lábios. Mas David tinha o direito de beijá-la. Ele era seu marido.
Marido dela.
Julian era seu marido.
David era seu marido.
Ela percebeu de repente os sons, um murmúrio entre a congregação, soluços
abafados de alguém, uma tosse distante. E o de cheiro de rosas, da colônia de
David, e da realidade do momento.
Tentou sorrir e não tinha certeza de o conseguir. Mas havia uma expressão
em seu olhar, em seus olhos que fez a dor desaparecer por um momento,
alívio? Ficou aliviado por ela ter sorrido? Ele não esperava que ela sorrisse?
Algum tempo depois — ela perdeu a noção do tempo — estava andando
pelo corredor da igreja pelo seu braço e viu todos os rostos que ele devia ter
sido forçado a olhar antes de sua chegada. Rostos sorridentes.
Felizes por ela, e por ele. Por eles. Ela sorriu de volta.
— Rebecca. — Ele cobriu sua mão em seu braço com sua mão livre e
puxou-a para uma parada nos degraus da igreja. Houve um momento — apenas
um momento — antes que seus parentes e amigos começassem a sair da igreja
e ao redor deles. — Você está linda.
Ela estava surpresa. Não esperava que ele dissesse algo tão pessoal. No
entanto, o que poderia ser mais pessoal do que um casamento? Era mais o tom
de sua voz, seu tom baixo, as palavras para seus ouvidos apenas.
Um presságio das coisas por vir. Estariam sozinhos em breve e juntos, os
dois, pelo resto de suas vidas.
Ele tinha dito as mesmas palavras, lembrou-se com uma sacudida, em seu
casamento com Julian. Ele colocou as mãos nos ombros dela, sorriu para seus
olhos, beijou-a na bochecha e falou. — Você está linda, Rebecca. — E ela riu
de volta para seus olhos e agradeceu-lhe.
Sentia-se bonita.
Mas desta vez não havia Julian para voltar.
Não teve chance de retribuir o elogio e dizer-lhe como ele parecia muito
bonito — ela devia ser a inveja de cada mulher presente, pensou. Eles foram
cercados por sorridentes e simpáticas boas vindas.
— Bem-vinda filha — disse o conde de Hartington, apertando-lhe a mão e
beijando-lhe a bochecha antes de se afastar para que sua condessa a saudasse
mais efusivamente.
— Lady Tavistock — disse o melhor amigo de David, sorrindo alegremente
para ela —, posso? E ele também tomou sua mão e beijou-a na bochecha.
Filha. Senhora Tavistock.
Julian. Pela primeira vez, ela percebeu que não era mais Rebecca
Cardwell. Ela era Rebecca Neville, Lady Tavistock. Oh, Julian!
Ela sorriu para todos.
****
— Você está confortável? — As palavras, minha querida, ficaram presas
em sua garganta. Era como ele planejara falar com ela depois de casados.
Mas, no final de tudo, não podia dizer as palavras.
— Sim, David. — Ela sorriu para ele. — A viagem de trem é muito mais
confortável do que viajar de carruagem, não é? E mais rápido. Estaremos lá
em duas horas, não temos sorte de viver nesta época moderna?
Ele se instalou ao lado dela em seu compartimento privado, seus parentes e
amigos que tinham chegado à estação para despedir-se deles acenando, já
estavam regressando, tendo desaparecido há muito tempo de vista.
— Sim —, disse ele, — e um pouco infeliz também, talvez por estar vendo
o fim de uma era mais tranquila e muito mais limpa.
— E menos confortável — disse ela. — Quando eu olho para trás nos
últimos quarenta ou cinquenta anos, ou mesmo aqueles que eu posso lembrar
pessoalmente, admiro como tanta mudança foi possível. Você acha que isso
continuará? Será que o nosso mundo presente vai parecer irreconhecível?
Mesmo vinte anos no futuro? Serão outras mudanças possíveis? Algumas
pessoas dizem que estamos apenas no início de uma era totalmente nova.
Era o dia do seu casamento. Finalmente estavam sozinhos depois de uma
manhã ocupada na igreja e em Craybourne. Eles não tinham tido um momento
para si mesmos — até agora. Em outras circunstâncias, ele teria posto o braço
sobre os ombros dela, a puxado contra ele, e a estaria beijando com lentidão e
falando absurdos de amor todo o caminho para Stedwell. Ela era sua noiva,
sua esposa. Não, apenas sua noiva.
Naquela noite ela se tornaria sua esposa.
Ela se sentou direita ao lado dele, parecendo extremamente elegante em seu
conjunto de viagem verde escuro. Parecendo linda, como parecera todo o dia.
Seu fôlego ainda podia ficar preso em sua garganta quando ele se lembrava de
sua primeira visão dela na igreja naquela manhã, régia e adorável — e
sorrindo — pelo braço de seu irmão.
Ela estava conversando com ele com cuidado, para escolher um tópico que
pudesse ocupá-los por um tempo. Não o tempo. Conversa sobre o tempo
normalmente morria muito rapidamente.
— Acho que eles provavelmente estão certos —, disse ele. — Felizmente,
viveremos esses vinte anos dia a dia e teremos uma grande chance de nos
ajustar a todas as mudanças que ocorrerem, a menos que nos enterremos
obstinadamente e recusemos reconhecer que algo está acontecendo, diferente
daquilo que estamos acostumados.
— Como o Sr. Snelling — disse ela. — Não foi tolo, David, quando ele
disse no café da manhã que não iria à estação conosco porque não acredita nos
trens? Como se fossem uma invenção da imaginação coletiva.
— É mais divertido, suponho — disse ele — empurrar as rodas de uma
carruagem para fora das rochas lamacentas.
— Especialmente quando se tem criados para fazer isso por ele — disse
ela.
Eles sorriam um para o outro em diversão compartilhada. Mas o vazio do
compartimento, sua solidão após todo o barulho e agitação da manhã, fez com
que seus sorrisos desaparecessem, e aparecesse a hesitação na conversa. Ela
virou a cabeça para olhar para o cenário passando pelas janelas, e ele fez o
mesmo, de modo que eles estavam olhando em direções opostas.
Ele desejou tê-la tomado em seus braços assim que o trem se afastou da
plataforma. Desejou ter estabelecido o fato de que eles eram uma noiva e um
noivo partindo para sua nova casa e sua nova vida juntos. Ele tinha a intenção
de fazer isso, tinha planejado. Mas já era tarde demais. Pareceria tolo, e
malditamente embaraçoso investir para ela agora.
Desejou que a voz de seu pai não continuasse ecoando em sua mente. Você
não ficará feliz com Rebecca.
Ele seria! Ela era sua noiva.
A teria pelo resto de suas vidas. Teria a chance de cuidar dela para o resto
de seus dias. Era tudo que sempre quis. Ele não pediria seu amor. Ficaria feliz
por tê-la como sua esposa.
Você precisa de mais do que ela pode dar. Ele não precisava. Tudo o que
precisava era o que ela já tinha dado — sua mão em casamento. Rebecca era
uma mulher honrada, como seu pai havia admitido. Ela faria o seu melhor,
para ser uma boa esposa para ele e para dar-lhe tudo. Mas não poderia dar-lhe
o que não era dela, seu amor. Ele não precisava de seu amor. Só um pouco de
carinho. Ganharia seu carinho. Era tudo o que precisava.
Mas desejava poder esquecer aquele confronto com seu pai.
Ele sempre valorizou os conselhos e opiniões de seu pai. Sempre respeitara
sua sabedoria.
— Não espere nada maravilhoso, — ele disse agora, virando a cabeça para
olhar para Rebecca. — Stedwell vai parecer muito pobre depois de
Craybourne. Talvez eu devesse ter levado você para outro lugar por uma
semana ou duas. — Para uma lua de mel, ele ia dizer antes de mudar de ideia.
— Ficaria desapontada se eu achasse algo maravilhoso —, disse ela. —
Estou contando com a descoberta de que ela é muito desprezível, David, quero
o desafio de fazer uma casa linda e confortável para você, é por isso que me
casei com você, lembra?
Para fazer para ele uma casa linda e confortável? Ou para encontrar um
desafio na vida? Seu significado não estava claro. Mas ele sabia a resposta.
Eram ambos. Foi pela última razão que ela finalmente aceitou sua oferta.
Mas iria trabalhar para a primeira. Sendo Rebecca, dedicaria a maior parte de
suas energias a ser sua esposa.
E o tempo todo ela amaria Julian. Nunca falaria dele, nunca pensaria nele
depois do casamento, ela tinha-lhe prometido. E ele não duvidava que iria
cumprir sua promessa ou pelo menos tentaria. Mas além do pensamento,
naquela parte do ser de uma pessoa que não era controlada pela vontade, ela
amaria Julian. Nunca ele. Sempre Julian.
Ele viu Julian de repente, voltando-se para ele, a surpresa em seus olhos,
antes de avançar em direção a George Scherer — o rosto, a expressão e a
ação que mais frequentemente ocupavam seus pesadelos, e às vezes até se
impunham em sua consciência desperta. E sentiu um profundo ressentimento.
Julian tinha merecido morrer — ele estava prestes a matar um homem
desarmado. Um homem que ele tinha enganado, cometendo adultério por vários
meses. David tinha feito o que qualquer outro oficial que tivesse chegado
naquele ponto e naquele momento teria feito. Ele atirou em Julian. Se ressentia
do fato de dever suportar os pesadelos e carregar toda a carga de culpa pelo
resto de sua vida.
Esse era o dia do casamento dele, com a viúva de Julian.
Maldição!
Rebecca o observava. — Desculpe — disse ela. Essas palavras foram
dolorosas? Eu não queria que elas fossem. Quero ser uma boa esposa para
você, David. Preciso aprender a agradá-lo. Você deve-me mostrar como.
As palavras vindas de outra mulher poderiam ter sido provocativas.
De Rebecca não eram. Elas tinham significado literal, ele sabia. Elas não
se referiam especificamente ao seu relacionamento sexual, embora também se
aplicassem a isso.
— Você me agrada por estar comigo —, disse ele, pegando sua mão na dele
e apertando-a. Ele podia sentir seu anel em seu dedo. Seu, e não o de Julian.
Ela manteve a mão na dele, embora retomassem o estudo separado do
cenário além das janelas.
Ela era dele, ele pensou, sabendo que poderia manter sua mão na dele para
o resto da viagem, se quisesse. Os seus toques já não seriam breves e raros.
Esta noite ele a teria em sua cama. A abraçaria e faria amor com ela. Dormiria
com ela.
Dormiria com a mulher de Julian.
Ele se sentiu doente de seu estômago. Tentou não ver os olhos surpresos.
Tentou não sentir a pistola na mão que agora segurava a dela. Tentou dizer a si
mesmo — como fizera milhares de vezes durante quase dois anos — que não
tinha nada para se sentir culpado.
Capítulo 8
Stedwell, agosto de 1856
David esperava que uma carruagem estivesse esperando na estação, pois
informara a governanta do dia e hora exata de sua chegada.
E com certeza estava ali, uma velha e pesada carruagem puxada por quatro
cavalos que pareciam sentir-se mais em casa puxando um carrinho de
fazendeiro ou mesmo um arado. O cocheiro parecia um jardineiro
desempenhando um papel desconhecido.
O que David não esperava era a pequena multidão que esperava na
plataforma da estação e os grandes arcos brancos amarrados aos pilares. O
reverendo Colin Hatch, o reitor da aldeia, deu um passo à frente para se dar a
conhecer, embora seu traje clerical fizesse isso de qualquer maneira. Limpou
sua garganta de forma importante, e nos claros tons de voz e com toques que
eram peculiares ao clero anglicano leu um discurso formal de boas-vindas ao
visconde e viscondessa e de congratulações pelo seu casamento. Ele entendeu
que eles tinham entrado nos laços do santo matrimônio naquela mesma manhã?
As palavras foram formuladas como uma pergunta e acompanhadas por uma
vênia.
A esposa do reitor, o estalajadeiro e sua esposa, o médico e sua esposa, o
mestre-escola, os comerciantes e suas esposas reuniram-se ali, e algumas
pessoas, cujas roupas e suas capas sugeriam que eram importantes socialmente
o suficiente para garantir um lugar no comitê de boas-vindas.
David sorriu. Meu Deus, ele não esperava isso. Se soubesse, teria ensaiado
uma resposta graciosa. Como não sabia, tinha que confiar em sorrisos e
agradecimentos simples e apertos de mão ao redor. Rebecca, notou, levantou-
se para a ocasião sem barulho nem confusão, movendo-se facilmente entre a
pequena multidão, falando e sorrindo enquanto caminhava. Mas ele não
esperava menos dela. Se fosse uma viscondessa e uma anfitriã adequadas, tudo
que ele queria do casamento, então ele não poderia ter feito melhor do que
casar com ela.
Fora da estação, mais pessoas estavam reunidas, pessoas cuja posição na
vida não lhes merecia um lugar na plataforma. Eles também aplaudiram. Duas
crianças acenavam lenços brancos. Alguém assobiou e houve algumas
gargalhadas. David levantou a mão em reconhecimento da acolhida e sorriu de
novo antes de conduzir sua noiva para a carruagem. Ele notou que ela fez o
mesmo.
Ele a olhou com alguma diversão quando a porta se fechou atrás deles e a
carruagem se pôs em movimento. — Isso foi inesperado, — ele disse.
— Mas agradável — disse ela.
— Essas pessoas deveriam ser todas familiares para mim —, disse ele. —
Stedwell é minha desde o nascimento, e eu tenho quase vinte e nove anos,
Rebecca, eles deveriam ter-me saudado com assobios e uma bênção, eu não
mereço melhor, eu me sinto culpado por ter negligenciado minhas
responsabilidades aqui.
— As pessoas vão-se familiarizar —, disse ela. — E nunca há nenhum
propósito real em sentir culpa pelo que é passado, David, a menos que haja
algo que possamos fazer para modificar, e não está fazendo isto. Você está
fazendo algo, está aqui.
— Suponho que você esteja certa — disse ele, franzindo a testa para o
estofamento quase esfarrapado da carruagem. Não, não tinha sentido, pensou.
Não, a menos que alguém pudesse fazer algo a respeito. Alguns
acontecimentos do passado eram irrevogáveis. Sentir culpa não tinha sentido.
Exceto que a culpa sobre algumas coisas não era algo que alguém pudesse
ignorar à vontade.
Havia um ar geral de negligência em relação a Stedwell. Os postigos
maciços eram encimados por leões de pedra, ou tinham sido. Um estava
deitado na grama ao lado de seu poste de topo plano e parecia como se tivesse
ficado ali por um longo tempo. Os portões de ferro estavam abertos. A praça
das carruagens estava vazia. Uma janela, desprovida de vidro, estava coberta.
A grama crescia há tempo nas margens do rio que eles tinham que atravessar
para chegar à casa quase obscurecendo a água. A grama que se estendia diante
da casa principal estava podada, mas mais alta do que se poderia esperar de
um prado na primavera. As margaridas cresciam em profusão. Tinha sido
permitido que as árvores ao oeste da casa chegassem demasiado perto. Ramos
obscureciam algumas das longas janelas ocidentais. Grama estava crescendo
em vários lugares entre o cascalho do terraço em frente à casa.
E, no entanto, a própria casa parecia tão robusta e pitoresca quanto David
se lembrava. Ela tinha apenas uma centena de anos de idade. Foi construída
em pedra cinzenta no melhor estilo do século XVIII. A seção central tinha sido
projetada em imitação de um arco de triunfo romano, suas quatro colunas
maciças encimadas por divindades clássicas, aparentemente caminhando para
frente, para a vitória. As alas de janelas longas se estendiam para ambos os
lados com um segundo andar acima. Largos degraus de pedra levavam até as
portas da frente.
O salão de mármore, de dois andares de altura, estava limpo e arrumado,
embora David não tivesse permissão para um bom olhar. A Sra. Matthews, sua
governanta, estava lá para cumprimentá-los e apresentar a equipe, a maioria
deles recém-contratados, todos alinhados para cumprimentar seu novo amo e
senhor.
David teria acenado com a cabeça e sorrido agradavelmente para eles e
seguido em frente, mas Rebecca tinha outras ideias. Aproximou-se da fila de
criados e se moveu ao longo dela, sorrindo e trocando algumas palavras com
cada criado. Olhares assustados dos mais jovens viraram sorrisos enquanto
ela se movia. David seguiu seu exemplo. Oh, sim, ele pensou, ele precisava de
uma mulher em sua casa para ensinar-lhe algo sobre a vida graciosa. Não
havia mulher em Craybourne enquanto ele estava crescendo.
— Suas senhorias desejariam ver seus quartos e se refrescarem antes de um
chá tardio na sala de estar? — A Sra. Matthews perguntou, enquanto,
finalmente, os conduzia pelo arco da escada e pela escada larga. O tapete nas
escadas estava desbotado e desgastado, David percebeu. O jantar seria
servido às sete horas, explicou a governanta, se isso contasse com a
aprovação da senhora. O chef era novo e foi trazido de Londres no momento.
Ele veio bem recomendado.
Às sete horas estaria muito bem, Rebecca garantiu à Sra. Matthews.
O quarto de Rebecca era extremamente gasto e sombrio, apesar do fato de
ficar de frente para a casa e da luz do sol da tarde entrar pela janela. As
cortinas e as tapeçarias que tinham sido uma vez azuis eram agora de um
cinzento indescritível. Assim como o tapete. Mas isso não era o pior.
— Receio que o colchão tenha ficado mofado com a umidade quando o
preparamos para você, minha senhora — disse a Sra. Matthews, tentando abrir
as cortinas da janela para dissipar as sombras. — Não houve tempo para
substituí-lo. Preparei outro quarto para você, minha senhora, só por
precaução, mas… Ela olhou significativamente para David.
Mas esta sala estava conectada com o quarto principal e eles eram recém-
casados, disse seu olhar.
— Não importa Sra. Matthews — disse ele. — Minha esposa vai instruir
você nos próximos dias sobre as mudanças a serem feitas. Entretanto, ela
estará compartilhando o quarto principal comigo. — Ele falou com
naturalidade e atravessou a sala para olhar para baixo, os gramados planos e
árvores antigas, o rio além com uma ponte de pedra de três arcos que tinha
sido quase imperceptível quando eles tinham cruzado há pouco tempo na
carruagem. Era estranho chamar Rebecca de — minha esposa —. Ainda
parecia irreal.
— É uma sala bem formada —, Rebecca disse calmamente por trás dele. —
Será acolhedor a seu tempo, Sra. Matthews. Esta porta leva ao meu quarto de
vestir?
— Sim, minha senhora — disse a sra. Matthews, abrindo-a. — Há água
morna no lavatório, e seus baús terão sido levados até lá. A outra porta leva
para o quarto principal.
David as seguiu pelo vestiário até o quarto que ocupava nas poucas
ocasiões em que visitou sua casa. Era grande — duas vezes maior do que o
quarto de Rebecca. As cortinas cor de vinho, as cobertas na cama eram em
vinho e ouro, e um tapete turco. Todos pareciam ter visto dias melhores e mais
brilhantes. Mas o mobiliário de mogno brilhava, e havia um fogo queimando
na lareira, apesar do fato de que era um dia quente de agosto lá fora.
Obviamente, havia umidade para dissipar aqui também.
— Obrigada, Sra. Matthews — disse Rebecca. — O chá será servido na
sala de estar?
— Logo que estiver pronta, minha senhora — disse a governanta,
inclinando a cabeça e virando-se para sair.
David observou sua noiva enquanto esperava a saída da Sra. Matthews. Ele
tinha pretendido o tempo todo que ocupassem o mesmo quarto. Nunca pensou
que o costume de um marido e sua esposa ocupando quartos separados lhe
serviria. Nunca insistia nos hábitos do quarto de seus parentes e conhecidos e
não sabia, por exemplo, se seu pai dormia a noite toda com Louisa. Ele não
sabia o que Julian tinha feito, ou o que Rebecca esperava.
Ela ficou chocada, ele se perguntou, com a virada dos acontecimentos que
aparentemente não lhes dava escolha? Envergonhada? Chateada? Aceitando
tudo? Era o que ela esperava de qualquer maneira? Não se podia dizer nada
com relação a Rebecca.
Ela era sempre, quase sempre, tão completamente uma dama, que era
impossível saber quais eram seus sentimentos sobre qualquer assunto apenas
olhando para ela.
— Vou lavar as mãos e o rosto, David — disse ela, virando-se para ele
com a calma dignidade que quase nunca a abandonava. — Não vou trocar meu
vestido se me der licença, já que é tarde demais para o chá...Você vai bater na
minha porta daqui a dez minutos?
— Sim — disse ele. Perguntou se ela estava tão ciente como ele, que eram
uma noiva e um noivo sozinhos, juntos pela primeira vez em seu quarto de
dormir. Se ela estava, ela não mostrou.
— O chá será muito bem-vindo, não é? — disse, enquanto passava por ela
para abrir a porta do quarto de vestir.
— Sim, muito —, ele concordou e fechou a porta novamente atrás dela.
****
Talvez se ela se apressasse, Rebecca tinha pensado inicialmente, ela
poderia estar fora de seu quarto de vestir e decentemente na cama, antes que
David aparecesse.
Mas, embora se tivesse despido, lavado e vestido a camisola, —
decentemente de pescoço alto e de mangas compridas, com alguma pressa —,
ela tinha perdido tempo com seus cabelos. Ela sempre o usava solto para
dormir, embora o comprimento ultrapassasse sua cintura e seria mais fácil de
pentear nas manhãs se ela o mantivesse confinado. Mas era mais confortável
usá-lo solto.
Ela sempre o usara solto durante as noites de seu primeiro casamento.
Nunca pensara em fazer o contrário. Ela não sabia por que havia pensado
nisso agora, a não ser que ela se observasse distraída no espelho enquanto
passava por ele. Afastara sua criada, e se viu de repente através dos olhos de
outra pessoa. Através dos olhos de um homem. Ela parecia… Desprezível.
Ela não podia ir até David com os cabelos soltos nas costas. Ela se sentiria
nua. O pensamento a fez ruborizar dolorosamente e ela deixou cair o pente
para recolher o cabelo e começar a trançar. Não era fácil trançar cabelos
longos e espessos quando ela não conseguia ficar atrás de si mesma para fazer
isso. Levou três tentativas antes de tê-lo entrelaçado para sua satisfação.
E assim, quando ela abriu a porta para o quarto principal, girando a
maçaneta devagar e puxando a porta silenciosamente em direção a si, como se
ela pensasse que a tranquilidade iria ajudar em qualquer coisa. Ele estava lá
antes dela, parado em uma das janelas olhando para fora, usando um roupão de
brocado. Sentia-se profundamente mortificada por não ter pensado em usar ela
mesma um roupão.
Era uma situação muito nova para ela. Julian sempre vinha até ela em seu
próprio quarto. Sempre depois que ela estava na cama. Não conseguia se
lembrar de um momento em que ele viera antes. Ela se ocupou em fechar a
porta do quarto de vestir tão silenciosamente como a abriu, enquanto David se
virou da janela para ela.
Ela não sabia o que fazer. Ela não sabia se cruzava calmamente para a
cama, sem sequer olhar para ele, e subia nela — mas que lado seria para ela?
— Ou se ficava onde estava e esperava instruções. Sentia-se tímida e
envergonhada. Ela se sentia como uma noiva virgem novamente.
E como ia dormir com ele a noite toda? Julian nunca estivera na cama por
mais de dez ou quinze minutos de cada vez.
Felizmente, ela não precisava tomar nenhuma decisão nem revelar sua
indecisão. Ele veio caminhando pelo quarto em sua direção. Oh, meu Deus,
sentia-se mal por estar em um quarto com David, ambos com suas roupas de
noite. Onde estava Julian? Por sua mente realmente passou este pensamento em
um momento de pânico.
— Rebecca. Ele pegou ambas as mãos na dele — ela não tinha percebido o
quão geladas elas estavam até que elas estivessem nas dele, quentes. Ele as
levantou uma de cada vez para seus lábios. — Você não se vai arrepender
hoje, eu cuidarei para que você não se arrependa da decisão que tomou.
Ela já se arrependia. Tinha-se arrependido desde o momento em que ela
cedeu à tentação e disse que sim. E, no entanto, a alternativa era o vazio e a
dependência. Estaria tudo bem, disse a si mesma. Apenas deixe os minutos
seguintes terminarem, de modo que ela pudesse saber, que ela tinha vinte e
quatro horas para ajustar sua mente para seu novo papel e responsabilidades,
antes que tivesse que enfrentar tudo novamente amanhã à noite. E na próxima e
na próxima.
Realmente não deve ser tão ruim. Não é doloroso. Apenas um pouco
desconfortável e humilhante. Mas era seu principal dever de casamento.
E ela se casou com ele muito livremente naquela manhã. Ela olhou em seus
olhos.
— E farei o mesmo por você, David — disse ela. Deveria agora soltar as
mãos e atravessar para a cama? Ela desejou que ela estivesse lá já para que
ela pudesse ter acalmado sua respiração antes que ele viesse até ela.
— Você está nervosa — disse ele, soltando suas mãos, e colocando as dele
em seus ombros. — Você não precisa ficar nervosa, Rebecca, eu não vou te
machucar.
Seus olhos eram muito azuis. Não tinha tido que inclinar a cabeça para trás
para olhar para Julian. Sentia-se muito desamparada. — Eu sei que você não
vai, David —, disse ela. — Mas eu acho que é natural estar nervosa. Perdoe-
me.
Ele baixou a cabeça e a beijou. Ela foi pega de surpresa.
Beijar era algo que ela e Julian haviam feito em lugares diferentes do
quarto de dormir. Tinha sido parte de seu amor e romance, o tipo de
proximidade física que tinha desfrutado. A cama tinha sido para outra coisa.
Tinha sido para seu prazer sozinho. Seu primeiro instinto agora era afastar-se
com espanto e susto. Mas David era seu marido e não queria comparar. Ela
não devia comparar.
Ele tinha o direito de fazer com ela o que desejava.
Seus lábios estavam quentes e ligeiramente separados, com intenção de
pressão. Eles se moveram, carinhosamente, sobre os dela. Ela percebeu de
repente que suas mãos estavam tocando o brocado liso em sua cintura. Ela
podia sentir o tecido também com as pontas de seus seios e com suas coxas.
— Não é a trança desconfortável quando você se deita sobre ela? Ele
perguntou.
Ela olhou aturdida em seus olhos antes que o significado de suas palavras
penetrasse em sua mente respondeu. — Normalmente não o tranço à noite —
disse antes de pensar em uma resposta mais adequada.
— Só para a sua noite de núpcias? — Seus olhos sorriram brevemente.
— Eu não sabia como você gostaria —, disse ela.
Sua boca tocou a dela de novo, desta vez inconfundivelmente, quando sua
mão veio atrás de sua cabeça e o trabalho da última meia hora foi desfeito em
segundos. Ela sentiu seu cabelo cair solto, e sentiu suas mãos passar nele.
— Rebecca, — ele disse, não tirando a boca dele completamente longe da
dela, — Isto é o que eu desejo. — Ele ergueu a cabeça. — Vem para a cama.
Ela se acalmou olhando para o relógio da lareira.
Dez horas e vinte e cinco minutos. Aos vinte e cinco minutos para as onze,
vinte para o mais tardar, tudo acabaria por esta noite. Ela poderia se contentar
com o sono em seu lado da cama, sabendo que ela tinha cumprido seu dever,
que ela lhe tinha permitido seus direitos conjugais sem se encolher.
Ela estava deitada na cama, respirando profundamente e deixando o ar sair
silenciosamente pela boca enquanto tirava a bata e apagava a lâmpada. Havia
ainda a luz do fogo, que tinha sido aceso para conter qualquer umidade que
ainda poderia demorar a sair após a longa inocuidade do quarto.
Ele se deitou ao lado dela, em vez de empurrar sua camisola e vir
imediatamente em cima dela como Julian sempre tinha feito. Mas ela não
compararia. Ela não devia comparar. E não devia… Ah, não devia pensar em
Julian agora. Todos os homens devem ter maneiras diferentes de tomar seu
prazer. Ela não devia esperar que fosse do mesmo jeito. Ela deve aprender a
aceitar o jeito de David.
Dez minutos. Apenas dez. Provavelmente menos. Era geralmente menos.
Dez minutos no máximo.
Ele se ergueu sobre um cotovelo e se inclinou sobre ela para beijá-la
novamente. Sua boca passou sobre a dela, abriu sobre a dela, e aprofundou a
pressão. Ela estendeu as palmas das mãos contra o colchão quando sentiu sua
língua pressionar levemente contra a costura de seus lábios e depois empurrar
e enrolar atrás de seu lábio superior. Houve um grande jorro de sensação que
a fez quase agarrar a cama. Sua língua se movimentava para frente e para trás
em seus dentes apertados até que ela percebeu em choque súbito que ele
esperava que ela abrisse a boca.
Ela se manteve calma. Nove minutos. Talvez até oito. Ele era seu marido.
Ele tinha o direito. Era seu dever submeter-se. Ela abriu a boca com relutância
lenta. E sentiu sua língua deslizar para dentro e para fora novamente. Ele
moveu sua boca para seu queixo e sua garganta.
Deixe acontecer, rapidamente ela implorou silenciosamente. Vamos acabar
com isso. Deixe-o levantar minha camisola logo e venha em cima de mim. Que
acabe logo. Deixe minha coragem aguentar.
Foi quase um alívio sentir sua mão segurando sua camisola e subindo-a por
seu corpo. Logo agora. Em breve. E então um minuto ou dois de desconforto.
Então o fim.
Mas ele não se moveu para ela imediatamente quando sua camisola já
estava até a cintura dela. Ele estendeu a mão sobre seu abdômen e segurou-a
levemente lá enquanto ela esperava tensa.
— Relaxe, Rebecca — disse ele contra seu ouvido.
Ela estava profundamente envergonhada. Para ele ter que lhe dizer tal
coisa. Ter que lhe dizer que ela não estava agradando a ele, que ela estava
resistindo a ele.
Ela relaxou instantaneamente. E teve que lutar para não ficar em tensão
novamente quando sua mão se moveu para cima sob sua camisola, para cima
através do vale entre seus seios e em torno de um deles. Julian nunca tinha...
Ela afastou o pensamento. David era David. Ele era seu marido.
— Relaxe —, ele murmurou contra seus lábios. Não era uma admoestação
desta vez.
Ela podia sentir seu polegar passando contra a ponta de um peito e podia
sentir o mamilo se tornando tenso. E houve aquela onda de sensação de novo.
Ela lutou contra a necessidade de se contorcer, para afastar a mão dele. Estava
errado. Ele não deveria... Ela não deveria...
Por favor, oh, por favor, deixe acabar.
E então sua mão se moveu para baixo uma vez mais, abaixo sobre seu
estômago, sobre seu abdômen, para baixo entre suas pernas. Ela mordeu o
lábio inferior. Isso era pior... Isso foi muito pior... Mas ela sabia que seria.
Ela tinha amado a primeira vez. Ela não amava desta vez.
Seus dedos a separavam e acariciavam-na. E então algo que ele fez com o
polegar, algo que ela não sentiu conscientemente no início, enviou aquela
sensação apunhalando-a novamente, para cima dentro dela a partir do lugar
que ele tocou através de seu ventre e seus seios, passando por sua garganta e
por trás de seu nariz. Uma dor totalmente crua que não era dor. Ela se virou
cegamente para ele, procurando escapar.
E finalmente — oh, graças a Deus, finalmente — ele ia fazer o que lhe era
familiar. Somente o breve desconforto agora e então estaria terminado por
hoje à noite. Ela ficou agradecida sobre as costas dela novamente, suas mãos
debaixo dela, e estendeu suas pernas obedientemente montado em sua pressão.
Ela respirou fundo, e colocou as mãos na cama, de ambos os lados.
Não havia dor, nenhum desconforto. Esse foi seu primeiro pensamento
aliviado. Mas foi apenas momentâneo. Ele estava deslizando na umidade.
Ela podia sentir e ouvir. O constrangimento e a humilhação fizeram com que
ela perdesse o controle, ofegante, pressionando seu peito, antes que pudesse se
segurar.
— Calma — murmurou ele. Ele estava em seus cotovelos, olhando para ela.
Queria morrer de humilhação. Não havia nenhum lugar para esconder seu
rosto. — Calma Rebecca.
Ele estava profundo. Muito mais profundo… Muito maior… Mas ela não
fazia comparações. Ela abriu as palmas úmidas contra o colchão,
pressionando-as com força contra ele.
Sua boca veio para a dela. — Calma — disse ele. — Eu não vou te
machucar.
Não doeu. Ela estava muito molhada para sentir desconforto ou dor. Ela
ouviu a umidade quando ele começou a se mover e esperou pela rápida batida
que traria a humilhação ao seu fim familiar. Só um minuto agora.
Ele se movia lentamente, se retirando quase completamente antes de
deslizar profundamente para dentro dela de novo. Os movimentos, os sons,
tornaram-se gradualmente rítmicos. E ela descobriu, afinal de contas, que era
capaz de relaxar, abraçar-se a ele, dar-lhe o que queria e precisava, sem
resistência. Ela tentou não ouvir os sons. Ela se perguntou se ele estava
chateado com ela.
Ela esqueceu o tempo. Era o que sentia por ser a esposa de David, pensou
ela, depois que o ritmo de seu amor a relaxara e havia tempo livre para pensar
e sentir. Ele estava fazendo um uso prolongado e profundamente íntimo de seu
corpo. Seu casamento estava sendo consumado muito bem. Ela sabia que se
sentiria dolorida e latejante quando finalmente tivesse terminado com ela. Que
ela se sentiria muito sua esposa.
Era isso o que ele pretendia? Será que ele queria banir qualquer fantasma
persistente de uma vez por todas? Pôr o selo forte de sua possessão nela, de
sua noite do casamento sobre o outro? Atrever-se-ia a sentir que ainda era a
esposa de outro homem? Ela não sentiu. Ela era de David. Ela se fizera sua
por sua vontade e suas palavras na igreja naquela manhã confirmaram isto.
Estava fazendo-a sua esta noite, com o profundo e rítmico bombeamento de
seu corpo dentro do dela.
Mas mesmo que ela não tivesse posto o passado para trás dela com
determinação para se tornar a indivisível esposa deste homem, ela teria sido
sua esposa agora. Ela se sentia completamente possuída, completamente
conhecida. Seu corpo, aberto e em uso, não guardava segredos dele. Sua alma
sentia-se como se estivesse aberta ao seu olhar e à sua posse.
Mas afinal, não foi tão difícil. Nem sequer era inteiramente desagradável
— apesar de ter continuado por muito mais tempo do que esperava.
E então suas mãos agarraram seus ombros e ele se acalmou dentro dela,
empurrou profundamente uma, duas, três vezes mais, e suspirou contra o lado
de seu rosto. Ela sentiu com uma pontada de surpresa a liberação quente de
sua semente.
Sentiu-se úmida e fria quando se afastou dela e se deitou ao seu lado
novamente. Ele rolou sua camisola para baixo com uma mão e puxou as roupas
de cama sobre ela, mantendo o braço sobre ela quando ele tinha terminado.
Ela virou a cabeça e olhou nos olhos dele. Um pedaço de seu cabelo escuro
estava sobre sua testa. Seu cabelo parecia completamente amassado. Ele era
David, ela pensou com alguma maravilha.
David é claro. Ele era seu marido, o homem com quem ela se casou naquele
dia. Mas mesmo assim — David! Sua mente estava aturdida com o
conhecimento de que o que tinha acontecido, a consumação que tinha sido tão
diferente, muito mais carnal do que ela esperava, tinha acontecido com David.
Ela se perguntou se tinha sido apropriado. Os maridos eram autorizados a
usar suas esposas assim? Um pensamento absurdo é claro. Qualquer coisa era
apropriada no casamento — qualquer coisa que o marido tivesse iniciado. Os
maridos podiam tomar o prazer de suas esposas de qualquer maneira que
quisessem. Uma esposa deve submeter-se — mas não gostar. Seria impróprio
para uma esposa desfrutar qualquer coisa que fosse do corpo. Ela tinha sido
ensinada assim desde quando era uma menina.
Ela não tinha gostado. Ela só tinha achado — bem, não foi desagradável.
Menos desagradável do que ela já tinha achado antes, embora tivesse sido
muito mais carnal e tenha durado muito mais tempo.
Ela fechou os olhos para a traição desse pensamento final. Julian a amava.
Ele a tratara como uma dama. David não a amava. Era por isso que ele a
tratara... Mas ele tinha o direito de tratá-la como queria.
Julian. Afinal, não podia afastá-lo de sua mente. Foi tão final agora. Muito
final. Ela era a esposa de outro homem em todos os sentidos da palavra. De
David. E prometeu a David que não pensaria mais em Julian. Ela não pensaria
nele, então. Seria desleal fazê-lo. Ela não faria isso.
Ela era a esposa de David.
Ela o sentiu se inclinar sobre ela e então seus lábios estavam tocando sobre
os dela.
— Obrigado, Rebecca, — ele disse suavemente. — Durma agora, foi um
dia longo e cansativo para você.
Sim. Longo, por eras e eras. E cansativo até aos ossos. E cansativo até à
alma. Ela não abriu os olhos nem respondeu. Algum tempo depois, ela dormiu.
Capítulo 9
David não dormiu por muito tempo. Era estranho estar compartilhando sua
cama.
Ele tinha dormido toda a noite com mulheres antes, mas tinha sido diferente.
O principal objetivo de tais noites tinha sido sexual. O sono tinha sido
tomado em intervalos arrebatados entre os ataques. O objetivo principal agora
era dormir, fazer amor primeiro e depois dormir. Para definir um padrão para
o resto de sua vida conjugal.
Era estranho. E estar deitado com Rebecca. Podia ouvi-la respirar calma e
profundamente. Ela estava deitada de costas, a cabeça virada para ele. Seus
cabelos esparramados sobre seu travesseiro e sobre as cobertas. Parecia
diferente, não a Rebecca calma, disciplinada, e sempre apropriada, que ele
conhecera durante a maior parte de sua vida, a Rebecca dos seus sonhos. Mas
uma mulher voluptuosa e relaxada depois do sexo.
Ela era sua esposa. Em todos os sentidos da palavra, ela era agora sua
esposa.
Ele estaria contente com apenas o que ela era capaz de dar, ele tinha dito a
ela. Ficaria satisfeito com sua ajuda e companheirismo e talvez com seu afeto.
Nunca seu amor. Ele fechou os olhos e tentou dormir. Parecia anos desde que
ele tinha dormido uma boa noite de sono. Uma vida inteira.
Ele tinha planejado sua noite de núpcias com cuidado. Ela tinha conhecido
o amor e um amante. Tinha estado casada com Julian por quase três anos.
Ela sabia tudo sobre paixão e satisfação sexual com um homem que ela
amava com todo seu coração. Não podia esperar competir. Ele não podia
esperar despertar paixão ou alegria nela. No entanto, sabia que não podia ficar
satisfeito com exercícios breves e desapaixonados de seus direitos à noite.
Seu casamento teria pouca chance se não houvesse pelo menos alguma ternura
física entre eles.
Ele a amaria com seu corpo, decidira ele, e levaria o que ela pudesse dar
em troca. Mas ele estava muito consciente de que ela era uma senhora, que ele
devia amá-la com alguma contenção. Seria diferente para ela com Julian —
ela o amara. Ela não amava seu novo marido. Ele devia amá-la com
moderação.
Ele não tinha certeza agora se ela tinha sido capaz de lhe dar qualquer
coisa, exceto sua aquiescência. Rebecca sempre daria isso. Era o dever dela
como esposa, e o dever sempre vinha acima de tudo para Rebecca. Ela tinha
repelido seu toque. Ele só a tinha tocado o suficiente para preparar seu corpo,
para prepará-lo para a penetração. Ele soube de uma experiência com uma
prostituta francesa, no início da sua idade adulta, que lhe explicou que era
incômodo, mesmo doloroso para as mulheres que fossem montadas quando
completamente secas e não preparadas. Tinha aprendido naquela ocasião — e
praticado desde então — como fazer a passagem molhada e confortável para
sua mulher. E prazeroso para si mesmo.
O corpo de Rebecca tinha respondido. Ela não tinha. O dever teve que lutar
com a repulsa. O dever tinha vencido, é claro. Ela relaxou completamente
depois que ele a montou e estabeleceu um ritmo nela.
Mas ela tinha sido completamente passiva. Suas mãos nem sequer o haviam
tocado.
Ela deve ter feito comparações, ele pensou. Deve ter sido terrível para ela.
Deve ter parecido a ela que estava sendo violada. Uma guerra furiosa devia
estar em sua mente — o tempo todo em que esteve nela — entre dever e
protesto. E ele sabia que ela teria lutado para não se lembrar, para não fazer
comparações.
Tinha-lhe feito a promessa de que nem sequer pensaria em Julian depois do
seu novo casamento.
E, no entanto, David continuara teimosamente a seguir o seu curso. Ele
poderia ter terminado rapidamente nela. O céu sabia que tocá-la o havia
despertado o suficiente. Mas ele queria que a consumação de seu casamento
fosse algo decisivo, algo que estabeleceria sem dúvida, o novo laço físico
entre eles.
No processo, ele provavelmente tinha dado a ela uma duradoura repulsa
dele e do que seu dever para com ele iria envolver.
Perguntou-se se teria coragem de prosseguir. Não que houvesse qualquer
volta agora. Ela era sua esposa. E ela estava acordada, olhando para ele com
olhos bastante vagos. Procurando por Julian?
Logo haveria a consciência em seus olhos que era ele, David, não Julian.
— Confortável? — ele perguntou.
Ela ainda estava meio dormindo. — Mm —, ela disse, e seus olhos se
fecharam novamente.
Ela ia ter o pescoço duro pela manhã. Ele se moveu um pouco mais para
ela, deslizou um braço sob seu pescoço, e virou-a para seu lado contra ele.
Ela era todo o calor suave e relaxado. Seu cabelo cheirava a sabão, mas havia
um cheiro mais atrativo sobre ela — o cheiro de mulher. Era um cheiro que ele
tinha encontrado antes, mas nunca o associou com Rebecca. Mas então ele
sempre tinha sido cuidadoso durante aqueles quatro anos para manter sua
mente fora do leito de casamento de Julian.
Seus olhos estavam abertos novamente, ele viu quando ele olhou para ela.
Mas ela ainda não se enrijeceu em plena vigília. Ele a beijou. Sua boca estava
relaxada e cedeu.
— Sua cabeça estava em um ângulo estranho, — ele explicou. — Seu
pescoço teria ficado rígido de manhã.
— Oh, — ela disse. Ela estava ainda em seus braços, mas agora era a
calma da aquiescência. Ela sabia que havia algo entre esse momento e um
retorno ao sono. Ele podia sentir a consciência nela, embora nenhuma parte de
seu corpo se esticasse.
Essa não tinha sido sua intenção. Pode-se ter uma prostituta para o prazer
de um homem muitas vezes no decurso de uma noite quando ele tinha energia
para isto.
Não se exigia tanto de uma esposa. Ele tinha tido Rebecca uma vez e tinha
tomado seu tempo sobre ele. Ele tinha a intenção de permitir que ela dormisse
depois disso. Ela teve um dia ocupado e emocionalmente exaustivo. E o que
acontecera no final não tinha sido um prazer para ela.
Ele correu uma mão levemente pelas suas costas, sentindo a curva de sua
espinha. Podia sentir seus seios descansando contra seu peito, suas coxas
roçando as dele. E ela estava certa, é claro. Seu corpo tinha apanhado a
mensagem mesmo antes de seu cérebro estar ciente disso. Ele a beijou
novamente, saboreando seus lábios com a língua. Podia sentir o toque sedoso
de seu cabelo sobre seu braço.
Ele tirou sua camisola e sua camisa de noite entre eles e tocou-a levemente,
sua mão plana contra ela. Ela ainda estava quente e úmida. Ele correu dois
dedos para baixo, separando-a, e os penetrou um pouco dentro dela. Seu corpo
estava pronto para ele.
Os sons de umidade inflamaram-no, fazendo com que sua temperatura
subisse de repente.
E então ela estava pressionando sua cabeça contra seu ombro e ficando
rígida com a tensão. — Desculpe — disse ela, com a voz alta de angústia. —
Eu sinto muito.
— Desculpa pelo quê? — Sua mão se acalmou sobre ela. Desculpe que ela
simplesmente não poderia fazer isso? Não poderia ser sua esposa?
— Sinto muito, — ela disse de novo. — Eu me sinto tão humilhada.
Ele compreendeu de repente. Era porque o corpo de sua mulher estava
respondendo ao toque de seu homem, embora seu coração não pudesse sentir
nada por este homem. Deus! Pensou ele. Inconsciente, lembrou-se de seu pai
avisando-o de que ela nem sequer começara a se recuperar da perda de Julian.
— Por causa da umidade? — Ele disse. — Eu a induzi deliberadamente,
Rebecca, para que você não sentisse dor com a minha possessão. Você teria
preferido isso de outra forma? Eu te machuquei?
Houve um longo silêncio, durante o qual ele sentiu um pouco da tensão se
afastar dela. — Não, — ela disse finalmente. — Não houve dor, desculpa,
David, estou decidida a ser uma boa esposa, é apenas difícil... Não sei o que
te agrada ou te desagrada.
— Sabia — disse ele — que o casamento deveria ser real, não quero
machucá-la ou exagerar, mas esta parte do nosso casamento é importante para
mim, Rebecca.
— Sim, eu sei, — ela disse. — Sempre é para os homens.
Ele franziu o cenho. Sim, ele entendeu que era verdade. Os homens queriam
isso enquanto as mulheres não. Perguntou-se quando padrões morais e padrões
aceitos de comportamento haviam ditado que fosse assim. Quando se tornou
um requisito necessário de ser uma mulher para encontrar sexo desagradável?
E ainda, para ser justo, era só sexo sem amor que era uma provação para
Rebecca. As coisas deviam ter sido muito diferentes com Julian — um
pensamento que ele não queria seguir.
— Você vai-me agradar —, disse ele, — por relaxar e não se preocupar em
me agradar. É muito abominável para você?
— Não, — ela disse com sua voz chocada.
— Você me diria se fosse? — Ele sorriu um tanto triste na escuridão. Claro
que não.
— Como isso poderia ser? — ela disse. — Você é meu marido, David.
Ah, sim, um escudo. Ele começou a ter um vislumbre de uma compreensão
de como seria a vida com Rebecca. Ele teria a esposa perfeita. Ele não tinha
nenhuma dúvida sobre isso. Seu comportamento seria irrepreensível. Mas ele
nunca iria além disso, ele nunca a conheceria.
Mas seu corpo estava contra o dele agora e ambos estavam nus da cintura
para baixo. Ela relaxou novamente. Até mesmo sua boca estava relaxada
quando ele a beijou. Ela iria se certificar de que ela aprenderia rápido o que
lhe agradava. Ela tinha aprendido mais cedo que ele gostava de jogar com a
língua. Ele deslizou sua língua dentro de sua boca brevemente, mas a sua
própria estava ainda debaixo dela.
Deus, mas ele a queria. Seu corpo, sim. Oh, sim, ele também queria seu
corpo. Ela sabia disso e tinha aceitado e ele estava passando sua mão sobre
ela. Mas ele queria mais. Ele queria, tudo o que havia dela. Ele queria estar
dentro de seu corpo, dentro de sua mente, dentro de sua alma. Mas tudo o que
podia ter dela era seu corpo, sua obediência e lealdade. Talvez tivesse sido
diferente. Se ela soubesse quando eles estavam crescendo… Se ela soubesse
três meses antes de seu casamento com Julian que Flora… Se ela soubesse o
que tinha acontecido mesmo depois de seu casamento, em Malta e na
Crimeia...
Mas ela nunca tinha tido conhecimento de nada disto e nunca teria. Só sobre
seu cadáver. Julian tinha sido o amor de sua vida e ainda era. E ela, pensou
David suavizando seus beijos que se tornavam ferozes, era o amor de sua
vida. Nada ia destruir suas lembranças. Nada. Certamente nem suas
necessidades.
Ele ergueu sua perna superior e a colocou confortavelmente acima de seu
quadril, facilitando-a em uma posição contra ele antes de empurrar-se lenta e
firmemente nela. Ele segurou-a firme com uma mão estendida atrás dela.
— Entende? — murmurou para ela. — A umidade torna mais fácil para nós
dois.
— Sim. — Ele a ouviu engolir.
— É o modo como o corpo de uma mulher se prepara e se ajusta ao que vai
acontecer com ele —, disse ele. Parecia estranho dar instruções a uma mulher
sobre seu próprio corpo, especialmente a uma mulher que conhecera o amor e
a paixão por mais de dois anos. Mas então a paixão teria tornado o ato sexual
uma coisa instintiva durante aqueles dois anos. Ela não teria notado então o
que a incomodava agora.
— Sim — disse ela.
Ele a amava lenta e gentilmente, não a virando para trás, para que pudesse
conduzir-se com mais força. Deixou-se deleitar-se com a sensação dela, o
suave calor que o envolvia sem apertar ao redor dele. Seus músculos internos
estavam relaxados. Ela estava relaxada e tranquila.
— Você me agrada, Rebecca — disse ele, colocando a boca contra a dela
de novo. — Nunca duvide que você me agrada.
— David, — ela disse, — não é abominável para mim, eu não quero que
você pense nisso, pois não é.
Podia sentir-se vindo. Ele só queria que houvesse algo para compartilhar.
Ele desejava que ela pudesse encontrá-lo lá no mundo do êxtase
compartilhado além da paixão.
Mas nunca tinha sido parte do negócio ou parte de suas expectativas. Ele
receberia saciedade sexual. Ela receberia sua semente. Não haveria nenhuma
partilha real.
Mas ele estava vindo, empurrando mais lenta e profundamente dentro dela
até o momento abençoado quando ele sentiu o jorro de liberação e suspirou
contra o lado de seu rosto. Ela se deitou pressionada contra ele, sua perna
abraçando seu quadril quieta, e ele também ficou quieto.
Quando ele se recuperou dos espasmos de sua libertação, ele endireitou sua
perna ao lado da outra novamente e segurou-a, permitindo que o delicioso
relaxamento que era o rescaldo do sexo o puxasse para baixo em direção ao
sono. Ele deveria soltá-la, pensou sonolento. Ele deveria se retirar de seu
corpo e tirar seu braço de debaixo de sua cabeça para que ela fosse livre para
se mover e encontrar uma posição confortável para dormir.
Mas ela se sentia muito bem onde estava. E ele estava muito perto de
dormir. Talvez ele dormisse o resto da noite sem acordar e sem sonhos. Seria
um luxo raro. Ele não queria se mover e talvez empurrar o sono
completamente.
Ela cheirava muito bem. Melhor do que o mais caro e sedutor de perfumes.
Ele dormiu.
****
Rebecca passou sua primeira manhã em Stedwell dentro da casa. Ela estava
tão ocupada que não havia um momento livre para pôr os pés fora para
apreciar o sol quente. Mas não foi uma manhã infeliz.
Ela passou um pouco depois do café da manhã conferindo com o chef o
menu do dia. Ele estava insatisfeito, ao que parece, com a falta de variedade
de alimentos que poderiam ser obtidos a partir da horta e da aldeia. Ele estava
igualmente insatisfeito com a ajuda que tinha na cozinha, declarando que ele
deveria ter mais assistência profissional de Londres se ele fosse fazer justiça
às suas artes culinárias. Rebecca sorriu e fez barulhos tranquilizadores e
assegurou-lhe que tanto ela quanto sua senhoria ficariam felizes com alimentos
simples, mas bem preparados. Ela estava ciente quando deixou a cozinha para
trás que ela tinha irritado o orgulho profissional do homem.
A sra. Matthews passou a hora seguinte com ela, mostrando quarto por
quarto da casa até que ela se sentiu familiarizada com ela. Todos os quartos e
corredores davam a mesma impressão de esplendor desbotado, miséria e
negligência úmida. A tarefa de restaurá-lo para uma casa acolhedora parecia
assustadora, de fato.
E, no entanto, a própria grandeza da tarefa fez Rebecca se sentir
completamente revigorada. Ela poderia fazer a diferença aqui. Ela realmente
podia. Ela poderia estar ocupada por um ano e ainda haveria mais a fazer. Ela
transformaria a casa de David — e a sua — em um lar, e ela observaria o
prazer que seus esforços lhe deram.
David. A parte inferior de seu corpo ainda latejava com uma sensação que
não era muito dolorosa. Ontem à noite ela tinha aprendido as diferenças que
poderia haver entre dois homens. Oh, não apenas as diferenças físicas.
A maioria delas tinha sido óbvia o suficiente e elas eram relativamente sem
importância de qualquer maneira. Mas diferenças no que eles esperavam no
leito conjugal e o que eles faziam lá. Ela se sentiu de novo esta manhã como
uma jovem noiva que acabava de aprender os segredos da intimidade física.
Mas ela não pensaria em tais coisas. Havia muitas coisas mais para pensar
sobre o que ela via ao redor dela.
David era mestre em sua cama matrimonial como ele era em todos os outros
aspectos de sua vida. Ela se acostumaria a seus deveres lá, como antes,
embora as circunstâncias fossem tão diferentes.
Ela nunca tinha tido uma casa real com Julian. Ela sentiu um momento de
arrependimento, mas afastou-o com firmeza. Talvez fosse melhor assim. Pelo
menos sua mente traiçoeira não poderia fazer comparações nessa direção.
Ela dispensou a governanta, escolhendo revisitar cada quarto sozinha, e em
seu próprio tempo para que ela pudesse ficar em silêncio olhando sobre ela e
avaliando o que precisava ser feito.
Havia tanto a ser feito em cada quarto. Os tetos e as paredes precisavam
ser redourados e pintados; seria necessário substituir tapetes, bem como as
cortinas e alguns móveis; seria necessário também a reposição de outro
mobiliário; as pinturas precisavam de ser limpas. Lareiras precisavam ser
acesas diariamente em quase todos os quartos, para se livrarem da sensação
geral de umidade. A lista poderia continuar e continuar. Ela acabou na sala da
manhã, sentada em uma secretária com uma perna ligeiramente mais curta que
as outras três, fazendo listas, enormes listas do que ela gostaria de fazer com
cada parte da casa.
Custaria uma fortuna, ela pensou, olhando para trás, para as suas listas
quando foram feitas. Uma enorme fortuna. Mas David era um homem rico.
Ela teria que fazer estimativas para sua aprovação. E então teriam de trazer
trabalhadores.
Ela sorriu quando o sino do almoço tocou, e colocou a pilha de papéis em
um monte ordenado. Ela não tinha estado do lado de fora ainda. Ela seria
capaz de gastar uma segunda fortuna no jardim, ela tinha certeza.
Queria jardins de flores, um caramanchão de roseiras como em Craybourne,
um lago…
Havia uma excitação nela, uma sensação de energia que ela não sentia
havia anos. Talvez nunca. Tinha tido muito pouco para ocupá-la mesmo
durante seu primeiro casamento. Eles sempre haviam vivido em boletos
militares, ela e Julian. Tinha desejado mais, uma casa. Tinha esquecido até
agora o desapontamento que sentira quando anunciara sua intenção de comprar
uma comissão antes do casamento. E ela tinha esquecido o tédio que ela
sentira muitas vezes durante os longos dias enquanto ele estava ausente,
esperando o momento em que ele estaria de volta com ela.
Ela abanou a cabeça. Tinha sido um casamento perfeito. Mas este não
precisa ser um desastre. Na verdade, ela estava bastante determinada a não ser
assim. Ela era a senhora de Stedwell, uma casa e um parque terrivelmente
velhos e negligenciados, com todo o potencial de beleza e esplendor. Ela o
tornaria lindo e esplêndido. Ela e David, juntos.
Ela se levantou. David passara a manhã com seu mordomo perto da escada
principal, na única sala que Rebecca não tinha visitado. Eles tinham estado
fechados lá por toda a manhã. Não duvidava que seu marido estivesse tão
ocupado como ela.
O marido dela. Seu estômago balançou um pouco enquanto ela se dirigia da
sala para a sala de jantar. Sim, seu marido, disse a si mesma com firmeza. Era
assim. Ela olhou para o desconhecido verde de seu vestido e torceu o anel
brilhante, desconhecido em seu dedo. E sentiu novamente a inconfundível
consciência física de que ela estivera com ele na noite anterior.
Estranho, pensou. Ela ainda esperava meio que acordar e ver que tudo fora
um sonho. Mas então ela sentira o mesmo por meses depois que a notícia da
morte de Julian a alcançara. Isso era real assim como tudo tinha sido. Era mais
do que tempo que ela acordasse para a realidade.
David estava na sala de jantar diante dela e se levantou para ajudá-la a
sentar-se. Era uma sensação estranha olhar para o homem com quem ela tinha
sido íntima pela primeira vez na noite anterior. Ele parecia tão correto, bonito
e elegante.
— Você teve um bom dia, David? — Ela perguntou, endireitando seus
ombros para que eles não se encostassem contra o encosto da cadeira. Uma
governanta certa vez a fez sentar-se absolutamente quieta e silenciosa na sala
de aula durante duas horas inteiras, com os braços em volta de uma
escrivaninha, porque ela descansara as costas contra a cadeira durante uma
aula de leitura.
— Um esclarecimento — disse ele. — Minha propriedade está em boas
mãos com Quigley, ele conseguiu isso bem e prosperou. Eu sabia disso, claro,
a partir dos relatórios breves que ele sempre me enviou, mas esta manhã eu
pude examinar os livros e ver por mim mesmo. Parece que minha tarefa aqui
será fácil.
— Você apenas permitirá que o Sr. Quigley continue como antes? — ela
disse.
Ele assentiu. — Embora eu pretenda tornar tudo muito mais pessoal.
Amanhã vou começar a visitar meus inquilinos e todos os que dependem de
mim de qualquer maneira. E você, Rebecca, você tem estado ocupada?
— Gostaria que houvesse alguém tão eficiente para cuidar da casa ao longo
dos anos —, disse ela. — Ou talvez também não, então haveria menos trabalho
para mim. É de fato engraçado, David, tal como esperávamos e como vimos
ontem à noite nos poucos quartos em que estivemos.
— Você viu tudo? Ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça. — Eu tenho uma longa lista do que precisa ser
feito. Eu vou mostrá-la quando você tiver um momento. Você deve decidir se
vamos em frente e fazemos tudo de uma só vez, ou se deveríamos fazer um
pouco de cada vez.
— Tudo de uma vez, eu acho —, disse ele. — Podemos ter uma grande
confusão e acabar com isso. E o jardim?
— Ainda não tive a chance de ir lá —, disse ela. — Eu quero alguns
canteiros de flores, David, além das margaridas, tudo parecia muito nu quando
nos aproximamos ontem.
— Essas árvores devem ser cortadas do lado oeste da casa —, disse ele.
— Elas são perigosas durante uma tempestade, e elas devem cortar uma
grande quantidade de luz dos quartos naquela ala. Talvez possamos sair juntos
por um tempo depois de termos terminado de comer, se você não tem outros
planos.
— Só para sair e olhar ao redor —, disse ela. — Podemos muito bem fazê-
lo juntos, ouvirei suas ideias e depois tentarei elaborar alguns planos, posso
apresentar-lhe aqueles que fiz para a casa em algum momento pela amanhã ou
quando você tiver uma hora livre.
Seu casamento tinha pouco mais de vinte e quatro horas de idade, pensou
Rebecca, enquanto voltava para o andar de baixo algum tempo depois, pronta
para o ar livre, e mesmo assim já começava a achar que talvez tivesse feito a
coisa certa. Tinha desfrutado da manhã quase como uma criança aprecia um
brinquedo novo, e tinha desfrutado da conversação completamente de negócios
que teve com David no almoço. Havia muita coisa para fazer nos próximos
meses e mesmo anos, assim haveria pouco tempo para conversar.
Talvez no momento em que tudo tivesse sido posto em prática, eles teriam
se conformado com uma amizade confortável. Ela esperaria que sua selvageria
estivesse atrás dele. Afinal, ele tinha quase vinte e nove anos. Fazia quase
cinco anos que ele desonrara Flora. Desde então, ele lutou na Guerra da
Crimeia como um dos oficiais de Sua Majestade e se distinguiu na medida em
que tinha sido premiado com uma Cruz da Victória. Ele havia sido gravemente
ferido em duas ocasiões. Ela esperava que ele estivesse agora mudado. Ela
esperava fervorosamente. Ela sempre o odiou quando uma nova perfídia de
David tinha saído à luz. Se houvesse alguma vez um ar de maldade sobre ele,
talvez tivesse sido diferente. Mas ele sempre tinha parecido tão calmo e
respeitável.
De qualquer forma, por enquanto ela estava se sentindo quase feliz.
Certamente mais feliz do que ela se sentira por um longo tempo. Desde antes
do dia em que ela descobriu que o regimento de Julian estava destinado a
Malta sem ela, ela supôs. E mesmo antes disso tinha havido a agonia de seu
segundo aborto. Ela tinha algo a fazer agora e não devia deferência a ninguém,
exceto David. Ela era a senhora de Stedwell. Havia algo maravilhosamente
estimulante no pensamento.
Algo certamente precisava ser feito sobre as árvores ao oeste da casa. No
mínimo, os ramos precisavam ser cortados. Ambos concordaram com isso.
— Talvez algumas das árvores devam ser retiradas completamente para dar
lugar ao meu caramanchão de rosas —, ela sugeriu.
— Caramanchão de rosas? — Ele olhou para ela. — Sim, será melhor para
você, Rebecca. Planeie então isso.
Eles passaram uma hora ao ar livre, desfrutando da ampla vista da casa na
maioria das direções, admirando a ponte de pedra de três arcos que, quando
chegaram no dia anterior, não tinham notado, e discutindo o que poderia ser
feito para tornar os jardins mais pitorescos.
— Rebecca, — disse ele por fim —, você não se assusta com a perspectiva
de tanta coisa por fazer?
— Não, disse ela. Isso vai dar um propósito a minha vida, estar tão
ocupada, David. Você percebeu isso quando estava me persuadindo a casar
com você. Você tinha toda a razão.
— Você não está arrependida, então? — Ele perguntou, — Mas é um pouco
cedo para fazer esta pergunta, eu suponho. E talvez nunca tenha qualquer
propósito útil para perguntar.
— Eu não estou arrependida. — Ela olhou para ele, curiosa novamente para
saber exatamente por que ele se casou com ela quando parecia que ele tinha
muito menos a ganhar do que ela. — Eu fiz um compromisso ontem David, a
você. Não apenas para restaurar esta casa, eu tomei você como meu marido e
prometi ser para você uma boa esposa. Esses votos são sempre desafiadores,
eu acho.
Eles eram... — Ela parou com alguma consternação. Ela tinha jurado nunca
falar de Julian. — Bem, eles são um desafio. Comprometer-se com a
felicidade de outra pessoa não é fácil. Mas eu fiz esse compromisso.
Ele a olhou fixamente e ela se perguntou se ela tinha cometido um erro. Ela
se perguntou se ele queria ou esperava tal compromisso.
Talvez tudo o que ele quisesse era uma companheira e ajudante — e alguém
para satisfazer suas necessidades na cama. Ela enrubesceu com as lembranças
da noite anterior.
Tinha sido muito diferente do que ela esperava e do que ela já estava
acostumada.
Ele olhou por cima do ombro de repente. — Estamos prestes a ter visitantes
—, disse ele. — Suponho que era de se esperar, temos vizinhos para nos
familiarizar, Rebecca.
Uma carruagem subia pela entrada.
— Sim — disse ela. Era um pensamento agradável. Ser senhora de sua
própria casa. Ser a líder do local, socialmente falando. — Por estar prestes a
fazer novos conhecidos, talvez novos amigos. E outras responsabilidades a
serem assumidas. Eu me pergunto o que eles vão envolver completamente?
— É melhor que voltemos para estarmos no terraço quando a carruagem
chegar lá —, disse ele.
— David, — ela disse impulsivamente, — é bom ser a dona da minha
própria casa. Obrigada!
— Eu esperava que fosse —, disse ele calmamente. — E é bom ter uma
senhora para isso, Rebecca, não estar aqui sozinho. Isto seria solitário.
Como ele havia dito, ambos tinham algo a ganhar com o casamento. Afinal,
não ia ser ruim. Desde que ela pudesse continuar guardando suas memórias
firmemente no passado, ela poderia esperar uma certa satisfação pelo menos
no futuro. Talvez com o tempo fosse até possível dar a David o carinho que ele
pedira.
Ela iria tentar, ela resolveu. Ela tentaria muito.
Capítulo 10
Três grupos de visitantes chegaram antes da tarde, e ao mesmo tempo.
Todos estavam juntos na sala e todos estavam muito felizes, incluindo
Rebecca. Seus vizinhos tinham vindo visitá-los com a intenção óbvia de fazer
mais do que apenas conhecer a ela e a David.
— Stedwell ficou desocupada por muito tempo — disse a sra. Appleby,
tomando chá. — Naturalmente meu senhor, compreendemos que durante muitos
anos você era um mero rapaz que morava com seu pai, o conde de Hartington,
e que mais recentemente você tem servido a Sua Majestade e nosso país na
Crimeia. Ficamos muito orgulhosos quando ouvimos falar de como você se
distinguiu lá. Não ficamos Gregory? Mas é realmente maravilhoso ter você
finalmente em casa e com sua linda noiva, não é Sra. Mantrell?
A senhora mencionada, de meia-idade como a Sra. Appleby, e tão magra
quanto a outra era gordinha, concordou.
— Nossa única esperança é que você esteja aqui agora para ficar, milorde
— disse ela. — Parece um desperdício ter uma grande propriedade como
Stedwell desabitada. Não há liderança, se você vai perdoar minha declaração,
embora todos nós tenhamos feito nossa parte para fazer o melhor que
pudermos.
— Nossa intenção é fazer deste nosso lar, senhora — assegurou-lhe David.
— Eu tenho sonhado por vários anos em fixar minha moradia aqui, e minha
esposa tem estado ansiosa para ter uma casa própria.
As senhoras estavam bastante satisfeitas em deixar que os cavalheiros
começassem sua própria conversa sobre caça e tiro, colheitas, estoques e
ações — todos aqueles tópicos maçantes que fariam bocejar uma senhora
apenas em pensar. A Sra. Mantrell queria assegurar-se de que a nova Senhora
Tavistock iria assumir a sua posição como senhora da mansão e líder da
região.
— Mesmo que você seja uma nova noiva e tenha outros deveres também
—, ela acrescentou, sorrindo e balançando a cabeça de um modo que Rebecca
corou.
Rebecca descobriu que havia vários comitês com os quais se esperava que
ela fosse se envolver, entre eles o comitê de flores da igreja, o comitê de
ajuda missionária das senhoras e o comitê da escola.
— Não é que a tarefa do comitê da escola seja muito onerosa nestes dias
—, observou a Sra. Appleby, — havendo muito poucos alunos frequentando a
escola, mas eu sempre disse que ensinar os pobres a ler e a escrever é um
desperdício de tempo já que passarão suas vidas nos campos.
E de Rebecca seria esperado patrocinar as flores da primavera e promover
o piquenique, a feira de verão, e a festa de Natal das crianças.
— Minha mãe costumava falar sobre os piqueniques de verão de Stedwell
— disse Lady Sharp, apresentando o tópico com um tom tão determinado à sua
voz que Rebecca percebeu que fazê-lo tinha sido o objetivo principal de sua
visita. — Envolvendo todas as famílias líderes, Lady Tavistock. Costumava
haver esportes e comida ao ar livre durante o dia e um jantar e um baile
durante a noite.
— Seria realmente maravilhoso se você e sua senhoria fossem reviver o
costume — disse a Sra. Appleby — Lembro-me de meu pai falando sobre o
piquenique. Era o maior evento do ano, segundo ele. Eu era uma mera criança
quando o último foi realizado.
— Parece uma tradição maravilhosa para ser renovada —, Rebecca disse,
sorrindo. — No próximo verão, devemos começar de novo. Existem muitas
festas e bailes por aqui?
Parecia que seus vizinhos todos fizeram sua parte para manter a vida social
do campo ativo. Havia jantares, noites musicais e danças, bem como visitas à
tarde.
— Mas nenhum baile de verdade, Lady Tavistock — disse a srta. Stephanie
Sharp, melancólica, falando pela primeira vez. — Ninguém aqui tem um
verdadeiro salão de baile, mas apenas salas de estar, e nunca há uma
orquestra, mas apenas música de piano.
— Sir Gordon e eu levaremos Stephanie para Londres na próxima
primavera para ser apresentada, Lady Tavistock — disse Lady Sharp. — Ela
vai estar com quase vinte anos, que é um pouco velha, estou certa de que está
pensando, mas é nossa única filha, e nós temos relutado em tirá-la de nossas
mãos.
A rapariga era adorável, pensou Rebecca, sorrindo para ela. Ela era
pequena e esbelta, com cachos escuros dispostos elegantemente nos lados da
cabeça e uma pele saudável e rosada. Ela estava olhando, arrebatada, para
David durante a maior parte da visita. De repente, Rebecca percebeu que, se
ele tivesse vindo a Stedwell, como único homem solteiro, Stephanie Sharp
teria sido uma noiva elegível para ele. Poderia ter havido toda a excitação de
um namoro na região e uma conexão que teria ligado David mais de perto a
Stedwell.
Mas agora não era o momento de lembrar-se de que chegaria o momento em
que David se arrependeria de seu casamento desapaixonado e sem amor com
ela. Ela olhou para ele enquanto conversava com os homens, e o viu como
devia aparecer a Stephanie — jovem, rico, elegante e bonito para sua culpa.
E ele era dela. Ela quase perdeu o fio da conversa por um momento
enquanto se lembrava de como ele se tornara seu na noite anterior.
— O salão de baile de Stedwell é grande —, disse ela, — embora tenha um
ar de negligência sobre ele como a maior parte da casa, receio. — Temos que
restaurá-lo para que fique com o antigo esplendor para o próximo verão e ter
um magnífico baile lá — Com uma orquestra completa. Mas por essa época,
Stephanie, depois de uma temporada em Londres, vai parecer muito comum
para você.
A Sra. Appleby juntou as mãos ao peito. — Que maravilha tudo isso, Lady
Tavistock — disse ela. — Tão maravilhoso ver Stedwell prestes a ser
restaurado à sua glória original e ter o visconde e sua senhora na residência,
mas ficamos tempo suficiente. Ela ficou firme em seus pés. — Os homens
falarão até a hora do jantar e nem sequer pensarão se estão a infringir a
etiqueta… Venha, Gregory, estamos aqui há mais de meia hora.
Todos saíram juntos com uma grande agitação, despedidas alegres e
garantias de Rebecca que eles iriam retornar as visitas dentro dos próximos
dias.
Ela sorriu para David quando eles ficaram sozinhos juntos nos degraus
finalmente. Os três veículos em seu caminho pela entrada. — Você estava
conversando educadamente com os cavalheiros? — ela perguntou. Ou você
estava sendo organizado como eu fui, David? Eu percebo que eu já estou em
cerca de seis comitês diferentes e que eu estou para ser uma luz de liderança
em festas anuais e shows de flores e festas infantis. Ah, e não é para faltar
jogos, chás e um piquenique aqui fora um dia no próximo verão e um grande
jantar e baile na noite do mesmo dia. Uma tradição antiga, eu acho que já está
tudo planejado.
— Rebecca —, disse ele, — você é a viscondessa Tavistock, você sabe, e
não deve deixar-se manipular.
— Eu sei — disse ela. — Mas sim, eu vou deixar David, e isso é
maravilhoso, já sinto que pertenço a este lugar, tenho certeza de que a
ociosidade e o tédio serão as minhas preocupações menores nos próximos dez
anos. Até mesmo ter que desistir de dormir à noite.
Ela falou ligeiramente com uma explosão de excitação que as visitas
trouxeram. Ela tinha feito a coisa certa, ela pensou. Ela tinha posto os últimos
dois anos atrás dela e embrulhado as memórias do amor e felicidade que os
tinha precedido, a manter em uma parte secreta de sua memória onde eles já
não podiam causar sua dor crua. Ela tinha substituído tudo por uma vida que ia
trazer uma satisfação prática. Era o tipo de vida que ela tinha sido criada para
viver.
O tipo de vida que ela sempre quis viver, com Julian. Mas não, não, ela não
estragaria o que tinha sido um dia surpreendentemente feliz com esse
pensamento.
— Desistir de dormir? — perguntou David, virando-se para levá-la de
volta para dentro da casa. — Acho que não, Rebecca.
Sentia-se ruborizada. E mesmo isso, ela pensou, não parecia tão terrível.
****
As listas de Rebecca estavam quase completas. Ela ainda não tinha
mostrado a David, mas fazê-lo era meramente uma formalidade. Prometeu-lhe
um criado para as mudanças na casa e nos jardins. Ela estava ansiosa para ver
um começo sendo feito, para ver que ela, de alguma forma, fazia uma diferença
na vida de alguém.
Mas na manhã seguinte decidiu acompanhar o marido em sua cavalgada
para visitar alguns de seus inquilinos. Ela era, afinal, responsável por seu
bem-estar e estava ansiosa para conhecê-los todos e descobrir suas
necessidades.
— Embora eu suponha que seus inquilinos são completamente
independentes, não são? — ela disse. — São os seus trabalhadores que
provavelmente precisarão mais da minha ajuda, pode haver algumas pessoas
idosas que apreciarão as visitas ou alguns doentes que precisarão de
remédios.
— Isso vai levar vários dias —, disse ele. — Além das contas que Quigley
me enviou e dos livros que examinei ontem, não sei nada de minha
propriedade, Rebecca. O elemento humano está totalmente ausente do meu
conhecimento.
— Mas se tudo é próspero, ela disse. — Seu povo deve ser feliz, David.
Nós ousamos galopar sobre estes campos? Estamos nos movendo em um ritmo
muito tranquilo.
Eles se entregaram ao prazer do ar fresco e da luz do sol enquanto levavam
seus cavalos a um ritmo mais rápido em direção à casa de um dos inquilinos.
O Sr. e a Sra. Gundy não pareciam particularmente felizes em vê-los,
embora fossem perfeitamente educados. O Sr. Gundy permaneceu fora de casa
com David enquanto sua esposa convidou Rebecca para dentro e ofereceu seu
chá.
— Esta é uma casa bonita —, Rebecca disse, sorrindo para duas crianças
pequenas, que estavam de pé em uma porta, olhando para ela.
— Sim, minha senhora — disse a Sra. Gundy. — Exceto quando chove e o
telhado escapa.
— Oh, querida — disse Rebecca. Isso deve ser desconfortável. O Sr.Gundy
estava muito ocupado para consertá-lo?
A sra. Gundy ocupou-se com a preparação do chá e não respondeu.
— As crianças vão para a escola? — Rebecca perguntou.
— Não, minha senhora — disse a Sra. Gundy. — São necessários aqui para
ajudar com a fazenda.
— Com a idade deles? Rebecca disse. — Eles não são um pouco jovens?
— Precisamos da ajuda, minha senhora — disse a Sra. Gundy, com os
lábios cerrados. — Que pode vir somente de nossa própria família.
Suas perguntas ficaram ressentidas, Rebecca percebeu. Obviamente a Sra.
Gundy era uma mulher orgulhosa que não gostava de ter a dama da mansão
instigando seus negócios. Era bastante compreensível. E Rebecca realmente
não tinha vindo interferir. Durante o resto da visita, conversou sobre temas
seguros, concentrando-se em estabelecer uma espécie de amizade fácil com os
inquilinos de seu marido.
Ela não lamentava quando a visita terminou.
— Isso não foi muito bem sucedido, eu receio —, disse ela, depois que
David a ajudou a subir na sela e eles tinham ido embora da casa. — O telhado
está vazando e as crianças não podem ir para a escola porque seu trabalho é
necessário na fazenda e a Sra. Gundy odeia o fato de que seu marido fuma um
cachimbo dentro de casa. Eu acredito que ela também se ressentiu do fato de
eu ter vindo visitá-la.
David parecia severo e pouco comunicativo.
— O Sr. Gundy foi mais amável? — Ela perguntou.
— Seu aluguel é muito alto —, disse ele em tom breve. — Foi aumentado
acentuadamente ano a ano, apesar da quase impossibilidade de ele pagar, um
aumento mais e ele será forçado a sair.
— Para ir para onde? — Rebecca perguntou. — Ele tem uma esposa e dois
filhos pequenos.
— E a ajuda tradicional da mansão com coisas como a reparação do
celeiro e do telhado da casa foi retida —, disse David. — Parece que eu não
posso pagar a despesa.
— Mas eu pensei que você estava prosperando —, Rebecca disse.
— Eu também. — Ele parecia sombrio. Espero que os Gundy seja um caso
excepcional.
Será fácil de corrigir se for.
— Você prometeu ajuda e uma redução no aluguel? — Rebecca perguntou.
— Não prometi nada — disse ele. — Tenho de investigar o que fazer
primeiro.
Não foi afinal de contas, uma boa manhã. A primeira visita foi um mero
prenúncio das quatro que a seguiram. Parecia que o aluguel de todos era
exorbitantemente alto. Cada centavo que ganhavam e que não ia para pagar o
aluguel estava sendo gasto em mera sobrevivência. Não havia dinheiro para
reparos essenciais e melhorias. E não havia nenhuma ajuda de Stedwell.
Apenas exigências constantes de mais dinheiro. Muito poucas das crianças
estavam frequentando a escola. Eles queriam que seus filhos estudassem, uma
esposa explicou a Rebecca. Eles tinham ambições para eles. Mas o que eles
poderiam fazer? Sua ajuda era necessária em casa.
— É incrível, David —, Rebecca disse quando eles finalmente estavam
indo para casa, um tanto cansados e desanimados, — que eles tenham sido tão
civilizados conosco como eles foram. Eles devem nos odiar com paixão.
— Eles não fazem isso —, disse ele, só porque eles acreditam que estamos
sofrendo como eles. Eles viram a condição da casa e os terrenos em Stedwell.
E eles sabem que eu estava no exército, lutando na Crimeia. Um visconde não
faz tal coisa a não ser que esteja em grandes dificuldades financeiras, ou assim
diz a teoria.
— E mesmo assim… — Rebecca disse.
— E ainda assim — disse ele com veemência. — Há algumas coisas que
preciso explicar Rebecca, talvez seja melhor você não me acompanhar nas
visitas de amanhã, ou em qualquer visita por um tempo.
— Por que não? — ela perguntou.
— Tenho a sensação de que nenhuma delas será mais agradável do que as
de hoje —, disse ele. — Você também pode ficar em casa.
— David, — ela disse calmamente, — nós estamos nisto juntos. Eu não me
casei com você para uma vida agradável e de facilidade, lembra? Você me
prometeu desafio. — Você prometeu que eu iria ajudá-lo. Não tente fazer de
mim um ornamento.
Ele olhou firmemente para ela por alguns momentos. — Talvez haja uma
explicação — disse ele. — Talvez nós apenas tenhamos visitado todas as
pessoas erradas esta manhã.
Eles andaram o resto do caminho para casa sem mais conversa.
****
David acordou com uma explosão de terror e alívio. Ele estava sufocando,
seu corpo molhado de suor. Ele jogou para trás as roupas de cama antes de
lembrar que ele não estava sozinho, como costumava ser quando o pesadelo
vinha. Ele virou a cabeça para olhar para Rebecca. Ela estava dormindo
silenciosamente do outro lado da cama, virou-se ligeiramente dele.
Deus! Sentou-se na beirada da cama e esfregou as mãos sobre o rosto. Seu
coração ainda batia como um martelo no peito.
Sempre o mesmo pesadelo. Tinha chegado a ele em primeiro lugar em
Scutari e tinha seguido ele de volta para a Crimeia e para casa na Inglaterra.
Não se esvaía com o tempo, como ele próprio dissera a si mesmo no princípio
que seria, mas estava ficando mais frequente e mais vívido. Às vezes,
chegava-lhe mais de uma vez numa noite. Às vezes, ele lutava contra a
exaustão para ficar acordado apenas para evitá-lo.
Ele se levantou e atravessou o quarto para ficar na janela, olhando para a
escuridão. A coisa aterrorizante sobre os sonhos, ele descobriu, era que eles
podiam distorcer horrivelmente o tempo. No sonho sempre levava o que
pareciam dez minutos para tirar sua pistola do coldre e atirá-la, embora
soubesse que, na realidade, levara apenas uma fração de segundo. No sonho,
havia tempo para que todos os tipos de coisas estranhas acontecessem dentro
daquela fração de segundo.
No sonho, ele sempre sabia o que estava prestes a fazer. Ele sempre soube
as alternativas e as consequências. Ele teve tempo de discutir consigo mesmo
se ele iria disparar apenas para fazer Julian deixar cair sua espada ou se ele
atiraria para matar. Ele já tinha tido o suficiente de Julian, de sempre encobri-
lo, desculpá-lo, esperando que ele crescesse e se tornasse um adulto
responsável. Nada jamais mudaria.
Era hora de se livrar de Julian em sua vida. Era hora de o matar. Se o
matasse, talvez tivesse uma chance com Rebecca.
Nunca mais haveria necessidade de enegrecer seu próprio nome para
proteger Julian. Sua disposição de mentir e se punir a fim de proteger Julian
sempre fora sua maior fraqueza. Não mais fraqueza. Ele ia ser forte.
E então ele sempre atirava para matar. Muito deliberadamente. Com
bastante sangue frio. Ele sempre odiava Julian no sonho. Não sentia nenhum
amor por ele. Apenas o desejo esmagador de matá-lo.
Deus! David fechou os olhos e apoiou a testa no vidro da janela. Ele estava
suando novamente. Seu eu acordado nunca poderia livrar-se do sonho. E se o
sonho fosse a realidade? E se o sonho tivesse apenas descoberto o que sua
mente consciente negava? E se a morte de Julian não tivesse nada a ver com
George Scherer? E se ele tivesse matado Julian porque o odiava e o queria
morto, porque ele queria Rebecca?
E agora ele tinha Rebecca. Ela estava adormecida na cama atrás dele.
Ele fez amor com ela apenas um par de horas atrás. Ela era sua esposa. Mas
por que ele se casou com ela? Só por causa da responsabilidade que sentia em
relação à viúva do homem que ele havia matado? Ou porque ele tinha a sangue
frio planejado para tê-la para si mesmo?
Ele tremeu com a frieza do ar noturno. Outro pensamento o assombrava
durante essa parte do pesadelo, embora não tivesse parte no sonho. E se as
ações de Julian tivessem sido em legítima defesa? E se George Scherer
estivesse tentando matá-lo e Julian não tivesse escolha a não ser defender sua
própria vida? E se tivesse sido uma situação de matar ou morrer? E, no
entanto, Scherer tinha estado do seu lado — era um marido ferido. Isso lhe
daria o direito de matar Julian? E no meio de uma batalha em que ambos
deveriam matar o inimigo e defender seus compatriotas?
As perguntas eram acadêmicas se a reação inicial de David à cena diante
de seus olhos tivesse sido a correta. Mas e se não fosse? Mesmo assim,
poderia ter ficado de pé e assistir Julian matar um homem caído com sua
espada?
O sonho, aterrorizante como era em si mesmo, sempre dava lugar a um
pesadelo que era mil vezes pior.
— David? — Uma leve mão tocou seu braço.
Ele se virou para encontrar Rebecca parada ao lado dele, olhando para ele
com alguma preocupação. Deus, ela era a última pessoa que ele queria ver no
momento — sua esposa, com suas roupas de noite e com os cabelos soltos nas
costas, no quarto de dormir. Toda a intimidade de uma cena doméstica. A
esposa de Julian.
— Volte para a cama, — ele disse áspero. — Você deveria estar dormindo.
— Você está bem? — ela perguntou. — Algo está errado?
— Nada está errado. — Ele olhou para ela. — Volte para a cama.
Sua mão caiu longe de seu braço. — Você estava respirando pesadamente
—, disse ela. — Eu pensei que você estava com dor.
— Um pouco de insônia — disse ele. — Eu sofro com isso ocasionalmente.
Não é nada com que você precisa se preocupar Rebecca.
— Fique fora da minha vida, — ela disse tão suavemente que por um
momento ele não tinha certeza do que ela tinha dito. — Esta é a maneira que
você sempre olhou e soou quando algo estava errado e alguém poderia ter-lhe
oferecido alguma simpatia, David. Fique fora da minha vida. Eu tinha
esquecido que era isso, tanto quanto qualquer coisa que costumava me fazer
não gostar de você.
Ele aspirou ar lentamente. — Volte para a cama, — ele disse. Seu tom mais
controlado. — Agradeço a sua preocupação, mas também a deixaria acordada,
Rebecca. Seria injusto.
— Foi um sonho ruim? — ela perguntou.
Seu controle frágil estalou de novo. — Sim, maldição, foi um sonho ruim
—, disse ele. — Não é grande coisa, apenas um sonho ruim, só isso. Você
quer-me colocar de volta na cama e alisar uma mão sobre a minha testa e me
assegurar que não há fantasmas nos armários, afinal?
Ela observou sua mandíbula endurecer na luz fraca da janela, embora ela
não se afastasse. — Eu costumava tê-los também —, ela disse, — eu
costumava acordar chorando e às vezes gritando. É a guerra, David? São
memórias de guerra que o incomodam?
— Sim — disse ele secamente. — Havia tanta morte, tanto horror e tanto
sofrimento, Rebecca… É de se admirar que os sonhos de um homem o
assombrem?
— Não, — Disse ela.
Voltou-se para a janela. Ele pediu a Deus que ela fosse embora. Era
impossível explicar que não era tanto o sonho como a vigília que se seguia ao
sonho o que mais devia ser temido. Ele não queria que justamente ela, entre
todas as pessoas, fosse entrar naquela vigília.
— Você sonha com ele? — Ela perguntou abruptamente.
— Sim.
— Você se culpa David? Sua voz não era mais do que um sussurro.
— Deus! — Fechou os olhos com força e apertou os dentes. Sentia-se
banhado em suor novamente. Ele queria que ela desistisse e se afastasse de
trás dele.
— Você continua imaginando que o salvou? — Ela perguntou. — Se você o
tivesse retido ou ido em frente em vez dele, você poderia tê-lo salvado? Mas
ele poderia ainda ter sido atingido por uma outra bala. Eu não sei como é uma
batalha David, mas eu sei que milhares de Homens morreram naquele único
dia, além disso, você não podia prestar atenção apenas em Julian, você era
responsável pela vida de todos os seus homens, não se culpe.
De repente, voltou-se para ela. — Você está certa, Rebecca — disse ele
entre dentes. — Você não sabe nada de como é a batalha. Não me diga
banalidades. E eu pensei que foi acordado que ele não seria mencionado entre
nós. Pensei que tivesse prometido que não o faria. Não é para acontecer de
novo, você me entende? Julian está morto. Deixe ele ir.
Seus olhos estavam enormes de choque.
— Volte para a cama — disse ele.
Ela se virou, mas ele agarrou seu pulso e girou-a de volta para encará-lo. O
que ele tinha feito? Mas palavras de desculpas não poderiam forçar-se através
do tumulto de sua mente. Ele a puxou contra ele e baixou a boca para a dela.
Não foi um beijo terno. Os fantasmas o atacaram e ele lutou para bani-los,
para impor a realidade do presente nos sonhos e horrores do passado. Ela era
sua esposa. Tinham se casado menos de três dias antes. Esta era sua lua de
mel.
Ela estava agarrando-se a ele quando ele levantou a cabeça novamente, seu
corpo arqueado para o dele, mantido lá por toda a força de seus braços. Mas
ela não fez nenhum protesto. Ela deveria ter dado uma bofetada no rosto dele.
Em vez disso, ela estava fazendo o papel de esposa obediente, como ele
suspeitava que ela sempre faria.
Sua raiva se intensificou. Ele a odiava naquele momento. Ele se abaixou e a
levantou em seus braços, caminhou até a cama e jogou-a sobre ela.
Ele se inclinou sobre ela, puxando sua camisola com um puxão de ambas as
mãos sob seus braços. Ele se ergueu sobre ela, separando suas pernas com os
joelhos e ajoelhando-se entre elas. Ele levantou sua camisola até o queixo com
ambas as mãos enquanto ele abaixava a cabeça para um de seus seios e
tomava-o em sua boca, sugando para dentro, lavando o mamilo enrijecido com
a língua.
Ele a ouviu respirar fundo e sentiu seu controle em pedaços.
E sentiu-a lutando por controle enquanto movia sua boca para seu outro
seio, e ganhando. Seu corpo começou a relaxar sob ele. Ela estava se tornando
como sempre a esposa submissa. Ela lhe permitiria sua vontade, não
importando quanta indignidade ele planejara para ela.
— Maldição —, ele sibilou, erguendo a cabeça e olhando para os olhos
arregalados dela. — Lute comigo, responda-me.
Ela balançou a cabeça lentamente. Ele podia sentir sua perplexidade e isso
o enfurecia. Ela estava deitada na cama com as mãos abaixadas contra o
colchão.
— Você queria me confortar —, ele disse com fúria silenciosa contra sua
boca. — Você queria banir meus pesadelos. Bane-os. Banir as memórias. Dê-
me um pouco do que você costumava dar a Julian.
Ela choramingou enquanto empurrava sua língua em sua boca. Ele a retirou.
Ele deslizou suas mãos debaixo dela, segurando suas nádegas, segurando-a
firme enquanto ele baixava seu peso sobre ela e se empurrava para dentro
dela. Ele bombeou rápido e fundo, sua cabeça enterrada contra seu cabelo,
seus olhos bem fechados. Banir as memórias. Destrua as memórias, Rebecca.
Meu amor. Coloque seus braços ao meu redor e me segure. Seus dentes
estavam presos. As palavras não foram pronunciadas em voz alta.
Ele gritou em sua liberação e caiu descontraído sobre ela. Ele percebeu que
o sono estava prestes a envolvê-lo, e o que ele tinha feito. E lembrou-se de
algumas das palavras que tinha falado. Maldito! — Dê-me um pouco do que
você costumava dar a Julian.
E a voz de seu pai — agora parece que ele está chegando até mesmo além
do túmulo para nublar sua felicidade.
Ele levantou-se para longe dela e para fora da cama. Ela estava ao lado
dele, de costas para ele. — Desculpe Rebecca — disse ele. Sua voz soou
cortante e abrupta. Ele procurou em sua mente, mas não havia outras palavras
que pudessem ser ditas.
E ela não disse nada, é claro. Atravessou para o seu quarto de vestir, entrou
silenciosamente e fechou a porta atrás dele.
Ele passou a maior parte do resto da noite em pé na ponte de arco triplo a
uma curta distância da casa, olhando para baixo, para as águas negras e
rápidas.
****
Era uma das coisas mais difíceis que Rebecca se lembrava de ter feito:
deixar seu quarto de vestir para descer para tomar café da manhã seguinte. Ela
havia ficado acordada durante toda a noite depois que ele partiu, incapaz de
dormir, com medo de que ele voltasse. Com medo de que não. Ela não se
sentia alerta o suficiente agora para enfrentar o que tinha que enfrentar.
Embora ela não soubesse o que era isso.
Ela estava com medo dele. Aterrorizada. Ele não era um cavalheiro. Ele
era selvagem como ela sempre soubera que era, quando ele não estava sob a
aparência tranquila, quase austera que ele apresentava ao mundo. Ele não tinha
mudado nada.
Nenhum cavalheiro teria tratado sua esposa como ela tinha sido tratada
durante a noite. Seu rosto queimava com as lembranças da paixão que ele tinha
desencadeado sobre ela. Estava quase nua. E ele a tocou, com a boca.
Ela estava com medo dele. Talvez mais do que tudo porque ela estava
animada com isso. Repelida, horrorizada, aterrorizada… e excitada. Lute
comigo, ele ordenou. E ela queria lutar. Ela queria golpeá-lo pelo que ele
estava dizendo a ela e o chicotear com os punhos, pernas e todo o corpo pelo
que ele estava fazendo com ela. Mas ela tinha ficado aterrorizada por pensar
onde tudo aquilo poderia levar. Aterrorizada pelo desconhecido.
Além disso, o papel de uma mulher era ser uma mulher o tempo todo. No
controle, em todos os momentos. Submissa ao marido sempre. No entanto, ele
lhe tinha ordenado que lutasse contra ele, respondendo a ele. Ele não era um
cavalheiro, comandando o impossível. Ela estava certa em não gostar dele em
toda a sua vida. O controle nunca tinha sido tão difícil de segurar como tinha
sido ontem à noite. Mas ela tinha segurado. Ela ficou calada e imóvel sob o
ataque. Ela tinha sido obediente a sua educação e treinamento, e no processo
ela tinha sido desobediente a seu marido.
Ela não sabia como ela iria enfrentá-lo. E ela se sentia tão complacente por
dois dias inteiros, pensou amargamente. Ela estava tão convencida de que
haviam se estabelecido rapidamente em um arranjo de negócios perfeitamente
amigável. Não, mais do que isso. Ela tinha pensado que talvez estivessem
mesmo estabelecendo o que poderia afinal de contas ser um relacionamento
afetuoso. Ela estava se sentindo quase feliz.
Ela desceu as escadas lentamente, mas com passos que se recusavam a
hesitar. Dê-me um pouco do que você costumava dar a Julian. Ela quase
perdeu o equilíbrio. O que ele queria dizer? Ele estava exigindo seu amor
depois de tudo?
Ele estava na sala de café da manhã, sentado à mesa. Tinha esperado que
talvez tivesse almoçado cedo. Mais isso agora também. Ele tinha que ser
enfrentado em algum tempo. Ela enrijeceu sua espinha e ensinou seus traços
para mostrar nada além de um rosto calmo de manhã.
Seu próprio rosto estava fechado e sombrio.
— Bom dia — disse ela.
— Bom Dia. — Ele se levantou para ajudá-la a se sentar em seu lugar. O
cavalheiro perfeito mais uma vez. O ser civilizado novamente.
Eles conversaram de forma constante e cortês durante o café da manhã,
planejando as atividades do dia. Tudo o que disseram foi falado para os
ouvidos do servo que estava no aparador.
— Eu tomaria um momento de seu tempo se você puder dispensá-lo,
Rebecca, David disse finalmente, quando ambos tinham terminado de comer e
se levantavam.
— Claro —, disse ela.
Ele levou-a em silêncio para o escritório e fechou a porta atrás dele antes
de falar.
— Eu te devo um pedido de desculpas, Rebecca, — ele disse, levantando
seus olhos para os dela e fitando-a com um olhar fixo. — Eu faço isso com
toda sinceridade, meu comportamento foi imperdoável.
— Eu sou sua esposa, David —, ela disse calmamente.
Mas as palavras não lhe agradavam. Ela observou sua mandíbula
endurecer.
— Esse fato não me desculpa —, disse ele. — No futuro, quando tiver o
pesadelo, deixarei o quarto e assim te protegerei. Eu te aviso que é melhor eu
ficar sozinho nessas ocasiões.
— Peço desculpas — disse ela. — Pensei em ajudar.
Ele manteve seu olhar, sua expressão insondável. — Ele era uma parte
importante de nossas vidas —, disse ele. — Eu não acredito que possamos
passar o resto da vida sem nunca falar seu nome, Rebecca. — Você me fez uma
promessa antes de nosso casamento que eu não exigi, embora o fizesse ontem à
noite. Obrigando você a obedecer ao comando. Você deve falar de Julian
sempre que você sentir necessidade.
Ela engoliu em seco.
— Gostaria de poder tornar mais fácil para você — disse ele, virando-se
bruscamente para ela.
— David, — ela disse, — eu quero me manter ocupada com esta minha
nova vida. Há tanta coisa para fazer. Eu tenho desejo de ter filhos.
— Bem então. — Sua voz mais suave. Ele estava de costas para ela, as
mãos apoiadas na mesa. — É melhor irmos com isso. Visitas às casas de
alguns trabalhadores esta manhã e a esperança de que o que observámos ontem
não se aplica a eles pelo menos. Eles não pagam aluguéis, afinal. Quão rápido
você pode estar pronta para sair?
— Dez minutos? — ela disse.
Ele acenou com a cabeça e se virou para passar por ela para segurar a
porta aberta para ela. Seu rosto era uma máscara impassível, uma que para ela
era tão familiar como a do passado. Por mais que ela tivesse desaprovado as
brincadeiras de sua infância, sempre estivera disposta a mostrar-lhe alguma
simpatia depois que ele tivesse saído de um confronto com seu pai, o que
inevitavelmente envolvia uma surra. Ele nunca permitiu sua simpatia ou de
qualquer outra pessoa. Ele nunca permitira que alguém entrasse. David tinha
guardado muito para si mesmo. E assim, ao longo dos anos, ela tinha chegado
a não gostar dele.
Na noite anterior, ela tinha visto pela primeira vez o lado mais selvagem e
cruel de David e até tinha sido vítima dele. Agora, esta manhã, ele tinha
voltado ao seu eu incomunicável. E, no entanto, a noite anterior tinha havido
mais do que crueldade — ela tinha vislumbrado dor nele. Era a dor que
causava a violência. Mas ele ainda não a deixaria entrar. Deixaria seu quarto
no futuro quando tivesse os pesadelos, ele dissera. Ele manteria sua dor para
si mesmo.
Ele se manteria sozinho.
Subiu apressada para trocar a roupa de montar.
Capítulo 11
Tudo era muito pior do que ele jamais sonhara, descobriu David nos dias
que se seguiram, enquanto gradualmente visitava cada operário em seu
emprego e cada inquilino que alugava as terras dele. Na verdade, não
esperava encontrar nada de ruim. Os relatórios que tinha recebido ao longo
dos anos indicaram a prosperidade crescente em sua propriedade. O único
fato negativo que ele tinha sabido sobre ele era que a casa estava caindo na
negligência — mas isso era só porque ele nunca tinha visto a necessidade de
mantê-la.
O que agora estava descobrindo era uma propriedade que se enriqueceu
com a exploração de seus trabalhadores e inquilinos. Os chalés dos operários
dificilmente podiam ser habitados. Seus homens e suas famílias eram magros e
indiferentes à desnutrição — parecia que ele não poderia poupar-lhes
nenhuma terra em torno de suas casas para cultivar sua própria comida, e seus
salários só lhes comprariam as necessidades básicas. Havia muita doença,
especialmente entre as crianças e os idosos.
Perguntava-se sobre a escassez de crianças e jovens mais velhos até que
alguém lhe explicou que geralmente saíam de casa assim que conseguiam
procurar trabalho nas cidades industriais.
A maioria deles foi bem sucedida, mas eles viviam tão desesperadamente
lá como seus pais faziam em casa. Raramente havia dinheiro para gastar ou
enviar de volta.
Alguns dos seus trabalhadores pareciam resignados. Afinal, eles eram
muito pouco diferentes da maioria dos outros trabalhadores agrícolas que
conheciam. Os tempos eram ruins para aqueles que viviam fora da terra. Isso
era tudo o que havia a dizer sobre isso. Alguns eram amargos. Seus pais e seus
avós e gerações anteriores tinham vivido confortavelmente da terra. Estariam
agora e seus filhos, obrigados a entrar nas cidades, onde não tinham nenhum
desejo de estar?
Nenhum parecia amotinado. Seu senhor, afinal, estava sofrendo por
momentos difíceis também. Não havia dinheiro em lugar algum.
Só David parecia sentir qualquer emoção profunda. Estava furioso. Ele não
confrontou seu mordomo até que suas visitas tivessem sido completadas, mas
ele o fez eventualmente, esperando que ele pudesse segurar seu temperamento
o suficiente para que ele não socasse o homem além de demiti-lo.
E, no entanto, não o fez nem quando chegou ao ponto. Quigley tinha sido um
excelente mordomo. Seu trabalho ao longo dos anos tinha sido cuidar para que
a propriedade de seu senhor ausente prosperasse e lhe rendesse riqueza. Em
que ele tinha sido eminentemente sido bem sucedido. O fato de não demonstrar
compaixão pelos agentes humanos desse sucesso era realmente irrelevante
para a situação. Não era seu trabalho demonstrar compaixão.
Esse era o trabalho de seu senhor.
Mas seu senhor tinha estado ausente, vivendo sua própria vida, aceitando
os relatórios de Stedwell pelo seu valor nominal, completamente descuidado
do fato de que várias centenas de pessoas estavam direta ou indiretamente
dependentes dele para sua própria sobrevivência. Tinha estado muito ocupado
desde que alcançou a idade adulta formando uma carreira para si mesmo nos
Guardas. Uma carreira que ele tinha empreendido para que ele pudesse fugir
da mulher que ele amava, mas nunca poderia ter.
Ele poderia ter começado uma carreira como proprietário de Stedwell e
feito melhor. Julian não o teria seguido até Stedwell, exceto como visitante
ocasional. David não teria tido ocasião de matar Julian em Stedwell. Ele
poderia estar vivendo lá agora, talvez sozinho, talvez com uma esposa
diferente, mas certamente com a consciência limpa.
Agora ele estava agoniado pela consciência. A culpa o atacava de todos os
lados.
— Obrigado, Quigley —, disse ele quando a entrevista terminou, olhando
pela janela de seu escritório, — isso será tudo por agora. Pretendo
permanecer em Stedwell agora que finalmente vim para aqui e assumirei o
controle. Mas eu vou precisar de seu conhecimento e perícia e sua habilidade
na contabilidade. Talvez você encontre seu trabalho menos oneroso de agora
em diante.
— Sempre foi um prazer servi-lo, milorde — disse o criado com
sinceridade.
David continuou a olhar pela janela depois que o homem partiu.
Ele tinha as listas de Rebecca em uma pilha em sua mesa. Ele as tinha lido
com ela um par de dias atrás. Ela havia estimado os custos de alguns itens; Ele
tinha feito o mesmo para os outros. Algumas coisas nenhum deles tinha
qualquer ideia sobre o custo, mas tinha custado o que parecia um pouco acima
de uma estimativa razoável. A casa e o jardim seriam magníficos quando tudo
fosse feito. Como ele esperava, ela tinha um olho infalível para o que era
necessário.
Tinha sido a perspectiva de transformar sua casa em uma casa adequada
para um visconde e viscondessa que finalmente a influenciou a aceitar sua
oferta de casamento. Ele sabia disso. Ela não se casaria com ele se não tivesse
a perspectiva de algo útil para preencher seus dias. Prometera-lhe um criado.
A apresentação dessas listas para sua aprovação tinha sido uma mera
formalidade, mas é claro que Rebecca sempre observaria a hierarquia. Para
ela, ele sempre seria mestre pela simples razão de que ela se tinha casado com
ele.
Sua mandíbula se enrijeceu enquanto apertava os dentes. Caminhou,
propositadamente, para a campainha ao lado da lareira e disse ao criado que
respondeu a sua convocação para pedir a sua senhoria que se juntasse a ele no
estúdio, se lhe fosse conveniente.
Ela chegou dentro de cinco minutos.
— Rebecca, — ele disse, — sente-se, precisamos conversar. — Ele
indicou uma confortável poltrona diante da mesa, esperando que ela estivesse
sentada antes de se sentar atrás da mesa. — Sobre essas listas.
— David —, ela disse, — essas pessoas precisam de comida e remédios.
Eu estou enviando alguém para a cidade amanhã com uma lista dos
medicamentos que eu preciso. A comida pode ser colhida a partir dos jardins
aqui ou comprada na aldeia e alguma pode até ser cozinhada aqui.
— Claro —, disse ele. — Isso faz parte de seu domínio, Rebecca.
Você não precisa de minha permissão se é isso que você está pedindo. ''
— Eu quero sua permissão para dispensar o chef —, disse ela. — Com uma
boa referência e talvez um mês de salário, ele não terá nenhum problema em
encontrar outro emprego em Londres. Ele não se encaixa aqui, David. Ele é
desdenhoso do resto da equipe e tem inspirado a sua aversão. Apesar dos seus
pratos serem magníficos, eles não seriam adequados para cestas de comida,
ele está fazendo uma grande confusão sobre os meus pedidos de comida
simples.
— Você deve dispensá-lo, então — disse ele. — Os criados são de sua
responsabilidade, Rebecca.
— Obrigada — disse ela. — A mulher que costumava cozinhar aqui mora
na aldeia com sua irmã, ela não tem outro emprego.
Os criados todos concordam que ela era uma boa cozinheira, mas a sra.
Matthews achava que seus pratos não agradariam aos nossos paladares
aristocráticos.
As pessoas são tolas. Desejo recontratá-la. O trabalho deve ser oferecido
localmente, de qualquer maneira. Essas pessoas precisam de emprego.
— Espero que você lide com o assunto —, disse ele. — E não, não me
importo com pratos simples, Rebecca, contanto que eles estejam bem
preparados… Passei anos com o exército, lembre-se.
— Eu vou começar a tricotar meias para as crianças —, disse ela. — Você
notou quantos deles estavam descalços, David, com o outono a aproximar-se?
Talvez algumas das mulheres possam tricotar. Se eu fornecer a lã para elas,
talvez elas possam ficar ocupadas com lenços, luvas e xales. Eu vou ver o que
pode ser feito, de qualquer forma.
— Parece uma boa ideia —, disse ele. — Vou deixá-la para organizá-lo,
Rebecca.
— Eu pretendo visitar a escola amanhã —, disse ela. — É sob o seu
patrocínio, David? Quero ver se tem todos os suprimentos necessários e se ela
está equipada para ter mais alunos se eu puder persuadir mais pais para enviar
seus filhos. A Sra. Appleby disseme que é pouco frequentada.
— Rebecca — disse ele —, desejo falar com você sobre esses planos de
renovação. Ele colocou uma mão em cima da pilha de suas listas.
Seus olhos descansaram em sua mão por um momento antes que ela se
levantasse, aparentemente com alguma agitação. — David, — ela disse, eu não
posso… eu sei que era por isso que você precisava de uma esposa, eu sei que
foi por isso que você se casou comigo. Ele a ouviu respirar e inspirar. —
Bem, eu me casei com você e agora você é meu marido, qual é a sua vontade,
então, o que você decidiu? — Ela se virou e sentou-se em silêncio de novo.
Sentiu um pouco do temor e da tensão aliviar em seu corpo. Ele poderia ter
sabido. Claro, ela era Rebecca. Ele poderia ter sabido.
— Quais itens nessas listas são absolutamente necessários? — ele
perguntou.
Ela apertou as mãos no colo. Ele podia ver a brancura de seus nódulos. Ela
pensou por vários momentos. — As chaminés precisam ser limpas —, disse
ela. — Parece que os criados geralmente concordam que existe um perigo de
incêndio nelas, se não forem varridas em breve, mas a Sra. Matthews deveria
tê-lo visto antes.
Ele esperou por mais, mas ela parecia ter terminado.
— Deve ser feito imediatamente, então —, disse ele. — Antes do inverno,
você cuidará disso?
— Sim, David. Ela olhou em seus olhos.
— Essas casas têm de ser habitáveis antes de começar o inverno —, disse
ele.
Ela assentiu com a cabeça.
— E seus salários precisam ser aumentados para que eles possam comprar
alimentos saudáveis —, disse ele. — Eles não podem confiar inteiramente na
caridade da casa.
— Não. — Disse ela. — Eu estava um pouco preocupada com isso. Eu
pensei que eles poderiam vir a se ressentir se eu chegar muitas vezes com
cestas. Eu entendo que o orgulho das pessoas às vezes é mais importante para
eles do que o conforto.
— E eu vou ter que reduzir os aluguéis —, disse ele. — Para os níveis do
ano passado no início, eu acho. E mais depois, se for possível, eu vou ter que
ajudar com as reparações pendentes.
— Sim — disse ela.
Ele olhou para longe dela e olhou para baixo imediatamente, para a pilha de
planos e estimativas cuidadosamente escritos. — Eu trouxe você aqui sob
falsos pretextos, Rebecca —, disse ele. — Ofereci-lhe uma vida segura de
luxo como minha viscondessa. Ofereci-me para permitir que você criasse esse
luxo para si mesma.
— Eu não me lembro da palavra luxo sendo usada —, disse ela.
— Ficou sem dizer? — ele perguntou. — Eu avisei você sobre a miséria de
Stedwell, mas prometi que seria apenas temporário.
— Eu me casei com você para que houvesse um sentido de propósito na
minha vida —, disse ela. — Acho que estou ficando com mais do que eu
esperava David. Meus deveres como sua viscondessa estão ameaçando me
dominar, tenho mais entusiasmo para o futuro do que pensava que seria
possível ter novamente.
Ele ergueu os olhos para os dela mais uma vez. — Só que não haverá o
dinheiro para todo o trabalho de restauração se eu for corrigir os erros dos
anos anteriores com o meu povo —, disse ele. — Não no momento, talvez no
próximo ano.
— Além do mais — disse ela —, seria criminoso para nós sermos vistos
criando uma vida de luxo quando seus dependentes estão apenas subsistindo,
David.
Nunca pensei nisso antes. É um crime, não é?
— Devemos viver a vida para a qual nascemos —, disse ele. — E
tentarmos fazê-lo em paz com as nossas consciências.
— Mas poderíamos ter nascido tão facilmente em uma dessas casas. — Ela
disse. — Não fizemos nada para merecer nossa vida de privilégio, não é?
— Você não vai se importar, então, — ele disse, — se colocarmos essas
listas de lado por um tempo?
Ela abanou a cabeça. — É um alívio —, disse ela. — Pensei que talvez
você não entendesse, sinto muito, David, você tem compaixão por aqueles que
estão sob seus cuidados.
Ele ficou de pé, envergonhado e absurdamente satisfeito com seu louvor. —
Deve ser hora do chá —, disse ele. — Vamos subir? É a primeira tarde que
não tivemos visitantes?
— As pessoas foram muito atenciosas —, disse ela. — Nós devolvemos as
três primeiras visitas, mas temos mais cinco para fazer, já temos dois convites
para jantar — para os Sharps e para Mr. Crispin.
Ele colocou uma mão na parte inferior de suas costas enquanto eles saíam
da sala. Ela se sentia quente e feminina, apesar das roupas que usava. Tais
toques desapaixonados eram tudo o que ele se permitiu com ela em vários dias
— desde aquela noite desastrosa quando ela entrou em sua vigília depois do
pesadelo, de fato. Ele lhe ofereceu o braço quando chegaram à escada.
Foi um enorme alívio saber que ela havia aceitado suas decisões sobre
Stedwell. Ele tinha muito medo de que ele teria que lidar com o seu mau
humor na melhor das hipóteses, discussões na pior das hipóteses. E, no
entanto, seus medos pareciam absurdos agora. Ele não podia imaginar
Rebecca mal-humorada ou em birras.
Ela era uma mulher perfeita. A senhora perfeita para a mansão.
Era a razão de ele ter feito do sofá na biblioteca sua cama para as últimas
três noites. Embora ele tivesse se desculpado com ela e fizesse as pazes com
ela, ele não podia nem se perdoar nem confiar em tê-la mais perto de si. Ele a
usara para punir sua própria consciência.
Dê-me um pouco do que você costumava dar a Julian. Ele ainda podia
ouvir a si mesmo dizendo as palavras. Ele não podia livrar-se delas. Elas
nunca tinham invadido seus sonhos, mas elas estavam lá como um pesadelo
constante em sua mente acordada.
Ele ainda estava com ciúmes de Julian. Ele nunca iria colocar seu fantasma
para descansar.
E ele não poderia, afinal de contas, estar contente com apenas o que ela era
capaz de dar. Ela deu isso — sem hesitação ou reclamação. Mesmo quando
ele a tinha atacado tão cruelmente, ela tinha dado seu corpo sem se encolher.
Mas não foi suficiente. Ele estava enganando a si mesmo por pensar que
seria. Seu pai tinha visto, mas ele se recusara. Ele a desejava tanto que ele a
teria levado em qualquer dos termos. E é claro que ele precisara se casar com
ela, para lhe oferecer a proteção de um nome de casada e um lar.
Ele estava contente pelo menos porque eles pareciam estar em harmonia
sobre seus deveres como senhor e senhora de Stedwell. Esse foi um pequeno
conforto em uma existência largamente sem conforto. Mas ele sabia que nunca
poderia haver nada mais pessoal entre eles. Se ele quisesse colocar os
interesses dela em primeiro lugar, — e durante muito tempo esse fora o foco
de sua vida, fazer exatamente isso —. Então ele devia dar-lhe o conforto de
um lar próprio e de todas as atividades que o acompanhavam menos deixá-la
com suas lembranças de um casamento perfeito, cheio de amor. Talvez ele
devesse a Julian a vitória final. Possivelmente, embora ele sempre sentisse
uma fúria impotente quando pensava em como o amor de Julian era
inconstante.
Eles conversaram durante o chá, como sempre fizeram, como pessoas
educadas e não estranhos amigáveis. Ele deixou que seus olhos se deleitassem
com ela enquanto falavam — a única parte dele que agora permitiria fazê-lo.
Sempre ficara fascinado por seu comportamento disciplinado. Sua espinha
nunca tocou as costas de qualquer cadeira em que ela se sentou, mas estava
sempre reta. O corpete de seu vestido, de decote alto era moldado pelo
espartilho, e terminava em uma cintura pequena. Os espartilhos devem ser
terrivelmente desconfortáveis, pensou, e eram completamente desnecessários.
De quem teria sido a ideia, imaginou ele, de pensar que os homens achariam
uma figura enjaulada atraente?
No entanto, Rebecca parecia atraente. Sua saia cheia estava disposta
ordenadamente sobre ela. Seu cabelo dourado estava em seu estilo normal e
suave. Ele podia se lembrar de como se sentia com ele espalhado sobre seu
braço nu, e como ele cheirava.
Ela poderia ser incrivelmente voluptuosa se ela escolhesse ser. Mas então,
claro, ela não seria Rebecca. Era a sua própria disciplina, nitidez e até mesmo
seu formalismo, que ele sempre amou.
Ele havia tentado tanto impressioná-la durante sua infância. Mas Julian
continuava fazendo coisas irrefletidas e às vezes até cruéis, e era impossível
quebrar o hábito da infância de assumir a culpa para si mesmo, para que seu
pai não mandasse Julian embora — criança tola que tinha sido jamais devia
ter temido que isso pudesse acontecer.
E então ela nunca tinha ficado impressionada com ele. Talvez ele devesse
ter feito as coisas de forma diferente desde o início, preocupar-se mais com
sua própria reputação e perspectivas futuras. Mas então ele não podia voltar
atrás. Era inútil desejar que pudesse.
Tinham ficado em silêncio sem que ele nem percebesse, até que a viu
ruborizada e seu copo estremeceu ligeiramente contra o pires enquanto o
colocava.
— David, — ela disse, — eu deveria ter pensado nisso em seu estúdio
mais cedo, quando você perguntou. Talvez haja outra questão que seja
urgentemente necessária para fazer.
— Sim? — ele disse.
— Talvez devêssemos comprar um novo colchão para o meu quarto —,
disse ela. — Eu já ordenei à Sra. Matthews que jogasse o outro fora, eu seria
capaz de me mudar para meu próprio quarto, se fosse substituído. Seria uma
despesa muito grande no momento?
— Você tem um quarto — disse ele. — O quarto principal.
— Mas é seu — disse ela. Ela hesitou. — Onde você esteve dormindo?
Você tem certeza de que a cama está bem arejada?
Ele se levantou. — Não importa onde eu tenha estado dormindo, — Ele
disse. — Na biblioteca, na verdade, eu não preciso de muito sono, fico
inquieto à noite e muitas vezes tenho maus sonhos.
A Sra. Matthews prepara outro quarto para mim. Talvez você queira cuidar
disso?
Ela também se levantou. — Sim, — ela disse calmamente. Mais uma vez
com hesitação.
— David, fiz alguma coisa para te desagradar?
Ele fechou os olhos brevemente. Sim, ela o veria assim. Ela não gostava de
sexo com ele. Ela achou isso repugnante, embora ela tivesse negado fazê-lo.
Tinha sentido ela se esforçando para suportar a provação. E, no entanto,
considerava seu dever proporcionar-lhe acesso ao seu corpo para seu prazer.
Ela provavelmente tinha sido criada para ver isso como seu dever de
casamento mais importante.
— Nada — disse ele, obrigando-se a caminhar em sua direção. — Nada,
Rebecca.
— Se eu tiver —, ela disse, — por favor me diga, eu não queria aborrecê-
lo na outra noite, pensei que talvez pudesse ajudá-lo a falar, não acontecerá
mais, David. Agora que eu sei que você prefere ser deixado sozinho, eu não
vou interferir. Eu sei que às vezes é difícil ajustar a vida para a perda de
privacidade que o casamento traz. O casamento não é fácil. Eu posso entender
que às vezes você preferiria estar sozinho. Eu estou tentando aprender suas
maneiras e suas preferências o mais rapidamente possível.
— E eu não tenho nenhuma obrigação de aprender as suas? Sua voz era
mais dura do que ele tinha pretendido que fosse.
Ela mordeu o lábio.
— A união é toda dada pela esposa e toda tomada pelo marido? — ele
disse. — Acho que é um relacionamento muito bom, e uma existência muito
satisfatória para o homem.
Ela engoliu em seco.
— Eu não preciso que você se debilite por mim, — disse ele. — Você deve
ter maneiras e preferências, opiniões e sentimentos também, Rebecca. Se você
discordar de algo que eu digo, então diga. Se eu pisar em seus dedos do pé,
carimbe nos meus. Se eu estou zangado com você, como eu estou agora, grite
de volta para mim. Me bata. Eu não tenho nenhuma razão para estar zangado
com você. Você apenas expressou o desejo de me agradar.
A raiva o tomara completamente de surpresa. Não havia motivo para isso.
Ele ficou bastante perplexo com isso. Parecia quase que as mesmas qualidades
pelas quais ele sempre a amara — a sua mansidão, como uma dama, agora lhe
causavam fúria. Ele queria que ela se zangasse com ele. Ele merecia sua raiva.
Talvez ele se sentisse melhor se ela lhe atacasse.
Melhor sobre o quê?
— Você sempre foi difícil de entender, David — disse ela. — Eu sabia que
viver com você não ia ser fácil. Mas eu pensei que depois que nós tivéssemos
casado, e que eu assumisse o relacionamento de esposa com você, seria um
pouco menos difícil. Eu saberia o meu papel, meus deveres e
responsabilidades. Pensei, mas me parece que sou incapaz de lhe agradar.
— Você está desculpada. — Ele agarrou seu pulso. — Maldita seja,
Rebecca. Nunca se desculpe por nada. Se é comandos que você quer de mim,
então preste atenção a esse. Nunca se desculpe. Você não tem nada para se
lamentar.
— Acho — disse ela calmamente — que você está levando consigo
terríveis demônios dentro de você, David, mas não posso perguntar o que são.
Você acha impossível se revelar a mais alguém, não é? Menos do que todos
para mim.
— Por que menos do que todos para você? Ele soltou seu pulso.
— Porque eu era a esposa de Julian —, ela disse, — e você não pode parar
de culpar a si mesmo por sua morte, você pode? — Você não pode parar de
pensar que deveria ter havido algum jeito de você o salvar. Eu sei agora por
que você se casou comigo. Isso me intrigou, já que você poderia ter esperado
pelo amor. Você poderia ter tido quase qualquer mulher que você quisesse.
Mas você se casou comigo porque se sentiu culpado por Julian. Você pensou
que lhe devia alguma coisa. Você pensou que me devia algo.
Seu rosto estava ficando frio como se todo o sangue estivesse escorrendo
de sua cabeça. O ar que respirava era gelado.
— Bem, é um fato consumado agora —, disse ela. Você pagou a sua dívida
imaginária tanto para Julian como para mim. Estamos casados, Julian está
morto e você e eu estamos casados. David se você não gosta de ter uma
esposa que está determinada a cumprir seus deveres, eu sinto muito. Eu não
posso mudar na medida em que você pede. Eu não posso aprender a
responder-lhe de volta ou a lutar com você. Eu só posso ser o que eu fui
criada para ser.
Deus. Oh Deus!
— Você era uma esposa obediente a Julian — disse ele.
— Sim, eu tentei ser.
— E agora é uma esposa obediente para mim.
— Sim, estou tentando.
— Com uma diferença essencial —, disse ele.
Ela mordeu o lábio novamente. — Não David —, ela disse, sua voz
implorando. — Por favor, não! Estamos casados há apenas uma semana, mas
eu não tenho nada de você, não estou pensando no passado, o passado se foi,
quero ser uma boa esposa.
Ele levantou uma mão e segurou uma das faces dela com ela. Ele correu um
polegar levemente em sua bochecha. — Você é uma boa esposa, Rebecca —
disse ele. — Muito melhor do que eu mereço. — Ele riu suavemente sem
sentir nenhum divertimento. — É que sou um pobre marido, tenho tido menos
prática do que você e não tenho certeza, de que mesmo se tivesse tido mais,
seria melhor nisso.
Ela apoiou a bochecha em sua mão.
— Temos muito trabalho pela frente —, disse ele. — Nós dois.
Muito mais do que esperávamos e muito mais importante do que
esperávamos, uma vez que envolve pessoas em vez de coisas. Vamos lançar-
nos a ele de corpo e alma, é o que devemos fazer, e adiar assuntos mais
pessoais até uma data posterior?
Ela ficou em silêncio por um tempo. — Se você quiser — disse ela.
— Eu quero —, disse ele. — Vê a respeito de ter esse quarto feito para
mim, você continuará a ocupar o quarto principal, onde você pertence.
— Se você quiser, — ela disse de novo.
Ele abaixou a mão e atravessou a sala até a porta. — Posso acompanhá-la
até seu quarto? — Ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça e aproximou-se dele.
— Rebecca — disse ele, parando com a mão na maçaneta da porta — , não
é porque você tenha feito nada para me desagradar, não quero que você pense
nisso.
Seu aceno de cabeça era quase imperceptível.
****
Ela começou a achar difícil dormir à noite. Às vezes ela ficava acordada
simplesmente olhando para a escuridão. Às vezes, ela estava de pé na janela
onde ele estava naquela noite, até que o frio do quarto a levava de volta sob as
cobertas. Às vezes, ela perambulava até seu próprio quarto na escuridão,
perguntando-se se ela acharia mais fácil dormir lá, se houvesse apenas uma
cama para dormir. Afinal de contas, não era o quarto de David.
Ela deveria estar feliz. Pois depois de tudo ela tinha o melhor dos dois
mundos. Ela tinha todas as vantagens do casamento sem o único desagrado. Se
David quisesse dizer o que tinha dito na sala de estar, eles deviam dormir
separadamente por um longo período indefinido. Talvez para sempre. Devia
parecer um casamento de sonho.
No entanto, ela não estava feliz. Eles trabalhavam bem juntos durante o dia
e até pareciam compartilhar algo parecido com uma amizade. Eles passavam
um bom tempo na companhia um do outro e nunca encontraram uma conversa
difícil. Mas não havia nada para dar uma dimensão pessoal ao seu casamento.
Eles eram mais parecidos com parceiros de negócios do que com um casal.
Não deveria ter importado, mas importava sim.
Não teria importado com Julian, ela pensou. Se Julian, por algum motivo,
tivesse decidido parar de vir para sua cama, não se teria preocupado. Havia
tanta proximidade durante seus dias, tanto amor, tanta sensação de estar
casada. O que acontecera todas as noites em sua cama não tinha sido
necessário para sua felicidade. De fato, ela teria saudado sua ausência.
Mas, curiosamente, importava com David. Era tudo o que os ligava juntos
como homem e mulher. Não havia amor e nenhuma proximidade real. Ela
sentiu e ocasionalmente vislumbrou o tumulto e a dor que escorria sob a
superfície bastante sombria do ser de David, mas ele não permitiu que ela se
aproximasse. A única proximidade que houve foi a união física que havia
acontecido entre eles durante as três primeiras noites de seu casamento.
Ela não tinha gostado. Mas de um modo estranho, ela percebeu agora que
não estava mais acontecendo, ela o recebera pela ligação que tinha começado
entre eles. Uma ligação era necessária. A amizade — se havia amizade entre
eles — não era suficiente. Ela não tinha certeza de que existisse, de qualquer
maneira. Às vezes pensava que ele a odiava.
Ela certamente poderia provocar a raiva nele sem fazer nada.
Ela precisava disso, ela percebeu com alguma surpresa. Ela precisava da
garantia que fazer amor lhe trazia. A certeza de que ela era necessária, que ele
não lamentava se casar com ela.
E não o achava desagradável. Ela não conseguia explicar a si mesma por
que não, quando não o amava como tinha amado Julian, e quando demorava
muito mais a fazê-lo do que já tinha feito com Julian. Não era que ela gostasse
de tudo, mas — oh, ela descobriu que ela sentia falta disso depois daquela
noite, quando ele tinha deixado sua cama para nunca mais voltar.
Suas bochechas queimavam quando a verdade finalmente se formulou em
sua mente consciente. Queria o corpo do marido no dela.
Ela fechou os olhos e se concentrou em adormecer — na cama grande e
vazia que era de David.
Capítulo 12
Stedwell e Londres, outono, 1856
A vida se tornou ocupada, — abençoadamente assim. Havia inquilinos para
serem visitados novamente e as decisões a serem tomadas sobre os reparos
que estavam em necessidade urgente de fazer e o que poderia esperar até pelo
menos na próxima primavera. Houve extensos reparos a serem feitos nas casas
dos trabalhadores e a decisão de reconstruir três delas completamente. Todas
teriam que ser reconstruídas ao longo do tempo — talvez ele precisasse fazer
um plano de cinco anos, pensou David.
Havia aluguéis para baixar e salários para aumentar e ajustes a serem feitos
em sua renda projetada durante o próximo ano. Quigley poderia pelo menos
ser confiado para lidar com esses assuntos inanimados. Havia algumas
crianças em crescimento com quem se preocupar. Eles estavam na idade de
serem capazes e estar prontos para trabalhar. Mas foram forçados a ir para
outro lugar para procurar emprego. David não podia assumir um número
infinito de trabalhadores, para quem não haveria o suficiente para fazer.
Uma solução parcial veio quando ele olhou com pesar para seus jardins
excessivamente crescidos um dia e percebeu que se os jardineiros regulares
tivessem ajuda extra com os trabalhos do dia a dia, como cortar a grama, então
eles poderiam talvez lidar com alguns dos problemas mais prementes. Três
robustos rapazes foram contratados nas casas dos trabalhadores, e os
jardineiros regulares começaram a tarefa de cortar ramos das árvores no oeste
da casa.
Rebecca fez a sua parte. Ela recontratou a ex-cozinheira, como havia
prometido, e uma jovem para ajudá-la e aprender as habilidades de cozinhar
para uma grande família. Ela aumentou a equipe ainda mais, contratando mais
três meninas. A casa pareceria menos desgastada, decidiu, se fosse limpa
muito mais do que havia sido por muitos anos. Foi prometido às três garotas
que se trabalhassem duramente, seriam recomendadas para trabalhar no
serviço doméstico em outros lugares se e quando não fossem mais necessárias
em Stedwell.
Quatro dos inquilinos contrataram garotos mais velhos para ajudar com a
colheita, capazes de se dar ao luxo disso pelos descontos nos aluguéis. Suas
próprias crianças foram enviadas para a escola. Rebecca achara a escola
muito deteriorada e o professor desmoralizado.
Ela tinha encomendado novos suprimentos e tinha prometido passar duas
tardes por semana na escola, ajudando com aulas de leitura e com música e
costura.
Ela estava fazendo visitas regulares aos doentes e idosos e frequentemente
levando cestos de comida para as casas dos trabalhadores. Algumas das
mulheres começaram a tricotar com a lã que ela forneceu. Ela também passou
muitas de suas noites em casa tricotando. Ela até tentou a experiência de reunir
as tricotadeiras na sala de aula em uma noite ocasional, inclusive ela, para que
pudessem desfrutar da companhia umas das outras enquanto trabalhavam.
Todas as mulheres pareciam gostar da novidade de poder sair, como seus
maridos faziam com mais frequência. Uma vez que elas relaxaram mais em sua
presença, Rebecca descobriu que ela aprendeu muito sobre suas vidas, sonhos
e preocupações.
Outras noites eram ocupadas para visitar ou serem visitados. Eles tiveram a
sorte de ter vizinhos amigáveis. Logo eles estavam jantando fora, jogando
cartas, dançando, cantando — Rebecca cantou, provando a seu marido que ela
não tinha perdido a voz que o tinha encantado quando menino. Ele foi pescar
ou atirar em algumas tardes com um ou dois de seus vizinhos. Rebecca
frequentemente caminhava ou cavalgava com algumas delas. Stephanie Sharp,
em particular, parecia gostar dela e gostava de admirar suas roupas elegantes e
de copiar seu porte real.
Rebecca e David estavam ocupados quase constantemente, às vezes juntos,
mais frequentemente separados, mas sempre em harmonia um com o outro.
Eles se tornaram quase amigos depois de dois meses de casamento, exceto que
amigos se falavam entre si pelo coração. Eles falavam um com o outro apenas
sobre preocupações do dia a dia.
Às vezes ele se perguntava sobre ela. Rebecca carregava sua disciplina e
sua dignidade com ela como um escudo. Sempre calma e digna, sempre a
dama, sempre ocupada e preocupada com os outros — era impossível saber se
ela estava feliz ou infeliz ou algo entre os dois extremos. Ele se perguntava se
ela o odiava ou se mostrava indiferente a ele, ou mesmo se talvez estivesse
gostando dele. Ele se perguntava se ela ainda se afligia por Julian.
Às vezes pensava ser um idiota por pôr um fim ao lado físico de seu
casamento e torná-la apenas uma parceira de negócios. Mas sempre que ele
pensava em voltar para ela nas noites, ele se lembrava de sua repulsa
cuidadosamente controlada e sua incapacidade de se contentar com apenas o
que ela tinha para dar. A obediência não era suficiente, descobrira durante
aquelas breves noites. Se ele não poderia ter seu amor, ou pelo menos seu
afeto, então era melhor negar a si mesmo seus direitos completamente.
Além disso, havia os sonhos. Ele não podia arriscar qualquer repetição dos
surtos estranhos de raiva em que ele tinha se voltado contra ela em duas
ocasiões. Ela não tinha feito nada para merecer sua raiva. Nada mesmo.
Não podia pedir uma esposa mais obediente.
Só que não era isso o que ele queria.
— Preciso falar com você, David —, ela disse uma tarde quando eles
voltaram para dentro da casa depois de acenarem ao reitor e sua esposa
quando saiam de uma visita.
Tentou antecipar o que era que a perturbava. Ela iria perguntar novamente
se ela o tinha desagradado? E se ela o fizesse, seria porque ela o queria? Ou
porque sentia que o dever a obrigava a se oferecer?
Não se tratava de negócios. Ele percebeu isso imediatamente. Suas costas
pareciam mais retas do que de costume, se isso fosse possível. Seu rosto
parecia um pouco como se tivesse sido esculpido em mármore. Ele se lembrou
com força e contra vontade do modo como ela o olhara na sombra das escadas
em Craybourne no dia de seu retorno da guerra.
Ela permaneceu imóvel dentro das portas da biblioteca enquanto ele as
fechava cuidadosamente. Ela apertava as mãos ao nível da cintura.
— O que é? — ele perguntou. Ele atravessou a sala para assentar as costas
na lareira. Estava acostumado a conversar com ela. Ele se preparou para tratar
isso — fosse o que fosse — como mais um negócio. Afinal, eles não tinham
nada de um casamento. Apenas uma relação de trabalho.
— Estou esperando uma criança — disse ela calmamente.
Ele ouviu cada palavra separada, mas não pôde por alguns momentos
conectá-las em um todo significativo.
— Eu queria ter certeza antes de te dizer, — ela disse. — Tenho certeza
agora.
Talvez eu possa apresentar-lhe um herdeiro, David.
— Uma criança. As palavras dificilmente passavam por seus lábios.
Lembrou-se de ter dito a seu pai que talvez pudesse dar-lhe um neto. Mas ele
tinha estado com ela tão poucas vezes. Ele não tinha realmente pensado nisso
desde o seu casamento.
— E talvez não. Seu rosto estava pálido. — Se você está satisfeito com
isso, não espere muito, David. Eu já abortei no quarto mês, duas vezes antes.
Acho que talvez seja impossível para mim ter filhos.
Ele a viu de repente com os olhos deliberadamente enevoados por quase
dois meses, mas que tinham sido limpos pelas poucas palavras que ela tinha
falado. Ele viu Rebecca, seu amor, sua esposa. Rebecca, a mulher elegante em
seu vestido de decote alto, de mangas compridas e de saia contornada.
Lembrou-se da sensação dela, quente e suave, e do cheiro dela. Lembrou-se de
cada ocasião separada — havia seis ao todo — quando ele plantara sua
semente nela. Incluindo a última.
— Rebecca. — Ele percebeu que ele estava sussurrando e limpou sua
garganta. — Você está bem, você está bem?
— Estou sempre bem — disse ela. — Eu não tenho que sofrer náuseas
como muitas outras mulheres, eu sou afortunada nisso. Eu me canso facilmente,
mas isso é natural.
— Você viu o médico? — Ele perguntou.
— Sim.
Ele a encarou sem dizer nada. Sua semente tinha enraizado em seu ventre.
Seu filho estava crescendo nela… Agora. Seus olhos percorreram seu
corpo.
Havia uma criança que era dele e dela. Uma nova pessoa. Deles. Uma
criança de seu casamento. Afinal, era um verdadeiro casamento. Ele tinha sido
consumado e deveria ser fecundo.
Ia ver seu bebê em seu peito. Possivelmente.
— Você está satisfeito, David? — Ela perguntou.
Seus olhos se voltaram para os dela. — Satisfeito? Ele disse. — Sim.
— Apenas esteja preparado, — ela disse. — Eu posso não ser capaz de
fazer isso por você. Eu não quero que você fique muito desapontado se eu
tiver um aborto.
Posso não ser capaz de fazer isso por você. Por um momento ele sentiu um
lampejo da velha raiva. Ela não queria fazer isso sozinha? Para eles? Mas não
era um momento de irritação. Agora que o primeiro choque estava passando,
ele estava começando a sentir terror.
— Você ficaria desapontada? — ele perguntou.
Cada parte dela permanecia a mesma, exceto seus olhos. Mas em seus
olhos, antes de dirigi-los para baixo em direção ao tapete, ele viu uma dor
repentina que parecia quase ser desespero.
— Sim. — A única palavra concisa. Mas continuou depois de uma breve
pausa. — Eu quero uma criança mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Uma criança. Não dele ou deles. Apenas uma criança.
— Tento não querer muito —, disse ela. — É um pecado querer algo
demais. Eu acho que devo ter cometido esse pecado as duas primeiras vezes.
Eu não esperava muito desta vez. Mas eu me senti obrigada a dizer-lhe, em
parte porque você tem o direito de saber , e em parte porque você precisará
saber o que está acontecendo quando…
— Quero que você tenha conselhos de especialistas e cuidados —, disse
ele com dureza. — O que o médico disse?
— Ele concordou que há o perigo de que a mesma coisa aconteça de novo
—, disse ela, uma vez que seguiu o mesmo padrão em ambas as ocasiões —
tudo bem até o quarto mês e depois… Ele me aconselhou a orar. Eu não
precisava desse conselho. Tenho orado tanto de manhã como de noite, e a cada
hora do dia, desde que comecei a suspeitar, mas tento não querer muito.
— Vou levá-la para Londres — disse ele. — Vou levá-la ao melhor médico,
e partiremos depois de amanhã.
Amanhã mandarei avisar os criados da Casa de Hartington para prepará-la
para nós. Diga à sua empregada para arrumar suas coisas.
— David, — ela disse, — nós não podemos sair agora. Há tanto para fazer.
E há convites que aceitámos.
— Eu terei tudo pronto amanhã —, disse ele. — Você teve uma tarde
ocupada, Rebecca, primeiro a visita à escola e depois o reitor a chegar aqui,
você deve estar cansada.
— É uma parte natural da minha condição —, disse ela. — Não gosto de
me entregar a isso, David, há muito a fazer.
— Agora vá para o seu quarto — disse ele — e deite-se até que sua criada
venha vesti-la para jantar, e você pode fechar a boca e deixar as palavras não
ditas. Isto é uma ordem.
Ela fechou a boca e olhou calmamente para ele. Deus! Ele podia se lembrar
de visitá-la alguns dias depois de seu segundo aborto. Se isso era o que ela
tinha parecido alguns dias depois, como ela deve ter parecido enquanto isso
estava acontecendo e imediatamente depois? Através da negligente tomada de
seu prazer — e uma vez através da exibição abusiva de sua raiva — ele tinha-
a forçado a ter que passar por isso novamente?
Ela queria uma criança mais do que qualquer coisa no mundo, ela tinha
dito.
Fora ele a elevar suas esperanças de novo apenas para tê-las frustradas
pela crueldade de um aborto? Apertou os dentes e sentiu a mandíbula
endurecer.
— Sim, David — disse ela, virando-se para sair da sala. Ele teve que
atravessá-la para abrir a porta para ela.
— Eu vou levá-la para cima —, disse ele, oferecendo-lhe o braço.
— Obrigada — disse ela.
Rebecca tinha abortado duas vezes. Sua mãe tinha morrido na cama.
Ele sentiu o terror soprar frio em suas narinas enquanto ele a levou
silenciosamente escada acima para a porta do quarto que não era mais dele.
****
Eles pegaram o trem da manhã para Londres. Rebecca se forçou a relaxar e
assistir ao cenário que passava. O trabalho em Stedwell não entraria em
colapso porque estariam ausentes por duas semanas. Como David lhe
explicara o Sr. Quigley e a Sra. Matthews eram servos leais e capazes e fariam
um trabalho exemplar agora que havia direções definidas para eles seguirem.
Mas não gostava de deixar Stedwell para trás. Ela sentia como se ela
realmente pertencesse lá. Ela nunca teve a chance de sentir um sentimento de
pertença durante seu primeiro casamento desde que Julian acompanhara David
com tanto impulso aos Guardas e eles não tiveram casa fixa. Ele precisava
dela, é claro. Muitas vezes lhe dissera que não poderia viver sem ela. Ela
tinha pertencido a ele e se sentia maravilhosamente necessária.
Era uma necessidade que não existia em David. Ele precisava dela para
Stedwell, mas não para si mesmo. Ele tinha mostrado isso em dois meses de
casamento. Não havia proximidade, nenhuma união. Nem mesmo o carinho que
ele uma vez lhe disse que ele esperava. Tinha que haver alguma partilha para
que houvesse carinho. David não compartilhava nada de si mesmo. Ela olhou
para ele, sentado ao lado dela na carruagem, lendo seu jornal. Ele era sempre
tão controlado, tão austero. Ele lhe permitira apenas vislumbres raros do
homem interior, e nenhum voluntariamente.
Ele sentiu seus olhos nele e olhou para cima. — Você está bem, Rebecca?
— ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça e sorriu.
— Você não está com frio? Ele perguntou. — Ou cansada, você gostaria de
se deitar?
— Estou bem, David — disse ela.
Seus olhos ficaram sobre ela por alguns momentos e então ele voltou sua
atenção para o jornal dele.
Ele havia se recusado a permitir que ela entregasse cestas de comida na
manhã anterior e insistiu para que ela se deitasse uma hora após o almoço e
outra vez por uma hora antes de irem para o jantar dos Mantrells.
Ela odiava estar ociosa — já tinha havido tanta ociosidade em sua vida.
Mas ela tinha sido tocada por sua preocupação. E por isso, levando-a a
Londres para consultar um médico quando havia um médico na aldeia de
Stedwell.
Ela tinha pensado primeiro com alguma amargura, depois que ela tinha
tomado a coragem de contar a notícia para ele que talvez sua preocupação não
era tanto por ela como por seu filho por nascer. Afinal, poderia ser um filho e
ele devia querer um filho como herdeiro de Stedwell e Craybourne depois
dele. Herdeiro do título de um visconde e eventualmente de um condado. Mas
ela admitiu quase imediatamente que o pensamento era indigno dela, David
tinha sido infalivelmente cortês com ela desde o início — com duas exceções
memoráveis. Além disso, estava convencida de que o que lhe tinha dito
naquela tarde na sala há quase dois meses estava certo. Ele se casou com ela
porque se culpava pela morte de Julian e sentiu que lhe devia sua proteção.
Sim, sua preocupação era tanto por ela quanto por seu filho. Sua saúde
seria de alguma preocupação para ele.
Mas ela ainda se sentia tão amarga agora como sentira há dois dias.
Lembrava-se da reação de Julian nas duas ocasiões em que lhe dera notícias
semelhantes. Ele tinha sido jovialmente feliz, levantando-a de seus pés a
primeira vez e girando-a em seu redor até que ambos estivessem tontos e rindo
impotentes, abraçando-a até lhe tirar o fôlego, pela segunda vez.
David não se havia movido de sua posição em frente à lareira até que
chegou a hora de acompanhá-la até seu quarto. Sua expressão não tinha
amolecido nem mudado. Teve que lhe perguntar se estava satisfeito. Ele
dissera que sim, e ele demonstrara preocupação com sua saúde — a tal ponto
que ele a levaria a Londres por uma quinzena, talvez mais, se o médico
achasse necessário que ela ficasse. Mas… oh, havia tanto faltando.
Ela não tinha percebido até que ela estava sozinha em seu quarto — em
qual deveria ter sido o quarto dele — o quanto ela esperava que sua notícia
derrubasse algumas das barreiras entre eles. Ela tinha desejado que ele
sorrisse, com aqueles olhos azuis dele aquecidos, para. . .
Sim, mulher tola que ela era, ela tinha desejado até mesmo que ele a
tomasse em seus braços e lhe dissesse sem qualquer reserva como ele estava
satisfeito com o bebê, como ele estava satisfeito com ela.
Ela queria que ele visse seu terror por abortar. Ela nem sequer tentou
escondê-lo. Ela precisava de seus braços então. Mas tudo o que conseguira
era sua voz, soando quase áspera, tratando da possibilidade como um
problema prático. Ela apreciava a sua preocupação. Mas naquele momento era
o problema emocional com o qual ela queria lidar. Ela precisara de seus
braços, e sua voz contra sua orelha, assegurando-lhe que não iria acontecer,
que ele não deixaria isso acontecer. Ela queria conforto e fingimento.
E então ela estava sozinha em seu quarto, escoltada por seu marido com o
comando para descansar e abandonada na porta.
Ele não tinha sentimentos? Nenhuma compreensão de quanto ela precisava
dele para ficar com ela? Se ele se tivesse deitado com ela e a tivesse
abraçado…
Que ideia tão tola pensou. David? David segurando-a em seus braços?
Ternura entre ela e David? Não era de David que ela precisava. O pensamento
veio a ela em uma onda, pois ela já estava desacostumada da auto piedade e a
culpa a apunhalou no mesmo momento. Era Julian que ela queria. Os braços de
Julian.
Julian!
Ela fechou os olhos e engoliu várias vezes. Ela lutou contra a culpa.
Ela prometera não pensar nele, e embora David a tivesse libertado da
promessa, ela tentara mantê-la consigo mesma. E, no entanto, estava doendo
outra vez. Concentrou seus pensamentos na criança que crescia em seu ventre.
Não é o filho de Julian desta vez. Mas de David. Mas era muito amado e muito
querido de qualquer maneira. Oh, o queria muito.
Por favor, ela rezou em silêncio. Por favor, por favor. Oh, por favor.
Ela estava no agradável mundo à deriva que precedia o sono quando um
braço deslizou atrás de seu pescoço e puxou sua cabeça contra um ombro
largo e firme. Ela se aconchegou com gratidão sem abrir os olhos ou deixar de
lado a sonolência que sua gravidez estava trazendo tão insistentemente nos
dias de hoje.
Ela estava dormindo quando David virou a cabeça e beijou sua têmpora.
****
Sir Rupert Bedwell era considerado o melhor médico de senhoras de
Londres. Foi a seu consultório que David levou sua esposa por marcação, dois
dias depois de sua chegada em Londres.
Era sua opinião, Sir Rupert disselhes após ter submetido Rebecca a um
exame completo, que o ventre de Lady Tavistock era do tipo raro que rejeitava
uma criança por nascer a um certo tamanho e peso, geralmente em algum
momento no final do terceiro mês até o fim do quarto. Não seria fácil estender
uma gravidez além desse tempo, mas se pudesse ser feito, então tudo estaria
provavelmente bem.
— E como pode ser feito? — perguntou David. Sua esposa estava pálida e
em silêncio. Adivinhava que o exame físico que acabara de suportar tinha sido
uma provação humilhante para ela, bem como essa conversa sobre seu corpo e
suas funções.
O médico encolheu os ombros. — Eu não iria encher qualquer um de vocês
com falsa esperança —, disse ele. — Temo que as chances são altas de que
Lady Tavistock venha a abortar desta vez como ela fez duas vezes antes. Se
isso acontecer, eu não iria aconselhar outras gravidezes, embora nem sempre
sejam facilmente evitadas.
O rosto de Rebecca estava impregnado de cor de repente. David cerrou os
dentes.
— Não há nada a ser feito, então? — ele disse. — Além de orar, como o
nosso médico local aconselhou?
— A melhor esperança de Lady Tavistock, — disse Sir Rupert, é minimizar
o peso descendente do feto durante o período de perigo.
Repouso completo, em outras palavras. E muito descanso e pouco esforço
antes mesmo disso.
— Mas ainda assim o perigo é alto. — Rebecca falou pela primeira vez.
Não era uma pergunta.
— Sim, minha senhora — disse Sir Rupert.
— Obrigada pela sua sinceridade — disse ela.
— Talvez — disse ele, levantando-se quando ela e David se levantaram —
eu poderia ter uma palavra com você, milorde? Vou mantê-lo por apenas um
momento, minha senhora.
Ele fechou a porta depois que Rebecca saiu para a sala de recepção. — Eu
aconselharia, meu senhor, — disse ele, que você renuncie a exercer seus
direitos conjugais até que sua senhora lhe entregue em segurança uma criança
ou até que ela tiver dois ou três meses durante os quais se recuperar de um
aborto.
David respirou fundo. — Eu entendo — disse ele. — Como a minha
esposa, agradeço-lhe a sua franqueza.
— Afinal de contas — disse o médico, sorrindo de simpatia — , existem
alternativas, não existe, meu senhor?
— Existem? — David, com a voz e os olhos frios, resistiu à súbita vontade
de plantar o punho entre os olhos sorridentes do homem.
Houve algumas breves viagens de compras durante a próxima semana e uma
curta visita à National Gallery. Houve várias visitas com Lorde e Lady
Meerscham, irmão e cunhada de Rebecca, já que eles estavam na cidade. Eles
foram ao teatro uma noite depois de jantar com um coronel dos Guardas e sua
senhora. Mas David não tinha intenção de envolver Rebecca em um turbilhão
social. Se seu filho era para ser salvo, então ele faria tudo em seu poder para
que isso acontecesse.
No momento em que estavam dentro de quatro dias para retornar a
Stedwell, tinham entretido vários visitantes à tarde. Mas eles estavam
sozinhos após o chá da tarde, o mordomo trouxe mais um cartão em uma
bandeja.
David segurou-o na mão e sentiu-se ficar frio enquanto lia o nome.
— Quem é esse? — Rebecca perguntou.
— Mais um ex-militar — disse ele. — Agora vendeu a comissão, como eu.
Eu vou entretê-lo sozinho se você quiser ir para cima para descansar,
Rebecca.
— Não — disse ela. — Eu gosto de conhecer seus ex-companheiros, eu sei
muito pouco sobre essa parte de sua vida. Eu já o conheci?
— Não. — Ele acenou com a cabeça para o mordomo para admitir seu
convidado. — Ele estava nos Coldstreams, não nos Granadeiros. — Sentia-se
horrivelmente fora de controle do momento.
Sir George Scherer entrou na sala de visitas um minuto depois, sorrindo
cordialmente, com a mão estendida. Ele tinha engordado. Sua tez parecia ainda
mais florida do que tinha sido.
— Major Tavistock — disse ele. — Eu mal podia acreditar na minha sorte
quando ouvi esta manhã que você estava na cidade, eu estava querendo
procurá-lo, eu vim assim que consegui me livrar de outro compromisso.
— Scherer — David apertou sua mão. — Rebecca, eu gostaria que você
conhecesse Sir George Scherer. Nós servimos na Crimeia juntos.
— Sua esposa? — perguntou Sir George quando Rebecca inclinou a cabeça
para ele e sorriu. — Estou encantado, minha senhora, seu marido merece tanta
beleza, devo dizer, devo a minha vida a ele… Ele já lhe contou… Foi em
Inkerman… Nós…
— Minha esposa — disse David muito distintamente — era a viúva do
capitão Sir Julian Cardwell, você pode se lembrar dele.
A boca de Sir George permaneceu aberta por um momento antes de se
recuperar. — Cardwell? — Ele disse. Seus olhos se estreitando. Sim, é claro,
ele foi morto em Inkerman, não foi? Minhas condolências, senhora, embora
tenha sido há muito tempo.
— Você o conhecia? — Ela disse. — Você também estava em Inkerman, Sir
George? Talvez você… — Ela se ruborizou — David salvou sua vida?
— Eu tinha uma baioneta russa na minha garganta —, disse ele. — Seu
marido atirou nele com o coração tão frio quanto você, senhora… Nas
encostas do Kitspur estava no meio de uma densa névoa… Nunca fiquei tão
contente de ver um casaco britânico na minha vida. — Ele riu de todo o
coração.
— O Kitspur —, ela disse. — Foi onde… Meu primeiro marido foi morto,
onde ele está enterrado.
— Sim, senhora — disse ele. — Ele era um homem corajoso, ele se
manteve no alto de acordo com as ordens depois que a maioria do resto de nós
tinha quebrado as fileiras e desceu, e então ele trouxe seus homens para baixo
para nos resgatar. Ele deu sua vida no processo.
— Sim, — Rebecca disse para o silêncio que seguia suas palavras. — Eu
soube que ele foi um herói.
David sentiu como se ele não pudesse ter-se movido ou falado para salvar
sua vida.
Se Scherer estava indo inventar uma história, poderia ele não ter verificado
com David primeiramente?
— Lady Scherer e eu estaríamos muito satisfeitos por ter vocês dois
jantando conosco amanhã à noite — disse Sir George. — Se você não tem
outro compromisso. É isso, eu vim para convidar o major Tavistock sozinho,
mas isso é muito melhor. Cynthia ficará encantada em a conhecer, senhora.
— Minha esposa ficou indisposta — disse David.
— Oh, mas eu adoraria ir —, ela disse, olhando para ele, suas bochechas
coradas, seus olhos brilhantes. — Podemos David?
Inclinou a cabeça. O pesadelo estava se intrometendo no mundo real
novamente. Não podia mais ficar atrás dos limites do sono. — Obrigado,
Scherer — disse ele. — Você me dará seu endereço antes de partir.
— Podemos oferecer-lhe chá ou outros refrescos? — Rebecca perguntou.
Mas Sir George sabia que seu recado já fora dado, e depois do chá pediu
desculpas por ter vindo tão tarde. Ele tinha feito isso apenas para emitir o
convite. Ele não ficou além de mais alguns minutos.
Quando viu Sir George à porta, David descobriu que Rebecca se retirara
para seu quarto para seu descanso habitual antes do jantar.
Capítulo 13
Rebecca vestiu-se cuidadosamente para a visita aos Scherers, usando um
vestido de noite de seda verde que ela tinha feito para o enxoval e tinha usado
apenas em um jantar e para dançar em Stedwell. Havia algo excitante em
encontrar um homem que conhecera Julian e lutou com ele. Queria perguntar
mil perguntas a Sir George Scherer, embora soubesse que teria de ser discreta.
Ela não devia mostrar um excesso de curiosidade sobre Julian na presença de
David — ou fora dela.
E, no entanto, suas mãos se acalmaram quando ela apertou um fio de
pérolas em volta do pescoço. Julian? David também estava na Crimeia. Ela
estava com fome de conhecimento sobre esse tempo em sua vida. Além do que
ele havia dito na noite de seu retorno a Craybourne, quando ela estava muito
preocupada com sua própria dor para escutar atentamente, mostrou uma
marcada relutância em falar sobre a Guerra da Crimeia. Era compreensível,
ela supunha, especialmente à luz do fato de que ele tinha pesadelos sobre suas
experiências lá. Mas ela desejava saber mais. As vezes ela pensava que se
soubesse o que tinha vivido durante esses anos, teria a chave para conhecê-lo
e compreendê-lo melhor. Embora nunca tivesse conhecido ou entendido
David, mesmo quando era menino. Ele nunca tinha permitido que ela o fizesse.
— Você salvou a vida de Sir George Scherer? — perguntou-lhe no jantar
depois da visita do baronete.
Ele encolheu os ombros. — Provavelmente salvei a vida de cem homens
—, disse ele, — e uma centena de homens provavelmente salvou a minha…
Lutar em uma guerra é um esforço comunitário, Rebecca. Os homens cuidam
de seus companheiros, bem como de si mesmos, quando cada momento pode e
faz trazer a morte.
E, no entanto, Sir George parecia sentir-se especialmente grato a David.
Ela ansiava por descobrir que David tinha sido tanto um herói na Batalha de
Inkerman como Julian tinha sido. Ela sempre tinha estado tão determinada a
ver Julian como um herói que ela tinha ignorado um pouco os esforços de
David na mesma batalha. E, no entanto, havia ficado gravemente ferido ali. Ela
queria que ele fosse um herói lá também, como ele tinha sido mais tarde,
depois da morte de Julian.
E, no entanto, havia algo estranho. Ela franziu a testa na penumbra da
carruagem que os levava à casa alugada de Scherers em Portman Place. O tom
de David no jantar tinha sido tão desprezível que o tema tinha morrido em uma
morte rápida. E hoje ele saiu de casa depois do café da manhã e não retornou
até um par de horas atrás.
Ele lhe tinha ordenado que passasse o dia tranquilamente em casa e ela o
fizera, apesar do fato de que ela tinha planejado chamar Denise durante a
tarde.
Ele se sentou a seu lado agora, parecendo moroso. Parecia que ele não
queria lembretes daquela época em sua vida, até mesmo agradáveis, e por
puro instinto ela quase estendeu uma mão em direção a ele. Mas ela se deteve
a tempo. Não se faziam carinhos em David.
Eram os únicos convidados para jantar dos Scherers. Sir George foi tão
efusivo em sua saudação como tinha sido no dia anterior. Lady Scherer era
muito mais reservada — e muito bonita. Rebecca admirava sua pequena figura
em um vestido de noite de vermelho vinho escuro, e seus cabelos e olhos
muito escuros.
— Senhora Tavistock, você se lembrará do que eu lhe disse — disse Sir
George à sua esposa, olhando para o seu rosto —, foi casada com o capitão
Cardwell, você se lembra dele, Cynthia.
— Você também conhecia Julian? — Rebecca perguntou, seus olhos se
arregalando.
— Sim, nós tínhamos nos conhecido —, disse Cynthia Scherer.
— Você foi para o exterior com seu marido —, Rebecca disse, a inveja em
sua voz soava inconfundível. — Que sorte você teve, eu teria dado qualquer
coisa no mundo para ir também, mas Julian não acreditava que minha saúde
iria resistir, eu sempre lamentei aqueles meses perdidos.
Ela percebeu de repente que David estava em silêncio ao lado dela. Ela
sorriu para Lady Scherer e esperou que alguém mudasse de assunto. Mas doía-
lhe com o desejo de fazer perguntas. Foi um alívio quando Sir George se
afastou para servir as bebidas e Lady Scherer começou uma discussão
educada sobre o tempo.
Mas a conversa voltou inevitavelmente para a Crimeia durante o jantar. No
início, Rebecca deu as boas-vindas ao fato. Ela bebia cada detalhe, tentando
não fazer perguntas, tentando não tornar evidente a sua sede de conhecimento.
Mas Sir George parecia sentir isso.
— Diga a Lady Tavistock o que você se lembra do capitão Cardwell nesses
meses, meu amor — instruiu a sua esposa. Outra mulher provavelmente pode
se lembrar de detalhes que escapariam à memória de meros homens. Ele riu de
todo o coração.
— Eu mal o conhecia — disse Lady Scherer. — Eu me lembro que ele era
muito popular entre seus colegas oficiais e seus homens, e parecia ter o raro
dom de estar sempre alegre.
— Sim. — Rebecca inclinou-se para frente, esquecendo-se de todos os
outros na mesa. — Ele sempre foi assim, mesmo quando era menino.
— E ele era encantador com as senhoras — disse Sir George. — Venha,
você deve admitir isso, Cynthia.
— Todo mundo sempre o amou, — Rebecca disse. Ela virou bruscamente a
cabeça. — Não era, David?
— Rebecca e eu somos parciais, é claro —, disse David. — Julian e eu
crescemos como irmãos, Rebecca era sua esposa. Você deu baixa do exército
depois de ser ferido, Scherer, como a vida civil tem tratado você?
— Oh, pode ser um pouco tedioso às vezes — disse Sir George. — Cynthia
sente falta da excitação da vida do exército, não é, meu amor? — Algumas
esposas o fazem, Lady Tavistock. Isso está no sangue, você sabe.
— Você teve sorte que seu marido sobreviveu, — Rebecca disse, sorrindo
para Cynthia Scherer. — Que grande alívio deve ter sido para você.
— Graças ao seu marido — disse Sir George, erguendo a taça de vinho.
— Minha esposa deve-lhe a minha sobrevivência, devemos beber um
brinde ao Major Tavistock, meu amor, vai se juntar a nós, Lady Tavistock?
Rebecca ergueu o copo e sorriu para David. — Ele me diz que salvar vidas
é comum na batalha —, disse ela.
— Modéstia, Lady Tavistock — disse Sir George, rindo. — Seu marido é
muito modesto no mínimo, já que a espada já havia incapacitado meu braço
direito — vou levar as cicatrizes para o meu túmulo — e estava dentro de um
segundo ou menos de perfurar meu peito. Morto antes de bater no chão.
Um objetivo mais constante do que eu jamais vi.
— Acho — disse David — que as damas prefeririam um assunto de
conversa mais alegre.
— Modéstia, sabe, Lady Tavistock? — disse Sir George, rindo. — Isso o
envergonha. Ser proclamado um herói. Cynthia nunca cessa de cantar seus
louvores, não é meu amor? Vamos beber esse brinde.
Os olhos de David permaneceram em seu prato enquanto levantavam seus
copos para os lábios e bebiam.
Rebecca não gostava de Sir George Scherer. Ela tinha gostado no começo e
não conseguia entender por que não o fazia agora. Ele era jovial e amigável e
continuou trazendo a conversa de volta para os tópicos que ela desejava ouvir
falar. David tinha salvado sua vida e ele estava obviamente cheio de gratidão.
Mas havia algo.
Havia uma atmosfera, como se os três estivessem a par de algum segredo
do qual ela não sabia nada. Na realidade, é claro que era apenas que se sentia
como uma estranha, já que os três compartilhavam experiências e memórias
que lhe eram negadas. Isso era tudo o que era.
Mas também não era isso. Não exatamente. Havia uma atmosfera estranha.
David e Lady Scherer raramente falavam. Ou sorriam. Nunca se olhavam
nem se falavam, Rebecca percebeu finalmente quando todos se tinham mudado
para a sala de visitas para tomar café. Mas então eles tiveram pouca chance.
Sir George Scherer era o tipo de homem que gostava de dominar a conversa.
Tudo que o resto deles precisava fazer era responder a sugestão.
Devia ser por isso que ela não gostava dele. E por que os outros não
gostavam dele também — ela percebeu com algum choque que era assim. Até
sua esposa não gostava dele. Era difícil gostar de um homem para quem os
outros não passavam de uma plateia. Não pessoas a serem compreendidas e
ouvidas, mas membros anônimos de um público. Havia homens assim — e
mulheres também, provavelmente — e Sir George Scherer era um deles.
Sim, era isso. Foi um alívio ter analisado o que estava errado com a noite,
com ela e seus três companheiros. Ela estava feliz com a chance de passear
pela sala com Lady Scherer para admirar uma exibição de porcelana e se
envolver em uma conversa puramente feminina sobre moda.
Mas a trégua não durou muito.
— Que maravilha ver você fazer amigos tão facilmente, meu amor!
Sir George disse para sua esposa. Ele tinha chegado por trás delas, David
com ele. — Minha esposa é um tanto tímida com outras senhoras, senhora
Tavistock.
Talvez seja porque seu pai está no comércio, embora eu lhe tenha
assegurado mais vezes do que me lembro que tal fato não significa nada hoje
em dia. Ou talvez seja porque ela passou tantos anos cercada por homens, que
às vezes acredito que ela acha mais fácil estar com homens do que com
mulheres.
Ele também era vulgar, pensou Rebecca. Ele poderia ter formulado essa
última frase de maneira diferente. Um cavalheiro teria escolhido suas palavras
com mais cuidado.
— Nós mulheres temos decidido que a crinolina é uma moda tola —, ela
disse levemente. — Decidimos que, se tivéssemos o nosso jeito, voltaríamos
aos dias da Regência e usaríamos aqueles adoráveis vestidos soltos e
confortáveis.
Sir George deu uma risadinha.
— As senhoras gostam de falar sobre moda —, disse Rebecca com firmeza
antes que ele pudesse lançar um discurso. — Não é, Lady Scherer?
— Você deve procurar por minha esposa Cynthia — disse Sir George. —
Vocês devem verse mais uma à outra nos próximos dias.
— Estamos aqui apenas por uma breve estada — disse David. — Vamos
voltar a Stedwell em breve.
— Stedwell — disse Sir George. — Em Gloucestershire?
David inclinou a cabeça.
— O pai de Cynthia vive na cidade de Gloucester — disse Sir George.
— Não estamos muito longe da catedral. Nós vamos muitas vezes de visita,
não é verdade, meu amor? Devemos visitá-los uma dessas vezes.
— Serão muito bem-vindos —, Rebecca disse, sorrindo para Lady Scherer.
— Obrigada — disse ela. — Não vamos com frequência.
Sir George deu uma risadinha. — Você vê como as esposas fazem de nós
mentirosos, Major? — Ele disse.
Foi um grande alívio para Rebecca quando ela e David finalmente estavam
na carruagem a caminho de casa. Tinha sido um erro, pensou ela, querer
ansiosamente ouvir mais sobre aquela parte perdida da vida de Julian.
E um erro tentar invadir o heroísmo de David quando ele próprio não
queria falar sobre isso. A noite estava longe de ter sido um sucesso.
Mas ela se sentia mais divertida do que qualquer coisa agora que tudo
estava acabado.
Ela queria voltar-se para David e rir com ele sobre o estranho caráter de
Sir George Scherer. Ela queria perguntar-lhe se ele alguma vez se arrependeu
de salvar a vida do homem. Mas ela percebeu, quando ela virou a cabeça para
olhar para ele na escuridão do interior da carruagem, que a piada seria de
muito mau gosto. Talvez ele não a visse como uma piada. Ele a estava olhando
com olhar suficientemente sombrio.
E a atmosfera estranha estava de volta, embora estivessem longe da casa
em Portman Place e estivessem sozinhos a caminho de casa. Aquela atmosfera
indefinível que a enchia de inquietação.
E então ela não disse nada sobre a noite. Eles viajaram a maior parte do
caminho pelas ruas de Londres em silêncio.
— Quero que fique na cama amanhã de manhã, Rebecca — disse David em
voz baixa quando estavam perto de casa. — Vamos pegar o trem da tarde de
volta para Stedwell.
— Amanhã? — ela disse. — Pensei que não íamos até sexta-feira.
— Eu quero você em casa —, disse ele, — onde você pode relaxar
adequadamente.
Não há nada mais porque ficar aqui.
— Horace e Denise vão jantar conosco amanhã à noite — disse ela.
— Vou enviar nossas desculpas —, disse ele. — Eles vão entender, ambos
sabem sobre a sua condição… Nós iremos para casa amanhã à tarde — depois
que você tiver um bom descanso.
— Sim, está bem, David — disse ela.
Ela ficou imensamente aliviada. De repente, ela queria voltar para casa. Em
casa havia tanta coisa para fazer. Em casa não havia o silêncio com David.
Havia sempre algo a ser discutido. Em casa eram amigos. Sim, não era um
exagero. Eram amigos.
Sentia-se desesperada por estar longe dessa atmosfera. Era só Londres,
isso era tudo. A vida na cidade não lhes convinha. Havia muita ociosidade lá,
não o suficiente para fazer. Isso era tudo o que estava errado. E agora aquele
homem terrível acentuara tudo. A atmosfera desapareceria assim que tivessem
deixado Londres para trás.
— Será bom estar em casa —, disse ela.
Ele a olhou pela primeira vez. — Sim — disse ele. — Sim, vai.
Ela queria que ele pegasse a mão dela. Mas é claro que ele não pegou.
****
Era incrível como rapidamente um lugar poderia tornar-se em casa e fazê-la
sentir assim.
Stedwell tinha sido de David toda a sua vida, mas ele tinha vivido lá
apenas durante os últimos dois meses. No entanto, quando saiu do trem com
Rebecca e encontrou o mesmo desconjuntado e antiquado carro esperando por
eles como tinha acontecido no dia do seu casamento, parecia a David um
maravilhoso regresso a casa. E seu coração se ergueu ainda mais quando viu
Stedwell pela primeira vez e parecia inconfundivelmente como sua casa.
Ainda com seu ar negligenciado, exceto que os ramos não obscureciam mais
as janelas ocidentais e não havia margaridas florescendo na grama além do rio
e da ponte — e o leão tinha sido colocado de volta em sua coluna no portão.
Ele se sentia machucado e ferido depois de menos de duas semanas de
longe. O médico não pôde dar-lhes nem as garantias nem a cura que ele
esperava. Parecia que Rebecca estava quase certa de perder seu filho
novamente. O pensamento era uma agonia para ele. Sentia um anseio feroz por
essa criança, o único elo realmente pessoal entre eles, o único remanescente
de uma intimidade que tinham compartilhado muito brevemente.
E sentiu um desejo ainda mais feroz de ver Rebecca feliz. Não podia
esquecer como seus olhos haviam olhado quando lhe dissera que queria uma
criança mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Sentiu um enorme alívio por estar longe de Londres e do terrível
desconforto que isso havia trazido. Ter encontrado George Scherer de entre
todas as pessoas! Apenas uma visão do rosto do homem trouxe tudo de volta.
Lembrava-se da última visão que tinha daquele rosto. E Cynthia Scherer com
quem Julian se divertiu na ausência de Rebecca!
Tinha sido horrível. Ele esperava nunca mais voltar a vê-los.
Supunha agora que ele sempre estivera ciente da possibilidade de que seus
caminhos se cruzassem. Mas se alguma vez o tivesse considerado, ele
assumira que Scherer seria tão relutante quanto ele por ter qualquer lembrança
de volta novamente à superfície. O homem tinha que viver com a lembrança de
que sua esposa lhe tinha sido infiel.
No entanto, Scherer parecia nada relutante. Tornou-se rapidamente óbvio
para David que o motivo do homem ao convidá-lo e a Rebecca para jantar era
humilhar e punir a esposa. Se ele sentia profunda gratidão, de alguma forma
havia sido engolida em outra coisa depois que conheceu Rebecca e soube de
seu relacionamento com Julian. Ficou claro também que Cynthia Scherer não
tinha sido poupada da verdade como Rebecca. Ela sabia que ele havia matado
seu amante e salvado a vida de seu marido. Ela estava sendo punida com ele
também durante aquela noite horrível.
Ele e Rebecca não se tinham referido a ele desde então.
Eles caíram agradecidamente de volta ao padrão que seus dias tinham
seguido em Stedwell desde seu casamento. Exceto que ele não permitiria mais
que Rebecca fizesse o mesmo — e logo ela não conseguiria nem se levantar de
sua cama por mais tempo, somente alguns minutos de cada vez. Ele pretendia
ser inflexível sobre isso, embora ele não acreditasse que ele teria que ser.
Embora eles não falassem sobre isso, ele sabia que ambos estavam
determinados a fazer todo o possível para salvar seu filho.
— Eu vou ter que encontrar algo com que ocupar minhas mãos e minha
mente, — ela disse a ele durante o almoço, um dia depois que ela estava
lamentando o fato de que ela teve que assistir a assistente do cozinheiro partir
com cestas de comida para quatro das cabanas dos moradores durante a
manhã, antes de se retirar para a sua própria cama. Eu me sinto muito inútil e
inquieta, David.
Seria uma boa ideia fazer cortinas para a sala de aula, você acha? Parece
muito rígida e nua como está. Eu poderia fazer isso, não poderia?
— Sim, — ele disse, — até que chegue a hora de deitar-se completamente.
— Ele estava contente que ela não estivesse disposta a ceder ao tédio, embora
ele se perguntava como ela iria lidar com um mês inteiro passado na cama —
se todo o mês se mostrasse necessário. Não queria perseguir esse pensamento.
Havia inúmeros vizinhos, é claro, que teriam muito prazer de vir e lhe fazer
companhia. Eles todos logo souberam de sua condição.
E então ela pegou material e começou sua tarefa com vontade. Mas não
parou por aí.
— David —, ela disse a ele durante o chá cerca de uma semana depois,
depois que ele chegou em casa para encontrar Lady Sharp e Stephanie prestes
a sair e as tinha escoltado ao andar de baixo e viu-as em seu caminho, — Eu
tive uma ideia. Vai funcionar e vai resolver vários problemas. Ela vai
envolver um pouco de despesas, no entanto.
Rebecca sempre parecia odiar abordar o assunto do dinheiro, como se ela
acreditasse que eles eram pobres depois da redução do aluguel e do aumento
dos salários.
— O chá está frio? — perguntou ele, servindo uma xícara. — Qual é a
ideia?
— Provavelmente não frio, mas completamente passado — disse ela,
olhando com desgosto o líquido marrom escuro em sua xícara. — Vou tocar e
pedir mais, David.
Ele levantou a mão quando ela se ia levantar. — Que despesa? —
perguntou ao sentar e pegar ele próprio o açúcar.
— Pensei, — disse ela, — que eu poderia gradualmente começar a
substituir algumas das cortinas mais fracas da casa. Não custam tanto se eu
mesmo as faço. Embora elas vão custar um pouco mais se eu empregar
algumas das mulheres e meninas para ajudar, Miriam Phelps, por exemplo. Ela
lamenta que não haja emprego para as mulheres nesta área, David, exceto
pelos poucos empregos aqui na casa, tantas das meninas acabam nas cidades
onde há fábricas. É uma vida terrível para elas. Eu poderia manter mais
algumas delas empregadas na casa aqui por um longo tempo, e elas estariam
aprendendo um ofício.
Ele pensou por um momento, mas não conseguiu encontrar nenhuma falha
em seu plano.
— E eu gostaria de desfrutar da companhia delas —, disse ela, — assim
como eu desfrutei de minhas noites com o grupo de tricô. Só por algumas
manhãs por semana, David?
— Às tardes — disse ele. — Você sabe a minha opinião sobre o seu
descanso na cama sobre as manhãs.
— Por algumas tardes, então — disse ela. — Talvez eu pudesse começar
com as janelas menores lá em cima.
— É o seu domínio, vou deixar todos os planos em suas mãos… Os chalés
novos estão quase terminados — em tempo útil antes do inverno, eles parecem
muito confortáveis… Eu acho que tenho de fazer mais três no próximo ano.
Ele sentou-se com seu chá fresco e eles se acomodaram em um padrão
familiar e completamente confortável de conversa. Se ele pudesse manter seus
pensamentos sob controle ele poderia se considerar bastante satisfeito, até
feliz.
Mas os pensamentos, é claro, não podem ser tão facilmente controlados. Se
perguntava involuntariamente como ela e Julian deviam ter-se comportado
juntos durante suas duas gravidezes. Eles nunca se haviam comportado de
maneira diferente da usual em público, é claro. Ambos tinham sido muito bem
criados para isso, especialmente Rebecca. Mas em privado eles devem ter
compartilhado seus sonhos e esperanças para a criança que seria deles.
Eles devem ter compartilhado seus medos pela segunda vez. Seu amor deve
ter sido aprofundado por seu conhecimento de sua condição.
Só que Julian tinha dormido com outras mulheres durante a gravidez de
Rebecca — como o médico havia sugerido que ele, David, poderia fazer.
Sentiu um lampejo da velha fúria contra Julian.
Nada mudou entre ele e Rebecca. Ele queria falar sobre o bebê, sobre a
excitação, mas ele não podia ousar dar rédea a isso. Ele queria ouvir sobre os
medos que ele sabia que ela tinha engarrafado dentro de seu exterior
infalivelmente calmo. Ele queria abraçá-la e confortá-la, mesmo que não
houvesse conforto real para dar. Ele queria que eles compartilhassem as
esperanças e as agonias.
Mas tudo o que podiam falar era a construção de novas casas e a costura de
novas cortinas.
— David — disse ela —, o chá deve saber horrivelmente. Você deveria ter-
me deixado pedir mais.
Ela estava certa. Deixou a xícara meio vazia e levantou-se. — Hora de
descansar —, disse ele.
— É sempre tempo para o meu descanso. — Ela sorriu para ele.
Ela se levantou e pegou seu braço. Tornou-se um ritual diário para ele
escoltá-la até a porta de seu quarto depois do chá. Ele se perguntou de repente
como reagiria se ele se abaixasse e a levantasse em seus braços para levá-la
para o andar de cima. Ele a levaria diretamente para o quarto e a colocaria na
cama — a cama onde seu filho havia sido concebido. E ele tirava as cobertas
sobre ela e a beijava calorosamente nos lábios antes de deixá-la dormir.
Ele caminhou calmamente pelas escadas, seu braço através do dele, e abriu
a porta do quarto principal para ela. Ele a fechou atrás dela, como sempre fez.
****
Rebecca aguardava a chegada do fim de novembro com medo.
Ela estaria entrando em seu quarto mês. E ela não podia nem sequer
começar a fingir que não lhe importava muito, que não seria capaz de lamentar
profundamente uma vida que nunca existiria independente de seu corpo.
O fato era que ele existia. Dentro dela. Dependente dela.
Profundamente, profundamente amado. Tomou mais realidade à medida que
o temido quarto mês se aproximava. Houve movimento, e seu estômago e
abdômen se tornaram macios e um pouco flácidos. Ela não tinha perdido sua
figura as outras duas vezes, mas desta vez ela estava começando a se sentir e a
se ver como grávida já. Seus seios estavam maiores e macios ao toque. Ela
tentou não imaginar como devia ser ter um bebê se amamentando neles.
Ela tomou a atitude sem precedentes de não vestir nada apertado debaixo
dos vestidos, e esperando que o fato não fosse muito perceptível. Logo não
importaria. Logo ela estaria na cama e não precisaria se vestir.
Sua necessidade dos braços de David tornou-se um tormento físico. Mas
quanto mais ela o sentia, mais resolutamente ela se impedia de lhe dar
qualquer sinal. Ele se casara para que ela o ajudasse, e ela se casara com ele
nesse entendimento. Ela queria ser necessária, não queria precisar de ajuda.
Ela se consolou com o fato de que ele era ainda mais insistente do que ela, e
achava necessário que ela descansasse. Ela se sentia confortada por ser
obediente a todos os seus mandamentos, mesmo quando isso significava deixar
suas meninas e mulheres para trabalharem sozinhas nas cortinas do quarto duas
vezes por semana enquanto ela trabalhava com elas e as dirigia em outras duas
tardes. Se ele considerasse que mesmo a costura era muito esforço para ela,
então ela não costurava.
Mas ela temia o quarto mês. Ela temia aqueles primeiros sinais e a certeza
crescente, e o nascimento que não era um nascimento, mas apenas o oposto.
Ela temia a morte de seu filho. Ela se perguntou a que distância do quarto mês
estaria antes de acontecer.
O destino a provocaria e o reteria até quase ao fim?
Ela não tinha certeza de que não seria capaz de passar o mês sem revelar
sua necessidade de braços reconfortantes. Ela se perguntou como ele reagiria
se ela desmoronasse.
Por favor, meu Deus, não me deixe desfalecer.
Por favor Deus. Oh, por favor. Só desta vez. Só desta vez. Por favor.
Quando ela desceu as escadas na hora habitual de uma manhã, o mordomo a
mandou para o escritório, onde sua senhoria esperava ter uma palavra com
ela.
— Louisa está chegando —, disse ele depois que ela se sentou. Ele lhe
entregou uma carta da mesa. — Eu não tinha certeza de que sua própria
condição permitiria que ela viajasse, mas eu perguntei de qualquer maneira.
Papai a está trazendo amanhã. Eles vão ficar por algumas semanas, talvez até
ao Natal.
— Você pediu que ela viesse? — Ela disse, olhando para ele com
admiração.
— Você vai precisar de companhia —, disse ele. — Alguém com quem
você se sinta confortável e em quem possa confiar. Alguém que possa estar na
casa o tempo todo, você e ela eram amigas íntimas, você deve ficar na cama
logo, Rebecca. A partir de depois de amanhã, de fato.
— Sim — disse ela. Ela segurou a carta contra seu peito. — Obrigado,
David, você é muito gentil.
Ele olhou para ela, franzindo o cenho. Parecia que ia dizer alguma coisa,
mas mudou de ideia. Aproximou-se da escrivaninha e ocupou-se com os
papéis, ficando de costas para ela.
— Louisa será sua companhia — disse ele.
Sim, ela seria. Rebecca sentiu vontade que o dia seguinte chegasse
rapidamente. Seria maravilhoso ver sua amiga de novo. Ter alguém para
conversar, não apenas sobre assuntos comerciais.
Ela mal veria David durante o próximo mês, ela pensou de repente. Ele
nunca mais entrou no quarto principal. Ela olhou para suas costas quando ela
ficou de pé para deixar o estúdio. Apenas alguns meses atrás, ela temia vê-lo
novamente. Tinha achado difícil parar de desejar que fosse ele quem estivesse
morto em vez de Julian. Apenas alguns meses atrás, ela não gostava dele e
pensou que seria completamente impossível casar com ele e viver o resto de
sua vida com ele.
Parecia ter passado um longo tempo desde que ela se sentiu assim. Ela
nunca poderia amá-lo, é claro. Ela nunca poderia sentir a felicidade de estar
casada por amor que ela tinha sentido com Julian. Mas ela não iria reverter
sua decisão agora se ela pudesse. Ela gostava de estar casada com David. Se
ao menos fosse um verdadeiro casamento. Se ao menos tivesse pensado em
dar-lhe sua própria companhia em vez da companhia de Louisa.
Mas no entanto sentia gratidão. Ele não era completamente insensível às
suas necessidades emocionais.
— Você ficará feliz em ver seu pai novamente, David —, disse ela.
Ele se virou para olhar para ela. — Sim — disse ele. — Quero mostrar
tudo o que fizemos em três meses, Rebecca… A limpeza das chaminés, as
cortinas novas em vários quartos. Ele lhe deu um de seus raros sorrisos.
Um sorriso que deixou seu coração inesperadamente feliz quando ela foi
consultar o cozinheiro sobre um menu especial para o jantar do dia seguinte.
Capítulo 14
Stedwell, Inverno, 1856
Rebecca não sabia o que teria feito sem Louisa nas próximas semanas. O
mês de seu confinamento na cama coincidiu com um retorno de energia, o
cansaço dos primeiros meses tendo passado completamente. Era uma tortura
ficar na cama o dia todo e depois a noite toda.
Louisa estava grávida de sete meses quando chegou a Stedwell com o
conde. Embora ela insistisse em caminhar pelo menos meia hora por dia,
apoiando-se pesadamente no braço do marido. Ela assegurou a Rebecca que
como se sentia pesada e letárgica, não era nenhum sacrifício passar várias
horas a cada dia sentada no quarto com ela. Ela se ocupou de vários projetos
de costura enquanto fazia isso.
Por sugestão de Louisa, as mulheres e meninas que estavam trabalhando nas
novas cortinas trouxeram seu trabalho para o quarto em algumas ocasiões.
Rebecca lia em voz alta enquanto elas costuravam, algo que ela tinha feito
ocasionalmente no andar de baixo depois de descobrir que elas estavam
ansiosas por ouvir histórias. O arranjo funcionou bem depois que o embaraço
inicial de Rebecca ao ser vista na cama pelas mulheres tinha passado, dando
risadinhas junto com sua autoconsciência. Seu grupo de tricô também apareceu
na ocasião, trazendo consigo um xale para ela que todas tinham ajudado a
tricotar, e alguns bolinhos que a Sra. Shaw tinha cozinhado.
As senhoras vizinhas vieram visitá-la, algumas delas mais de uma vez. Elas
trouxeram notícias de seus vários comitês, da escola e da igreja. Os alunos
estavam preparando uma peça de Natal e um concerto e ficaram desapontados
ao saber que Lady Tavistock seria incapaz de tocar piano para eles. Louisa se
ofereceu para tomar seu lugar.
O conde vinha tomar chá várias tardes.
David vinha duas vezes por dia, para surpresa e prazer de Rebecca. Ele
vinha após o café da manhã todas as manhãs para ficar ao lado da cama por
alguns minutos enquanto perguntava sobre sua saúde. E ele vinha antes do
jantar à noite e às vezes ficava conversando por meia hora ou mais. Mantinha-
a informada do que se passava na casa e na propriedade, como resultado ela se
sentia menos distante do que de outra forma sentiria.
Ela era muito afortunada, concluiu Rebecca. Mas mesmo assim os dias
eram longos e as noites infinitas. Havia inevitavelmente longas horas em que
ela estava sozinha consigo mesma e com seus pensamentos. E com seus medos.
Longas horas em que se perguntava se tudo iria valer a pena. Ela mal
ousava esperar que pudesse dar certo.
Ela lia muito. Mas até mesmo os prazeres da leitura poderiam cansar
quando havia pouco mais para fazer noite ou dia, apenas ler. Ela se viu
olhando para cima durante a maior parte do tempo, seus pensamentos sobre
tópicos que sua autodisciplina normalmente mantinha trancados longe de sua
mente consciente. Ela não tinha sequer percebido que ela fazia tal coisa até
que os pensamentos surgiram e ela se viu assustada, ainda incapaz de suprimi-
los novamente.
Julian tinha liderado a ação pelo morro de Kitspur, disse David.
Ele tinha sido um grande herói, um mero capitão saindo à frente de um
major e talvez oficiais de grau ainda mais elevado. Julian tinha segurado a
linha no topo da colina, Sir George Scherer tinha dito, e desceu a colina só
mais tarde para resgatar aqueles que tinham participado da ação.
Quem estava certo? David ou Sir George? Talvez o que David quis dizer
fosse que Julian tinha liderado o resgate. Talvez tivesse deliberadamente feito
parecer como se Julian tivesse sido mais heroico do que de fato foi.
Ele queria consolá-la.
De qualquer forma, não importava. Tudo deve ter sido uma tremenda
confusão durante a batalha. Talvez ambos acreditassem no que disseram, e
realmente suas histórias não eram muito diferentes. De qualquer forma, Julian
estava morto, não importava quem tivesse razão. Só que preferiria acreditar na
história de David. E assim ela tendia a não acreditar em Sir George. Mas não
importava.
Mas pensar nas discrepâncias entre as duas histórias fazia com que
pensasse naquela noite com Sir George Scherer, uma noite que ela ficaria feliz
em esquecer. Ela não estava particularmente certa por quê. Ela não gostava do
próprio Sir George, mas ele tinha sido perfeitamente amável, tal como Lady
Scherer, e a comida tinha sido boa.
Mas havia aquela estranha atmosfera. Rebecca ainda se sentiu
desconfortável, semanas depois. Tinha havido algo, algo que ela não tinha sido
capaz de reconhecer na época. Algo que ela não queria entender, talvez. Mas
era algo que ela não podia deixar passar, agora que ela tinha pensado nisso
novamente.
Lady Scherer não gostava de seu próprio marido. Rebecca sentira que não
havia nenhum sinal exterior. O que ela percebeu apenas agora quando olhou
para trás, para aquela noite horrível, foi que Sir George também não gostava
de Lady Scherer. Ele a chamara de — meu amor — várias vezes, mas na
realidade ele a odiava. Rebecca franziu as sobrancelhas e deslizou um
travesseiro para fora de sua cabeça para tentar agitar uma maior suavidade de
volta para ele. De onde tinha vindo essa ideia? O que a fez pensar que Sir
George odiava sua esposa? Odiava?
Não havia nenhuma evidência em tudo. Ela estava ficando fantasiosa. O que
ela deveria fazer era tentar escrever uma história ou até mesmo um livro
inteiro, para que sua imaginação pudesse se desenrolar e produzir um conto
fictício que não prejudicaria ninguém. Um romance gótico, talvez.
David e Lady Scherer haviam-se sentido muito desconfortáveis na presença
um do outro. Dificilmente se entreolharam ou trocaram uma palavra durante
toda a noite. Rebecca percebeu naquele momento e cuidadosamente fechou a
memória de sua mente consciente. Por que eles se sentiriam tão desajeitados?
Eles tinham-se encontrado antes e deveriam ter tido algumas experiências
comuns para usar como base de conversa. Mesmo que nunca se tivessem
encontrado e não tivessem nada em comum, cada um deles tinha tido
experiência em ter conversas educadas com estranhos.
Não, houve uma consciência entre eles. Um desconforto causado pela
presença adicional de seu marido e de sua esposa?
Sim, estava lá, Rebecca pensou finalmente, segurando o travesseiro
novamente, arrancando-o de baixo da cabeça, e jogando-o para o chão.
Agora que ela tinha feito isso, ela não podia se sentir bem sobre isto. Não
era da sua conta. Tudo tinha acontecido muito antes de ela e David se casarem
ou até mesmo pensarem em fazê-lo. Aconteceu provavelmente enquanto Julian
ainda estava vivo.
David e Lady Scherer tinham sido amantes.
Ela não tinha nenhuma evidência para a conclusão que acabara de tirar e
desprezou-se por saltar para ela tão rapidamente. Mas ela sabia que era
verdade. Porque ela não queria que fosse verdade, ela sabia que era. Ela
nunca quis que coisas ruins sobre David fossem verdadeiras, mas sempre
foram.
Ele tinha tido um caso com a esposa de outro homem.
Rebecca se perguntou se Julian sabia e como reagira.
Ele sempre trouxe à luz as iniquidades de David, mas sempre dizendo-lhe
que David tinha bom coração e ela não devia julgá-lo por alguns pequenos
incidentes que realmente não eram de nenhuma importância. Exceto que alguns
deles tinham tido grandes consequências. Como a gravidez de Flora Ellis.
Julian tentou repreender David, tentou fazê-lo desistir de Lady Scherer?
Não importava, Rebecca disse a si mesma com firmeza. O que David fizera
antes de ser seu marido não lhe dizia respeito.
Além disso, ela não sabia ao certo. A evidência em que sua convicção se
baseava era, na melhor das hipóteses, frágil. Talvez ela lhe estivesse fazendo
uma grande injustiça. Mas ela sabia que não estava.
Pegou um livro e esperou impaciente o retorno de Louisa de seu passeio
diário.
Mas os pensamentos venenosos não a deixaram em paz. Ela acordou no
meio de uma noite tão de repente que ela prendeu a respiração e esperou com
algum alarme a dor e a sensação de empurrão que ela estava esperando e se
preparando para sentir, desde a primeira suspeita de que ela estava com uma
criança. Mas não havia dor.
Sir George Scherer também odiava David. Esse foi o pensamento que a
acordou? Era um pensamento estúpido. Deve ter-se entrelaçado em um
daqueles sonhos que não têm nada a ver com a realidade. Sir George devia sua
vida a David e não fez nenhum segredo do fato. Convidou-os para o jantar
para que pudesse expressar sua gratidão.
Rebecca virou-se para o lado, passando a mão sobre o inconfundível
inchaço de seu abdômen e tentando manter suas emoções afastadas da criança
que crescia dentro dela. Ela fechou os olhos e tentou se abandonar sob a
cobertura do sono novamente.
Ele odiava David, portanto, ele sabia.
Convidou-os para jantar, para que pudesse insultar David e sua esposa.
David havia dito que era comum os soldados salvarem as vidas uns dos
outros durante a batalha. Não havia nada extraordinário no fato de que David
tinha atirado no soldado russo que estava prestes a matar Sir George com uma
baioneta. Sir George tinha feito parecer extraordinário apenas para poder
colocar David e Lady Scherer cara a cara sob circunstâncias desconfortáveis.
Era ridículo, pensou Rebecca, impaciente. Como ela era tola, inventando
uma história em sua cabeça que era pura ficção e que, no entanto, caluniava
pessoas reais.
Mas era verdade. Ela sentia que era verdade.
Tudo estava no passado, de qualquer maneira. Não era da sua conta. Ela
devia esquecer. Mas ela não conseguiu voltar a dormir por um longo tempo. E
então, quando a sonolência finalmente tomava conta de sua mente, seus olhos
se abriram novamente.
Tinha sido uma baioneta no primeiro relato. O russo tinha sido um soldado
com uma baioneta, disse Sir George — um soldado particular. No segundo,
dizendo que o suposto assassino tinha empunhado uma espada — um oficial.
Havia uma grande diferença entre as duas versões. Mesmo admitindo a
confusão da batalha, havia uma grande diferença. De qualquer forma, ao longo
do tempo uma das versões certamente teria se tornado um ritual, de modo que
Sir George não diria uma coisa num dia e outra no próximo.
A menos que a coisa toda tivesse sido uma história recentemente fabricada.
Teria sido? Não havia nenhum incidente de salvamento? Ou a coisa toda
tinha sido muito diferente da maneira como tinha sido dito?
Assim como o que tinha acontecido com Julian poderia ter sido diferente do
que David ou Sir George tinham dito. Mas não havia conexão entre os dois
incidentes, é claro. Exceto que ambos tinham acontecido durante esse breve
episódio no Kitspur. David salvou a vida de Sir George Scherer — ou não a
salvou — e Julian havia morrido como herói — ou não como um herói — tudo
em poucos minutos. E David fazia parte de ambos os incidentes.
Rebecca sentiu-se bastante doente. Não houve conexão entre os dois
eventos. Que espírito malévolo da noite estava tentando agora sugerir que
havia? Era horrível. Horrível! Ela odiava as suspeitas que estavam se
acumulando em sua mente, sem nenhuma base de fato. E o terrível mal-estar.
Ela odiava o mal-estar.
Provavelmente não tinha havido nenhum caso, ela pensou firmemente, e
tanto David quanto Sir George Scherer haviam dito a verdade como melhor
eles a lembravam depois de toda a confusão. Não havia nenhuma estranheza
entre David e Lady Scherer além de uma certa reserva em ambos. E Sir
George não odiava sua esposa ou David. Pelo contrário, ele estava grato a
David por salvar sua vida. E ele chamou sua esposa de — meu amor.
Sim! Essa era a verdade da questão. Não havia nenhum segredo, nenhum
mistério.
Mas a mente não é tão facilmente controlada quanto a vontade. O que
realmente aconteceu no Kitspur? — perguntou-se, enquanto buscava em vão
um retorno do sono e do esquecimento. Havia algum tipo de conexão entre
David, Julian e Sir George Scherer?
Esse último pensamento foi o mais fantástico de todos e o menos
fundamentado em qualquer evidência. Era também o mais assustador por uma
razão que Rebecca não conseguia entender.
****
Rebecca não se sentia bem na manhã seguinte. Tinha dor de cabeça por falta
de sono e sentia-se tão deprimida que achou difícil cumprimentá-lo com a
habitual jovialidade após o café da manhã e assegurar-lhe que teve uma boa
noite e se sentia bem.
Ele a olhou de perto. — Você está pálida — disse ele.
— Bem — ela admitiu. — Não dormi muito, David, acordei no meio da
noite e não voltei a dormir.
— Você deve dormir esta manhã, então —, disse ele. — Vou dizer a Louisa
para não vir cedo demais.
Foi em vão que protestou que ela aguardava com expectativa as visitas
matutinas de Louisa. E ela não podia dizer que hoje, mais que todos os outros
dias ela precisava da distração que a conversa de Louisa proporcionava.
Quando David tinha esse olhar fixo em seu rosto, ela sabia que não havia
discussão com ele.
— Muito bem —, disse ela finalmente. — Vou tentar dormir, David.
— Tem certeza de que está se sentindo bem? — Ele estava olhando
pensativamente para ela.
Ela assentiu e fechou os olhos. — Só um pouco cansada ainda —, disse ela.
— Por sua insistência, vou ficar preguiçosa.
Olhando para ele, ela pensou, mantendo os olhos fechados, era impossível
acreditar que ele fosse capaz de qualquer das velhas transgressões. Era
impossível acreditá-lo capaz de engravidar Flora — e depois recusar-se a
casar com ela. Era impossível acreditá-lo capaz de ter um caso com a esposa
de outro homem.
Ele parecia tão respeitável.
Mas talvez ele não fosse culpado desse último erro. Ela não tinha nenhuma
evidência, exceto a forte sensação de que ela devia estar certa.
Ela deitou-se e procurou dormir.
E despertou em um quarto vazio uma quantidade indeterminada de tempo
depois e com suor e pânico. Ela ficou muito quieta, com os olhos fechados, até
que a dor voltou e o desejo de empurrar — ambos muito fracos. Ambos muito
possivelmente sua imaginação ou parte restante de um pesadelo.
Ficou imóvel novamente, com medo de se mover até mesmo para aliviar as
pernas enrijecidas. Ela tentou relaxar e respirar uniformemente. Ela tentou
dormir.
A próxima onda de dor estava diminuindo quando Louisa entrou no quarto,
brilhante e alegre como costumava ser, armada com bordados, tricô e
conversa.
— Oh. — Ela deixou cair os pacotes na cadeira mais próxima e correu para
a cama. — O que foi, Rebecca?
— Chame David. Rebecca pressionou as palmas das mãos contra o colchão
e tentou manter a sanidade. Ela falhou desanimada. — Traga David —, ela
lamentou. — Chame David.
Louisa moveu-se rapidamente para alguém que se tornara tão volumosa. Ela
desapareceu enquanto Rebecca respirava ruidosamente e olhava com olhos
arregalados para o inferno.
Ele veio correndo não mais de um minuto ou dois mais tarde.
— Rebecca? — Ele disse. — Problema?
Ela não notou a palidez de seu rosto ou a dureza de sua voz quando ele
chegou ao lado da cama. Ela agarrou-o, lamentando horrivelmente, todo o
controle perdido. — Me segure.
Ajoelhou-se na cama, aproximando-a dos braços.
— Eu não quero perder o bebê, — ela gritou agarrando a frente de sua
camisa. — Eu não quero perdê-lo.
— Você está com dores?
— Sim — disse ela. — Acho que sim, não sei, David, abrace-me, por
favor, abrace-me. — Ela estava muito perturbada para se sentir envergonhada
por seus soluços barulhentos e o dilúvio de lágrimas que se seguiram enquanto
ela se agarrava a ele, tentando meter-se dentro dele para absorver segurança.
Ele foi inclinando o corpo dela para baixo até que ela estava deitada de
novo, sua cabeça em seu braço, seu rosto e seu corpo ao longo do dele. Ele a
abraçou e chorou com ela. Alguma parte separada de sua mente estava ciente
de que ele chorava também.
De alguma forma ele tinha ficado debaixo das roupas de cama com ela, de
modo que ele foi capaz de puxar os cobertores para cima calorosamente até
suas orelhas. Ela estava envolta em calor e começou a sentir a histeria
terminando. Ela relaxou gradualmente contra ele.
— Alguma dor agora? Ele murmurou para ela depois de alguns minutos.
— Não.
Ele correu uma mão para cima e para baixo nas suas costas, circundando-a
lentamente para que ela relaxasse ainda mais ao seu ritmo. Ela começou a
perceber que David estava deitado completamente vestido na cama com ela —
ele estava mesmo usando suas botas, ela podia sentir com um pé nu —
segurando-a perto dele, massageando suas costas através de sua camisola. Ele
estava fazendo o que ela tinha sonhado há meses que ele fizesse. E sentia-se
ainda mais maravilhosa do que imaginara.
Ele tinha feito as dores desaparecerem. Não havia nenhuma desde que ele
tinha vindo. Ele chorara com ela, ela pensou com alguma surpresa. Seu filho
era tão importante para ele como para ela. E certamente ela significava um
pouco mais para ele do que apenas uma parceira de negócios e quase amiga.
Ele poderia ter mandado chamar o médico e segurado a mão dela — ou
enviado Louisa de volta para ela — até que o homem viesse. Em vez disso,
ele tinha subido na cama com ela, botas e tudo, para segurá-la porque ela tinha
pedido para ele fazer isso.
Muito em breve, pensou sonolenta, ia desprezar-se por mostrar tão pouca
disciplina e fortaleza. Logo ela ficaria embaraçada por ter mostrado a ele que
ela precisava dele — ela tinha mesmo enviado Louisa correndo atrás dele.
Mas ainda não. Se ela sentisse essas coisas muito cedo, teria de afastar-se
dele e assegurar-lhe que estava bem recuperada, muito obrigado.
Ela não queria se recuperar ainda.
Importava que ela significasse mais para ele do que para um amigo? —
perguntou-se através da névoa do sono que retornava. Será que ela queria
dizer mais quando ela sabia tantas coisas desagradáveis sobre ele? E quando
ela amou...
Mas ela se recusou — ela se recusava a considerar assuntos tão espinhosos
nesse preciso momento.
— Mmm, — ela disse sonolenta contra sua camisa enquanto sua mão
circulava sua parte inferior das costas e confortava a dor ali.
****
Ele esperou até que ela estivesse profundamente adormecida antes de se
afastar lenta e cuidadosamente da cama e sair do quarto. Como esperava, seu
pai e Louisa estavam esperando no corredor do lado de fora. Louisa estava
chorando. De repente ele percebeu que os traços de suas próprias lágrimas
ainda estavam visíveis e que ele devia estar horrivelmente desgrenhado.
Ele não se importava muito.
— Ela está dormindo — disse ele. — Acho que talvez tenha sido um
alarme falso, ou talvez as coisas estejam apenas começando.
Eu sei pouco sobre esses assuntos. Nunca tive motivo para discuti-los —
da última vez.
— O decantador de brandy mais próximo está na sala? — perguntou seu pai
severamente. — Vamos para lá sem demora, meu rapaz, se você acha que pode
caminhar até tão longe.
— Vou mandar a criada de Rebecca sentar-se com ela até ela acordar —
disse Louisa em voz baixa. — Planejamos voltar para casa amanhã, David.
Mas William concordou comigo que devemos ficar. Talvez devêssemos passar
o Natal aqui, afinal, como sugeriu.
— Eu espero —, disse David, — que ainda haja algo para comemorar.
— Se há ou não —, ela disse, pegando o braço dele e apertando-o, — Eu
acho que somos necessários aqui David, por ambos. E realmente não importa
se William e eu estamos aqui ou em casa para o Natal. Nós temos um ao outro
e isso é tudo o que realmente conta.
David estava envergonhado de repente de que ele alguma vez suspeitasse
dos motivos de sua madrasta para se casar com seu pai. Sua óbvia afeição um
pelo outro, apesar da diferença de idade, mostrava o vazio de seu próprio
casamento. Ele se perguntou se eles tinham notado que ele e Rebecca estavam
muito distantes mesmo que não houvesse uma hostilidade aberta entre eles.
Mas como eles poderiam não ter percebido? O silêncio de seu pai sobre o
assunto era prova suficiente de que ele sabia que seus medos tinham sido bem
fundamentados.
Mas ela precisava dele, pensou David. Por alguns minutos, em seu pânico,
ela precisou dele e enviou Louisa correndo à procura dele. Louisa tinha
entrado em seu escritório, onde estava discutido alguns assuntos financeiros
com Quigley, sem sequer bater à porta primeiro.
Ele nem sequer tinha percebido o quanto precisava ser necessário até que
Rebecca o agarrasse, os olhos selvagens de pânico, exigindo que ele a
ajudasse. Seu pânico fora uma resposta ao dele, e por alguns minutos ele
estava perdido em dor e lágrimas por sua própria conta. Mas a maravilha de
ser necessário, de ter seus braços vazios cheios de novo, tinha despertado uma
dor de um tipo diferente. Ele poderia tê-la segurado para sempre. Só o
conhecimento de que seu pai e Louisa estariam esperando ansiosamente por
notícias o tinha tirado de sua cama relutantemente quando ela estava dormindo.
Mesmo com a espessura do casaco e das calças, sentira o leve inchaço da
gravidez. A lembrança do sentimento trouxe uma dor de volta à sua garganta
enquanto tomava seu copo de conhaque das mãos de seu pai. O dele, ele notou
com alguma surpresa, tremia um pouco. Louisa tinha ido dar instruções à
empregada de Rebecca.
— Beba antes de desgraçar sua masculinidade e desmaiar — disse o conde,
bruscamente.
David bebeu.
— Eu desmaiei quando a notícia de que você tinha nascido foi trazida, seu
pai disse. Eu estava muito entorpecido para desmaiar quando sua mãe morreu
com sua irmã. Agradeça David, que pelo menos você não tenha motivo para se
sentir entorpecido, ainda há esperança e ela vai sobreviver neste ponto,
mesmo que a criança não sobreviva.
David rodou o resto do conteúdo de seu copo e o tomou de um gole.
— Estou aterrorizado — murmurou o pai, tomando David de surpresa.
Observou o conde beber seu próprio conhaque e sorriu pesarosamente. —
Fui muito egoísta, não é? — Ele disse. — Agindo todas essas semanas como
se eu fosse o único pai expectante e ansioso… Perdoe-me, papai.
— Ela deve precisar de você — disse o conde, franzindo os lábios e
agindo como se não houvesse revelado um momento fraqueza. — Se ela
mandou chamar você assim, Louisa disse que tudo o que ela podia dizer uma e
outra vez era para ir buscá-lo, ela precisava de você, já é algo, meu filho.
— Sim — disse David, quase com medo de acreditar. Mas seus
pensamentos foram interrompidos pela chegada do médico, a quem ele tinha
gritado para que buscassem, quando ele tinha corrido escada acima e que o
conde tinha mandado buscar.
Depois de lhe dar um drinque, mandaram-no embora, e David lhe ordenou
que voltasse à tarde.
Mas à tarde, quando ela finalmente acordou, Rebecca declarou que estava
se sentindo melhor e que não havia nenhuma recorrência das dores. Ela olhou
para seu marido com olhos que mal ocultavam a ansiedade e a necessidade de
segurança, ele sentia. Ela ainda parecia pálida.
— Relaxe e tente não pensar nisso — disse ele, sentando-se na beirada da
cama em vez de sentar na cadeira, como costumava fazer. — Louisa e papai
vão ficar até ao Natal, talvez você possa descer algumas horas no dia de
Natal, o mês terá terminado.
Parecia que de alguma forma, era a coisa certa a falar, como se houvesse
esperança.
— Será maravilhoso estar de pé de novo —, disse ela. — Você não
acreditaria no quão ociosa eu me sinto, David. Talvez eu tenha esquecido
inteiramente como trabalhar.
— Eu vou ter que estalar o chicote de novo, então, — ele disse e ficou
satisfeito por ver um meio sorriso em seus lábios pálidos. — Mas não por um
tempo, vou levá-la lá embaixo para o Natal e voltar para cima.
— Vai ser maravilhoso —, disse ela. — A escada ainda está lá? — Ela
perguntou.
Ele quase estendeu a mão para tocar sua bochecha, mas ele não conseguia
se decidir a arriscar a apagar o sorriso próximo de seu rosto.
— Eu vou dormir aqui à noite por um tempo —, disse abruptamente e viu o
sorriso desaparecer depois de tudo, para ser substituído por um olhar
cauteloso. — Você precisa de alguém por perto, Rebecca.
Apenas no caso de… — As palavras ficaram suspensas no silêncio entre
eles.
Mas ele não tinha certeza de que sua decisão não fosse apenas uma
desculpa. Uma desculpa para estar perto dela. Talvez para tocar ela. Talvez
para ser necessário novamente. Ele não tinha percebido até aquela manhã o
quão faminto ele estava de sua presença.
Ela não discutiu como ele esperava. Mas claro, Rebecca não discutiria. Ela
era sua esposa. Era seu dever recebê-lo em sua cama sempre que ele
escolhesse se colocar lá. Ele não iria ver mais em sua aquiescência do que
isso.
— Obrigado, David — disse ela.
Capítulo 15
Rebecca desceu as escadas pela primeira vez na véspera de Natal, um dia
antes do que David havia prometido. O conde, Louisa e David tinham jantado
em seu quarto com ela uma vez que era uma ocasião especial, e então a
deixaram descansar. Eles estavam planejando ir à igreja mais tarde.
Rebecca tentou não se sentir deprimida por ficar sozinha. De fato, havia
tudo para colocá-la exatamente no estado de espírito oposto. Amanhã era dia
de Natal e ela ia descer pela primeira vez em um mês. E esse foi o fato mais
significativo e maravilhoso de todos. Um mês tinha-se passado, o temido
quarto mês. E ela ainda estava grávida.
Se pudesse passar com segurança após o quarto mês, tinha dito Sir Rupert
Bedwell, então ela provavelmente seria capaz de levar seu bebê a termo. E ela
estava prestes a entrar no quinto mês. Oh, não, ela decidiu, fechando os olhos
e espalhando ambas as mãos levemente sobre seu abdômen, não havia
nenhuma razão para se sentir um pouco de espírito baixo apenas porque ela
tinha sido deixada sozinha durante a noite na véspera de Natal. Ela não seria
tão tola.
E então a porta se abriu de novo e ela virou a cabeça para ver David entrar.
Ela olhou para ele com melancolia e se perguntou se ele percebeu quão
dependente dele ela se tinha tornado no último mês.
Suas visitas eram o ponto alto de seu dia, embora eles raramente falassem
sobre quaisquer outros tópicos além do estritamente impessoal. Às vezes, ela
se perguntava se inventara aquela lembrança de que ele a abraçava e chorava
com ela, mas sabia que não. Tinha sido uma das raríssimas fendas na armadura
que ele sempre usara com tanto cuidado para se proteger da vista das outras
pessoas.
Ela se perguntou se ele sabia como dependeu dele na noite em ela tinha
passado mal. Duvidava que pudesse dormir à noite se ele não estivesse ali ao
lado dela. Era muito tedioso ficar deitada na cama durante vinte e quatro horas
por dia. Ele nunca tentou tocá-la ou beijá-la, mas havia o calor da sua
presença ao lado dela e o conhecimento de que ela não estava sozinha, que ele
estava lá se ela precisasse de ajuda. Às vezes, ela acordava durante a noite
para descobrir que eles estavam aconchegados perto um do outro, embora ela
nunca soube quem se tinha achegado até o outro. Às vezes, afastava-se dele
conscientemente. Outras vezes, ela estava muito quente e confortável para se
mover, mas apenas fechava os olhos e voltava a dormir.
— Esqueceu alguma coisa? — Ela perguntou.
— Os cantores natalinos estão aqui —, disse ele. — Um grande exército
deles, Rebecca. Quase enchem o corredor. E eles querem você. Eu não achei
que seria uma boa ideia trazer todos para cá.
Ela riu.
— Acho que seria mais fácil levar você — disse ele. — Você está se
sentindo à vontade?
— No andar de baixo? — ela disse. Ela se sentiu como uma criança a quem
era oferecido um raro tratamento. — Agora? Mas olhe para mim.
— Você tem o cabelo bem trançado para o jantar —, disse ele. — Ainda
parece arrumado, eu vou buscar seu roupão e depois embrulhar você em um
cobertor grande. Mas só se você quiser Rebecca. Eu vou dizer-lhes que você
não pode, você desce apenas se você quiser fazer isso. Se eu deixar a porta
aberta, você os ouvirá cantando, eu não exagerei quando disse que havia um
exército deles.
— Eu quero —, ela disse apressadamente, sentando-se e jogando para trás
as coberturas. — É Natal, eu sempre adorei o Natal mais do que qualquer
outra época do ano, parece anos desde que eu comemorei corretamente, foi em
Londres com Jul…
— Vou buscar o seu roupão e um cobertor — disse ele, desaparecendo em
seu camarim.
Tinha estado em Londres com Julian. Foram celebrações ruidosas com um
grande número de seus colegas oficiais e suas esposas. Ela não tinha
realmente gostado. Ela teria preferido ficar sozinha com ele ou com um
pequeno grupo de amigos próximos. Mas Julian sempre adorara grandes
encontros. Tinham sido alguns dias antes de seu aborto. Talvez tivesse
acontecido porque ela tinha dançado e dançado durante o Natal, embora ela
não quisesse. Julian insistira para que ela se divertisse. Ela estava indo para o
confinamento, ele tinha dito quando ela tinha tentado se retirar em silêncio por
medo de que ela pudesse abortar como ela tinha acontecido da primeira vez.
— Aqui — disse David, ajudando-a a vestir o roupão enquanto se sentava
na beira da cama. — Não, não, fique quieta. Vou embrulhar o cobertor em
torno de você e pegar você assim.
— Estou pesando uma tonelada — disse ela. — Eu não fiz nada durante
todo o mês, só fiquei deitada aqui, pegando mais peso.
— Uma simples pena — disse ele.
Ele realmente não tinha exagerado. Ela podia ouvir o balbucio de vozes
enquanto ele a carregava pelas escadas. Quando chegaram à entrada do
corredor, realmente parecia que estava cheio a transbordar. Viu Miriam Phelps
e algumas de suas senhoras de tricô e de costura em um relance, embora
parecesse haver uma multidão desconcertante de caras. Ela sorriu.
Todos pararam de falar ao vê-la e depois aplaudiram. Alguns homens
assobiaram. Todos estavam claramente em um clima festivo e alegre já.
Rebecca sentiu uma inesperada descarga de lágrimas nos olhos e teve que
virar o rosto para o ombro de David por alguns instantes. O conde e Louisa,
ela notou quando ela olhou para cima novamente, estavam de pé ao lado de
uma das grandes lareiras. Um enorme tronco queimava em cada lado da sala.
Um banco de carvalho tinha sido arrastado para perto do calor.
David a sentou ali e sentou-se ao lado dela, seu braço ainda sobre seus
ombros. Todos ficaram em silêncio.
— Cantores? — Rebecca disse. — Os cantores não vão cantando de casa
em casa? Existem casas que não estão vazias?
Houve uma gargalhada geral.
Tinha sido a ideia de alguém, parece. Ir cantar em Stedwell desde que a
casa estava habitada pela primeira vez em um longo tempo. E todos sabiam
que a viscondessa estava confinada à cama e não estaria na igreja. A ideia
pegou fogo e quase todo o mundo tinha vindo — todo o mundo das casas dos
trabalhadores, muitos da aldeia.
— A pergunta é, — Rebecca disse, — vocês sabem cantar?
Houve outro rugido de riso.
Mas muitos deles sabiam e cantavam e aqueles que não podiam juntaram-se
de qualquer maneira, de modo que não importava que alguns cantassem muito
alto ou muito rouco ou fora de tom. Realmente não importava.
Rebecca se juntou a eles, e ela podia ouvir a voz de David perto de sua
orelha. Louisa também estava cantando, viu quando olhou para ela. O conde
olhava com seu habitual ar severo. Mas seu pé estava batendo.
Os cantores geralmente cantavam três ou quatro canções de natal antes de
tomar alguns refrescos e continuarem em seu caminho. Estes cantores cantaram
até aproximadamente vinte minutos quando David sinalizou a seu mordomo, e
alguns minutos mais tarde a cidra e o vinho foram servidos por lacaios e
bandejas de pedaços de tortas e bolos por empregadas domésticas. Os sons da
música deram lugar as vozes vibrantes e risadas joviais.
— Você está cansada? — perguntou David em voz baixa. — Posso levá-la
de volta?
— Ainda não — disse ela, virando-se para olhá-lo. — Só um pouco mais,
David.
Ele acenou com a cabeça e pôs uma torta de carne picada em um prato para
ela.
Seu povo era tímido demais para falar pessoalmente com eles, mas houve
várias piadas feitas para o divertimento geral de todos. O mais popular foi
feito por Joshua Higgins, um dos jovens que ajudou no jardim durante o
outono.
— O que é isso, então? Ele disse quando houve uma pausa no ruído geral,
quando todo mundo parecia estar se preparando para sair. Sua voz estava
confusa. — De onde veio isso? Como é que ele entrou no meu bolso, hein?
Quem o colocou aqui? — Ele tirou um pequeno ramo de vegetação do bolso
de seu casaco grande.
— Parece um visco para mim, Josh — disse outro dos homens. — Talvez
Miriam o colocasse lá. Talvez ela estivesse dizendo que você é muito lento.
Houve um riso geral e protestos altos de Miriam. Josué se moveu para o
fogo como se quisesse deixar cair a pequena planta que já estava murchando
nas chamas, mas ele se virou no último momento, com um sorriso no rosto, e o
riso propagou-se e foi acompanhado por assobios.
Oh querido Deus, pensou Rebecca, estava acima de sua cabeça. Ele não ia
beijá-la, pois não? Bem, ela não ficaria nervosa. Afinal, era Natal.
E então o braço de seu marido apertou seus ombros e sua mão livre segurou
seu queixo para virar seu rosto para ele, e ele a beijou levemente, nos lábios.
Como ele a beijou no altar no dia do seu casamento. Um beijo público. Um
beijo de Natal. Os apitos se tornaram penetrantes.
No dia do seu casamento, ela tinha estado oprimida pelo conhecimento de
que ele era David, que ela se casara com ele, que lhe devia tudo, sozinha com
ele pelo resto de sua vida. Estava aterrorizada com o pensamento de
intimidade com ele. E agora…
E agora? Ele era David. Ele era seu marido. Ela se entregara a ele e estava
carregando seu filho dentro de seu ventre. Ela era dele para o resto da vida.
Nada tinha mudado. Exceto o terror.
E o senso de opressão. Sentia-se bem. Oh, sentia-se muito, muito bem por
lhe pertencer. Por pertencer a esta casa e a estas pessoas. Pertencer a um
homem novamente. Estar vivendo numa renovada esperança de poder ter um
filho próprio.
Eles iriam ser uma família. Uma família real.
De repente, o passado parecia não mais doloroso, não mais para se para
consumir. De repente, o presente parecia muito bom e o futuro algo a ser
antecipado com esperança e prazer.
— Feliz Natal, David, — ela disse calmamente quando ele levantou a
cabeça.
Ele fez um breve discurso de agradecimento aos cantores por terem
chegado e terem dado um belo início às festividades de Natal. Então ele
anunciou que ia levar sua esposa de volta para o quarto antes de abrir as
portas e deixar todo o frio do inverno entrar. Rebecca sorriu para todos e teria
chorado, se isto tivesse sido uma coisa adequada para uma viscondessa fazer.
Ela notou de repente lenços novos e luvas — alguns novos gorros de lã —
e dirigiu um sorriso especial a Miriam, que agora estava de pé ao lado de
Joshua.
Eles ficaram em silêncio no caminho para o seu quarto. Ela sentiu todo o
anticlímax de deixar um encontro tão quente. E um pouco envergonhada por
estar sozinha com David quando ele tinha acabado de beijá-la. A última vez
que ele a beijara tinha sido na terceira noite de seu casamento, depois de ter
tido aquele pesadelo. Ela odiava essa memória e ao mesmo tempo era
fascinada por ela. Parecia quase impossível que realmente tivesse acontecido.
Que talvez tenha sido então que seu filho tinha sido concebido.
Ele sentou-a na beira da cama e desenrolou o cobertor de seu corpo. Ficou
em silêncio enquanto tirava o roupão e o entregava a ele. Ela estava deitada
quando ele voltou de seu quarto de vestir.
— Vou mandar sua empregada para escovar seu cabelo — disse ele. —
Provavelmente chegaremos atrasados da igreja, tentarei não acordá-la quando
for para a cama.
— David, — ela disse e então não sabia o que queria dizer a ele. Não eram
palavras que ela queria falar. Ela queria… Oh, ela não sabia o que ela queria.
Era Natal e ela tinha sido contaminada com o espírito natalino. Com aquele
anseio de Natal que sempre trazia esperança para algo maravilhoso, algo
duradouro, algo além da imaginação.
— Sim? — Ele ficou de pé olhando para ela, suas mãos apertadas atrás
dele, esperando. Um cavalheiro muito elegante, correto, de aparência severa,
pensou ela, com seu casaco preto de linho engomado.
David. Sempre desejara conhecê-lo, sempre se sentira magoada por seu
desinteresse e desconcertada por suas crueldades, sempre o tinha aborrecido,
porque não conseguia entendê-lo. Porque ele era incognoscível, além do reino
de sua experiência. E agora ele era seu marido e o desejo era cada vez mais
doloroso.
— Foi maravilhoso para eles, não foi? — Ela disse.
— Sim — disse ele. — Acho que você encontrou um caminho para seus
corações, Rebecca, acho que fiz uma coisa sábia quando me casei com você.
Boa noite. E Feliz Natal.
Lágrimas vieram quando ele tinha ido. Lágrimas de felicidade. Lágrimas de
frustração. Lágrimas de… Ela não sabia por que elas vieram. E não sabia se
estava feliz ou triste. Talvez ambos. Seria possível sentir os dois? Eu fiz uma
coisa sábia, ele havia dito. O que era uma coisa muito típica e desapaixonada
para David dizer. Sensato. Porque ela conquistou os corações do seu povo?
Teria ela conquistado? Não tinha exagerado um pouco? Ela não tinha feito
muito por eles, afinal.
As lágrimas derramaram sobre suas bochechas porque ele a viu assim?
Porque ele pensou que tinha feito uma coisa sábia ao se casar com ela?
Eram lágrimas de felicidade? Ou era porque ele não tinha dito que estava
feliz por ter-se casado com ela? Porque ele não tinha pensado em dar-lhe um
beijo de boa noite quando eles estavam sozinhos juntos? Porque aqueles olhos
azuis dele não tinham sorrido para ela?
Desejava poder conhecê-lo. Desejava poder baixar as barreiras e deixá-la
vê-lo como ele era. Ela desejou que o afeto de que ele falara pudesse crescer
entre eles. Ela gostaria de ver afeição nos olhos de David.
Ele chorara com ela uma vez. Porque ele tinha pensado que seu bebê estava
morrendo? Ou porque ela tinha entrado em pânico e ele sabia que ela estava
sofrendo?
Naquele tempo ela tinha pensado que foi a última hipótese. Ela ainda
pensava. Mas nunca se sabe com David.
Ela sempre soube com Julian. Julian sempre tinha usado o coração no olhar.
Sentiu uma pontada de desejo pela descoberta do amor que haviam
compartilhado. Uma descoberta como aquela com David — quão adorável
seria. E então ela abriu os olhos. Nunca poderia haver algo assim com David,
ou com qualquer outro homem. Só com Julian ela poderia ter sentido essa
proximidade. Julian tinha sido o amor de sua vida. Ela sentiu um súbito medo,
de que talvez o tempo escurecesse a lembrança desse amor. Ela o amava com
um amor que só podia acontecer uma vez na vida. Ela não queria esquecer
isso.
Não era o que ela queria com David. Ela queria amizade e carinho com
David. E a segurança de uma casa e uma família com ele. Não amor. Não
aquela emoção que a dominava com Julian — que sempre a abraçaria nas
profundezas de seu coração.
Ele tentaria não acordá-la quando ele fosse para a cama, ele dissera.
Rebecca sorriu. Ele não sabia que ela não dormiria direito até que ele
viesse?
****
Louisa supervisionara a decoração da casa com vegetação, a pedido de
David. Foi seu primeiro Natal real em muito tempo, também.
O último de Rebecca fora passado em Londres com Julian, dissera ela. Ele
passara o mesmo Natal com seu pai em Craybourne. Ele estava no hospital de
Scutari no ano seguinte.
O Natal animou-o este ano. Pela primeira vez em sua vida, ele o passaria
em sua própria casa. Seu pai e a esposa de seu pai estariam com ele. E sua
própria esposa. Ela devia descer na tarde do dia de Natal — para o chá e a
troca de presentes.
E para outra coisa também que era para ser uma surpresa para ela.
Ele ajudou a decorar a sala de estar, mais notavelmente a árvore de Natal,
um item que tinha feito o seu pai franzir as sobrancelhas e Louisa rir. Uma
árvore de Natal? Uma árvore inteira? Mas sim, ele havia dito, como se não
tivessem ouvido falar de tal coisa? O Príncipe Albert, o consorte da rainha,
tinha introduzido o costume na Inglaterra há vários anos. David encheu um
balde com terra, plantou a árvore e decorou-a com arcos, sinos e velas. Ele
queria algo especial para Rebecca ver quando ela descesse.
Rebecca. Seria seu primeiro Natal juntos como marido e mulher. E as
coisas estavam indo bem, ele pensou. Ela estava passando o tempo de perigo,
embora ele ainda sofresse de ansiedade. Ela ia poder ter seu filho. Eles iam
ser uma família de três. Ela já estava bastante grávida, embora não tão grande
quanto Louisa, é claro. Às vezes ele acordava durante as noites para encontrá-
la aconchegada a ele. Ela não sabia, mas muitas vezes ele se voltava para ela
nessas ocasiões para que pudesse sentir o inchaço do abdômen contra o
estômago. Ele achou o sentimento maravilhoso — oh não, erótico.
Definitivamente não era isso. Terno. Ele achava maravilhosamente terno.
Ela parecia quase feliz, apesar do tédio de passar o mês na cama e da
ansiedade que devia ter sentido a cada instante — a ansiedade que tinha
explodido terrivelmente durante aquela manhã terrível, quando ela pensou que
estava abortando de novo. Ontem à noite ela parecia feliz — feliz de ser
levada para baixo, feliz por estar em Stedwell cercada por seu povo, para
compartilhar o Natal com eles.
E ele estava feliz. Tudo o que ele esperava conseguir quando voltasse para
casa da Crimeia parecia ter-se realizado.
Ele a convenceu a se casar com ele, ele tinha sido capaz de oferecer-lhe
uma vida de segurança e utilidade, mesmo que a casa ainda parecesse
terrivelmente desprezível quando se olhava bem, e agora parecia que ela iria
ter uma criança.
Ele tinha expiado seu pecado, às vezes pensava cautelosamente. Ele tinha
dado algo de valor de volta para ela em lugar do inestimável algo que ele lhe
tinha tirado. E no processo ele estava sendo curado. Suas feridas não o
incomodavam havia meses. E suas outras feridas pareciam estar cicatrizando
também. Ele ainda tinha o sonho, mas não tão frequentemente. Quando ele
vinha, ele simplesmente se levantava da cama e saia do quarto para que ele
pudesse se recuperar dele em privado, sem envolver Rebecca, se ela
acordasse.
Sabia que não tinha outra escolha senão matar Julian. Sabia que o tinha
matado só porque tinha que fazê-lo. Não porque o odiasse. Não porque ele
quisesse Rebecca. Sabia que amava Julian, apesar de tudo. Ele sabia que o
amor é incondicional, que ele não tinha deixado de amar Julian apenas porque
Julian tinha fraquezas de caráter e se casara com a mulher que David amava.
Ele sabia que não tinha nada com que se sentir culpado.
Ele esperou pacientemente por uma cura completa, pelo tempo em que ele
podia esquecer e podia olhar para Rebecca sem sequer a menor pontada de
culpa. Chegaria o tempo, disse a si mesmo.
Entretanto, havia o Natal a ser celebrado — o nascimento do filho de Cristo
e agora o nascimento prometido de seu próprio filho.
Rebecca vestira — pela primeira vez em um mês — um novo vestido azul
profundo que era de um ajuste mais frouxo do que seus outros vestidos. Seu
cabelo, liso sobre sua cabeça, brilhava como ouro. Sua cintura havia
desaparecido; Seus seios pareciam maiores; Seu rosto estava mais cheio. Ela
parecia incrivelmente linda para o marido que foi levá-la para baixo no início
da tarde do dia de Natal.
— Você está linda —, disse ele, pegando-a como tinha feito na noite
anterior. Ele falou a verdade simples, embora ele não a abraçasse e beijasse
como ele gostaria de fazer. Ele estava se esforçando muito para tratá-la com
carinho, não para fazer qualquer exigência sobre suas emoções, o que ela
poderia achar perturbador. Ele sempre se lembrava com horror da paixão com
que ele a usara uma vez.
A árvore de Natal a encantou. Quando ele foi colocá-la na cadeira mais
confortável ao lado do fogo, ela implorou para que a colocasse no lado oposto
para que pudesse olhar para a árvore.
— É mágico —, disse ela. — Que ideia maravilhosa, David… Era sua?
A primeira surpresa foi a chegada de todos os amáveis vizinhos para o chá.
Todos tinham reuniões e festas próprias para organizar e participar, mas todos
estavam tão preocupados com a saúde de Rebecca, que os persuadiu a vir
apenas por uma hora para que ela soubesse que ela tinha sido aceite. Que ela
agora era um membro aceite e valorizado de uma comunidade.
Ele não permitiria que ela se afastasse de sua cadeira, e é claro que esse
encontro era muito mais silencioso e refinado do que o da noite passada no
salão. Mesmo assim, ele olhou ansiosamente para ela quando todos tinham
saído e o conde tinha trazido um banquinho para seus pés, apesar de seus
protestos que ela não era inválida. Ele esperava que seus planos para o dia
não sobrecarregassem suas forças.
As crianças chegaram pouco tempo depois — todos os alunos da escola
com o professor. Todos estavam assustados, excitados e os contemplavam
admirados. Tinham realizado seu concerto dois dias antes, mas esta tarde
deveriam fazê-lo novamente para o prazer exclusivo do conde e da condessa
de Hartington e do visconde e da Lady Tavistock. Principalmente para a
viscondessa, que passara muitas horas na escola a ajudá-los com sua leitura e
costura, ensinando-lhes que cantar poderia ser divertido. A condessa de
Hartington, é claro, era para acompanhá-los ao piano com algumas de suas
canções, como ela fez na escola há dois dias.
Havia canto, dança e recitação — e, claro, a representação da Natividade.
O Natal, de alguma forma, nunca lhe pareceu tão precioso, pensou David,
sentando-se numa cadeira a partir da qual podia assistir à sua esposa e ao
desempenho das crianças. Havia um sorriso caloroso em seu rosto. Perguntou-
se traiçoeiramente se ela estava pensando no último Natal maravilhoso que
passou com Julian, como começou a falar na noite anterior, mas afastou o
pensamento.
David tinha comprado uma bola para cada uma das crianças. Entregou-as
depois que a representação da natividade terminou, enquanto o conde
distribuía moedas entre eles. Rebecca deu apenas sorrisos, elogios e
agradecimentos a eles — e ao mestre da escola — por sua bondade e
generosidade em abrir mão de parte de seu Natal para seu prazer. David se
perguntou se ela percebeu que, para as crianças, que estavam prestes a ser
levadas para um salão para um chá luxuoso, este era provavelmente o ponto
alto de todos os Natais que se pudessem lembrar.
Ela não protestou quando ele a levou de volta para cima depois que as
crianças foram levadas pela sra. Matthews.
— Você deve descansar um pouco —, disse ele enquanto a colocava na
cama, ainda vestida. — O quarto mês é apenas um pouco mais.
— Sim — disse ela. — Mas acabou, David, o quinto mês está apenas
começando.
Ela normalmente olhava para ele com calma e serenidade. Era geralmente
impossível saber exatamente como ela estava se sentindo em qualquer assunto.
Apenas ocasionalmente, seus olhos o deixavam vislumbrar o que se passava
sob o exterior. Seus olhos estavam luminosos agora — ligeiramente ansiosos e
ligeiramente esperançosos. Ela queria que ele falasse sobre o quinto mês, em
vez do quarto.
— Sim — disse ele. — Está começando, assim como um novo ano estará
em breve, mas você deve continuar a descansar o máximo possível.
— Sim, David — disse ela. A esposa submissa novamente.
Ele desejava se atrever a conectar com a Rebecca que estava escondida,
aquela que ela guardava para si mesma por trás da dignidade e da formação
recebida durante anos.
Mas ele estava com medo do que ele poderia encontrar lá. Talvez a
aparência fosse melhor do que seria a realidade.
— Obrigado pelo presente —, disse ele antes de se virar para deixá-la.
— Uma camisa de seda feita por minhas próprias mãos? — Ela disse. —
Parecia um presente triste quando um alfaiate poderia ter feito um trabalho
muito melhor, David, mas eu não pude comprar nada para você, obrigado pelo
meu —. Ela tocou o pingente de diamante único em uma corrente de ouro que
ela usava sobre seu pescoço.
Um único diamante sem o adorno de outros ou de uma configuração
extravagante. Ele não precisava de embelezamento. Assim como ela também
não. Ele se perguntou o que ela diria se ele dissesse isso a ela.
— Se você está se sentindo forte o suficiente —, ele disse, eu vou voltar
depois do jantar com papai e Louisa. Talvez possamos jogar cartas.
— Sim, David — disse ela.
Ela preferiria ficar sozinha, com suas memórias, talvez?
— Gostaria muito — acrescentou.
Ele assentiu e saiu do quarto. Ela quis dizer isso. Tinha sido um Natal muito
mais maravilhoso do que qualquer um que ele pudesse se lembrar. No próximo
ano haveria uma criança em casa, possivelmente.
Perguntou-se se seria tentar o destino admitir para si mesmo que estava
feliz. Ele estava. Quase. Ele tinha o resto de sua vida para fazê-la feliz
também. Para ajudá-la a esquecer a sua pior dor, para ajudá-la a relaxar em
uma relação de afeto, para tornar seu casamento uma realidade completa
novamente, para dar-lhe talvez outra criança ou duas.
Embora apenas isso trouxesse mais felicidade — para ambos — do que ele
poderia imaginar no momento.
Sim, ele pensou, descendo para descobrir que Louisa também fora banida
para seu quarto para um descanso, ele estava feliz.
Quase.
Capítulo 16
O Natal teria sido perfeito para os dois, embora eles não falassem
abertamente um com o outro sobre isto. Para ambos foi maravilhoso porque o
espírito de Natal tinha sido recapturado novamente depois de vários anos
perdidos. E porque eles tinham encontrado juntos, mesmo se nem eles
soubessem muito bem um do outro também. Mas não foi perfeito depois de
tudo.
O conde e Louisa partiram para Craybourne no primeiro dia depois do
Natal. Ambos estavam ansiosos por chegar em casa, pois o momento do parto
de Louisa estava se aproximando. David os acompanhou até a estação e ficou
com eles no calor e conforto da carruagem até que o trem podia ser ouvido
fumegando ao longo da pista. Então eles se moveram para a plataforma.
Vários passageiros desceram do trem. David beijou a bochecha de Louisa e
ajudou-a a subir a bordo e se virou para sacudir a mão do pai antes de ser
aclamado pela voz cordial de um dos recém-chegados. Sir George e Lady
Scherer tinham decidido interromper sua viagem para casa no Natal em
Gloucester, a fim de visitar seus queridos amigos, os Tavistocks.
As apresentações foram feitas apressadamente antes do guarda soprar o
apito, e o trem partir em seu caminho. Louisa sorriu calorosamente para Lady
Scherer.
— Rebecca terá companhia por um pouco mais de tempo —, disse ela.
— Ela ficará muito feliz.
— Minha esposa está sofrendo por um confinamento bastante difícil, David
explicou calmamente seus convidados recém-chegados, esperando que talvez
no último momento fosse possível que mudassem de ideia e voltassem a
bordo. Mas uma pequena montanha de bagagens já havia sido depositada na
plataforma perto deles. — Ela ficará feliz em vê-la.
Ele não sabia se ela iria ou não ficar feliz. Ela queria jantar com os
Scherers em Londres, e talvez, do seu ponto de vista, tivesse sido uma noite
agradável. Certamente Scherer tinha dado a eles uma recepção calorosa e
Cynthia tinha sido discretamente amigável, com Rebecca. Eles nunca tinham
falado sobre esta noite.
Para David, tinha sido uma tortura. Ele nunca gostou particularmente de
Scherer, com sua maneira prepotente e impetuosa. Em qualquer circunstância,
ele teria sido menos do que feliz por ser forçado a passar uma noite
socializando com ele. Mas ele certamente não precisava se lembrar de como
sua vida, de alguma forma, tinha se ligado com a do homem. E ele não tinha
nenhum desejo de estar na companhia de Lady Scherer, sabendo o papel que
ela tinha desempenhado em todo o drama terrível daqueles eventos na
Crimeia.
A ideia de Rebeca ter que estar com Cynthia, sem saber, o tinha enchido de
raiva impotente.
Mas parecia que ele não tinha mais escolha agora do que ele tivera então.
Scherer, por razões próprias, estava escolhendo tratá-lo como uma espécie
de herói. O homem devia-lhe a vida, supôs David. Mas, ao mesmo tempo,
Scherer devia se lembrar de quão próximos ele e Julian eram.
Ele deve ser sensível ao fato de que David não queria se lembrar daquele
dia em sua vida. Mas a sensibilidade parecia ser algo que faltava a George
Scherer.
Como poderia Scherer forçar sua esposa a se lembrar? E para enfrentar o
homem que tinha matado seu amante? E a viúva daquele amante? Mas talvez
essa fosse a intenção de Scherer. David tinha a desconfiança de que o homem
odiava sua esposa.
E assim, quando voltou da estação e subiu ao seu quarto para levar
Rebecca para o chá, levou também a notícia de que tinham visitas por um
número indeterminado de dias.
****
Ficaram apenas dois dias. Mas para Rebecca, parece que foram dois
meses. Depois dos feriados de Natal, ela ficava na cama durante as manhãs,
por insistência de David, mas ela descia as escadas à tarde, caminhando com
pernas que sentia alarmantemente fracas e instáveis, e não se deitava
novamente até depois do jantar.
Sir George Scherer era tão simpático e caloroso e tão falador quanto ela se
lembrava de Londres. Sua esposa estava tão quieta. Rebecca se dedicou a
entretê-los, determinada a ser gentil e determinada a gostar deles, se pudesse.
Ela sentiu-se bastante envergonhada de algumas das fantasias selvagens que
ela tinha consentido durante seu mês lá em cima. Aquela noite em Londres não
poderia ter sido tão sinistra no total, como ela se lembrava.
Mas a estranha atmosfera que ela lembrava, retornou.
— Faz treinamento de tiro, não é, Major? — Sir George perguntou a David
depois do jantar na segunda noite.
— Não muito — disse David. — E eu não fui um major ou ocupei qualquer
outro posto militar por meio ano, você sabe.
Sir George riu. — Mas eu sempre penso em você como o Major Tavistock
—, disse ele. — Foi uma sorte para mim que você fosse eh? Ele deveria atirar
com frequência, Lady Tavistock. Ele iria manter a sua despensa cheia. Eu
nunca vi um tiro mortal tão preciso na minha vida como aquele que matou
aquele russo.
Rebecca sorriu e perguntou a Lady Scherer se ela tocava piano. Lady
Scherer não o fazia.
— Ainda tem aquela pistola? — perguntou Sir George. — Aquela que o
matou?
— Sim — disse David. — Talvez você queira tocar para nós um pouco,
Rebecca, se você não estiver cansada.
— Você faz? — Sir George disse. — Procure—a Major, por favor… Seria
um prazer vê-la outra vez… Cynthia gostaria de a ver, não é, meu amor? A
arma que salvou a vida do seu marido e atirou no vilão que quase o matou?
Lady Scherer não disse nada. Ele estava atormentando-a, Rebecca pensou.
Mas como? E porquê? Ele estava lembrando-lhe que seu amante tinha salvado
a vida de seu marido para que ele pudesse continuar a atormentá-la?
Era isso? Mas ela tinha colocado esses pensamentos atrás dela. Ela não
queria pensar neles.
— Eu considero trazer uma arma na presença de senhoras de muito mau
gosto, — David disse, ficando de pé e estendendo uma mão para Rebecca.
Seus olhos estavam frios, ela viu.
— Muito bem — disse Sir George. — Mas eu queria que você tivesse visto
isso acontecer, meu amor, bem no coração, sem tempo para apontar… Isso foi
um tiroteio… Mas me perdoe, Lady Tavistock… Eu não deveria estar
evocando tais imagens diante de seus olhos, Só servirá para lembrá-la de que
o seu primeiro marido também foi baleado na mesma batalha, assim, também
no coração, mas você pode se confortar com o conhecimento de que ele
morreu como um herói. Um grande herói, senhora.
O que ele estava dizendo? Querido Deus, o que ele estava dizendo?
Rebecca colocou a mão na mão de David e olhou para seus olhos frios e sentiu
um calafrio.
— Este é quase o primeiro dia que minha esposa esteve aqui embaixo por
um longo período de tempo —, disse ele. — Acho que ela está cansada, a
música deve esperar até amanhã. Venha, Rebecca, vou levá-la para o seu
quarto.
Embora ela tivesse descido as escadas, apoiando-se pesadamente em seu
braço, e eles concordaram que ela iria se mover de um lugar para outro no
futuro em seus próprios pés, ele a levantou em seus braços.
— Sinto muito — disse ela, virando a cabeça para olhar para os
convidados.
— Por favor, dê-me licença.
— Eu duplamente sinto muito, Lady Tavistock — disse Sir George, de pé,
com um olhar de contrição no rosto. — Aqui estou eu falando de conversa de
guerra, quando Cynthia continua me lembrando que todo mundo quer esquecer
a guerra, e você mais do que qualquer um deve querer esquecer… Me perdoe,
senhora.
— Boa noite, Lady Tavistock — disse Lady Scherer em voz baixa.
Passou-se muito tempo até que David veio para a cama. Rebecca até caíra
num sono inquieto quando ele chegou. Mas ela ficou deitada por muito tempo
olhando para a escuridão. O que ele queria dizer? O russo que David tinha
matado tinha sido morto com um disparo através do coração. Julian tinha sido
atingido pelo coração.
O que ele queria dizer? O que ele estava insinuando? Qualquer coisa? Será
que ele estava sugerindo que havia de alguma forma uma conexão entre os dois
tiroteios? Não poderia haver nenhuma conexão possível. Sua mente parou a
ponto de fazer um… Seria muito pesadelo para mover seus pensamentos ainda
mais um passo. Ela olhou para cima.
****
Na manhã seguinte, David pediu a George Scherer que fosse embora. Ele o
levou a cavalgar cedo, enquanto as senhoras ainda estavam na cama.
— O que eu fiz na Crimeia —, disse abruptamente, uma vez que eles
estavam longe dos estábulos, eu fiz porque eu tinha que fazer. Não porque eu
quisesse. Teria sofrido por ser forçado a matar qualquer outro oficial. Matar
Julian Cardwell foi uma agonia para mim, como eu tenho certeza que você
deve perceber Scherer. Nós crescemos como irmãos, eu não discuto que você
teve uma briga legítima com ele. Isso não era minha preocupação. Minha
própria ferida ainda dói mais do que eu posso descrever em palavras. Eu teria
esperado que você entendesse isso.
Por uma vez George Scherer não tinha nada a dizer.
— Minha esposa o amava muito — continuou David. — É doloroso para
ela ser lembrada de sua morte e da maneira como ele morreu. Eu não quero
que ela se lembre, especialmente neste momento. Ela está se preparando para
dar à luz e não tem tido um tempo fácil.
— Não, respondeu George Scherer, sem a alegria habitual em sua voz. —
Suponho que você não queira que ela se lembre Major. Especialmente do
modo como ele morreu.
David franziu o cenho. — Ter você aqui —, disse ele, — só pode servir
para nos lembrar de tudo que é melhor ser esquecido. Mesmo parecendo
inospitaleiro como parece, Scherer, devo pedir que você não prolongue sua
visita.
— Imagino — disse Sir George, voltando o seu cavalo em direção a casa
depois de um passeio muito curto. Ele não disse por um tempo o que era ele se
perguntava. — Você se casou com Lady Cardwell logo após o seu regresso da
Crimeia, Major.
Era como ele começara a suspeitar, pensou David. O homem não tinha
saído de tudo com gratidão.
— Comecei a me perguntar — disse Sir George tão baixinho que talvez
estivesse falando sozinho -, por causa de quem você o matou Major?
David sugou sua respiração. — Creio que há um trem partindo esta tarde
—, disse ele. — No mesmo horário que você chegou antes de ontem.
— Cynthia e eu estaremos nele — disse Sir George, rindo e olhando para
ele novamente. — Nós ficaríamos mais tempo, Major, mas não traríamos
saúde a Lady Tavistock. Mas uma breve visita de Natal parecia estar em
ordem, Cynthia falou de pouco mais. — Nós simplesmente devemos recorrer
aos Tavistocks sem ele você não estaria vivo. E aqui comigo, George querido,
ela me disse mais vezes do que eu posso contar desde que decidimos ir a
Gloucester para o Natal. E então nós viemos. Na tarde vamos retomar a nossa
viagem. Vamos voltar de novo quando sua esposa estiver com melhor saúde,
talvez para o batismo de seu filho, rezarei para que seja um filho, todo homem
gosta de ter um herdeiro.
David não disse mais nada. Ele se juntou a Lady Scherer brevemente na
sala de café da manhã quando ele a descobriu lá sozinha, mas ele não ficou.
Ela congelou quando ele tentou falar com ela. Ela conhecia toda a verdade,
obviamente. Ela sabia que ele tinha matado seu amante. Perguntou-se
brevemente se teria amado Julian. Se afinal de contas, não fora apenas o tédio
que a levara ao adultério. Talvez ela o tivesse amado.
Se ela tinha ou não, deve ser difícil para ela ter uma conversa educada com
o homem que o matou e prolongou a vida do marido que odiava e
provavelmente abusava dela. Perguntou-se se George Scherer teria sido
sempre o mesmo, ou se ele a tivesse tratado mal apenas como resultado de sua
infidelidade.
Mas ele não queria se perguntar. Ele não queria que Cynthia Scherer se
tornasse uma pessoa em sua mente. Só queria esquecer. E então ele despediu-
se dela depois de ter esgotado o tópico do tempo, e viu-a apenas mais uma
vez, quando ele e Rebecca estavam despedindo formalmente de seus
convidados naquela tarde.
David não os acompanhou até a estação.
****
E assim a magia do Natal se foi. E com ela um pouco da proximidade que
ambos estavam sentindo. Rebecca lamentou sua perda com um chá, um jantar e
uma hora na sala de estar, durante a qual discutiram com grandes detalhes e
com alguma animação o que fariam em Stedwell quando a primavera chegasse
e o trabalho pudesse retomar.
Mas ela não podia mais manter tudo guardado dentro dela, como ela tinha
feito até agora. Perguntas, suspeitas e medos doíam como uma dor de dente,
tornando impossível pensar em outra coisa, ou falar de outra coisa, ou dormir
sem a sua intrusão constante.
O que ele queria dizer?
— David, — ela perguntou quando ele veio para a cama mais tarde. Ela
achou que ele estava descontente ao ver que ela ainda estava acordada. —
Você pediu a eles para ir embora?
Ele se ocupou cutucando o fogo, que não precisava cutucar. — Ele é o tipo
de homem que vive de memórias de guerra —, disse ele. — Provavelmente
vai aborrecer todos os que encontrar nos próximos cinquenta anos com isso, se
ele viver tanto tempo… Você não precisa ouvir essas histórias, Rebecca.
Por quê? A pergunta estava em seus lábios. Mas ela não teve coragem de
perguntar.
Atravessou o quarto em direção à cama e apagou a lâmpada antes de se
deitar ao lado dela. Ele nunca a tocou, mas esta noite ele parecia mais
distante, mais silencioso do que o normal.
— David? — Ela disse. Mas era uma pergunta que não podia perguntar.
Uma senhora não fazia essas perguntas. E realmente ela não queria saber a
resposta.
— Sim? — Sua voz era tensa.
— Lady Scherer era sua amante? Ela mal podia acreditar que as palavras
haviam sido ditas. Ela faria qualquer coisa no mundo para não lembrá-las, ela
pensou. Ela não sabia o que estava desencadeando.
Houve um breve silêncio. — Por que você acha que ela foi? — Ele
perguntou.
— Não acho que ele sinta gratidão —, disse ela. — Acho que ele te odeia
David. E tenho certeza de que ele odeia sua esposa. Você e ela nunca se
olham, nunca falam.
— E assim —, disse ele, — ele deve estar nos reunindo para nos provocar
por uma indiscrição anterior — e na sua frente.
— Sim — disse ela infeliz. — Desculpe David, não deveria ter perguntado,
não é da minha conta, foi antes do nosso casamento.
— Mas isso faria diferença se tivesse acontecido desde então? — Sua voz
era áspera.
— Sim — disse ela. A infidelidade é o pior pecado possível dentro do
casamento, não é? Não consigo pensar em nada que seja mais calculado para
fazer com que o outro parceiro não se sinta amado e sem valor...
— Você poderia…? — Perguntou ele.
— Eu gostaria de morrer, eu acho —, disse ela. — Embora isso seja
provavelmente um exagero tolo, eu acho que eu iria querer morrer, se você fez
isso comigo, se Jul…
— Se Julian já tivesse feito isso com você — completou por ela.
— Eu gostaria de não ter começado esta conversa —, disse ela. — Eu
queria que eles não tivessem vindo, David. Isso te faz sentir terrível, vê-la de
novo e ter que enfrentá-lo? — Ela respirou fundo. — Ela é bonita.
Ele se aproximou de seu lado para encará-la. Ela podia vê-lo claramente na
luz dançante do fogo. Seu rosto estava tenso, com raiva ou com alguma outra
emoção poderosa.
— Rebecca —, disse ele, — nada pode ser falado para cavar o passado.
Acredite em mim, nada pode. Apenas traria miséria para nós dois. Apenas
uma pressão sobre um casamento que já é imperfeito, para começar. Casei
com você. Eu fiz o mesmo compromisso com você, que você fez comigo. Eu vi
você fazer todos os esforços desde então para viver com esse compromisso,
eu fiz o mesmo. E continuarei a fazer. Vamos fazer um pacto para deixar o
passado onde ele pertence. Podemos, por favor? Eu não vou permitir que
essas pessoas venham aqui novamente.
Havia conforto em suas palavras — em algum lugar. Ele estava
comprometido com seu casamento. Sim, ela tinha visto isso. Ele havia posto
seu passado para trás quando ele se casou com ela. Ele havia mudado. Sim,
havia conforto nisso. Ela poderia sempre ter gostado de David se não tivesse
havido aqueles flashes de crueldade — e a reticência total que ela ainda tinha.
Ela poderia ter-se apaixonado por ele. Embora isso fosse impossível, é claro.
Ela tinha—se apaixonado por Julian.
— Sim — disse ela. — O que você fez no passado não é minha
preocupação, David. Você tem sido um bom marido para mim, eu desejo… —
Ela suspirou.
— Eu só queria que a memória pudesse ser cortada à vontade. Vou tentar.
Não vou fazer essas perguntas novamente.
Ele fez algo que ele nunca tinha feito antes. Estendeu a mão e espalhou-a
ligeiramente sobre o inchaço da gravidez.
— Como você está se sentindo? — Ele perguntou.
— Bem, — ela disse. — Eu me sinto muito bem, David. E tão cheia de
energia que eu quero correr por toda a propriedade.
— É melhor você não fazer isso —, disse ele. — Não, se você não quer
sofrer o pior castigo de sua vida.
Ela fechou os olhos, esperando que ele mantivesse a mão onde estava. Mas
ele não o fez.
Só a miséria poderia vir se ficar cavando o passado, ele tinha dito. E uma
pressão sobre seu casamento. A miséria e a tensão teriam vindo de um simples
sim para sua pergunta? Se ela já soubesse sobre Flora, o conhecimento de
Lady Scherer poderia fazer muita diferença?
Ou ele quis dizer alguma outra coisa?
Tanto o soldado russo, como Julian, morreram por uma bala no coração.
Não! Não havia conexão. Nenhuma conexão.
Um casamento que já é imperfeito para começar. Sim, era imperfeito. Mas
não impossível. Houve felicidade no Natal — apenas alguns dias atrás. Mas
não era um casamento que pudesse suportar muita tensão.
O elo que os unia era muito frágil.
Ele estava certo. Era melhor deixar o passado onde estava. Mas também
estava certa. O passado não podia ser esquecido à vontade. Especialmente
quando não se sabia muito bem o que o passado implicava.
****
Ele soube logo que saiu da cama, banhado em um suor frio, que tinha sido
um sonho diferente. E de algum modo mais aterrorizante. Tinha-se acostumado
com o outro e sabia como lidar com ele, uma vez que se tivesse libertado dele.
Este era novo.
Julian estava de pé aos pés da cama. Deus tinha sido tão real. Ele estava
parado ali.
— Dave —, ele disse com seu sorriso encantadoramente doce, é melhor
você dizer a ela, meu velho, você acha que ela nunca vai descobrir? Scherer
vai dizer a ela. Ele vai, Dave. Ele me despreza porque ele não pode me matar.
E para te ofender porque você viu sua humilhação Ele vai dizer a ela. Melhor
fazer isso sozinho. Só não lhe fale sobre Cynthia e eu. Isso não significava
nada, Dave, mas Becka ficaria magoada. Você não vai dizer isso a ela, vai?
Mas é melhor você dizer a ela o outro.
Senhor Deus. Nenhum ódio. Nenhuma acusação. Não estava furioso por ele
ter-se casado com Rebecca e estava deitado na cama com ela. Apenas a
doçura e o encanto — e a relutância em ter sua própria fraqueza conhecida.
Tinha sido muito real. Como se ele realmente estivesse ali parado.
David olhou por cima do ombro. Ela estava olhando para ele. Ele podia ver
seus olhos apesar da escuridão. Ela teria medo de se intrometer em seu
pesadelo depois da última vez.
— Desculpe — disse ele. — Eu acordei você.
— David, — ela disse suavemente. — Se você quiser falar sobre isso, eu
estou aqui, você não tem que suportar sozinho a menos que você queira fazê-
lo. Eu quero que você saiba disso.
Ele olhou para ela. Eu matei Julian. Três palavras. Ele tentou ouvi-lo dizer.
Ele tentou imaginar sua reação. Tentou sentir a carga cair para longe de seus
ombros — sobre os dela. Ele nunca diria as palavras, ele sabia. Mesmo que
pudesse convencer-se de que seria a coisa certa a fazer — tanto para ela como
para ele — ele não poderia fazê-lo. Porque essas três palavras teriam de ser
seguidas por uma explicação.
Ela ficaria magoada se soubesse a verdade sobre Julian. Era o que o
próprio Julian acabara de dizer no sonho. Ferido? Ela seria destruída pelo
conhecimento. Ela gostaria de morrer, ela tinha dito. Ela gostaria de morrer
mesmo se fosse ele quem fosse infiel a ela. Só porque ele era seu marido.
Como ela se sentiria se soubesse que Julian — o amor de sua vida — lhe tinha
sido infiel? Não, não havia nenhuma maneira nesta terra que o obrigasse a
fazer isso para ela.
— Obrigado — disse ele.
Ele deveria se levantar, como costumava fazer quando tinha o sonho — o
outro sonho — e ir para outro lugar pelo resto da noite.
Talvez se ele voltasse, ele acabaria machucando ela. Mas ele não queria se
levantar. Ele queria mais do que qualquer coisa, desabafar com ela — mesmo
ela sendo a última pessoa com quem ele poderia se permitir falar.
Ele se deitou de novo ao lado dela, virou-se para ela e viu que ela tinha
virado a cabeça para observá-lo. Oh, Deus, como ele a amava. Como ele
queria que tudo entre eles: todas as barreiras, todos os silêncios, todas as
armaduras fossem retiradas. Mesmo que não houvesse nada no final.
Só para poder vê-la como ela realmente era e ela pudesse vê-lo também.
Assim, por uma vez, eles pudessem olhar nos olhos um do outro e ver através
da alma.
Mas não havia maneira de se revelar sem destruí-la.
Ele fez algo que queria fazer durante meses. Ele deslizou um braço sob seus
ombros e colocou o outro sobre sua cintura e puxou-a contra ele. Ele a segurou
ali, não firmemente, mas firme o suficiente, encaixando-a contra ele, útero
grávido e tudo mais, e acomodou sua bochecha contra o topo de sua cabeça.
— Vamos ter um menino ou uma menina? — Ele sussurrou para ela.
— Uma criança, — ela disse, virando a cabeça para descansar uma
bochecha em seu ombro. — Uma criança viva, David, vamos ter um filho.
— Sim — disse ele com ferocidade. — Vamos ser uma família, Rebecca,
vamos ter um futuro.
Capítulo 17
O honorável Charles William Neville nasceu no final da tarde de um dia em
meados de maio, uma semana antes do esperado, e horas mais cedo do que o
médico ou a parteira tinham previsto quando foram convocados para Stedwell.
O parto foi curto e intenso, um parto rápido.
Tudo aconteceu tão depressa que o próprio David não soube nada sobre ele
até que ele chegou em casa, de uma das terras de seu inquilino, onde ele estava
ajudando a construir um celeiro. Sua esposa se recusara a mandar chamá-lo.
Tendo-lhe sido assegurado que seria bem para a noite ou talvez até na manhã
seguinte antes que ela desse à luz.
Seu filho nasceu apenas uma hora depois que David chegou e muito antes
que seu andar ansioso pela sala de estar tivesse feito um caminho no tapete
desbotado.
Para Rebecca, não parecia nem um tempo curto nem um momento fácil.
Tinha sofrido — com muito pouco intervalo entre as contrações — desde
pouco depois de David se ter levantado da cama. Embora quando já estava
certa do que estava acontecendo e chamou para a empregada, ele já tivesse
saído de casa. Ela não iria mandar atrás dele.
Ela tinha ouvido que a dor e a exaustão seriam rapidamente esquecidas,
quando alguém finalmente ouvia seu bebê chorar pela primeira vez. Ela sorriu
e até se ouviu rir como se a dor e a pressão, tudo tivesse desaparecido em um
minuto. E alguém estava chorando com forte protesto por tratamento tão cruel.
— Você tem um filho, minha senhora —, disse o médico, e ela sentiu
lágrimas escorrendo pelo seu rosto, embora continuasse a sorrir e até a rir.
— Oh, — ela disse, deixe-me vê-lo. Onde está David? Mande chamar
David.
Mas um marido, ao que parecia, não deveria ser autorizado a entrar no
quarto até que todas as evidências de sangue, suor e dor tivessem sido
apagadas.
Seu filho estava cheio de sangue, cheio de gordura e um nariz achatado,
olhos fendidos, e careca como um ovo. Sua boca era um buraco rosa em seu
rosto e estava rugindo sua raiva. Rebecca reuniu toda a sua bela e maravilhosa
humanidade em seus braços, chorou e riu de alegria.
— Silêncio, querido, — ela cantarolou para ele. — Oh silêncio, a mamãe
tem você aconchegado e quente. Ela olhou maravilhada para seu filho. Durante
tanto tempo ele tinha sido real, movendo-se e chutando e crescendo dentro de
seu ventre. Ela ficou tão grande que David tinha comentado apenas uma
semana antes que ele estava preparando sua mente para a chegada de
trigêmeos. A criança tinha sido real, mas não tão real. Este era o bebê que
tinha estado dentro dela? Esta pessoa que é muito real?
— Shh —, ela disse enquanto seu filho finalmente parou para considerar o
fato de que ele estava quente novamente. — O que o papai vai dizer se você
está uivando assim quando ele vier visitá-lo? Você tem que estar no seu
melhor comportamento para o papai.
O bebê estava examinando calmamente o mundo através de olhos sem foco.
Ele tinha sido muito rudemente perturbado, mas ele tinha encontrado
conforto novamente.
E a voz com a qual ele estava familiarizado soando novamente. Mas esse
era um mundo muito brilhante para ele abrir os olhos ainda por cima.
Ele não gostou de ser pego por mãos estranhas alguns minutos depois, ser
desempacotado e lavado. Ele não gostou de nada disso, e não era tímido em
deixar o mundo saber seus sentimentos. Mas finalmente, limpo, seco e
embrulhado confortavelmente, ele estava onde ele queria estar novamente e
aquela voz por perto estava aborrecendo-o. Ele parou de chorar.
O médico, deixando o quarto com a parteira, prometeu enviar David para
cima. Rebecca olhou para a criança sonolenta aconchegada no cotovelo de seu
braço e continuou olhando para a porta. O que o estava mantendo?
Mas na realidade, ele veio menos de um minuto após a partida do médico.
Ele fechou a porta silenciosamente atrás das costas e ficou onde estava,
parecendo um tanto temeroso, pensou Rebecca. Ela sentiu uma onda de
emoção, vendo-o parado ali. O marido dela. O pai de seu filho. Uma onda de
profunda ternura e contentamento a envolveu. Quase de amor.
— David, — ela disse, — nós temos um filho.
— Um filho. — Ele parecia atordoado. — Ninguém me disse, eles disseram
que você deveria ser a única a fazer isso.
— Você não quer vê-lo? — ela perguntou.
Ela observou seus olhos se moverem para o feixe em seus braços. Ela o
observou engolir e finalmente deixar o santuário da porta para atravessar o
quarto em direção à cama.
— Ele é bastante cor-de-rosa e desigual —, disse ela ansiosamente. — Vai
demorar alguns dias até que sua cabeça tome a forma certa. — A criança ainda
estava olhando através das fendas de seus olhos.
Ela queria tanto que David ficasse satisfeito. Satisfeito com ela. Satisfeito
com seu filho. Ela olhou para seu rosto quando ele não disse nada. Ele estava
chorando, seus olhos estavam cheios de lágrimas, algumas escorrendo por
suas bochechas.
— Ele é bonito —, disse ele. — Nosso filho. — Ele estendeu a mão em
direção ao bebê, mas caiu para seu lado novamente. — Nosso filho, Rebecca.
— Toque nele — disse ela. — Segura ele.
Mas deu um passo para trás.
— Segure-o, David. Ela pegou o pequeno embrulho.
Ele o tirou dela com cautela, o olhar de terror em seu rosto dando lugar
gradualmente ao maravilhado. — Nosso filho, — ele disse, seus olhos se
suavizaram. — É melhor você ser bom filho para sua mãe, rapaz. Ela sofreu
por você.
O rapaz escutou em silêncio.
Rebecca observou seu marido falar tolices ao filho. Ele era David, disse a
si mesma. O David que ela tinha conhecido a maior parte de sua vida. O
David que ela ainda não gostava há apenas um ano. Um ano atrás, ele nem
sequer tinha voltado da Crimeia. Um ano atrás, ela não poderia ter imaginado
essa cena, mesmo em seus sonhos mais bizarros.
Agora era difícil voltar a vê-lo e pensar nele como tinha feito naquela
época. E como ela tinha feito no dia de seu retorno. Quando ela se tinha
ressentido tanto do fato de que ele tinha retornado com vida, enquanto Julian
não tinha. E os dias depois de seu retorno, quando ele a tinha tomado de
surpresa, pedindo-lhe para casar com ele. Era difícil lembrar sua indignação,
sua repulsa diante da ideia. E o dia do seu casamento e o medo de que ela
estivesse fazendo a coisa errada.
Agora ela podia vê-lo apenas como David, o homem com quem tinha
vivido por quase nove meses. O homem com quem se ela tinha familiarizado e
se sentia confortável. E mais do que isso, o homem por quem ela tinha se
apaixonado. Mesmo que soasse manso. Sentiu uma ternura calorosa por ele.
Ele estava segurando o filho que ele tinha gerado nela em sua noite de núpcias
ou na noite depois ou na noite depois disso, o filho que ela tinha dado à luz
menos de uma hora antes.
Era um vínculo forte que estava entre eles. Tão forte quanto o amor.
— Você deve estar cansada —, disse ele, colocando o bebê de volta para
na curva de seu braço. — Foi ruim?
— Terrível —, disse ela. — Mas podia ter sido muito pior de acordo com
tudo o que eu ouvi: foi um período muito curto em comparação com muitos
trabalhos, e nosso filho valia cada momento… Como vamos chamá-lo?
— Você tem alguma ideia? — Ele pareceu cauteloso, mesmo tenso de
repente.
— Charles? — Ela disse. — Ele é Charles há vários meses, ou Charlotte, a
menos que você prefira que ele se chame David ou William.
— Charles William, — ele disse, — vai dormir, eu acho.
Ela sorriu.
— Que é o que você deve fazer, — disse. — Você parece cansada, o
médico me avisou que o faria, vou deixar você descansar.
Ela percebeu pela primeira vez o quão cansada ela se sentia.
— Rebecca, — ele disse antes de se virar para sair, — obrigado. Obrigado
pelo meu filho.
Charles estava aconchegado, quente e acordado. No lugar de seu pai ao
lado de sua mãe depois que ela adormeceu. Um sorriso no rosto e lágrimas em
suas bochechas. No geral, seu novo ambiente não parecia tão ruim quanto ele
tinha achado no início. As fendas de seus olhos se fecharam gradualmente e
ficaram fechadas.
****
Os sinos da igreja da vila tocaram por uma hora inteira no dia em que um
herdeiro nasceu em Stedwell. Tocaram novamente no dia de seu batismo,
quando o visconde declarara feriado para seus trabalhadores, e a maioria de
seus inquilinos também haviam tirado o dia de folga. Todos haviam sido
convidados a desfrutar dos jardins de Stedwell após o culto da igreja e servir-
se livremente nas longas mesas de comida e bebida colocadas no terraço.
Todas as famílias de maior posição social tinham sido convidadas para a casa
para as comemorações. O conde e a condessa de Hartington tinham vindo para
a ocasião com sua nova filha, nascida três meses antes de seu sobrinho.
Tudo estava muito bem, David decidiu nos dois meses seguintes ao
nascimento de seu filho. Chegara de volta a Inglaterra um pouco menos de um
ano antes, animado por esperanças e oprimido pelo medo.
Ele esperava esquecer, encontrar cura, começar uma vida nova e
significativa. Ele temia ter que enfrentar Rebecca, para ver os sinais do
sofrimento que causara. Ele temia ter que enfrentá-la, sabendo que ele havia
matado seu marido, seu amado Julian. E então, quando ele a encarara, sentira
todo o peso de sua responsabilidade para com ela e imaginara seu esquema de
oferecer-lhe um futuro.
Parecia difícil acreditar que tudo isso aconteceu há menos de um ano.
Tudo tinha funcionado extraordinariamente bem, com algumas exceções
notáveis. Sua casa ainda parecia um pouco deprimente, embora até parecesse
mais esplêndida agora que tinha sido feita uma limpeza completa e tinha
cortinas novas — agora que parecia e a sentia inconfundivelmente com um lar.
Havia ainda todas essas barreiras entre ele e Rebecca, e sempre haveria.
Um casamento, ele tinha percebido, nunca poderia esperar para prosperar
quando um dos parceiros deve manter um segredo escuro do outro. E havia
sempre o medo — sim, ele estava com medo — de que Sir George Scherer
voltasse a aparecer com seu estranho ódio e insinuações maliciosas. E claro
que havia os sonhos, raramente agora o do tiro, quase sempre aquele em que
Julian estava ao pé da cama.
Oh, sim, havia imperfeições que podiam obscurecer sua felicidade quando
ele parou para pensar sobre elas, como ele fez mais vezes do que ele gostaria.
Mas também havia felicidade. Seu primeiro ano em casa trouxe muito mais
contentamento e paz do que ele teria sonhado possível durante sua viagem de
volta à Inglaterra.
Rebecca, ele acreditava, tinha-se recuperado do pior de sua dor e estava
quase feliz com sua nova vida. Nunca era possível saber com certeza com
Rebecca. A quietude, a disciplina, a obediência podiam mascarar a felicidade
ou infelicidade.
Mas ele tinha vivido com ela por quase um ano. Podia sentir seu
contentamento.
Ela tinha retomado seus deveres sobre a casa e muitos dos que estavam
além dela. Ela ia para a escola duas tardes por semana. Ela participava das
reuniões da comissão. Ela estava começando a organizar um grande
piquenique, um jantar e baile em algum momento durante o verão —
envolvendo todos, tanto da classe alta como da baixa, exatamente como
fizeram para o batismo de Charles. Ela trouxera uma costureira de Londres,
entendendo que ela iria se instalar na aldeia e empregar três ou talvez quatro
das meninas locais e treiná-las.
Rebecca estava convencida de que havia clientes suficientes na região para
manter uma costureira muito boa e várias assistentes ocupadas. E três ou
quatro meninas mais seriam salvas de ter que se mudar para uma das cidades
industriais.
E acima de tudo, ela estava contente com sua nova maternidade.
Absolutamente absorvida em seu amor por Charles. Se não tivesse feito nada
por ela, pensou David, ele fizera isso. Ele lhe dera um filho. Ele tinha dado a
ela uma sensação de plenitude como uma mulher. Ele lhe tinha dado a alguém
sobre quem devotar todo o amor que havia adormecido por mais de dois anos.
Ele sabia que estava envergonhada a primeira vez que ele entrou no
berçário para encontrá-la amamentando o bebê, cantando suavemente para ele
enquanto ela impulsionava uma cadeira de balanço suavemente com um pé.
Mas ele entrou e observou de qualquer maneira, um espectador silencioso, um
pouco distante, não muito dentro do círculo do amor, mas aquecido por ele de
qualquer maneira, porque ele tinha causado isso. Ele tinha dado isso a ela. Ele
tinha colocado aquela criança em seus braços.
Ele voltou muitas vezes até ela se acostumar com sua presença e relaxar.
Gostava de ver seu filho chupando avidamente no peito, o punho ondulado
pressionado na suave e morna carne. Ele gostava de ver seus braços o
embalando, seus olhos carregados de amor.
Ele gostava de ver todo seu o mundo lá, na cadeira de balanço. A paz que
ele desejara. A esposa dele. E seu filho.
Ela não tentou desligá-lo. Parte dele temia que ela o fizesse. Como ela não
o amava de qualquer maneira, ele temia que ele se tornasse sem importância
para ela quando seu bebê nascesse. Mas não aconteceu. E é claro que não.
Não com Rebecca. Rebecca sempre faria o que era certo.
Ele era seu marido e chefe da família. Ela sempre o incluía. Mas gostava de
pensar que não era apenas o dever que a motivava.
Ela muitas vezes entregou-lhe a criança quando ele estava dormindo,
saciado com sua refeição. Ela se compunha de volta e endireitava a roupa,
baixando os olhos.
Era sempre uma alegria muito além das palavras para descrever: segurar
seu filho.
Ele teria seguindo vindo para o berçário só para isso. Ele continuou vindo
por outra razão também. Eles eram uma família lá, os três. O mundo poderia
de alguma forma ser mantido lá fora. O mundo que o ameaçava. Porque
guardava um segredo que despedaçaria tudo se fosse revelado.
— Ele vai ter o seu cabelo —, disselhe uma vez quando ele estava
segurando o bebê, — se algum fio decidir crescer.
— Meu adorável garoto de cabelos dourados —, disse ela, alisando a mão
sobre a moita, quase invisível na cabeça do bebê. — Com lindos olhos azuis
como os de seu pai.
Quase podia imaginar que a sua ternura se destinava tanto ao pai como ao
filho.
Depois de dois meses, ela teria se recuperado do nascimento. Ele ainda
compartilhava uma cama com ela. Ele não fazia amor com ela por quase um
ano.
Durante três noites ele fizera amor com ela, seis vezes ao todo. Ele não
sabia o que iria acontecer no final dos dois meses.
Ele ansiava por ela e temia o momento da decisão. E a decisão seria sua,
ele sabia. Ela faria o seu dever. Mas tão passiva e tão estoicamente quanto o
fizera em sua noite de núpcias e nas noites depois?
Ele não podia esperar mais dela.
Era tudo o que ele pedira de seu casamento.
Tolo que ele tinha sido!
Às vezes, lembrava-se involuntariamente do que seu pai lhe dissera no dia
em que ele e Rebecca anunciaram seu noivado. Você não ficará feliz com
Rebecca. Você precisa de mais do que ela pode dar. Ele não queria se lembrar.
Tudo estava indo bem. Estava quase feliz.
Ela estava quase feliz.
Mas ele não sabia o que iria acontecer no final dos dois meses.
****
Estavam fora juntos, parados no meio do roseiral, ou o que seria um
caramanchão de rosas no próximo ano. Este ano havia uma jovem sebe e uma
treliça arqueada formando a entrada sem rosas, uma fonte sem água, e roseiras
sem flores.
Mas no próximo ano as rosas floresceriam.
No próximo ano…
Era agradável, pensou Rebecca, tão agradável poder olhar para a frente. No
ano seguinte, Charles estaria andando por aí, sem dúvida ficando debaixo de
todos os pés de rosas e fazendo cada travessura imaginável. Ela não achava
que ela pudesse tê-lo confinado na creche com uma enfermeira. Ela queria
passar cada momento possível de sua educação com seu filho, que era um
milagre. Talvez seu único filho.
— Bem —, disse David, — o que você acha, um pouco aborrecido?
— Oh, não, — ela disse. — Basta pensar no que estava aqui quando
chegamos no final do verão passado, árvores crescidas que estavam cortando
a luz das janelas. E agora temos o começo de uma árvore. Estou tão feliz que
você decidiu empregar esses meninos novamente este ano, David. Eles não
gostariam da vida da cidade.
— Quando as rosas florescerem —, disse ele, será muito bonito aqui. Seu
próprio canto especial do jardim, Rebecca.
— Quando as rosas florescerem… — ela disse. Você disse isso no ano
passado também. Lembra?
Quando as rosas florescerem novamente, ele disse. Você já poderia ser a
dona de sua própria casa, Rebecca. Você poderia ter uma vida nova e
significativa. Você poderia ter algo para substituir o sofrimento e o vazio.
— Sim — disse ele. — Elas não florescerão literalmente aqui… Ainda
assim, mas elas irão… no ano que vem, eu te prometi uma nova vida e um
novo significado, não foi? — Você os encontrou? — Sua voz soou bastante
rígida.
— Houve muito que fazer aqui, ela disse, e ainda há —. Acho que fizemos
uma pequena diferença na vida de algumas pessoas, David. E como você
prometeu, eu não tenho mais essa sensação de não pertencer, ou de não ter
qualquer função significativa na vida. E eu tenho Charles!
— Você está feliz? — ele disse. — Contente?
Contente, sim. Feliz? Ela estava feliz? Às vezes, quando ela realmente não
pensava nisso, sentia que estava. Mas talvez não. Depois da morte de Julian,
disse a si mesma que nunca mais seria feliz. E havia muito que ela tinha que
manter além de sua mente consciente. Ela nunca poderia relaxar em total
felicidade. Havia Flora e Richard — ela tinha visto ambos no batismo de
Katie e tinha ficado satisfeita ao descobrir que o novo inquilino de seu irmão
estava mostrando algum interesse em Flora. Havia Lady Scherer e todo o
mistério que rodeava aquela parte perdida da vida de David, e de Julian. Se
houvesse um mistério. Ela decidiu deixá-lo ir, não pensar sobre isso.
— Sim, David —, ela disse calmamente, plenamente consciente de que ela
não tinha deixado claro qual pergunta ela estava respondendo. E não realmente
se conhecendo.
— Você viu o médico esta manhã? — Disse ele.
— Sim.
— Tudo está bem? — ele disse. — Com Charles? Com você?
— Ele uivou com indignação —, disse ela. — Ele não estava nem um
pouco divertido com o sono interrompido. Sim, nós dois estamos bem, David.
— Ela respirou lentamente e tirou uma folha da cerca que escapara dos
grampos.
Houve um silêncio durante o qual ela se perguntou se só ela sentia tensão.
Ela estava com medo de olhar para ele.
— Rebecca, — ele disse, — foi sempre falado que haveria um verdadeiro
casamento entre nós, não era? Foi acordado que uma relação incompleta entre
nós simplesmente não funcionaria.
Foi ele que decidira isso. Embora ele estivesse certo. Ela sentira isso
depois de seu casamento, quando ele estava dormindo em outra sala, antes que
ela tivesse tomado conhecimento de sua gravidez.
— Sim — disse ela.
— Eu quero que seja um casamento novamente —, disse ele. — Se você
puder suportar.
Ela olhou para ele finalmente. — Sou sua esposa — disse ela. — Eu não
tenho o direito de recusar, eu nunca o recusei, David. Foi você quem…
— Eu não gosto de ser aceito apenas por dever —, disse ele. — Não pela
minha esposa, Rebecca.
Não era apenas dever. Era mais do que isso. Talvez no início...
Mas era mais do que isso agora. Lembrou-se de como ela o desejara, e
sentiu-se um pouco envergonhada do fato, quando ele parou de vir para a
cama. Como ela tinha se tornado dependente de sua presença lá durante sua
gravidez e desde então. Como ela queria agora ser tocada, para...
Ela sempre odiou isso com Julian. No entanto, ela o amava totalmente. Ela
não conseguia entender por que agora parecia importante para ela, estar
totalmente casada, ser um com ele em corpo, se não em tudo.
— Não se é algo que você tem que fazer para si mesma —, disse ele.
— Quero ser sua esposa, David — disse ela. Ela podia ver pelos olhos
dele que suas palavras soavam ambíguas para ele, que ele ainda não sabia se
ela estava falando por dever ou desejo. Mas não podia falar mais claramente
com ele. Não sobre tais assuntos. Podia sentir-se corada.
— Muito bem, então, — ele disse com a voz abrupta.
Capítulo 18
Ela tinha alimentado Charles. Que às vezes dormia quase toda a noite.
Quase como se soubesse que agora era a vez de seu pai perturbar suas
noites. David esperou parado na janela de seu quarto como tinha feito em sua
noite de núpcias. Sentindo uma vibração de antecipação e apreensão como ele
tinha sentido então. Só nunca soube sobre Rebecca. Mas tinha que ser um
verdadeiro casamento. Ele sabia que não queria nada menos do que isso.
Como ela tinha feito na noite de núpcias, entrou silenciosamente no quarto,
fechando a porta de seu quarto de vestir como se houvesse um dorminhoco que
ela não quisesse perturbar, hesitando lá como se não soubesse como proceder.
Como naquela ocasião ele foi até ela.
— Eu vou ter que ensinar meu filho a ter maneiras à mesa —, disse ele. —
Ele suga ruidosamente e com avidez.
— Só no começo — disse ela. — Uma vez que ele percebe que sua
refeição não vai ser arrebatada para longe dele, ele se instala para apreciá-la
com mais delicadeza.
— Ele vai engordar —, disse ele.
— Ele era gordo quando nasceu. — Ela sorriu.
Ele gostava de vê-la sorrir. Ela o fazia muito mais vezes nos dias de hoje
do que no começo. Ele gostava de ver seu sorriso agora. Isso significava que
ela tinha relaxado um pouco. Realmente era quase como uma noite de
casamento, tudo de novo, ele pensou. Tinha sido quase um ano, e mesmo assim
tinham sido apenas três noites. Ele ergueu uma mão e passou as costas de seus
dedos sobre sua bochecha. Seu sorriso desapareceu.
Seus lábios eram macios e quentes, fechados e imóveis contra os dele. Ele
segurou o rosto dela com ambas as mãos e beijou-a suavemente, deixando seus
lábios deslizarem sobre suas pálpebras, suas bochechas, seu queixo, deixando-
a sentir sua boca aberta sobre a dela, sua língua traçando o contorno de seus
lábios.
Não houve resposta nem falta de resposta. Ela estava morna, relaxada e
pronta para ceder.
Não espere muito, disse a si mesmo. Não pense em Julian.
— Vem para a cama — disse ele, soltando seu rosto e colocando um braço
sobre os ombros. Ela se inclinou sobre ele. Ela não se afastou.
Queria vê-la. Mas ele apagou a lâmpada antes de entrar na cama ao lado
dela. Ele não queria envergonhá-la. Não havia fogo para iluminar.
Ficou deitada enquanto ele a beijava. Ela abriu a boca eventualmente, para
a sondagem de sua língua e permitiu que ele entrasse.
Ele provava calor, umidade e doçura. Sentiu-se endurecer de desejo, com o
impulso de avançar para o ato que sua língua simulava em sua boca. Ele impôs
controle sobre sua mente e seu corpo.
Ficou deitada enquanto ele levantava sua camisola e movia sua mão
levemente para cima de seu corpo, debaixo da camisola até seus seios. Ele os
circulou levemente, acariciando-os com a ponta dos dedos enquanto a beijava
de novo. Tanto a senhora sem roupas, quanto a mulher sob as regras e que os
tecidos decentes que a estavam escondendo. Ele a queria agora. Mas ele se
forçou a prepará-la com paciência metódica.
Ele não tocaria em seus mamilos. Por agora eles eram para seu filho. Ele
moveu a mão para baixo novamente, empurrando-a para a depressão bem feita
de sua cintura, sobre o arredondado feminino de seu quadril. Para baixo em
sua coxa macia e quente, em torno da parte interna aquecida da coxa e para
cima.
Ela ficou relaxada enquanto seus dedos a separavam, alisando entre as
dobras, circundavam a entrada para ela. Mas seu corpo respondeu enquanto
trabalhava e quando ele tocou o único ponto com a almofada de seu polegar e
pulsou levemente contra ele. Seu corpo se preparava para a penetração.
Ela ficou relaxada quando ele se ergueu sobre ela e abaixou seu peso, abriu
suas pernas com a dele, e se posicionou para uni-los. Ele podia senti-la
respirar profundamente enquanto ele empurrava firmemente para dentro. Ele
podia sentir seu corpo tenso mesmo assim. Ficou imóvel, profundamente
envolto nela, enquanto se controlava e relaxava novamente. Ela não o tocava
com as mãos. Tinha os braços abertos na cama. Ele colocou o seus em cima
deles e estendeu as mãos sobre as dela.
Ele a tinha pegado antes que ela pudesse estudar a si mesma até o total
dever e obediência. Suas mãos estavam rígidas. Seus dedos estavam cavando,
como uma garra, no colchão.
Ele manteve as mãos dela onde estavam enquanto a suas mãos estavam
abertas e relaxadas. Ele descansou sua testa contra o travesseiro, acima de seu
ombro, e sentiu-se doente. Muito doente fisicamente. Ele estava fazendo amor
com uma mulher que achava seu toque repulsivo. Uma mulher que permitiria o
uso de seu corpo porque ele era seu marido.
Nada tinha mudado. Nem uma única coisa sangrenta. Somente ele e suas
expectativas. Ele saiu de seu corpo, levantou-se dela e para fora da cama, e
foi ficar à janela. O desejo morreu nele e também a esperança e fé no futuro.
Ele tinha-se ligado a isso por toda a vida. E ele a tinha amarrado.
Houve silêncio por trás dele por um longo tempo. E depois um sussurro.
Ele desejou ter deixado o quarto imediatamente. Ele voltaria para o que ele
usou por um tempo depois de seu casamento. Ele tiraria as coisas dele de seu
quarto de vestir amanhã. De alguma forma, ele teria que aprender a viver com
um casamento que não fosse um casamento.
Com uma parceira de negócios. A mãe de seu filho.
— David? — Ele não tinha percebido que ela tinha deixado a cama e
estava parada atrás de seu ombro. Sua voz tremia.
Ele engoliu em seco.
— O que eu fiz? — ela perguntou. Sua voz estava mais alta do que o
normal. Ela soou à beira das lágrimas.
— Tentei, tentei tanto te agradar, não sei mais o que fazer, não sei o que
você quer.
Ele apoiou os braços no parapeito da janela, fechou os olhos e abaixou a
cabeça. Por Deus, ele desejou que tivesse deixado o quarto assim que saísse
da cama.
— O que eu quero? — ele disse. — Sei o que não quero Rebecca, não
quero violá-la, não é uma sensação agradável.
Houve um breve silêncio. — Eu sou sua esposa, — ela sussurrou
finalmente.
Ele podia ouvir o choque em sua voz. — Você não pode…
— Possuir um corpo que se encolhe ao meu toque parece um estupro —,
disse ele. — Não te tocarei mais, Rebecca, e não precisa sentir que falhou no
seu dever, escolho não te tocar de novo.
— Eu não me arrependo de você. — Sua voz estava horrorizada.
Ele riu. — Não, não exatamente — concordou ele. — Você se esforçou
muito Rebecca, mas é muito difícil, você tem um controle muito grande sobre
si mesma. Eu acredito que essa é a sua maior força, não é? Mas o relaxamento
forçado, as respirações profundas, a quietude não me enganam, você sabe… E
suas mãos agarrando o colchão… Você acha que eu posso ter algum prazer de
estuprar uma mulher que tem que se educar para vencer a repulsa para me
receber?
— Eu não te repeli, — ela disse. — Oh, David, não foi isso.
Por fim, afastou-se da janela para olhá-la. Tentou controlar seu
temperamento. — Então suponha que você possa me dizer o que diabos estava
acontecendo —, disse ele. — É tarde, eu quero dormir um pouco e você vai
ter que se levantar cedo para alimentar Charles.
— Eu não te repeli, — ela disse. — Você não deve pensar isso, é só que eu
me senti envergonhada, não é certo, as mulheres não são supostamente… É
vulgar e pecaminoso, eu não queria que você soubesse. Para te desagradar,
não vai acontecer de novo, David, eu prometo, é que tem sido tão longo e eu…
— Ela respirou fundo. Eu queria que fosse bom para você, eu queria ser
totalmente submissa, mas eu falhei. Dê-me outra chance, por favor, não vá
embora. Por favor, não vá embora de novo.
Ele a olhou fixamente. Raramente a tinha visto tão perto de estar
perturbada. — As mulheres não devem fazer o quê? — ele perguntou.
— Não vai acontecer novamente —, disse ela.
— O que não vai acontecer? — Ele perguntou.
Ele podia ver pela luz fraca da janela que ela estava mordendo seu lábio
inferior.
— O que não vai acontecer? — Ele repetiu.
— Me senti tão bem, — ela sussurrou. — Já faz tanto tempo… Perdoe-me,
David.
— Por me querer? — Ele disse suavemente.
— Não vai acontecer novamente —, disse ela.
— É melhor acontecer —, disse ele, — para este casamento continuar.
Ela olhou para ele, muda.
— É uma época terrível em que vivemos —, disse ele. — Eu não acredito
que tenha sido assim através do resto da história. É realmente ensinado as
mulheres, as senhoras, que o prazer de seus corpos é pecaminoso, Rebecca?
Que sexo é errado?
— Não está errado — disse ela, engolindo. — É para o prazer de um
marido. E para as crianças.
Ele se pegou a tempo de proferir uma obscenidade que ela provavelmente
não teria entendido de qualquer maneira.
— Não pode haver prazer para a esposa? — Ele disse.
— Prazer em dar prazer — disse ela. — E em ter filhos. E em amamentá-
los. David…
Ele pressionou um dedo firmemente contra seus lábios. — Você quer-me
dar prazer? — ele perguntou. — Você acha que é seu dever fazê-lo?
— Sim — disse ela. — Não vai…
Mas ele pressionou o dedo no lugar.
— Você vai-me dar prazer ao aceitá-lo — disse ele. — É seu dever me
permitir que te divirta Rebecca, e mostrar esse prazer abertamente.
— Seria inoportuno… — Seu dedo pressionou mais firmemente.
— Deus nos fez com corpos e almas —, disse ele. — E criou o homem e a
mulher para viverem juntos, para amar juntos, para procriar juntos. Não
decretou que o homem desfrute e a mulher resista, os pregadores em nosso
próprio século fizeram isso, Ele criou o homem e a mulher para serem iguais.
Ele sentiu seus lábios moverem contra seu dedo. Ele não o removeu.
— Não posso usá-la como minha esposa se você simplesmente se submeter
Rebecca — disse ele. — Eu não espero seu amor, nunca foi parte do nosso
negócio, mas eu quero que sejamos iguais neste casamento. Igual conforto, um
mesmo sentido de propósito, igual companheirismo e afeto. Você só precisa
aprender a me usar. — Ele deixou cair a mão de volta para o seu lado.
— Eu quero o que você quer, — ela disse cuidadosamente.
— Não! — Disse ele com dureza. Ele não preencheria o silêncio que se
seguiu. Era ela. Seu futuro era com ela.
— Eu preciso de você —, ela sussurrou finalmente. — Por favor, David eu
preciso de você. Não vá embora de mim. Não suporto o vazio, a solidão.
— Eu também não suporto —, disse ele. — Nós estaremos juntos na
necessidade mútua, então, nós vamos? Nenhum de nós vai dar ou tomar mais
do que o outro?
Ela assentiu com a cabeça.
Seu coração se virou. Quando ele levantou os braços para tocá-la, ele não
tinha nenhuma certeza de que não estava entrando muito mais fundo do que ele
jamais pensou ir. Muito mais profundo do que ele poderia suportar ir. Pois ele
estava prometendo tudo para ela e ela para ele quando nenhum deles poderia
dar tudo.
Ele afastou todo pensamento de sua mente.
Ela precisava dele. Oh, Deus, ela precisava dele.
****
Ela não tinha certeza com o que ela estava concordando. Sentia-se
profundamente desconfortável. E inteiramente em terreno desconhecido. Ela
tinha admitido sua necessidade. Ela tinha quase implorado para ele ficar com
ela, para fazer amor com ela. A ideia de que as necessidades de uma mulher
não eram nada, somente a dos homens é que importava. Estava profundamente
enraizada nela.
Ela deveria ser sua igual, ele tinha acabado de dizer. Eles deveriam ser
iguais em tudo. Ele não poderia ser seu marido se ela fosse uma esposa
submissa.
Mas ela não sabia como ser uma esposa diferente. E estava errado. Só que
ele tinha dito que não estava. Ele lhe dissera qual era seu dever. E ela devia
obedecê-lo. Ela havia prometido isso com toda seriedade no casamento. O
primeiro dever da esposa era ser obediente.
Sua camisola abotoada na frente, os botões estendendo-se do alto do
pescoço e todo o caminho até seu umbigo. No início, quando suas mãos
amassaram seus ombros e depois se moveram para desfazer os botões ela
assumiu que ele pretendia desfazer apenas os de cima. Para que ele pudesse
beijar sua garganta, talvez? Mas ele não parou.
Ela percebeu o que iria acontecer quando ele tirou o tecido de seus ombros
e tomou seus braços para endireitá-los em seus lados. Estava profundamente
mortificada quando a camisola deslizou por seus braços e por seus seios,
passando por sua cintura e seus quadris e todo o caminho até o chão. Seus
olhos haviam se acostumado com a escuridão, e a luz de uma lua brilhante e
estrelas estava fluindo através da janela.
Ela estava de frente para a janela. Não queria que ele a visse. Ela fechou os
olhos com força enquanto ele deu um passo para trás.
E então ele pegou ambas as mãos dela e ergueu-as para o botão superior da
sua camisola. Não. Tentou afastar as mãos.
— Sim — disse ele com ferocidade. — Sim, Rebecca.
Ela manteve os olhos fechados. Seus dedos se sentiam como se fossem dez
polegares. Ela fez uma pausa quando abriu o botão inferior. Mas sabia o que
queria, o que devia fazer. Preencher seus pulmões com ar tornou-se um esforço
consciente.
Seus ombros estavam quentes ao seu toque, firmes e musculosos. Mas os
dedos de sua mão esquerda roçaram uma crista dura. Sua cicatriz. Ela abriu os
olhos quando ele tirou a camisa de dormir e deixou-a cair no chão. Ah! Ah,
meu Deus, ele era lindo. Tão bonito. Ela pensou que ela poderia chorar, e
mordeu o lábio.
Ele tocou apenas sua cabeça, uma mão segurando a parte de trás dela, a
outra levantando o queixo para poder beijá-la. Abriu a boca sem esperar a
exigência de sua língua e conscientemente resistiu ao instinto de sufocar o
sentimento, de se submeter à submissão. Ela se permitiu sentir. Sentir a macia
umidade de sua boca contra a dela. Sentir a dureza de sua língua invadir a
cavidade de sua boca e circular sua própria língua, antes de acariciar os lados
de sua boca e o cimo sensível.
A crueza da sensação que criou aterrorizou-a por um momento.
Ela se ouviu gemer.
E então sua boca se moveu para baixo sobre seu queixo e ao longo de sua
garganta para acariciar o pulsar que corrida em sua base. Suas mãos
circundavam seus seios levemente, como a lambida das chamas. Ele segurou-
os em concha no mergulho entre seus polegar e indicador e levantou—os.
Ela deixou a cabeça cair para trás. Era tão bom. Muito bom. E ela não tinha
que lutar contra esse sentimento. Ele não queria que ela lutasse. E ele deveria
ser obedecido. Ele havia dito que não era pecaminoso. Homem e mulher foram
criados com corpos. O que Deus criara não poderia ser mau.
Ela sentiu seus lábios contra um mamilo e depois sua língua. Ela ofegou. E
então gritou com choque e desejo e apertou seus cabelos enquanto ele chupava
com força. Ela sentiu um jorro de leite para ambos os seios. E ofegou de
constrangimento.
— Sim — disse ele. — Ah sim. — E ele moveu a cabeça para o outro peito
e sugou suavemente. — Ah sim. — Seu rosto estava sobre o dela de novo e ele
a beijou com a boca larga. Ela experimentou a doçura de seu próprio leite.
— Eu quero você, — ele disse, erguendo os braços ao longo de seus lados
e atraindo-a contra ele, finalmente.
— Diga que você também me quer, diga.
— Eu quero você —, disse ela. Sua necessidade para ele estava pulsando
entre suas coxas e profundamente dentro dela.
— Onde? — perguntou ferozmente contra sua boca. — Onde você me quer?
Ela não podia responder. Ela não podia dizer as palavras em voz alta. Ou
até mesmo pensá-las.
— Onde? — Ele insistiu. — Conte-me.
— Entre as pernas — disse ela. — Dentro de mim.
— Sim, — ele disse exultante. — Sim. Venha, então.
Ela estava pulsando com saudade, dolorida com o desejo dolorido. Ela
estava além do constrangimento ou do horror em sua absoluta despreocupação.
Não sabia como esperar um pouco mais. Ela não sabia como suportaria a
dor de sua entrada em uma dor tão dolorosa.
Ele a deitou na cama e veio imediatamente em cima dela.
Ela abriu as pernas e os braços sem esperar que ele fizesse isso por ela.
— Não, — ele disse, encontrando sua boca com a dele. — Toque-me,
Rebecca. Me toque.
Ela trouxe seus braços ao redor dele, esfregando suas palmas com força
sobre seus ombros e costas, sentindo os músculos, sentindo toda a
masculinidade dele. Ela podia senti-lo equilibrado e duro em sua entrada e se
sentia dolorida e vazia e pronta para explodir com saudade. Suas mãos se
moveram para baixo, tremendo.
— Por favor. — Ela sabia que era sua própria voz, soando drogada, soando
absolutamente desprezível. Mas ela estava além do ponto de ser capaz de
controlá-la, mesmo que ele tinha ordenado a ela que não se controlasse. —
Por favor, dê-me isso, dê-me isso, David.
Ele estendeu a mão para agarrar suas mãos sob suas pernas e levantá-las
sobre as suas próprias. Ela retorceu as pernas sobre suas poderosas coxas e as
sentiu mais abertas e empurrou para cima.
— Isto? — Sua voz estava baixa contra sua orelha. — Isso é o que você
quer?'
Ela ficou assustada de repente. Ela estava totalmente indefesa e larga,
aberta. Ele inclinou-se para que ela soubesse que não haveria nada para
segurar. Nada que não fosse tocado.
— Sim. — Sua voz era um suspiro. — Sim. Oh, sim.
Deve ter havido dor, ele foi tão profundo. Havia dor. Uma que certamente a
deixaria louca. Não havia remissão, não podia evitá-lo. Suas pernas estavam
aprisionadas sobre as dele. Ele estava segurando suas nádegas com mãos
fortes e espalhadas.
— E isto? — Ele se afastou lentamente e empurrou para dentro, duro e
profundo novamente.
Ela podia ouvir sons, sons de gemidos, que ela era impotente para
controlar.
— E isto?
Tornou-se uma agonia. Não havia lugar para esconder. Nenhuma parte de si
mesma em que se retirar. Era muito tarde para isso. E não havia nada gentil
com as repetidas correntes internas ou com a velocidade com que batiam em
sua dor central. Não lhe mostrou nenhuma piedade. Apenas a exigência para
ela dar tudo. E o mais aterrorizante, que ela recebesse tudo.
E então ela estava agarrando-o, tirando sangue de suas costas, embora ela
não soubesse. Algo estava acontecendo. Alguma coisa iria acontecer. Algo tão
estranho à sua experiência que ela lutou com terror cego.
— Não! — Ela o rasgou. — Não!
— Sim. — Seu rosto estava acima do dela, seus olhos pesados e intensos
com uma paixão que agravava seu terror. — Sim, Rebecca, tudo isso.
Tudo isso.
Os golpes haviam parado, mas ele não se retirara completamente. Ele não
teria misericórdia. Sempre, lentamente, implacavelmente, veio o profundo
impulso para dentro, repetidas vezes, e a pressão prolongada contra sua dor
até que os últimos vestígios de controle desaparecessem e tudo se rompesse.
Tudo.
Ela gritou.
Ele estava dizendo algo contra a boca dela.
E movendo firme e profundamente novamente.
E suspirando e murmurando em sua boca.
Mas tudo se despedaçou, e o corpo e a alma foram lançados em uma queda
livre além de seu controle e além de seu cuidado. Ela se deixou cair e não se
importava com o desembarque. Somente a liberdade importava e o abandono a
algo além de si mesma. Não importava quando ela desembarcava ou onde ou
se a sacudida do pouso a mataria ou simplesmente magoaria. A queda foi tudo.
Ela caiu, trancada com o corpo do homem que estava caindo com ela.
— Pode ser bonito, você vê, — ele estava dizendo algum tempo depois —
talvez alguns segundos, talvez algumas horas depois. — Não só quando há
amor, mas mesmo quando não há desde que haja afeto e compromisso. Há
ambos com a gente, Rebecca, não está lá? Há carinho.
Ele se afastara de seu corpo, embora tivesse mantido os braços em volta
dela. De modo que quando se moveu para o lado dela, ela se virou com ele e
se deitou contra ele. Ambos estavam úmidos e ambos ainda ofegantes. Ele
puxou o lençol e a manta sobre eles, mesmo que fosse uma noite quente de
verão.
Ela estava muito letárgica para responder. Demasiado sonolenta para
pensar sobre o que tinha acontecido. Como ele tinha derrubado tudo o que lhe
tinha sido ensinado e tinha experimentado em seus vinte e cinco anos.
Afeição? Era assim que sentia? Afeto? E compromisso?
Era assim que se comportava? Era isso que significava casar?
Com o meu corpo te adorarei. Ela podia ouvir sua voz repetindo as
palavras depois do vigário da Igreja de Craybourne.
Sentia-se adorada. Carnal e assustador como tinha sido, ela se sentiu
adorada.
E sonolenta.
E exausta.
E maravilhosa.
Ela dormiu.
****
Às vezes, quando estava sozinha, pensava profundamente. Às vezes, quando
ela estava ocupada, mesmo quando estava com outras pessoas, ela fazia uma
pausa no que estava fazendo e partia para um sonho que a levaria além de seu
entorno.
Como foi com Julian? Ela imaginou. Como foi o namoro? E o casamento
deles? Às vezes, assustava-a um pouco que ela já não conseguia lembrar com
clareza. Tudo que ela podia lembrar era um sonho de amor e um sonho de
perfeição. Embora nunca tivesse tido uma casa adequada com ele. Ou qualquer
coisa útil para fazer com seu tempo. Ou uma criança. E ela nunca tinha gostado
de suas relações conjugais.
E, no entanto, havia o amor e o sentimento de perfeição. E a convicção de
que a vida não poderia continuar sem ele, ou se isso acontecesse porque a
vida não poderia chegar ao fim apenas porque alguém quisesse. Então a vida
não poderia ter mais felicidade para oferecer. Nem mais amor.
Às vezes, sentia-se desconfortável e culpada pela felicidade que a vida lhe
dera, não muito tempo depois da morte de Julian. E ela estava feliz.
Ela não podia mais negar. Havia Stedwell e toda a rotina ocupada da vida
cotidiana lá. E se ocupava de todos os preparativos para o piquenique, o
jantar, e o baile em agosto, em seu primeiro aniversário de casamento.
Lá estava Charles, seu pequeno pacote de alegria. O filho calvo e de olhos
azuis que podia e fazia seu coração doer de amor.
E havia David. Ela nunca tentou colocar seus sentimentos por ele em
palavras, mesmo em sua mente. Ela só sabia o que ela não sentia por ele. Mas
ele era importante para ela. Oh, muito mais do que isso. Ele era central para
sua nova vida, para seu contentamento, para sua felicidade.
Sem ele, tudo desmoronaria. Sem ele não haveria ninguém com quem
compartilhar a alegria de uma vida que ela não esperava encontrar novamente
depois de Julian.
David era seu companheiro, seu assistente, seu conselheiro, e seu amigo.
O pai de seu filho. E o amante dela.
Julian fora seu amor. David era seu amante. Às vezes ela dizia isso dessa
maneira em sua mente. Havia uma diferença, embora ela não analisasse o que
era. Ela não queria saber. Ela sentiu um pouco de medo de saber e ela não
parou para analisar o medo também.
David era seu amante. A companhia e a amizade foram tornadas pessoais e
preciosas pelo vínculo físico entre eles.
O que acontecia entre eles em sua cama à noite era algo secreto, algo que
só eles compartilhavam, algo de que ela tinha deixado de se sentir culpada.
Era seu dever agradar a seu marido.
Ela agradava a seu marido por ser agradada.
Ela permitiu que ele a agradasse. Ela aprendeu a agradá-lo.
E no processo ela descobriu a maravilha de sua própria sexualidade.
E a maravilha de focalizar essa sexualidade em um homem. Em seu marido.
Julian fora seu amor. Ela sempre permaneceria leal a esse conhecimento.
Seu coração seria seu enquanto ela vivesse. Uma parte dela sempre estaria
enterrada com ele nas planícies de Inkerman na Crimeia.
Mas David era seu amante. E David estava vivo, quente e maravilhoso. Ela
não pensava mais em seu passado. Seu passado não era sua preocupação. Ele
era seu marido agora, no presente, e seria para o resto de suas vidas.
Agora no presente, ele era seu amigo e seu amante.
Ela agradeceu à tentação de ser feliz.
Até o dia do piquenique.
Capítulo 19
Somente os mais velhos podiam lembrar-se do piquenique e do baile em
Stedwell, embora em algum momento tivesse sido uma tradição anual. Mas, no
passado, sempre envolveu apenas os membros da nobreza. Este ano, ao
revitalizar a tradição, o visconde e viscondessa também o renovaram,
tornando-o um evento para todos.
Havia jogos ao ar livre como o croquet[12] energético, críquete, tênis,
boliche, brigas, corridas para as crianças. Havia passeios de canoa no rio.
Aqueles menos enérgicos poderiam passear sobre os gramados ou sentar-se
para ver as outras atividades, ou até mesmo passear dentro de casa. O chá era
para ser servido no terraço.
À noite, haveria um grande jantar — na sala de jantar para a nobreza, no
salão de baile para as ordens inferiores. Mais tarde, haveria um baile. David e
Rebecca rejeitaram a ideia das classes mais baixas dançando fora. Era hora de
todos aprenderem a se misturar para certos eventos, eles concordaram.
Jardineiros extras, cozinheiros e ajudantes da casa foram contratados para a
semana ou assim, antes do grande dia. Era um tempo ocupado e ansioso.
Ansioso porque o tempo não podia ser feito sob encomenda, e tinha sido um
verão de tempo incerto. Atividades alternativas no salão de baile tinham sido
planejadas, mas não seria tão divertido ter todo mundo abarrotado lá durante o
dia e à noite.
Mas a ansiedade foi posta para descansar quando o dia amanheceu nublado
e seco, mas com a promessa de abertura em um dia bonito.
Rebecca sentou-se na cadeira de balanço do berçário, alimentando Charles,
que estava sugando com seu entusiasmo habitual e olhando para ela,
completamente desperto e avisando que ele não tinha intenção de voltar a
dormir por um longo tempo.
— Diminua a velocidade — disse ela. — Papai diz que você está ficando
gordo, basta olhar para as suas bochechas. Ela tocou uma delas com o dedo
indicador.
Seu filho fez uma pausa no café da manhã o suficiente para lhe dar um
sorriso largo e desdentado. Ele sugou por mais cinco minutos antes de decidir
que ele estava cheio, mas muito pronto para brincar. Havia muito a fazer,
pensou Rebecca. Não haveria muito tempo para passar com ele. Ela colocou-o
em seu colo e se inclinou sobre ele para esfregar seu nariz contra o dele até
que ele sorriu novamente.
— Aí vem Papa — disse ela, ouvindo a porta ser aberta atrás dela.
— Você deixou algum sorriso para ele?
David colocou uma mão contra a nuca em um gesto característico, enquanto
se inclinava e fazia cócegas em seu filho sob o queixo.
— Acho que você tomou o café da manhã até a última gota — disse ele. —
Essas bochechas estourarão um dia desses.
Charles olhou solenemente para ele antes de sorrir largamente para a piada.
— Feliz aniversário — disse David, virando a cabeça para olhar para
Rebecca. — Um presente para você. — Colocou um pequeno embrulho em sua
mão e então ergueu o bebê de seu regaço.
Ela lhe comprou uma nova corrente de relógio, mas ainda estava em seu
quarto de vestir. Havia pequenos brincos de diamante na caixa, uma
combinação perfeita para seu pingente de Natal.
— Que lindos — disse ela. — Obrigada, David, parece mais de um ano,
não é? A vida é tão diferente.
Ela sabia que ele não teria que perguntar se era melhor. Embora nunca
conversassem diretamente com o coração, ambos haviam relaxado no
contentamento de sua vida juntos em Stedwell. Tinha perdido o olhar apertado
e sombrio que tinha trazido da Crimeia. Seus olhos já não pareciam estar
acostumados a testemunhar horrores e morte. Parecia feliz, exceto pelas
frequentes vezes em que se levantava da cama durante a noite e ela sabia que
estava tendo pesadelos novamente. Ela esperava que eles também
desaparecessem com o tempo.
— Você foi um bom menino e dormiu a noite toda de novo —, ele disse,
voltando sua atenção para o filho, — Quais são seus planos para hoje? Você
vai levar a Enfermeira para uma dança alegre? Não, não chupe o colarinho de
Papai. Está limpo e acabado de engomar.
Estava um dia maravilhoso para realizar o piquenique e o baile, pensou
Rebecca, relaxando um pouco mais na cadeira de balanço e olhando para o
seu presente. Seu primeiro aniversário de casamento.
Ela sentiu um profundo contentamento — e então ficou decididamente em
pé.
Havia tanta coisa para fazer que o próprio pensamento de tudo isso deixou-
a tonta.
****
Uma equipe dos trabalhadores de David estavam jogando críquete com uma
equipe de seus inquilinos, embora o resultado fosse uma conclusão
precipitada, o Sr. Gundy queixou-se alto e bem-humorado desde que a equipe
rival tinha Joshua Higgins e todos sabiam que somente tinha que mostrar seu
bastão para a bola e seis e ela saltava diretamente para fora. Sr. Crispin e o Sr.
Appleby estavam remando com as mulheres e meninas no rio. Stephanie Sharp
e algumas das outras garotas estavam jogando tênis. A Sra. Hatch, a esposa do
reitor, ajudada por Miriam Phelps, organizava os jogos e corridas para
crianças. Algumas outras senhoras estavam jogando croquet. Estava quase na
hora do chá.
David passeava de grupo em grupo, seu filho em um braço, olhando com
interesse. Charles tinha acabado de acordar de um longo sono e foi alegrar os
convidados de seu pai com sua companhia por um curto tempo. Ele era
instantaneamente popular com as senhoras e meninas. Rebecca estava longe de
ser vista no momento. David adivinhou que estava na cozinha certificando-se
de que o chá estava pronto para ser trazido para fora.
O dia ia ser um grande sucesso. Olhando sobre ele, não conseguia pensar
em alguém que não estivesse lá. E não via ninguém que parecesse entediado ou
insatisfeito, exceto por um pequeno rapaz que lançou um gemido súbito e foi
arrastado para ser consolado por Miriam.
Ele deveria ter feito isso há anos, pensou David. Ele deveria ter voltado
para casa assim que alcançasse a maioridade. Ele poderia ter sido salvo de
uma grande dor se ele o tivesse feito isto. Mas então nunca se poderia saber
como a vida poderia ter resultado se alguém tivesse feito escolhas diferentes
no passado. Era preciso aceitar o presente pelo que era e fazer uma séria
tentativa de se preparar para um futuro contente. Tanto o presente quanto o
futuro lhe pareciam bons no momento.
Mas seus pensamentos agradáveis foram interrompidos pela visão de uma
carruagem lisa, um empregado da aldeia a conduzia, se aproximando ao longo
da entrada de carruagens. Ele devia ter-se esquecido de alguém, pensou,
quando acabava de fazer um inventário mental de todos na vizinhança. Ele foi
até a casa para cumprimentar a chegada tardia.
Mas o sorriso que estivera no rosto durante toda a tarde e as palavras de
boas-vindas que pairavam sobre os lábios morreram instantaneamente quando
a carruagem parou e Sir George Scherer saiu e o cumprimentou calorosamente
antes de se virar para conduzir a sua esposa.
— Major —, ele disse, — nós estávamos passando de novo e lamentando o
fato de que estávamos aprisionados dentro de um trem em um dia tão lindo.
Cynthia se lembrou de você, não fez, meu amor, e insistiu que parássemos
para vê-lo. Tive medo de que você estivesse ausente ou ocupado com outros
assuntos, mas você sabe como as mulheres são uma vez que elas têm algo em
sua cabeça. É mais fácil ceder a elas. Parece que nós escolhemos um momento
oportuno para vir. Parece uma festa rara.
— Bem-vindo —, David disse involuntariamente, apertando a mão e
virando-se para Lady Scherer, que estava tão silenciosa e grave quanto antes.
Ela ignorou sua mão estendida. Sentiu uma sensação de profundo
pressentimento. Ele se perguntou se ele deveria ser grosseiro e dizer a Scherer
que na verdade ele não era bem-vindo. Tinha uma vívida lembrança de dizer a
Rebecca que nunca mais os permitiria em sua casa. Mas era mais fácil
imaginar-se fazendo tal coisa do que realmente fazê-lo, especialmente em uma
ocasião tão pública. Além disso, não havia outro trem até de manhã.
— Seu filho? — disse Sir George, sorrindo para Charles. — Lady
Tavistock o teve com segurança, então. Suas ansiedades foram por nada, meu
senhor. Um menino, eu espero?
— Um menino, sim — disse David. — Ele nasceu há três meses, estamos
fazendo um piquenique, como você pode ver, o chá deve ser servido a
qualquer momento, eu vou levá-lo para um quarto de hóspedes... Você gostaria
de se refrescar antes de se juntar a nós. Vai se juntar a nós para o jantar
também? Haverá um baile esta noite.
Rebecca tinha chegado ao lado dele. Ela cumprimentou seus convidados
totalmente inesperados e indesejados, como ele esperava que ela fosse
cumprimentá-los, com frieza e competente graciosidade. Ela os levou para a
casa. Mas David, conhecendo-a muito bem depois de um ano de vida com ela,
podia sentir a frieza e o aperto nela.
Ela pensava que ele teve uma vez um caso com Lady Scherer, ele se
lembrou.
Charles, que ficara perfeitamente satisfeito até que sua mãe chegasse ao seu
lado e ignorasse totalmente seu sorriso e sua expectativa de ser transferido
para seus braços, abriu a boca e gritou.
****
Talvez, Rebecca pensou durante o chá e as horas que se seguiram, enquanto
ela mudou para as atividades da noite e, em seguida, durante o jantar, se
tivessem tido que vir de todo, foi que eles tinham escolhido hoje por
coincidência. Sir George era alegremente sociável e parecia contente em
encontrar uma audiência com a nobreza vizinha.
Até mesmo sua esposa parecia menos reticente do que o habitual e
misturada com as senhoras a quem ela tinha sido apresentada.
Talvez eles passassem a noite e retomassem a jornada no trem de amanhã e
ninguém seria pior para sua visita.
Talvez fosse meio de ela ficar tão desagradada ao vê-los.
No entanto, o conhecimento de que tinham chegado afetou seu humor.
Eram um lembrete para ela novamente do passado que ela tinha colocado
firmemente atrás dela. A ex-amante de David estava lá em sua casa,
participando das comemorações que coincidiam com seu primeiro aniversário
de casamento. E Sir George Scherer, que gostava de zombar dela e de David,
também estava lá e nunca se sabia se ele estava satisfeito agora ou se havia
mais por vir.
Por que ele continuaria chegando à casa do homem que o tinha esfaqueado?
A pergunta esfriou Rebecca enquanto sorria e tentava continuar a se divertir.
Afinal de contas, não podia ser que tivesse vindo para uma visita inocente, não
é?
Ela queria que eles se fossem. A felicidade que ela e David tinham
encontrado juntos era uma coisa muito frágil. Ela sempre soube disso. Sabia
que havia entre eles algo que talvez não suportasse a luz. Algo que poderia
tornar muito difícil mesmo para eles continuarem como estavam. Ela não
queria saber o que era aquela coisa.
Ela estava com medo de saber.
Ela e David começaram a dançar no baile. Foi uma valsa. Eles tinham
dançado juntos antes, já que a dança era uma das atividades favoritas de seus
vizinhos. Mas esta noite havia uma orquestra completa e um salão de baile de
tamanho grande, que de alguma forma perdera a sua miséria atrás dos bancos
das flores e das folhagens. Este deve ser o momento mais feliz de um dia feliz,
Rebecca pensou, tentando persuadir-se de que realmente era. David parecia
magnífico em seu casaco de abas compridas preto e calças e lenços brancos.
Seu cabelo precisava ser cortado — do jeito que ela mais gostava.
— Você está linda —, disse ele.
A nova costureira e suas assistentes fizeram-lhe um vestido de seda
dourada cintilante, seu corpete muito baixo para ela, sua saia ridiculamente
arqueada, e exultantemente enorme.
Ela sorriu consciente dos olhos neles. A maioria das pessoas estava
permitindo que eles dançassem sozinhos antes de se juntarem a eles no chão.
— Eu gostaria que eles não tivessem vindo —, ela disse e então desejou
não ter dito nada. Teria sido melhor não dizer nada.
— Eu vou ter certeza que eles vão embora amanhã —, disse ele. Sua
resposta foi tão rápida que ela soube que sua visita estava pesando fortemente
em sua mente também.
Talvez, ela pensou, o melhor curso de ação seria para os quatro deles para
se reunir e ter tudo em aberto.
Talvez só assim os fantasmas pudessem ser exorcizados e esquecidos.
E talvez só dessa maneira as vidas pudessem ser destruídas. Mas como?
Tinham tido um caso. Tinha acabado. Talvez Sir George tivesse rancor, mas
ela não. Isso aconteceu muito antes de se casar com David.
Mas talvez... Ela fechou sua mente para a ideia assustadora, sempre lá no
fundo de sua mente, que havia algo mais.
Havia um baile para ser apreciado e o aniversário de casamento para ser
comemorado. E os hóspedes para entreter.
Mais tarde, à noite, Rebecca encontrou-se ao lado de Lady Scherer na
tigela de ponche. Ela sorriu. — Espero que esteja se divertindo — disse ela.
— E espero que você não esteja se sentindo negligenciada. Foi uma
coincidência estranha e feliz que você veio sobre neste dia de todos os outros.
— Oh, não foi coincidência — disse Lady Scherer, com a voz tão baixa que
Rebecca teve que inclinar a cabeça para mais perto. — Ele sabia, ele sabe
tudo sobre você.
Rebecca sentiu o estômago revirar-se desconfortavelmente.
— Ele sabia do piquenique e do baile? — Ela disse? — Então fico feliz
por você se ter juntado a nós.
— E que é o seu aniversário — disse Lady Scherer. — E que seu filho
nasceu em 15 de maio.
Rebecca olhou para ela, mas Lady Scherer estava olhando friamente para
dentro de seu copo.
— Cuidado com ele — disse ela. — Ele te odeia, vós todos os três. Ele vos
prejudicará se puder. Às vezes penso que ele está perturbado.
Os olhos de Rebecca se arregalaram e seus pensamentos se concentraram
em Charles, no berçário do andar de cima com sua enfermeira.
— Suponho que tenha adivinhado pelo menos parte da verdade — disse
Lady Scherer, olhando-a finalmente. Sua voz, quando ela falou novamente era
baixa e feroz. — Eu só quero que você saiba que não era sórdido, para mim
não era, e eu tenho odiado você também, embora totalmente sem razão, devo
admitir. Eu amava seu marido, você vê. E eu me convenci de que ele me
amava.
Ela se virou e entrou na multidão que os cercava, levando a ambiguidade de
suas palavras com ela. Uma ambiguidade que ela sem dúvida não tinha
pretendido e que Rebecca nem sequer reconheceu.
****
Era impossível evitar dançar com Sir George Scherer quando ele pediu.
Rebecca estava conversando com um grupo de vizinhos e não poderia ter
recusado ninguém sem parecer muito mal-educada, menos ainda a um hóspede
da casa que havia chegado inesperadamente naquela tarde.
— Obrigada — disse ela, colocando a mão em seu braço e permitindo que
ele a conduzisse ao chão.
— Não posso acreditar na nossa boa fortuna ao escolher este dia de todos
os dias para visitar você, Lady Tavistock — disse ele.
— Foi uma feliz coincidência —, disse Rebecca.
— Você deve estar muito orgulhosa do sucesso de sua festa —, disse ele.
— É o seu aniversário de casamento, entendo?
— Sim. — Ela sorriu para Sir Gideon Sharp e a Sra. Mantrell dançando
perto deles.
— Você teve a sorte de fazer um casamento tão feliz — disse Sir George.
— Entendo que o major Tavistock e seu primeiro marido cresceram quase
como irmãos.
— Sim — disse ela.
— E que você era uma vizinha muito próxima. — Ele riu de todo o
coração.
— Deve ter sido difícil fazer a sua escolha entre eles, mas como se
verificou, você teria a oportunidade de escolher os dois.
Só a educação dela a manteve em silêncio. Como ele ousava! O que ele
insinuava?
— Ou talvez —, disse ele, — era o major que desejava ver que você
poderia fazer uma segunda escolha.
— Não era uma questão de escolha, senhor, — ela disse com raiva. Ela
sabia, mesmo enquanto falava que seria melhor manter a boca fechada. — Eu
sempre amei Julian.
— Ah, é verdade — disse ele. — Amor jovem, Lady Tavistock, eu sei tudo
sobre isso, Cynthia e eu nos casamos como jovens amantes, e vivemos felizes
para sempre desde o dia do nosso casamento.
Rebecca concentrou-se nos passos da dança.
— Mas então, — ele disse, — você recebeu uma segunda chance com seu
irmão e parece muito feliz.
A música nunca terminaria? Mas tinha acabado de começar. Ela sorriu para
Stephanie Sharp.
— Estou contente por isso — disse ele. — Estou contente por causa do
major, devo-lhe minha vida, lembra-se, Lady Tavistock.
— Sim — disse ela.
— É estranho que a memória, no entanto —, disse ele. — Mas depois as
lembranças podem ser estranhas, não é verdade? Às vezes, depois de um
tempo, não se pode decidir o que é a verdadeira memória e o que foi
imaginado… Você já notou isso, Lady Travistock?
— Tenho certeza de que tem razão, senhor — disse ela.
— Às vezes —, disse ele, quando me lembro do soldado russo, Lady
Tavistock, eu o vejo com um casaco escarlate sob o seu casaco. Não é
ridículo? Somente nós britânicos usamos casacos escarlates. Por que um
soldado britânico estava brandindo uma espada na minha cara, e por que o
major estaria atirando? Por todo o coração, é uma lembrança muito estranha,
não concordaria?
— Sim. — Ela não deveria ter tido o salão decorado com flores. Ou não
com tantas de qualquer maneira. Não sobrava ar. Ela não conseguia respirar.
— Mas eu não deveria estar falando de tais assuntos, devo? — ele disse.
Eu sempre esqueço que é angustiante para algumas mulheres ser lembradas da
guerra, especialmente quando elas perderam os maridos lá, do mesmo modo
também, no seu caso particular seu marido foi baleado no coração também.
Você está bem, Lady Tavistock?
— Sim — disse ela. Mas sua voz estava chegando a ela de muito longe.
Tudo estava muito longe. Havia um zumbido em seus ouvidos. O ar que ela
estava respirando estava de repente muito frio. Estava muito fria.
— Está tudo bem, — alguém estava dizendo — de muito longe. — Ela só
precisa de ar, tem sido um dia ocupado para ela. Sra. Appleby, faça sinal para
a orquestra começar a tocar de novo, sim?
Ela estava sendo levantada do chão por braços fortes e sentia o ar mais
fresco e subindo as escadas. Ela estava sentada em uma cadeira dura, e uma
mão forte estava na parte de trás de seu pescoço, forçando sua cabeça para
baixo em direção a seus joelhos.
— Apenas relaxe — disse David. — Não há pressa, você desmaiou só
isso.
Ela estava em seu quarto de vestir, ela percebeu quando o mundo começou
a voltar.
— Que tola eu fui — disse ela. — O que as pessoas vão pensar?
— Que a sala estava muito quente e a excitação foi demais para você —
disse ele calmamente. — Apenas mantenha sua cabeça para baixo por um
tempo, eu vou buscar um copo de água.
— Não posso imaginar fazer nada mais embaraçoso —, disse ela,
levantando a cabeça depois de um minuto mais ou menos e tomando o copo de
sua mão. — E eu não consigo imaginar o que aconteceu, eu nunca desmaio.
Temos que descer David.
Ele pôs o copo no lavatório depois que ela tomou alguns goles. — O que
ele estava dizendo? Ele perguntou calmamente.
— Oh, o de costume — disse ela. — Sobre você salvar a vida dele, sobre
o Julian ter sido atingido por um tiro no coração… Receio que eu seja um
pouco sensível ao pensar nessas coisas… Era a hora errada e o lugar errado.
— Ele não disse nada mais? — Ele perguntou.
— Não, — ela disse brilhantemente. — Mas o problema David, é que
agora sei o que esperar que ele diga, o que é ainda pior, não é o tipo de
conversa que se quer ouvir em um baile.
— Estarão no trem da manhã — disse ele.
— Tenho a certeza de que ele não quer mal nenhum — disse ela. — Mas
sua conversa é desagradável, estou pronta para descer. Sinto-me tão
envergonhada.
— Apoie-se no meu braço — disse ele. — Fique perto de uma das janelas.
Avise-me se você se sentir mal novamente.
— Não vou — disse ela. — Sinto muito, David, ter causado tal comoção.
Um casaco vermelho, ela pensou enquanto descia as escadas e tentou
desesperadamente pensar em outra coisa. Três casacos. Três oficiais
britânicos — o terceiro também tinha carregado uma espada. Nenhum russo de
todo.
Dois deles em conflito sobre uma mulher — a esposa de um deles, o amante
do outro. E o terceiro — o do meio, o mediador — recebendo um tiro. E
morto.
— Tem certeza de que está bem? — perguntou David quando se
aproximaram das portas do salão de baile. Ele colocou uma mão sobre a dela.
Ela sentiu um pânico imediato. Ela queria arrancar a mão dela. Mas não era
tempo para histeria. Nenhum tempo era bom para histeria. A autodisciplina
dos anos não permitiria que ela fosse feita toda em pedaços.
Simplesmente porque ela estava andando com seu marido, o assassino de
seu marido.
— Muito bem, obrigada — disse ela. — Foi muito tolo eu desmaiar, estou
bastante recuperada.
Ela sorriu, escondendo a vergonha quando muitas pessoas se viraram,
preocupação em seus rostos, quando ela entrou no salão de baile novamente
pelo braço de David.
****
Ele deveria ter tido a força de vontade para desviá-los à chegada, pensou
David. Afinal, ele tinha pedido a Scherer para sair da última vez. O homem
sabia que não seria bem-vindo.
Mas ele não os havia rejeitado. E Scherer tinha dito algo para fazer
Rebecca desmaiar. Não era nada em particular, ela dissera.
Apenas o habitual. O habitual era ruim o suficiente. Lembrando-a no meio
de um baile que Julian, a quem ela tanto amara, morrera com uma bala em seu
coração era mais do que suficiente para fazê-la desmaiar.
David se perguntou de novo por que Scherer o odiava tanto, já que, sem
dúvida, salvara a vida do homem. Se tivesse disparado um segundo depois,
Scherer estaria morto com a espada de Julian embutida em seu peito. David
tinha salvado sua vida.
Mas a razão não era tão difícil de descobrir, como tinha percebido antes.
Seria humilhante para um homem como Scherer, como para muitos homens,
saber que ele tinha que ser salvo da espada de um homem que também estava
dormindo com sua esposa. Seria tão fácil odiar o homem que o salvara como
para sentir gratidão para com ele.
E David sabia que Scherer estava perguntando-se sobre seu motivo para
matar Julian à luz de seu casamento aparentemente precipitado com a viúva de
Julian em seu retorno para casa. Scherer estava perguntando-se se seus
motivos tinham sido tão altruístas como poderiam ter parecido na época. As
suspeitas de Scherer ecoavam o pesadelo de David — que ele havia matado
Julian por ódio e ciúme, que ele queria que o caminho estivesse livre para
poder casar com Rebecca.
Também ficou claro que Scherer odiava Rebecca. Porque ele suspeitava
que ela tinha sido infiel a Julian como sua esposa tinha sido para ele? Ou
simplesmente porque ela tinha sido a esposa de Julian? Talvez fosse um ódio
de olho por olho. Julian o fizera sofrer. Agora ele faria a esposa de Julian
sofrer também.
Por amor de Rebeca, David se amaldiçoou por não os ter desviado. Ele
odiava o pensamento de que eles estavam em sua casa para passar a noite, que
eles não estariam a caminho até a manhã.
Foi um erro tentar fazer amor com Rebecca depois da festa. Estava
cansada, e Charles acordara e exigira uma alimentação tardia e agradável. Ela
parecia desanimada quando finalmente veio para a cama. Ela estava sofrendo
uma sensação de anticlímax depois de um dia tão ocupado, talvez. E a aflição
que sobrava de seu desmaio. Ela estava chateada por tudo o que Scherer lhe
dissera. E David estava chateado e agitado por todas as mesmas razões. E
porque tinha sido negligente ao proteger sua esposa da aflição.
Ela era a velha Rebecca quando ele a tocou, endurecendo-se ao seu
primeiro toque, depois impondo relaxamento deliberado a seu corpo. Ela
estava totalmente em silêncio e sem resposta. Somente submissa. Ele
perseverou, tocando-a e beijando-a de maneiras e em lugares que ele conhecia
a partir das experiências do mês passado que poderia levá-la ao frenesi
apaixonado. E ainda assim ele teve que admitir a derrota e montá-la sem
excitá-la.
Só que ele não podia fazer isso. No último momento ele se viu
humilhantemente impotente. Ele se moveu para seu lado e ficou olhando para a
escuridão. Ele não virou a cabeça para ver se ela fez o mesmo ou se ela tinha
adormecido.
Mas ele sabia que ela não estava dormindo.
Lutou em pânico e desespero. Ele pensava que apenas ambos tiveram um
dia agitado e estavam cansados. E ambos ficaram chateados com a chegada
indesejada de seus convidados, e que amanhã estariam sozinhos de novo.
Amanhã eles seriam capazes de reconstruir o que tinha caído hoje.
Era uma coisa tão frágil, sua felicidade. Tão perto da beira do precipício o
tempo todo. Mas amanhã eles iriam recuperá-lo.
Perguntou-se com uma dor no coração exatamente o que George Scherer lhe
dissera.
Capítulo 20
Era uma coisa terrível de fato, Rebecca descobriu nos próximos meses, ter
profundas e escuras suspeitas engarrafadas por dentro. Já não havia suspeitas
que poderiam ser colocadas firmemente atrás dela porque não a preocupavam
realmente. Isso a preocupava muito.
No entanto, eram suspeitas totalmente infundadas. Elas descansavam
inteiramente nas insinuações maliciosas de um homem rancoroso e injustiçado
que queria qualquer vingança que pudesse causar, não importa quão inocentes
ou culpadas fossem suas vítimas. Até sua esposa havia admitido que às vezes
achava que ele estava perturbado.
Eram suspeitas ridículas. Selvagens. Insanas. De pesadelo.
Terrível.
Ela sabia com o passar dos dias e depois semanas e até meses, que ela
deveria ter agido decisivamente no início. Deveria ter contado a David assim
que se recuperasse de seu desmaio, o que dissera Sir George Scherer. Ela
deveria ter olhado nos olhos dele e explicado o que ela achava que ele estava
insinuando. Ela deveria ter perguntado se era verdade.
Claro que não era verdade. David teria olhado para ela com incredulidade
e riria. Ambos ririam — não inteiramente com diversão, mas com alívio. Teria
admitido que tinha realmente tido um caso com Cynthia Scherer e que agora
Sir George estava tentando destruir o casamento de David, como David tinha
destruído o seu.
Haveria culpa. Não foi uma coisa agradável o que David tinha feito. Mas
um alívio também, foi no passado. Era algo a que ele tinha posto fim. E
realmente não teria tocado em seu próprio casamento. Tudo tinha acontecido
há muito tempo.
Isso era o que ela deveria ter feito, Rebecca disse a si mesma. Mas ela
sabia que não poderia ter feito isso. Pois sempre havia a possibilidade de ele
não ter olhado para ela com incredulidade e ele não riria. Sempre havia a
chance...
Não! Não havia nenhuma chance.
Às vezes, durante esses meses, Rebecca suspeitava que estivesse grávida
de novo. Certamente ela se sentia bastante enjoada o tempo todo e às vezes
vomitava de manhã. E ela estava frequentemente cansada e letárgica. Mas ela
não estava grávida.
Eles ainda trabalhavam juntos e discutiam negócios juntos. Eles ainda
compartilhavam uma vida social ativa. Eles ainda passavam grande parte de
seu tempo com seu filho, muitas vezes juntos. E eles ainda compartilhavam
uma cama e faziam amor, às vezes com uma intensidade feroz. Mas o
contentamento, a felicidade tinha ido. Havia a consciência mútua das barreiras
que os dividiam. E muita relutância em admitir que elas existissem. E nenhuma
vontade para trazê-las abertamente para discuti-las.
Ela estava apavorada para enfrentar as barreiras.
E assim ela permaneceu presa dentro de sua mente com as suspeitas e
recusas aterrorizantes. E viu o olhar sombrio e fechado voltar ao seu rosto e o
olhar sombrio para seus olhos. Às vezes, ela se perguntava por que não fazia
as perguntas, se não tinha nada a esconder mais sério do que o caso com Lady
Scherer. Ela já o havia confrontado com isso, afinal.
E a pergunta causaria mais uma onda de náusea.
****
A primavera não estava muito longe, pensou David quando estavam
voltando para Stedwell depois de passar o Natal em Craybourne.
Talvez as coisas melhorassem uma vez que pudessem estar ao ar livre mais
tempo e todo o trabalho do ano começasse novamente.
Rebecca tinha Charles em seu colo no compartimento do trem e estava
fazendo ele rir impotente. Não era difícil fazê-lo rir.
Ele era uma criança alegre e adorava sua mãe. Rebecca latira como um cão
e fingia morder—lhe o estômago — e depois ria com ele.
Mas a autodisciplina calma e equilibrada voltou ao tratamento com todos,
exceto com seu filho. Os sinais de contentamento e até de felicidade haviam
desaparecido. Mesmo quando ela respondia às suas relações sexuais, como às
vezes fazia, era com um desespero feroz, em vez de com a alegria maravilhosa
que ela tinha aprendido com ele por um tempo.
As mudanças podem ser datadas exatamente, é claro. Scherer não tinha
falado o usual para fazê-la desmaiar na noite de sua festa. Tinha sido outra
coisa. Deveria ter agido decisivamente naquele momento, percebeu David
agora. Ele deveria ter forçado ela a dizer-lhe. Ele deveria ter forçado tudo
isso abertamente.
Só que ele não tinha coragem.
E se ela soubesse?
Como eles continuariam se isso alguma vez surgisse entre eles? Seriam
capazes de continuar?
E, no entanto, pensou agora, enquanto Charles, cansado do jogo com cães,
se arrastou para fora do colo de Rebecca e foi puxar as correntes de relógio
dele, não haveria nada melhor do que essa tensão constante entre eles? Esta
consciência constante de tudo o que não era dito entre eles?
Talvez fosse melhor forçar o problema ainda agora. Talvez não fosse tão
ruim quanto ele temia. Teria sido capaz de continuar se Scherer lhe tivesse
dito a verdade? Talvez Scherer tivesse contado a ela apenas sobre o caso entre
sua esposa e Julian. Talvez fosse isso que a estava comendo. Talvez ele
pudesse consolá-la por isso. Seria uma coisa terrível para Rebecca saber
disso. Mas ele poderia garantir que isso aconteceu porque Julian estava
solitário, porque ele desesperadamente sentia falta de Rebecca. Ele poderia
contar a ela sobre o sentimento de culpa de Julian, sobre sua ânsia de estar em
casa.
Ele não teria nem de contar muitas mentiras.
Tirou o relógio do bolso do colete para segurar no ouvido de Charles e riu
enquanto seu filho virou a cabeça para ver o que podia ouvir e tentar colocá-lo
em sua boca.
David sabia que não iria falar com ela. Ele era muito covarde. Havia muito
a perder. Mesmo o que tinham agora era melhor do que nada.
No entanto, ele descobriu quando eles voltaram para Stedwell, o silêncio
entre eles já não era possível.
****
Charles estava cansado pelo tempo que eles levaram para chegar em casa,
tendo recusado adormecer no trem e assim tinha perdido sua sesta da tarde.
David levou-o até a creche e Rebecca também foi junto para trocar a fralda do
bebê antes de entregá-lo aos cuidados da enfermeira.
— A Sra. Matthews disse que o chá estava sendo servido imediatamente na
sala de estar — disse David enquanto saíam do quarto. O fogo e uma xícara de
chá serão bem-vindos, não é?
— Está frio lá fora —, ela concordou. — Talvez aquecesse um pouco se só
nevasse, ainda não tivemos nenhuma nevasca este ano.
Alguém tinha posto a correspondência que tinha chegado durante a semana
de sua ausência em uma bandeja ao lado da bandeja de chá. David passou por
ela enquanto Rebecca serviu o chá. Assim, ambos olharam juntos para o cartão
de Natal que chegara tarde demais para ser aberto antes do Natal.
A letra era grande e corajosa. — Cynthia se junta a mim em enviar nossos
cumprimentos para um Natal muito alegre, — senhor George Scherer tinha
escrito. — Esperamos sinceramente que vocês dois e seu filho tenham
desfrutado sua semana em Craybourne.
Era uma saudação perfeitamente convencional para um cartão de Natal.
Exceto talvez um homem que fora estranho a Stedwell e seus habitantes
desde agosto não deveria saber sobre a visita de uma semana a Craybourne.
No entanto, quando tudo estava dito e feito, era uma saudação de Natal
bastante inócua.
David colocou o cartão de volta na bandeja sem comentar e aceitou sua
xícara de chá das mãos de Rebecca. Ela tomou a sua própria, e eles se
sentaram como costumavam fazer quando eles estavam sem companhia, um de
cada lado da lareira com seu fogo ardente. Nenhum deles pegou qualquer
sanduíche ou bolo na bandeja.
A conversa não fluiu. Havia tanto de que eles poderiam ter falado — a
semana que eles haviam acabado de passar com seu pai, Louisa e Katie, a
festa de Natal que haviam realizado antes de partir para Craybourne, seus
planos para a primavera, seu filho, mas nenhum deles falou.
O crepitar das chamas e o tilintar das xícaras contra os pires tornou-se
opressivo.
Rebecca colocou a sua xícara e pires na mesa ao lado dela. Seu chá estava
inacabado, mas ela sabia que não poderia levantar a xícara até os lábios nem
mais uma vez. Suas mãos estavam começando a tremer.
Sem olhar para cima ela estava ciente de David colocando sua própria
xícara para baixo também.
Ela soube no mesmo momento que o tempo tinha chegado. Que não poderia
haver mais adiamentos. Mesmo assim ela tentou.
— Como ele sabia, — ela perguntou sua voz caindo silenciosa no silêncio,
— que nós íamos para Craybourne por uma semana?
— Talvez tenha sorte. Sua voz estava tensa com a tensão.
— Ele sabia sobre o piquenique e a festa —, disse ela.
— Uma coincidência — disse ele.
— Não. — Ela plissou o tecido de seu vestido entre seus dedos. — Sua
esposa me disse que ele sabia tudo sobre nós. Ele sabia que Charles nasceu
em 15 de maio.
Ele não disse nada.
Podia sentir o coração martelando, não só no peito, mas na garganta, nas
orelhas e nas têmporas. Ela sabia que ia perguntar. O imperceptível.
— David. — Sua voz saiu como um sussurro. — Como Jullian morreu? —
Ela esperou sem esperança para a reafirmação do que tinha acontecido como
ele havia descrito na noite de seu retorno da Crimeia. Ela sabia que não viria.
— O que ele te disse? — Ele perguntou.
— Nada — disse ela. Ela pulou de repente, como se pensasse que havia
algum lugar em que pudesse correr, percebeu que não havia, e se afastou do
fogo e afastou-se dele. Ela fixou seus olhos no pianoforte do outro lado da
sala. — E tudo, ele não disse nada, implicou tudo.
Houve um longo silêncio. Mais de uma vez ouviu-o respirar como que para
falar e fechou os olhos com força. Mas o silêncio se esticou.
— O que é tudo? — Ele perguntou finalmente. — O que você suspeita?
— Que você o matou. — As palavras de pesadelo tinham sido ditas.
Não houve lembrança deles. E ainda o silêncio se estendeu. Não houve
nenhuma negação instantânea chocada. Apenas o silêncio. — Você o fez?
Um momento de silêncio poderia ser uma eternidade. Uma eternidade
durante a qual se sabia que a vida mudava para sempre, o passado para
sempre.
— Sim.
A única palavra. A única ferida de faca. O fim de tudo.
Ouviu-se arrastar o ar respirando ruidosamente e dolorosamente em seus
pulmões.
Ele veio tremendo fora dela novamente.
— A bala foi destinada para Sir George Scherer —, disse ela. — Você
estava atirando nele e Julian se meteu no caminho. Foi assim que aconteceu,
não foi? Você não atirou deliberadamente para ele. Você não o fez, pois não?
Diga-me que não. Diga-me que foi um acidente e que você o matou.
— Rebecca — Ela podia dizer que ele se tinha levantado. Sua voz veio
logo atrás dela.
Ela estendeu as mãos sobre o rosto.
— Eu o amava —, disse ele. — Ele era tão próximo como um irmão para
mim, eu gostaria que pudesse ter sido o contrário, eu gostaria de ter morrido e
o enviado para casa para você.
— Deveria ter sido o contrário —. Ela se perguntou se havia alguma
possibilidade de que ela acordasse e achasse que isso era um pesadelo vívido.
Mas ela sabia que não era. Ela sabia que estava realmente acontecendo. —
Foi você quem mereceu morrer, David.
Ela podia senti-lo em pé muito imóvel atrás dela. Ele não disse nada.
— Por que estava atirando em Sir George? Ela perguntou. — Foi
autodefesa David? Ele estava tentando matá-lo pelo que você tinha feito com
sua esposa? E Julian estava tentando agir como pacificador? No meio de uma
batalha? Será que realmente aconteceu no meio de uma batalha ? Por que
ninguém mais viu?
— Havia uma névoa pesada — disse ele — e toda a fumaça das armas.
— Então, foram apenas vocês três. — Ela podia sentir-se balançando por
um momento, mas impôs uma disciplina de ferro sobre si mesma. Se ela
tropeçasse ou caísse, ele a tocaria. — Foi autodefesa?
— Foi uma situação de matar ou morrer —, disse ele. O tom de sua voz
havia desaparecido.
— Por Lady Scherer — disse ela. — Seu marido acabara de descobrir a
verdade e ficou irritado.
— Sim.
— E Julian foi pego no meio —, disse ela. — Foi Julian quem salvou a
vida de Sir George, não você, Julian pegou a bala que estava destinada a ele,
meu marido foi tirado de mim porque você não podia tirar as mãos da esposa
de outro homem.
Ele não disse nada.
— E assim, — ela disse, — você veio para casa e se casou comigo. — Ela
riu de repente. — Eu estava certa sobre isso, não estava? Você se sentia
culpado por não ter feito mais para salvá-lo, eu disse. — Muito cômico, eu
estava muito mais certa do que sonhei quando disse isso, não foi? Você se
casou comigo para compensar o fato de ter matado Julian. Ela não conseguia
parar de rir. E seu riso de repente parecia mais horrível, mais grotesco do que
qualquer outra coisa que tinha acontecido nos últimos minutos.
— Rebecca… — disse ele.
— Oh, não se preocupe — disse ela. — Eu não vou fazer-lhe qualquer
grande injustiça, David. Eu sei que você não se alegrou em fazê-lo e que você
carregou esta culpa desde então. Seus olhos e seu rosto me disseram a partir
do momento de seu retorno que você sofreu muito. É uma coisa terrível saber
que você mesmo é um assassino, que embora inadvertidamente, foi cometido.
É uma coisa terrível saber que Julian morreu por seus pecados. Ela fechou os
olhos.
— Sim. — Havia desespero na única palavra.
Ela se virou para olhar para ele. Seu rosto estava cinza, quase a cor de sua
camisa. E se ela já tivesse pensado que seus olhos eram sombrios antes, agora
ela não teria sido capaz de encontrar a palavra para descrevê-los. O inferno
estava espelhado em seus olhos.
— Fomos amigos — disse ela. — Amantes, tivemos um filho juntos.
— Sim.
— Mas você matou Julian.
— Sim.
— Casei com o assassino do meu marido — disse ela.
Sua resposta veio depois de muito tempo. — Sim — disse finalmente.
— Eu queria morrer, você sabe —, disse ela, — quando o seu pai me
chamou para a biblioteca e eles me deram a notícia, ele e aquele soldado que
tinha vindo para trazê-lo. Eu não sabia como eu ia viver sem Julian.
Mas a morte não vem apenas por querer. Eu queria ter morrido. Pensei que
não poderia haver nada pior do que saber que ele estava morto.
Eu estava errada.
Ele fechou os olhos e abaixou a cabeça.
— Morte em batalha parece tão inútil —, disse ela. — Mas há uma certa
lógica para ela. Ele morreu por seu país. Ele morreu um herói. Ele morreu
liderando seus homens. Há muito pouco conforto nesses pensamentos, mas há
alguns. Eu tenho abraçado a mim mesma desde a sua morte. Mas sua morte
real foi pior do que inútil. Ele tinha vinte e quatro anos de idade.
Ele ainda não teria completado vinte e oito agora. Eu tinha vinte e dois
anos.
Dois inocentes foram destruídos por uma sórdida incidência de adultério.
Mas acho que não precisa de minhas acusações para aprofundar sua culpa, não
é?
Ele balançou a cabeça sem abrir os olhos.
— Tudo deve ter acontecido tão rapidamente —, disse ela. — E eu sei que
você não queria matá-lo. Talvez, David, vá chegar o momento em que eu
poderei te perdoar… Talvez… Eu não sei.
Mas nunca poderei perdoá-lo por se casar comigo.
Ele olhou para ela.
— Sou casada com o homem que matou Julian — disse ela. — O pai de
Charles. Como te posso perdoar por isso?
— Charles é um bebê —, ele disse, falando finalmente mais de um
monossílabo, — e de modo algum tem culpa pelo fato de que ele é um produto
da minha semente. Ele não tem qualquer envolvimento em tudo isso, Rebecca.
Sentimentos para com ele não devem mudar à luz do que você agora sabe
sobre mim.
Seus olhos se arregalaram. — Charles é meu filho, — ela disse ferozmente.
— Levei-o em meu ventre e entreguei-o em dor. Ele é a luz do sol na minha
vida. Meu amor por ele nunca poderia ser diminuído.
Eles olharam um para o outro com os olhos arregalados. A paixão de suas
palavras tinha quebrado algo na atmosfera. Ambos perceberam com súbita e
ofuscante claridade que estavam em uma situação real sem resolução aparente.
— O que você quer que eu faça? — ele perguntou. — Para onde vamos, a
partir daqui?''
— Não sei — disse ela. Ela pensou por um momento. — Não sei, ele teve
sua vingança, não é?
— Scherer? Ele disse. Sim, ele fez nosso casamento tão infernal quanto o
seu próprio. Será que era um casamento, Rebecca?
Você quer que eu a envie para longe e estabeleça você e Charles em outra
casa em outro lugar? É isso que você quer?
Era isso? Ela olhou para o assassino de Julian e viu David. Ela pensou em
deixar Stedwell e seus vizinhos e amigos. Pensou em desistir de todo o seu
envolvimento nos assuntos comunitários e em todas as suas responsabilidades
como senhora da mansão. Ela pensou em levar Charles para longe e criá-lo em
um lar sem pai. E em deixar David, talvez nunca mais o ver novamente, exceto
muito brevemente e muito formalmente em ocasiões especiais na vida de
Charles.
Era tarde demais para ir embora. Eles estavam casados há um ano e meio.
Suas vidas estavam unidas. Ele era seu marido.
Talvez ela realmente nunca o perdoasse por casar com ela, mas eles
estavam casados.
— Sou sua esposa — disse ela.
— Dever, submissão e obediência. — Havia uma dureza em sua mandíbula,
e amargura em sua voz.
— Sim — disse ela. — Você sempre os terá de mim, David, porque eu
posso viver apenas como fui ensinada a viver e como eu tenho jurado diante
de Deus viver. Eu sou sua esposa e serei obediente a você como eu fui a Julian
antes de você. Nosso casamento nunca deveria ter acontecido, mas aconteceu,
e ele existe há um ano e meio. Temos um filho que precisa de nós dois. — Seu
tom era tão amargo quanto o dele.
— Continuamos, então? — Ele perguntou.
— Não temos escolha —, disse ela.
— Como homem e mulher?
— Isso é o que somos David.
Havia algo estranhamente anticlimático no momento.
Algo terrivelmente errado sobre isso. Não devia haver nenhuma
possibilidade de que acontecesse. Ele tinha matado seu marido e depois
casado com ela. Ela tinha vivido e concebido uma criança com o homem que
tinha privado Julian de sua vida, de seu casamento e filhos. E agora ela estava
concordando em continuar seu casamento.
Porque não havia escolha.
Porque eles eram casados.
E porque havia Charles.
Ele estendeu a mão e tocou seu braço tentativamente. Seu primeiro instinto
foi recuar com horror, mas ela estava olhando em seus olhos — em seus olhos
sofredores. E ele era David. Ela não se mexeu.
Ele ergueu a outra mão e enrolou as duas em seus braços. Ele a puxou
contra ele e colocou seus braços em volta dela. Seu rosto descansou contra a
frente de sua camisa.
— Eu poderia dizer que sinto muito Rebecca, — ele disse. — Mas as
palavras não começariam a transmitir minha tristeza e soaria como um insulto
volúvel. Só posso dizer que embora eu o amasse de uma maneira diferente da
maneira como você fez, eu o amei muito profundamente.
— Sim — disse ela. — Eu sei.
Ela inclinou a cabeça para trás depois de um tempo e olhou para ele.
— David —, disse ela, — eu sei que você prejudicou Sir George Scherer,
mas ele deixou o ódio envenenar sua vida e seu casamento, não quero deixá-lo
estender esse ódio e esse veneno ao nosso. Estava escondido entre nós, mas
agora não está. Nós tocamos as profundezas e só podemos ficar lá ou seguir
em frente e para cima.
— Para frente e para cima, então — disse ele, com os olhos mais tristes do
que jamais ela vira em alguém.
— Não há mais nada escondido, não é? — Ela disse.
Ele a olhou nos olhos por um longo momento. — Nada — disse ele.
— É terrível ver o poço aberto aos nossos pés — disse ela. — Mas é
melhor, afinal de contas, saber que está lá e ter medo de olhar, já sabemos por
um longo tempo que ele está lá, agora que já o vimos, é melhor, não é?
— Sim. — Fechou os olhos e abaixou a cabeça com os lábios fechados,
contra os dela. — É melhor assim.
E, no entanto, Rebecca pensou, fechando os olhos e apoiando seu peso
contra ele, ela não sabia muito bem como eles iriam continuar.
Só que não tinham escolha.
Ela não sabia como ela poderia suportar deixá-lo tocá-la.
Exceto que ele era David.
****
Quando era um menino David sempre se perguntou se era uma força ou uma
fraqueza em seu caráter que o fez encobrir o mau comportamento de Julian e
suportar o castigo. Não tinha sido fácil ver o desapontamento no rosto de seu
pai e suportar a dor de golpes que ele não merecia. E às vezes ele se sentia
horrivelmente usado apesar da gratidão de Julian.
Foi força ou fraqueza? Ele tinha concluído, aos dezessete anos, que era
fraqueza e tinha acabado com isto — até Flora Ellis. Depois de mais uma vez
concordar em ser o bode expiatório, ele chegou à mesma conclusão. Tinha
ajudado Julian a fugir, mas ao mesmo tempo tinha mantido escondido de
Rebecca o que ela tinha o direito de saber antes de dar o passo irrevogável de
se casar com Julian. O comportamento subsequente de Julian mostrou a David
que ela devia ter sabido. A ela deveria ter sido dada a chance de tomar uma
decisão baseada na verdade.
A verdade sempre era melhor, concluiu na ocasião. Ele tinha sido fraco por
concordar em esconder a verdade dela.
E desta vez?
Não havia nada que permanecesse escondido, ele tinha assegurado.
Tudo estava finalmente em aberto entre eles. Eles haviam tocado as
profundezas e agora estavam prontos para seguir em frente e para cima
novamente.
Mais uma vez ele se permitiu ser o bode expiatório. Ela tinha posto o que
ele concordou parecia uma interpretação perfeitamente lógica sobre eventos
passados, e ele tinha permitido que ela continuasse acreditando nisso. Era ele
que tinha tido um caso de morte com Cynthia Scherer, ela acreditava, e ele não
negara a acusação. Era ele e George Scherer que haviam estado envolvidos
em uma luta de morte e Julian que tinha vindo para interrompê-los. Ele
permitiu que ela continuasse acreditando nisso.
Ele tirou Julian dela. Tudo o que lhe tinha deixado eram lembranças do que
ela pensava ser o casamento perfeito. Ele não tinha tirado isso dela também.
Ele não podia. Era tudo que ela tinha.
Ele não tinha certeza de que as coisas teriam sido melhores para ele de
qualquer maneira, mesmo se ele lhe tivesse contado a verdade completa. Ele
realmente matou Julian. Talvez a verdade fosse pior. A verdade era que ele
tinha apontado para Julian, não para Scherer. Mesmo que a decisão tivesse
sido tomada em uma fração de segundo e sem qualquer escolha consciente, ele
tinha deliberadamente apontado e matado Julian.
Ajudaria alguma coisa protestar contra sua inocência da acusação menor?
Para negar o caso com Lady Scherer? A única maneira de fazê-lo de forma
convincente era acusar Julian — e assim destruir algo mais nela, a lembrança
mais preciosa que ela tinha. Ele não poderia fazê-lo.
Não faria isso.
Era fraqueza? Ou força?
Não importava muito, supôs.
Incrivelmente suas vidas continuaram como de costume. Eles continuaram
com seu trabalho, jantaram e dançaram com seus amigos, brincaram com seu
filho. Eles até fizeram amor. Ele foi tentado naquela primeira noite a procurar
uma cama em outro lugar, mas sabia que, se o fizesse uma vez, não teria
coragem de voltar para ela. E eles tinham o resto de uma vida para viver
juntos. Durante algum tempo ele ficou deitado em silêncio ao lado dela, mas
quando ele se virou para buscá-la, ela o recebeu sem a velha submissão nem a
paixão mais recente. Ela o amava com os olhos bem fechados e uma espécie
de ternura tranquila.
Como se ela sentisse e compreendesse sua dor.
Como se quisesse perdoá-lo.
Como se quisesse ser perdoada por não o desviar.
Quase como se tivesse crescido para amá-lo apesar de tudo.
No final de janeiro, ele não tinha certeza de que pudessem continuar como
estavam, de que eles poderiam colocar o passado finalmente atrás deles e
seguir para o futuro. Ele não sabia se era amor ou desespero que estava entre
eles, segurando-os de alguma forma juntos.
Eles estavam no começo do futuro? Ou no começo do fim?
Ele não sabia.
Mas no final de janeiro chegou uma carta. O conde de Hartington estava
convocando-os para Craybourne de uma forma excepcionalmente formal.
Era uma questão de grande urgência. Eles deveriam vir imediatamente,
ambos.
Capítulo 21
Craybourne, 1858
Depois de uma breve consulta, eles decidiram levar Charles com eles.
Mas é claro que era uma conclusão precipitada que ele iria também.
Eles não poderiam ir a qualquer lugar por mais de um dia sem seu filho.
Mas, sob protesto, viajou num compartimento com sua babá, a empregada
doméstica de sua mãe e o criado do pai. David e Rebecca viajaram sozinhos
em um compartimento, preocupados e especulando sobre o motivo da
convocação abrupta.
— Deve ser que o Pai está doente — concluiu Rebecca, com certeza, pela
décima vez desde o dia anterior. Era a única explicação razoável, embora por
isso ele tivesse escrito, em vez de Louisa, se estava doente, não conseguia
entender. A menos que a doença fosse prolongada, que ia matá-lo lentamente.
Eles não mencionaram essa possibilidade, embora ela sempre estivesse
presente no silêncio entre eles.
Talvez Louisa estivesse doente. Talvez fosse Katie. Ou talvez não fosse uma
doença. Possivelmente…
Mas eles tinham esgotado todas as possibilidades, provavelmente e de
outra forma, e realmente não havia maneira de saber. Eles podiam muito bem
nem tentar adivinhar, mas falar sobre outros assuntos. Tentavam adivinhar em
círculos.
— Logo descobriremos —, disse David e colocou um fim efetivo na
discussão. Logo estariam em Craybourne.
Rebecca pensou em sua última visita lá quando a carruagem que o conde
tinha enviado para a estação se aproximou da casa. Fazia apenas algumas
semanas — no Natal. Tudo mudara desde então.
Tudo e nada. Ela se perguntou se eles pareceriam diferentes ao pai de
David e a Louisa. Ela se perguntou se eles estavam diferentes.
A vida era muito parecida como sempre foi entre eles. Esse breve mês de
felicidade no verão passado fora excepcional. E, no entanto, tinha criado —
ou revelado — um laço entre eles que estava provando ser
surpreendentemente duradouro.
Para o melhor ou para o pior, eles se casaram e ela não conseguiu se
convencer de que lamentava que ele a tivesse enganado no casamento,
brincando com sua vulnerabilidade, escondendo a verdade do que tinha
acontecido na Crimeia. Ela deveria se arrepender, ela sabia. Sabendo o que
ela agora sabia, ela deveria achar que ser casada com ele fosse insuportável.
Mas ela não o fez. Ela descobriu durante as últimas semanas uma profunda
afeição por ele que a surpreendeu.
A casa parecia normal, ela pensou, olhando para fora da janela de David
quando ele colocou seu próprio rosto perto do vidro. O que quer que fosse,
não era nada que fosse óbvio para os olhos. A carruagem parou.
— Vou levar Charles até o quarto de criança e arrumá-lo — disse ela.
— Você pode encontrar o pai e colocar a sua mente em repouso, David, ou
ele vai encontrá-lo. Ele provavelmente está olhando para a carruagem.
Mas foi o mordomo que os encontrou no corredor, parecendo tão digno e
tão grave como sempre tinha olhado. Talvez a enfermeira levasse a criança lá
em cima, sugeriu. Sua Senhoria desejava ver o Senhor e a Senhora Tavistock
na biblioteca sem demora.
Rebecca entregou seu casaco e cruzou Charles para sua babá e trocou um
olhar com David. Foi tudo muito formal. Lembrou-se de como o conde havia
entrado no salão para cumprimentar David no seu regresso da Crimeia.
Mesmo na época do Natal, ele estivera lá, com Louisa e Katie.
E agora ele queria ver os dois na biblioteca? Não apenas David? Rebecca
descobriu que seu coração batia com uma incômoda rapidez. Ela viu sua
própria ansiedade refletida no rosto de David quando ele colocou uma mão
reconfortante contra a parte de trás de sua cintura e a guiou até as portas da
biblioteca, que o mordomo estava abrindo.
O conde estava de pé de costas para o fogo, em frente à porta.
— Pai —, Rebecca disse, sorrindo e dando alguns passos na direção dele.
Mas algo a impediu. Ele realmente estava doente, foi o seu primeiro
pensamento. Ele parecia mortalmente pálido e permanecia anormalmente
imóvel. Não, foi Louisa, foi seu segundo pensamento. Louisa estava morta.
Não sabia o que fez com que sua cabeça girasse bruscamente para a grande
janela à esquerda. A súbita consciência, talvez, de que havia mais alguém na
sala. Alguém de pé na frente da janela, com a luz atrás dele, tão quieto e
silencioso quanto seu sogro.
Ela não podia ver seu rosto. Mas ela o conhecia instantaneamente. Há
certas pessoas que se identificam mais através das emoções do que dos
sentidos. Ela não podia vê-lo claramente e ele não disse nada. Mas ela o
conhecia. Mesmo que sua mente racional tivesse sido capaz de lhe dizer que
não era ele, que não podia ser, que era outra pessoa da mesma altura, e da
mesma cor, seu coração lhe teria dito sem hesitação. Era mesmo ele.
Ela olhou para ele, estranhamente calma. Mas é claro que o tempo, o lugar
e a realidade não têm parte nesses momentos. Tinha perdido o contato com os
três. Ela deu dois passos na direção dele, parou, e se viu repentinamente
liberada do feitiço que a tinha amarrado.
— JU-L-I-A-N! — Ela voou pela sala, chamando seu nome, e foi pega em
um abraço feroz e ele girou ao redor. Ela continuou a choramingar, seu rosto
enterrado contra seu ombro, enquanto ele ria e tentava espremer todo o fôlego
dela.
Assim como Julian. Muito típico dele.
— Becka, — ele disse contra seu ouvido, sua voz cheia de riso. — Becka
minha querida.
Suas mãos estavam segurando seus ombros. Seu corpo inteiro estava
tocando o dele. Ela podia sentir seus braços apertados sobre ela, podia ouvir
sua voz falando com ela e rindo dela. Carne e sangue. Caloroso.
Vivo. Ele estava vivo. Ela recuou a cabeça e olhou para ele, seus olhos
arregalados de admiração.
— Julian? — Sua voz era um sussurro. Ela tocou uma de suas bochechas
com dedos trêmulos. — Julian?
— Vivo e bem —, disse ele, sorrindo o velho sorriso encantador, olhando e
soando tão chocantemente familiar que seus olhos se alargaram ainda mais. —
E em casa, e descobrindo que eu fui reportado como estando morto e enterrado
em Inkerman, em vez de apenas ter sido capturado lá e levado para a Rússia
para um cativeiro sem fim.
— Capturado? — Ela falou como em um sonho. — Você não morreu?
— Quase. — Ele riu. — Eu vim de uma bigode de bigode, mas parece que
não era a minha vez ainda, levou um ano para me trazerem de volta à vida e,
em seguida, eles não puderam suportar ficar comigo por vários anos mais.
Mas aqui estou finalmente com apenas um buraco roxo bastante feio acima do
meu coração para mostrar para todos. Voltei para casa dois dias atrás. — Seu
sorriso desapareceu. — Encontrei-me diante de um inferno de confusão,
Becka.
Foi só então — quanto tempo fazia desde que ela virou a cabeça para a
janela? — foi só então que a realidade veio correndo de volta. Ela estava nos
braços de Julian — Julian! — na biblioteca de Craybourne. Seu sogro estava
na sala também e David também. E David também. Charles estava no andar de
cima no quarto.
Rebecca olhou para Julian. Ela não poderia ter virado a cabeça nem para
salvar sua vida. Um inferno de uma bagunça. Suas palavras tocaram em sua
cabeça e ecoaram na sala.
Ele manteve um braço firmemente sobre sua cintura e virou-a. — Olá,
David, — ele disse. Eu não mandei a notícia à minha frente, pensei que
acabaria por aparecer e criar uma sensação, só não esperava que fosse tão
sensacional quanto isso.
Rebecca não acreditava que fosse capaz de olhar para David. Mas ela
forçou os olhos para cima. Ele parecia exatamente como seu pai tinha
parecido quando eles entraram na sala. Como se ele fosse esculpido em pedra.
De mármore branco.
— Não sou um fantasma — disse Julian. — Mas, sob as circunstâncias,
suponho que não posso esperar uma recepção calorosa, posso?
David deu um passo à frente. Julian baixou o braço da cintura de Rebecca.
E então os dois homens estavam nos braços um do outro, abraçando-se
firmemente e sem palavras. Os olhos de David estavam firmemente fechados.
Rebecca olhou através da biblioteca para o conde, que ainda não se tinha
movido, embora estivesse observando os três. O olhar de pedra tinha
desaparecido de seu rosto, para ser substituído por um olhar de sofrimento tão
intenso que a trouxe de volta finalmente à realidade plena. Ele teve tempo de
digerir o fato do retorno de Julian e todas as suas implicações. Ela percebeu
de repente, com uma virada doentia do coração o quanto havia a ser digerido,
quantas implicações teriam de ser enfrentadas.
David estava chorando com soluços barulhentos. Julian estava rindo.
Rebecca tocou seu ombro por trás, esfregou sua palma ao longo dele, colocou
seu rosto contra ele. E sentiu um braço deslizar para fora de seus seios e longe
— um braço que tinha estado em torno de Julian. O braço do marido.
O braço de David. Houve silêncio na sala novamente.
— Eu não tinha ideia de que eu tinha sido relatado como morto —, disse
Julian. — Eu pensei que você teria me dado como desaparecido, Dave. Eu
pensei que você teria vindo procurando por mim após a batalha. Mas você
estava gravemente ferido, o Pai me disse.
— Sim.
— E então todo o mundo pensou que eu estava morto — disse Julian —, e
algum pobre diabo, que ainda se pensa estar desaparecido, está enterrado lá
em vez de mim. A menos que quem estava encarregado do detalhe do enterro
não soubesse contar. Para descobrir que de repente você foi ressuscitado aos
olhos das pessoas.
Ninguém respondeu. Rebecca manteve o rosto onde estava. Seus olhos
estavam fechados. Havia um cheiro familiar sobre ele, algo completamente
não identificável, algo que ela nunca tinha percebido antes. Ele era tão
inequivocamente Julian.
— E assim você e Becka se casaram — disse Julian.
— Sim.
— E tiveram um filho.
— Sim.
— É um inferno de uma bagunça, não é? — Julian disse. Ele riu, embora o
som não tivesse o seu humor habitual. — De quem é esposa, eu me pergunto.
Todos sabiam a resposta para aquela pergunta. Rebecca podia ouvir alguém
chorando e percebeu assustada, que era ela. Ela não conseguia parar.
— Não, não, David — ouviu o conde dizer bruscamente e foi Julian quem
se virou para tomá-la em seus braços e encaixar sua cabeça contra seu ombro.
— Becka, — ele murmurou contra sua orelha. — Vamos resolver tudo,
estou em casa, querida, estou segurando você em meus braços de novo, onde
você pertence.
Eles estavam tão vazios sem você. Muito vazios. Você está feliz em me ver,
não está?
Diga-me que está contente. Diga que me ama.
Uma dor da velha ternura a inundou e ela chorou mais forte contra seu
ombro. Seu controle habitual a tinha abandonado completamente.
— Ela está em estado de choque —, ela podia ouvir a voz do conde
dizendo: —Leve-a para cima amor, e pegue algo para acalmá-la e colocá-la
para dormir por um tempo. Não, David, fique onde está. Louisa sabe melhor o
que fazer.
Ela não tinha ouvido Louisa entrar na sala. O conde devia tê-la chamado.
— Deixe-a ir, Julian — continuou a voz fria do conde. — Louisa será o
melhor remédio para ela no momento. Nós três temos algumas conversas para
fazer.
Julian estava soltando-a. Ela ainda estava chorando desamparada e
observando sua perda de controle como se estivesse à distância, como se
fossem duas pessoas distintas, uma observando, outra desaparecida em
pedaços.
— Vamos, Rebecca — disse Louisa. — Vamos subir e tomar uma xícara de
chá e pedir alguns remédios e alguns tijolos quentes para que a cama fique
bem quente.
A única maneira de fazê-lo era parar de pensar, aquela parte separada de si
mesma disse a Rebecca. Ela permitiu que Louisa a levasse para longe, além da
figura silenciosa e imóvel de David, e para fora no corredor. David. Pare de
pensar. Seus pés estavam subindo as escadas. Ela deveria ir ver Charles antes
de fazer qualquer outra coisa. Pare de pensar.
— Há uma lareira aconchegante em sua sala de estar — disse Louisa.
— Vamos para lá e sentar por um tempo, Rebecca? O chá deve chegar
quase junto conosco. Você vai se sentir melhor com um pouco de chá quente
dentro de você. Sempre faz bem.
Rebecca sentiu o desejo insano de rir. Julian tinha voltado dos mortos e
estava em casa. Seu marido, seu amor, voltara a ela depois de quatro anos. Ela
tinha dois maridos. Ela era uma bígama. Ela tinha um filho de um casamento
bígamo. Charles era uma criança ilegítima.
Um bastardo. E uma xícara de chá a faria se sentir melhor?
Ela não riu. Se ela o fizesse, percebia, perderia os últimos vestígios de seu
controle. Se ela começasse a rir, talvez nunca pudesse parar.
****
— Um copo de brandy não viria demais — disse o conde de Hartington,
atravessando a biblioteca para um aparador e pegando três copos com grande
concentração antes de enchê-los quase até a borda. — Nós nos sentaremos
junto ao fogo, nós três, e conversaremos sobre isso.
Ele entregou um copo para seu filho e um para seu afilhado, com eles
obedecendo suas instruções em silêncio, e voltou para o seu próprio assento.
Falar sobre isso. Não havia nada a ser falado até onde David pudesse ver.
Mas talvez seu pai pudesse ver mais claramente do que ele. Sua própria mente
ainda estava entorpecida pelo choque. Ele olhou maravilhado para o irmão
adotivo que ele havia matado mais de três anos antes. Julian o olhou
estranhamente, o mesmo olhar que tinha quando David o viu pela última vez,
exceto que ele não estava usando uniforme. Não parecia mais velho, nem mais
magro, nem menos bondoso.
Julian estava olhando para ele. — Você realmente parece ter visto um
fantasma, David —, disse ele. — Do jeito que eu deveria ter olhado há dois
dias, suponho, quando o pai me disse onde Becka estava, é melhor você beber.
David fez isso e concentrou-se por alguns momentos no licor que queimava
por sua garganta e em seu estômago. — Você estava morto —, disse ele. — Eu
virei seu corpo e senti seu pescoço buscando o pulso.
— Parecia não ouvir mais nada por semanas ou talvez meses, exceto a
opinião de que eu estava morto e não tinha sentido perder mais tempo comigo
—, disse Julian. — Mas eu estava vivo por tudo isso e, felizmente, havia pelo
menos uma outra pessoa que viu isso também. Esses russos nunca puderam
disparar direto, não é?
O copo de David já estava vazio. Deixou-o cair e começou a se levantar. —
É melhor eu ir e ver como Rebecca está — ele disse antes de afundar de volta
em sua cadeira. Deus! Ele de repente sentia suas pernas como se fossem feitas
de geleia.
Houve um silêncio que ninguém se apressou a encher.
— Eu tive uma longa conversa com o vigário ontem, David — disse o
conde. — Pedi uma entrevista ao bispo, ele aceitou gentilmente vir aqui
amanhã, acho melhor que ele venha aqui, suponho, provavelmente vai querer
conversar com os três, talvez com Rebecca também.
David fechou os olhos contra uma onda de tontura.
— Alguns dos fatos são bastante claros, é claro —, disse o conde. Sua voz
era fria e pura. Talvez apenas David, que se assemelhava a seu pai em um grau
notável, percebeu quanta emoção ela mascarou. — Rebeca é a mulher de
Julian, algumas outras questões são mais difíceis, o vigário estava cheio de
simpatia e compreensão, mas ele não pôde dar-me uma resposta sobre a
natureza exata de seu casamento com David. Decidir se esse casamento
constitui bigamia.
— Ela se casou comigo de boa-fé — disse David, aspirando a respiração.
— Ela acreditava que Julian estava morto, e ela chorou por quase dois anos.
— Você não tem que defender seu caso comigo, David — disse seu pai. —
A Igreja terá que tomar uma decisão.
David olhou para ele com agonia. Se ao menos pudesse ser uma criança de
novo, pensou tolamente. Se ao menos pudesse olhar para seu pai e saber que
tudo ficaria melhor de novo. Ele sentia todo o peso esmagador da vida adulta
em seus ombros.
O entorpecimento começava a deixá-lo. Rebeca não era mais sua esposa.
Ela nunca tinha sido sua esposa. Ela não estaria mais em Stedwell com ele.
Sua vida juntos estava no fim. Ela não faria mais parte de sua vida. Ele fechou
a mente para não entrar em pânico.
— Desculpe David — disse Julian. — Eu realmente sinto muito, isso vai
ser difícil para você, não é? Mas é difícil para mim também, velho. É um
choque voltar para casa depois de uma tal provação, você sabe, para
descobrir que todo o mundo pensou que você morreu e que sua esposa se
casou com seu irmão. Para descobrir que ela teve um filho com ele.
David saltou de pé, a realidade atingindo-o finalmente como um punho
baixo para seu estômago. — Charles — disse ele.
— Cabe ao bispo decidir — disse o conde, com a voz tão calma como
antes, com os olhos perturbados. — Amanhã, David, devemos ter paciência.
David se afundou na cadeira. Seu filho ilegítimo. Um bastardo.
Incapaz de herdar dele como seu verdadeiro herdeiro. Seu filho e de
Rebecca.
Uma inocente e feliz criança de cabelos dourados. A luz de sua vida e dela.
Os pensamentos o martelavam.
— Talvez eu não devesse ter voltado — disse Julian. — Talvez eu devesse
ter ficado na Rússia, não era inteiramente desagradável, sabe? Era diferente.
Mas eu fiquei entediado e com saudades de casa. Não há nenhum lugar como a
Inglaterra quando tudo é dito e feito. E eu senti falta da Becka.
David olhou para ele, sem ver e sem compreender.
— Você tinha que voltar para casa, Julian — disse o conde em voz baixa.
— Você está vivo e é aqui que você pertence, meu rapaz, e é aqui que está sua
esposa.
A esposa dele. A esposa de Julian.
Rebecca!
David viu Julian de repente. Seu irmão. O homem que ele havia matado e
sofrido em tormento por mais de três anos. Milagrosamente de volta à vida e
de volta a ele. O homem que ele abraçara e derramava lágrimas não havia
tantos minutos antes que todas as implicações do retorno de Julian
começassem a atingi-lo.
Julian estava vivo. E em casa. Ele estava sentado lá, não a seis metros de
distância, vivo e quente e sorridente e apenas um pouco pálido. David se
forçou a absorver a verdade. Afinal, ele não matou seu irmão.
Julian estava vivo.
— Diga-me o que aconteceu — disse ele. — Diga-me tudo o que lhe
aconteceu, Julian, há mais de três anos desde que você desapareceu.
A narração era vaga. Julian tinha sido levado para a casa de alguém e
recuperado a saúde. Isso provavelmente explicava o fato de que ele se havia
recuperado. Os russos não eram conhecidos pelos cuidados prestados a seus
prisioneiros, especialmente aos feridos. E as mulheres, disse Julian com um
sorriso, poderiam ficar obstinadas em se recusar a deixar um companheiro
morrer quando ele queria escapar sem qualquer barulho.
Era uma mulher, então, quem o cuidara.
Depois disso, ele havia sido levado mais para o interior da Rússia — ele
foi vago sobre qual parte — e mantido em cativeiro cavalheiresco. Ele não
tinha sequer sabido até muito tempo depois do fato de que a guerra havia
terminado. Parecia que ele tinha sido esquecido. Quando finalmente descobriu
a verdade e abordou o assunto de sua liberdade, disseram-lhe que estava livre
para ir.
— Um bom anticlímax depois de quase três anos de cativeiro — disse
Julian. — A gente espera algum tipo de momento dramático, algum tipo de
fanfarra, não é assim? Mas eu simplesmente voltei para casa. E aqui estou eu.
— Eu pensei que todos os prisioneiros foram libertados depois que a paz
foi assinada —, disse o conde.
Julian encolheu os ombros. — Eu era um dos esquecidos —, disse ele. —
Eu poderia estar lá até os noventa anos se não tivesse pensado em perguntar se
eu poderia voltar para casa. — Peça e você receberá —, ele riu. — Eu disse a
citação exata? Eu nunca fui muito bom com capítulo e verso da Bíblia.
— Eu vi a sua sepultura — disse David. — Eu fui lá e encontrei, era uma
vala comum, fiquei furioso por não terem feito melhor por um capitão dos
Guardas. Os oficiais não estão enterrados em valas comuns.
Julian riu. — Eu perdi o inferno do que eu posso reunir —, disse ele. —
Você voltou lá por isso, David, quando você poderia ter vindo para casa com
suas feridas? Mas então eu não esperaria nada diferente de você.
Você sempre foi o herói, sempre o oficial obediente. Você colocaria o
dever antes da inclinação pessoal qualquer dia do ano, não você?
Você recebeu uma Cruz Victoria?
David assentiu.
— E você derrotou os bastardos — disse Julian. — Gostaria de ter estado
lá para isso. Eu perdi quase toda a diversão, não é?
Eles ficaram em silêncio.
— Ela ficou com dificuldade —, Julian perguntou finalmente, — quando
ela pensou que eu estava morto?
— Ela te amava muito, Julian — disse o conde. — Acredito que por muito,
muito tempo ela desejou poder morrer também.
— Pobre Becka — disse Julian. — Deus, mas senti falta dela.
David olhou para o fogo.
— Bem, eu estou em casa para ficar dessa vez —, disse Julian. — Eu nunca
vou ficar longe dela novamente. Eu vou fazer com que ela recupere todos os
anos perdidos. Eu amo ela mais do que a vida, você sabe.
— Sim —, disse o conde, — você deve apreciá-la, Julian. Ela sofreu muito
e isso não será fácil para ela. Especialmente se o bispo for um homem que se
apega à letra da lei da igreja mais do que ao espírito de Compaixão Cristã.
— Eu vou compensar ela —, disse Julian. — Eu sei que você cuidou dela,
Dave, eu sei que você cuidou dela, mas você não precisa se preocupar que
vou esquecê-la ou deixá-la novamente pelo resto da vida. Vou fazer dela a
mulher mais feliz que já viveu.
Ele se levantou, o velho sorridente e feliz Julian. — Vou subir para ver
como ela está.
David sentiu como se alguém tivesse mergulhado uma faca em seu estômago
e estivesse torcendo-a. Ele tinha que ficar sentado. Ele teve que deixar Julian
ir para o quarto de Rebecca, em seu quarto de dormir. Ele tinha que se sentar
em silêncio e deixar acontecer.
Julian era seu marido.
Ele se sentou muito quieto, lutando contra o pânico novamente.
— Deixe-a dormir — disse o conde. — Mas ela é sua esposa, Julian. Você
deve fazer o que achar melhor.
— Não vou acordá-la — prometeu Julian.
David ouviu a porta da biblioteca abrir e depois fechar novamente.
Colocou os cotovelos nos joelhos e apoiou os punhos nos olhos.
— David — disse o pai depois de um longo silêncio. — Toda a frieza tinha
desaparecido de sua voz. Era uma dor crua. — Meu filho, o que posso dizer a
você? Não há nada a dizer.
— Nada —, disse David, o cansaço da idade em sua voz, — não há nada a
dizer.
Ele foi atingido pela terrível verdade das palavras. Não havia nada a dizer.
Nada para fazer.
Nada.
****
David estava sentado na beira da cama quando acordou. Ela podia senti-lo
lá. Sentia-se como se estivesse dormindo profundamente.
Ela sentiu como se quisesse adormecer, quase como se houvesse algo que
ela não queria acordar. E então ela se lembrou de tudo em uma corrida. Ela
abriu os olhos.
Julian estava sentado ali.
Julian, sorridente e bem-apessoado, familiar e confortável.
Julian, seu amor mais querido, voltara dos mortos. Era algo que ela sonhara
tantas vezes durante aqueles primeiros meses terríveis — apenas esse sonho
de acordar para encontrá-lo sentado na cama.
Mas ela sabia que não era um sonho. Havia um peso nela, bem como uma
onda de alegria.
Ele colocou um dedo no alto de seu nariz — um gesto familiar, há muito
esquecido. — Olá, sonolenta — disse ele. — Sentindo-se melhor?
— Julian — sussurrou para ele. — Oh, Julian.
— Lágrimas de novo? — ele disse. — Você não chorou todas elas agora,
Becka?
— Julian — disse ela. — Eu pensei que iria morrer, eu queria morrer, eu
não sabia que a dor poderia ser tão intensa.
— Estou em casa, querida. Ele colocou uma mão em cada lado de seu
travesseiro e se inclinou sobre ela, seus olhos quentes e macios. — Eu não
vou embora de novo, sonhei com esse momento por anos.
Sua boca parecia familiar, fechada, seus lábios se amotinando contra os
dela. Sempre se sentiu calorosa e confortável e maravilhosa por beijar Julian.
Agora ela pôs as mãos nos ombros dele e o empurrou. Agora sentia… Algo
errado? Por um instante, ela se perguntou o que David diria se soubesse que
havia outro homem em seu quarto, sentado em sua cama, inclinando-se sobre
ela, beijando-a.
Mas David sabia.
David não era seu marido.
Julian era.
— O que é isso? — Ele afastou a cabeça apenas um pouco e olhou para
baixo em seu rosto. — Você não está feliz em me ver, Becka, você não me ama
mais?
Ela olhou fixamente em seus olhos e viu seu amado Julian. Sempre seu
amor. Durante toda sua infância. Durante todo o casamento. Durante sua
viuvez. E depois de seu casamento com David.
Tinha sido entendido desde o início. David tinha entendido e aceitado.
Julian era o amor de sua vida.
Ele estava vivo. E aqui. E inclinando-se sobre ela, esperando por sua
resposta.
— Estou tão feliz —, disse ela, erguendo os braços e trancando-os em seu
pescoço, — que só posso sentir tristeza, Julian, só o desejo de chorar e chorar,
e eu sempre te amei. Sempre. Até hoje, quando eu ainda pensava que estava
morto. Meu amor. Oh, meu amor, não consigo encontrar palavras.
— Você não precisa, — ele sussurrou. — Becka, minha querida. — E ele a
beijou novamente, com mais firmeza, mais calor. Ele deslizou seus braços
debaixo dela na cama e apertou-os sobre ela. O peso da parte superior de seu
corpo desceu sobre ela.
Ela o beijou de volta com toda a alegria do momento. Estava morto e estava
vivo. Ele tinha sido tirado dela e ele tinha voltado. Ele tinha sido seu amor e
ele estava em seus braços novamente.
Por alguns instantes ela o beijou de volta.
E então ela sentiu desconforto e medo e uma terrível sensação de errado.
Onde estava David? O que David diria? Ela não deveria ficar sozinha com
outro homem. Beijando outro homem. Estava errado. Era pecado.
Ela queria David.
Mas ele era Julian. Ela olhou para ele sem entender quando ele levantou a
cabeça dela e sorriu para seus olhos.
— Querida — disse ele. — Eles deveriam ter-me tirado e atirado em mim
quando eu te deixei pela primeira vez, não deveria? Eu deveria ter arriscado
um tribunal marcial e ficar em casa com você. Tantos anos perdidos, Becka.
Eu vou fazer amor com você. Por cada um deles e em cada dia deles.
Começando agora. Só um momento, vou trancar a porta.
— Não! — Ela agarrou seu pulso enquanto se sentava.
— Não? — Ele sorriu para ela.
— Não. — Ela olhou para seu amado rosto. — Não Julian, não posso. Não
agora, ainda não, não… Eu não posso… Oh, por favor, entenda…
— Estou sendo um pouco idiota, não estou? — Ele disse, sorrindo o sorriso
charmoso que sempre fez seu coração virar. — Tenho de te dar tempo, Becka.
Ele tratou você bem? Você gostava dele? Você não se apaixonou por ele, não
é?
As miseráveis lágrimas brotaram em seus olhos novamente. — Eu te amo,
— ela disse, sua voz alta e instável.
— Eu lhe darei tempo —, ele disse, dando tapinhas em sua mão. — Eu
entendo Becka, você sente alguma lealdade a ele, um pouco de afeição, eu não
me ressinto, eu amo muito a David.
Mesmo que David o tivesse baleado? Mas ela não queria explorar esse
pensamento agora. Ela fechou os olhos.
— Há Charles, — ela disse suavemente.
— Seu filho? — ele disse. — Ele deve significar muito para você, Becka,
eu sei o quanto você queria uma criança, você pode mantê-lo, eu não vou me
importar, eu vou amá-lo como meu.
Seus olhos se abriram. — Charles é de David —, ela disse ferozmente. —
Ele pertence a David, Julian.
Ele levantou a mão dela e a colocou contra a sua bochecha. — Vamos
conversar sobre isso tudo em outro momento —, disse ele. — Deus, eu
gostaria que não tivesse havido essa confusão miserável, Becka. Não é fácil
saber que você esteve com Dave por um ano e meio, você sabe… Dói como o
próprio demônio se você quiser conhecer a verdade.
Sim. Foi. E pior do que isso.
— Bem. — Seu sorriso voltou. — Estamos juntos de novo, Becka.
Isso é tudo o que importa, não é? Falaremos de tudo mais, amanhã. Apenas
me diga novamente que você me ama.
— Amo você, Julian — disse ela.
Ele soltou a mão dela e se levantou. — E eu, a você —, disse ele.
— Você é linda, Becka, mais bonita do que eu me lembrei… Deus, senti sua
falta… Vou deixar você se levantar e se arrumar a si mesma… Minha presença
provavelmente a envergonharia depois de todo esse tempo?
Ela não respondeu.
— Isso vai mudar —, prometeu. — Estou em casa, querida, em casa para
ficar.
— Sim. — Ela sorriu para ele.
Capítulo 22
O Bispo Young era uma figura imponente, mas um homem bondoso. Chegou
bem cedo no dia seguinte, tendo parado na aldeia primeiro para conversar com
o vigário. Ele foi imediatamente para se fechar com o conde na biblioteca para
uma longa entrevista, e depois conversou separadamente com Julian e David.
Seria desnecessário, disse por fim, perturbar Lady Cardwell, uma vez que
estava compreensivelmente indisposta.
Os quatro homens almoçaram juntos, Louisa se desculpando, alegando que
cuidava de Rebecca.
Finalmente estavam de volta à biblioteca. David mantinha sua mente e suas
emoções mortas, como havia feito desde o dia anterior. Ele tentou dizer a si
mesmo durante uma noite sem dormir que ele estava feliz em ver Julian vivo
— e ele estava feliz além das palavras. Tentara dizer a si mesmo que se
alegrava de que Rebecca devia ser devolvida ao único homem que sempre
amara. Mas nesse momento seus pensamentos ficaram muito atormentados para
serem suportados e ele parou de pensar e sentir.
Se ao menos fosse tão fácil fazer, quanto era para dizer a si mesmo que
estava fazendo isso, pensou agora, esperando o bispo falar.
Bishop Young escolheu não aceitar a cadeira que lhe foi oferecida. Talvez
tivesse aprendido, por longa experiência, que certos assuntos eram tratados
melhor de pé, com toda a formalidade e toda a dignidade de seu ofício.
— Vou ter que levar esse assunto mais alto, é claro —, disse ele, — antes
que o que eu digo seja oficializado, mas estou confiante de que minhas
decisões serão confirmadas.
O conde emitiu rumores de assentimento.
— O primeiro casamento de Lady Cardwell deve, naturalmente, ter
precedência sobre o segundo —, disse o bispo, — desde que seu primeiro
marido ainda está vivo e a conexão conjugal não foi anulada nem cortada de
qualquer outra forma.
Nenhum dos três homens se movia ou reagia visivelmente. Este não era o
pronunciamento importante. Não havia dúvida em nenhuma de suas mentes de
que Rebecca ainda estava casada com Julian. No entanto, David ficou um
pouco mais frio por dentro e morreu um pouco mais. O que sua cabeça lhe
dissera desde o dia anterior, seu coração agora sabia que era verdade. Lady
Cardwell. Rebecca era Lady Cardwell.
— O segundo matrimônio, seu casamento com você, Lorde Tavistock —,
continuou o bispo, sua voz, a voz oficial da Igreja e, ao mesmo tempo,
simpatizante, — é, naturalmente, inválido.
Sim. Rebecca não era sua esposa. Julian estava vivo.
— A questão é, — disse o Bispo Young, se ela sempre foi inválida. Em
certo sentido, é claro, desde que Sir Julian Cardwell estava vivo quando foi
celebrado. E, no entanto, as minhas investigações esta manhã me convenceram
de que o casamento foi feito em perfeita boa-fé por todos os interessados. Que
no momento da cerimônia não havia ninguém que pudesse saber que havia um
impedimento.
Embora o casamento se tornasse inválido no momento em que Sir Julian
voltou para casa, era válido até então. É meu julgamento que nenhum pecado
foi cometido pelo Senhor ou pela Lady Tavistock, porque o pecado envolve
uma decisão consciente de fazer o que é mau.
David viu a mão de seu pai apertando e soltando o braço da cadeira. Ele
fechou os olhos.
— Portanto — disse o bispo -, e creio que este é o ponto mais em questão
nesta triste questão, o filho daquela união agora inválida foi concebido dentro
de um casamento real e portanto é legítimo, Lorde Tavistock. Bastardia não vai
ser anexada ao seu nome.
David sentou-se com os olhos fechados mesmo depois que seu pai e Julian
se levantaram para apertar a mão do bispo. Se alguém — até mesmo a Igreja
— tivesse tentado sugerir o contrário, ele teria cometido assassinato. E se
alguém tivesse sugerido que Rebeca era… Ele abriu os olhos, levantou-se e
estendeu a mão ao bispo, acrescentando seu agradecimento aos de seu pai.
O bispo não ficaria mais tempo. Ele tinha outro negócio que exigia sua
atenção neste dia. Ele mandaria uma mensagem assim que suas decisões
fossem aprovadas oficialmente, disse ele antes que o conde o acompanhasse
para fora para sua carruagem que estava a espera.
— Vou encontrar Rebecca e dar a notícia para ela —, disse ele, olhando
para seu filho e seu afilhado.
David sabia que havia muita agonia a ser enfrentada nos próximos dias e
semanas. Mas o que ele estava achando mais difícil no momento era conter o
instinto de ir até ela. Ontem ele não tinha sido capaz de ir para ver como ela
estava se sentindo depois que ela quase desmoronou de choque. Em vez disso,
ele teve que assistir Julian ir até ela. Esta manhã ele não tinha sido capaz de ir
até ela para descobrir como ela tinha dormido, e como ela estava reagindo a
tudo o que tinha acontecido. Ele teve que ouvir sem comentar a afirmação de
Louisa de que Rebecca estava indisposta. Agora ele não podia ir até ela e lhe
dizer o que havia sido decidido sobre assuntos que diziam respeito a ambos
— e apenas aos dois e Charles. Ele não tinha ido ver Charles hoje, com medo
de que Rebecca estivesse com ele.
— Bem, David — disse Julian. Sua voz soou bastante abalada. — Eu não
esperava tudo isso, devo dizer.
David olhou para ele. Ainda parecia impossível acreditar que Julian
realmente estivesse lá, vivo e aparentemente saudável, e parecendo muito
velho.
— Eu realmente acreditava que eu tinha matado você —, disse ele.
— Nós dois, então — disse Julian. — Eu nunca fiquei mais surpreso na
minha vida, David, como eu fiquei quando você atirou — e atirou em mim, não
em Scherer… O bastardo teria me esfaqueado pelas costas. Foi um milagre
que eu me virei e o vi exatamente a tempo e consegui acertá-lo. Mas eu não
tenho certeza se posso reivindicar o crédito por isso. Eu acho que ele poderia
ter batido o pé em uma raiz. Mas ele pegou sua espada novamente e ainda teria
me matado se eu não tivesse cortado para baixo em seu braço e chutado a
espada para longe. Como foi que você viu?
— Nada disto — disse David. — Tudo que eu vi foi você prestes a matá-
lo.
— Isso explica tudo, suponho — disse Julian. — É exatamente como eu
pensei, na verdade. Eu te perdoei há muito tempo, você sabe. Você estava
apenas sendo David, é claro — um oficial primeiro, meu irmão em segundo.
Isso deve ter parecido uma maldição sórdida. E claro que ele me pegou em um
momento ruim, quando esse desejo de matar que sempre vem com a batalha
tinha destruído toda a minha capacidade de raciocínio. Talvez isso é o que fez
você atirar também, David. Fez o bastardo se matar de outra maneira?
— Ele sobreviveu — disse David.
Julian estremeceu. — Pobre Cynthia — disse ele. — Ele era um bruto para
ela, David, nada físico além da batida estranha, tudo mental. Você não
acreditaria. Você deveria ter me deixado matá-lo e ter ele na minha
consciência pelo resto da minha vida.
David não disse nada.
O sorriso de Julian era um tanto torcido. — Foi isso que eu fiz com você,
David? — Ele perguntou. — Você realmente pensou que eu estava morto. Eu
estive em sua consciência?
— Sim — disse David.
— Eles não sabem, não é? Julian perguntou. — Você não contou a eles, é
por isso que se casou com Becka?
David se levantou e atravessou a sala até a janela.
— Você sentiu que tinha que cuidar dela por mim, David? — Julian
perguntou. — Foi isso mesmo?
— Suponho que sim — disse David.
— Isso é difícil para mim, você sabe —, disse Julian. — Malditamente
difícil pensar em você e Becka… E uma criança… Ela conseguiu com a sua
semente enquanto ela não fez com a minha… Dói, David… Eu não estava
esperando isso, eu acho… Sempre pensei em Becka como minha. Eu pensei
que ela iria esperar para sempre.
— Você estava morto — disse David. — Ela tinha vinte e quatro anos e
vivia aqui com papai e Louisa, ela precisava de uma casa própria e algo a ver
com o resto da vida.
— Ela tinha um lar —, disse Julian. — Embora você pudesse ter-me
derrubado com a pena proverbial quando eu achei Louisa instalada aqui como
a condessa. Ela não perdeu tempo em obter um título e fortuna, não é?
— Acredito que ela gosta de papai — disse David. — Eles parecem felizes
juntos.
— Estou contente de qualquer maneira —, disse Julian, que ela não seja
culpada de bigamia ou qualquer coisa assim, Becka, quero dizer. Eu teria
matado por ela David. Becka sempre tem que fazer o que é certo e apropriado.
E eu me alegro que a criança não seja um bastardo, isso teria sido difícil para
ela.
— Sim.
— Eu disse a ela ontem que ela poderia manter a criança —, disse Julian.
— Eu não me importaria se isso a faz feliz, Dave. Eu não tenho isso contra ela
ou qualquer coisa, eu sei que todos vocês pensaram que eu estava morto.
— O que ela disse? — David desejou de repente que tivesse ficado
sentado. Ele pensou que poderia esconder quão trêmulo estava.
— Ela disse que a criança era sua — disse Julian. — Eu não sei como você
se sente, Dave, é seu herdeiro e tudo isso, não é? — Mas não me importo de
tê-lo. — Para Julian o filho de Rebecca era a criança.
— Charles é meu filho —, disse David. — Eu o amo.
— Sim, bem — disse Julian, inquieto. — Isso é muito estranho, não é,
David? Você vai ter que encontrar uma nova mãe para seu filho. Isso será a
melhor coisa, não é?
Ele tem uma mãe. Por Deus, ele tem uma mãe. Mas se ele dissesse as
palavras em voz alta, ele iria desencadear com elas paixões que o assustavam.
Ele queria matar Julian, ele pensou com súbito horror. E, no entanto, tudo isso
não era culpa de Julian.
— O que você tem feito todo esse tempo? — ele perguntou.
— Cativeiro — disse Julian. David se virou a tempo de vê-lo dar de
ombros.
— Correntes e uma cela com barras e tudo isso? — perguntou David.
— Por Júpiter, não! — Disse Julian. — Os russos são quase tão civilizados
quanto nós, David, e tratam seus oficiais prisioneiros como cavalheiros.
— Foi muito tempo —, disse David. — A guerra terminou há muito tempo,
mas eles ainda não o soltariam?
— Bem. — Julian encolheu os ombros novamente e por um momento seu
rosto relaxou em seu sorriso charmoso característico. — Suponho, se eu
tivesse pedido.
— Por que não o fez?
— Eu não soube por muito tempo que a guerra tinha acabado —, disse
Julian.
— Por um longo tempo —, disse David. — Você pediu para ser libertado
no momento que você ficou sabendo?
Julian riu. — Eu não deveria ter tido que perguntar —, disse ele. — Eles
deveriam ter-me mandado para casa, não deveriam?
David olhou para ele em silêncio por alguns momentos. — Você não podia
suportar deixá-la? — Ele perguntou.
Julian riu novamente. — Um homem tem que combater o tédio de alguma
forma —, ele disse, — especialmente quando ele é virtualmente um
prisioneiro e não sabe quando seu cativeiro chegará ao fim. Ela não
significava nada para mim, Dave. Foi sempre Becka. E chegou ao ponto onde
eu não conseguia pensar em nada. Eu comecei a sonhar com ela, tive que
voltar para casa, foi quando eu perguntei.
David tinha desaprovado muitas vezes as ações de Julian no passado.
Depois do casamento de Julian, ele ficara furioso com as infidelidades. Mas
não se lembrava de odiá-lo como o odiava agora. Ele realmente queria matá-
lo, ele percebeu de novo.
— Não me olhe assim. — Julian ficou sóbrio e parecia contrito. — Nunca
teria acontecido se eu não tivesse sido forçado a manter-me afastado dela,
David. Eu a amo. Você sabe que nunca houve ninguém além de Becka. Agora
que estou de volta, as coisas serão diferentes de uma vez por todas Eu não vou
deixá-la fora da minha vista.
— Se alguma vez souber de outra infidelidade — disse David, com as
mãos firmemente apoiadas nas suas costas, os olhos dele em Julian — , mesmo
uma só Julian, vou te encontrar e te matar, e desta vez meu objetivo não será
errar o alvo por meia polegada. Você me entende?
A expressão de Julian lembrou a David aquela que estivera em seu rosto
quando caiu no Kitspur. Ele parecia assustado. — Droga, Dave — disse ele.
— Você está apaixonado por ela, não é?
— Ela é minha esposa — disse David friamente. — Correção. Ela era
minha esposa. Ela é a mãe do meu filho. Você fala sobre como isso é difícil
para você, Julian. Imagine, se você puder o que é para mim. Ter que ficar de
lado e vê-la retornar a um miserável vira-lata… Como você.
O rosto de Julian tinha ficado branco. — Ela é minha esposa, David —,
disse ele. — Eu a amo, sei que a tenho tratado mal, mas quero-me reformar, eu
a amo, e ela me ama.
— Sim — disse David secamente. — Você tem essa vantagem sobre mim
também, não é? Eu vou voltar para Stedwell amanhã, mas eu quis dizer o que
eu disse há pouco. — Uma infidelidade, Julian.
Apenas uma.
— Não haverá nenhuma — disse Julian. — Eu prometo Dave, será tudo
diferente, está tudo mudado, eu pensei que você ficaria encantado ao descobrir
que você não tinha me feito nenhum dano permanente depois de tudo. Eu não
sabia que você pensou que tinha me matado. Eu imaginei como seria voltar
para casa e ver você e o Pai. E eu imaginei o olhar no rosto de Becka quando
ela me visse, mas nada é como eu imaginei.
— Julian — disse David, sua raiva desaparecendo e o deixando se sentindo
esgotado e completamente cansado. — Eu estou contente que você está vivo.
E Rebecca também.
Julian balançou a cabeça e passou os dedos das duas mãos pelo cabelo.
— Somos sua família — disse David. — Você pertence aqui, você é o
irmão que eu nunca tive, nada de essencial mudou.
Julian assentiu novamente. — Você sempre a amou, não é? — Ele disse. —
Sinto como se meus olhos tivessem sido abertos de repente, por isso você
sempre ficou tão zangado comigo sempre que… Bem, sempre que eu era fraco,
era por isso que você resolveu as coisas com Flora.
David não disse nada.
— Desculpe David — disse Julian — Mas quero ser o melhor marido do
mundo a partir deste momento, se isso for um consolo.
Deveria ter sido. Mas não foi.
— É melhor ir procurá-la — disse Julian. — Ela ficará feliz em saber o
que o bispo decidiu, será uma carga fora de sua mente. Temos muito que fazer,
Becka e eu, e um monte de planejamento.
Vou ver que ela se diverte. Vamos viajar por toda a Europa. Talvez por um
ano ou mais. Ela merece algum divertimento, você não acha David?
David não respondeu. Ela odiaria. Ela não teria casa fixa, nenhum domínio
de responsabilidades, nenhum sentido de propósito ou de pertença. Ela odiaria
as frivolidades e o tipo de amigos passageiros que fariam durante as viagens
constantes. Mas como ele poderia ter certeza? Ela estaria com Julian — com
seu amado Julian. Talvez ele pudesse ser seu mundo inteiro. Talvez ela não
precisasse das coisas que precisava com ele.
— Vejo você mais tarde, David, — Julian disse e saiu do quarto.
David sempre temeu a parte acordada de seus pesadelos mais do que a
parte adormecida. Parte dele sempre soubera quando sonhava que ele
acordaria. O verdadeiro inferno tinha começado depois do sonho, porque
então ele sabia que ele estava acordado e que não havia como escapar de seus
pensamentos. Ele tentou convencer-se de que estava dormindo, que logo
acordaria para enfrentar uma realidade menos aterrorizante. Mas ele estava
bem acordado. Ele sabia disso. E mergulhou profundamente no canto mais
escuro e desesperado do inferno.
Perguntou-se se ver Charles o ajudaria. Ela estaria com seu pai e depois
com Julian. Ela não estaria no berçário.
Deixou a biblioteca e subiu as escadas em direção ao berçário com pernas
que pareciam feitas de chumbo.
****
Estava frio. Muito frio, com céus de chumbo e um vento forte e cortante.
As roseiras pareciam quebradiças e mortas. Era quase impossível imaginar
que em poucos meses elas voltariam à vida novamente e estariam em flores
exóticas.
Ela nunca veria as rosas florescerem em seu próprio pomar.
Não era o seu cenáculo.
Era de David.
Ela sentou-se dentro do roseiral em Craybourne, encolhida dentro de um
manto que não a protegia da mordida do vento. A garganta e o peito eram uma
dor áspera, mas ela não conseguia chorar. Ela não conseguiu chorar a noite
toda. E por que ela iria querer chorar? Julian estava vivo e em casa.
Ela deliberadamente sentiu a alegria do pensamento. E havia alegria.
Alegria como uma taça cheia de vinho espumante. E ao mesmo tempo uma
agonia esfaqueadora. A mescla de duas emoções tão opostas e extremas estava
causando a tensão em seu peito, a sensação de que ela certamente devia estar
ficando louca.
Ela olhou para cima quando alguém atravessou o arco e sentou-se em
silêncio ao lado dela. A mão era de seu sogro — não, ele não era mais isso —
veio descansar em seu ombro e apertou.
Ela queria inclinar a cabeça para o lado para descansar contra ele, mas ela
não fez isso. Não havia conforto. Por que tentar encontrar algum, quando não
havia nenhum? Ela continuou a sentar-se muito erguida.
— O bispo acaba de sair, Rebecca — disse o conde. A Igreja deve declarar
que o seu casamento com David foi um casamento real desde o dia do seu
casamento até ontem. Foi um casamento feito de boa fé. Ninguém preocupado
com isso poderia ter esperado saber que havia um impedimento. Você não foi
culpada de bigamia.
O vento achatou seu manto contra ela por alguns momentos, mas ela não
sentiu o frio.
— E Charles é um filho legítimo — disse ele. — Ele é o produto de um
casamento que era válido no momento de sua concepção e nascimento.
Será que seu caramanchão seria tão lindo como este no verão? Ela
imaginou. Será que o fato de ter havido árvores onde foi construído estragou o
solo? Não era o seu cenáculo.
Era de David.
A mão do conde apertou mais forte. — Você vai encontrar esses dois fatos
tranquilizadores —, disse ele.
— Sim.
— Julian está muito feliz por estar em casa, Rebecca — disse ele. — É um
verdadeiro milagre.
— Sim — disse ela. A morte dele nunca me pareceu real porque nunca vi
seu corpo e nunca vi seu túmulo. Nunca consegui aceitar que era verdade, mas
toda essa dor e o vazio.
— Ele está em casa agora —, ele disse gentilmente. — Juntos, vocês serão
capazes de compensar todos os anos perdidos.
— Sim — disse ela.
— Ele te ama muito, Rebecca, — ele disse.
— Sim. — Ela puxou seu manto mais fortemente sobre si mesma sentindo
frio novamente. — E eu o amo, pai, sempre foi Julian, pois, desde que me
lembro, penso em sol e risadas sempre que penso em Julian, e agora está em
casa, ele voltou para mim.
— Você ficará feliz — disse ele, com a voz curiosamente pesada —, uma
vez que você se tenha recuperado do choque, Rebecca.
— Estou feliz —, disse ela. — Eu estou pai. — Mas por que o peso de
chumbo dentro? — Mas David? Ela engoliu em seco. — E Charles?
— David está voltando amanhã para Stedwell —, disse ele. — Seria
melhor se ele te deixasse sozinha com Julian, se ele ficar mais tempo seria
muita falta de graça. Ele fez uma pausa e acariciou seu ombro.
— Ele levará Charles com ele.
Toda a alegria do retorno de Julian desapareceu de repente. Ele levará
Charles com ele. Charles! Seu bebê. Seu sol.
Charles era filho de David. Nascera de um casamento que já não existia.
Sua mãe agora pertencia a outro casamento.
Charles era de David. Ele estava indo para casa com David amanhã.
Casa!
O lar era Julian. A casa estava onde quer que Julian estivesse.
— Sim, será melhor — disse ela.
O conde levantou-se e estendeu a mão para ela. — Entre, Rebecca — disse
ele. — Você vai pegar muito frio aqui.
— Eu quero sentar aqui por um tempo —, disse ela.
— É inverno, — ele disse, — e um dia frio. Não é o momento de estar
sentada aqui fora.
— Mas o verão virá — disse ela. As rosas vão florescer novamente. Não
vão?
Ele se inclinou, tomou suas mãos firmemente nas suas, e puxou-a para que
ficasse de pé. — Quando o fizerem — disse ele — , você pode sentar-se aqui
o dia todo, se quiser, Rebeca. Agora você está entrando em casa.
Mas eles encontraram Julian saindo quando eles se aproximaram das portas
e o conde retirou seu braço.
— Ela está completamente gelada, Julian — disse ele. — Eu aconselharia
você a levá-la para casa.
— Seu nariz é como um farol — disse Julian, passando o braço dela pelo
dele e seguindo o conde até as portas. — Iremos até a sua sala de estar, não é,
Becka?… E o papai lhe contou o que o bispo disse?
Ele era de uma altura familiar. Caminhando com ele, parecia impossível
acreditar que tantos anos se tinham passado. Que ela o julgara morto. Uma
parte dela deveria ter sempre sabido que ele estava vivo, ela pensou. Ela
sorriu para ele.
— Sim — disse ela. Foi uma boa notícia, estou feliz que esteja tudo
resolvido… Vou pedir o chá. Julian? Será bom falar, só eu e você, não é? Eu
ainda estava drogada quando você veio conversar comigo ontem, e ainda em
profundo choque. Você não pode imaginar o que senti quando entrei na
biblioteca e o vi lá. Ainda não tenho certeza de acreditar.
— Oh, você pode acreditar, Beck. — Ele soltou seu braço enquanto eles
subiam as escadas para colocar o seu próprio sobre sua cintura. Era algo que
ele frequentemente fazia. Tinha usado para embaraçá-la. Ela teve que
repreendê-lo sobre isso. E se o pai o visse? Ou os servos? Pendure os
criados, costumava dizer, sorrindo e chocando-a, e talvez o pai pudesse se
lembrar de como era ter uma esposa jovem e adorável. Parecia tão impróprio
para ela. E bastante maravilhoso. — Eu sou de verdadeira carne e sangue. —
Ele colocou sua boca perto de sua orelha. — E vou provar isso logo que a
porta do seu quarto fique fechada atrás de nós.
Ele não perdeu tempo. Ele segurou seu pulso quando ele fechou a porta de
sua sala de estar com um pé botado e se recostou contra ela. Ele a atraiu
contra ele, abraçou-a e beijou-a.
Ela sempre amou essa proximidade. Se tivesse havido apenas isso, ela
pensava, e não todo o desconforto embaraçoso e desagradável do que ele fez
com ela em sua cama, ela teria considerado o lado físico do casamento
verdadeira felicidade.
Ela se rendeu ao beijo, apoiando-se nele, colocando seus braços em volta
de seu pescoço, beijando-o de volta, concentrando todos os seus pensamentos,
todas as suas energias, todo o seu ser em Julian. Marido dela. O amor dela.
— Firme, amor, firme, — ele disse, olhando para ela com o sorriso
preguiçoso que a agitou com a dor de lembranças repentinas. — Se você está
ansiosa, é melhor eu pregar um colchão nas suas costas.
— Não, — ela disse rapidamente. — Não, vamos conversar Julian, vamos
conversar, falar e falar. Quero saber tudo sobre os anos que faltam. Pegou-lhe
a mão — tão familiar, mais larga e com os dedos mais curtos do que a de
David — e levou-o a sentar-se ao lado dela numa namoradeira.
— Por onde você quer que eu comece? Ele sorriu em seus olhos e levantou
sua mão livre para acariciar sua bochecha levemente.
— Do começo — disse ela, olhando ansiosamente para o seu amado rosto.
— No começo, Julian, conte-me tudo, todos os últimos pormenores.
Ele riu suavemente e abaixou a cabeça para beijá-la mais uma vez antes de
começar a falar. Ela ouviu com avidez. Ela ouviu como se ela fosse uma
menina de novo e de volta com sua governanta e sabia que ela tinha que
escrever um exame sobre o que foi dito a ela.
Ela empurrou tudo mais impiedosamente de sua mente — Tudo — e
concentrou toda a sua atenção nele.
Vai ser maravilhoso, disse a si mesma enquanto ele falava, seus
pensamentos se perdendo apesar de si mesma. Ele estava de volta com ela
novamente.
Tudo ia ser maravilhoso. Ela tinha esquecido como o cabelo dele era macio
e ondulado sempre, levantando os dedos para atravessá-lo.
Tinha esquecido como era grande, expressivo e sorridente com seus olhos
cinzentos. Tinha esquecido… Oh, tanto. Mas ele estava de volta para casa, de
volta para ela. Ela tinha uma vida inteira na qual reaprender tudo o que havia
para saber sobre ele.
Ela se perguntou se Charles estava tendo sua soneca à tarde. Ela não o tinha
visto hoje. Ele estaria se perguntando onde ela estava.
Ela sorriu e focalizou sua atenção no que Julian estava dizendo.
Ela se perguntou o que David estava fazendo.
Ela se inclinou para frente e beijou a bochecha de Julian, fazendo-o rir de
novo e declarando que não podia manter o fio da sua história com ela sentada
tão perto dele e emitindo tais convites.
Ela se rendeu com determinação ao seu beijo novamente.
Ele era Julian e ela o amava com todo o seu coração.
Capítulo 23
Rebecca tinha ido para a creche durante a noite, tendo jantado sozinha em
sua sala de estar. Ela tinha parado tentativamente na porta olhando para o
filho, quase como se esperasse que ele parecesse diferente, quase como se
esperasse que ele a rejeitasse. Mas ele a vira quase imediatamente e vinha
rastejando em sua direção, arrastando consigo um brinquedo de Katie.
Tinha-o levado aos braços para encontrá-lo com as bochechas vermelhas e
os olhos brilhantes. Ele não tinha tido sua soneca à tarde, sua babá lhe tinha
dito. Recusara-se a ir dormir. E então ela o despiu e trocou a fralda, e o
balançou para dormir em seus braços, embora não tivesse sido necessário por
um par de meses, desde que ele tinha sido desmamado. Ela beijou a mão
gordinha que ele levantou para seu rosto e viu suas pálpebras tremulando até
que finalmente se fecharam e ficaram fechadas.
E então ela o colocou em seu berço, seu coração doendo com amor e
sofrimento.
Essa tinha sido a noite anterior. Agora, hoje, quando ela foi até ele na parte
da manhã para dizer adeus — embora ela não pudesse usar essa palavra em
sua mente — tudo era diferente. Tinha dormido durante a noite e na manhã
seguinte. Ele estava cheio de energia e travessuras e rastejou com
determinação atrás da Katie, disposto a lutar por cada brinquedo. Além de um
amplo sorriso para Rebecca quando ela apareceu no berçário e sorrindo
impotente quando ela o pegou para o girar, ele não teve tempo para uma mera
mãe.
E então quando ela finalmente o pegou para segurá-lo perto pela última vez,
seu coração quebrando, ele meramente protestou alto por ter sua brincadeira
interrompida e se contorceu para se livrar.
Ela o libertou e seus braços estavam vazios e seu coração pior que vazio.
— Adeus, querido, — ela disse suavemente, seus olhos bebendo a visão
dele. Mas seu filho estava gritando de riso enquanto Katie o golpeava na
cabeça com uma boneca de pano.
Deviam pegar o trem da parte da tarde para Stedwell. Ela sabia disso. Ela
iria ficar em seu quarto até que eles tivessem ido embora, ela decidiu. Tinha
até fechado as cortinas das janelas para não olhar para a carruagem. Uma vez
que eles tivessem ido, tudo estaria bem.
Não. Ela não era ingênua o suficiente para acreditar nisso. Mas seria mais
fácil quando eles desaparecessem. A realidade seria mais fácil de aceitar.
Uma vez que eles fossem embora ela seria capaz de se concentrar no seu amor
por Julian e gastar suas energias em construir o seu casamento novamente.
Ela queria que o tempo passasse rapidamente.
Louisa seguiu a empregada que trouxe a bandeja de almoço para o quarto.
Seu sorriso para Rebecca era bastante tenso. Isso deve ser muito difícil para
toda a família, pensou Rebecca. Regozijar-se com o retorno de Julian
misturou-se com a tristeza sobre a bagunça do casamento de David.
David. Ela desejou que ele já tivesse ido embora.
— Eu vou comer aqui com você, se você não tem nenhuma objeção —,
disse Louisa.
Elas comiam no meio da escuridão, um fato que Louisa não comentou.
Na verdade, elas apenas falaram por vários minutos.
— William acha que você deve descer para lhe dizer adeus — disse Louisa
finalmente.
— Não. — Rebecca baixou o garfo.
— David disse a mesma coisa —, disse Louisa, até que William o
persuadiu de que seria melhor. As coisas ficaram completamente inacabadas
na mente de vocês. Então diga adeus a ele, Rebecca. Sozinha. Você não precisa
sentir a estranheza de ninguém. ''
— Não seria conveniente —, Rebecca disse, — sem meu marido presente.
— Rebecca. A voz de Louisa era suavemente reprovadora.
Eles não entendiam? Será que eles não perceberam como deve ser depois
de um ano e meio de casamento e paternidade, descobrir de repente que o
casamento já não existia, que ela era casada e devia lealdade e obediência a
outro homem?
Não, é claro que não percebiam. Como poderiam? Era algo além da
imaginação.
— Não há nada a dizer — disse ela.
— Talvez uma palavra ou duas de bondade — disse Louisa. — Você não
gostaria de lembrar que você não trocou uma palavra com ele desde que
entrou na biblioteca há dois dias.
Ela queria que ele fosse embora. Ela queria estar com Julian. Queria
retomar o casamento e esquecer os anos que se passaram. Mas como seu
desejo era ridículo. Esquecer Charles? Esquecer David?
— Muito bem — disse ela. — Onde, não na biblioteca, e não aqui.
— Há uma lareira na sala de estar — disse Louisa. — Venha para lá
comigo, eu irei buscá-lo e mandá-lo para você.
A sala de estar era desconcertantemente grande e vazia e fria apesar do
fogo. Rebecca ficou olhando para ele, aquecendo as mãos enquanto esperava.
Ela lutou contra o desejo de escapar, para fugir da sala antes que fosse tarde
demais. Mas Louisa estava certa. Devia haver um adeus. E, no entanto, quando
a porta se abriu e se fechou silenciosamente atrás dela, levou toda a ponta da
disciplina de anos para voltar-se calmamente e olhar em sua direção. Ela não
podia olhar diretamente para ele.
— A carruagem está esperando para levá-lo à estação? — Ela perguntou.
— Sim. — Ele não entrou na sala, ela notou.
— Espero que o trem não esteja atrasado — disse ela. — É tedioso esperar
nas plataformas, especialmente durante o inverno e Charles fica inquieto.
— Vou-me certificar de que a carruagem fique até o trem entrar na
plataforma —, disse ele.
— Sim — disse ela. — Isso seria sábio, ele estava de bom humor esta
manhã, ele vai perder Katie.
— Sim — disse ele.
O que mais havia para dizer? Deve haver um mundo de outras coisas para
dizer. Sua mente se aproximou apenas de uma dessas coisas. Ele estava
caminhando mais para perto dela.
— Rebeca — ele disse —, sei que isso é difícil para você, você foi uma
boa e obediente esposa para mim, você tem amigos em Stedwell, de quem
você vai sentir falta… E há Charles… Ele engoliu em seco. Mas eu sei que
seu coração deve estar repleto de alegria sobre o milagre do retorno de Julian.
Ele sempre foi seu amor. Uma vez que este momento difícil for passado,
deixe-se ser apanhada nesse milagre. Não se preocupe comigo. Ficarei feliz
em saber que você está feliz.
Seus olhos mudaram para seu rosto finalmente. Estava pálido, fixo, áspero.
Apenas seus olhos azuis sugeriam algo diferente.
— Estou feliz por saber que você não o matou —, disse ela. — Por ele e
por você.
— Sim — disse ele.
Mais uma vez não havia nada a ser dito. Seus olhos caíram em sua boca,
seu queixo, seu colarinho e seu lenço ordenadamente amarrado.
— Bem — disse ele —, é melhor que tenhamos terminado com isso,
Rebecca, mandarei a babá de Charles te mandar relatórios todas as semanas.
Ele não estendeu a mão para ela.
— Adeus. — Ela o observou se virar e atravessar a sala em direção à
porta. E sentiu o pânico mais terrível de sua vida.
— David!
Ele olhou por cima do ombro, com a mão na maçaneta da porta.
Ela queria ir com ele — mais do que qualquer coisa na vida. Por um
momento bastante irracional ela queria acabar com os últimos dias e voltar ao
normal novamente. Ela queria ir com ele e Charles. Voltar para Stedwell. De
volta para casa. Mas isso era adeus.
Adeus era para sempre.
— Nada —, ela disse sem convicção. E então ela pensou em algo.
Ela torceu sua aliança de casamento, aliviando-a sobre seu nó e fora de seu
dedo. Ela estendeu—a para ele em silêncio.
Ela pensou que ele não ia pegá-la. Ele ficou olhando para ela por momentos
intermináveis antes de cruzar a distância entre eles e tirar o anel de sua mão
estendida. Seus dedos não a tocaram.
— Tenha uma viagem segura — disse ela. — Vou orar por você e por
Charles.
— Sim, — ele sussurrou.
E ele se foi.
Rebecca ficou parada onde estava com as mãos geladas entrelaçadas diante
dela enquanto o fogo lhe esquentava as costas. Ela deliberadamente evitou
tocar ou olhar para o seu dedo anelar. Ela ficou ali por longos minutos até que
Julian veio até ela.
****
Foi muito mais fácil quando eles sumiram. O conde guardava muito para si
mesmo, reivindicando a pressão do trabalho. Rebecca teve que procurá-lo
deliberadamente para recuperar o anel de casamento de Julian. Louisa passou
muito tempo com Katie ou fora e provavelmente, cumprindo seus muitos
deveres. Rebecca teve a chance de ficar sozinha com Julian a maior parte do
tempo.
Durante uma semana inteira, entregou-se à alegria de seu retorno. Eles
passavam quase todos os minutos acordados juntos, conversando, rindo,
relembrando. Ele contou-lhe histórias sobre a Rússia, histórias
escandalosamente engraçadas e de pouca alegria que a deixariam quase
acreditar que não havia cativeiro. Ela não lhe disse nada sobre sua própria
vida durante os anos em que ele esteve desaparecido, mas ela sempre foi uma
melhor ouvinte do que falante. Com Julian sempre fora o oposto, eles se
adaptavam bem.
Eles caminharam para fora, embrulhados calorosamente contra o frio,
embora houvesse suaves sinais de início da primavera em alguns lugares com
dias mais ensolarados. Eles cavalgavam ou andavam de carruagem. Às vezes,
sentavam-se na sala de estar ou na estufa. Mas não importava o que fizessem
ou para onde fossem. Importava apenas que ele estivesse vivo, que estavam
juntos novamente.
Que ela o amava.
Ela mal tirou os olhos dele durante aqueles dias. Seu cabelo claro e
ondulado, seus olhos cinza com as linhas de riso em seus cantos, sua boca
larga, bem humorada e dentes brancos, sua risada despreocupada, seu charme
— ela se familiarizou com tudo novamente. Eles se tocavam quase
constantemente quando não havia ninguém à vista, e às vezes até mesmo
quando ela não podia impedi-lo. Eles ligavam os braços ou seguravam as
mãos.
Eles envolveram seus braços um sobre o outro. Eles se beijaram.
Só havia uma coisa errada.
Ela estava em pé diante do fogo em seu quarto na noite em que David e
Charles foram embora, passando o pente distraidamente pelos seus cabelos,
olhando para as chamas sem ver, tentando não imaginar o que estava
acontecendo neste momento em Stedwell, tentando não pensar em mais nada,
quando a porta se abriu e Julian entrou, vestindo um roupão sobre a camisola.
Ela meio que o esperava, agora que David tinha partido. Ele era seu marido
e ficara sem ela por quatro anos. E ele sempre vinha frequentemente a ela,
quase todas as noites. Ela era sua esposa. Ela sorriu para ele e pousou seu
pente.
Ela colocou seus braços em volta dele enquanto ele a beijava e deixava que
todo seu amor por ele fluísse para fora. Não seria tão ruim quanto ela se
lembrava. Ela sempre amou isso com D… Não seria ruim. Ela o amava. E
tudo o mais à parte, era seu dever.
— Mm, Becka, — ele murmurou, baixando a cabeça para acariciar seu
pescoço.
— Você está quente, amor. Vamos deitar.
Deixou-o levá-la até a cama e sentou-se na beirada enquanto tirava o
roupão. Ela se recostaria contra o travesseiro e ele levantaria sua camisola e...
Ela podia lembrar claramente como ele fazia isso — sempre da mesma
maneira.
Mas ela era de David. Somente David tinha o direito de... Era um estranho.
Julian era um estranho.
Ela não podia se deitar.
— Julian —, ela sussurrou, — Eu não posso.
Ajoelhou-se no chão diante dela, afastando seus joelhos para poder
aproximar-se, inclinando a cabeça para um beijo. — Sim você pode. — Ele
disse. — Você me ama, não é Becka?
É claro que ela o amava. — Sim — disse ela. — Você sabe que sim, Julian.
— Deite-se, então — disse ele, voltando a se levantar. — Eu vou fazer isso
rápido se você preferir, Beck. Eu não vou te machucar.
Deus. Oh, Deus, Oh, por favor, querido Deus.
Ela se deitou e fechou os olhos. Mas quando ela sentiu suas mãos na bainha
de sua camisola, ela entrou em pânico e levantou-se, lutando contra ele como
um animal selvagem antes que ela soubesse o que ela era.
— Não! — Ela estava gritando com ele. — Não.
Ele parecia branco e abalado quando ela parou de lutar de repente e olhou
para ele com algum horror.
— Julian —, ela disse, — eu sinto muito, por favor me perdoe, é que há
três dias eu estava casada com D-David. — Três noites atrás, David fizera
amor com ela de uma maneira apaixonada — e ela fizera amor com ele da
mesma maneira. Há apenas três noites. — Minha mente não pode ajustar-se tão
rápido, preciso de tempo, sinto muito.
Parecia que estava tentando cometer adultério.
— Eu entendo Becka — disse ele, respirando com dificuldade. — É que
tem sido tão malditamente longo, e eu não previra nada disso. Quanto tempo?
— Uma semana — disse ela. — Dê-me uma semana, Julian, vamos passar
os nossos dias juntos e nos conhecermos novamente e nos sentirmos
confortáveis um com o outro, vamos nos apaixonar de novo.
— Já paramos de estar apaixonados? — perguntou ele. — Você parou de
me amar, Becka?
— Não, — ela disse seriamente. — Não por um único momento, quando eu
concordei em casar com David, foi com o entendimento de que nunca
conseguiria dar-lhe meu amor, ou a qualquer outro homem. Foi acordado que
eu sempre te amaria.
Ele tocou sua bochecha com as costas dos dedos. — Você é tão linda,
Becka, — ele disse. — Uma semana, então, nem mais um momento, você não
pode saber o quão difícil isso é, não é o mesmo para as mulheres, mas os
homens têm necessidades que não podem ser facilmente adiadas por uma
semana.
— Eu sei, — ela disse infelizmente — embora ela sempre precisasse de
David tanto quanto ele precisava dela. — Obrigado, Julian.
Ela agarrou seu pulso e virou a cabeça para beijar sua mão. — Eu te amo.
Eu te amo tanto que dói.
— Boa noite, então, Becka, — ele disse, virando-se para sair do quarto.
Ela se sentou na borda da cama por um longo tempo, sentindo-se totalmente
miserável. Ela sabia que o tinha desapontado. E ela sabia que pela primeira
vez em sua vida e em ambos os casamentos ela tinha falhado no desempenho
de seu dever de casamento principal — ela recusou a seu marido. Mas não
podia. Ela não poderia ter permitido ele dentro de seu corpo.
Seu corpo era de David.
Ela estendeu as mãos sobre o rosto. Seu corpo era de Julian. Ela era de
Julian. Ela teve uma semana em que ajustar sua mente e seu corpo a esse fato.
Não seria difícil, certamente. Ela o amava.
E assim, durante a semana que se seguiu à partida de David e Charles, ela
passou todo o seu tempo a amar o seu marido, adaptando-se à nova condição
da sua vida, preparando-se para a noite em que ele se tornaria seu marido de
novo.
****
Uma carta veio de casa — de Stedwell — no final da semana.
Uma carta escrita pela mão da enfermeira de Charles. Uma carta que
contava de um novo dente que começava a despontar e ser um pouco cruzado.
Ele estava um pouco febril por causa dele, mas era de sua própria natureza ser
espirituoso e alegre.
Ele tinha saído todos os dias para o ar fresco em seu andador e tinha-se
comportado muito bem na igreja no domingo.
Rebecca leu a carta com pressa febril. Era detalhada, mas muito impessoal.
Não havia nenhum dos pequenos toques que poderiam ajudá-la a sentir como
se ela estivesse lá com ele. Nem uma menção se ele sentia falta de sua mãe.
Certamente ele sentia falta dela. Oh, certamente ele sentia. Ele sempre esteve
mais perto dela do que de qualquer outra pessoa, até mesmo de David.
Especialmente quando ele estava cansado ou não se sentindo bem. Ele estava
nascendo um dente sem ela estar lá.
Nem uma menção de David. Ela dobrou cuidadosamente a carta.
— Está nascendo um dente a Charles, — ela disse a Julian.
Ele colocou um braço sobre seus ombros e beijou-a. — As crianças
geralmente sobrevivem à provação —, disse ele.
— Sim. — Perguntou-se, às vezes, o quanto ele demonstraria interesse em
seus próprios filhos se não os tivesse perdido. Ela se perguntou se ele teria
sido um pai tão bom quanto David. Mas era injusto pensar e comparar. Ela não
podia esperar que ele demonstrasse interesse por uma criança que tivera com
outro homem.
— Eu mal posso esperar por esta noite —, ele murmurou contra sua orelha
antes de beijá-la novamente. — Já passou uma semana, Becka?
— Sim — disse ela.
— Eu nunca vi uma semana mais longa na minha vida —, disse ele, olhando
para ela com o sorriso de garoto que sempre tinha feito aparecer um sorriso
correspondente nela. — Mas hoje à noite estará em um fim.
— O que o pai queria? — Ela perguntou. O conde levou Julian para a
biblioteca depois do café da manhã e o manteve ali por toda uma hora.
— Só para saber quais são meus planos — disse Julian. — É muito difícil
planejar algo agora, Becka, eu estive oficialmente morto por tanto tempo que
parece que eu tenho pouco mais do que a minha vida, e as roupas que eu estou
usando. E você, é claro. — Ele fez uma pausa para beijá-la mais uma vez. —
Vai demorar um pouco até que eu tenha a minha fortuna e a minha propriedade
de volta. Não estive com disposição para fazer muita coisa na semana
passada, mas o pai está trazendo um advogado amanhã para fazer as coisas se
moverem. Ele estava murmurando sobre a minha responsabilidade por eu ser
um homem casado e tudo isso. Era bem como nos velhos tempos. — Ele riu.
— E quando tudo estiver resolvido, vamos finalmente para casa? — Ela
perguntou. — Nunca vi sua casa, Julian, parece estranho depois de seis anos
de casamento, não é?
Ele enrugou o nariz. — Não sei se iremos até lá, Becka — disse ele. — Eu
preferiria me divertir enquanto ainda somos jovens o suficiente para apreciá-
lo. Acho que viajaremos por um ano ou dois.
— Mas tenho vinte e seis anos, Julian — disse ela. — Eu quero uma casa,
você não precisa pensar em viajar por minha causa, eu ficarei feliz apenas por
estar com você.
— Eu não acho que eu poderia parar em um mesmo lugar nem se eu
tentasse, Becka —, disse ele. — Ainda não, vamos viajar, vai ser divertido,
você vai ver.
Isso era o que ele havia dito sobre se juntar aos Guardas seis anos antes.
Ela lhe dissera então que não gostava da vida perturbada, movendo-se de um
lugar para outro, sem nunca ter uma casa que pudesse realmente chamar de
sua. Mas ele riu e disse que seria divertido se movimentar e se misturar com
outras pessoas.
Será que ele nunca iria querer se acomodar? Ela olhou para ele, sua cabeça
descansando confortavelmente em seu braço. Mas talvez não importasse. Ela
estaria com Julian. Ela teria tudo o que poderia querer na vida. Mas ela se
lembrou daqueles dois anos de casamento com ele e lembrou algo que ela
tinha negado na época ou simplesmente ignorado.
Ela estava insatisfeita e frequentemente entediada. Tudo, toda a sua
felicidade, dependia de Julian. Quando ele estava com ela, tudo tinha sido
maravilhoso. Quando ele se foi, não havia nada.
Talvez por isso estivesse tão inconsolável em sua dor quando pensou que
ele morrera. Não havia nada — nada em absoluto — além de Julian. Nenhum
significado para a vida. Nenhum verdadeiro senso de si mesma.
Ela tinha sido nada e ninguém. Apenas sua esposa.
Mas isso era suficiente. Era suficiente ser apenas sua esposa, não era?
Ela tinha sido ensinada que aquele era tudo que uma mulher necessitava
para se sentir realizada.
— Um centavo por seus pensamentos — disse ele, esfregando o nariz
contra o dela.
— Eu estava pensando que não importa onde estamos desde que estejamos
juntos —, disse ela.
Este pensamento a sustentou durante o resto do dia e até a hora de dormir.
Ela se despiu, escovou os cabelos, dispensou a empregada e colocou um
pouco de perfume atrás de suas orelhas — algo que ela nunca tinha feito antes
de deitar. Seria uma noite especial, que a tornaria tão profundamente
envolvida em seu casamento, que tudo o mais se tornaria insignificante. O ato
de casamento ia ser tão maravilhoso como era com… Seria maravilhoso como
ela sabia que poderia ser.
Ela estava na cama quando ele veio como sempre tinha sido. Ela estava
deitada de costas, respirando profundamente e uniformemente, as mãos
apoiadas contra o colchão ao lado dela. Ela sorriu para ele.
— Vamos fazer direito desta vez, Becka — disse ele, apagando a lâmpada.
— Talvez tenha sido a luz que te incomodou da última vez.
— Não. — ela disse. Foi apenas a novidade do seu retorno, Julian.
Obrigado por ter paciência comigo.
— Bem, — ele disse, — eu te amo, você sabe.
Ela respirou profunda e firmemente enquanto suas mãos levantavam sua
camisola até a cintura dela e ele veio em cima dela, empurrando suas pernas
para abri-las com as suas próprias como ele sempre fez isso. Ela o amava,
disse-se repetidamente. Ela iria mostrar o seu amor da melhor maneira. Ia dar-
lhe o que só uma mulher podia dar.
— Amo você, Julian — disse ela, enquanto ele se posicionava.
E então tudo estalou de novo e ela estava lutando descontroladamente,
braços batendo, pernas chutando, dentes rangendo, voz gritando.
— O diabo! — Ele estava dizendo quando ela tinha sanidade suficiente
para ouvir sons de fora de si novamente. — Que diabo… Cale-se neste
instante, Becka, você vai fazer toda a família vir correndo.
Quieta, ou eu serei forçado a bater em você. — Sua voz era áspera, muito
diferente da voz de Julian.
Ela ficou mole. Ela estava deitada sobre a cama, seu peso pesado sobre
ela, suas mãos segurando seus braços apertados em seus lados, suas pernas
aprisionando o seu próprio corpo entre eles.
— Julian. — Sua respiração estava chegando em soluços gemidos. — Oh, o
que eu fiz, desculpa, sinto muito, não posso, por favor, não posso.
Seu peso se foi de repente e ela ficou deitada, ofegando por ar até que a
lâmpada acendeu novamente. Empurrou apressadamente a camisola. Ele a
estava olhando, corado e furioso. Ela não conseguia se lembrar de ver Julian
zangado antes. Ele olhou para ela.
— Já tive o suficiente disso —, disse ele. — Eu posso ir a outro lugar se
você preferir, Becka, é tudo o mesmo para mim. Mas se é Dave que você está
ansiando, você pode esquecer, você me ouviu, ele teve você por mais de um
ano sob falsos pretextos. Mas esse tempo acabou, estou de volta, quer você
goste ou não, e você é minha esposa, você fará bem em entender isso.
— Julian — disse ela, profundamente angustiada —, eu te amo.
Sua risada era dura. — Uma maneira estranha de mostrá-lo, Beck. — Ele
disse. — Se você ama alguém, você quer ir para a cama com ele, você não
luta como um gato selvagem assim que ele estiver pronto para montar.
Ela podia sentir o sangue quente em suas bochechas. Ela olhou para ele —
este estranho, irritado e vulgar, era Julian — e ficou assustada com o pesadelo
em que os tinha impulsionado. Ela o amava. Ela o amava.
Mas... Mas havia David. Seu corpo era de David.
— Eu preciso de tempo —, disse ela, sua voz maçante.
— Quanto tempo? — ele perdeu a cabeça. — Mais uma semana, um mês,
um ano? Dez condenados anos? O que devo fazer enquanto isso?
— Dê-me mais uma semana — disse ela.
Ele se inclinou sobre ela na cama, um braço apoiado em ambos os lados da
cabeça. — E nós temos que passar por esse mesmo desempenho no final da
semana? — Ele perguntou. — Ela observou a raiva caindo de seu rosto
enquanto ele olhava para ela. — Eu te amo, Becka, você é minha esposa, tudo
está estragado. É Dave? Pergunta tola, é Dave, não é?
Ela sacudiu a cabeça. — Não está estragado, Julian — disse ela. — Eu te
adorava por anos antes de nos casarmos, eu te adorava depois do nosso
casamento, pensei que morreria de dor quando você morreu. Eu me casei com
David porque não parecia haver mais nada na minha vida e ele precisava de
ajuda com Stedwell. Mas eu não deixei de te amar por um momento sequer.
Me dê tempo, ou me dê uma ordem, eu não acho que poderia ser desobediente
a um comando, eu sou sua esposa. Ela levantou uma mão e tocou a ponta de
seus dedos em sua bochecha.
Ele puxou a cabeça para trás. — É melhor você não me tocar, Becka —, ele
disse, — ou você pode encontrar-se forçada mesmo sem o comando. E se você
pensa que eu vou pedir que você abra as pernas para mim, você não me
conhece muito bem, não é?
Ela corou e mordeu o lábio.
— Teremos de resolver essa coisa de alguma forma — disse ele, passando
os dedos de uma mão pelo cabelo. — Só me diga uma coisa, Becka, você não
o ama, não é?
Seus olhos se arregalaram. — David? — Ela disse. — Claro que não o
amo, Julian, eu te amo.
— Vamos resolver isso, então — disse ele. — Acho que essa carta te
aborreceu esta manhã. Você cuidava muito da criança, não é?
— Claro —, disse ela. — Ele é meu filho, Julian, eu o carreguei com
grande dificuldade por nove meses. Eu dei à luz e o amamentei.
Ele a olhou pensativo. — Ele se parece com Dave? — Ele perguntou.
— Ele tem cabelo dourado como o meu —, disse ela. Mas ele tinha os
olhos de David e teria a constituição física de David.
— Teremos filhos nossos — disse ele. — Uma vez que você tenha
superado a sua aversão a ter a minha semente plantada em você. Você será
feliz novamente, uma vez que tivermos uma criança.
— Estou feliz agora —, disse ela.
Seu sorriso era apenas um fantasma de seu velho sorriso. — Por Deus,
Becka —, ele disse, — Eu odiaria vê-la infeliz, então. Nós falaremos amanhã?
Depois que o advogado vier aqui? Vamos fazer planos. Vamos decidir para
onde vamos viajar.
— Sim — disse ela. — Amanhã, Julian.
Ele saiu do quarto sem dizer mais nada.
Rebecca continuou deitada na cama. Ela fechou os olhos e deixou que o
pensamento que vinha pairando na beira de sua consciência por muitos
minutos chegasse. Nunca haveria tempo suficiente.
Ela nunca estaria pronta.
Ela tinha mentido para ele.
Perguntara-lhe se amava David e ela mentiu para ele. Ela tinha pensado
enquanto falava as palavras que para ela eram a verdade. Foi só depois que
ele saiu que ela sabia que tinha mentido.
Sua resposta fora uma mentira.
Ela estava deitada na cama, indefesa contra a investida do horror.
E desespero.
Capítulo 24
— Quando vão partir? — Louisa encontrou os olhos do marido no espelho
de sua penteadeira. Ele estava escovando seus cabelos, algo que gostava de
fazer ocasionalmente à noite depois que ela tinha dispensado sua empregada.
— Estão aqui há quase um mês.
O conde não respondeu por um tempo. — Esta é a sua casa —, disse ele
finalmente. — Tenho tratado Julian como meu filho desde que ele chegou aqui
aos cinco anos de idade. Rebecca morou aqui desde que se casou com ele,
você sempre gostou dela, minha querida.
— E é claro que ainda gosto — disse ela, impaciente. — Não me interprete
mal deliberadamente, William. Rebecca poderia ficar aqui para sempre e eu
ficaria feliz.
— Julian está esperando que os advogados decidam seus negócios — disse
ele. — Ele está esperando o que lhe será devolvido, então eles vão partir, ele
vai levar Rebeca para viajar.
— Ela odiará — disse Louisa. — Mas esse não é o ponto: ele tem dinheiro,
William, há todo o salário do oficial que se acumulou desde o momento em
que ele foi presumido morto até o momento em que ele voltou para casa e deu
baixa. Isso deve ser fortuna suficiente para mantê-los por um ano ou mais no
exterior.
— Você não gosta de Julian, — ele disse, colocando a escova para baixo
calmamente sobre a penteadeira.
— Não. — Ela admitiu. — Desculpe William, sei que o ama. Depois que
ele me contratou, eu fiquei só porque senti pena de Rebecca.
Ela merecia coisa melhor. Ela merecia… Bem, David.
— E, no entanto, — ele disse, — ela estava profundamente apaixonada por
Julian e tinha sido assim por anos antes de se casarem.
— Ele não era digno de seu amor, — ela disse, rearranjando potes e pentes
em sua penteadeira. — E não é ainda, ela está infeliz.
— Sim, — ele disse calmamente. — É uma situação triste especialmente
com uma criança envolvida. Ela ainda ama Julian. Eu não posso pensar que há
um mal real nele, minha querida. Ele era um pouco selvagem e fraco de caráter
quando era um menino. Talvez o tempo tenha feito com que isto acabasse.
— Não fez, — ela disse tensamente.
— Louisa. — Ele esfregou os nódulos de uma mão sobre a parte de trás de
seu pescoço. Eu a conheço há tempo suficiente para saber quando você deseja
dizer algo, mas não sabe muito bem como, ou se deve ser dito.
É melhor você dizer isso antes de irmos para a cama ou sentirei você como
uma mola espiralada ao meu lado toda a noite.
— Quando Rebecca estava esperando uma criança em Londres, antes de
seu aborto, antes dele partir para Malta —, ela disse, — ele fez —
insinuações para mim. Eu fiz com que minha indignação ficasse muito clara e
ele não disse mais nada. Mas eu o desprezei a partir daquele momento em
diante.
— Pobre Rebecca — disse ele. — Sim, eu suspeitava que Julian não seria
um marido constante. Eu realmente deveria ter forçado a verdade de David —
bem, não importa, mas novamente o tempo pode ter curado sua fraqueza. Ele
esteve longe dela o suficiente para ter aprendido a dar-lhe valor, eu acredito.
— Ele fez manobras semelhantes esta manhã — disse Louisa. — Parece
que eu não posso estar bastante satisfeita com um marido envelhecido e que eu
devo estar procurando uma diversão.
A mão do conde se acalmou contra seu pescoço.
— É bastante cômico à luz da minha condição —, disse ela.
— Ninguém sabe disso exceto você e eu — e o médico —, ele disse. —
Vou ter uma palavra com ele, querida, não vai acontecer de novo, asseguro-lhe
que não vai acontecer de novo. Peço-lhe que me perdoe pelo que aconteceu na
minha própria casa enquanto está sob minha proteção.
Louisa levantou-se de repente e encarou-o, seu rosto apertado de emoção.
— Ela devia estar com David — disse ela — e Charles. É a eles que ela
pertence, e ela está-se afastando por eles, basta olhar para ela para ver isso.
Ele olhou mudo para ela.
— Você não pode fazer nada? — ela perguntou.
— Eu queria ser Deus para você —, disse ele. — Mas talvez seja melhor
eu não poder ser. Eu teria que escolher quais corações seriam quebrados.
Ela se casou com ele, minha querida. Casou-se por amor. E os votos
matrimoniais são para a vida toda.
Louisa suspirou e a tensão saiu de seu rosto. — Parece injusto, isso é tudo
—, disse ela. — A vida é injusta, e acredito que você faria um trabalho muito
melhor de ordená-lo do que Deus, William.
Ele riu e a puxou para seus braços. — Não permita que o vigário ouça você
pronunciar tais blasfêmias —, ele disse. — Eu vou ter uma palavra — mais do
que uma palavra — com Julian amanhã. Eu não vou ter você chateada,
especialmente neste momento em particular. Será para ser um menino ou uma
menina desta vez?
— Você quer um menino? — Ela perguntou, olhando para seu rosto. — Isso
importa para você?
— Nem um pouquinho — disse ele. — Eu amo meu filho e minha filha
igualmente. O gênero não tem importância.
— Mas eu gostaria de ter um filho — disse ela. — Não os afaste, William,
apesar do que eu disse, pelo menos aqui Rebecca nos tem.
— Sh —, ele disse. — Vou levá-la para a cama e quero que você durma.
Não se preocupe. Você me entende?
— Sim, meu senhor —, ela disse, seu rosto relaxando em um sorriso.
****
Rebecca e Julian ainda passavam boa parte do tempo juntos, mas não todo
tempo, como tinham feito durante a primeira semana. Eles ainda conversavam
e se tocavam, sorriam e beijavam. Mas a abertura total entre eles não estava
mais lá. Rebecca carregava com ela sempre a culpa de se reconhecer uma
pobre esposa.
Ela estava escondendo o que seu marido tinha mais direito, e o que ela
sabia que ele tanto precisava e queria. Às vezes, resolvia colocar o dever
diante de tudo, como costumava fazer, e convidá-lo para a cama. Mas ela não
conseguiu.
Não conseguia livrar-se do pensamento que estivera ali desde aquela
primeira noite. Seu corpo era de David. Ela sabia que não era assim.
E ela sabia que nunca mais poderia ser dele de novo. Mas não podia
oferecê-lo a nenhum outro homem, nem ao marido. O tempo viria ela supor,
quando teria que… Ela não podia reter seus favores de Julian para o resto de
suas vidas. Mas não podia contemplar aquela época. Ela não podia fazer nada
para apressá-lo.
A natureza alegre de Julian às vezes o abandonava. Ela entendeu a razão e
não o culpou. Seu coração lhe doía. Ela ainda o amava muito, tão
carinhosamente quanto sempre. O conhecimento disto era confuso.
Como poderia amá-lo e ainda — não? Ela perdoou-lhe seus lapsos de
raiva, rancor e frustração — eles não eram muitos ou sérios.
Às vezes, quando estavam se beijando, ele abria sua boca com a dele e
empurrava sua língua para dentro, algo que ele nunca tinha feito antes.
Era a forma como David a beijava, mas com Julian parecia de algum modo
insultante, como se ele o fizesse apenas para chocá-la. E, uma vez na
carruagem, abriu o casaco e a blusa dela e segurou seus ombros com as mãos,
girando-a para a luz da janela para que pudesse olhar para seus seios nus
acima de suas roupas. Novamente era algo que ele parecia estar fazendo para
causar choque mais do que por desejo sexual.
Ele a soltou depois de um tempo e a viu fechar seu botão e se apoiar com as
mãos que começaram a tremer.
Às vezes, ele a lembrava de sua infância e de algum mal ou crueldade por
que David fora punido. Quase como se quisesse puni-la com as memórias.
E, no entanto, eram coisas pequenas em comparação com a alegria de sua
maneira normal, o carinho e a ternura de seu tratamento habitual com ela. E ela
estava mais agradecida do que poderia dizer pela paciência que o mantinha
fora de seu quarto à noite. Ela queria mais do que qualquer coisa ser capaz de
lhe dar seu amor físico novamente. Se apenas a notícia correta tivesse saído da
Crimeia! Havia uma agonia inimaginável em saber que ele havia sido preso
quando tão gravemente ferido e em não ouvir nada dele ou sobre ele por tanto
tempo. Mas pelo menos seu coração teria permanecido inteiramente dele e
agora sua alegria teria sido pura. Não teria havido nenhum David. Nem
Charles.
Ela não podia imaginar um mundo sem Charles.
Ela não podia imaginar sua vida sem David. Não podia voltar no tempo e
vê-lo como o tinha visto antes do casamento.
Ela procurava sair sozinha sempre que podia. Às vezes, ela apenas andava
por milhas e milhas sem saber mais tarde onde ela estava. Às vezes ia ver
Flora Ellis.
Flora estava feliz. O Sr. Chambers, o cavalheiro que havia alugado a casa
de Horácio, já há algum tempo que fazia a corte a Flora, propusera-lhe
casamento no Natal. Eles iriam se casar no verão. Era bom ver sua amiga
feliz, Rebecca descobriu. Era bom ver que para algumas pessoas havia finais
felizes. O Sr. Chambers ao que parece, gostava de Richard e estava preparado
para adotá-lo como seu próprio filho.
Richard era um rapazinho brilhante e alegre com olhos cintilantes e um
sorriso doce e envolvente.
— Ele vai matar as meninas um dia com aquele sorriso e aqueles olhos —,
ela disse a Flora, rindo. — Ele vai ser um jovem bonito.
Doía-lhe ver o filho de David. Saber que tinha dois filhos, não apenas
Charles. Mas não via Charles em Richard, embora olhasse de perto
procurando por alguma semelhança. Richard tinha a cor do cabelo e a forma
do rosto de David. Charles tinha os olhos e a constituição de David, e também
algumas expressões faciais indefiníveis.
— Você perdeu peso — disse Flora um dia, quando estavam sentadas à
mesa da cozinha, bebendo chá.
— O sonho de toda mulher — disse Rebecca. — Tenho certeza de que
havia um peso a perder.
— Não. Disse Flora. — Você estava bem como você era. Você vai morar
em Craybourne permanentemente?
— Vamos viajar —, Rebecca disse, — assim que os negócios de Julian
estiverem resolvidos. Mal posso esperar, estou ansiando que estejamos em
nosso caminho.
— Você está? — Flora perguntou, olhando-a penetrantemente.
Flora era a única pessoa em quem Rebecca às vezes confiava.
Mesmo com Louisa ela não poderia falar a verdade de seu coração estes
dias.
Com Louisa parecia importante manter as aparências. Ela era, afinal,
casada com o pai de David e padrinho de Julian.
— Talvez tudo seja diferente quando estivermos longe daqui. — Rebecca
disse. — Talvez eu possa esquecer e concentrar todo o meu amor em Julian
novamente. Talvez possamos ser tão felizes como costumávamos ser. Eu amo
ele, você sabe. É só que, bem, David é difícil de esquecer. Nós dois temos que
viver com esse sentimento, não temos?
Flora parecia com os lábios apertados. — Não. — ela disse sem rodeios.
— Eu suponho que eu nunca vou entender o que havia entre você e David
—, Rebecca disse. — Não consigo imaginar que o tenha conhecido, como
você e eu o conhecemos e não... E não sentir a falta dele. Você não o amava
nem um pouco?
Ela lamentava ter feito a pergunta assim que ela estava fora de boca. Ela
não tinha certeza se queria que a resposta fosse sim.
— Ah, Rebecca. — Flora parecia exasperada. — Eu não suporto isso, foi
sempre difícil, agora é impossível, eu nunca admiti que lorde Tavistock fosse
o pai de Richard, você sabe, nunca.
— Mas ele é, — Rebecca disse, de olhos arregalados. — Richard se
parece com ele.
— Richard se parece comigo — disse Flora. — O cabelo escuro e o rosto
estreito vêm de mim.
Houve um breve silêncio. — Você está dizendo que David não é o pai?
—Rebecca perguntou.
Flora rodou a borra do chá em sua xícara. — Não estou dizendo nada. —
Ela disse. — E sinto muito pela explosão, disse ao meu noivo a verdade, não
contarei a ninguém mais.
— Perdoe-me — disse Rebecca. — Não era da minha conta.
Flora respirou fundo, como se quisesse dizer mais, mas deu de ombros e
colocou a xícara no chão. — Você quer ouvir sobre o meu enxoval? — ela
perguntou.
— Bruce está insistindo que eu tenha um e que ele vai pagar por isso. Não
sou a mulher mais sortuda do mundo?
Rebecca sorriu. — Diga-me sobre isso — disse ela — até o último enfeite
e laço.
Richard Ellis não era filho de David, ela pensou enquanto admirava
padrões e esboços, e pequenos restos de materiais e rendas. Flora lhe dissera
isso tão claramente como se ela o tivesse posto em palavras. Ele não era filho
de David.
O alívio era enorme. Ela queria rir de alegria. Ele não era de David. David
não tinha feito aquela coisa terrível.
Mas havia perplexidade também. Por que Flora deixara que ela acreditasse
por tanto tempo que era de David? Por que David não o negou? Por que ele
dissera que ele e seu pai estavam apoiando Flora? E isso era sem dúvida,
verdade. Por que a apoiariam se seu filho não fosse de David?
Charles tinha o cabelo dourado e os olhos azuis de David. Richard tinha os
cabelos escuros de Flora e os olhos cinzentos. Os de Flora eram escuros.
Charles tinha algumas das expressões faciais de David. Richard tinha aquele
sorriso aberto e o início de um encanto que iria colocar muitos corações
femininos a vibrar quando ele fosse mais velho.
Rebecca concentrou-se no que Flora estava dizendo. Foi só depois, quando
ela estava caminhando para casa, que os pensamentos retornaram. Se Richard
não era filho de David, de quem ele era? Do conde? A ideia era absurda. Mas
fazia sentido que apoiassem Flora apenas se David ou o conde fossem o pai.
Ou,. . .
Seus passos se aceleraram. Essa ideia era tão absurda. Richard foi
concebido poucos meses antes de seu casamento. Ela e Julian haviam sido
apaixonados. Richard tinha nascido cerca de seis meses após seu casamento e
logo após seu primeiro aborto.
Não, a ideia era absurda. E, no entanto, provocou uma onda de tontura e
náusea que quase a forçou a sentar-se na grama úmida por alguns momentos.
Permaneceu de pé, em vez disso, com a cabeça pendurada, enquanto ela
respirava profundamente, ela conseguiu manter-se firme o suficiente para
prosseguir.
****
Flora Ellis, tinha acompanhado Rebecca, mas ainda estava na porta de sua
casa olhando para ela por muitos minutos depois que ela tinha desaparecido
de vista. Flora tinha prometido nunca contar. Ela tinha quebrado a promessa ao
dizer a Bruce, claro. Ela havia oferecido a informação antes que ele tivesse
pedido. Mas a ninguém mais. Ela tinha acabado de estar perigosamente perto
de dizer à pessoa para quem era mais importante reter a informação.
Mas Rebecca deveria saber.
A mandíbula de Flora endureceu-se em repentina raiva. Pensar que ele tinha
voltado. Naquela mesma manhã. Sorrindo, encantador e bonito como sempre e
agitando seu estômago para como se ela não soubesse o que ele era e como se
ela nunca se tivesse encontrado e amadurecido para amar Bruce. Mas então
Julian sempre teve esse efeito sobre ela.
Sem uma palavra de desculpas pelo passado, sem uma palavra de
indagação sobre seu filho — Richard estava andando com Bruce. Ele a
abraçara e beijara e deixara bem claro que ele estava pronto para continuar de
onde tinham parado — e começou — apenas alguns meses antes de seu
casamento com Rebecca.
Ela ficou envergonhada, profundamente envergonhada, ao perceber que, por
um breve instante, tinha sido presa do antigo amor por ele. Mas o amor não
podia prosperar onde havia desprezo. E ela sentiu principalmente desprezo
por Julian Cardwell desde que ele tinha quebrado sua promessa de terminar
seu noivado com Rebecca e se casar com ela.
Pobre Rebecca. Flora quase a odiara naquele momento. E ela tinha chorado
sua perda por muitos e longos meses, enquanto ela carregava seu filho. Mas
como ela tinha sido afortunada. Ela podia ver isso agora com muita clareza.
Que grande sorte ela teve.
Pobre Rebecca.
****
A carta semanal tinha vindo da babá de Charles. Rebecca sempre as lera
sozinha desde aquela primeira que tinha lido com Julian sentado ao lado dela.
Subiu para o seu salão para ler, embora soubesse que seria curta e
insatisfatória como todas as outras.
Ele tinha tido sarampo. Ele estava recuperado agora, mas tinha sido uma
luta desagradável. O médico vinha diariamente e ordenou que ele
permanecesse em silêncio num quarto escuro. Estava muito doente quando a
última carta tinha sido escrita, mas ela não queria preocupar Lady Cardwell,
por isso se manteve calada sobre a doença até que ele estava em recuperação.
Não havia mais nada para se preocupar.
Rebecca deixou cair a carta no seu colo. Quantas outras coisas lhe haviam
sido escondidas — para que ela não se preocupasse? Charles estava muito
doente em uma sala escura em Stedwell, visitado diariamente pelo médico.
Ela olhou para trás o que ela tinha feito uma semana antes e durante os dias
antes e depois. Durante todo esse tempo, Charles estava deitado doente.
Talvez estivesse chorando por sua mãe.
Ou talvez já a tivesse esquecido. As crianças pequenas esquecem tão cedo?
Não houve uma única menção de David. Nunca houve.
Quase como se ele não estivesse lá. E talvez ele não estivesse. Talvez ele
tivesse ido embora, talvez para Londres. Nunca houve menção dele em relação
a Charles. Ele passava tempo com ele agora, como sempre fazia? Ele brincava
com ele? Ele o levava para fora? Teria ficado preocupado durante a doença de
Charles? Ele o tinha segurado? Acalmou-o para dormir? Ele estava lá?
Quando uma batida soou em sua porta, ela queria dizer a quem quer que
fosse para ir embora. Mas havia muita dor em seu peito. A porta se abriu e
fechou novamente.
— Más notícias? — A voz de Julian quebrou o silêncio. Ele estava parado
atrás dela.
Ela estendeu as mãos sobre o rosto e fez o que raramente fazia. Ela perdeu
o controle. Ela chorou, e chorou até… Ela pensou que seu coração iria
quebrar. Até que ela desejava poder morrer.
— Becka. — Ele estava deitado sobre a barriga na frente dela,
massageando seus ombros com suas mãos. Ela se inclinou para frente para
descansar sua testa em seu ombro e chorou.
— Ch… Charles teve sarampo, — ela lamentou, — e eles não me d
—disseram, ele poderia ter morrido e eu nem teria estado lá. — Eu nem ssei
se D… David estava lá.
— Sh. — Seus braços estavam sobre ela, quentes e reconfortante. — Ele
não morreu, não é, Becka? E ele está melhor agora, você não tem mais nada
com que se preocupar, não é melhor não saber até que tudo acabe?
Ela procurou um lenço, afastou-se dele, secou os olhos e assoou o nariz. —
O que o Pai queria esta manhã? — Ela perguntou. — Ele manteve você por
muito tempo.
— Oh, nada de mais — ele disse vagamente. — Ele me lembrou que
mesmo antes de tudo estar resolvido, tenho o dinheiro do exército, e a
primavera é o melhor momento para começar as viagens, ele disse, com todo o
verão à frente. Acho que ele pensou que seria melhor para você se eu a tirasse
daqui em breve. Novos cenários e novas pessoas e tudo isso.
— Podemos ir logo? — Ela perguntou. — Por favor, Julian, não posso
suportar ficar aqui por mais tempo, quero ficar longe de todas as lembranças,
quero ficar sozinha com você, quero te amar de novo.
Ela ouviu o eco da última frase, mas não conseguiu se lembrar.
Ele se levantou e apoiou uma mão em sua cabeça.
— Gostaria que tudo isso não tivesse acontecido — disse ela, cansada. —
Gostaria que você não se tivesse juntado aos guardas, Julian, só porque David
o fez. Eu gostaria que não tivesse havido aquela guerra terrível e essa
confusão na Crimeia.
Eu não consigo entender como eles poderiam ter pensado que eles tinham
enterrado você, quando você ainda estava vivo. Desejaria… Queria que
David não tivesse voltado para casa.
Oh, isto não é bom, não é? Aconteceu. Mas tudo ficará bem de novo. Uma
vez que estejamos longe daqui será como costumava ser. Não é?
Ele pressionou a mão um pouco mais forte em sua cabeça. — Eu vou
começar a fazer os arranjos —, disse ele.
****
David reconheceu a letra embora não a tivesse visto por vários anos. Abriu
a carta com alguma relutância. Contanto que não houvesse nenhum contato que
pudesse viver de algum modo de dia para dia. Ele nem mesmo escreveria ao
pai. Pedira ao pai que não lhe escrevesse.
Ele estava-se mantendo o mais ocupado possível. A construção tinha
acabado de começar em mais três casas de trabalhadores, e ele passava algum
tempo todos os dias no local, muitas vezes ajudando com o trabalho. Ele havia
planejado a agricultura do ano com seu mordomo. Ele estava considerando o
pedido do professor de uma nova escola.
Seus vizinhos ficaram chocados com a notícia que ele havia trazido de
Craybourne. Durante vários dias, até o deixaram sozinho, envergonhados
talvez de visitá-lo, sem saber o que diriam quando o fizessem. Mas depois da
igreja no domingo ele se forçou a ficar e falar, com Charles em seus braços.
Embora não tivesse vontade de retomar a carreira social, ele o fez. Nada
iria mudar, disse a si mesmo. Ele era solteiro novamente. Sozinho de novo. Ele
não se tornaria um eremita, tanto quanto ele gostaria de fazê-lo. Ele tinha uma
criança a considerar. Seu filho precisaria de amigos e vizinhos.
Os Sharps, ele percebeu depois de mais algumas semanas, estavam
visitando-o e convidando-o para sair mais do que qualquer um de seus outros
vizinhos. E Stephanie Sharp, que ainda estava solteira apesar de uma
temporada em Londres e apesar da beleza considerável, era geralmente
emparelhada com ele. Sentiu-se enjoado no início quando compreendeu o que
estava acontecendo. Mas porque não? Ele pensou de novo. Ele estava
precisando de uma esposa, não estava? Charles precisava de uma mãe.
Só que Charles tinha uma mãe e ele tinha uma esposa.
Ele passou pelos movimentos de viver muito como antes. Era uma vida que
talvez pudesse continuar vivendo desde que não houvesse contato. Mas agora
uma carta tinha chegado.
Era uma carta curta. — Becka está chorando por causa da criança —,
escreveu Julian. — Acho melhor mandá-lo para uma visita, David… Melhor
ainda, traga-o você mesmo, acho que há um negócio sem solução entre nós três
que precisa ser resolvido antes de eu levá-la por um ano ou dois. Ela precisa
ver a criança primeiro.
Estava ansiosa por Charles. Não por ele. Por Charles. Mas a mágoa que
sentia era ridícula e auto piedosa. É claro que ela estava ansiando por seu
filho. Lembrou-se de quanto o desejara, quão pacientemente tinha levado
aquele mês na cama, quão frenética ela tinha estado quando pensava que o
estava perdendo, quão extasiada e feliz tinha estado quando ele nasceu. E
como era uma mãe apaixonada que ela tinha sido durante os oito meses antes
de Julian chegar em casa.
Talvez ela tivesse outro filho em breve. Inconscientemente, amassou a carta
em uma bola apertada em sua mão. Ele teria de aconselhar Julian a mantê-la
muito quieta durante os primeiros e os últimos meses. E a mantê-la na cama
durante o quarto mês. Deus! Ele fechou os olhos muito fortemente.
Ele estava a caminho do berçário alguns minutos depois — ele já estava a
caminho de lá para levar Charles para a dose de ar fresco da manhã, montando
em seus ombros. Antes de partir, deu instruções à babá de seu filho para fazer
uma mala para si e para Charles por uma semana ou mais em Craybourne.
Estariam partindo no trem da tarde de amanhã.
Ele iria também, decidiu depois. Ele não queria que Charles fosse sozinho
apenas com os servos para cuidar dele durante a viagem.
Além disso. . .
Além disso, ele estava faminto por notícias dela. Por uma visão dela. Ele
não tinha sequer sabido disso até que a carta de Julian chegou dizendo que ela
ainda estava em Crayboume.
Capítulo 25
Havia narcisos selvagens crescendo ao redor do lago. Rebecca passeou lá
com Julian durante a tarde de um belo dia no início de março. Lembrou-se de
outro passeio que ela fizera ali, com o conde, Louisa e David. Ele havia
proposto casamento para ela lá pela segunda vez. Parecia tanto tempo.
— Estou feliz que a primavera já esteja aqui —, disse ela. Estou feliz que o
verão esteja chegando.
A tristeza do inverno está finalmente atrás de nós.
— Você devia viver um inverno na Rússia —, disse Julian com uma risada.
Ela segurou mais firmemente em seu braço e descansou sua cabeça contra
seu ombro por alguns momentos. — Gostaria de ter vivido um com você lá —
disse ela. — Quem me dera que você pudesse me levar, Julian, eles nem
sequer permitiram que você escrevesse?
— Havia uma guerra, Becka — disse ele. — Ou então eu pensei que
houvesse.
Ela tentou ver e sentir apenas os sinais da primavera ao seu redor — o céu
azul, a água, o calor do sol, o verde fresco da grama, o amarelo alegre dos
narcisos. Ela tentou deixar tudo aliviar sua dor e curá-la. Mais do que
qualquer coisa, ela queria voltar para a felicidade desses dois bons anos que
ela teve com Julian.
Exceto que não havia felicidade real. Tinha havido os abortos espantosos, a
natureza instável de suas vidas, seu tédio quando Julian não estava com ela.
Tinha havido as intimidades, que ela nunca tinha aprendido a desfrutar.
Mas ela escolheu olhar para trás naqueles anos como felizes, ela decidiu.
Ela estava com muito medo de vê-los como realmente haviam sido — embora
o fizesse mesmo enquanto dizia a si mesma que não o faria. Ela tinha sido uma
menina apaixonada por um menino. As realidades da vida haviam começado a
incomodá-la, mas, tão jovem como tinha sido, ignorara-as e se tinha
convencido de que tudo era felicidade. Não fora o amor de uma mulher por um
homem que ela experimentara. Talvez isso tivesse chegado. Talvez se não
tivesse havido a longa separação, e se não houvesse sido David, eles teriam
crescido juntos e o vínculo de seu amor teria se aprofundado.
Mas houve a separação. E havia David. Ela cresceu com David. Ela tinha
aprendido com ele o que deveria ter aprendido com Julian. E agora talvez
fosse tarde demais para mudar as coisas para o que poderiam ter sido, e
deveriam ter sido.
Ela desejou que fosse possível. Ela esperava que ainda fosse.
— Julian? — Ela disse, e ela sabia, mesmo enquanto falava, que talvez ela
estivesse começando algo que ela não seria capaz de parar, que talvez ela
estivesse prestes a destruir algo que já estava meio quebrado e com
necessidade de remendar.
— Mm? — Ele alisou sua mão sobre a dela enquanto ela estava em seu
braço.
— O filho de Flora Ellis, Richard — disse ela. — Ele não é de David.
Sua mão parou por um momento e depois continuou acariciando. — Ela te
contou isso? — Ele disse.
— Mais ou menos — ela disse. — Ela não disse diretamente, mas eu
entendi.
— Ah — disse ele. — Bem, isso é uma boa notícia para você, não é,
Becka? Ouvi dizer que ela vai se casar em breve?
— Com o Sr. Chambers — disse ela. — Ele alugou a casa de Horace.
David e o Pai têm apoiado Flora desde antes de Richard nascer, Julian.
— Eles têm? — ele disse.
— Sim. — Ela não diria mais nada. Talvez não fosse tarde demais para
ficar quieta. Talvez, afinal de contas, não tivesse começado nada nem
destruído nada. Ela tentou pensar em outro tópico de conversa que colocaria
este fora de sua mente.
— Eu suponho que você sabe Becka, não é? — Ele perguntou calmamente.
— Eu acho.
— Sim — disse ela.
— Aconteceu em um momento de paixão irrefletida —, disse ele. — Eu
tive que esperar outros meses sem fim por você e ela estava lá. Ela disse que
me amava. Ela disse que ela sempre me tinha amado. Isso não significou nada,
Becka. Juro que não significou nada.
— Não significou nada? — Ela disse. — E, no entanto, Flora estava
arruinada e desprezada pelo pai, que tinha vergonha dela. Ela teve de criar
sozinha o seu filho. Richard nasceu um bastardo. E se ela quisesse dizer o que
ela disse, ela teve que lutar também com um coração partido. Mas não
significava nada? Flora sempre foi uma boa menina. Prometeu casamento a
ela, Julian?
— Quem sabe o que se promete nessas ocasiões? — ele disse. — Mas eu
estava noivo de você, o casamento estava planejado, eu te amava, ela sabia
todas essas coisas.
— Ela sabia que você prometeu casamento somente para que ela se
entregasse a você —, disse ela. — E não significava nada.
— Juro que não, Becka — disse ele. — Ela não sofreu, não é? Ela foi bem
cuidada, e agora este Chambers vai-se casar com ela. Ele deve estar bem
preparado se pode pagar a casa do seu irmão.
Não havia nada a dizer. Não havia nenhum ponto agora, nesta data, para
uma raiva e indignação atrasada. Não fazia sentido expressar horror à
insensibilidade de sua atitude atual. Agora, afinal, ele estava tentando se
defender dela o melhor que pôde. Talvez no momento em ele sofreu. Talvez ele
tivesse conhecido dores terríveis de consciência. Meu Deus, seu filho tinha
nascido depois que sua esposa tinha abortado.
— Foi há muito tempo, Becka — disse ele. — E foi antes de nosso
casamento. Você não vai ficar chateada com isso agora, vai?
— David deve ter concordado em assumir a culpa —, disse ela. — Ele não
fez nada para parar os rumores, mesmo quando eu o acusava depois que ele
voltou da Crimeia, ele não negou. — Por que ele concordou com uma coisa
dessas?
— Hábito, eu suponho —, disse ele. — David sempre foi um bom tipo para
isto.
— Um bom tipo? — Ela disse. — De que maneira?
Ele encolheu os ombros. — Ele poderia ter-me odiado —, disse ele, — ele
tinha ciúmes de mim. Ele tinha toda a atenção do Pai, afinal, até que ele tinha
sete anos ou mais. Ele poderia ter-me visto como um intruso, especialmente
quando o pai deixou claro que ele ia-me tratar como um filho, mas ele não me
tratava como um irmão e sempre tentava se certificar de que eu não recebia
tratamento mais severo do que ele, só porque eu realmente não era filho do
Pai. Acho que ele às vezes ficava com medo que eu fosse ser mandado
embora.
— Como ele se certificava? — Ela estava quase segurando a respiração,
ela percebeu.
— Eu era um rapaz travesso — disse ele. — Se David achasse que eu tinha
feito algo pior do que o normal, ele às vezes dizia a papai que ele tinha feito
isso. — Pobre Dave. O pai tinha uma mão pesada e a bengala nos anos
seguintes não era mais leve. Usava a bengala quando pensava que tínhamos
merecido.
— Você deixou David levar a culpa por coisas que você tinha feito? — Ela
perguntou com os olhos arregalados. — Você o deixou ser castigado em seu
lugar?
Ele sorriu. — Ele queria fazer isso —, disse ele. — David sempre foi mais
forte do que eu. Eu costumava chiar com o pensamento da bengala.
Dave nunca soltou um som.
— E ainda assim — disse ela — você nunca parou de fazer as coisas por
que David seria punido.
— Oh, Beck — ele disse, rindo e dando tapinhas em sua mão de novo —,
nós éramos apenas crianças, as crianças se metem em problemas.
— O pai sempre foi um homem severo — disse ela. — Mas ele nunca foi
cruel. Ele teria usado uma bengala apenas por transgressões que ele achava
particularmente graves. Esse incidente com as filhas do jardineiro sendo
trancadas em um galpão quente por horas a fio…
— Eu esqueci tudo sobre elas. — Ele riu. — Elas foram quase torradas
vivas, não foram?
— E os gatinhos tirados de sua mãe…
— Eu queria levá-los de volta —, disse ele. — Eu esqueci, eu tinha uma
memória lamentável naqueles dias. Nenhum deles morreu como aconteceu,
embora um tenha chegado perto, não foi? Ned teve que alimentá-lo à mão por
dias até que ele poderia voltar para a mãe gata. Eu era uma criança miserável,
não era?
— Eu era uma garota muito afetada e puritana —, disse ela. — Eu cresci
desgostando de David calorosamente por causa de tais incidentes.
— Pobre Dave — disse ele. — Acho que ele gostava de você, mas você
não teria nada a ver com ele.
E ela tinha sonhado com David, exceto que sua consciência e sua educação
moral a forçaram a repudiar a atração que sentira. Ele não tinha sido digno de
seu respeito, ela dizia a si mesma. E assim ela havia transferido seu amor para
Julian e longe do homem que seus pais e os dele haviam escolhido para ela.
Ela se casou com Julian quando poderia ter-se casado com David.
— E assim —, ela disse, — ele fez isso mais uma vez quando Flora estava
com um filho, ele tomou a culpa, ele ainda estava com medo de que o pai te
desprezasse?
— Não. — Disse ele. — Devo admitir fui eu que implorei e me enrolei
naquela ocasião, Becka, eu tinha medo de que você ficasse chateada se você
soubesse… Eu te amava demais para te ver chateada… E teria havido um
terrível escândalo se você tivesse sentido necessário cancelar o casamento.
Você teria sofrido demais.
— Você não acha que eu tinha o direito de saber? — ela perguntou. — Um
direito de decidir se ainda queria me casar com você?
— Então seu amor não teria sido uma coisa muito forte, Becka —, disse
ele, — Se você me tivesse abandonado por uma transgressão.
— David não pensou que eu tinha o direito de saber? — Ela perguntou. —
E o pai?
— Oh, Senhor —, disse ele, — O pai não sabe, teria sido um inferno se
tivesse descoberto.
— Assim mesmo, o pai de David o considerou culpado dessa vilania —,
disse ela. — Pobre David. Deve ter sido difícil reprimir o desejo de se
justificar apenas para que eu não ficasse chateada. Prometeu-lhe que nunca
mais isso aconteceria?
— Foi uma promessa fácil de fazer, Becka — disse ele. — Acredite em
mim, foi fácil.
— E você a manteve? Ela perguntou.
— É claro que eu a guardei —, ele disse, apertando sua mão. — Claro que
eu tenho mantido Becka, como poderia haver alguém além de você? Eu te amo.
Eles tinham chegado ao fim do lago onde os juncos cresceram para fora da
água. Eles estavam piores este ano. Parecia mais pântano que lago. Mas ainda
tinha a beleza selvagem que Louisa tinha admirado.
Era uma coisa difícil, pensou Rebecca, ajustar a mente a alguém que caiu
de um pedestal. Ela sempre pensou que Julian fosse quase perfeito. O garoto
encantador e alegre de sua juventude fora seu ídolo. Ele parecia digno de seu
amor, e assim, como a menina sensata que era, ela se apaixonara por ele.
Profundamente. Ela não tinha sido capaz de fazer nada por metade, como uma
menina — talvez ainda não pudesse. Ela foi totalmente envolvida em seu amor
por Julian.
No entanto, todo o tempo ele era o único que tinha cometido todas aquelas
crueldades ocasionais. E foi ele quem acabou cometendo esse maldito erro
contra Flora. Richard era filho de Julian. Todas aquelas vezes que ela chorara,
porque parecia que não podia dar-lhe um filho, ele tinha tido um filho vivendo
em uma casa de campo no terreno de Craybourne. Um filho concebido poucos
meses antes de seu casamento. Mesmo enquanto a cerimônia de casamento
estava sendo realizada, Flora estava grávida.
Ele tinha conseguido que Flora se deitasse com ele, prometendo que se
casaria com ela.
Sem dúvida, dizendo-lhe também que ele a amava. Ela não acreditava que
Flora teria feito isso com ele se não estivesse convencida de que ele lhe
amasse também.
Afinal, Julian foi um morto muito falho. Ele não era um herói brilhante.
O coração de Rebecca estava pesado.
No entanto, acreditando que David era culpado de todas essas coisas, ela o
amara. Ela tinha chegado a amá-lo apesar de vilanias muito piores. David
tinha tido um caso com uma mulher casada na Crimeia e depois atirou em
Julian, que tentara intervir no confronto inevitável com o marido ferido. Ela o
tinha amado apesar de tudo isso e mais o fato de que ela tinha acreditado que
ele tinha realmente matado Julian.
Muito bem então, não havia razão para que seu amor por Julian morresse.
Ele tinha sido um garoto travesso, irrefletido e às vezes até cruel. Ele havia
arruinado e abandonado Flora, algo que sem dúvida ele sofreu em sua
consciência nos anos que se seguiram. Quem era ela para julgar? E Flora
provavelmente não tinha sido inteiramente irrepreensível. Era muito
improvável que o que acontecera com ela tivesse sido um estupro.
Não havia razão para odiar e desprezar Julian. Ela o amava totalmente. Ela
o tinha amado como uma menina ama. E ela tinha se casado com ele. Ela ainda
o amava. Havia uma profunda ternura em seus sentimentos por ele. Se ela
lutasse muito, como deveria, talvez seu amor se aprofundasse e se alargasse
novamente. Talvez ela viesse a amá-lo como uma mulher ama. Como ela
amava David. Não, nunca isso, ela percebeu tão logo o pensamento veio.
David certa vez assegurou-lhe que a afeição era suficiente, que eles
poderiam fazer um casamento viável se pudessem sentir afeto um pelo outro.
Bem, então, ela sentia uma abundância de afeição por Julian.
Mesmo que nunca houvesse outra coisa, havia isso. Ela faria o suficiente.
Ela teria que fazer o suficiente.
— Você está aborrecida comigo, Becka? — Julian perguntou depois que o
silêncio se esticou. — Você me odeia?
— Não, claro que não. — Disse ela. — Oh, é claro que não, Julian, nós
todos cometemos erros, todos fazemos coisas pelas quais desesperadamente
sentimos depois, e às vezes parece que essas coisas simplesmente não podem
ser corrigidas, mas temos que continuar. Há muito do que eu poderia me
acusar.
— Você, Becka? Ele disse. — Você é um anjo. — Inclinou a cabeça para
beijá-la brevemente nos lábios.
No entanto, ela pensou, ela estava mesmo cometendo um dos maiores
pecados de todos. Ela amava um homem que não era seu marido. Mas ela
lutaria contra isso. Durante o resto de sua vida ela lutaria. Ela iria amar Julian
novamente com todo o seu coração e logo ela iria ser uma esposa adequada
para ele novamente. Ela se forçaria, deixando o dever ser sua armadura. Ela
se forçara durante aqueles dois anos.
Talvez de alguma maneira estranha seria mais fácil saber o que ela agora
sabia sobre ele. Ele era apenas um ser humano comum e errado.
Ela sorriu para ele. — Você não estaria predisposto, por acaso? Ela
perguntou.
— Culpado como acusado —, ele disse, puxando-a para seus braços para
que ele pudesse beijá-la adequadamente. — Meu querido anjo, minha querida.
Ela se perguntou como ela conseguiu relaxar com seu beijo, e se ele já tinha
visto seu filho. Ou se ele se importava. Mas ela não faria as perguntas. Ou
pensaria nelas por mais tempo. Havia toda a primavera para ser apreciada. E
o amor de Julian.
****
O conde e Louisa estavam no corredor quando David chegou com seu filho.
Ninguém mais. Respirou um suspiro de alívio quando Louisa o abraçou e
beijou sua bochecha e seu pai apertou sua mão, apertando-a com força e
olhando para ele de cima a baixo enquanto fazia isso.
Mas Charles, nos braços de sua babá, cansado e destemido, como
costumava acontecer quando algo acontecia para destruir a rotina de seu
cochilo da tarde, não teria beijos de Louisa e então se opôs alto enquanto sua
babá o levava até o berçário.
Charles queria seu pai e ele iria deixar todo mundo ao alcance de sua voz
saber disso.
David tomou-o e acenou com a cabeça para a enfermeira para que ela
soubesse que ele iria levar a criança em pouco tempo. Louisa tentou sorrir
para ele enquanto David e seu pai trocavam notícias.
— Julian me disse que estava mandando chamar o bebê — disse o conde.
— Eu aprovei, ela precisa dele muito, David.
— Mas Rebecca não sabe — acrescentou Louisa. — Julian estava com
muito medo de que você não estivesse disposto a Charles vir e ela ficaria
desapontada.
— Não querer que sua própria mãe o veja? — David disse.
— Não puxe os cabelos do papai, querido.
— Estão caminhando — disse Louisa. — Eu acho que eles estavam indo
para o lago.
— Ótimo — disse David. Charles pode ter sua sesta antes que ela volte.
Ele está de mau humor. Você não é uma criança levada? O cabelo dói
quando é puxado, você sabe. — Ele queria fazer sua fuga para o andar de
cima. Foi um erro vir, ele percebeu agora que ele estava aqui. Ele realmente
não queria vê-la. Pode não servir a nenhum propósito, vê-la e só esfregar sal
novamente nas feridas que mal haviam começado a curar. — Eu vou levá-lo.
Mas ele quase não se virou para a escada antes das portas da frente se
abrirem atrás dele. Ele olhou para trás.
— Olá, David, — Julian disse alegremente. — Você veio, então, e trouxe a
criança, foi muita bondade sua. David trouxe seu filho, querida, como uma
surpresa. — Ele riu.
Apenas seu coração a reconheceu. Mesmo com a saia cheia de seu vestido
e do corpete jaqueta, ela parecia magra. Seu rosto estava magro e incolor.
Pálido mesmo. Seus olhos tinham manchas escuras embaixo. Seu cabelo tinha
perdido o brilho. Ela estava absolutamente parada, seus olhos passando por
ele e se concentrando em Charles, que estava agarrando seu pescoço e olhando
para o outro lado.
— Oh, — ela disse.
Era apenas um sopro de som, mas Charles virou a cabeça bruscamente.
E então estendeu os braços para ela, quase fazendo com que David o
largasse, e soltou um lamentável lamento. David se apressou em direção a ela.
Ela ficou parada onde ela estava, mas seus olhos estavam enormes e
brilhantes com lágrimas no momento em que David se aproximou, e seus
braços se estenderam. Ele estendeu seu filho e seus braços se fecharam sobre
ele e Charles agarrou seu pescoço, mesmo quando seus olhos se fecharam e
sua boca se abriu em um grito silencioso de agonia.
David recuou quando seu filho chorou e se agarrou à mãe que ele não tinha
visto em mais de um mês e como ela o segurou em um êxtase de dor.
E então ela virou bruscamente e correu pelo corredor à sua esquerda.
— Abra a porta — disse o conde a um criado que estava ali.
Ela desapareceu em um salão e o criado fechou a porta atrás dela.
— Eu disse que ela precisava dele, David —, disse Julian por trás dele. —
Você pode ver isso por si mesmo, não é verdade? As mulheres são assim com
seus filhos, não são? Isso vem de levá-los dentro delas por nove meses, eu
acho. Ela vai ficar melhor depois de um dia ou dois com ele.
Ele devia virar e cumprimentar Julian. Dizer algo agradável para ele.
Afinal, Julian era culpado apenas de ter sobrevivido a uma bala que deveria
tê-lo matado. Era irracional e injusto ressentir-se dele, odiá-lo.
— Quando foi a última vez que ela teve uma refeição decente ou uma boa
noite de sono? — ele perguntou. Sua voz soou fria, acusando. — Você não
pode cuidar dela melhor do que isso, Julian?
— Ela está perdendo o filho —, disse Julian. — Tenho feito o meu melhor,
Dave, mandei chamá-lo.
David virou-se e estendeu a mão. — Desculpe — disse ele. — Sim, sim,
Julian, obrigado, Charles também está precisando dela, mas isso está se
tornando um regresso difícil para você, não é?
Julian apertou a mão e disse algo cujo sentido David nem sequer
compreendia. Tudo o que ele podia pensar era que a mão que agora sacudia a
sua, tocou em Rebecca à noite. Tocou a sua esposa. O ódio comprimia sua
respiração.
E, no entanto, ela parecia suficientemente desgrenhada para estar quase
irreconhecível.
Abatida só porque ela sentiu falta de Charles? Essa tristeza deveria ter sido
contrabalançada com o êxtase pelo retorno de seu amor. Por que não foi?
O que estava errado?
— É melhor eu ir até lá e dizer à enfermeira que Rebecca tem Charles e o
trará mais tarde — disse ele, virando-se abruptamente e andando em direção
às escadas.
— Venha para a sala de visitas para tomar chá assim que tiver feito isso —.
Louisa disse atrás dele.
****
Ele estava macio e quente e cheirava a pó e sabão. Ele certamente estava
maior e mais pesado, embora talvez fosse apenas sua imaginação. Ele não
poderia ter crescido muito em um mês. Ele tinha dado um aperto de morte em
seu pescoço e não mostrava sinais de parar de chorar.
Ela não acreditava ter-se sentido mais feliz em sua vida. Havia também a
miséria, ela sabia, apenas além dos limites da felicidade, mas ela não
permitiria. A vida tinha tão poucos momentos de felicidade.
A experiência ensinou-lhe que cada um devia ser agarrado e aceito com
gratidão. Ela segurou fortemente seu momento de felicidade.
— Sh, querido, — ela cantou para seu filho. — Mamãe te segura, ninguém
vai te levar, só você e mamãe, querido.
Ela balançou-o, falou-lhe suavemente, esfregou sua bochecha sobre seu
cabelo macio, e ouviu como o lamento deu lugar a soluços sonolentos com
silêncios entre eles. Ele acomodou sua bochecha mais confortavelmente em
seu ombro. Logo o silêncio prolongado e o maior calor de seu corpo lhe
disseram que ele dormia. Ela continuou balançando-o.
Havia um xale esquecido de Louisa jogado sobre o encosto de uma cadeira.
Rebecca apanhou-o, sentou-se lentamente sobre uma poltrona confortável e
sentou-se para trás, o filho abraçado contra ela. Cobriu-o com o xale e
entregou-se à alegria de segurar seu filho adormecido. Ela sempre o tinha
posto no colo logo depois de ter adormecido. Havia alguma teoria de que
estragaria uma criança a ser colocado no colo demais. Mas nesse momento
não se importava com as teorias. Ficaria sentada aqui pelo tempo que ele
quisesse dormir. Ela seguraria seu pequeno pedaço de felicidade o máximo
que pudesse.
Sua boca tinha caído aberta. Ela podia ouvi-lo respirar profundamente e
uniformemente.
Louisa caminhou na ponta dos pés em cerca de meia hora mais tarde e
colocou uma xícara de chá e um pedaço de bolo no cotovelo de Rebecca. Ela
sorriu embora ela não dissesse nada, e ela se inclinou impulsivamente para
beijar Rebecca na testa.
Rebecca inclinou a cabeça para trás quando ficou sozinha de novo e fechou
os olhos. Ele tinha perdido peso. Seu rosto parecia magro e áspero, seus olhos
sombrios. Ele parecia muito como ele tinha estado quando ele chegou em casa
da Crimeia. Estava sofrendo. Talvez tivesse sido apenas um casamento de
afeto, mas tinha sido importante para ele. Ele estava sofrendo.
Ela nem sequer tinha percebido que o tinha olhado tão de perto até vê-lo
agora, atrás de suas pálpebras, segurando Charles, aproximando-se dela,
colocando seu filho em seus braços.
Ele estava sofrendo.
Pobre David. Ah, pobre David. Talvez ele tivesse sido a causa de tudo isso
— sua própria miséria, de Julian, a sua própria — mas ele estava sofrendo
muito pelos seus pecados. Ele estava pagando demasiado caro.
Capítulo 26
Ele não iria ficar, David decidiu durante a noite. Ele voltaria para buscar
Charles depois de uma semana ou possivelmente duas. Seu pai lhe dissera que
estava encorajando Julian a levar Rebecca o mais rápido possível. Certamente
eles estariam saindo dentro de uma semana ou duas. Ela devia ficar com
Charles até lá, duro seria ele ter que ficar sem ele próprio.
Ela passara o resto do dia com seu filho. Ela se sentara no salão enquanto
ele dormia, mantendo-o em seus braços, de acordo com Louisa, e então o
levara para o berçário, onde ela tinha brincado com ele, alimentando-o e,
eventualmente, balançou-o para dormir durante a noite. David não tinha ido até
lá.
Ele foi lá pela manhã. Cedo o bastante para ver Charles antes que ela
viesse, ele esperava. Mas lá estava ela no meio do quarto do berçário, deitada
de costas, com Katie sentada em seu estômago e Charles rastejando sobre sua
cabeça e jogando-se em seu rosto.
Ela estava inusitadamente desgrenhada. E ela estava rindo.
David ficou de pé na porta, observando, durante um ou dois minutos antes
de seu filho percebê-lo e vir rastejando em direção a ele. Ela se levantou, pôs
Katie de pé e pegou a sua mão, escovando a saia cheia de seu vestido e
tentando verificar seus cabelos ao mesmo tempo. Seu rosto tinha muito mais
cor do que no dia anterior. Ela não olhou para ele.
David pegou seu filho, que brincou brevemente com a corrente de seu
relógio, bateu em suas bochechas e puxou seus cabelos, e então se contorceu
para descer.
Ele saiu rastejando atrás de Katie para ir até suas duas babás, que
fofocavam em um canto.
— Ele parece bem —, Rebecca disse, fixando seus olhos em algum lugar
no nível da gravata de David. — Eu estava preocupada quando eu soube que
ele tinha tido sarampo.
— Ele ficou muito mal —, disse ele.
— Você deveria ter-me avisado, David —, disse ela. — Eu deveria saber.
— Eu disse à enfermeira para esperar —, disse ele. — Eu não queria que
você tivesse a frustração de estar aqui sabendo que ele estava lá e doente.
— Eu teria ido até lá — disse ela.
Agora que o rubor de brincar com as crianças tinha deixado seu rosto, ela
parecia tão pálida e abatida quanto no dia anterior. Seus olhos estavam
grandes com a infelicidade.
— Vou pegar o trem desta tarde para casa — disse ele. Seus olhos voaram
para os dele. — Não, não, Charles vai ficar aqui por uma semana ou duas.
Você será capaz de desfrutar da sua companhia melhor comigo estando fora
daqui. Há alguns assuntos que devemos discutir, no entanto. — Tinha tomado
consciência do fato de que as duas mulheres mais velhas haviam parado de
falar, embora a tagarelice de Katie tivesse tornado difícil para elas escutá-los.
— Vamos para outro lugar?
Ela hesitou por um momento e então veio em sua direção. Ele abriu a porta
para ela e colocou uma mão de leve em suas costas. Um gesto tão habitual que
ele não percebeu que tinha feito isso até que suas costas se arquearam para
longe dele e ela correu pelo corredor à frente dele e liderou o caminho para a
sala de estar.
Ele fechou a porta atrás deles. — Charles precisa de nós dois — disse ele.
— E nós dois precisamos dele. Nós vamos ter que chegar a algum tipo de
arranjo Rebecca, para que ele gaste parte de seu tempo com cada um de nós.
Não é um plano completamente satisfatório para ele, mas eu acho que é o
melhor que podemos administrar sob as circunstâncias.
— Você está disposto a me deixar tê-lo algum dia? — ela perguntou.
Ela estava olhando sua gravata novamente.
— Claro —, disse ele. Você é a mãe dele. Você viu ontem o quanto ele
sentiu sua falta, e é dolorosamente óbvio o quanto você sentiu a dele. Não há
necessidade de lhe dar tanta dor. Afinal de contas, nenhum de vocês dois fez
algo errado que mereça castigo.
Ela fechou os olhos rapidamente. — Isso significará tanto para mim, vê-lo
de vez em quando — disse ela — Você não pode imaginar o quanto isso vai
significar, David.
— Talvez eu possa — disse ele. — Julian disse que não se importaria, ele
está sendo muito decente sobre isso. Você e ele vão embora em breve, eu
acredito?
— Ele vai-me levar para viajar —, disse ela. — Eu mal posso esperar para
ir, ele diz que estaremos fora por um ano ou dois, mas se eu puder ter Charles,
vou persuadi-lo a voltar para a Inglaterra por uma semana ou assim, a cada
poucos meses. Será isso muitas vezes, David?
— Não. — Disse ele.
— Obrigado. — Seus olhos baixaram ainda mais. Ele suspeitava que
estivessem cheios de lágrimas. Rebecca não gostava de ser vista mostrando
emoção. — Obrigada, David.
Ele deu alguns passos na direção dela, embora ele soubesse que deveria se
despedir rapidamente e partir. — Ele está te tratando bem, Rebecca? — Ele
perguntou.
— Sim. — Seus olhos dispararam para seu rosto e para baixo novamente.
— Ele é meu marido e me ama.
— Sim. — Ele sorriu ironicamente ao estúpido surto de dor. — É só por
causa de Charles, então, que você tem sido incapaz de comer ou dormir
adequadamente?
— O que faz você pensar…
— Só tenho que olhar para você — disse ele. — É só por causa de
Charles?
Ele a observou respirar fundo e soltar o ar lentamente pela boca. — Não é
fácil —, disse ela, — abrir mão de um modo de vida tão abruptamente. —
Como estão todos os meus amigos, os Sharp, os Mantrells, todo mundo? As
crianças ainda estão indo para a escola? Minhas meninas ainda estão
aprendendo a arte da costureira, você construiu mais casas, Stephanie vai
voltar a Londres para uma segunda temporada, você ainda brinca com Charles,
ele chora por mim?
Ela respirou fundo novamente. — Não estou esperando respostas, mas não
é fácil não saber.
Ele não estava sendo substituído por Julian. Ela parecia profundamente
infeliz.
— Gostaria — disse ele — de ter tomado mais tempo para me ajoelhar ao
lado do seu corpo para descobrir que afinal, havia um pulso.
— Mas você não o fez — disse ela.
— Mas eu não o fiz.
Ela estendeu as mãos diante dela e olhou para as palmas das mãos, então
enrolou os dedos nelas, e baixou-as para seus lados.
— Voltarei para buscar Charles, em uma semana ou dez dias — disse ele.
— Sim. Obrigada David — disse ela.
— Adeus então.
— Adeus.
Mas em vez de se virar para sair do quarto, como deveria ter feito,
estendeu a mão para ela. Parou no meio do caminho. Não, não faria isto. Mas
ele não baixou imediatamente a mão para o seu lado. Ela olhou para o que
parecia momentos intermináveis e então levantou sua própria mão até que seus
dedos se tocaram. Ela engoliu em seco e fechou os olhos.
Poderia ser? Será que ele também era parte de sua miséria? Mas ela amava
Julian. Ela sempre amou. Ela tinha sido bastante clara sobre esse ponto,
mesmo quando ela tinha concordado em casar com ele. E não havia sentido o
surgimento da esperança que ele sentia. Era a esposa de Julian e uma mulher
de honra.
— David, — ela sussurrou sem abrir os olhos, — eu não dormi com ele.
Mas a esperança insensata e inútil cresceu mais alto.
— Não posso deixar de me sentir casada com você. — Ela ainda estava
sussurrando. — É um pecado terrível eu estar dizendo isto a você assim, é por
isso que eu quero ir embora, eu o amo, quero ser sua esposa, quero ser uma
boa esposa.
Mas não podia deixar de se sentir casada com ele.
— Você sabe que eu não me casei com você só porque me senti responsável
por você ou porque eu precisava de ajuda com Stedwell… Bem, não é? — Ele
disse.
Ela balançou a cabeça de lado a lado e abaixou a mão.
— Não, David — disse ela. — Por favor, não. É um pecado terrível se
entregar à autoindulgência. Eu pertenço a Julian, eu o amo.
... A autoindugência. Eu não consigo parar de me sentir casada com você.
Não dormi com ele. David deixou seu próprio braço cair ao seu lado. Sim, era
uma indulgência tola e inútil. E, no entanto, queria dizer-lhe as palavras.
Queria ouvi-la dizer-lhe.
— E nada disso teria acontecido —, disse ela, — se você não tivesse…
Aquela mulher... E se Julian não tivesse tentado evitar um duelo. Oh, qual é o
propósito disto? — Ela estendeu as mãos sobre o rosto.
Ele se virou para sair.
— David. — Sua voz o deteve por um momento. — Conheço a verdade
sobre Flora e Richard, e todos aqueles incidentes de infância que Julian me
contou ontem.
Mas não sobre Cynthia Scherer? Ele virou a maçaneta lentamente.
— Ele não poderia ter tido um amor mais profundo ou devoção de um
irmão de verdade —, disse ela. — Eu só queria ter este conhecimento
enquanto eu estava crescendo.
Por quê? Teria feito diferença? Ela o amaria se soubesse que ele não era
capaz de todas aquelas pequenas crueldades?
Mais do que ela tinha amado Julian? Mas Julian tinha todo esse brilho de
charme.
— Eu gostaria de ter sabido, — ela disse suavemente. — Eu era uma garota
tola, eu pensei que o amor tinha que ser ganho, eu cresci perto da igreja e
ainda assim eu entendi a minha religião pouco o suficiente para acreditar
nisso.
Ele abriu a porta, saiu para o corredor e fechou a porta silenciosamente
atrás dele.
****
O trem estava atrasado. Um forte vento de março assobiava ao longo da
plataforma, fazendo com que David endurecesse seus ombros contra ele. Ele
poderia ter voltado para dentro da carruagem de seu pai, que ainda esperava
fora da estação. Ele havia dito a Vinney que ele poderia ir, mas o criado era
obediente às ordens de seu senhor, e esperou até que o trem tivesse saído.
Era estranho ficar sozinho, sem Charles. Ele ia-se sentir ainda mais
estranho em casa sem ele. A casa, que parecia grande, silenciosa e mal-
humorada durante o último mês sem Rebecca, ia parecer uma tumba sem
Charles também.
David começou a entender algo do vazio que Rebecca devia ter sentido
quando Charles foi tirado dela. Só que ela tinha pensado que ela não iria vê-lo
novamente.
O trem chegava finalmente com uns vinte minutos de atraso. Sua partida
devia ter sido adiada em Londres. Ele podia ver o vapor subindo no céu e
ouvir o som rítmico da máquina a vapor. Ele observou o motor ao passar por
ele e as carruagens lentas ao lado dele. Ele enfiou as mãos nos bolsos e
encolheu os ombros novamente. Seria bom entrar logo e sair do vento. Ele
estava estragando um adorável dia de primavera.
Ele esperou enquanto cinco passageiros saíram para a plataforma. Ele
acenou com a cabeça para o primeiro, o ferreiro da aldeia, e trocou gentilezas
com ele. E então ele se viu sendo saudado e teve uma estranha sensação de
déjà vu.
— Ah, Major — disse Sir George Scherer, com a voz forte, com a mão
direita estendida —, bom encontro… Está voltando a Stedwell? Está deixando
seu filho com Lady Cardwell por um tempo? Muito generoso de sua parte
senhor. Muito generoso, na verdade. Não concorda Cynthia?
Lady Scherer, como sempre, estava atrás de seu marido, como uma sombra
silenciosa. Ela não respondeu nem olhou para David.
— O que você está fazendo aqui, Scherer? — ele perguntou, nem sequer
tentando permanecer educado. Era perfeitamente óbvio por que Scherer estava
lá — tão bem informado como sempre parecia estar. David se perguntou quais
os servos em Stedwell e Craybourne estavam ficando ricos com os subornos
dele.
— Ouvimos, pura e simplesmente por acaso, não é verdade, meu amor, que
afinal o capitão Cardwell sobreviveu à Guerra da Crimeia — disse Sir
George. —Nunca ficamos mais contentes por nada em nossas vidas,
especialmente por Cynthia. Ela já gostava dele, sabe. Nada faria, mas
tínhamos de vir cumprimentá-lo.
— Você faria melhor se escrevesse, se você sente que deve fazê-lo, —
David disse. — Por que não se juntar a mim no trem e visitar os parentes de
Lady Scherer em Gloucester?
Sir George riu. — O capitão Sir Julian Cardwell e eu temos alguns assuntos
inacabados — disse ele.
Sim. David se perguntava quanto tempo demoraria, para que o homem
descobrisse que Julian ainda estava vivo. Algo teria que ser resolvido lá, ele
supôs, desde que o marido enganado não teve nenhuma satisfação na Crimeia.
E Scherer não era obviamente homem para deixar morrer o passado. Mas
Rebecca estava em Craybourne. E Charles também.
E Scherer já havia demonstrado que seu ódio quase insano se estendia além
do próprio Julian para qualquer pessoa que estivesse ligada a ele — até
mesmo ao homem que aparentemente o matara.
David acenou com a cabeça para o guarda do trem, que o olhava com
alguma impaciência, e acenou.
— Há um carro fora da estação — disse ele. Vou levar você e sua esposa
para a pousada, Scherer, para que você possa tomar um quarto para a noite. Eu
vou esperar por você lá e levá-lo para Craybourne. Talvez Julian consinta em
falar com você.
— Como você é extraordinariamente amável — disse Sir George, com as
palavras meio afogadas no som alto do vapor que precedeu a saída do trem da
estação. — Ele não é a bondade em si? Cynthia meu amor… A estalagem da
aldeia, você diz… O conde de Hartington não é um anfitrião tão generoso
como você, Major? — Ele riu.
David virou-se para liderar o caminho para fora da estação. Deveria ter
deixado Julian matar o homem, pensou. Mas ele tinha cedido à eterna vontade
de interferir nos assuntos de Julian. Ele tinha visto o que parecia ser a
iminência de um assassinato a sangue frio, e ele tinha interferido em nome do
homem que teria esfaqueado Julian pelas costas momentos antes de ele entrar
em cena. E o homem que atormentara sua esposa durante anos por sua
transgressão e tinha perseguido a esposa de Julian e o irmão adotivo que lhe
tinham roubado o prazer de matar Julian por si mesmo.
David desejava que a névoa tivesse sido mais espessa ou que ele tivesse
passado por eles apenas um segundo mais tarde do momento em que ele o fez.
Um segundo. Menos…
Ele virou para Lady Scherer e estendeu a mão para a carruagem, mas ela
ignorou sua mão e tomou a de seu marido em vez disso.
****
Rebecca e Louisa levavam seus filhos para passear à tarde, embora a frieza
do vento ameaçasse estragar a excursão. Julian decidira não ir. Ela deveria
correr e se divertir com a criança, ele havia dito.
Charles quase sempre era apenas — a criança — para Julian. Mas ela
ficaria sempre grata a ele por enviar uma carta a Stedwell por ela. Devia ser
difícil para ele aceitar o fato de que ela teve um filho de David e que ela
estava encontrando uma agonia para viver sem a criança. Ele não parecia nem
um pouco aborrecido ao saber que Charles iria ficar com ela por uma semana
ou duas.
— Estou feliz por você, querida —, ele disse, puxando-a para seus braços
e beijando-a quando estavam sozinhos por alguns minutos após o almoço. Você
já parece mais brilhante. Você deve aproveitar a semana. Gaste tanto tempo
com a criança quanto quiser. Eu vou entender.
Ela o abraçou com força e pediu-lhe para sair andando com eles mais tarde.
Tinha sido consumida pela culpa, pela lembrança dos minutos que passara
sozinha com David e do que lhe dissera. Ela sentiu quase como se tivesse sido
infiel a Julian.
E em certo sentido ela tinha sido. Quando ela tocou as pontas dos dedos de
David, ela sentiu um profundo golpe no seu ventre como se ele se tivesse
posto dentro dela. E ela se envolvera na sensação, abraçando-a para si mesma,
mantendo o contato com ele, mesmo depois de ter percebido sua natureza
erótica.
Ela abraçou e beijou Julian, e resolveu silenciosamente que nunca mais se
permitiria errar novamente.
— Você corre junto —, ele disse, — e divirta-se com a criança e tenha uma
boa conversa com Louisa. Vou sair para dar uma volta.
Estava mordazmente frio — tão diferente do dia anterior, quando ela
caminhara ao lado de Julian até o lago — mas se preparou agasalhando bem. E
sentiu-se bem melhor com o ar fresco em seus pulmões. E ainda melhor ao ver
Charles rastejando através da grama atrás de Katie, desatento ao vento, ao frio
ou manchas de grama.
— Uma coisa que eu sempre abençoarei Julian —, disse Louisa, — estar
aceitando tão bem Charles. Eu odeio imaginar como eu me sentiria se Katie
fosse tirada de mim.
Rebecca sorriu. Ela pensou em David no trem, em seu caminho de volta
para a casa vazia em Stedwell. Durante o resto da infância de Charles, um ou
outro deles se sentiria vazio e privado. Ela pensou em dizer que ele não tinha
casado com ela por nenhuma das razões que ele lhe deu quando ele tinha
proposto casamento a ela. Ela desejou por um momento que ela lhe tivesse
permitido completar o pensamento. As palavras que ele estava prestes a dizer
a teriam aquecido por toda a vida. E a gelou por algum tempo.
E ela não devia nem reviver aquela reunião com David.
— Você não gosta de Julian, não é? — perguntou a Louisa.
— Oh. — Louisa parecia desconfortável. — Não é minha função gostar ou
não gostar dele, Rebecca. Suponho que é apenas porque William e eu
assistimos com admiração como o seu casamento de conveniência com David
se desenvolveu em um casamento de amor, não é?
— Eu amo Julian, — Rebecca disse. — Eu sempre o amei.
— Sim, claro — disse Louisa. — Perdoe-me, o quanto é terrível de me
lembrar… Esqueça que eu disse qualquer coisa, Rebecca. — Ela riu em uma
tentativa óbvia de encobrir seu falso lapso. — Sim, eu estou em uma condição,
que às vezes é chamado de interessante. Diga que você está feliz por mim. De
alguma forma parece mais uma surpresa por ser pela segunda vez uma Bênção,
posso fazer isso de novo, foi a minha primeira reação. Eu quero um filho desta
vez, acho que seria muito bom ter um filho. William diz que não importa, mas
então ele já tem um filho, eu não… Oh, Rebecca, me perdoe por dizer o que eu
disse.
Mas Rebecca também estava rindo e se virou para abraçar sua ex-
companheira. — Estou feliz por você —, disse ela, e pelo Pai. Deve ser uma
sensação estranha e maravilhosa para ele ter uma segunda família.
Talvez seja possível ter uma segunda família, você acha?
Talvez Julian e eu. . . Mas é cedo demais para pensar nisso. Quando é que
vai acontecer?
Mas sua conversa foi interrompida pela necessidade de acalmar uma
discussão alta e bastante física sobre um canteiro de margaridas entre as duas
crianças.
Quando finalmente voltaram para casa, foi para serem recebidas pela
notícia do mordomo que havia visitantes na sala de estar.
— Oh, querida — disse Louisa, olhando para a saia pontilhada de grama.
— Eu pareço tão ruim quanto você, Rebecca? É melhor nos apressarmos,
trocar nossa roupas e pentear nossos cabelos, William e Julian não vão gostar
de ficar sozinhos.
Deixaram as crianças ao cuidado de suas enfermeiras e correram para seus
quartos. Dez minutos depois, Rebecca desceu as escadas e entrou na sala. O
conde estava lá com Julian e David. Havia dois visitantes. Sir George Scherer
estava se levantando, com um largo sorriso no rosto, a mão direita estendida.
Lady Scherer estava sentada em silêncio e de rosto branco.
****
O conde e Louisa procuraram estabelecer uma conversa educada, durante
chá. Eles certamente sentiram uma atmosfera estranhamente tensa, mas as boas
maneiras básicas ditavam que eles tratassem com cortesia o ex-camarada que
David tinha encontrado na estação e o acompanhou de volta para Craybourne.
A explicação oferecida com muito bom humor por Sir George Scherer, foi que
ele acabara de descobrir a boa sorte de seu ex-amigo e colega oficial, o
capitão Cardwell, e tinha vindo cumprimentá-lo, o que parecia razoável. Eles
tinham obviamente, encontrado os Scherers brevemente na estação em
Stedwell.
Foi uma conversa de três vias. O conde, Louisa e Sir George conversaram.
Lady Scherer observava suas mãos em seu colo. David e Rebecca trocavam
olhares ocasionais. Julian parecia desconfortável.
Ele finalmente se levantou, quando parecia que as boas maneiras deveriam
obrigar os Scherers a se despedirem.
— Gostaria de ter uma palavra com você Scherer, por favor — disse ele.
— Talvez você queira se afastar, há muitas coisas para relembrar e não
queremos aborrecer as senhoras com conversas militares.
— Exatamente o que eu gostaria — disse Sir George, levantando-se e
esfregando as mãos enquanto inclinava a cabeça e sorria para as senhoras. —
Você vai ficar conversando com Lady Hartington e Lady Cardwell, meu amor?
Cynthia Scherer olhou brevemente para Julian mas não disse nada.
Louisa sorriu e olhou com determinação alegre. Não seria fácil conversar
com um convidado silencioso.
— Bem — disse Julian quando os dois homens estavam no terraço.
— Eu vivi para ser esfaqueado nas costas de novo, Scherer. Você tem uma
faca escondida sobre sua pessoa, por acaso, ou uma arma? Eu suponho que
isso não é uma visita puramente social.
— Fiquei encantado ao saber que você viveu — disse Sir George.
— Tenho a certeza que sim — disse Julian. — Você deve ter-se sentido
enganado quando pensou que eu estava morto, você pode escolher o dia, o
lugar e as armas, Scherer, mas não aqui se dá tudo no mesmo para você. Eu
não traria desgraça ou escândalo ao homem que foi um pai para mim desde a
infância.
— Um duelo — disse Sir George. — Esse é um acordo honorável de
diferenças, Cardwell, mas não estou convencido de que você mereça ser
tratado com honra.
Julian estalou a língua com impaciência. — Tenho uma estranha aversão a
ser esfaqueado nas costas —, disse ele. — Não é uma maneira honrosa de
despachar um inimigo, Scherer, acho que estamos no mesmo nesse ponto, não
é?
— Gostaria de saber — disse Sir George — o que vai dizer à sua esposa,
Cardwell.
— Deixe minha mulher fora disto — disse Julian secamente.
— Gostaria que tivesse deixado a minha mulher fora disso — disse Sir
George. — Você gosta de Lady Cardwell, assim me disseram. Você permitiu
que ela ficasse com seu filho bastardo por algumas semanas. Naturalmente, sua
preocupação com ele lhe dá mais tempo para gastar com sua amante, suponho.
— Nancy Perkins, acredito. Mas você já baixou as vistas Cardwell,
costumavam ser senhoras, e não mulheres comuns.
— Está bem informado — disse Julian secamente. E mais insultos sobre o
nome da minha esposa e eu serei o único a emitir um desafio. O que
exatamente você quer?
Sir George encolheu os ombros. — Oh, isso é apenas uma visita social
depois de tudo —, disse ele. — Cynthia desejava vê-lo de novo Cardwell, e
entendo que ela se apaixonou um pouco por você, e que eu tenho que agradar
ocasionalmente aos desejos da esposa, não é?
— O que eu vejo — disse Julian. — É que você quer fazer um jogo de gato
e rato, não é? Você sempre foi um verme, Scherer. Eu devo ficar adivinhando,
então? E ter cuidado com minhas costas?
— Eu deveria ter ficado de olho no meu ombro em Malta e na Crimeia —,
disse Sir George — Não deveria? — Julian encolheu os ombros — Se você
não tem mais nada a dizer —, ele disse, — Talvez você devesse resgatar Lady
Hartington e minha esposa da necessidade de entreter uma mulher que
claramente preferiria estar em qualquer outro lugar na terra.
— Em outras palavras, 'Saia'? — Sir George disse.
— Exatamente — disse Julian. — Se deseja satisfação de mim, Scherer,
sabe onde me encontrar.
— Oh, sempre — disse Sir George. — Disso você pode ter certeza,
Cardwell.
Capítulo 27
Rebecca não tinha tido uma noite repousante. Sir George Scherer era como
uma pedra de moinho constantemente ao redor de seus pescoços. Ela tinha
pensado que talvez eles o tivessem visto pela uma vez que Julian chegou em
casa. Ela pensou que ele ficaria satisfeito com o desastre que tinha
ultrapassado David. Certamente ele não precisava de mais vingança. Exceto
pelo fato de que ele não tinha nada a ver com trazer esse particular sobre o
caso, é claro. Talvez não houvesse satisfação pessoal real nele. Além disso,
Lady Scherer dissera que ele estava quase enlouquecido.
Era injusto, pensou Rebecca, que ele tivesse vindo a Craybourne para
arrastar o conde, Louisa e Julian em sua rede. Especialmente Julian. Julian
salvara a vida de Sir Scherer. O homem não sentia gratidão? Mas talvez fosse
parte de seu plano fazer David totalmente miserável.
Rebecca não aprovava o duelo, e no entanto às vezes desejava que Sir
George tivesse apenas desafiado David quando ambos estavam na Crimeia e
acabado com isso. Um deles provavelmente estaria morto, mas pelo menos
inocentes não estariam envolvidos.
Ela passou uma hora da manhã seguinte no berçário, banhando e vestindo
Charles, dando-lhe o seu pequeno-almoço, e brincando com ele.
Então procurou Julian. Ele ainda estava em seu camarim em mangas de
camisa. Ele dispensou o criado antes de beijá-la.
— Você está-me deixando envergonhado? — Ele perguntou. — Parece que
está acordada há horas.
— Estive com Charles — disse ela. — As crianças geralmente acordam
cedo.
— É por isso que eles têm babás —, disse ele.
— Eu o tenho por apenas uma semana ou assim —, disse ela. — Embora
David diga que eu preciso vê-lo regularmente. Você se importará Julian?
— Por que eu deveria me importar? — Ele perguntou, satisfeito com o nó
do lenço de pescoço e encolhendo os ombros em seu casaco. — Você tomou o
café da manhã?
— Não. — Disse ela.
— Nem eu. — Ele pôs um braço sobre sua cintura e girou-a contra ele para
beijá-la mais completamente. — Mas eu poderia ser persuadido a perder isso.
— Ele sorriu. — Ou para tomar alimento de outro tipo.
Ela se soltou e apoiou a testa em seu ombro. Seria tão fácil dizer sim. Mas
era tão impossível fazê-lo. Ele estava quase morrendo tentando impedir David
de matar o homem que havia ofendido. E, no entanto, não podia entregar-se a
Julian por causa do seu amor por David. O amor poderia destruir toda a
racionalidade, ela estava descobrindo, e toda devoção ao dever.
— Precisamos conversar Julian — disse ela.
Ele suspirou e depois riu. — Pelo menos você não disse que estava com
dor de cabeça —, disse ele. — Vamos comer alguma coisa.
Louisa estava na sala de café da manhã. Tinha-se atrasado para se levantar,
explicou ela com desculpas, porque Katie estava acordada até o meio da noite
com gengivas doloridas e insistiu na presença de sua mãe.
Rebecca e Julian saíram para passear depois do café da manhã. Ele cruzou
seu braço ao dele e apertou sua mão.
— Você estava-se perguntando quando vamos iniciar nossa viagem? — Ele
perguntou. — Na próxima semana, acho Becka, vamos fazer de Paris a nossa
primeira parada, lá é o melhor lugar a ser visitado nestes dias… O Imperador
Napoleão e a Imperatriz Eugenia têm uma corte reluzente e tudo é alegria e
atividade. Podemos ficar lá o tempo que quisermos e depois nos mudaremos
para outro lugar. Onde você quer ir?
Ela encolheu os ombros. — Não importa, contanto que eu esteja com você,
serei feliz.
— Verdade, Beck? — Ele olhou com seriedade para o seu rosto.
— Julian — disse ela —, aquele homem se convidou para Stedwell…
Bem, algumas vezes antes de você retornar… Sir George Scherer, eu quero
dizer. David e eu o encontramos em Londres. Ele nos visitou na Casa de
Hartington para agradecer a David por salvar sua vida.
— Ah — disse ele calmamente. — Então você sabe toda a história, Becka?
Eu estava esperando mantê-lo longe de você.
— Sim, eu sei o que aconteceu —, disse ela. — Foi uma coisa totalmente
corajosa o que você fez Julian.
Ele olhou para ela.
— A única coisa que eu não sei —, disse ela, e eu suponho que faz um
mundo de diferença, e tem-me preocupado. O que eu não sei Julian é se Sir
George também tinha uma arma ou não. Era um tipo de duelo em que estavam
envolvidos, ou David estava indo derrubá-lo a sangue frio? Essa possibilidade
tem-me assombrado.
Julian não respondeu por um tempo. — Qual é a história que ele contou a
você, Becka? — Ele perguntou.
— Oh, eu sei toda a verdade sórdida —, disse ela. — Sei que David estava
tendo um caso com Lady Scherer e eu sei que Sir George descobriu. Eu sei que
eles tiveram um confronto no meio da Batalha de Inkerman e que você impediu
o David de disparar em Sir George, tomando a bala você mesmo. Mas Sir
George também tinha um revólver? Diga-me a verdade, Julian, eu preciso
saber.
— Dave lhe contou tudo isso? — Ele perguntou.
— Eu reconstituí tudo isso —, disse ela. — E Lady Scherer disseme que
ela o amava, o que torna difícil de suportar também. Não acho que ele a tenha
amado, ele estava apenas usando—a e a forçando a cometer adultério. Eu
realmente não devo…
— Ela disse que amava Dave? — Julian perguntou. — Essas foram suas
palavras exatas, Becka?
— Sim — disse ela. — Eu não as imaginei. Ela me disse que ela amava
meu marido. Eu me pergunto se ela ainda o ama, pobre senhora. Ela é
terrivelmente retraída e infeliz. Ela era sempre assim, Julian? Você a conhecia
na Crimeia? Estou-me desviando do assunto, talvez porque tenha medo da
resposta. Ele tinha uma arma?
— Não. — Disse ele. — Ele passou uma mão sobre seu rosto.
— Não. — Sua voz era sombria. — Ah, é isso que eu temia, tentei acreditar
que ele não poderia ter sido capaz de tal vilania. Estou bem fora desse
casamento, não estou?
E ainda assim ela queria uivar de dor.
— Eu sempre costumava deixá-lo fazer isso —, disse Julian. — Eu
costumava me convencer de que tinha mais a perder do que ele, e ele nunca
pareceu se importar, ele tinha ombros largos e menos a perder nesse tempo
também.
Ela não estava realmente ouvindo. Ela estava lutando com mais uma
contagem contra David.
— Você o ama, não é? — Julian disse.
— Quem, David? — Ela disse. — Não, é claro que não, eu te amo.
— É que você o ama —, disse ele. — Ele fez isso mais uma vez para mim,
Becka, pelo seu bem, suponho. Para que você possa manter sua crença em mim
intacta, para que você se lembre de mim como um herói.
Ela não precisava perguntar o que ele queria dizer. A verdade veio
correndo para ela com tanta força que parecia impossível acreditar que ela
não a tinha visto antes. Especialmente depois que ela descobriu a verdade
sobre Flora e sobre todas aquelas escapadas de infância.
E é claro que era exatamente o tipo de coisa que David teria feito, embora
ela se tivesse casado com ele naquele tempo e ambos julgassem Julian morto.
Ele tinha arriscado o futuro de seu casamento para que ela pudesse agarrar-se
à memória de um jovem que ela se tinha convencido de que era o amor de sua
vida.
Lady Scherer amava o seu marido. Sim. Ah sim.
David tinha atirado em Julian porque… Porque Julian estava prestes a
matar Sir George?
Julian fora o único que tinha um caso com Lady Scherer. Ambos tinham
cometido adultério. Embora estivesse em Craybourne, infeliz com a falta dele,
vivendo com a ansiedade diária e noturna por sua segurança, amando-o, ele
estava tendo um caso com Lady Scherer. Flora pouco antes de seu casamento,
Lady Scherer dois anos depois. Quantas mais tinha havido?
— Desculpe Becka — disse ele. — Teria sido melhor se você nunca
tivesse sabido, mas eu não poderia deixar você continuar pensando que David
era o vilão daquela história, não quando ele é o pai de seu filho, não quando
você o ama. Ela não significou nada para mim, você sabe.
Eu estava sozinho. Estava com saudades tuas.
— Ela amava você — disse ela — e eu também. Você nos traiu a ambas,
Julian.
— Sim — disse ele. — Sinto muito, Becka.
Adultério. Sempre lhe tinha parecido um dos piores pecados possíveis.
Esse ato físico era uma coisa tão importante. Muito, muito íntimo. A união de
corpos. Que alguém pudesse trair o cônjuge para fazer isso com outra pessoa
lhe parecia inconcebível. Especialmente quando a outra pessoa não
significava nada. Ela poderia ter entendido melhor se ele tivesse dito que ele
amava Cynthia Scherer. Mas ela não tinha significado nada para ele. Flora não
significava nada para ele.
— Há alguém desde então? — Ela perguntou.
— Não, claro que não. — Disse ele. — Eu estava ferido e em cativeiro, e
agora estou de volta com você, eu te amo, Becka, você deve acreditar nisso,
eu não posso dizer—te como meu mundo se despedaçaria se você não
acreditasse nisso. — Parecia haver pânico genuíno em sua voz.
— E ainda assim, — ela disse, — eu me recusei a ser uma esposa
apropriada para você, Julian. Não poderia culpá-lo se você se virasse para
outro lugar, eu poderia? Lamento ter colocado tal tentação em seu caminho.
Mas e agora? ''
— Não. — Disse ele. — Não, claro que não, Becka, você é minha esposa.
Estou preparado para esperar por você o tempo que for preciso.
— Não vai demorar muito mais —, disse ela. — Quando sairmos daqui na
semana que vem Julian, serei sua esposa de novo, na primeira noite em que
estivermos longe de Crayboume, eu serei sua quando precisar de mim, mas
não deve haver mais ninguém. Eu não vou deixar você vir para mim depois de
estar com outra pessoa… Houve outras, além de Flora e Lady Scherer não?
Diga-me a verdade, por favor. Há necessidade de verdade entre nós.
— Algumas. — Ele admitiu inquieto. — Mas não muitas Becka, eu juro,
não quero que haja outras, quero ser um bom marido para você, eu te amo.
— Eu sei. — Ela descansou a cabeça em seu ombro por um breve momento.
— Eu sei que sim, Julian.
Ela se maravilhou de que quase toda sua vida o conhecesse, gostasse,
admirasse e o amasse, e não vira até agora sua fraqueza essencial. Ele era um
garoto charmoso e encantador, mesmo agora, ele era mais um garoto do que um
homem. Não havia maldade nele, mas apenas uma falta de controle, uma falta
de responsabilidade. Ele era bem-intencionado, mas autoindulgente. Haveria
outras mulheres. Ela sabia disso com tanta certeza quanto ela sabia que ela
nunca iria deixá-lo. Ele a amava. De sua própria maneira ele realmente a
amava. Mais importante, ele precisava dela. Ele precisava de sua força agora
como precisava da força de David durante toda sua infância.
— Então me perdoará Becka? — Ele perguntou sua voz soando miserável.
— Eu estou bem longe de ser o herói que você sempre pensou, não estou?
— Eu te perdoo — disse ela. — Você sofreu por esse pecado em particular,
Julian, você quase morreu… Paris, acho que vai ser adorável… Talvez até
seja totalmente frívola e que o famoso Sr. Worth faça alguns vestidos para
mim.
— Vou cobri-la de coisas refinadas — disse ele, girando-a contra ela e
beijando-a com ferocidade. — E você precisará de mais dez baús quando
voltarmos para casa, Becka. Você vai apaixonar—se por mim de novo.
Profundamente.
Até cobrir as orelhas. Considere-se avisada.
— Tudo bem —, disse ela enquanto podia. — Vamos ser um par de
crianças amadas de novo, Julian, e a inveja de todos que encontrarmos.
Mas só conseguia pensar em uma coisa quando a beijou. Sir George
Scherer viera ver Julian, não David. Era contra Julian a sua verdadeira briga.
Talvez acreditando que Julian estivesse morto, ele estava preparado para
exalar sua amargura contra a viúva de Julian e contra o homem que colocara
Julian fora de seu alcance. Mas agora Julian estava de volta e Sir George tinha
uma queixa contra ele que tinha tido vários anos para se apagar.
Sir George não deixaria Julian em paz. Ela não sabia se o homem e sua
esposa ainda estavam na pousada da aldeia, ou se eles partiram hoje.
Mas eles estariam de volta. Sir George Scherer não ficaria satisfeito até
que tivesse matado Julian. Mas talvez ele levaria muito tempo para conseguir
seu intento. Ele se deliciaria em perseguir Julian por um tempo.
Eles poderiam esperar que ele e sua esposa os seguiriam para Paris ou
onde quer que fossem na Europa.
Ela se perguntou se Julian percebia isso também.
****
David tinha acabado de voltar de uma caminhada. Ele tinha ido com seu pai
verificar um negócio imobiliário, mas não tinha voltado para a casa com ele,
alegando a necessidade de mais ar fresco.
Não tinha certeza se iria retomar a jornada interrompida no dia anterior. Ele
certamente não tinha nenhum desejo de passar algum tempo em Craybourne
antes de Julian e Rebecca saírem de lá. Mas havia algo que ele tinha que
verificar antes de sair.
Nem precisava parar na estalagem para fazer perguntas discretas.
Ele passou por Sir George e Lady Scherer na rua do vilarejo. Ele acenou
com a cabeça para eles, tocou seu chapéu para Lady Scherer, e seguiu em
frente. Apesar do fato de que Sir George sorriu para ele e parecia estar pronto
para uma conversa. Eles não tinham partido então, embora os trens matinais
em ambas as direções já tivessem ido.
E David sabia que ele também não iria embora. Se ele pudesse ter levado
Rebecca e Charles com ele, talvez ele tivesse ido embora. Julian, afinal, teria
que enfrentar a situação mais cedo ou mais tarde.
Scherer iria querer algum tipo de satisfação, e Julian sem dúvida a daria a
ele. A covardia em tais circunstâncias não era uma das deficiências de Julian.
Mas Rebecca era agora a esposa de Julian. E David lhe tinha prometido
uma semana ou mais com Charles. Nenhum deles poderia ser retirado. E assim
David ficaria com eles. Proteger Rebecca era a responsabilidade de Julian, é
claro. Mas David a protegeria também. Ela não podia deixar de se sentir
casada com ele, ela havia dito no dia anterior. Bem, ele também não podia
deixar de se sentir casado com ela. Ela era sua esposa, quer fosse verdade ou
não, na realidade. Ele não a deixaria sozinha em Craybourne enquanto os
Scherers estivessem na vizinhança.
Ele subiu as escadas assim que voltou para casa para se trocar para o
almoço. Ele saiu do seu quarto de vestir meia hora mais tarde e quando ele se
virou para a escada ele encontrou Rebecca que estava apenas rodeando o topo
delas. Ela parou quando o viu e sua mão permaneceu na maçaneta da porta. Se
pudesse, ele teria recuado para dentro novamente. Mas teria parecido infantil.
Ele preparou algo comum para dizer enquanto dava alguns passos na direção
dela.
E então ela se apressou em direção a ele, acelerando seu passo quando ela
se aproximou. Seus braços se abriram quase por reflexo e ela caminhou
diretamente para dentro deles e rodeou sua cintura com seus braços. Ele a
abraçou com força, segurou sua respiração por um momento pela
familiaridade dolorosa de sua figura magra e bem encaixada contra ele. Ela
cheirava a sabão, limpa como sempre estava.
— David. Ela olhou intensamente para seu rosto e seus olhos brilharam
com lágrimas súbitas. Você é o homem mais gentil que já existiu. Estou certa
de que você deve ser. Eu estou profundamente envergonhada que eu sempre me
permiti acreditar em todo o mal que ouvi de você. Eu escolhi acreditar,
embora todas as provas da minha mente e sentidos me dissessem o contrário e
eu escolhi acreditar na minha própria interpretação do que aconteceu na
Crimeia, mesmo que tudo parecesse tão estranho à sua personalidade. Por
favor, me perdoe.
Ela sabia, então. Julian devia ter-lhe contado. — Não há nada a perdoar —,
disse ele. — Eu nunca neguei nada disso.
— Porque você amava Julian —, disse ela, — e cuidou de mim. Você fez
isso, por isso você não me contradisse quando eu disse o que pensei sobre
Lady Scherer e sobre o tiroteio. Você não quis estragar minhas lembranças de
Julian, porque você se importava comigo.
— Eu me importei, — ele disse calmamente, observando uma lágrima
escorrer por sua bochecha. — Eu me importo Rebecca.
Ela olhou para ele em silêncio. Ele duvidou se ela percebeu completamente
o que ela tinha acabado de fazer. Ele percebeu, mas estava encontrando a
tentação de mantê-la abraçada a ele por alguns momentos mais. Era forte
demais para resistir.
Ele abaixou a cabeça, mas quando sua boca foi um sussurro longe da dela,
viu um movimento com o canto de seu olho. Julian a seguiu para o andar de
cima.
David se endireitou, afastou os braços de sua cintura e levantou uma de
suas mãos brevemente para seus lábios antes de voltar para seu quarto de
vestir. Ela parecia desconcertada, e o início de uma dolorosa consciência do
que ela tinha acabado de fazer estava nublando seu rosto, embora ela ainda
não soubesse que Julian estava a uma curta distância atrás dela.
David fechou a porta por dentro e se recostou contra ela, com os olhos
fechados. Cuidar de você. Eu te amo. Ele se perguntou se ela entendeu que era
isso que suas palavras significavam. O que a expressão em seus olhos lhe
estava dizendo? Estava completamente nua. E, no entanto, não se atrevia a
acreditar. E mesmo se ele o fizesse, o que aconteceria então?
Ela era a esposa de Julian.
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Nancy Perkins vivia com sua mãe em uma pequena casa no extremo da
aldeia. Sua mãe ganhava a vida como lavadeira. Nancy a ajudava. Mas várias
vezes, durante o último mês, ela estivera ausente durante horas, geralmente nas
tardes, e duas ou três vezes à noite.
Julian a escoltou de volta para o bosque de árvores que estava perto, pois
ele não ousou ir para a aldeia com ela. Inclinou a cabeça para beijá-la,
embora já tivesse dito a ela que não voltaria a vê-la. Mas ela estava chorando,
e ele não podia suportar vê-la chorar, especialmente porque ele tinha gostado
muito dela. Por quase um mês, desde que ele a havia derrubado por trás de
uma sebe quando ela estava de volta da aldeia depois de entregar uma roupa
limpa, ela estava lisonjeiramente adorando.
— Não chore minha querida — disse ele contra seus lábios. — Eu vou te
ver de novo quando eu voltar de minhas viagens. Eu vou te trazer algumas
bonitas bugigangas de Paris.
— Eu não quero bugigangas —, disse ela.
Ele a tinha pago bem depois de cada leito, mas sabia que Nancy não teria
exigido nem um único centavo. Ela estava apaixonada por ele.
Sentiu-se um tanto miserável.
— Você é a menina mais linda e doce do mundo —, disse ele. — Se eu não
fosse casado, Nance… — Mas ele se sentiu ainda mais miserável com a
mentira.
Finalmente teve que deixá-la ir, sabendo que ele a tinha condenado a
semanas e talvez meses de miséria, sabendo que ela tinha dado o tesouro de
sua virgindade a um homem que realmente não se importava com ela. Ele
esperava que não a tivesse deixado com um filho.
Ele começou o longo caminho de volta para casa. Ele não trouxe um cavalo
hoje. Ele se sentiu duplamente miserável — em parte porque ele tinha
magoado Nancy e em parte porque ele tinha se deitado com ela hoje antes de
dar a notícia a ela. Jurava a si mesmo que não a tocaria mais. Ele havia jurado
que seria fiel a Becka pelo resto de sua vida.
Ele se sentiu impuro. Ele sentia uma simpatia por aquelas pessoas que eram
viciadas em substâncias como o álcool ou o ópio. A cabeça e o coração de
alguém — a totalidade de seu ser, na verdade — poderiam ser acossados com
determinação para resistir à grande tentação e, no entanto, quando ela se
apresentava, realmente não havia defesas contra ela. Ele devia ser viciado em
sua necessidade de mulheres.
Talvez mudasse quando saíssem de Craybourne, pensou. Becka tinha
prometido que ela iria começar a dormir com ele novamente quando eles
estivessem longe. Ela prometera que ele poderia tê-la tantas vezes quanto
quisesse. Era um pensamento animador. Exceto que o sexo nunca tinha sido
bom com Becka. Às vezes sentia como se ele a adorasse mais do que a amava.
Ela encarnava para ele tudo o que era a feminilidade perfeita, tudo o que ele
desejava poder alcançar e merecer. Ele nunca poderia merecer Becka. Nunca.
Ela estava tão longe dele quanto as estrelas.
Ele sempre teve medo quando na cama com ela — medo de chocá-la, ser
nojento para dela. Becka era uma mulher. O sexo para ela deve parecer a mais
básica das atividades humanas. Ele nunca gostou muito de tocá-la na cama,
embora o tivesse feito com determinada regularidade durante os primeiros
anos de seu casamento. Havia parecido algo quase obsceno em forçá-la a fazer
isso com ele.
Julian correu ao longo da pista do campo que o levaria até o portão de
Craybourne, com a cabeça baixa. E agora ela deixara de amá-lo. Ela adorava
David. Sempre o surpreendera que tivesse escolhido ele, em vez de David,
que tinha todos os olhares e todas as outras qualidades de caráter que Julian
tinha desejado por toda a vida. Mas ela tinha escolhido amá-lo, e ele tinha
desperdiçado o presente.
Ela amava David agora. E David, é claro, sempre a amara.
Eles tinham sido marido e mulher por um ano e meio. Tinham tido um filho
juntos. E Becka, a mulher de honra e propriedade, estava nos braços de Dave
esta manhã quando chegou ao topo da escada. Estavam prestes a se beijar.
No entanto, em vez de querer matá-los, queria chorar.
Havia uma estranha leveza ao estarem juntos. Seu filho estava um andar
acima deles, no berçário. Aquela criança que tinha os cabelos de Becka e os
olhos de Dave.
Deveria ter ficado na Rússia, pensou Julian. Mas ele sabia que não poderia
ter feito isso. Ele estava em uma cultura diferente e ele e Katya estavam
cansados um do outro. E ele tinha desejo de voltar para casa e para Becka.
— Bem, falando do diabo — disse uma voz agradável, e Julian levantou a
cabeça.
— Direto do inferno, forquilha na mão —, disse ele. — O que você está
fazendo aqui, Scherer? — Eu pensei que você teria ido para Londres esta
manhã. — Olá, Cynthia.
— Julian. — Ela o olhou brevemente, tanto quanto Nancy o olhou há alguns
minutos.
— E perder a chance de um pouco de ar na primavera? — Sir George
disse. — Nós decidimos prolongar a nossa estadia, não é, meu amor?
— Você decidiu que devemos ficar —, disse ela.
— Gostou da companhia da sua puta, não é? — perguntou Sir George. —
Ela faz um colchão macio e bem modelado contra o chão duro, eu acho.
— Há uma senhora presente —, disse Julian, com os lábios apertados.
— Cyntia? — Sir George disse. — Oh, não, não, Cardwell, Cynthia não é
nenhuma dama. Ela também gosta de levantar as saias para qualquer figura
bonita de um homem que conhece, não é, meu amor?
— Se você quiser me encontrar, diga a hora e o lugar — disse Julian,
enquanto Lady Scherer virou bruscamente o rosto. — De outra forma, fique
aqui sozinho, qualquer homem que fala de sua própria esposa merece
castigo… Lady Scherer era irrepreensível, se você quer a verdade, eu a
obriguei.
— Julian — disse ela.
— Eu a estuprei. — Disse Julian. — Você quer-me castigar por isso,
Scherer, faça isso, mas pare de puni-la, parece que já teve mais do que
suficiente.
— Bem, meu amor — disse Sir George, rindo. — Você tem chorado muito
por um homem que a estuprou, não é? Vamos deixá-lo até outro dia, Cardwell.
Nós não queremos mostrar violência na frente de uma senhora, não é mesmo?
Na frente de uma prostituta. — Ele puxou seu braço através do dele. — Venha,
meu amor, vamos voltar para a aldeia. — Estou-me perguntando, Cardwell, já
que você parece tão preocupado com os sentimentos das senhoras, como sua
esposa gostaria de ouvir sobre, ah brincadeiras, esta tarde e de certos eventos
que aconteceram no exterior antes de sua quase morte. Agora há uma
verdadeira dama. Cynthia diz isso constantemente, não é, meu amor? — Lady
Cardwell é uma verdadeira dama — diz ela.
Julian balançou a cabeça e se afastou para deixar os outros dois passarem.
— É preciso dois para jogar esse tipo de jogo, Scherer —, disse ele. Eu não
estou jogando, é tão simples assim. Vou visitá-lo em sua pousada amanhã à
tarde, lá vamos arranjar para resolver as coisas entre nós. Se você não vai dar
uma bofetada na minha cara, então eu vou dar na sua. Bom dia.
Boa tarde para você, Cynthia.
Ela lançou-lhe um olhar de desejo misturado com susto e advertência.
Sir George escolheu apenas sorrir alegremente para ele e seguir em frente.
E lá estava outra vez, Julian pensou, olhando para eles. A destruição que
ele causara na vida de outras pessoas. Cynthia tinha chegado a ele de boa
vontade e tinha sido uma parceira ansiosa e vigorosa na cama.
Eles haviam evoluído bem em seu caso antes de descobrir, para sua
surpresa, que ele era o primeiro homem com quem ela havia cometido
adultério. E que ela se achava apaixonada por ele. De qualquer forma, ele
continuou o caso, mesmo sabendo que ela acabaria por ser ferida.
Como ele sabia que Flora estaria ferida.
Nunca tinha parecido importar enquanto ele se divertia.
E agora Becka estava sendo arrastada para tudo isso. Ela já sabia a
verdade sobre ele. Ela sabia que ele era uma triste desculpa de homem com
quem ela se casou. E Scherer estava tentando arrastá-la para o jogo de gato e
rato. Na verdade, talvez ele já tivesse feito isso. Ele tinha visitado David e ela
algumas vezes em Stedwell, ela tinha dito, depois de visitá-los em Londres.
Ela não tinha dito por que ele os tinha visitado, e Julian não tinha pensado em
perguntar.
Ele retomou a caminhada e se virou para os portões de Craybourne, seus
olhos treinados no chão à sua frente. Pois talvez fosse a primeira vez em sua
vida que ele estava percebendo o sofrimento que sua própria busca de prazer
tinha causado a outras pessoas. E agora Becka estava sofrendo. Becka, que
significava mais para ele do que a própria vida. Ela realmente significava,
apesar de seu comportamento mais do que desprezível com ela.
Capítulo 28
David estava esperando. Rebecca estava no berçário colocando Charles na
cama. Louisa acabara de voltar de lá e estava sentada na sala fazendo
companhia aos três homens. Julian sugeriu um jogo de bilhar com David.
Claro que não jogavam. Eles entraram na sala de bilhar e fecharam a porta
atrás deles, mas nenhum deles fez um movimento para iniciar um jogo.
— Não foi exatamente o que parecia —, disse David, embora eu esteja
ciente de que isso é uma linha familiar. Ela estava chateada porque ela me
tinha julgado mal a maior parte de minha vida.
— Com os braços em volta de você — disse Julian. — Você estava prestes
a beijá-la.
— Sim. — Houve um breve silêncio. — É difícil quebrar um hábito da
mente, ela teria ficado horrorizada depois — de fato, ela provavelmente
ficaria de qualquer maneira — e eu também. Você não precisa ter medo de ter
uma esposa infiel, Julian.
— Um hábito da mente — disse Julian. — E do corpo? Você estava muito
perto, Dave?
— Estávamos casados — disse David secamente, embora reconhecesse o
direito de Julian de fazer tais perguntas.
— Fiquei tão chocado ao saber isto, — Julian disse, — que eu fechei minha
mente para as implicações. Eu suponho que tentei fingir que vocês nunca
devem ter tido sexo juntos. Eu não sei como eu pensei que a criança foi
concebida. Eu não podia suportar a ideia de Becka e…
— O coração dela sempre foi seu — disse David. — Ela se casaria comigo
só se eu entendesse que isso seria sempre assim.
— Eu só quero saber uma coisa —, disse Julian. Quero dizer, se eu cair
morto de repente ou algo assim, você se casaria com ela de novo? Ou você
está pensando em abandoná-la?
— Ela é a sua esposa, Julian — disse David, um pouco áspero. Imaginara a
morte de Julian muitas vezes durante o último mês. Ele não estava orgulhoso
de si mesmo. Tudo o que era decente e racional nele recuou pensar que Julian
estava morrendo. — O que viu no andar de cima esta manhã não aconteceu
desde o seu regresso e nunca mais voltará a acontecer, posso assegurar-lhe e
sei que Rebecca vai dizer o mesmo.
— Essa não era minha pergunta — disse Julian. — Eu preciso saber Dave.
Você a ama? Casaria com ela, se pudesse?
David hesitou. — Eu me casei com ela uma vez, — ele disse. — Eu fiz
votos que me ligaram a ela para a vida. Desde que você chegou em casa que
me pareceu que eu sou livre e que eu poderia talvez deva tomar outra esposa.
Mas eu não acredito que eu vá fazer isto. Eu vou sempre pensar em Rebecca
como minha esposa.
Então, você está satisfeito agora? — Seu tom ficou irritado. — Mas eu não
vou invadir seu território, Julian. Ela é sua. Apenas certifique-se de valorizá-
la corretamente e tratá-la bem.
Julian o olhava fixamente, seu rosto normalmente bem-humorado e pálido.
Ele assentiu. — Era o que eu precisava saber —, disse ele. — Mas vou dizer
só mais uma coisa antes de voltar para o Pai e Louisa. Obrigado, David, por
ter assumido a culpa com Cynthia, quero dizer, eu sei que você fez isso por
Becka, não por mim, mas eu sou grato de qualquer maneira. Sempre foi o
melhor dos amigos para mim. Ou o melhor dos irmãos. — Ele estendeu a mão
direita.
David pegou, franzindo o cenho. — Isso parece adeus — disse ele. — E o
que é essa conversa sobre a morte? Você não está planejando nada tolo, não é,
Julian? Se você está, pense em Rebecca e em Papai. E em mim.
Você não vai resolver nada para qualquer um de nós, tirando a sua vida.
Julian sorriu. — Eu não sou esse tipo, Dave —, disse ele. — Eu amo a vida
demais. Além disso, sou muito covarde. Não, não estou planejando nada tão
drástico.
David continuou a franzir o cenho. — Scherer? — Ele disse. — Ele ainda
está aqui, não é? Ele estrou em contato com você hoje? Ele lançou um desafio?
— Não. — Julian riu. — Ele prefere jogar de gato e rato, eu vou ter que
tomar a iniciativa, parece.
Amanhã à tarde. Eu vou para a pousada e desafio-o se ele não o fizer. Vai
servir-lhe direito se eu matar o bastardo. Eu certamente faria um favor a
Cynthia, não acha David?
David voltou a olhar para ele. — Você quer que eu vá com você? — ele
perguntou.
— Para que eu possa esconder—me atrás de seu casaco? — Julian riu. —
Não, esses dias acabaram, Dave, eu vou sozinho, posso chamar você como um
padrinho, mas amanhã é apenas para o desafio.
— Deve haver outra maneira — disse David.
— Não com alguém como Scherer. — Julian encolheu os ombros. Cynthia
sempre costumava dizer que ele era louco, eu não percebi na época que ela
estava falando sério. Eu vou lidar com isso, Dave, eu não vou ter ele
respirando em meu pescoço toda a minha vida. Eu prejudiquei o homem, eu
admitirei isso, mas há uma maneira honrada de lidar com um homem que o
prejudicou.
Scherer não é um homem honrado.
— Não. — Disse David. — Ele não é, eu deveria ter deixado você matá-lo
quando você teve a chance, não deveria?
Julian bateu uma mão em seu ombro e o levou até a porta.
— Mas então você não teria sido fiel a si mesmo —, disse ele. — Você não
teria sido David. Além disso, acho que eu devia aprender alguma coisa sobre
mim, talvez nunca tivesse aprendido se eu tivesse matado Scherer naquele dia,
sem dúvida eu não voltaria para a sala de visitas. Isto é, a menos que você
realmente queira um jogo de bilhar.
— Não —, disse David, — Você sempre me bateu de qualquer maneira.
Por que convidar a um castigo desnecessário?
Julian riu-se.
****
Julian tinha mencionado na próxima semana o momento de sua partida para
Paris. Os dias estavam passando e logo ela seria separada de Charles
novamente por um período indefinido de tempo. Ela queria passar cada
momento de cada dia com ele. Se ela tivesse apenas que considerar, ela o teria
levado para dormir em sua cama à noite. Mas era melhor para ele dormir em
seu próprio berço no berçário.
Tudo o que a tirava dele por algum tempo era um aborrecimento. E, no
entanto, Julian insistiu muito que voltassem a caminhar pela manhã. Ele sorriu
e balançou a cabeça quando ela sugeriu levar Charles também.
— Acho que não, Becka — disse ele. — Eu quero conversar.
Ela sufocou sua decepção e mágoa. Talvez ele a mantivesse fora não mais
de uma hora. Haveria muitas horas do dia sobrando. Ela e Louisa combinaram
para levar as crianças para o lago para um piquenique à tarde. E o tempo
estava cooperando. Era um dia glorioso, mais como um dia de verão fresco do
que a primavera. O sol irradiava-se de um céu azul claro.
— O verão está chegando —, disse ela, levantando o rosto para o calor do
sol quando saíram da casa. — O verão em Paris é agradável, Julian?
— Eu não sei, — ele disse.
Ela olhou para ele. Ele não estava em sua habitual exuberância.
— Se não for —, ela disse, — vamos seguir para algum lugar melhor. Mas
provavelmente não muito longe do Sul. A Itália, dizem ser terrivelmente quente
no verão. Eu não gosto de muito calor. E você, Julian? Deve ser um
verdadeiro britânico.
— É melhor do que a chuva, eu suponho —, disse ele.
— Mal posso esperar para ir —, ela disse, sorrindo para ele. — Haverá
tantos novos lugares e coisas para ver, tanta coisa para fazer, e apenas você e
eu juntos, Julian. Eu amo Pai e Louisa carinhosamente, mas será bom estarmos
sozinhos, não é? Uma segunda lua de mel.
— Becka, — ele disse calmamente, — você não tem que fazer isso.
— Fazer o que? — Ela olhou para ele, perplexa.
— Você não tem que fingir um entusiasmo que você não sente —, disse ele.
Ela apenas olhou para ele. Ela não conseguiu pensar em nenhuma resposta.
Ele parecia muito diferente do seu eu habitual.
— Eu me lembro —, ele disse, — quando fomos prometidos pela primeira
vez, que você estava animada com a ideia de ir para casa comigo. Você queria
sua própria casa e seu próprio lugar na sociedade. Você deve ter ficado muito
chateada quando eu comprei minha comissão.
Ela tinha ficado. Terrivelmente. — Era o que você queria Julian — disse
ela. — Eu sempre quis o que você queria.
— Você nunca se queixou — disse ele. — Você nunca gostou realmente da
vida de uma esposa de oficial. No entanto, se não estivéssemos deambulando
tanto, talvez você não tivesse perdido aqueles dois bebês.
— Oh, Julian —, ela disse, — não se culpe, eu me casei com você porque
eu te amava e porque eu queria estar com você. A única vez que eu fiquei
realmente infeliz foi quando você foi para Malta e eu tive que ficar em casa.
— Você sempre foi tão obediente —, disse ele, — que eu era dado muito a
seguir o meu próprio caminho. Você deveria ter gritado e delirado, Becka.
— Mas era seu deve… — disse ela.
— Quero dizer, antes mesmo de comprar a maldita comissão — disse ele.
— Eu fiz isso só porque eu queria ser tão bom quanto David, você sabe.
Porque eu queria que meu pai me amasse tanto quanto ele amava Dave.
— Oh, ele sempre fez isso, Julian —, disse ela, angustiada.
— Na verdade, não —, disse ele. — Oh, ele tentou, ele era um bom pai
para mim e ainda é. Mas é compreensível que David signifique mais para ele.
Eu não estou o culpando. Devo-lhe uma grande dívida de gratidão. Mas de
qualquer maneira Becka, eu fui o pior marido do mundo para você.
— Você não foi. — Ela abraçou seu braço com lágrimas nos olhos. —
Julian, eu te amei, fiquei feliz com você, oh, eu estava, e seremos felizes de
novo, uma vez que saiamos daqui nós dois, seremos o casal mais feliz nesta
terra.
— Acho que você encontrou com David o que você sempre sonhou —,
disse ele. — David deu-lhe tudo o que você mais queria Becka — uma casa
própria, um trabalho significativo para mantê-la ocupada lá, amigos, uma
criança, sua devoção indivisa. Eu deveria ter tentado dar-lhe essas coisas, mas
não. Minha própria vida e você também. No entanto, eu acho que nunca teria
sido capaz de lhe dar o que David lhe deu. Não acho que seja capaz disso,
Becka.
— Somos todos diferentes —, disse ela. — Você gosta de uma vida mais
variada e excitante. Também vou gostar disso.
— Não. — Ele a cortou. — Não, você não vai ser feliz em qualquer lugar,
menos em Stedwell com David e a criança, é o tipo de vida que você precisa.
Ele respirou fundo. E ele é o homem que você precisa.
David é o único, Becka.
— Não, — ela disse, piscando para livrar seus olhos das lágrimas
irritantes. — Eu gostava dele, Julian, mas eu te amo.
— Ele sempre foi o único —, disse ele. — Você teria visto isso se você
não tivesse exigido tanto do homem com quem você estava a partilhar a sua
vida. E se tivéssemos dito a verdade, ele e eu na verdade, ele tem cumprido
com suas expectativas, você saiba ou não. Dave foi sempre seu homem, Becka
— firme, confiável e leal.
— Não. — Ela não sabia para onde isso estava levando, mas sua voz
estava tremendo. Não poderia haver tanta verdade entre eles. Agora não.
Como iriam continuar se admitiam tudo isso um para o outro?
Como eles iriam lidar com isto o resto da vida juntos?
— Quero que você se divorcie de mim, Becka — disse Julian.
Ela parou de andar abruptamente. O mundo começou a escurecer nas bordas
de sua visão.
— O quê? — A palavra foi sussurrada.
— O divórcio é permitido agora —, disse ele. — Mesmo eu sei sobre a
nova lei, apesar de ter estado fora. Eu quero que você se divorcie de mim. Por
adultério. Eu posso te dar fundamentos. Você sabe de uma infidelidade, e eu
admiti as outras ontem. Dar-lhe-ei todos os fundamentos que você precisa,
Becka.
— Não! — Ela ainda estava sussurrando. Mas ela encontrou sua voz. —
Não, Julian. Não me importa o que a nova lei diz, o divórcio está errado, não
deve haver tal coisa, para mim não pode haver. Nós nos casamos na igreja,
fizemos votos diante de Deus, para melhor ou para pior, temos de permanecer
juntos.
— Eu poderia viver até os noventa anos, Becka — disse ele. — Em todo
esse tempo você nunca seria capaz de admitir amar David, mesmo para si
mesma. Você nunca seria capaz de tocá-lo novamente ou confiar nele ou rir
com ele ou fazer amor com ele.
— Você é meu marido — disse ela.
— E você veria a criança apenas por uma semana ou duas aqui e ali —,
disse ele. — Ele cresceria praticamente como um estranho para você, Becka.
E ele não teria irmãos ou irmãs a não ser que Dave os tenha com outra mulher.
Ela não pretendia gemer, mas ouviu-se fazê-lo.
— Eu não acho que ele vai —, disse ele. — Você é sua esposa, Becka, e ao
contrário de mim, David nunca será infiel, mesmo que isso signifique ser
celibatário para os próximos quarenta ou cinquenta anos.
— Julian, não. Ela ficou zangada de repente e se virou para caminhar
rapidamente. — Não pode haver a questão de divórcio, a ideia é impensável.
— É algo que eu preciso também, Becka, — ele disse, alcançando-a. Mas
ela parou de andar novamente. — Ponha-se em meu lugar. Eu volto esperando
que todos estivessem esperando por mim por anos, esperando encontrar você
chorando por mim. E o que eu encontro? Eu encontro que eu fui reportado
morto e que a vida continuou sem mim. E realmente acabou bem para todos.
Eu acho você e David casados e apaixonados e pais de uma criança. Eu sei
que eu mereço tudo isso. Mas a única maneira que eu posso ser punido é não
punir todos os outros. Isso seria punição para me casar com você, Becka,
porque eu saberia que eu estava punindo duas das três pessoas que mais
significam para mim no mundo — você e David. E a terceira também sofreria
— O coração do pai está doendo por David. Tenho que começar de novo,
talvez eu possa fazer melhor do que até agora, mas primeiro você tem que se
divorciar de mim.
— Não. — Mas era um protesto angustiado ao invés de uma firme negação.
Como poderia divorciar-se dele? Ela estaria quebrando todas as regras,
todos os princípios morais, todos os escrúpulos religiosos que ela sempre
tinha tido se ela se divorciasse dele. Se o fizesse, nunca poderia casar com
David ou qualquer outra pessoa. Pois em sua própria mente ela nunca
acreditaria que seu casamento estava terminado e seus votos matrimoniais
vazios.
— Pense nisso, Becka. Ele pegou ambas as mãos dela e apertou-as com
força. — Eu sei que você me ama, querida, e você sabe que eu te amo, mas
não é o tipo de amor que deveria ter-nos levado ao casamento. A melhor
maneira de mostrar nosso amor é nos libertar.
Ela balançou a cabeça lentamente. — Não posso Julian — disse ela. —
Não me fale nisso, não me force a isso, não é algo sobre o qual eu deva ser
obediente. Você está me pedindo para fazer algo que está errado. Eu não seria
capaz de viver comigo mesma.
— Então, quatro vidas devem ser destruídas —, disse ele. — A sua, a
minha, a do David e do seu filho.
— Justificar algo não o faz ser certo —, disse ela. — Há algo como certo e
errado, Julian. Não é apenas o que se sente bem ou o que causa menos
sofrimento. Certas coisas estão erradas, independentemente do bem que possa
vir a sair delas.
Seu sorriso foi torcido quando ele a puxou para seus braços. — Você é uma
tola preciosa, Becka — disse ele. — Eu estou tentando fazer algo para que
você tenha uma mudança. Eu estou tentando fazer algo decente em minha vida.
Pense nisso. Você promete-me que pensará? Converse com outras pessoas
sobre isso se você deseja… Vamos falar outra vez amanhã?
Ela colocou as mãos nos ombros dele e olhou para o seu rosto pálido. —
Julian —, disse ela. — Oh, Julian, meu amor, meu menino feliz, charmoso e
bonito, o que aconteceu?
— Eu acho que é hora de crescer, Becka —, disse ele, sorrindo para ela e
de repente a olhou como o Julian que ela se lembrava. — Depois de tudo isso,
poderemos olhar para trás sem dor e lembrar-nos de todos esses bons
momentos.
— Ou podemos continuar e recuperá-los —, disse ela.
Ele a beijou firmemente nos lábios e a abraçou para ele. — Me prometa que
vai pensar um pouco e não decidir finalmente até pelo menos amanhã, — disse
ele.
Como ela poderia manter uma mente aberta quando não havia nada para
decidir? — Eu prometo — disse ela.
— Boa garota. — Ele bateu nos lados de sua cintura e a pôs ao lado dele.
Agora volte para a casa e volte para a creche. Você não se cansa de brincar
com uma criança o tempo todo?
— Não. — disse ela.
— Ele é uma coisinha bonita, devo confessar —, disse ele. — Só aqueles
olhos azuis vão ser uma perdição para as mulheres quando ele crescer. Agora,
me conte tudo sobre seus planos para esta tarde, para que tenhamos algo para
conversar entre aqui e a casa.
— Vamos fazer um piquenique — disse ela.
— Os detalhes, por favor — disse ele alegremente.
****
David estava preocupado com Julian. Ele ter-se-ia sentido muito mais feliz
se ele pudesse ter ido para a pousada com ele. E se um duelo fosse organizado
em algum lugar perto de Craybourne? Era impensável.
O pensamento de um duelo depois de tudo era terrível, e logo depois da
provocação. Um deles ia acabar morto. E então havia sempre a possibilidade
de que Julian simplesmente atirasse em Scherer à direita na pousada e
acabasse pendurado por assassinato. O próprio pensamento fez David suar.
Mas reconheceu a necessidade de Julian ir sozinho. E sua própria
necessidade de ficar longe. Proteger Julian mantê-lo longe do mal, não confiar
nele para fazer a coisa certa quando deixado sozinho, estava tão
profundamente enraizado nele desde a infância que era difícil agora quebrar o
hábito. E, no entanto, era ridículo não fazê-lo. Julian agora tinha vinte e oito
anos e ele tinha trinta. Nenhum deles, por qualquer extensão da imaginação,
poderia ser chamado de um menino.
E então ele escolheu por si mesmo para esperar o resultado do confronto e
observou melancolicamente enquanto Julian saiu rapidamente pela entrada em
direção à aldeia. Entretanto, ele tinha outras preocupações. Ele sentia-se
desconfortável com o fato de Scherer estar hospedado na vila e preocupado
com Rebecca. Ela era, afinal, a esposa de Julian. E se ele não pudesse
proteger Julian, então ele poderia fazer algo sobre manter um olho em
Rebecca.
O problema era que ela e Louisa tinham ido para um piquenique na beira do
lago, levando as crianças com elas. Elas haviam andado até lá e estavam tendo
a comida levada pela carroça.
Era ridículo preocupar-se. Elas estariam em terras de Craybourne toda a
tarde. Além disso, era de Julian que Scherer estava realmente atrás, e ele
sabia que Julian estava vindo para a estalagem para lhe dar qualquer
satisfação que ele pudesse exigir. Mas David não podia deixar de se
preocupar. Ele tinha tido muitos encontros com Sir George Scherer para não
confiar nas ações do homem.
Ele não podia simplesmente se convidar ao piquenique. Mas persuadiu seu
pai a dar um passeio com ele na direção do lago quando ele voltou de uma
visita que ele teve que fazer a um inquilino.
Ele não esperava que fosse um longo passeio. Eles podiam andar ao redor
do lago, decidiu David, sem perturbar as mulheres e as crianças. Ele ficaria
mais feliz de tê-la em sua visão até que soubesse exatamente o que tinha
acontecido com a visita de Julian na estalagem.
David instruiu um servo para chamá-lo assim que seu pai retornou e então
se preparou para a caminhada. Hesitou muito tempo diante de uma cômoda no
quarto de vestir, antes de puxar uma das gavetas e retirar uma pistola, a mesma
que tinha atirado em Julian. Ela estava cuidadosamente embrulhada e
perfeitamente limpa, mas ele verificou-a com lenta deliberação e carregou-a
antes de colocá-la no cinto de suas calças.
Suas pernas tremiam, ele achou enquanto se afastava da cômoda. E ele
estava sendo ridículo. Mas ele não guardou a arma de volta.
Houve uma batida na porta alguns minutos depois e seu criado entrou em
seu quarto de vestir. Havia uma mensagem do conde, explicou o homem. Um
menino tinha sido enviado com ela. O visconde Tavistock deveria ir-se juntar
ao conde com toda a pressa na cabana de Paul Wiggins.
— Wiggins? David disse com uma careta. — Ele vive a quilômetros de
distância. O que diabos meu pai está fazendo lá? Eu pensei que ele estava indo
para algum lugar por perto.
Seu criado não pôde dar nenhuma resposta satisfatória.
— E o que diabos ele pode querer comigo? — David franziu o cenho. —
Onde está o garoto?
— Ele se foi, meu senhor — disse o homem. — Era uma mensagem verbal
sem resposta, mas ele enfatizou que Sua Senhoria disse que a questão era
urgente.
— Então é melhor ir — disse David, afastando-se do quarto. O piquenique,
sem dúvida, demoraria e então eles poderiam voltar para casa novamente e
caminhar até o lago. Mas tudo estava provavelmente bem.
Rebecca seria capaz de relaxar e desfrutar da tarde muito mais sem ele à
vista.
Enquanto preparava o cavalo nos estábulos e se inclinava para a sela,
voltou a pensar no pai e no estranho apelo. De repente, sentiu o peso de sua
pistola, que se esquecera de colocar na gaveta na pressa de estar em seu
caminho. Ele pensou em entregá-la a um criado, mas ele deu de ombros e saiu
correndo do estábulo. Afinal, durante muitos anos, quando ele tinha sido um
oficial dos Guardas, sua pistola tinha sido quase como um membro extra para
ele.
****
Sir George e Lady Scherer haviam tomado o segundo quarto à direita no
final da escada, disse a mulher do estalajadeiro a Julian quando ele fez
perguntas no andar de baixo. Ele subiu as escadas severamente e bateu na
porta. Ele não sabia o que esperar, mas de uma coisa ele estava certo. Ele não
ia deixar Scherer jogar com ele por mais tempo. Ele tinha dormido com a
esposa do homem há quatro anos e os dois homens tinham lutado, embora
David tivesse interrompido o ato no final. Era hora de que tudo acabasse de
uma vez por todas.
Não houve resposta para sua batida. Julian estava furioso. Outro movimento
no jogo. Scherer sabia que ele estava vindo e deliberadamente se ausentara.
Bem, ele esperaria, Julian decidiu, até que o homem e sua esposa retornassem.
Eles obviamente não voltaram para Londres ou a esposa do gerente teria dito a
ele. Maldito fosse, ele esperaria.
Mas quando ele se virou da porta, ouviu um som. Um som abafado, mas
mesmo assim muito distinto. Estava vindo de dentro do quarto. Ele bateu de
novo.
— Olá —, ele ligou. — Scherer, você está aí?
Novamente o som. Porra, o homem tinha deixado sua esposa para trás e
amordaçoa. Julian pensou. Esse era o som — o som de alguém que não podia
chamar porque ela estava amordaçada ou chegava à porta porque ela estava
amarrada em algum lugar. A porta estava trancada.
Mas ele estava descendo as escadas e de volta com uma chave extra, tudo
dentro de um minuto. A mulher do estalajadeiro não tinha discutido quando viu
seu rosto.
Era como Julian pensara. Uma cadeira tinha sido amarrada à perna da cama
e Cynthia Scherer à cadeira. Ela tinha sido amordaçada com uma de suas
próprias meias.
— Onde ele está? — ele perguntou, tirando a mordaça antes de atacar os
nós que a prendiam. — Você está machucada?
— Não, — ela disse, lambendo a secura de seus lábios. — Acho que ele
queria que você me ouvisse assim que batesse. Ele só queria que o tempo
fosse a seu favor. Ele não queria que eu estivesse correndo para avisar alguém
muito cedo.
— Avisá-los do quê? — Ele perguntou, esfregando uma de suas mãos e
pulsos enquanto ela estremeceu.
— Ela vai fazer um piquenique esta tarde, não é? — Ela disse. — Perto do
lago da propriedade com seu filho.
— Becka? Ele se levantou e empalideceu. — Ele não vai atrás de Becka,
não é?
— Sim, — ela disse sua voz aborrecida. — E ele se assegurou de que eu
soubesse, ele pretende que você vá lá também, Julian.
— Estou a caminho — disse ele, correndo para a porta.
— Julian. — Sua voz o interrompeu por um momento. — Ele está louco,
tem cuidado, quer te matar.
— Eu estou furioso — disse ele. — Suponho que isso nos torne iguais,
Cynth. Talvez eu o mate por você e te liberte.
Ela riu sem humor, mas ele não a ouviu. Correu pelo corredor superior e
desceu as escadas de dois em dois degraus. A mulher do estalajadeiro olhou
para cima com interesse quando ele passou por ela.
Se Scherer colocou um dedo em Becka, Julian pensou — um único dedo —
ele era um homem morto. Pensou com pesar no fato de que não tinha uma arma,
mas não havia tempo para voltar para casa. Suas mãos teriam que fazer tudo.
Ele rasgaria cada membro do corpo do homem com suas mãos se tivesse que
fazer.
Ele subiu na sela de seu cavalo e o instigou para um galope mesmo antes de
ele ter deixado a aldeia atrás dele.
Capítulo 29
Rebecca e Louisa caminharam até o lago, levando uma quantidade
considerável de tempo para chegar até lá porque Katie não podia andar em
uma linha reta e teve de explorar o lado oculto de cada árvore dentro de vinte
metros de sua rota. E Charles não estava disposto a ficar nos braços de
Rebecca, mas teve que descer e caminhar parte da distância, ambas as mãos
esticadas acima da cabeça e mantidas firmemente por sua mãe. E ele também
insistiu em ver o que estava por trás de algumas das árvores.
— Ah —, Louisa disse quando finalmente chegaram à sua parte favorita do
lago — a extremidade selvagem e cheia de juncos — paz, tranquilidade e
relaxamento —. Ela ajudou Rebecca a espalhar os cobertores que elas
trouxeram e afundou em um deles.
Mas as duas mulheres estavam rindo, um tanto pesarosas, nada menos que
dois minutos depois, quando tiveram que intervir para romper uma briga feroz
entre as duas crianças.
— Tivemos o cuidado de trazer duas bonecas de pano quase idênticas —,
Rebecca disse, rindo, e ainda assim, eles têm que lutar pela mesma.
Será que vou ensinar Charles para ser um cavalheiro, você acha?
Mas o pensamento a acalmou. Ela não teria uma chance de ensinar muitas
coisas a Charles. A menos que...
Mas a sugestão de Julian era impensável. E ela não pensaria nisso, embora
ela tivesse prometido a ele que faria exatamente isso. Não esta tarde. Esta
tarde seria puramente por prazer. Decidiu isso antes de deixarem a casa.
— Talvez assim que eu consiga ensinar a Katie a ser uma dama — disse
Louisa com um suspiro. — E pensar que estou prestes a largar outro
monstrinho no mundo … Somos mulheres loucas, Rebecca?
Mas finalmente parecia haver um momento de paz. Katie, que venceu o
argumento sobre a boneca, rapidamente perdeu o interesse por ela e agora
estava brincando com a outra. Charles se convenceu de que havia algo de
grande interesse sob os cobertores e estava tentando desviar-se por baixo
daquele em que Louisa estava sentada.
— Ah, bem-aventurança —, Louisa disse, fechando os olhos e levantando o
rosto para o sol. — Eu me pergunto por quantos minutos ou segundos ela vai
durar? Devo contar? — Ela riu.
Era improvável que fossem capazes de relaxarem completamente com as
crianças presentes, Rebecca pensou, mas era uma felicidade de qualquer
maneira. Na semana que vem ela não teria mais Charles, e talvez passassem
meses antes de vê-lo novamente. Mas ela impiedosamente bloqueou o
pensamento e se dispôs a desfrutar da tarde ao máximo. Mas algo chamou sua
atenção para a borda das árvores por onde haviam caminhado apenas dez
minutos antes.
— Oh, não, — ela disse. — Quem lhe disse que nós estaríamos aqui, eu me
pergunto.
Louisa olhou por cima do ombro para onde Rebecca estava olhando e fez
uma careta quando voltou o rosto novamente. — Que homem estranho ele é —
disse ela. — Eu sei que ele veio para Craybourne porque ele descobriu que
Julian estava vivo e queria prestar homenagem, e ele era amável quando
chegou, mas eu não posso gostar dele. Você também, Rebecca?
Mas não havia tempo para mais discurso. Sir George Scherer estava ao
lado delas e as cumprimentava efusivamente, comentando sobre a perfeição do
dia e a beleza do lago. Louisa sorriu polidamente para ele. Rebecca olhou
para ele, com os lábios cerrados.
— Mil perdão por invadir, senhora — disse, curvando-se para Louisa.
— Mas o ar fresco e a beleza do campo me chamaram.
— Posso entender isso, senhor — disse Louisa. — Esta é uma bela parte do
mundo, mas você não trouxe Lady Scherer com você?
— Cynthia está amarrada a outras preocupações, senhora — disse ele,
esfregando as mãos e olhando ao seu redor.
Rebecca sentiu-se inquieta. Sir George Scherer, ela suspeitou, não fazia
nada por amor à beleza ou ao ar fresco. Ele sabia que estavam no lago fazendo
um piquenique, assim como parecia saber muito sobre seus movimentos — os
dela, os de David e de Julian. Ele tinha sabido e assim ele tinha vindo para
estragar a tarde para ela. Parecia estranho vê-lo sem sua esposa. Quando
respondeu à pergunta de Louisa, Rebecca formou uma imagem literal de suas
palavras. Parecia quase como se ele quisesse dizer isso literalmente.
Ela se perguntou se ele queria matar Julian ou se ele simplesmente
pretendia atormentar a família de Julian.
— Não vai sentar-se no cobertor, senhor? — perguntou Louisa
educadamente. — Nosso chá de piquenique deve estar chegando em breve.
— É muito amável de sua parte, senhora — disse ele —, mas eu não
gostaria de me intrometer em uma cena de tal felicidade doméstica.
Continuarei meu passeio e deixarei as senhoras para desfrutar um pouco de
paz e silêncio.
Mas ele não se moveu imediatamente. Em vez disso, ele caiu sentado para
rir de Charles, que estava se levantando, usando o braço de Louisa como um
suporte, e então sentando-se novamente quando ele perdeu o equilíbrio.
— Você tem um belo homem aqui, senhora —, ele disse, dando um tapinha
na bochecha de Charles com um dedo. — Ele estará andando e levando uma
dança alegre antes que você perceba.
Rebecca sentiu uma garra de arrepio em suas costas quando ele tocou seu
filho e disse a si mesma para não ser tola. Mas ela desejava que as pessoas
não anunciassem que já estavam de saída, a não ser que isso significasse
literalmente o que disseram.
Estava zangada com o homem. Como se atrevia a se intrometer,
especialmente quando ele estava invadindo.
— Ah, Charles é de Rebecca — disse Louisa. — Katie é minha filha. Ela
indicou a filha, que estava brincando silenciosamente com a boneca de pano a
uma curta distância.
— Mas é claro — disse Sir George. — Eu deveria ter-me lembrado de que
o filho do major Tavistock era homem, e esse garotinho tem os cabelos
dourados de Lady Cardwell… Como você deve estar orgulhosa dele, senhora.
Ele virou a cabeça para sorrir para Rebecca.
— Sim, — ela disse rigidamente.
— É meu único remorso em um casamento perfeito — disse ele —, que
Cynthia nunca pôde me presentear com os pequeninos. — Dirigiu-se a Louisa.
Vá embora, Rebecca disselhe em silêncio e desejou ter a coragem que
David teve de pedir que saísse de Stedwell em duas ocasiões. E então seu
coração saltou diretamente em sua garganta e ela estendeu a mão com ambos
os braços. Sir George Scherer tomou as mãos de Charles e levantou-o sobre
seus pés e estava se movendo para trás sobre seus joelhos enquanto Charles
caminhava em sua direção. Sir George estava rindo.
— Esse é o meu homenzinho —, disse ele.
Rebecca abaixou os braços. O ódio era uma coisa terrível. Era estúpido e
irracional. Quase esperara por um momento que Sir George estivesse prestes a
pegar seu filho e sair com ele. Ela deliberadamente olhou a seu redor e
lembrou-se que ela estava na terra de Craybourne durante um lindo dia de
primavera em meados do século XIX. Mas desejava que Louisa não
mencionasse o chá. Certamente ele não se convidaria a ficar depois de tudo,
não é?
Seu estômago se revirou de repente quando Sir George fez exatamente o
que ela esperava que ele fizesse alguns momentos antes — ou parte dele de
qualquer maneira. Ele se endireitou para uma posição de pé, levando Charles
com ele. Seu sorriso se alargou enquanto olhava para as árvores.
— Oh, deixe-o descer — disse Rebecca. — Ele não gosta de ser preso,
temo que ele tenha muita energia. — Ela olhou por cima do ombro. Julian
estava caminhando em direção a eles com bastante lentidão, seus olhos fixos
em Sir George. Oh, agora eles estavam com problemas, ela pensou. — Deixe-
o descer. — Charles já estava começando a se contorcer.
— Ah, Cardwell — disse Sir George, levantando a voz — tive a sorte de
me deparar com as senhoras e seus filhos durante a caminhada da tarde.
— Por favor, coloque-o no chão. — Rebecca levantou-se e estendeu os
braços para tomar Charles, mas Sir George deu um passo para trás, sem tirar
os olhos de Julian.
— Eu bem te conheço, Scherer, — Julian disse agradavelmente. — Eu
visitei você na pousada, mas não havia ninguém lá, agora eu posso ver por
quê… É um dia lindo, não é? Vamos dar uma volta pelo lago, vamos? Coloque
o garoto no chão —. Ele riu. — Ele não é avesso à mordida se for contra sua
vontade, e na última vez que eu o abracei acabei com um braço e um peito
molhados. Eu não fiquei muito divertido na época, fiquei Becka?
Julian nunca tinha segurado Charles. Rebecca ficou assustada de repente.
Não mais apenas irritada ou inquieta, mas definitivamente assustada. Sir
George caminhava lentamente para trás, com um sorriso fixo em seu rosto. Ele
ainda segurava Charles em seus braços, embora a criança estivesse gritando
em protesto agora.
— Tenha cuidado — disse Rebecca, com uma mão rastejando até a
garganta.
— O lago está atrás de você, senhor. Estava ficando perigosamente perto
dele.
— Por favor, baixe Charles.
— Eu digo — disse Louisa, soando intrigada e irritada. — Isso não é
cortês, senhor, por favor, devolva o bebê a Rebecca.
— Vamos andando — disse Julian, seu tom um pouco mais cauteloso do
que tinha sido antes. — Temos assuntos a discutir.
— Não, Cardwell — disse Sir George. — Não temos nada a discutir: um
olho por olho não é? Acredito no que a Bíblia permite. Você sujou a minha
esposa e destruiu meu casamento, devo fazer algo semelhante a você.
É justo, acho que você concorda. A coisa mais justa pode ser que eu possua
sua esposa diante de seus próprios olhos. Não pense que não fui tentado. Ela é
um bocado deliciosa. Mas ao contrário de você, Cardwell, eu não acredito em
adultério. Um homem deve ter seus escrúpulos, você sabe.
Além disso, eu não gosto particularmente de uma mulher que se prostituía
com outro homem enquanto você estava fora.
— Ah, meu Deus! — A voz de Louisa estava trêmula. Tinha agarrado Katie
nos braços.
Ele não iria deixar Charles ir. Rebecca reteve o pânico que ameaçava
envolvê-la por puro esforço de vontade.
— Isso é entre você e eu — disse Julian friamente. — Vamos a algum lugar
onde possamos resolver isso de homem para homem.
Você está muito perto do lago.
Um passo, dois passos mais... Não havia mais ar para respirar de repente.
Charles estava protestando alto. Sir George ergueu uma mão e golpeou-o
com força na fralda. Os protestos chegaram a uma parada indignada e depois
se renovaram em um volume mais alto.
— Tive de me perguntar — disse Sir George, tendo que erguer a voz para
ser ouvido acima das queixas de Charles — o que era mais importante para a
sua esposa do que qualquer outra coisa, Cardwell… O que poderia destruir
seu casamento com mais eficácia e trazer o ódio para ele como você trouxe o
ódio ao meu? Eu não tive que olhar muito longe para encontrar a minha
resposta.
— Meu Deus — disse Louisa.
Rebecca não conseguia reagir.
Julian deu dois passos decididos para a frente e depois parou abruptamente.
Sir George Scherer, ainda sorrindo, segurou Charles com um braço e tirou uma
pistola do bolso com a mão livre. Apontou diretamente para o coração de
Julian.
— Eu não faria isso se eu fosse você —, disse ele.
Pareceu a Rebecca que ela devia estar no meio de um pesadelo
particularmente bizarro e desagradável. Mas ela sabia que não estava.
Ela mal ousava respirar. A atenção de Charles foi apanhada por um
brinquedo novo e ele parou de berrar para alcançar a arma. Ele foi empurrado
para trás e berrou novamente.
— O que você quer? — A voz de Julian estava cortada, mas curiosamente
calma.
— Eu pensei que eu já tinha deixado isso claro —, disse Sir George. — Eu
quero que você sofra como eu sofri Cardwell. Quero que sua esposa te odeie
como ninguém jamais odiou.
Ele ia matar Charles. Rebecca ofegou por ar.
— Atire em mim, então, — Julian disse com desprezo em sua voz. — Mate-
me e acabe com isso, mas deixe a criança ir, ele não é nem meu, por que eu
deveria me importar com o que acontece com ele? Você não pode chegar a
mim por prejudicá-lo.
Sir George riu. — Isso não foi nem uma tentativa decente, não é, Cardwell?
— ele disse. — Vocês ficarão todos exatamente onde estão ou haverá mais de
uma morte esta tarde.
— Você está louco — gritou Louisa. — Solte a arma nesse instante. Solte
Charles. Saia daqui. Saia das terras do meu marido.
Houve um grito — mais de um — da direção das árvores, mas eles não se
registraram na mente de Rebecca. Ela ouviu apenas as palavras seguintes e só
viu o que aconteceu depois de gritar, gritar e gritar.
— Pôr o pirralho para baixo? — disse Sir George, rindo. — Certamente,
senhora. Ele balançou o braço para trás e lançou Charles para a água e entre
os juncos.
****
Julian viu a arma e sabia muito bem que ia ser usada para deter qualquer
pessoa que pudesse tentar salvar a vida da criança. Ele sabia que ele tinha a
intenção de afogar a criança diante de seus olhos. Ele não hesitou. Ele
mergulhou baixo, sob a arma e para a água. Sentiu calor no ombro direito e
soube que fora atingido, embora curiosamente não tivesse ouvido o tiro. Mas
ele ignorou a dor e o derramamento de sangue na água.
A criança não tinha sido jogada longe. Ele estava engasgando e ofegante,
tentando chorar quando Julian o agarrou e ergueu a cabeça dele livre da água.
A qualquer momento, ele esperava sentir outro tiro ou ver o bebê estremecer
quando fosse atingido. Virou-se para pôr seu corpo entre a criança e a margem,
bem ciente de que, quando fosse morto, arrastaria a criança com ele.
E então os gritos de Becka penetraram em sua mente — ela estava gritando
desde que seu filho tinha sido jogado na água — e mais uma voz estava
gritando. Era a voz de David. Ele virou a cabeça para olhar por cima do
ombro e estremeceu. Dave estava ajoelhado na margem, os braços estendidos
para ele.
Becka estava de pé atrás dele, não mais gritando, com o pai segurando-a
firmemente. Louisa estava a poucos metros de distância, segurando a filha. Ele
não podia ver Scherer.
— Entregue-o para mim, Julian — disse David — e então você pode-se
desembaraçar. Scherer está morto.
Ele estava deitado de bruços um pouco para a direita de David. Ele podia
confiar em Dave por estar soando perfeitamente calmo e cada centímetro do
Major Lorde Tavistock estava de volta.
Julian quase sorriu exceto que seu ombro estava-lhe doendo como mil
diabos e ambas as botas se enredaram nos juncos e a criança gritava em seu
ouvido.
— Eu não posso me mover, Dave —, ele disse. — Aqui, você terá que o
pegar.
Não era fácil jogar uma criança quando os braços já estavam no nível do
tórax e um ombro tinha sido quebrado por uma bala de pistola, e a criança
estava-se contorcendo. Mas a distância não era grande e Dave estava-se
inclinando para frente. O bebê caíu na água, mas Dave conseguiu pegar nele
por um triz, e em um minuto estava de pé a colocá-lo nos braços Becka que
estavam esperando.
Demônio, Julian pensou, esses juncos eram uma armadilha mortal. Eles
seguravam suas pernas como os tentáculos de um polvo gigante. Ele respirou
fundo e mergulhou para desembaraçar-se. E, no entanto, ele tinha apenas uma
perna livre antes de ter de subir à superfície para aspirar o ar novamente.
Ele olhou para a margem, mas ninguém ainda estava olhando para ele. Eles
sabiam que ele era um nadador forte e em nenhum perigo real.
Toda a atenção estava focada na criança, que estava chorando nos braços
de Becka, enquanto Dave os segurava com força e Louisa estava enrolando um
dos cobertores sobre o bebê. O Pai estava segurando a filha e observando.
Havia apenas alguns segundos que Julian deixara o bebê fora do lago. Logo
eles se voltariam para ele, ele sabia. Ele sabia que eles o amavam — Becka,
David e o Pai. Ele sabia que David e o Pai sempre o amaram e o trataram
como irmão e filho desde o momento de sua chegada a Craybourne, quando ele
estava perplexo com o estranho desaparecimento da sua vida de sua própria
mãe e papai.
Eles o amavam e ainda assim formavam um grupo familiar perfeito lá na
margem, sem ele. O Pai com sua nova esposa e família. David, Becka e a
criança — os três se agarraram firmemente, sem se importar com o fato de que
já não pertenciam juntos — porque havia Julian. E Becka não se divorciaria
dele, ele sabia. Nunca foi de Becka tomar a saída mais fácil se o caminho mais
fácil envolvesse o que ela concebia como pecado.
A imagem da família e o pensamento de sua própria intrusão nela, apesar de
sua convicção de ser amado por todos se imprimiram na mente de Julian
dentro de um segundo e vários segundos antes que aqueles na margem
pensassem em voltar-se para ele com preocupação.
Ele podia sentir os juncos enrolando-se irritantemente sobre sua bota livre
novamente. E seu braço direito estava ficando entorpecido sob o ombro
ferido. Ele ainda podia se libertar facilmente. Sempre se sentira em casa na
água. E ele sempre poderia pedir ajuda a David se seu braço estivesse
realmente incapacitado. Mas...
Seus olhos pousaram em Rebecca novamente. Ela estava segurando o
embrulho enrugado do filho que significava mais para ela do que a vida. E sua
cabeça estava inclinada para o lado e descansando no ombro largo de David.
Ele queria fazer algo por ela, ele tinha dito a ela apenas naquela manhã. Ele
queria fazer algo decente em sua vida para uma mudança.
Bem...
Ele mergulhou para debaixo da água para separar as pernas sem primeiro
engolir ar em seus pulmões. Sentiu medo enquanto puxou os juncos, sua
decisão não foi tomada. Ainda não era tarde demais. Se ele arrancava com as
pernas, assim como puxava com sua mão boa, estaria livre em um minuto.
E então, antes que ele pudesse cometer o erro de pensar demais e antes que
ele pudesse se permitir covardia, a ruína de sua vida, para controlá-lo, ele
respirou profundamente pela boca.
****
David tinha encontrado seu pai pela mais pura chance apenas a três milhas
de casa. Ele estava em uma encruzilhada com árvores grossas em todos os
lados.
Mais um minuto, e eles certamente ter-seiam perdido um ao outro. Fora o
conde que tinha saudado David, que estava tão empenhado em chegar
rapidamente ao seu destino distante que ele não estava olhando ao seu redor.
O conde tinha ficado espantado e intrigado e sem saber, quando perguntado
qual era o problema, e por que ele estava indo para casa quando deveria haver
uma questão de grande urgência na casa dos Wiggins. O conde não tinha estado
perto dos Wiggins em quase três semanas.
E então a verdade tinha atingido David com absoluta certeza. Ele não tinha
nenhuma dúvida de que Scherer estava por trás da estranha mensagem e que
seu propósito tinha sido tirar David do caminho. Mas por quê?
Fora do caminho de quê? David tinha planejado ir ao lago porque as
mulheres e as crianças estavam lá. Scherer também sabia disso? Mas é claro
que ele sabia. Ele sempre parecia saber tudo sobre Julian, Rebecca ou ele
mesmo.
E se parecia necessário a Scherer certificar-se de que David e seu pai não
fossem ao lago, e se Scherer soubesse que Julian estava a caminho da
estalagem…
— O seu cavalo é novo? — perguntou ao pai. — Pode galopar? Temos de
chegar ao lago o mais depressa possível.
Seu pai tinha franzido a testa, mas tal era a urgência com que David falava
que ambos estavam galopando de volta para Craybourne antes de começar a
fazer perguntas. David lhe respondeu tão brevemente quanto possível. Não
conseguia imaginar o perigo em que Rebecca estava, mas não tinha dúvida de
que ela estava em perigo. Scherer estava perturbado.
Em vez de desafiar Julian para um duelo e tentar matá-lo por um erro
admitido, ele faria mal a Rebecca.
Eles tinham deixado seus cavalos que estavam entre as árvores que
cercavam o lago. Tentar passear pelas árvores só os atrasaria. Eles tinham
corrido o resto do caminho, o conde apenas um pouco atrás de David.
A visão que encontrou os olhos de David quando ele teve vista do lago
quase o paralisou por um momento. Scherer estava de pé, de costas para o
lago mas muito perto dele, apertava Charles em um braço, uma pistola na outra
mão. Julian estava a poucos metros de distância, prestes a saltar. Rebecca
estava de pé em um dos cobertores com ambas as mãos apertadas contra a
boca. Louisa estava segurando Katie.
David gritou e ouviu seu pai fazer o mesmo. No mesmo instante, Scherer
recuou o braço e jogou Charles no lago. Rebecca gritou, Julian mergulhou para
a água, e Scherer disparou contra ele.
David ouviu o tiro e depois outro, quase simultâneo.
Houve um sentimento estranho de deja vu, por um breve momento. Sir
George Scherer virou-se para olhá-lo, com a surpresa em seu rosto, e então se
lançou para frente. David olhou para a pistola fumegante em sua mão.
Mas o momento durou talvez menos de um segundo. No instante seguinte,
ele estava correndo para o lago, passando por uma Rebeca histérica, gritando,
e vendo sangue no lago e Julian com a cabeça de Charles abençoadamente
acima da água. O bebê estava tossindo e balbuciando.
Ele estava vivo, então.
David teve o instinto de mergulhar atrás deles e forçou-se a pensar como
um oficial novamente. O pânico nunca salvara vidas. Ele olhou rapidamente
para a direita, mas não havia dúvida de que Scherer estava morto. Sua cabeça
estava virada para o lado. Seus olhos estavam abertos. O sangue escorria de
sua boca.
David pousou a pistola na grama, chamou Julian e estendeu os braços.
Julian, ele pôde ver, uma vez que a calma tinha sido imposta
impiedosamente em sua mente, estava ferido. Parecia uma ferida no ombro e
provavelmente doía como o diabo, mas não o tinha incapacitado e sem dúvida
não era muito sério. Charles estava gritando e se contorcendo, uma era uma
visão bem-vinda sob as circunstâncias. Rebecca tinha parado de gritar.
— Entregue-o para mim, Julian — chamou, mantendo a voz
deliberadamente calma. Ele sabia por experiência militar que o pânico em
torno dele tendia a diminuir se ele se mantivesse calmo. Mas Julian, é claro,
estava enredado nos juncos e teve que atirar Charles, que caiu, com um plop,
perto da margem. David tirou-o da água quase antes de atingi-la.
Foi só quando ele sentiu o corpo molhado de seu filho e se pôs de pé, que a
realidade começou a bater. Charles poderia ter-se afogado. Seu filho poderia
estar morto agora. Ele se virou e colocou a criança nos braços de Rebecca e
estendeu a mão para ambos, trazendo-os contra ele, como se pela força de seus
braços ele pudesse mantê-los a salvo de todo o mal para sempre.
— Sh —, ele disse uma e outra vez quando Charles choramingou e Rebecca
ofegou e gemeu. — Ele está seguro agora, amor, ninguém vai machucá-lo outra
vez, ou a você, ambos estão seguros.
Louisa abriu seu caminho entre eles para embrulhar um dos cobertores
grandes sobre Charles, mas David os trouxe novamente para seus braços
quando ela se moveu para trás. Rebecca pousou a cabeça em seu ombro. Seu
filho estava chorando de frio, desconforto e com indignação.
David não sabia quanto tempo se passou — segundos ou minutos — antes
de se lembrar culpado de que não tinha o direito de segurar Rebecca e de que
Julian precisaria de uma mão para ajudá-lo na margem.
Julian salvara a vida de Charles e estava sendo completamente ignorado
como recompensa.
Mas não havia sinal de Julian quando David olhou para o lago. — Ele deve
ter tido tempo para desemaranhar a si mesmo —, David disse ao seu pai. — É
melhor eu ir lá e ajudá-lo. — Ele deu de ombros rapidamente, tirou seu casaco
e tirou suas botas.
E então, quando a cabeça de Julian devia ter tomado um novo fôlego de ar,
Julian apareceu bem em sua frente, com os braços esticados frouxamente para
os lados. Seu rosto e sua cabeça ainda estavam submersos.
— Deus! — David disse e mergulhou.
Levou apenas alguns golpes para nadar até a forma frouxa de seu irmão
adotivo. Ele entrou na água com cuidado para mover as pernas para cima e
para baixo em vez de balançá-las e dar aos juncos uma chance de se envolver
sobre ele. Ele puxou a cabeça de Julian pelos cabelos. Estava inconsciente.
E então seu pai também estava lá, mergulhando para libertar as pernas de
Julian, jurando que uma de suas pernas foi pega, chutando e ajudando David a
nadar em direção à margem com a forma inerte de Julian entre eles.
As duas mulheres estavam ocupadas em despir Charles, a secá-lo com o
cobertor em que fora envolto e a envolvê-lo calorosamente no outro cobertor.
Dois criados estavam se aproximando, tendo abandonado o carro de comida
quando viram que havia problemas. Lady Scherer estava de pé na sombra das
árvores.
Mas David não viu nada disso. Ele levou Julian para a margem com seu
pai, virou-o de lado e bateu em suas costas para tentar desalojar a água que
devia ter engolido, e o dobrou sobre suas costas.
— Venha, Julian — disse ele, áspero. — Hora de acordar, meu velho.
— Ele está morto — disse seu pai, com uma mão contra o pescoço de
Julian.
Mas David se lembrou de dizer a mesma coisa na Crimeia depois de não
encontrar pulso no pescoço de Julian. — Não. — Disse ele. — Ele não está
morto, apenas inconsciente. Vamos, Julian.
Ele o sacudiu, bateu em suas bochechas, pressionou seu peito para tentar
fazer seu coração bater novamente. Ele até tentou respirar em sua boca.
— Traga o cobertor —, ordenou a seu pai, impiedosamente suprimindo o
pânico que estava ameaçando assumir seu controle. — Ele está frio.
— Ele está morto, David. A voz de seu pai era muito calma, mas
espantosamente distinta.
— Não. — David se ajoelhou a um lado de Julian, colocou as mãos uma
sobre a outra no coração de Julian, e tentou bombear para ele. — Vamos,
respire droga, onde o diabo está aquele cobertor, traga o maldito cobertor,
respire!
Alguém estava ajoelhado ao lado dele, ao lado da cabeça de Julian. David
não desperdiçou energia olhando para ver quem era.
— Respire maldição, acorde, Julian.
— Ele está morto, David. — Seu pai, de pé atrás dele, descansou uma mão
em seu ombro.
E finalmente ele soube que era verdade. Julian estava morto. Julian havia
morrido enquanto ele, David, vinha revoltando-se no sentimento de alívio e
arrebatamento, pois ele tinha segurado Rebecca e seu filho em seus braços.
Julian tinha morrido salvando a vida de Charles. Ele tinha sido deixado para
se afogar.
Julian estava morto. Frio, molhado e ainda no chão. E muito, muito sem
vida.
David se inclinou para a frente, enterrou o rosto contra o estômago de
Julian e chorou com soluços profundos e dolorosos.
Ao lado dele, Rebecca se ajoelhou imóvel e quieta olhando para o rosto
morto de seu marido.
— Julian, — ela sussurrou, e estendeu uma mão, alisou o cabelo molhado
de seu rosto. — Julian. Tirou um lenço do bolso do vestido e secou o rosto
dele com delicadeza.
— Julian. Ela olhou para ele, para o rosto de seu garoto charmoso e
encantador, agora surpreendentemente tranquilo na morte.
Ele estava morto. Ela o julgara morto havia tanto tempo e o tinha chorado
amargamente. E então ele tinha milagrosamente ressurgido para ela. Por pouco
tempo. Por um tempo tão penosamente curto. Agora ele estava morto
novamente. Morto para sempre desta vez.
— Julian. Ela alisou uma mão sobre sua bochecha e sobre seus lábios.
Não havia calor para respirar. Nem fôlego. Ele estava morto. — Ah, Julian,
meu amor, meu amor. Ela deslizou um braço sob seu pescoço e curvou-se
sobre ele, descansando sua bochecha morna contra a sua fria.
Ela chorou.
Capítulo 30
Stedwell, julho de 1858
Rebecca sentou-se na grama, arrumando suas saias pretas ao redor dela
para que elas não dobrassem demais. Ela tirou seu chapéu preto com seu
pesado véu e colocou-o ao lado dela. O tempo estava ainda gloriosamente
ensolarado e quente para a época do ano. Era bom sentir ar e calor contra sua
cabeça e seu rosto.
Ela tinha escolhido quase o local exato em que ela e Louisa tinham
espalhado seus cobertores uma semana antes. Tudo estava tranquilo novamente
como estava então da primeira vez. A luz do sol brilhava na água entre os
juncos.
Talvez fosse mórbido voltar a este lugar tão logo, depois de tudo que
aconteceu. Louisa tinha ficado horrorizada quando Rebecca mencionou para
onde estava indo. Ela provavelmente também estava aliviada, Rebecca
pensou, por saber que não havia nenhuma pergunta de ela gostaria de ir
também. O conde tinha insistido que Louisa passasse alguns dias na cama
antes do funeral que fora ontem, e ele ainda a mantinha muito quieta.
Pobre Louisa, ela havia-se despedaçado.
Foi ali que ele havia morrido, pensou Rebecca, olhando para as águas
brilhantes e lindas do lago. Não muito longe da margem e entre os juncos que
não deveriam ter sido tão perigosos para um homem que poderia nadar. Mas
Julian tinha morrido.
Evidentemente, tanto o conde como David haviam explicado muito
enfaticamente ao magistrado que viera à casa, que Julian ficara gravemente
ferido e havia perdido muito sangue na água. E a água ainda estava com o seu
frio gelado de primavera. E as roupas pesadas e as botas de Julian tornariam
mais difícil para ele manter a cabeça acima da água. E as canas dos juncos
eram muito traiçoeiras. Ambos tinham enfatizado cada ponto que poderia ter
explicado o fato de que Julian tinha morrido.
Sua morte tinha sido um acidente, agravado por um assalto mortal.
Essa foi a decisão final do magistrado. O Pai e David haviam mostrado
alívio quase abertamente. E ela também. Seria terrível se essa morte tivesse
sido provocada...
Rebecca inspirou profundamente.
O assassinato de Sir George Scherer fora considerado justificado pelas
circunstâncias. David lhe tinha disparado através do coração.
Através do centro do coração, não uma polegada mais alto desta vez. Lady
Scherer mandou tirar o corpo e desapareceu de Craybourne. Recusara a ajuda
que o conde lhe havia oferecido.
Rebecca tinha uma estranha lembrança de Lady Scherer naquela tarde —
embora talvez não fosse tão estranho, afinal. Rebecca estava muito perturbada
com sua própria tristeza para notar muito na época. Mas depois se lembrou de
Lady Scherer em pé silenciosamente, um pouco afastada da família, olhando
para o rosto de pedra, não para o corpo de seu marido, mas para Julian.
Rebecca lembrou-se de Lady Scherer dizendo que tinha amado o marido de
Rebecca. Julian. Tinha parecido claro naquela tarde que seu amor nunca tinha
morrido. Pobre senhora. Mas pelo menos agora ela estava livre daquele vilão,
que a tinha feito sofrer durante anos por amar Julian.
Rebecca percebeu de repente que alguém estava chegando atrás dela. Ela
até sabia quem era. Ela não se virou. A morte de Julian tinha colocado uma
lacuna entre eles. Eles tinham-se afligido profundamente durante a semana
passada, mas separadamente, não juntos. Era quase como se ambos se
sentissem culpados, como se ambos tivessem sentido que tinham sido
parcialmente responsáveis pela morte de Julian.
Ele desceu sobre seus calcanhares ao lado dela. Ela olhou para o outro
lado do lago.
— Papa estava preocupado com o fato de você estar aqui sozinha —, disse
ele. — Você precisa voltar, Rebecca.
Ela assentiu com a cabeça.
— Você prefere ficar sozinha?
— Não. — Ela balançou a cabeça, e ele se sentou na grama ao lado dela.
— Ele sempre foi um nadador muito bom David.
— Sim.
— E a ferida não era tão ruim, não é?
— Ele já tinha sobrevivido a piores —, disse ele.
— E ele poderia facilmente ter pedido ajuda mesmo que todos nós
estivéssemos reunidos em torno de Charles.
— Sim.
— Ele queria que eu me divorciasse dele —, disse ela. — Havia motivos,
suponho que você sabia que havia outras mulheres mesmo depois do nosso
casamento, não é?
— Sim — disse ele.
— Eu devia pensar nisso e dar-lhe a minha resposta no dia seguinte —,
disse ela. — Mas eu acho que ele sabia que era algo que eu simplesmente não
podia fazer.
David não disse nada.
— Eu o levei a isso? — Ela perguntou. — Porque eu não poderia ter isso
em minha consciência. Eu o forcei a isso? — Ela gesticulou com uma mão em
direção ao lago.
— Não. — Disse ele. — Também me culpei Rebecca, deixei—me abraçá-
la e quase beijá-la em casa e ele nos viu. Eu segurei você e Charles depois
que Julian o resgatou. Ele deve ter-nos visto. O que eu deveria ter feito, era
ajudá-lo a sair da água. Eu supus que ele não estava em perigo, mas não foi
minha culpa ou sua.
— De quem, então? — Ela perguntou.
— Eu acho que foi um presente —, disse ele calmamente. Ele respirou
como se quisesse explicar seu significado, mas não precisava ser explicado.
Ele não disse mais nada.
— Então ele pensou que o queríamos morto? — Ela perguntou. — Ele
sabia quantas vezes eu pensei que poderia ter sido melhor se ele não tivesse
voltado?
— E quantas vezes eu pensei isso? — Ele disse.
— David — disse ela —, eu o amava. Ele era o meu filho mais querido, ele
era meu amor.
— Eu também o amava —, disse ele. — Ele era meu amigo e meu irmão.
— E devemos a vida de Charles a ele — disse ela.
— Sim.
— Eu costumava ficar irritada porque ele não demonstrava interesse em
Charles —, disse ela. — Porque ele só se referia a ele como — a criança —.
Mas ele deu a vida por Charles.
— Sim — disse ele. — E por nós.
Era perturbador sentir tantas emoções conflitantes. Era perturbador sentir
que já não sabia quem amava, ou até o que era o amor. Talvez isso fosse
porque ela nunca tinha suspeitado que o amor pudesse ser tão dimensional. Ela
tinha amado Julian e David.
Ambos como amantes e maridos. Ambos simultaneamente. Um desses
amores tem que ser real e o outro imaginário? Será que ambos não foram
reais?
A terrível melancolia que a envolvera como o crepe negro desde a semana
anterior pareceu repentinamente aliviada. Ela não tinha forçado Julian para o
que ele tinha feito. Ela não o havia traído. Ela não tinha falhado em seu amor
por ele.
De sua própria vontade, ele lhe dera um precioso presente. Dois presentes.
Primeiro, seu filho, e depois sua liberdade. Talvez três presentes — ele lhe
tinha dado preciosas lembranças. Ela só esperava… Oh, ela só esperava...
— Acha que ele sabia que eu o amava? — Ela perguntou.
— Sim — disse David. — Ele sabia, e ele sabia que papai e eu também o
amávamos.
— Então não foi feito por amargura ou desespero? — ela perguntou.
— Não. — Disse ele. — Foi feito por amor. Ele falou a verdade quando
disse que nenhuma dessas outras mulheres significava nada para ele, Rebecca.
Ele tinha uma fraqueza que ele não conseguia vencer, mas ele te amava. Você
foi a única mulher que significava qualquer coisa para ele. Ele adorava você.
— Sim — disse ela. ‘Ele morreu por mim’. Mas ela não disse as palavras
em voz alta. — E assim ele morreu como um herói depois de tudo.
— Sim.
Sentaram-se lado a lado em silêncio por um longo tempo. Mas não era nem
um silêncio amargo nem um silêncio aflito. Foi um silêncio de paz. Rebecca
descobriu que podia olhar para o local onde Julian se afogara e para o lugar
na margem onde ela chorara sobre seu corpo e sentia apenas um amor
profundo, não a dor dolorosa que sentira por uma semana. Ela ergueu o rosto
para o calor de cura do sol.
— Vou voltar para Stedwell amanhã, Rebecca — disse David por fim.
Ela não tinha pensado no futuro. Ela deliberadamente mantivera sua mente
no presente e no passado. Ela não sabia o que esperar do futuro.
— Vou deixar Charles aqui — disse ele. — Eu vou ficar longe por dois
meses. Posso voltar para você?
Ela assentiu com a cabeça. — Sim.
— Eu não acho que precisamos esperar um ano inteiro —, disse ele. —
Não será desrespeitoso esperar menos, nossas circunstâncias são
excepcionais, e temos que pensar em Charles.
— Sim — disse ela. — Ele precisa de nós dois.
— Devemos esperar pelo menos por dois meses —, disse ele. — Vou para
casa amanhã.
— Sim — disse ela. — Acho que é uma boa ideia, David.
Eles se casariam de novo, então. Sem qualquer barulho ou romance. Sem
declarações de amor ou paixão. Porque era pelo que Julian tinha morrido, para
tornar possível isso. Porque Charles precisava dos dois. E por outra razão
também. Ela sabia que havia outra razão, mas não era o momento de pensar ou
falar sobre isso.
Sentia-se bem em chegar a um acordo silencioso desta forma.
— Quero outra criança. Não sabia de onde vinham as palavras ou a ideia,
mas sabia ao ouvir o que dissera que era o que ela queria apaixonadamente. A
vida reafirmada. O amor crescendo e se espalhando para mais e mais pessoas.
Pois isso era o amor. Isso era o que ela descobrira na semana passada.
— Teremos outro, se Deus quiser — disse ele. — Juntos!
Sim, tinham tido Charles juntos. Embora tivesse sido no seu ventre que ele
tinha sido carregado, mantê-lo lá havia sido um esforço conjunto. Um trabalho
combinado de amor.
Ficaram em silêncio novamente, ambos olhando para o outro lado do lago.
Depois de um tempo, ele colocou a palma da mão na grama entre eles, sem
tocá-la. Ela estava ciente disso embora ela não tivesse olhado para baixo, e
ela colocou sua própria mão com a palma para baixo em cima da dele. Ele
entrelaçou seus dedos e segurou sua mão com firmeza.
****
O casamento em julho na igreja da vila em Stedwell foi um assunto bastante
moderado desde que a família dos noivos e até mesmo o casal usavam luto. E,
no entanto, não foi um acontecimento sombrio nem infeliz.
A igreja estava cheia, em parte com convidados de outros lugares,
principalmente o Conde e a Condessa de Harrington e o irmão e a cunhada da
noiva. Mas estava cheia também com os amigos do visconde, e vizinhos de
todas as condições sociais. Todos ficaram felizes ao saber que teriam de volta
a sua viscondessa depois de uma longa ausência.
Alguns desses vizinhos tinham enfeitado a igreja com flores. Os alunos, que
estavam de pé com o professor durante a cerimônia, esperavam com
impaciência para jogar flores sobre a noiva logo que saísse da igreja.
Havia um senso de tensão mais do que comum na igreja quando o reitor
perguntou se alguém sabia de qualquer impedimento para o casamento que
estava a ponto de ser celebrado. Houve um suspiro coletivo de contentamento,
mais tarde, quando a noiva e noivo disseram — eu quero —, e novamente
quando o reitor os declarou marido e mulher. Charles, de pé no colo de seu
avô, apontou um dedo na direção do casal, virou-se triunfante para Katie e
anunciou para toda a igreja ouvir: — Mamãe!
O noivo beijou sua noiva e novamente houve aquele sussurro de suspiro.
Charles voltou-se, tendo perdido o interesse no processo, e procurou a
corrente de relógio do seu avô. Louisa evitou o desastre retirando um
brinquedo favorito de sua bolsa quando Katie parecia prestes a se eximir do
fato de que outra criança estava monopolizando o colo de seu pai.
E então todos estavam fora da igreja e queriam cumprimentar o casal
recém-casado. Por alguns momentos choveu flores. A noiva riu e virou o rosto
para eles. O noivo pegou uma e enfiou-a em seu cabelo sob a borda de seu
chapéu, o rosa da flor era um contraste surpreendente ao preto austero em que
estava vestida.
Todos tinham sido convidados para Stedwell para o café da manhã. Todos.
A noiva tinha sido bastante inflexível sobre isso. E todos comeriam juntos e se
misturariam. As mesas estavam distribuídas ao longo do terraço e os
convidados se moviam à sua volta, enchendo os pratos e levantando copos das
grandes bandejas, e passeavam pelos gramados e desciam ao lado do rio e
para a ponte.
Os jardins pareciam muito mais bem cuidados do que haviam estado
durante anos, várias pessoas concordaram — aqueles que tinham conhecido
Stedwell antes que o visconde voltasse dois anos antes.
Eles tiveram a sorte de ter um dia agradável para o casamento, uma vez que
o tempo através da maior parte do verão até agora tinha estado indiferente na
melhor das hipóteses. Era muito mais festivo poder permanecer ao ar livre do
que ter uma multidão no salão de baile, que tinha sido o local alternativo para
o café da manhã.
Todos queriam beijar a noiva novamente e cumprimentar o noivo pela mão
antes de sair. Embora tivesse sido nominalmente o café da manhã que eles
estavam comendo, foi já bem entrada a tarde antes de todos, exceto os
hóspedes da casa, terem partido. Os hóspedes da casa estavam bastante
satisfeitos de poderem voltar para casa à procura de seus quartos para uma
hora ou duas de relaxamento. As crianças, que haviam se excitado até a
exaustão durante as comemorações, às quais haviam sido autorizados a
comparecer, cederam relutantemente à insistência de suas babás de que era
hora da sesta e não eram permitidos argumentos.
O casamento tinha terminado.
****
— Você está cansada? — perguntou David. Eles estavam de pé no corredor,
tendo acabado de assistir ao conde escoltar uma Louisa muito grávida, até lá
em cima.
— Não. — Rebecca sacudiu a cabeça. — Estou muito animada para estar
cansada.
— Vem, então — disse ele, pegando a mão dela e entrelaçando os dedos
com os dela. — Eu tenho algo para te mostrar.
Ele a conduziu de novo para fora e ao longo do terraço para o lado da casa,
onde haviam plantado as roseiras no ano anterior. As sebes haviam crescido o
suficiente agora para protegê-los do vento e dos olhos curiosos. Rebecca
ainda não tinha visto. Ela havia voltado para Stedwell apenas na tarde anterior
com o conde, Louisa e as crianças.
— Oh —, ela disse, parando sob a arcada de treliça, que estava coberta de
rosas e onde continuavam florescendo mais rosas.
— Oh, David. — Isto completamente tirou seu fôlego. Era um pequeno céu
privado, rico em flores e em seu perfume. A fonte estava atirando borrifos de
água para o ar.
— Eu estava trabalhando nisso de qualquer maneira —, disse ele. — Mas
eu não dei paz a nossos jardineiros nos últimos três meses, desde que eu soube
que você voltaria.
— Você disse que as rosas floresceriam este ano — disse ela.
— E elas floresceram. — Ele olhou gravemente para ela.
Ela entrou no roseiral e rodou, divertindo-se com as vistas e nos cheiros.
Ela não tinha percebido até este momento o quanto sua visão tinha sido
limitada por preto desde a morte de Julian.
— Eu adoro —, disse ela. — É o meu presente de casamento, David? É o
presente mais bonito do mundo, a beleza viva e a promessa de primaveras
infinitas, verões intermináveis. Oh, obrigado.
Ele aproximou-se dela e encaixou seu rosto com as mãos. Ela olhou para
seus olhos, todas as barreiras desaparecidas, todas as defesas baixadas, todo o
seu próprio engano no passado, todos os mal-entendidos terminados. Ela
queria que o momento durasse para sempre.
— Você está feliz? — Ele perguntou a ela.
Para responder, ela sentiu lágrimas brotarem em seus olhos. Mas ela sorriu
e assentiu. — Sim, sim, sim, David.
— Não é só por causa de Charles, então —, disse ele, — e do que você
sente que você deve a Julian, não só porque você quer outra criança?
— É por causa dessas coisas, sim — disse ela. — Pelas três. São razões
tão importantes, David. Mas não apenas por elas, talvez nem mesmo por causa
delas.
— O quê, então? — Ele perguntou.
Ela olhou em seus olhos. Muito azuis. Ela não tinha percebido o quanto
tinha sentido a sua falta. — Porque você é minha vida — disse ela.
Ele a beijou suavemente com os lábios fechados e sorriu para ela. Seus
olhos eram tão adoráveis quando sorriam. Ele tinha sorrido tão pouco durante
seu primeiro casamento. Tinha havido tanto para estragar sua alegria, então.
Mas eles estavam tendo uma segunda chance. E ela sabia que nenhum deles
desperdiçaria essa chance. Ela sorriu de volta.
Ela tinha sorrido tão pouco durante seu primeiro casamento. Ele não tinha
sequer percebido plenamente até agora, quando ela estava sorrindo para ele
com alegria tranquila. Você é minha vida. As palavras o acalmaram nos
recessos mais íntimos de seu coração.
— E você é a minha — disse ele. — Você sabia que eu sempre amei você?
— Sempre? — Seus olhos se arregalaram.
— Sempre! — Disse ele. — Quando eu era menino, eu te adorava. Eu te
adorei desde então. A cada momento de cada dia. Eu te adoro hoje. Sempre te
amarei.
— David — disse ela. — Oh, David, fico feliz que todas as nuvens tenham
desaparecido, elas desapareceram, não? Havia tantas nuvens. Mas eu cresci
para te amar apesar delas. Eu não esperava ou nem queria. Eu quase não
percebi que eu o amava até que era hora de me forçar a parar de amar você.
Havia um brilho em seu rosto que confirmou suas palavras apesar das
lágrimas. Todas as nuvens rolaram. Só restava o sol. E ele segurou seu sol em
seus braços. Ela era sua noiva, sua esposa.
— Coloque seus braços sobre o meu pescoço —, disse ele. Estavam
espalhados contra seu peito.
— Por quê? — Ela fez o que lhe disse, sorrindo para ele. Ela estava
esperando para ser beijada.
— Por esta razão — disse ele. E ele a ergueu firmemente pela cintura e
girou-a ao redor e ao redor até que ambos estavam tontos e rindo.
— Que tolice! — disse ela, quando pôs os pés no chão.
Ela estava corada e ainda rindo. Ele bebeu a maravilha de sua felicidade.
— Eu pensei que você ia beijar-me.
— Eu ia —, disse ele. — Eu vou. Eu estava apenas aquecendo.
Ela riu e apertou seus braços sobre seu pescoço. — Vamos ver se você está
quente, então —, disse ela.
Ele inclinou a cabeça para trás e sorriu para ela. Rebecca estava sendo
coquete? Ele não poderia ter imaginado isso até este momento.
— Você tem certeza que quer saber? — ele perguntou.
Sua risada deu lugar à melancolia. — Sim, por favor, David — disse ela.
Ele observou seus olhos se tornarem luminosos. — Eu te quero tanto, eu não
sabia que o amor poderia ser tão bonito em sua forma física até que você me
ensinasse.
Ela nunca tinha aprendido com Julian? Era por isso que ela tinha medo de
seu amor no princípio?
Ele baixou a cabeça e a beijou. Foi um beijo doce e terno por um longo
tempo, bocas moldando uma a outra, acariciando, provando, línguas se
tocando, torcendo, empurrando, explorando, braços segurando, apertando.
Havia toda a maravilha de seu dia de casamento em seu beijo e do fato de que
eles estavam juntos novamente depois de serem tão perturbadoramente
despedaçados.
Foi um beijo que durou por um tempo. Foi um beijo que falou de afeto,
amor e promessa. Mas sua boca e sua língua foram embora depois de um
tempo e ela abriu os olhos para encontrá-lo sorrindo para ela a poucos
centímetros de distância. David. O marido dela. O amigo dela. O amor dela.
— Estou contente por termos vindo aqui — disse ele — para descobrir
sozinhos que nos casamos por todas as razões certas. Seu sorriso se
aprofundou. — E por amor também. Precisamos falar destas coisas aqui,
Rebecca, onde o verão e as rosas estão florescendo. Eu sabia que você me
amava e você sabia que eu te amava, mas precisava ser dito.
— Sim — disse ela.
— Mas tendo dito isso —, disse ele, — não há realmente nada mais a ser
adicionado, existe?
Ela sacudiu a cabeça.
— Eu te amo, — ele disse. — E eu quero ser seu amante agora.
— E eu quero ser sua —, disse ela. — Agora.
— Na nossa cama —, disse ele, onde concebemos Charles, a pequena
criança levada.
Você o ouviu na igreja esta manhã?
Ela riu. — Quem não o fez? — ela disse. — Quero outro, David.
— Apesar de todos os problemas e ansiedades? — Ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça.
— Na nossa cama agora, então — disse ele, pegando a mão dela e
entrelaçando os dedos dele com os dela de novo. — Só porque você quer
minha semente, Rebecca?
— Por isso, sim — disse ela. — Mas não só por isso.
— O quê, então?
Ela se perguntou quantos anos se passariam antes que ele tivesse linhas de
riso permanentes nos cantos de seus olhos. Elas iriam fazê-lo parecer
incrivelmente atraente. Embora já fosse muito.
— Porque eu quero você, — ela disse. — Todo você, David, tudo o que
tem para me dar.
Ele parou brevemente sob o arco de treliça para beijar seus lábios. — Você
pode oferecer um presente semelhante? — ele perguntou.
Ela assentiu com a cabeça. — Tudo o que tenho e sou é seu a partir deste
dia em diante —. Ela disse. — Eu te amo, David.
— O que mais um homem poderia pedir? — Ele disse. Mas ele sorriu de
repente. — Talvez o seu quarto estivesse muito mais perto do que o meu?
Ambos riram quando suas mãos se separaram e seus braços deslizaram em
volta da cintura um do outro.
Para o inferno com o que os servos poderiam pensar, pensou David. Era o
dia do casamento dele.
Ela esperava que não houvesse empregados à vista, pensou Rebecca. Mas
certamente eles fariam concessões para o fato de que era o dia do seu
casamento.
O dia do seu casamento. Dela e de David.

FIM
[1] Os guardas de Coldstream são uma parte da divisão de guardas, regimentos dos guardas a pé do
exército britânico. É o regimento o mais velho no exército regular no serviço contínuo ativo, originando em
Coldstream.
[2] O Grenadier Guards é um regimento de infantaria do exército britânico. É o regimento mais
antigo da Divisão de Guardas e, como tal, é o regimento mais antigo da infantaria.
[3] A península de Galípoli é uma península
[4] A Península da Crimeia, também conhecida simplesmente como Crimeia é uma massa de terra
na costa do norte do mar Negro
[5] Balaclava é uma vila situada na península da Crimeia
[6] Sebastopol ou Sevastópol,ou ainda Sebastópolis, é uma cidade autônoma
[7] O Royal Scots Fusiliers era um regimento de infantaria de linha do exército britânico que existia
desde 1678 até 1959, quando foi anexado ao Highland Light Infantry (Regimento de Glasgow) para formar
o Royal Highland Fusiliers
[8] O Barrack Hospital foi construído pelo Sultão Selim III entre 1761 e 1807. Foi construído para que
os soldados aí vivessem, e era grande o suficiente para albergar regimentos inteiros. O Barrack Hospital
era o quartel-general da senhorita Nightingale e suas enfermeiras durante a Guerra da Crimeia e o
principal centro de seus trabalhos.
[9] Scutari: distrito
[10] Florence Nightingale (Florença
[11] Vala comum é uma cova
[12] Jogo com bola

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