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Mary Rainha da Escócia e Ilhas

Por Stefan Zweig


O trabalho de Stefan Zweig

Autobiografia, O Mundo de Ontem

Maria Antonieta
O retrato de uma mulher comum

Três Mestres
Balzac, Dickens, Dostoievski

Joseph Fouché
O retrato de um político

Jeremiah
Uma peça

Amok (Uma estória)

Conflicts (Contos)

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Prefácio autenticidade da evidência histórica, e assim o quão pouco confiáveis
são as conclusões históricas. Pois não importa o quanto
incontestavelmente genuíno um documento antigo pode ser, a
O claro, o manifesto, é autoexplicativo; mas mistério é um genuinidade não providencia qualquer garantia como a validade do
estímulo a imaginação criativa. Sempre, assim, figuras e eventos que conteúdo por um ser humano. No caso da Mary Rainha dos
são rodeadas em mistérios exigem elucidação e estímulo da Escoceses talvez isso se torna mais claro do que em qualquer outro
ingenuidade de uma mente artística. Entre os problemas históricos caso de que nós percebemos a diversidade que dois ou mais
que pedem por solução finita, a posição da tragédia de Mary Stuart observadores podem descrever um incidente o qual eles
é um exemplo crucial. Claro que todas as mulheres que deixaram sua testemunharam simultaneamente. Cada bem atestado “Sim” é
marca no mundo, nenhuma outra tem sido tema de tantos dramas, contado um número igual de bem atestado “Não”; cada acusação
novelas, biografias e discussões. Pelos quatro séculos ela aludi por uma argumentação. Falsidade e verdade, fato e ficção, estão
poetas e homens que cobiçam o saber. Ainda assim, hoje, a estória misturados com tal confusão, que cada ponto de vista possível como
dela é recontada de novo e de novo. Porque aquilo que é confuso da culpabilidade dela ou inocência onde isso entra em questão (e
anseia por claridade, e aquilo que está na escuridão tensiona para a especialmente na cumplicidade dela no assassinato de Darnley)
luz. parece igualmente apoiado por testemunho confiável. Quando,
sobre e acima esses conflitos de evidências, nós temos que permitir
As respostas para o enigma de Mary Stuart tanto vida quanto o partidarismo de políticos e patriotas, nossas dúvidas como o valor
caráter são quase tão contraditórias como se ela fosse múltipla. do retrato que emerge é aumentado ainda mais.
Alguns a consideram uma assassina, outros mártir; alguns como
intrigante, outros como santa. A diversidade de opiniões sobre essa Em qualquer caso é natural para as pessoas escolher lados
mulher é devida, não a escassez de material, mas a perplexa onde caráter, ideais, e perspectivas são contrastados uns com
abundância de registros contemporâneos. Nos milhares e milhares outros; assim alguns, se alguém, consegue evitar a tentação de dizer
de documentos, relatórios, registros de julgamentos, cartas etc., um lado está certo e o outro errado, um é culpado e o outro
relacionados a ela, a questão da culpa ou inocência é continuamente inocente. Se, como no presente momento, a testemunha
sendo reexaminada, e novos julgamentos são feitos ao longo de três pertencesse a uma ou outra parte envolvida, religião ou filosofia, nós
séculos. Mais meticulosamente nós escrutinamos os documentos, podemos entender a direção do viés da questão. Falando no geral,
com mais dor nós tomamos conhecimento do quão dúbio é a nós encontramos que escritores Protestantes imputam a culpa em

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Mary, e os Católicos culpam Elizabeth; os historiadores ingleses escolher cuidadosamente, e com frequência irá encontrar seus
tendem a descrever a resoluta antiga como assassina, enquanto as cânones de honestidade pessoal satisfeitos por deixar questões
autoridades escocesas inclinam para exonerá-la e falar dela como abertas ao invés de decidi-las de uma forma ou de outra, e por
vítima de calúnia. Membros de uma parte descrevem as Cartas da admitir francamente que, em relação a uma ação de Mary ou suposta
Caixa (o problema mais espinhoso do período) como genuínas; ação, ele não pode garantir a verdade, o que é provável que
membros de outra parte não são menos convincentes de que essas permaneça para sempre encoberta.
epístolas são falsificações. A rivalidade de interpretações estende-se
No estudo presente o autor escrupulosamente se abstém de
para os detalhes mais triviais da vida da Rainha da Escócia. É talvez
confiar em evidências obtidas por tortura, força, ou medo. Ele
mais fácil para alguém que não é nem Inglês e nem Escocês formar
também foi extremamente cauteloso em usar relatórios de espiões
um julgamento sem viés sobre essas questões do que por aquele
ou embaixadores (as terminologias naqueles dias eram quase
quem o sangue nacional começa subir rapidamente quando as
sinônimas). Onde houve conflito de testemunho, as possíveis
considerações são necessárias – mais fácil para ele contemplá-las
motivações políticas que possam ter levado a tal distorção foram
com o interesse artístico o qual é ao mesmo tempo apaixonado e
cuidadosamente pesadas. Ao abraçar a convicção de que os sonetos
desapaixonado.
e, a maior parte, das Cartas da Caixa são verdadeiras, o autor só o fez
Verdade, seria muita ousadia mesmo para um estrangeiro após um exaustivo exame e à luz de evidências internas as quais
presumir que ele está capacitado a saber a verdade, toda a verdade, pareceram a ele garantias da sua convicção. Quando a decisão entre
e nada além da verdade sobre a vida de Mary Stuart. Ele pode ter duas posições divergentes foi requisitada na falta de evidências
esperanças de conquistar nada mais do que uma aproximação com a corroborativas para um ou outro lado, o julgamento fora guiado pela
verdade, chegar a conclusões “extremamente prováveis”; e, reflexão de qual das duas versões é mais compatível,
entretanto, objetivamente ele pode esforçar-se para considerar os psicologicamente, com a pintura geral do caráter de Mary. O caráter,
fatos, mas ainda assim ele estará cercado pelas limitações da sua a personalidade, foi de forma nenhuma obscura, pelo contrário, foi
própria subjetividade. Quando as fontes não são claras, ele se lúcido. Mary Stuart foi uma rara e interessante mulher cujo período
esforçará para clarificá-las; quando os relatórios da época oferecem de atividade suprema é comparativamente restrito em duração; uma
uma ou outra mentira, ele irá, apesar de si mesmo, assumir a atitude daquelas quem teve um curto embora vigoroso desabrochar; uma
de conselheiro para a defesa ou de conselheiro para a acusação. Ele daquelas cuja vida é principalmente vivida durante uma curta e
irá escolher entre acusações e exonerações. Contudo ele pode brilhante fase de uma imensa paixão, ao invés de espalhar

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igualmente através de um ciclo normal de existência. Até seu com a mais íntima estória da vida, somente o pulso da paixão conta.
vigésimo terceiro ano, a vida amorosa dela estava quase quiescente; Um ser humano é cheio de experiência vívida quando as suas
assim foi novamente no seu vigésimo quinto. Durante os dois anos melhores energias estão em trabalho; e quando sentimento está
que intervieram, paixão flamejou nela com a sua força elementar, e ativo, o tempo move alternando o círculo do relógio do seu ritmo
que poderia ter parecido um destino comum assumiu os traços de habitual. Então, como num sonho, aquele sob efeito poderoso da
uma tragédia grega tão formidável quanto a de Orestes. Foi apenas agonia vive através de épocas incomensuráveis entre os dois
durante esses dois anos que Mary foi da experiência suprema a qual compassos do pêndulo: e cada um de nós como um homem
a levaria no fim a sua destruição, e graças a isso, da mesma forma, encantado do conto popular que imagina que passou mil anos dentro
sua memória se tornou tão notória – pois aquilo que a destruiu a do intervalo entre duas batidas de coração.
tornou imortal na música e estória.
Essa compressão peculiar dos acontecimentos principais da
carreira dela, como foram, uma explosão de ondas sentimentais, dita
a forma e ritmo da biografia dela. O leitor, assim, não deve sentir um
senso de desproporção porque, a tarefa cronológica no espaço desse
livro, os primeiros vinte e três anos da vida de Mary e os dezenove
anos de aprisionamento ocupam menos páginas do que os dois anos
das trágicas paixões dela. Somente no semblante estão o exterior e
interior das temporadas da idêntica vida; na verdade, a riqueza da
experiência é a única medida da vivência, e o espírito é
cronometrado por outro relógio do que aquele do calendário. Sob a
intoxicação do destino, a mente pode atravessar um longo período
em poucos dias; onde longos anos pode contar para nada quando a
vida é vazia de acontecimentos espirituais momentâneos. Assim
como os historiadores prestam pouca atenção a épocas estagnadas,
e o interesse deles é focado sobre alguns e escassos mas dramáticos
e decisivos momentos – assim, para o biógrafo, quem está ocupado

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Índice Quatorze Beco sem Saída.................................191
Quinze Deposição.........................................211
Prefácio Dezesseis Adeus a Liberdade.............................222
Um Rainha no Berço..................................9 Dezessete Tecendo a Teia...................................233
Dois Juventude na França...........................19 Dezoito A Teia se Fecha em Torno Dela.........241
Três Rainha, Viúva, e Ainda Rainha.............31 Dezenove Anos Vivendo nas Sombras................251
Quatro O Retorno a Escócia.............................44 Vinte Guerra para a Faca.............................262
Cinco Pedras Começam a Rolar.....................60 Vinte e Um “A Questão Deve Chegar no Fim”.......272
Seis Casamento Político no Mercado..........71 Vinte e Dois Elizabeth Contra Elizabeth.................290
Sete Paixão Decide.......................................89 Vinte e Três “En Ma Fin Est Mon Commencement”..272
Oito Noite Fatal em Holyrood.....................102 Vinte e Quatro Rescaldo............................................318
Nove Traidores Traídos..................................117
Dez Um Terrível Entrelaçamento.................128
Onze A Tragédia da Paixão..............................143
Doze O Caminho para o Assassinato..............163
Treze Quos Deus Perdere Vult . . ......................176

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PESSOAS PRINCIPAIS DO DRAMA com a morte de Elizabeth (24 de março de 1603), sucedeu ao trono da
Inglaterra como James I.

JAMES HEPBURN, EARL DE BOTHWELL (1536-1573), depois Duque de


PRIMEIRO ATO: ESCÓCIA, 1542 – 1548 Orkney; terceiro marido da Mary Rainha dos Escoceses.

SEGUNDO ATO: FRANÇA, 1548 – 1561 WILLIAM MAITLAND DE LETHINGTON (1528-1573), secretário de Estado
de Mary Rainha dos Escoceses.
TERCEIRO ATO: ESCÓCIA, 1561 – 1568
SIR JAMES MELVILLE (1535-1617), mais confiável diplomata de Mary
QUARTO ATO: INGLATERRA, 1568 – 1587 Stuart.

JAMES DOUGLAS, EARL DE MORTON (1530-1581), Regente da Escócia


após o assassinato de Moray, executado por cumplicidade no assassinato
ESCÓCIA de Darnley.

JAMES V (1512 – 1542), pai de Mary Stuart. MATTHEW STUART, EARL DE LENNOX, pai de Darnley, acusador principal
de Mary Stuart após o assassinato de Darnley; Regente da Escócia em
MARIE DE GUISE-LORRAINE (1515-1560), esposa de James V e mãe de 1570, assassinado em 1571.
Mary Stuart.

MARY STUART, RAINHA DA ESCÓCIA E ILHAS (1542-1587).

JAMES STUART, EARL DE MORAY (1533-1570), filho ilegítimo de James V


com Margaret Douglas, filha de Lorde Erskine, meio irmão de Mary Rainha MARY BEATON
dos Escoceses; Regente da Escócia antes e depois do reinado de Mary. As quatro “Marys”.
MARY FLEMING
HENRY STUART, LORD DARNLEY (1546-1567), bisneto de Henry VII por
MARY LINGSTONE
parte da mãe Lady Lennox, quem era sobrinha de Henry VIII; segundo
marido da Mary Rainha dos Escoceses, e titular Rei da Escócia. MARY SETON

JAMES VI (1566-1625), filho de Mary Stuart e Darnley; tornou-se Rei da


Escócia quando sua mãe foi forçada a abdicar em 24 de julho de 1567, e,

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ARGYLL FRANÇA
ARRAN HENRY II (1518-1599), Rei da França 1547-1559.
ERSKINE CATHERINE DE MEDICE (1519-1589), esposa dele.
GORDON FRANCIS II (1544-1560), o filho mais velho, primeiro marido de Mary Stuart.
HERRIES CHARLES IX, (1550-1574), o segundo filho.
Lordes escoceses e proprietários de terras quem às
HUNTLY vezes apoiavam a Rainha Mary, às vezes se rebelavam HENRY III (1551-1589), o terceiro filho.
contra ela, ora em acordos ora em brigas; e quase
KIRKCALDY O CARDINAL DE LORRAINE
todos morreram por violência.
LINDSAY CLAUDE DE GUISE
MAR
Os quatro “de Guises.”
FRANÇOIS DE GUISE
MORTON HENRY DE GUISE
RUTHVEN RONSARD
JOHN KNOX (1505-1572), ministro Calvinista, adversário voraz de Mary DU BELLAY
Stuart. Poetas que elogiaram Mary Stuart.
BRANTÔME
DAVID RIZZIO, músico e secretário na corte escocesa de Mary;
assassinado em 1566.

PIERRE DE CHASTELARD, poeta francês na corte escocesa de Mary, INGLATERRA


executado em 1563.
HENRY VII (1457-1509), Rei da Inglaterra a partir de 1485, avô de Elizabeth,
GEORGE BUCHANAN (1506-1582), mestre de Latim da Rainha Mary, autor bisavô de Mary Stuart e Darnley.
de a Detenção, tutor do Rei James VI.
HENRY VIII (1491-1547), Filho de Henry VII, Rei da Inglaterra a partir de
1509.

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ANA BOLENA (1507-1536), esposa de Henry VIII, executada como adúltera. GEORGE TALBOT, EARL DE SHREWSBURY (1528 ? – 1590), por quinze anos
“guardião” de Mary Stuart.
MARY I (1516-1558), conhecida como “Mary a Sanguinária,” filha de Henry
III com sua primeira esposa Catarina de Aragon, tornou a Rainha da ELIZABETH, CONDESSA DE SHREWSBURY (BESS DE HARDWICK, 1518-1608),
Inglaterra após a morte do seu irmão Edward em 1553. casada com o acima exposto, pelo quarto casamento.

ELIZABETH (1533-1603), filha de Henry VIII pelo seu segundo casamento


com Ana Bolena, declarada bastarda durante a vida do pai, prisioneira da
sua meia irmã Mary, cuja morte em 1558 tornou Elizabeth a Rainha da
Inglaterra.

EDWARD VI (1537-1553), filho de Henry VIII do seu terceiro casamento com


Jane Seymour, sucedeu Henry após sua morte em 1547, prometido a noivo
na infância de Mary Stuart.

WILLIAM CECIL, LORD BURLEIGH (1520-1598), segurou a posição de poder


sucessivamente sob o Protetor Somerset, Edward VI, Mary I, Elizabeth.
Nomeado por Elizabeth Lorde do Tesouro e principal ministro de 1572 até
1598.

SIR FRANCIS WALSINGHAM (1536-1590), secretário de Estado de Elizabeth


e diretor de espionagem a partir de 1573.

WILLIAM DAVISON (1541 ? – 1608), secretário da Rainha Elizabeth.

ROBERT DUDLEY, EARL DE LEICESTER (1532-1588), por muitos anos o mais


íntimo amigo de Elizabeth, proposto por ela como marido de Mary Stuart.

THOMAS HOWARD, DUQUE DE NORFOLK (1536-1572), premier da


Inglaterra, um pretendente a mão de Mary Stuart, e participou de uma
conspiração para libertá-la, consequentemente executado.

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CAPÍTULO UM

Rainha no Berço
(1542 – 1548)

Mary Stuart tornou-se Rainha da Escócia com a idade de


seis meses, a despeito de sua vontade e seu conhecimento,
obedecendo, assim, o que parece ser a lei da sua vida: receber
tão cedo e sem consciência o peso que o destino tinha a
oferecer. No mesmo fastidioso dezembro em 1542 que Mary
Stuart nasceu, no Castelo Linlithgrow, seu pai, James V,
respirava pela última vez, no Castelo Falkland, pouco mais de
vinte milhas de distância. Ele mal tinha atingido os 31 anos de
idade, despedaçado na roda da vida, exausto de seu reinado,
em uma esdrúxula guerra sem fim. Já havia provado ser um
homem valente e nobre cavaleiro, cheio de disposição, amante
das artes e das mulheres, detinha a confiança de seu povo. Em
muitas ocasiões disfarçava-se para se misturar, passear e
conversar, sem ser reconhecido, no meio de seu povo, em
festas de casamentos e outras festas populares. Mas James V
nasceu em uma época selvagem, em uma casa que expirava má

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sorte, dentro das fronteiras suas terras fervilhavam. Parece que cumpridos, ou que as leis serão obedecidas. Todas essas coisas
desde que nasceu seu destino já estava tragicamente traçado. me alarmam, Madame. De você eu espero receber força e
conselho. Salvo o dinheiro que a generosidade da França me
O seu vizinho, voluntarioso e imprudente Henry VIII,
envia e o que vem da economia do meu clero mais rico, eu não
tentava forçar ao Reino da Escócia a introdução da Reforma
tenho dinheiro; e é com esse fundo escasso que eu tenho que
Protestante em sua realeza. Mas James V mantinha-se um filho
adornar os castelos, manter meus fortes, construir os navios.
fiel da velha Igreja. Os lordes e nobres não perdiam
Infelizmente, meus barões me olham como seu eu fosse um
oportunidade de criar problemas para sua soberania,
rival intragável e não um rei que age como rei. Apesar da
espalhando intrigas e discórdia envolvendo o nome do pacífico
amizade que o rei da França me mostra, apesar do seu exército,
e estudioso James, aprofundando turbulências e guerra. Quatro
apesar do apoio do meu povo, eu sinto que eu não devo
anos antes, quando James estava aferindo a mão de Mary de
conquistar a vitória final sobre minha indócil nobreza. Eu
Guise em casamento, ele deixa claro em carta, o quão pesado
gostaria de tirar cada obstáculo do caminho para trazer justiça
sua tarefa estava, em agir como rei em meio a rebeldia dos clãs
e tranquilidade para o meu povo. Se apenas a minha nobreza
escoceses. “Madame”, escreve ele (escrito em francês), “Eu
fosse o que me impede, provavelmente alcançaria meu
tenho não mais que vinte e sete anos, e a vida já está me
objetivo, mas o rei da Inglaterra não cansa de semear discórdia
surrando pesado, assim como o meu reinado......um órfão
entre nós; as heresias que ele introduziu no nosso solo não está
desde a infância, caí como uma presa nas mãos de um nobre
devorando somente o povo por inteiro, penetrou também nos
ambicioso; a poderosa Casa do Douglas me mantém prisioneiro
círculos eclesiásticos. Meu poder, assim como o dos meu
há muitos anos, e eu comecei não apenas a odiar o nome dos
ancestrais, repousa solene sobre os plebeus das cidades e na
meus perseguidores, mas a odiar qualquer menção desse
fidelidade do meu clero, e eu só posso perguntar a mim mesmo
tempo de cativeiro. Archibald, Earl de Angus, George seu
por quanto tempo esse poder irá durar......”
irmão, juntos com seus parentes exilados, estão unidos para me
destruir. Não tem um nobre em meu reino que não tenha sido Todos esses desastres descritos na carta tomaram seu
seduzido com suas promessas e subornos. Até minha pessoa lugar, e até pior caiu sobre o escritor. Os dois filhos que Mary
não está segura; não existe garantias que meus desejos serão de Guise trouxeram ao mundo morreram no berço, James, no

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auge da sua virilidade não tinha um herdeiro crescendo ao seu e derrota. Com uma voz resignada ele responde ao mensageiro
lado, um herdeiro para amenizar seu reinado, que com o passar “adeus o que veio e passou, vai passar e menos ficar”. Essa
dos anos, pesava ainda mais sobre seus ombros. Desprezando triste profecia provou ser as últimas palavras que o rei estava
a sua vontade e o seu melhor julgamento, a nobreza o destinado a dizer. Com um suspiro, se virou para a parede,
pressionou para entrar em campo contra a Inglaterra, um ignorando a todos, recusou-se a dizer mais uma única palavra.
poderoso inimigo, para abandonar seu rei na última hora. Em Em poucos dias estava enterrado, e Mary Stuart, antes mesmo
Solway Moss, a Escócia perdeu a batalha e a honra. de abrir seus olhos de bebê e olhar em volta de si, tornou-se a
Abandonada pelos caciques dos clãs, as tropas mal colocaram o Rainha da Escócia.
semblante de luta, correram, sem liderança, de lá para cá. O
Ser uma Stuart e Rainha da Escócia ao mesmo tempo, era
próprio James, consciente de seus deveres de rei e cavaleiro,
estar embaixo de uma estrela de má sorte e exposta a uma
quando a hora decisiva chegou ele não estava em posição de
dupla desgraça, nenhum Stuart, até então, havia tido um
atacar, pois já estava cercado pela morte. Febril e cansado, foi
reinado feliz ou ocupado o trono por um longo período. James
levado para sua cama, longe do campo de batalha, no palácio
I e James III foram assassinados; James II e James IV pereceram
Falkland. Ele havia preenchido sua vida de lutas sem sentido, e
no campo de batalha; dois de seus descendentes tiveram um
a vida se transformou em nada mais do que um fardo para ele.
fim ainda mais cruel, morreram ainda jovens no cadafalso.
Em 9 de dezembro de 1542 as vidraças do palácio se
Ninguém dessa família havia atingido o apogeu da vida
cobriram de névoas turvas quando um mensageiro bateu a
ou nascido sob uma estrela da sorte. Os Stuart sempre estavam
porta. Ele trazia ao débil rei a notícia da Casa dos Stuart, o
em guerra, com ou sem inimigos, dentro e fora de suas
nascimento de uma menina: o Rei tinha uma herdeira ao trono.
fronteiras, entre a própria família. Cercados de desassossego
Mas James V estava tão próximo do seu fim que lhe faltou
sem fim, um desassossego que enfurecia seus corações. Eles
forças para se sentir feliz ou abrigar qualquer semente de
não conseguiam encontrar a paz em seus espíritos, menos
esperança com esse nascimento. Por que não garantiu um filho,
ainda garantir a paz para o país. Aqueles que deveriam provar
um herdeiro homem? Esse homem moribundo não enxergava
serem os mais leais a coroa, eram os que menos se podia
nada além de desastre em cada evento, nada além de tragédia

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confiar: lordes e barões da escuridão, com terras prósperas, e cortar a garganta uns dos outros ou para um aperto de mãos.
cavaleiros, inconstantes e teimosos, ferozes e indomáveis, Ora em guerras entre si, ora jurando pactos – o que nunca
alegres e fortes nas lutas, sendo traídos e traindo durava mais que poucos dias – em que pudessem trapacear
constantemente. Como Ronsard suspirou quando se viu uma terceira parte: não se cansavam de formar pequenas
obrigado a ficar na região “ces´t ung pays barbare un gent facções, nunca com a menor coesão ou estabilidade interna;
brutele1”. Cada clã agindo como reis em seus estados, atrás dos nem laços de sangue ou casamentos foram capazes de acabar
muros maciços de suas fortalezas, reuniam seus membros, com o implacável sentimento de inveja e inimizade entre eles.
lavradores e pastores em vastos exércitos para levar adiante as Os vestígios de paganismo e dos bárbaros viviam em suas almas
disputas intermináveis em que se dispunham. Esses membros selvagens, mesmo que autoproclamassem Protestantes ou
da aristocracia só conheciam um único prazer genuíno, e esse Católicos mudavam de fé assim que uma se mostrava mais
prazer era a guerra. A “esgrima bela” era o deleite para eles. vantajosa que a outra. Eles eram genuínos descendentes de
Eram incitados pela inveja; o único pensamento que tinham era Macbeth e Macduff, os condes vorazes do drama de
poder e mais poder. O embaixador francês escreveu: “Dinheiro Shakespeare.
e vantagens pessoais são as únicas sirenes de vozes que os
A causa capaz de fazê-los colocar a inveja de lado, e agir
lordes escoceses irão emprestar seus ouvidos. Tentar trazê-los
em união era uma só: atacar seu soberano, seu rei; lealdade ou
ao senso de dever para com seu príncipe e falar a respeito de
obediência significavam nada para eles; um verdadeiro “bando
honra, justiça, virtude, decência, negociações confiáveis os
de patifes” (pack of rascal, apelido colocado por Burns, um
levariam as gargalhadas.” Em sua amoral combatividade e
autêntico nativo filho do solo) que apenas tolerava a sombra de
mesquinhez se ressentiam do líder, que embora carente de sua
um rei governando seus castelos e estados, o que só foi possível
cultura e sendo desleixado em seus instintos, lutava
pela inveja que colocava um clã contra outro. Os Gordons
incansavelmente para abrir precedentes: os poderosos e clãs
ajudavam a manter a coroa na cabeça dos Stuarts para não cair
antigos como os Gordons, Hamiltons, Arrans, Maitlands,
com os Hamiltons. Hamiltons juraram lealdade para manter a
Crawfords, Lindsays, Lennoxes, Argylls estavam prontos ou para
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Este é um país bárbaro brutal. (N.T.)

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coroa longe dos Gordons. Mas ai daquele que agisse como um tinham no escopo a arte, entretenimento, gentileza ou
verdadeiro rei na Escócia, que tentasse incorporar a disciplina e hospitalidade. Entre nobres e servos não existia uma realeza
ordem na realeza, e que cheio de juventude e entusiasmo, no centro capaz servir como um pilar de sustentação para
sonhasse em colocar sua vontade contra a ganância da manter a autoridade de um Estado. O distrito mais popular da
nobreza! Em circunstâncias como essas, eles poderiam ter Escócia, situado entre Tweed e Forth, nunca teve a chance de
unido forças para frustrar os desígnios da soberania, e se o prosperar, sempre invadido pela Inglaterra nas fronteiras, a
conflito não pudesse ser resolvido no campo de batalha, seria população assassinada e os frutos do trabalho destruídos. No
facilmente resolvido através de um punhal assassino. norte do país uma pessoa poderia caminhar por horas, solitária,
nas margens dos lagos, com fronteiras demarcadas por brejos
Esse último posto avançado da Europa, em direção ao
e florestas misteriosas, sem ver uma única vila, cidade ou
mar do norte que açoita a costa acidentada era
castelo. Aqui uma aldeia não fazia pressão sobre a outra com
indubitavelmente uma terra trágica, entregue a paixões
crescimento da população como em outras partes da Europa;
antagonistas, uma eterna saga de trevas e romances, abatida
não tinha largas avenidas para o comércio e livre circulação; na
por pobreza que se lançava sobre a terra, onde qualquer
Escócia, como na Holanda ou Inglaterra, não tinha navios
esforço de prosperidade era destruído pelas guerras sem fim.
entrando e saindo de portos movimentados, produzindo e
As poucas cidades, que mal mereciam ser vistas dessa forma,
levando mercadorias, trazendo ouro e especiarias. Pastoreio de
eram amontoadas de miseráveis, cercadas por fortes muralhas,
ovelhas, pesca e caça eram as principais ocupações do
ininterruptamente sob saques e fogo, o que tornava impossível
patriarcado escocês da época. Os seus costumes, suas leis, suas
conquistar um semblante de bem-estar ou assentar em paz.
riquezas e sua cultura estavam atrasados em centenas de anos
Talvez hoje contemplar as ruínas sombrias onde os nobres
em comparação com a Inglaterra e o resto da Europa. Com o
moravam, chamar de castelos por cortesia, essas construções
advento de novos tempos, na costa Europeia, florescia a
frias nada mostram de ornamentos brilhantes a que estamos
atividade bancária e comércio entre países, enquanto a Escócia
acostumados a encontrar em castelos pelo mundo, não é fácil
vivia ainda como nos tempos bíblicos, a riqueza que um homem
imaginar alguma corte reinando nesses muros austeros.
possuía era calculada pela quantidade de terras e o número de
Estavam acostumados puramente a guerra, as construções não

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ovelhas. James V, pai de Mary Stuart, tinha dez mil cabeças de natureza eram vigorosos guerreiros, deveriam estar preparados
ovelhas, e essa era toda a sua fortuna. Ele não tinha tesouros nas fronteiras para enfrentar o antigo inimigo. Mesmo em
de um rei; nem um exército, ou guarda-costas que garantissem tempos de paz o reino do sul representava uma ameaça. Assim
sua autoridade; ele sequer recebia pagamentos pelos seus já era a política característica reconhecida da França reforçar o
serviços. Até mesmo o parlamento, onde os lordes tinham a poderio militar da Escócia. O que poderia ser então mais
palavra decisiva, nunca consentiu em enviar ao rei uma única natural, nessas circunstâncias, para a Inglaterra do que
remessa de suprimentos. Tudo o que esse rei precisou foi consolidar sua posição e semear a discórdia e encorajar as
provido por ricos aliados, como a França e o Papa por exemplo, disputas entre a nobreza escocesa? Era esse o cenário do país,
através de presentes ou empréstimos. Assim cada tapete, cada marcado por centenas de anos de guerras e conflitos, que o
Goebelin, cada lustre encontrado nos castelos, foi comprado destino de Mary estava para ser cumprido.
com uma sensível humilhação. A pobreza, uma úlcera
Com sua incurável alegria e atrevimento de um
purulenta, minava a vida política dessa bela e difícil terra. Por
simbolismo paradoxal, a Dama da História decreta que essa luta
causa da pobreza e voracidade dos reis, soldados e lordes, esse
decisiva deve começar enquanto Mary Stuart é um bebê em seu
reino foi um terrível brinquedo para poderes estrangeiros.
berço. A pequenina moça ainda sem falar ou pensar, sem
Aqueles que lutaram contra o Rei, em favor do Protestantismo,
sentimentos ou consciência de si, com suas pequeninas mãos,
estavam na folha de pagamento de Londres. Os que lutavam
sem forças para se mover, e o mundo da política já se coloca
em favor do Catolicismo eram pagos por Paris, Madrid e Roma.
implacável em sua vida inocente, agarrando seu imaturo corpo,
Forasteiros enchiam seus bolsos de bom grado com sangue
atormentando sua alma inesperada. Era essa a desgraça de
escocês derramado. A decisão final, entre Inglaterra e França,
Mary, estar sob o feitiço inescapável dos jogos políticos. A ela
nesse perene combate estava ainda por vir, e Escócia turbinava
nunca foi permitido desenvolver seu ego livremente. Em toda a
a França com uma carta trunfo nas mãos contra o poderoso
sua vida Mary foi uma marionete da política; ser rainha ou
inimigo do outro lado do Canal. A cada vez que a Inglaterra
herdeira, aliada ou inimiga, nunca uma simples criança, garota
pisava com seus exércitos na Normandia, a França apressava-se
ou mulher. O mensageiro portando as notícias do nascimento
em esfaqueá-la pelas costas. A princípio, os escoceses, que por
de Mary, e do falecimento de James V, mal teve tempo de

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transmiti-las ao Rei da Inglaterra, esse último já processava a dessas dinastias fosse arranjado com sucesso, as diferenças
sua mão para se casar com o filho Edward. Henry VIII a seriam amigavelmente suavizadas, e os Stuarts e Tudors
considera uma noiva valiosa para o cortejo sob todos os pontos tornariam, simultaneamente, reis da Inglaterra, Escócia e
de vista. Assim esse corpo de menina, uma alma ainda Irlanda. As partes em litígio se tornariam amigas; não mais
dormente, transforma-se em um objeto de pechincha fora de sangue derramado em luta fraticida; uma poderosa e unida
seu reino. Mas a política é imprevisível aos sentimentos da Grã-Bretanha, ao meio de outras nações em luta pelo domínio
humanidade; o que interessa é a coroa, o reinado, o país, a do mundo.
herança. O indivíduo, mulher ou homem, simplesmente não
Quando, de forma excepcional, surge uma ideia para
existe quando é a política que prevalece. Essas coisas não têm
iluminar a arena política, a forma idiota que os homens têm de
valor quando comparado a tangibilidade e praticidade dos
executar, invariavelmente a arruínam. A sugestão da união
valores a serem ganhos no jogo do mundo.
entre os herdeiros, quando surgiu, parecia ser a nota perfeita
Nesse presente momento, entretanto, Henry VIII requerida para estabelecer a harmonia. Os lordes escoceses,
acreditava que a união matrimonial entre a herdeira do trono que tiveram seus bolsos enchidos rapidamente pelo dinheiro
da Escócia e o herdeiro do trono da Inglaterra era razoável e inglês, aceitaram de muito bom grado a proposta de
humano. A quase eterna guerra entre nações vizinhas, havia casamento. Mas Henry VIII, foi astuto suficiente para não se
por muito tempo se tornado uma perversidade sem sentido. contentar apenas com um mero pedaço de pergaminho.
Inglaterra e Escócia formando uma única ilha aos mares do Frequentemente ele havia sofrido com acordos duplos desses
norte, suas costas banhadas pelo mesmo oceano, seus povos gananciosos nobres cavalheiros, para não saber que tais
unidos pelo mesmo sangue, modos de vida tão similares, que varinhas safadas não são limitadas por um tratado, e nesse
poderiam ter um dever comum a cumprir: caminhar juntos em celebre e crucial momento – devemos dizer que a França
união e concórdia. A natureza nesse caso não poderia ter feito também havia oferecido seu filho e herdeiro ao trono em
seus desejos mais claro: nada poderia dificultar essa união, casamento com Mary – sabia que os dedos poderiam virar
exceto a rivalidade invejosa existente entre as dinastias Tudor assim que fosse oferecido um acordo mais vantajoso para a
e Stuart. Mas se o casamento entre as crianças herdeiras segunda proposta. Ele solicitou que Mary fosse imediatamente

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enviada para a Inglaterra. Mas se os Tudors desconfiavam dos todas as vilas e cidades que conseguirem encontrar; devastem,
Stuarts, o sentimento dos Stuarts era recíproco. A Rainha Mãe, queimem e destruam Leith; e da mesma forma, sem
em especial, opôs-se ao tratado. Sendo uma Guise e Católica misericórdia, com homens, mulheres e crianças, onde
rigorosa, ela não tinha nenhum desejo de ver sua filha encontrarem qualquer resistência.” Entretanto na hora
comprada por heréticos. Mais ainda, ela não foi lenta em decisiva, mãe e filha foram conduzidas em segurança para
detectar uma armadilha no tratado que poderia servir de prova Stirling, e colocadas ao abrigo dos muros fortificados do castelo.
e alto risco para o bem-estar e a vida da filha. Henry VIII havia Henry III teve que se acalmar com o conteúdo de um novo
subornado nobres escoceses para aceitarem uma cláusula, e acordo, o qual a Escócia se comprometia a enviar Mary para a
manter em segredo, que caso a garota morresse antes de Inglaterra no dia em completasse dez anos de vida - mais uma
atingir a maioridade, todas as suas posses e direitos ao trono da vez tratada como um objeto de barganha e aquisição.
Escócia seriam repassados a Inglaterra. A cláusula, sem dúvida,
Agora tudo estava alegremente acertado. Outra coroa
era suspeita, em especial pelo fato de que seu inventor já havia
havia caído no berço da infante Rainha da Escócia. Pelo seu
enterrado duas esposas. O que seria mais natural do que supor
futuro casamento com o jovem Edward da Inglaterra, os reinos
que a criança poderia morrer prematura e talvez por meios não
da Escócia e Inglaterra se tornariam unidos. Mas a política
naturais e ele receber sua herança? Mary de Guise, com toda
sempre se mostrou ser a ciência da contradição. Sempre está
sua prudência e amor de mãe rejeitou a proposta de enviar sua
em conflitos com soluções simples, naturais e sensíveis; as
filha para Londres. Essa procuração fez com que, Henry VIII
dificuldades são suas maiores alegrias e se sente perdida do seu
arrogante como de costume, ficasse prestes a despachar seus
elemento quando a discórdia está de fora. Logo a parte Católica
exércitos para o outro lado da fronteira, e apoderar-se do
começa a trabalhar intrigas contra o pacto, perguntando-se se
cobiçado prêmio pela força do seu braço. As ordens do exército
não seria melhor permutar o noivado em outro lugar, oferecê-
não estavam longe da brutalidade; “É da vontade de Vossa
la como noiva ao filho do rei francês; quando Henry VIII morre
Majestade que tudo seja devastado pelo fogo e pela espada.
há pouca inclinação em todos os lados para manter o vínculo.
Queimem Edinburgh e arrasem a cidade até o chão, assim que
O protetor Somsert, agindo pelos interesses de Edward, e quem
vocês tiverem tomado o que valer ser salvo. Pilhem Holyrood,
ainda era minoria, exigiu que a noiva criança fosse enviada a

16
Londres. Assim que a Escócia se recusou, a Inglaterra relatório francês, um lugar remoto do mundo dos homens. Nem
despachou seu exército para a fronteira. Essa era a única mesmo um caminho conduzia a esse romântico ponto. A carga
linguagem que os escoceses entendiam propriamente. Em 10 preciosa foi transportada de barco para o destino. Nesse lugar
de setembro de 1547 na batalha, ou melhor no massacre, de a criança instalou-se, escondeu-se, e de longe os turbulentos
Pinkie, os escoceses foram esmagados deixando mais de dez mil eventos caíam sobre os mares e terras da diplomacia que
mortos no campo. Mary Stuart não tinha cinco anos de idade continuavam a tecer o tecido do seu destino.
ainda, e já havia fluido galões de sangue em sua causa.
Enquanto isso a França entrou na lista, ameaçadora e
Escócia agora está aberta para qualquer incursão que a determinada, resolvendo que a Escócia não se sujeitasse aos
Inglaterra escolhesse fazer. Mas não tinha sobrado mais nada interesses da Inglaterra. Henry II, filho de Francis I, enviou um
de valor para pilhar; o interior do país estava vazio, forte esquadrão para o norte do reino, e através de um tenente-
desguarnecido. A Casa Tudor permanecia preocupada com o general com um exército auxiliar, demandou a mão de Mary em
único tesouro que a interessava até então: a pequena garota casamento para seu jovem filho e herdeiro. A noite o destino
que possuía a coroa e os direitos que essa coroa comandava. de Mary havia mudado junto com os ventos políticos, que feito
Assim era essencial que o tesouro fosse alocado onde mãos rajadas de vento varreu o poderoso engenho de guerra do
cobiçosas não a tocassem. Para o desespero dos espiões Canal. Ao invés de ser a Rainha da Inglaterra, a pequena filha da
ingleses, a criança de repente desapareceu do Castelo de Casa dos Stuarts, estava agora destinada a ser a Rainha da
Stirling. Nem mesmos os aliados mais próximos em quem a França. Mal a nova barganha havia sido acertada, em 7 de
Rainha Mãe confiava sabiam para onde Mary fugira. O agosto de 1547, o caríssimo produto (Mary tinha cinco anos e
esconderijo foi admiravelmente escolhido. Em uma noite, sob a oito meses) foi de navio do porto de Dumbarton para a França.
custódia de um confiável servo, a garota fora contrabandeada Mais uma vez havia sido vendida para um noivo desconhecido,
para Inchmahome Priory. Situado na ponta de uma ilha no Lago e comprometida a um casamento que poderia durar por
de Menteith, “dans le pays des sauvages2” dizia o invejoso

2
Na terra dos selvagens. (N.T.)

17
décadas. De novo, e não pela última vez, seu destino era seguiram, juntas em suas adversidades, compartilharam seus
moldado por mãos alheias. exílios e prisões, esperaram quando ela morreu no cadafalso,
não a deixaram só até o seu corpo ser confinado no túmulo. Até
Confiança é uma qualidade desconhecida de uma
o último minuto de sua vida teve um toque de sua infância. Mas
criança. O que uma criança que está aprendendo a andar de
tinha muito tempo à sua frente entre os dias em que navegou
dois, três ou mesmo quatro anos pode saber de guerra e paz,
para a França, como uma criança, e esses dias de trevas e
batalhas e acordos? O que palavras como Inglaterra ou França,
tristezas.
Edward ou Francis podem significar? Uma menina de cabelos
louros que corre alegremente dentro e fora dos iluminados Em Holyrood ou em Stirling, castelo ou palácio, tocava-
aposentos de um castelo, junta com outras quatros garotas da se as altas gargalhadas e as pequeninas pegadas, as cinco Mary
mesma idade que seus calcanhares. Uma charmosa flor havia corriam de quarto em quarto, incansáveis, de manhã até a
sido permito nascer nessa atmosfera sombria dessa bárbara noite. Pequeninas não se importavam pela posição elevada,
era. Desde os primeiros dias de sua vida Mary teve a companhia dignidade ou reinos; nada sabiam a respeito de orgulho ou
de quatro garotas, nascidas todas em datas próximas a ela, perigo envolvendo a coroa. Em uma noite a Rainha Mary foi
escolhidas entre as famílias mais distintas da Escócia, o trevo da desperta de seu sono de bebê, minúscula em seu berço; um
sorte, as quatro Marys: Mary Fleming, Mary Beaton, Mary barco esperando de prontidão em um lago que era um pouco
Livingstone e Mary Seton. Nos primeiros anos de vida os maior que uma lagoa; alguém remou em volta e desembarcou
homônimos da rainha eram suas amigas de brincadeiras; um em uma ilha. Que lugar silencioso e agradável! Inchmahome, a
pouco adiante, companheiras de estudos em terras ilha da paz. Um punhado de estranhos parou para dar boas-
estrangeiras, assim Mary não sentia a trama da sua vida cercada vindas a ela; alguns deles, mais pareciam mulheres, com seus
de insuportáveis estranhos; mais tarde se tornariam as suas capuzes e vestidos negros. Eles eram doces e gentis, cantavam
damas de honra. Em um momento de excepcional afeição, elas com graça, nos halls de teto alto e vidraças manchadas. Logo
fizeram um voto de não se casarem até Mary encontrar-se Mary crescia acostumada à sua nova casa. Mas ainda mais
casada. Mesmo depois que três delas abandonaram Mary, nos rápido, em uma outra noite, outra vez foi colocada em um
dias de infortúnio que abateram sobre ela, as quatro damas a barco sobre as águas. O destino decretou que Mary Stuart

18
deveria estar em constantes viagens noturnas de um lugar para Em 13 de agosto, a insígnia ancora no pequeno porto de
outro. Nessa ocasião, ela acordou e se encontrou em um navio Roscoff, perto de Brest. Um barco foi baixado e transportou a
de altos mastros e velas branco leite, cercada de Rainha para o local de desembarque. Encantada com sua
desconhecidos, ásperos soldados e robustos marinheiros. Que viagem por terra e mar, Mary pula alegremente do passadiço
necessidade havia para Mary sentir medo? Todo mundo a para o solo francês. Ela não tinha ainda seis anos de idade; mas
bordo foi bom e amigável com ela; seu meio irmão de dezessete pisar ao solo francês, a Rainha da Escócia deixava sua infância
anos, James era gentil, afagava seus cabelos. Esse jovem era um para atrás.
dos inúmeros bastardos que seu pai teve na década anterior ao
casamento com Mary de Guise. A bordo estavam também as
quatro Mary, suas queridas amigas de brincadeiras. Deleite e
felicidade era o pano de fundo do seu romance, cinco garotas
brincalhonas, prestes a embarcar, esquivando-se em meio aos
canhões da França, o homem da guerra, rindo as gargalhadas
de alegria. Acima dessas inocentes estava a cabeça de mastro,
um homem que nunca relaxava a vigilância. Ansioso, espiava
em todas as direções, sabia que um comboio entrara em águas
ingleses, bastava o momento oportuno, para atacar o precioso
frete, fazê-la Rainha da Inglaterra, antes que se tornasse a
Rainha da França. Mas o que ela poderia saber de coroas,
maneiras dos homens, problemas e perigos, Inglaterra e
França? O mar era azul, as pessoas em volta eram amáveis e
fortes e o imenso navio voava, feito uma ave gigante,
acelerando sobre as águas.

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CAPÍTULO DOIS pífanos, com miniaturas de piques e alabardas, gritando
aclamações. E foi assim, com toda a sorte de celebrações
ininterruptas que Mary foi recebida em todos os lugares que
Juventude na França passou, desde que pisou em terras francesas. Ela, ainda não
(1548 – 1559) tinha seis anos de idade, teve um primeiro vislumbre do seu
futuro marido, um garoto de quatro anos e meio, fraco, pálido,
raquítico, um menino que tinha sangue envenenado
A corte francesa superava as realizações corteses predestinado a ele, doença e morte prematura, e que agora
naqueles dias, com a prática da misteriosa ciência da etiqueta. timidamente cumprimentava sua noiva. Com todo o calor,
Henry II, um filho da Casa de Nobres, sabia o que era apropriado entretanto, foram as boas vindas dos outros membros da
para receber a noiva criança. Antes de sua chegada, o rei família real, que ficaram encantados com a juventude cheia de
decretou que “la reinette3”, a pequena Rainha da Escócia, charme da garota; Henry II a descreveu de forma entusiástica
deveria ser acolhida por cada vila, cada cidade que ela passasse em carta como “la plus parfayt enfant que je vys jamés.4”
com toda cerimônia, como se ela fosse sua própria filha. Em Naquela época a França era uma das cortes de maior
Nantes, Mary Stuart foi recebida com pompa quase resplendor do mundo. O brilho de um moribundo cavalheirismo
esmagadora. Nas esquinas foram erguidas galerias adornadas iluminava essa geração de transição, que pertencia a certa
com emblemas clássicos, deusas, ninfas e sirenes; e para medida ao período sombrio da Idade Média. Bravura e coragem
colocar seus guardas em bom humor, barris de vinho à ainda eram ostentadas, como enfeites em ringues, em torneios;
disposição; salvas de artilharia e fogos de artifícios para a recém o antigo duro e viril espírito era manifesto em aventuras e
chegada; além disso a guarda pessoal, de cento e cinquenta guerras; mas um mais novo espírito havia sido introduzido nos
jovens, abaixo dos dezoito anos, vestidos em uniforme branco, círculos de poder, e a cultura humanística que já havia
marchando em frente a rainha infante, tocando baterias e conquistados as universidades, era agora a suprema dos

3 4
A pequena vermelha. (N.T.) A criança mais perfeita que eu já vi. (N.T.)

20
palácios dos reis. Da Itália o círculo papal amava exibi-la, o reformados, palácios de Louvre, Paris Saint-Germain, Blois ou
jubilo vivo da Renascença (jubilo tanto do corpo como da Amboise, ladies e lordes ansiosos para conversas espirituosas.
mente) e o deleite das artes requintadas fez sua entrada triunfal Poemas eram lidos em voz alta, instrumentos eram tocados,
na França; e o resultado começa a aparecer, nessa conjuntura, madrigais eram cantados, e sob máscaras, os espíritos reviviam
uma soldadura entre força com beleza, espíritos elevados e a era clássica da literatura. A presença de inúmeras adoráveis
temeridade – a suprema qualidade de não temer a morte mulheres, vestidas com luxo, de poetas e pintores como
enquanto ama-se uma vida cheia de paixões pelos sentidos. Ronsard, du Bellay e Clouet, deram a corte real da França a cor
Mais natural e mais facilmente que em qualquer outro lugar o e o entusiasmo para encontrar expressões de exuberância em
temperamento, entre os franceses, era associado à frivolidade, cada forma de arte e vida. Assim como em outros os lugares da
os cavalheiros gálicos eram extraordinários em aparecer Europa, antes do início infeliz das guerras de religião, na França,
clássicos da cultura Renascentista. Era esperado que a nobreza naquela época, enfrentavam a onda maravilhosa do progresso
francesa fosse igualmente cheia de competência em desafiar da civilização.
suas listas de adversários, mostrar graça e perfeição ao
Aquele que vivesse em tal corte, e acima de tudo, aquele
adentrar nos labirintos da dança; ele deveria ao mesmo tempo
a quem era esperado, no devido tempo, ditar as regras, deveria
se passar como mestre da ciência da guerra e proficiente no
adaptar-se as novas exigências culturais. Deveria esforçar-se a
modos e práticas da corte. A mão que empunha a espada em
máxima perfeição das artes e das ciências, desenvolver tanto
uma luta de vida ou morte é a mesma mão para dedilhar
mente quanto corpo. É uma eterna glória do movimento que
melodias afinadas no alaúde e recitar um soneto para uma
chamamos de Humanistas que seus apóstolos insistissem na
amante bela. Ser simultaneamente forte e suave, rude e culto,
familiaridade com as artes entre aqueles que frequentavam os
hábil na guerra, hábil nas artes requintadas, era o ideal dessa
altos círculos. Nós mal podemos pensar em outra época da
época. Durante o dia, o rei e seus nobres, juntos com bandos
História, em que não apenas homens de estado, mas os nobres
de cães de caça, caçavam veados ou javalis, enquanto lanças
também eram esperados que recebessem um alto nível de
eram arremessadas nos campos; mas quando a noite caía,
educação. Assim como Mary da Inglaterra e sua meia irmã
adentravam nos corredores dos esplêndidos, recém
Elizabeth, Mary Stuart se tornou familiar no Grego e Latim, com

21
as línguas modernas Francês, Italiano, Inglês e Espanhol. Tendo fiel a poesia, tanto quanto sua dama mais leal. Nas outras
uma inteligência clara e uma pronta sagacidade acoplada a um formas de artes ela se expressara com extraordinário bom
herdado deleite em aprender, toda a cultura veio fácil a dotada gosto; cantava com charme acompanhando o alaúde; sua dança
criança. Quando ela ainda não tinha treze anos (ela havia era aclamada como feitiço; seus bordados eram aqueles de
aprendido Latim de Erasmu´s Coloquies), recitou, na grandiosa mãos dotadas e treinadas; vestidos sempre discretos e
galeria do Louvre, na frente da corte e de embaixadores minuciosamente escolhidos, ela não tinha nenhum amor pelas
estrangeiros uma composição sua, em Latim, com tamanha enormes saias presas que Elizabeth deleitava em pavonear-se.
habilidade e graça, que seu tio Cardinal de Lorraine, foi capaz Tato e um requintado discernimento eram inseparáveis da sua
de escrever a Mary de Guise “sua filha está melhorando, dia a natureza; essa filha dos Stuarts preservaria até em seus
dia, em estatura, sabedoria, beleza e valor. Ela é tão perfeita momentos mais sombrios; como uma herança inestimável de
em todas as realizações, honrada e virtuosa, que igual a ela não seu sangue real e seu cortês treinamento, um exaltado
é vista nessa realeza, nem entre donzelas da nobreza, de baixo comportamento teatral que por todos os tempos envolveram-
ou meio grau. O Rei tomou um gosto tão grande por ela, que na como a aréola de seu romance. Mesmo no campo dos
gasta horas do seu tempo conversando juntos; e ela sabe como esportes, os quais a corte francesa tanto cultuava, possuía
entretê-lo, com amenos e agradáveis tópicos de conversa, exímia habilidades. Incansável amazona, ardente caçadora, ágil
como se ela fosse uma mulher de vinte e cinco anos de idade.” nos jogos de bola, alta, delgada, graciosa que era, nada
conhecia a respeito de fatiga. Radiante e alegre, sem
Na verdade, Mary teve um veloz e minucioso
preocupações e exultante, ela drenava cada cálice de delícias
desenvolvimento mental. Rapidamente ela adquiriu tão
da juventude, sem imaginar que esse seria o único período de
perfeitamente o comando da França que ela poderia se
felicidade da sua vida. Mary Rainha da Escócia na corte da
aventurar a se expressar em versos, a competir com Ronsard e
França apresenta-se a nós como uma pintura única e infalível.
du Bellay com suas respostas aos poemas adulatórios que eles
Aqui está uma mulher que expressava tão distintivamente os
mostravam. Nos dias de angústias que virão, ou quando os
ideais cavalheiresco da França Renascentista quanto nesta
fogos da paixão tiverem que dar vazão, ela, por escolha, usaria
fascinante filha da raça real.
as formas da métrica; até na sua última hora ela permaneceria

22
Mal havia deixado sua infância para trás, garota e sua Vous ne verrez jamais une chose pareille . . .
adolescência e depois como mulher, os poetas do dia cantavam
Poetas são propensos a deixar seus sentimentos
louvores a ela. “Em seu décimo quinto ano de vida a beleza
baterem asas; especialmente quando desejam cantar atributos
começa a radiar dela como o sol no céu ao meio-dia,” escreveu
para aqueles que os governam. Com a máxima curiosidade nós
Brantôme. Du Bellay foi ainda mais apaixonado em sua
olhamos para os retratos deixados para nós por mestres como
admiração:
Clouet. Sem desapontamentos aqui, certamente, mas não
En votre esprit le ciel s´est surmonté. podemos concordar em tudo com as aclamações dos poetas.
Sem beleza radiante saindo das telas de pintura, no lugar, um
Nature et art ont em votre beauté
picante rostinho, oval, delicado e atraente, um nariz levemente
Mis tout le beau dont la beauté s´assemble.5 pontiagudo, dando características charmosas e irregulares que,
invariavelmente, tornam os rostos de mulheres tão atraentes.
Lope de Veiga exclamou: “Dos seus olhos as estrelas
Os olhos escuros são gentis, misteriosos, velados; boca fechada
emprestam seu brilho, e das suas linhas coloridas se fazem
e calma. Deve-se admitir que cada característica é
maravilhosas.” Ronsard atribuiu as seguintes palavras ao irmão
elegantemente moldada, e que a natureza fez o melhor uso de
de Charles IX:
seus materiais para esculpir essa filha de tantos reis. Sua pele é
Avoir joui d’une telle beauté, maravilhosamente branca e suave, cintilante como nácar; os
Sein contre sein, valoit ta royauté. cabelos castanhos em abundância, a textura da beleza realçada
pelo entrelaço de pérolas em seus fios; mãos longas e finas,
De novo, Du Bellay resume todos os elogios dos poetas pálidas como neve; corpo alto e reto; “o corselet cortado de
nesse par de versos: modo a dar um vislumbre da textura de neve do seu peito, o
Contentez-vouz, mês yeux! colarinho erguido, revela a exuberância da forma dos seus
ombros.” Nenhum defeito é possível de ser encontrado nessa

5
O Autor mantém o original em francês ao não traduzir as poesias.

23
face e figura. Mas, precisamente por ser tão perfeito e sem de virtudes esperado para a noiva do futuro rei. As suas virtudes
falhas, macio e bonito, falta expressão nessa face. Para ser corteses e sociais é que sempre são elogiadas por
justo, parece uma página em branco, com nada pessoal, nada contemporâneos, parece que se chega ao ponto de ser fato que
característico de si própria, como uma jovem mulher, nada suas características como rainha foram desenvolvidas antes das
havia sido marcado. Tem algo de indeciso e vago entre as linhas; de mulher. A sua verdadeira personalidade era, até o momento,
algo que não desabrochou, que está esperando o momento de eclipsada atrás da fachada do decoro, simplesmente porque,
acordar. Todo retrato produz impressão de insipidez e até então, não foram permitidas que florescesse. Por muitos
debilidade. Sente-se que a natureza da mulher verdadeira ainda anos ainda o seu comportamento digno e o sucesso de sua
está para ser revelada; talvez a verdade do seu caráter nunca cultura geral, esconderiam a natureza apaixonada dessa amável
teve a chance de ser plenamente desenvolvido em suas princesa; ninguém poderia adivinhar o que a alma dessa mulher
próprias linhas. O semblante é daqueles espíritos que possuem era capaz; ficava quieto e sem problemas dentro dela, imóvel e
o senso de mentiras dormente; a mulher de dentro tinha ainda intocado. Fronte suave e muda, lábios doces e amigáveis; os
que encontrar sua expressão. O que nós vemos são retratos de olhos escuros pensativos, astutos, em busca; olhos que
uma atraente garota colegial. miraram adiante para o mundo, mas ainda não no fundo do seu
coração. Seus contemporâneos e a própria Mary não suspeitam
As considerações verbais acerca da jovem rainha servem
o que tem no estoque para ela; não sabem nada da herança que
apenas para confirmar a impressão que a dama ainda está
está no seu sangue. Ela a quem a vida mimava como querida,
incompleta e dormente, todos parecem concordar em afirmar
quem experimentou nada além da felicidade, não poderia ver
a perfeição de Mary, louvar seu comportamento, seu sincero
os perigos à espreita no caminho da sua carreira. A paixão é
vigor, exatamente como se ela fosse a melhor aluna da classe.
necessária para que a mulher se descubra, para que seu caráter
Nós fomos informados que ela era estudiosa, amigável e
se expanda na verdadeira proporção; amor e sofrimento são
agradável socialmente, tinha boas maneiras e piedosa, era
necessários para encontrar a própria magnitude.
excelente nas artes e esportes, e ainda assim, sem mostrar
predileção por arte ou esporte em particular, ou talento Mary Stuart criou uma poderosa impressão sobre todos
especial para uma ou outra arte. Boa, obediente, era o modelo que entraram em contato com ela, e era universal que ela era a

24
favorita na corte, assim foi acordado antecipar a celebração de livre da França – como se fosse o seu estado privado – e ela
suas núpcias. Por toda a sua vida a hora parece estar mais abriria a mão de reinar a Casa dos Nobres, e os seus direitos a
avançada que a luz solar e ela, invariavelmente, é chamada a sucessão aos tronos da Inglaterra e Irlanda.
fazer coisas mais cedo do que as garotas da sua idade. Seu
O segredo em que estava envolto e fora assinado, o
noivo, futuro marido, arranjado por um acordo, mal tinha
documento é uma prova por si que essa barganha foi
quatorze anos, sofria toda a sorte de debilidade. Mas a política
inescrupulosa. Feito de forma arbitrária, Mary Stuart não tinha
não pode sustentar a espera pela natureza. A corte francesa foi
direito de mudar o curso da sucessão, e teve que entregar seu
suspeitosamente ansiosa para começar o trabalho, celebrar o
reino a poderes estrangeiros como se fosse uma capa que
casamento, especialmente desde que souberam pelos médicos
pertencesse a outra pessoa. Mas seus tios colocaram muita
reais que a saúde do garoto Francis estava minguando, e
pressão para suportar, e as insuspeitas mãos fizeram a inocente
certamente, estava perigosamente doente. Contudo, o mais
garota assinar devidamente o instrumento. Trágica obediência!
importante para a França era garantir a coroa da Escócia, que
A primeira vez em que Mary Stuart coloca sua assinatura em
só poderia ser conquistado se o casamento fosse concretizado.
um documento político, traz a desonra sobre sua bela cabeça,
A velocidade foi avançada ao máximo e as duas crianças foram
força essa cândida criatura e confiável a ir no sentido contrário,
levadas ao altar. Na procuração do casamento, elaborado pelos
aquiescer com a mentira. Se ela se tornasse rainha, e
parlamentos da França e Escócia, atuando em conjunto, os
permanecesse como rainha, ela nunca mais poderia seguir os
noivos receberiam a “coroa matrimonial”. Ao mesmo tempo
ditados de sua própria vontade, nunca mais poderia ser
em que assinaram o contrato de casamento público, os
genuinamente verdadeira a si mesma. Aquele que votou a si
parentes de Mary, os Guises, fizeram a garota de quinze anos
mesmo na política, não é mais um agente livre.
assinar três outros, em separados e em segredo, ato que
tornaram as garantias públicas sem valor, e que permaneceu Essas maquinações secretas, entretanto, permaneceram
escondida do parlamento escocês. Nesse documento, ela escondidas das festividades matrimoniais. Há pouco mais de
prometia a si mesma, no caso de morte prematura, ou se ela dois mil anos que o filho da França casou-se com as fronteiras
morresse sem problemas aparentes, seu país seria um legado de sua terra natal, e por essa razão a Casa dos Nobres ofereceu

25
ao povo um espetáculo sem igual em esplendor. Catherine de ela chegou – embora tão cedo – ao clímax da sua vida. Nunca
Medice, esteve em festividades na Itália elaborados por artistas mais Mary Stuart seria uma figura central em uma galáxia de
mestres da Renascença, que chegou ao ponto ápice do orgulho tanta riqueza, aprovação e jubilo como agora quando, ao lado
quando seu filho mais velho se casou. Em 24 de abril de 1558, do príncipe, com a coroa mais distinta da Europa, a cabeça da
Paris testemunhou uma festa de padrão tão elevado, como tropa de cavaleiros vestidos alegremente, passando pelas ruas
nunca antes testemunhado. Em uma quadra antes de Notre acompanhada de trovões de aplausos. Nessa noite teve um
Dame foi erguido um pavilhão, que tinha um “ciel royal6”, banquete no Palácio de Justiça, toda Paris estava amontoada
forrado com seda da ilha de Chipre e de estampa de dourada para se embasbacar nas vidraças, vislumbrando todo o ouro,
flor-de-lis; imenso carpete azul, com a mesma estampa floral, e prata, pedras preciosas, honrando a jovem mulher que
lírios cobrindo o chão. Músicos lideravam o caminho, vestidos adicionou um novo reino ao reino da França. As celebrações
de amarelo e vermelho, tocando diversos instrumentos. Veio, terminaram com um baile, para o qual os artistas estudaram a
então, a processão real, suntuosamente vestida, e aclamada fundo os arquivos da Renascença Italiana, e preparam
com entusiasmo. O rito foi solenizado sob os olhos da surpresas maravilhosas. Entre muitas surpresas, tinham seis
população, milhares de olhos montados sobre noiva e o noivo miniaturas de navios enfeitados com ouro, mastros de prata e
doente, que pareciam esmagados pela pompa e circunstância. velas de gaze, que foram apropriadamente colocados no rol de
Os poetas da corte, nessa ocasião, mais uma vez, disputam entrada, e com um astuto mecanismo invisível, faziam o navio
entre si, com outra descrição estática da beleza de Mary. “Ela impulsionar e se lançar, como se estivessem em uma
apareceu” escreveu Brantôme (cujas penas estavam mais tempestade ao mar, faziam sua volta pelo rol. Em cada uma
acostumadas a escrever crônicas lascivas) “centenas de vezes dessas miniaturas estava um príncipe sentado, aparentemente
mais bonita que uma deusa”. Certamente, naquele momento, vestido em ouro, com máscara de damasco, que se levantava
um brilho de felicidade e de um sentimento de boa sorte pode com diferentes gestos levando as damas em sua embarcação:
ter equipado essa ambiciosa garota com uma auréola peculiar. Catherine de Medice, Mary Rainha da Escócia, a Rainha de
Ela sorriu para todos, reconheceu as aclamações, e em verdade Navarro, e as princesas Elizabeth, Margareth e Claude. Essa
6
Céu real. (N.t.)

26
embarcação tinha a intenção de simbolizar a feliz viagem pela Edward, quatro anos mais novo que Elizabeth, filho do terceiro
vida, entre a ostentação e o florescimento. Mas o destino não casamento com Jane Seymour, sendo o único herdeiro homem,
está sujeito aos desejos humanos, e a partir desse com apenas dez anos de idade, sucedeu seu pai. Com morte
deslumbrante momento o navio da vida de Mary Stuart foi prematura de Edward não houve nenhuma questão a respeito
dirigido para outras margens, mais perigosas. da legalidade da ascensão de Mary ao trono. Ela não deixou
filhos, e os direitos de Elizabeth eram de natureza duvidosa. Os
O primeiro perigo surgiu inesperadamente em seu
advogados da coroa inglesa afirmaram que, desde que o
caminho. Mary se tornou Rainha da Escócia em seu pleno
casamento de Henry com Ana havia sido sancionado pela corte
direito, por nascimento e herança, enquanto o “roi dauphin7”,
eclesiástica e o casamento anterior, com Catherine de Aragon,
príncipe dono da coroa do reino da França, levou-a ao mais alto
havia sido anulado, Elizabeth era uma criança legítima da união.
posto do estado francês pelo do casamento. Mas mal havia
Ela era sua descendente direta, e era uma requerente legítima
terminado a cerimônia do casamento quando uma terceira e
ao trono. Por outro lado, os juristas da coroa francesa,
mais vantajosa coroa começou a brilhar vagamente em frente
relembraram que o próprio Henry VIII havia declarado que seu
aos olhos da garota: e suas jovens mãos, inexperiente e mau
casamento com Ana Bolena não tinha fundamento legal, e
aconselhadas, agarrou esse tesouro traiçoeiro e brilhante. No
havia insistido para o seu parlamento declarar Elizabeth uma
ano em que a Rainha da Escócia se casou com Francis, Mary
bastarda. Toda a Igreja Católica tinha a opinião que Elizabeth
Tudor, Rainha da Inglaterra, morreu. Elizabeth, sua meio irmã,
havia nascido fora de um casamento legítimo, e assim sendo,
sucedeu a coroa. Mas ela tinha algum direito legal a ascender
fora da linha de sucessão. Se esse ponto de vista era o
ao trono? Henry VIII, um verdadeiro Barba Azul, com suas
verdadeiro, então o próximo requerente legítimo ao trono não
muitas esposas, deixou apenas três filhos, Edward e duas filhas.
poderia ser outro que não Mary Stuart, neta de Henry VIII.
Mary, a mais velha dos três, fruto legítimo do seu casamento
com Catherine de Aragon; Elizabeth, dezessete anos mais A jovem Mary enfrentava uma decisão de importância
jovem que Mary, era filha do casamento com Ana Bolena. mundial. Duas alternativas se apresentaram. Ela poderia ser

7
Golfinho Rei. (N.T)

27
diplomática e produtiva, manter relações cordiais com a prima, reclamar ao trono inglês permanecia um fato, que ao mesmo
reconhecendo sua legitimidade a coroa inglesa, colocando, tempo não era um fato tangível. A aclamação foi apresentada à
assim, de lado sua própria aspiração a coroa, que em nenhum luz do dia e mantida escondida no quintal, de acordo com o
caso poderia ser requerido, mas apenas pela força do exército. humor que prevalece. Quando, agindo sobre as cláusulas da
Ou ela poderia ser ousada e resoluta, declarar Elizabeth reconhecida ameaça, Elizabeth exige a volta de Calais para o
usurpadora, colocar a força do exército da França e Escócia para reino da Inglaterra, Henry II responde: “Calais deveria se render
reforçar seu requerimento ao trono inglês, e despojar Elizabeth aos recém-casados, Rainha da Escócia, a quem nós acreditamos
de sua coroa usurpada. Infelizmente, Mary e seus conselheiros ser Rainha da Inglaterra”. Mesmo assim Henry II não fez
escolheram um terceiro caminho para o dilema, um caminho nenhum movimento para impor a reclamação de sua nora ao
invariavelmente envolto em dificuldades, especialmente nos trono inglês, e continuou a fazer negócios em termos iguais com
domínios da política. Eles escolheram pegar o caminho do meio. a monarca inglesa, como se não tivesse problema nenhum em
Ao invés de marchar com toda a força e determinação contra ela ser usurpadora.
Elizabeth, a realeza da França fez um gesto absurdo e vaidoso.
Esse tolo e vaidoso gesto, essa idiota e infantil pintura
Henry II ordenou que o casal nupcial deveria ter os exércitos
dos casacos e escudos dos ingleses e escoceses, trouxeram,
dos reinos da Inglaterra e Escócia sobrepujado pelo reino da
absolutamente, nenhuma vantagem para Mary. Pelo contrário,
França, com pinturas nos brasões, navios, escudos, e em todo
causaram a ruína da sua causa. A partir desse momento ela teve
pronunciamento público Mary Stuart deveria dizer “Regina
que sofrer na vida por um ato que foi feito em nome dela
Franciae, Scotiae, Angliae, et Hiberniae8”. A declaração foi
quando ela era ainda um pouco mais que uma criança, um ato
mantida, mas deixada indefesa. A guerra não foi declarada
de política bruta, realizado para poupar agressividade e
contra Elizabeth: ela foi meramente ameaçada e irritada. Ao
vaidade. Essa pequena mortificação mexeu com o orgulho de
invés de impor o direito até o ponto da espada, a declaração foi
Elizabeth e converteu a mulher mais poderosa da Europa, em
sobre pintar pedaços de madeira. Desentendimentos e
uma inimiga irreconciliável de Mary. Uma autêntica
ambiguidade estavam, assim, criados, para Mary Stuart
8
Rainha da França, Escócia, Inglaterra e Irlanda, do Latim. (N.T.)

28
governante, assim nascida, poderia tolerar e permitir tudo, A incorporação dos emblemas heráldicos nos casacos
exceto que outro colocasse em dúvida seus domínios e pela Inglaterra foi em julho de 1559, exibido em público pelo
reivindicasse esse mesmo domínio. Elizabeth, assim, a despeito jovem casal de reis, quando eles estavam a caminho de um
de suas aparentes simpatias, e até carinhosas, cartas, sempre torneio, em Paris. Nessa ocasião, eles estavam na arena, em
olhou para Mary como um espectro fundindo uma sombra cima de um carro triunfal já com o brasão e o escudo fatal. O
sobre seu trono, uma inimiga, rival. Por outro lado, Mary foi carro foi levado por dois arautos escoceses, aparados por
muito orgulhosa para reconhecer o erro, uma vez que havia soldados ingleses e escoceses, bradando alto para todos os
feito a reclamação em público, e agora não poderia consentir homens os ouvirem: “Deem lugar para a Rainha da Inglaterra
em reconhecer a filha bastarda da “concubina” como legítima passar!”. Essa festividade havia sido arranjada para celebrar a
Rainha da Inglaterra. A relação entre as duas mulheres não Paz do Cateau-Cambresis (abril de 1559), o Rei Henry II, sempre
poderia ser outra que fingimentos e subterfúgios, sob o um cavalheiro da noite, não sentiu sua dignidade rebaixada ao
permanente decote. Meias medidas e atos desonrosos, tanto tirar uma lasca ou duas “pour l’amour des damas9” e todo
no mundo da política quanto na vida particular, sempre trazem mundo sabia qual dama estava na cabeça dele. Diane de Poitre,
mais estragos pelo caminho do que decisões enérgicas e mãos orgulhosa e linda, como sempre, sentada em uma caixa,
livres. A pintura dos casacos ingleses, os brasões do casal Mary olhando suavemente para seu amante rei. De repente,
e Francis, fizera que fluísse mais sangue do que uma guerra real entretanto, o que era para ser um esporte divertido se tornou
teria causado. Uma guerra declarada ao chegar ao fim resolve uma diligência mortal. Esse torneio provou ser um pivô da
o problema para um lado ou para o outro, entretanto o método História. O conde de Montgomery, cavaleiro francês e parte do
ambíguo adotado por Henry II provou ser uma constante e as corpo de guarda-costas do reino da Escócia, entrou na lista do
recorrentes alfinetadas entre as duas mulheres as último comando como adversário do mestre real. Tendo
acompanharam por toda a vida, jogou ao caos o governo das quebrado sua lança, ele galopou para atacar mais uma vez com
monarcas. o toco da sua arma. O ataque violento foi tão enérgico que uma
lasca da arma penetrou dentro do olho do Rei, através de seu
9
Pelos damascos. (N.T.)

29
visor. O monarca caiu do seu cavalo desmaiado. A princípio a
ferida foi considerada insignificante, mas o Rei nunca mais
recuperou a consciência. Em volta de sua cama a família
reunida, chocada e horrorizada. Por alguns dias Valois resistiu
na luta com valentia, mas em 10 de julho desistiu para se tornar
um fantasma.
Mesmo quando mergulhada no mais profundo luto, a
França não se esqueceu dos ditados da etiqueta. Com a família
deixando o palácio, Catherine de Medici, esposa de Henry II,
reteve-se na porta. A partir da hora em que ficou viúva ela não
tinha mais nenhum direito de participar da corte. Esse direito,
agora, caiu sobre uma garota que tinha automaticamente se
tornado a Rainha da França como o último respiro que outrora
saíra do corpo do Rei. Mary Stuart, a esposa do novo Rei da
França, uma pirralha de dezesseis anos, teve que ir antes, e
nesse instante subiu ao pico mais alto que a vida havia
reservado para ela.

30
precipitado, efêmero e multicolorido, o tempo entre seu
casamento e a coroação. Antes que seu senso pudesse
CAPÍTULO TRÊS
compreender a importância dessa preciosa primavera, as flores
já estavam murchas e mortas, a temporada de flores acabou, e
Mary acordou desapontada, desiludida, com as esperanças
Rainha, Viúva, ainda Rainha
saqueadas, desnorteada como se estivesse distraída. Na idade
(1560 – 1561) em que outras donzelas estavam começando a formar desejos,
começando a ter esperanças, anseios por coisas sem saber
quais, Mary vivenciou uma profusão de possibilidades de
Nada contribuiu tanto para render a Mary Stuart um progresso triunfante, sem a concessão de tempo livre para
destino trágico quanto esse início de sua carreira com as honras compreender o significado espiritual do momento. Essa vinda
terrenas caindo enganosamente sobre ela, sem que ela prematura enfrentando o destino explica seu subsequente
levantasse um dedo para atingi-las. Sua subida ao poder foi que alvoroço e voracidade. Aquele que tão cedo é uma figura
nem um foguete pela sua rapidez: seis dias após nascer ela já extraordinária de um país, certamente do mundo, nunca mais
era Rainha da Escócia; com seis anos de idade ela já era se contentará com uma posição de menor importância. E foi a
prometida como noiva do príncipe mais poderoso da Europa; teimosa luta para se manter no centro do palco, que a real
aos quinze sua esposa; aos dezesseis Rainha da França. Ela Mary, sem graça, foi desenvolvida. Renúncia e esquecimento
alcança o zênite de sua carreira pública antes de desenvolver são permitidos aos fracos: natureza forte, por outro lado, não
sua vida íntima. Coisas caem em seu colo como se saíssem do está habituadas a se resignar, mas sim a desafiar até o destino
chifre da abundância; nunca ela lutou por si mesma por algum mais brutal a ser julgado por comum.
objeto desejado, nunca colheu nenhum fruto através do seu Na verdade, esse curto período na realeza francesa
esforço pessoal. Nunca através de tentativas e méritos essa passou como um sonho para Mary – pungente, difícil e inquieto
princesa alcançou um objetivo; tudo voa para ela através de sonho. A cerimônia na catedral de Rheims – onde o arcebispo
herança, graça, presentes. Como se fosse um sonho, tudo voa, coroou o doente garoto, e onde a adorável menina-rainha,

31
ornamentada com joias apropriadas a sua posição, brilhou diversos e exaustivas atividades para o corpo. Mas a natureza
entre a nobreza como um lírio branco delgado, ainda sem não pode ser enganada. Seu sangue era incuravelmente lento,
desabrochar – foi uma isolada ocasião de esplendor. Exceto por envenenado por uma herança maldita de seu avô Francis I. De
isso as crônicas não tinham nada a dizer de festividades e novo e de novo ele era aplacado pelo paradoxo da febre.
diversão. O destino não deixou tempo a Mary para que Quando a temperatura era rigorosa, tinha que ficar dentro do
descobrisse os trovadores das artes e poesia da corte que ela quarto, indócil e entediado, um tom triste, cercado pelo seu
tanto aspirava; não deu tempo para que os pintores acabassem trem de doutores. Tão fraco, o Rei despertou mais pena que
os quadros dos recém-casados; sem tempo para que os respeito entre os seus cortesãos: entre seu povo, por outro
historiadores descrevessem suas personalidades; sem tempo lado, fofocava-se que ele tinha lepra, que se banhava no sangue
para que seu povo conhecesse seus novos governantes ou a fresco de crianças recém assassinadas, na esperança de
aprender a amá-los. No longo processo de reis e rainhas da reconquistar a saúde. Os camponeses consideravam que o
França, a figura dessas duas crianças passara adiante como rapaz havia sido ferido quando dava um passeio. Na corte,
grinaldas de névoa antes do vento. aqueles com olhos para o futuro, começaram a rodear
Catherine de Medici e Charles, os próximos herdeiros ao trono.
Francis II, uma árvore contaminada na floresta, estava
Mãos fracas como a de Francis não poderiam por muito tempo
condenado à morte prematura. Rosto arredondado e inchado,
segurar os reinos do poder. Aqui e ali, nas duras e desastradas
olhos tímidos, fatigado, lembrava aqueles quem acabaram de
linhas escritas poderiam conter a assinatura de Francis no
acordar, era a expressão dominante do seu semblante. Sua
rodapé dos decretos; mas os verdadeiros governantes era os de
força foi subestimada pelo repentino e extensivo crescimento
Guises, os parentes de Mary, os quais eram os mais enérgicos e
característico do que ocorre na sua idade. Médicos que
devotos em manter seu brilho vital vivo, pelo maior tempo
cuidavam dele com sedo, avisavam que ele deveria cuidar de si
possível. Nesse quarto rodeado pela doença, com a eterna
com urgência. Mas ele tinha um idiota pavor de que não deveria
vigilância da decadência da saúde, mal pode falar em
ser superado por sua esbelta, incansável esposa, que era uma
casamento feliz, mesmo se se pudesse supor um casamento no
devota apaixonada dos esportes ao ar livre. Ele poderia ser visto
verdadeiro sentido do termo. Ainda assim não há nada que
como robusto, montando cavalos famosos, e engajado em

32
justifique supor que a união desses dois jovens fosse infeliz, tributo, pela sua posição como governante. Teve que
mesmo para a maliciosa corte, onde a fofoca era abundante, testemunhar a execução de rebeldes, e nós podemos supor
nessa corte onde cada amante era lembrada por Brantôme no muito bem que o suspiro ficara gravado em sua memória,
seu “Vie des dames galantes10”, nenhuma suspeita parece ter esquecido, talvez, por décadas, para saltar de novo dentro da
sido levantada pelo comportamento de Mary. Muito antes de vívida realidade na hora em que a própria desgraça a atingiu.
se casarem, Francis e Mary, eram amigos de jogos, e parece Nesse momento ela assiste a impressionante visão do ser
improvável que o elemento erótico teve muita participação na humano, mãos amarradas nas costas, ajoelhado com a cabeça
vida deles depois de casados. Teria muitos anos ainda até Mary bloqueada, esperando a queda do machado de seu executor.
Stuart desenvolver sua capacidade apaixonada de se render a Ela ouviu pela primeira vez o curioso tom abafado e sem graça
um amante; e Francis, um garoto doente, não era o tipo de que os servidores servem a vida fresca, ela viu o sangue
homem para excitar a paixão escondida tão fundo na esguichar, a cabeça rolar na areia para longe do corpo. Uma
enigmática natureza de sua esposa. Características como pintura horrível o suficiente para apagar a lembrança de uma
ternura e clemência foram solicitadas para que Mary cuidasse alma sensível a esplêndida cena enaltecida por Rheims quando
de seu marido, exigindo o máximo de suas habilidades. Mesmo sua jovem cabeça fora coroada.
que ela não tenha sido movida pelos seus sentimentos, ela
Agora as más notícias chegavam uma sobre a outra. A
sabia que sua posição dependia da respiração e do coração
mãe de Mary, Mary de Guise, que tinha agido como a regente
batendo desse pobre, doente menino, cuidar da vida dele era
da Escócia enquanto Mary era menor de idade, tinha atingido o
defender a sua própria felicidade. Mas a felicidade verdadeira,
fim de sua vida, rodeada por inimigos, sua última respiração foi
nesse curto período em que reinou a França, não estava no
em julho de 1560. Ela deixou o país em conflitos de religião e
escopo. As tempestades excitadas pelo movimento
rebeliões em toda a parte, com a guerra furiosa ao longo da
Huguenot11, causaram difundida agitação. Depois da
fronteira, e os exércitos da Inglaterra ocupando Lowlands.
conspiração de Ambroise, em que cada par real estava
Mary Stuart teve que trocar seu traje festivo pelo de luto. Por
ameaçado de extinção, Mary teve que pagar um dolorido
10 11
Vida das senhoras galantes. (N.T.) Movimento de Protestantes franceses. (N.T.)

33
ora ela não ouviria canções: seus pés por um tempo não desde o nascimento: Mary Rainha da Escócia e das Ilhas. O rigor
pisariam nos labirintos da dança. Assim a risada ossuda da da pomposa etiqueta da França decretou que a viúva do Rei
Morte chega batendo a porta da sua casa e de seu coração. deveria passar quarenta dias em estrito isolamento, período o
Francis II crescia cada vez mais fraco; o sangue envenenado que qual ela não deveria sair de seus aposentos privados, nem por
corria lentamente em suas veias agora marcava tatuagem nas um momento, ou admitir que a luz do dia entrasse no quarto.
suas orelhas e têmporas. Ele não mais poderia caminhar ou Nas duas primeiras semanas de luto ela fora proibida de
passear, mas sim ser carregado em maca de lugar a lugar. Por receber qualquer visita, apenas o novo Rei, com seus parentes
fim o acúmulo de pus estourou o tambor das orelhas; já era mais próximos, e esses ela entreteve nos seu retiro,
tarde demais, a inflamação se espalhou pelo cérebro, e o melancólico, iluminado por velas, a semelhança de um túmulo
sofrimento estava além do alcance de remédios. Seu coração vivo. A Rainha viúva sequer pôde usar o tradicional preto,
parou de bater em 6 de dezembro de 1560. adotado quase universalmente pelos homens comuns como
sinal de privação e perda. A viúva do monarca da França teve
Mais uma cena trágica entre as duas mulheres estava
que vestir “deuil blanc12” prescrito na lei da terra. Uma touca
para ser encenada até o fim, ao lado da segunda cama da
branca emoldurada pela face pálida, vestido branco broqueado
morte. Mal a última respiração saiu do fraco corpo de Francis II,
cobrindo o corpo e membros, sapatos e meias brancos. Amplas
quando Mary Stuart, não mais Rainha da França, teve que
pregas brancas que caiam da cabeça à cintura. Assim é como
produzir precedente para Catherine de Medici: a mais jovem
Janet descreve Mary Stuart nos dias de seu luto; assim é como
das viúvas reais teve que recuar na porta para que a mais velha
Ronsard a retrata em palavras:
passasse. Mary não era mais a primeira dama do reino, mas de
novo, como antes, a segunda. Um ano bastou para que o sonho Un crespe long, subtil et délié
de Mary Stuart chegasse ao fim. Ela poderia nunca mais reinar
Ply contre ply, retors et replié
como a Rainha da França, mas de agora em diante, e até a hora
de sua morte, ela permaneceria sendo o que ela sempre foi Habit de deuil, vous sert de couvertuire,

12
Luto branco. (N.T.)

34
Depuis le chef jusques à la ceinture, A mesma melancolia digna fala conosco através das
linhas que ela mesma compôs como lamento pelo seu marido
Qui s’enfle ainsi qu’un voile quand le vent
morto. Esses versos não eram indignos do mestre da Rainha,
Soufle la barque et la cingle en avant. Ronsard. Mesmo que não tivessem sido escritos por uma
Rainha, o afetuoso canto poderia aparecer em qualquer
De tel habit voux étiez accoutrée
coração através do tom simples e do toque cândido. Não
Partant, hélas! de la belle coutrée encontramos nos versos arrependimento apaixonado pelo
Dont aviez eu le sceptre dans la main, jovem Rei morto, mas sempre sincera e pura no que se refere a
poesia, embora não invariavelmente no mundo da política. Nos
Lorsque, pensive et baignant votre sein é dado a pintura de sua total solidão, e o sentimento de que ela
Du beau cristal de voz larmes coullés estava perdida e abandonada.

Triste marchiez par les longues allées Sans cesse mon coeur sent

Du grand jardin de ce royal château Le regret d’un absent.

Qui prend son nom de la beauté des eaux. Si parfois vers les cieux
Viens à dresser ma veue

Nunca antes essa jovem simpática e gentil criatura tinha Le doux traict de ses yeux
sido tão bem pintada do que na hora do seu primeiro luto e Je vois dans une nue;
primeira decepção. Seus olhos inquietos e errantes se tornaram
firmes e sinceros; a dignidade do seu comportamento é mais Soudain je vois dans l’eau
óbvia no modesto e simples traje do luto do que nos retratos Comme dans um tombeau.
que a mostram enfeitada de pedras preciosas e a insígnia do
Si je suis em repôs
poder.

35
Someillant sur ma couche, Medici e se referir ao início dos ancestrais de sua família como
mercadores, fazendo assim uma comparação depreciativa com
J le sens qu’il me touche:
a sua própria longa linhagem de reis antepassados. Tais
En labeur, en recoy célebres e espalhafatosas expressões – indiferentes e mau
aconselhadas estariam com ela no futuro em relação a
Toujour est près de moy.
Elizabeth da Inglaterra também – quando dito por uma mulher
O sofrimento de Mary Stuart pela perda de seu marido, em detrimento de outra são mais devastadoras do que críticas
Francis II, foi inegavelmente genuíno, e não apenas uma poesia abertas. As ambições de Catherine já haviam sido frustradas ao
de ficção. Por perder Francis, Mary não perdeu somente uma longo de duas décadas através do poder empunhado por Diane
companhia dócil e agradável, um amigo afetuoso, mas perdeu de Poitiers; depois vem a ascensão de Mary Stuart.
ao mesmo tempo sua posição entre as potencias europeias, seu Dificilmente, portanto, ela teve seu próprio espaço em cena e
poder, sua segurança. Essa mulher, que ainda era metade assim que tomado seu lugar na arena política permitiu que o
criança, logo sentiria o quanto significava a estabilidade e a ódio entre as duas rivais encontrasse um desafio e uma saída
gratificação por ser a primeira dama de um grande reino e o ditatorial.
quão insignificante era ter que se contentar em tocar o segundo
Mas no caso de Mary Stuart, o orgulho era um traço
violino. Certamente, para criaturas orgulhosas, isso esfola
essencial na sua maquiagem e preveniu que ela aceitasse uma
muito mais do que qualquer outro. A situação de Mary foi
parte menor. Coração forte e apaixonada por natureza, ela
rendida a Catherine de Medici, algo mais amargo pela sua
recusa glórias pela metade e posições pequenas. Melhor ter
hostilidade aberta, o membro mais arrogante de uma casa
contabilizado nada, melhor estar morta do que ser subalterna.
arrogante, retomava seu lugar à corte. Pode até parecer que
Ela considerou seriamente em se retirar num convento, afastar-
Mary, em um momento de distração, fora incitada pela
se das prerrogativas mundanas, abrir mão de seus direitos e
imprudência precipitada da juventude, ao expor a senhora mais
privilégios, desde que não poderia ser mais a primeira dama de
velha a um descontentamento imortal ao arriscar uma
sua corte. Mas a vida era ainda um negócio muito sedutor para
observação sobre as origens comerciais da riqueza da família
uma garota de dezoito anos ir contra seus mais íntimos ditados

36
e desistir dos seus encantos para sempre. Além disso, era Por certo seria muito difícil dar adeus a França. Ela tinha
possível que uma coroa perdida pudesse ser recompensada vivido vinte anos na corte desse reino, nessa bonita, rica e feliz
pela aquisição de outra, não menos resplandecente. O terra, que parecia ser mais a sua terra que a Escócia, que agora
embaixador espanhol estava agora aferindo Mary, em nome de tinha se tornado nada mais que uma vaga memória de infância.
Don Carlos herdeiro de dois mundos: a corte da Áustria estava A França, morada dos parentes de sua mãe, que a acalentava e
simultaneamente em negociações secretas; Reis da Suécia e a guardava; onde nos muitos palácios e castelos passara horas
Dinamarca estavam oferecendo a ela seus tronos e mãos. E ela tão alegres; onde vivia poetas que cantavam louvores a ela e a
não era, desde sempre, rainha no seu pleno direito; ela não era entendiam tão bem; onde era rodeada por cortesias
a Rainha da Escócia e das Ilhas? E tinha a coroa vizinha da cavalheirescas que rendiam a vida charme, a cavalaria galante
Inglaterra, que poderia cair para ela a qualquer momento. se adaptava ao seu gosto admiravelmente. Ela adiou sua
Possibilidades incalculáveis circulavam ao redor da jovem viúva, partida mês a mês, hesitante apesar das mensagens urgentes
amadurecendo agora para a beleza da feminilidade completa – que chegavam de sua terra natal. Ela visitou parente em
embora daqui em diante ela teria que pegar o que quisesse Joinville e em Nancy, esteve presente na coroação do seu
obter. Os dias em que tesouros caiam em seu colo como sobrinho de dez anos, Charles IX, na catedral de Rheims.
presentes dos deuses haviam chegado ao fim para sempre. Permanentemente encontrava desculpas para postergar a
Daqui em diante ela teria que lutar com uma mão solitária, teria jornada, como se abrigasse a premonição de seu fim. Era como
que agarrar o que desejasse manipulando a arte da diplomacia, se ela esperasse algum sinal que a poupasse da temida
usando suas mais elevadas habilidades, exercendo a paciência. separação da França e a viagem ao lar.
Mas com tal abundância de coragem, com tanta beleza sob seu
Independentemente do quão inexperiente uma garota
comando, com a juventude a aquecer seu corpo
de dezoito anos é nas questões de Estado, Mary Stuart deve ter
desabrochando, por que não se aventurar em um jogo mais
sido convencida de que um difícil teste a aguardava assim que
ousado? Resoluta e audaciosa, Mary Stuart marchou em frente
ela colocasse os pés no solo nativo. Desde a morte de sua mãe,
a batalha.
os Lordes Protestantes da Congregação, seus mais temíveis
inimigos, conquistaram as terras médias, e onde não tinham a

37
restrição de esconder o fato de que não queriam uma Católica, procedeu de corações leais e obedeceu enquanto duvidava da
uma crente das massas e outras práticas de idolatria, honestidade.
retornasse à terra. Descaradamente eles declaram (e o
Antes de retornar a sua terra nativa, Mary Stuart não
embaixador inglês envia rapidamente as notícias para Londres)
poderia deixar de estar ciente de que Elizabeth não tinha
que a jornada da Rainha de volta a Escócia deveria ser adiada
motivos e menos ainda alguma inclinação de tornar as coisas
por mais alguns meses e que não era o dever deles obedecê-la,
mais fáceis e suaves para uma rival a quem só estava esperando
e também, não teriam muito o que dizer se nunca mais a
a sua morte para pisar com os sapatos e montar em seu trono.
vissem. Eles vinham, na verdade dos fatos, fazendo intrigas na
Com candura cínica, o ministro de Elizabeth, Cecil, dava o
calmaria, propondo que a Rainha da Inglaterra se casasse com
suporte para cada ato agressivo da parte de sua soberana,
o Protestante James Hamilton, Earl de Arran, próximo herdeiro
dizendo: “Enquanto as questões da Rainha da Escócia se
ao trono da Escócia, golpeando assim a coroa de Mary a sua
mantiverem em desordem, melhor para a causa da Vossa
rival, uma coroa que era inquestionavelmente um direito de
Majestade.” Os ânimos excitados pela pintura da reivindicação
Mary por sucessão. Nem poderia ela colocar grande confiança
ao trono da Inglaterra que ainda era fresca e vigorosa. Verdade,
em seu meio-irmão James Stuart, quem como emissário do
os estados escoceses e os lordes de Edinburgh elaboraram um
parlamento escocês, na França, dizia “conhecer a sua mente”.
acordo com a Inglaterra em que Mary Stuart atesta claramente
As relações dele com a Rainha da Inglaterra eram duvidosas e
que “por todos os tempos ainda por vir” aceita por reconhecer
muitos suspeitavam de que ele constava na folha de
a legitimidade de Elizabeth como inquilina ao trono inglês. Mas
pagamento dela. O único caminho para Mary colocar um ponto
quando o documento chega a Paris, fora colocado antes da
final nessas intrigas era ocupar seu próprio lugar e com a típica
assinatura de Mary, ela e o jovem Francis se recusam a ratificar
coragem dos Stuarts defender e manter seu legítimo direito ao
e a participar desse documento. Renúncia não estava no sangue
trono. Determinada a não perder a segunda coroa, um ano
de Mary, especialmente depois da reivindicação para ter o
depois de perder a primeira, cheia de pressentimentos tristes e
brasão do seu marido incorporado oficialmente nos casacos do
coração pesado, Mary Stuart obedeceu a convocação que não
exército. Ela nunca seria capaz de baixar seus padrões, uma vez
levantados. Por razões políticas ela talvez consentisse em não

38
fazer exibições das suas pretensões, mas no mais íntimo sua posição, sentia que não era a verdadeira rainha, enquanto
santuário do seu coração, Mary Stuart tinha uma determinação sua rival não tivesse feito um pronunciamento público e
de ferro e nunca iria ceder nessa questão. abdicasse de toda reivindicação imediatamente ao trono da
Inglaterra.
Elizabeth não poderia tolerar tal ambiguidade; para ela a
questão deveria ser resolvida com um absoluto Sim ou Não. Ninguém se arriscaria a negar que o direito estava do
Agindo pelo nome de Mary, representantes da Rainha da lado de Elizabeth na disputa. Infelizmente ela se coloca errado
Escócia em Edinburgh, segundo Elizabeth, já haviam assinado o por tentar resolver esse conflito político de tal magnitude
acordo, comprometendo assim sua soberania ao subjugo e a adotando métodos mesquinhos e indignos. Quando mulheres
compelindo a aquiescer. A monarca inglesa não se satisfaria entram no campo da política, elas sempre são tentadas a ferir
com um acordo secreto. O que ela precisava era de um público seus oponentes com alfinetadas e a envenenar seus rivais com
e obrigatório pronunciamento, um documento que não injúrias pessoais. Nesse momento Elizabeth, apesar da largura
deixasse portas abertas para interpretações erradas. A cada da sua visão política, caiu na falha peculiar de seu sexo quando
recusa da parte Mary sugeria que ainda havia reivindicação as enfrentou tais circunstâncias. Mary propôs viajar para casa pelo
posses de Elizabeth: isto, somando o trono da Escócia, ela mar mas pediu um salvo-conduto em caso de doença ou mau
sentia ter direito de ascender ao trono inglês. Elizabeth, a qual tempo, e precisasse ancorar na Inglaterra. Esta não seria uma
a simpatia tendia mais para a causa Protestante, sabia muito demanda justa, uma oferta simples, de um desejo por uma
bem que metade do seu reino era ainda apaixonadamente amigável conversa com sua prima – uma conversa que poderia
Católica em sentimento. Uma pretendente Católica ao seu evaporar com suas diferenças? Conceder o salvo-conduto seria
trono significava, assim, não apenas um perigo ao seu ofício nada mais que um ato formal de cortesia, até porque a rota
público, mas uma ameaça à sua vida privada. Para sua marítima estava aberta. A resposta de Elizabeth foi que não
segurança ela precisava da assinatura de Mary naquele concederia o salvo-conduto enquanto Mary não colocasse sua
documento, e foi o som da sua política que sua parte não assinatura nos pés do acordo de Edinburgh. Na esperança de
relaxaria na hostilidade aberta para com a Rainha da Escócia coagir a rainha ela, assim, a feriu. Ao invés de fazer um gesto
enquanto essa se recusasse a assinar. Ela sentia insegurança na

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magnânimo ou se necessário ir à guerra, ela recorreu a afronta assuntos de desobediência, do que faz minha soberana, a quem
pessoal. sou igual em grau, embora inferior em sabedoria e experiência,
sua melhor parente, sua vizinha........Eu peço por nada, apenas
Até então o conflito entre as duas primas tinha sido mais
sua amizade; Eu não atrapalho seu Estado ou traquejo pelos
ou menos mascarado; agora todas as veias foram arrancadas de
seus assuntos; e ainda sei que em seu reino tem aqueles o
lado e com força, olhos de fogo, uma mulher orgulhosa
suficiente inclinados a ouvir ofertas.”
confronta a outra. Mary Stuart convocou o embaixador inglês
para uma audiência e se dirigiu a ele com apaixonado desdém: Isso foi uma ameaça em bom tom, forte ao invés de
“Não há nada que me cause mais dor do que esquecer a mim sábia, para, antes de pisar na Escócia, Mary Stuart, permite que
mesma e pedir a sua Rainha, a sua senhora um favor que eu não saibam que se fosse forçada a lutar com a Inglaterra, levaria a
preciso pedir. Eu não preciso mais tê-la a par da minha jornada guerra das fronteiras até o solo inglês. Em palavras corteses o
do que ela me faz. Eu posso passar muito bem para meu próprio embaixador desvia a atenção de Mary para o fato de que essas
reino, eu acho, sem o seu passaporte ou licença, embora seu dificuldade e desentendimentos surgiram porque ela tinha
falecido Rei, seu mestre, utilizou-se de todo o impedimento levado os braços da Inglaterra serem esquartejados com ela
para ficar comigo e me pegar quando eu vim para cá, e como própria, e ela notoriamente usou o estilo e o título de Rainha,
você sabe, Monsieur l´Ambassadeur, e vim para cá em sua senhora. O qual ela responde em espírito de protesto:
segurança: e agora eu posso ter os meios necessários para me
“Monsieur l´Ambassadeurm, eu estava sob o comando
ajudar a ir para casa novamente, assim como vim para cá, eu
do Rei Henry, meu pai, e do Rei, meu lorde e meu marido; e
posso contratar meus amigos......Você tem, Monsieur
tudo o que foi feito nessa época, foi feito sob as ordens e
l´Ambassadeur, por diversas vezes me dito que a amizade entre
comandos deles, e da mesma maneira até a morte dos dois;
a Rainha, sua senhora, e eu era necessária e lucrativa para nós
desde essa época, você sabe, eu não usei o título da Inglaterra.
duas. Agora tenho algumas razões para pensar que a Rainha sua
Eu penso que esses meus feitos a Rainha, sua senhora, poderia
senhora não tem isso em mente; certamente, eu penso, que se
verificar que foram feitos antes, feitos por ordens daqueles que
ela tivesse não teria me recusado assim indelicadamente.
tinham o poder sobre mim; em razão ela deveria estar
Parece que ela faz mais conta das amizades e dos meus

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satisfeita, vendo que eu ordeno meus feitos como eu te digo. “Se as minhas preparações não estão muito avançadas
Não foi uma grande desonra a Rainha, minha prima......pensei como estão, porventura a indelicadeza da Rainha, sua senhora,
eu........Você não pode negar que minha avó era a irmã do Rei, possa ficar na minha viagem; mas agora estou determinada a
acredito eu, a irmã mais velha que ele tinha....” me aventurar pelo caminho, não importa o que venha a ser; Eu
confio que o vento estará tão favorável que eu não precise
Apesar da cordialidade na expressão, sob o semblante
passar pela costa da Inglaterra; mas caso eu precise, então, ,
exterior da ambiguidade o embaixador detectou mais uma
Monsieur l´Ambassadeur, a Rainha sua senhora me terá em
ameaça. Quando, desejando que assuntos suaves chegassem,
suas mãos para fazer o que desejar comigo; se ela for tão
ele insiste a Mary para que ela limpe os desagradáveis tópicos
insensível e desejar meu fim, poderá ter esse prazer e me
do caminho, cumpra a promessa de seus representantes e
sacrificar. Porventura essa causalidade possa ser melhor para
assine o protocolo de Edinburgh, Mary, foi evasiva como
mim do que viver. A vontade de Deus estará completa.”
sempre, quando este ponto espinhoso veio a discussão. Ela não
declina em assinar o acordo, mas promete consultar seus Pela primeira vez na sua vida Mary Stuart coloca força,
senhores de Estado quando chegasse na Escócia. O embaixador determinação e palavras resolutas no que diz. Como
inglês a pagou na mesma moeda e manteve as mesmas evasivas governante ela provou ser afável, fácil de levar, frívola e com
que ela, recusou a comprometer a si e a sua Senhora em riso amoroso por natureza, mais encantada com a diversão e a
assuntos de sucessão. Mesmo quando as negociações beleza da vida do que com a luta; mas agora ela se mostra dura
chegaram ao ponto crítico, e se tornou evidente que uma como ferro, desafiante, ousada, por estar enfrentando um
rainha ou a outra teria que ceder uma partícula dos seus problema que envolve seu orgulho pessoal, enquanto seus
direitos, as duas mulheres se tornam insinceras. Cada uma direitos de rainha também estavam sendo questionados.
segurando a carta trunfo, sombrias e resolutas. Desse modo o Melhor morrer do que se dobrar a vontade alheia. Aquele que
jogo se prolongava sem definição, e inevitavelmente desafiasse a dignidade de sua majestade tocava no nervo da sua
encaminhava-se para um trágico embate. De repente Mary vida. Em momentos como esse ela se tornava grandiosa,
quebra a discussão e volta ao salvo-conduto; como se um pano embora fosse mulher, mostrava ter a força de um cavaleiro. O
tivesse sido rasgado, produzindo um assobio áspero e ardido. embaixador envia uma carta a Londres reportando que sua

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missão não tinha encontrado o sucesso. Então Elizabeth, com própria, que tinha sido privada de sua posição como
sua maleabilidade e perspicácia onde a política está envolvida, governante por acidente, não seria permitido deixar a terra que
rendeu o ponto, despachou o passaporte para Calais ela adotou desacompanhada e sem canções. Para que ficasse
imediatamente. Chegou dois dias depois, Mary nesse tempo abundantemente claro a todos que Mary não estava navegando
havia decidido viajar mesmo que isso significasse um encontro embaixo de uma nuvem, como a infeliz viúva do monarca
com corsários ingleses no canal. Ela preferia infinitamente francês, ou como uma fraca e frágil, a qual os amigos haviam
correr o risco e experimentar um terrível desconforto do que deixado na mão. Não, a Rainha da Escócia, estava voltando para
aceitar um favor ao preço da humilhação. Elizabeth tinha a casa apoiada pela honra francesa e pelos braços da França.
perdido uma esplendida oportunidade. Tivesse ela, nessa Saindo de Saint-Germain a caminho de Calais ela foi
ocasião, agido com magnitude, tivesse dado boas vindas como acompanhada por uma vasta processão, a cavalaria encapada
uma honorável visita a jovem mulher, a quem tinha razões para com os mais elaborados e belos arreios e armaduras, enfeites
temer como rival, ela talvez tivesse tirado todo o perigo de encrustados em ouro e outros metais preciosos, os cavaleiros
conflito do seu caminho. Ai que a razão e a política tão vestido no máximo esplendor que a França Renascentista era
raramente podem andar de mãos dadas na mesma estrada! capaz. A avenida que dava ao pequeno porto estava toda
Não pode ser que os eventos dramáticos na história da enfeitada, iluminada pelos metais polidos das armas,
humanidade surjam unicamente de um fracasso em aproveitar barulhenta pelas vozes floridas da nobreza francesa. Na ponta
as possibilidades? da brilhante comitiva tinha a carruagem do Estado levando os
tios de Mary, o Duque de Guise e o Cardinal de Lorraine e de
O sol que ilumina o interior do país de vermelho e
Guise. Mary estava cercada pelas quatro garotas que nunca a
dourado da glória, dá a paisagem o falso aspecto de vida e
deixavam, por mulheres da nobreza, por pajens, poetas,
vitalidade. Tal enganosa auréola cercava Mary Stuart quando
músicos. Os dias de romance a cavalheirismo parecem ter
ela tomava o caminho final saindo da França, os franceses
vivido uma segunda primavera. A comitiva foi seguida por uma
ofereceram um cerimonial completo, em sua honra, com toda
sucessão de carruagens transportando móveis caros e outros
sua magnificente ostentação. Ela, que tinha sido a noiva do Rei
objetos que tinham feito parte de sua casa na França. As joias
da França, que tinha caído da altura do Estado não por falta

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da coroa foram transportadas em um santuário fechado. duplo dom da profecia e memória. Aqueles que choraram pela
Quando se tornou Rainha, congratulou-se com honra e ida de Mary sabiam que essa jovem mulher, que tinha o desejo
esplendor dignos de sua posição, assim, também, quando de criar uma corte bela e alegre, poderia desaparecer como
partiu do solo que adotou, do país que tinha conquistado o Musa, assim como desapareceu do território francês; eles
amor do seu coração. Mas nessa ocasião a alegria estava em previram dias repletos de vicissitudes e incertezas para eles
falta, aquela alegria inocente que tinha brilhado os olhos próprios e para o povo da França; eles sentiram o advento das
atônitos da criança; esse foi o desbotado brilho do pôr do sol, e disputas políticas e de religião, a luta com os Huguenots, a
não a aurora radiante. desastrosa noite de St. Bartholomews, disputas entre os
fanáticos e os zelotes. Foram-se os dias cavalheirescos, fim do
O corpo principal do principesco cortejo ficou em terra
romance, assim como a figura da dama desaparecia sobre as
de Calais. Então a cavalgadura dispersou, cada cavaleiro tomou
águas. A estrela da poesia, a estrela da “Plêiade” estava prestes
o rumo de casa. Longe em Paris, seguro atrás dos muros do
a se definir em um céu mais escuro e sombrio ante a
Louvre, havia outro monarca que estava aguardando o retorno
perspectiva da guerra. A felicidade de espírito, pura e
desses nobres que daqui em diante serviriam a ele, os cortesões
imaculada, navegou para longe, junto com Mary Stuart. Como
poderiam não viver com a pompa de ontem, era o negócio deles
Ronsard colocou em seu canto “Au Départ”:
pensar apenas no presente e futuro. Dignidade e posição, não
no ser humano que haviam carregado nos braços, são as únicas Le jour que voitre voile aux vents se recourba,
coisas que contam para os cortesões. Esses bons companheiros
Et de nos yeux pleurants les votres déroba,
se esquecerão de Mary Stuart tão logo o vento encher as velas
de seus galeões; eles irão expurgar sua imagem de seus Ce jour la même voile emporta loin de France
corações. A partida não era mais que um patético ritual para
Les Muses, qui songeoient y faire demourance.
eles, pertencendo a mesma categoria que a pompa pública de
uma coroação ou um funeral. O genuíno sofrimento na
melancólica peregrinação de Mary Stuart só foi sentido pelos Nesse mesmo poema o escritor, com um coração sempre
poetas, pois poetas são dotados de afinada percepção e com o aberto a tudo que era jovem e charmoso, desejou celebrar com

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palavras escritas o que seus olhos ardentes nunca mais sofrimento de nobreza fresca, ela a quem os poetas cantavam
contemplariam na rapidez, na carne quente. O genuíno luto sua beleza, seria duplamente amada quando o mal caísse sobre
puxou as cordas do seu coração e o inspiraram a escrever um ela. Até o fim dos seus dias Mary Stuart guardaria as fiéis
canto que por si só o colocaria no lugar mais alto entre os homenagens, e suas melancolias líricas a acompanhariam até
poetas de seu tempo: montar no cadafalso. Quando uma pessoa de valor intrínseco
vive a vida como um genuíno poema, um drama verdadeiro,
Comment pourroient chanter les bouches des poèts,
uma bela saga e balada, poetas nunca faltarão para vesti-los
Quand par vostre départ les Muses sont muettes? novamente e respirar na imagem vibrante e fresca fonte de
inspiração.
Tout ce qu’il est de beau ne se gard longtemps,
Um esplêndido galeão branco estava ancorado nas
Les roses et les lys ne règnent qu’un printemps.
estradas de Calais. Ela estava em um navio com a bandeira da
Ainsi votre beauté, seulement apparue França e as cores da Escócia a voar. Em 14 de agosto de 1561
Quinze ans em notre France, est soudain disparue, Mary Stuart foi a bordo, com três de seus tios, alguns entre os
nobres mais distintos, e as quatro Marys, suas companheiras
Comme on voit d’un éclair s’évanouir le trait, inseparáveis. Duas outras embarcações formavam a escolta.
Et d’elle n’a laissé sinon le regret, Porém o navio ainda não tinha saído do porto interior, as velas
ainda não tinham se erguido completamente quando um
Sinon le déplaisir qui me remet sans cesse portento elenco lança uma sombra na viagem rumo ao
Au coeur le souvenir d’une telle princesse. desconhecido. Uma embarcação entrou no porto em que Mary
havia acabado de sair, atingiu a barra, naufragou e afundou.
Enquanto os nobres, gentlemen e a corte da França logo Mary, muito agitada, pediu ao seu capitão para que salvasse os
se esqueceram da abstenção de Mary, os poetas desse reino marinheiros lançados na água. Mas o acidente aconteceu muito
belo se mantiveram por um longo tempo como seus fiéis de repente para a ajuda humana ser de alguma serventia. Essa
servidores; para a imaginação poética a desventura investe o catástrofe foi, certamente, um mau presságio para a jovem e

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inexperiente mulher que estava partindo da proteção da terra foi necessário utilizar remos e o galeão fez pouco progresso.
amada para enfrentar os deveres como rainha e governante de Quando o dia rompeu a França ainda estava na paisagem. O
um país estranho e alheio a ela. piloto falou com ela diretamente, ela se levantou e continuou a
olhar a costa por todo o tempo repetindo o lamento: ‘Adeus,
Foi o medo secreto do que o destino havia reservado a
França! Adeus, França! Eu tenho medo de nunca mais vê-la de
ela, foi o afiado senso de perda da terra que até agora era sua
novo!’”
casa, foi o sentimento de ela nunca mais voltaria para essas
costas, que trouxeram as lágrimas nos seus olhos que nem por
um momento deixaram de olhar a paisagem recuando, a terra
onde ela gastou seus anos da alegre infância, onde tinha sido
tão feliz porque nenhuma preocupação era permitida abordá-
la? Sua dor apaixonada ao ofertar o adeus a França foi
comoventemente descrita para nós por Brantôme: “Tão logo o
navio foi guiado para fora do porto e o vento subiu um pouco,
a tripulação hasteou as velas. Em pé na popa, perto do leme,
balançando seus dois braços em tafetá, a Rainha Mary chorava
enquanto observava o porto e o país dos quais estava partindo.
Lá ela permanecia, de novo e de novo, repetindo com tristeza:
‘Adeus, França,’ até o cair da noite. Suas companheiras
insistiram para que ela se retirasse e fosse para a cabine
descansar, mas ela recusou, um sofá foi improvisado para ela
na popa. Antes de se deitar ela pediu ao piloto para que a
acordasse ao amanhecer se a costa da França ainda fosse
visível. Ele não precisava ter medo, mesmo que precisasse
gritar. A fortuna favoreceu seus desejos. Os ventos desistiram,

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CAPÍTULO QUATRO sua roupa com mais timidez do que com entusiasmo. Parecia
que perguntavam a si próprios quem poderia ser essa fina
comitiva com roupas suntuosas com tamanha abundância de
Retorno a Escócia joias. Estranhos miram dentro dos olhos de estranhos. Uma
( Agosto 1561 ) rude boas vindas, difícil e austera é a alma desse povo do norte.
A partir da primeira hora da sua chegada foi feita para Mary
Stuart ver a aterradora pobreza do seu país natal; para
compreender que em apenas alguns dias de viagem ela voltou
ao menos cem anos atrás no tempo da história, que deixou para
Um nevoeiro, mais espesso que o habitual no verão trás uma grande civilização, riqueza e luxo, libertina e sensual,
mesmo no clima ao norte, envolvia terra e mar quando, em 19 que havia trocado a refinada e aberta cultura da França por algo
de agosto de 1561, Mary pisa fora do barco, os quais coloca na limitado, sombrio, por um fragmento, por uma tragédia. Por
terra firme em Leith. Que contraste sua chegada a Escócia em uma dúzia de vezes, ou até mais, a cidade havia sido devastada
comparação com o magnifico adeus à la douce France! Ela havia e pilhada pela Inglaterra, e por rebeldes escoceses, de modo
sido escoltada pelos mais bravos e nobres homens da terra; que não havia nada para ornamentar os palácios ou os
príncipes e cortesões, poetas, músicos, que agraciaram sua corredores de barões onde Mary poderia ser recebida com a
passagem ao longo da estrada até o porto, inventando frases dignidade de sua posição. A noite ela foi colocada na casa de
corteses, compondo arrebatadoras canções em sua honra. Na um burguês; um quarto simples é verdade, mas pelo menos a
Escócia ninguém estava esperando por ela, e não foi até que ela Rainha tinha um teto sobre sua cabeça.
fora entregue do barco para a terra firme que alguns plebeus se
reuniram boquiabertos ante a aparição delicada. Um pescador Primeiras impressões causam uma marca distinta na
ou dois nas suas vestimentas rudes de trabalho, um punhado mente; elas são estampadas ao fundo, e muito dos eventos
de soldados vadiando, alguns comerciantes e camponeses que subsequentes dependem se são positivas ou negativas. Talvez
foram vender suas ovelhas na cidade olharam para ela e para a própria Mary mal compreendesse o que a moveu tão
profundamente quando, após uma ausência de trinta anos,

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retorna ao seu reino como uma estranha. Seria a saudade de de Estado junto com todos os garanhões reais. Como a Rainha
casa, o anseio por uma quente, doce existência que havia a montava bem não teria sido relutante em exibir suas
ensinado a amar o solo francês? Ou seria talvez a sombra habilidades equestres para as assembleias de multidões
projetada sobre seu elevado espírito pelos céus cinzas dessa reunidas para vê-la. Porém sendo privada de sua própria
terra desconhecida? Ou poderia ser a premonição do desastre montaria, ela teve que caminhar pelo seu reino sentada no
que estava por vir? Independente de qual fora a emoção, melhor cavalo que a cidade pudesse lhe prover. Um desgosto,
Brantôme nos conta que mal se encontrara sozinha no quarto certamente, mas útil. A consternação não foi uma coisa
oferecido a ela, Mary Stuart desaba em lágrimas. Não foi igual pequena para uma garota da dezoito anos enfrentar. As
a William o Conquistador forte na consciência do seu poder que adaptações se saíram ainda pior, tendo que se contentar
essa garota coloca os pés em terras britânicas. Seus barracas que os vizinhos do interior poderiam produzir. De
sentimentos eram de constrangimento e perplexidade novo lágrimas brotaram dos olhos de Mary, lágrimas de orgulho
misturados a pressentimentos sombrios. ferido e arrependimento, pois de repente nasceu dentro dela a
magnitude da perda de seu marido, Francis II, que foi tirado
Enquanto isso, seu meio irmão, Lorde James Stuart (mais
dela. Compreendeu também que ser a Rainha da Escócia era
conhecido pelo seu título tardio, Earl de Moray, ou como
um pobre significado comparando ao que significava ser a
Regente de Moray nos anos subsequentes), informado da
Rainha da França. Seu orgulho nacional foi pungido por ter sido
chegada de Mary, na companhia de alguns nobres amigos
forçada a galopar como uma figura miserável diante dos
cavalgou com toda a pressa para chegar a Leith e prover uma
cavalheiros franceses que a acompanhavam, ela se sentiu
escolta digna para acompanhá-la na entrada a Edinburgh. Mas
pessoalmente ofendida por ter que se apresentar pela primeira
a cavalgadura não mudou muito o retrato. Sob o pretexto muito
vez a seus súditos em tão lamentável situação. Assim, ao invés
transparente de procurar por piratas, os ingleses assombraram
de fazer uma entrada triunfal, “joyeuse entrée13”, através das
um dos navios de Mary. Isso aconteceu no navio que
ruas principais de Edinburgh, ela decidiu parar em Hollyrood,
transportava os itens favoritos que Mary utilizava nas ocasiões
que era fora dos muros da cidade. Seu pai havia construído esse
13
Feliz entrada. (N.T.)

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palácio; suas ameias e ameixas dominavam a paisagem, escuras e suaves canções fluídas. Eles podiam apenas seguir o
e desafiadoras; à primeira vista causa uma formidável tradicional costume que a ocasião demanda. O país era rico em
impressão com suas torres ameaçadoras, linhas claras, a forma madeira, então o que poderia ser mais natural do que construir
majestosa da praça. Mas o quão frio, vazio e triste deve ter enormes fogueiras nas praças e pela sua claridade transformar
parecido a uma garota acostumada a viver entre o voluptuoso a noite em dia? Eles se reuniram embaixo de sua janela e
refinamento da França Renascentista. Na Escócia não tinha fizeram uma serenata com um círculo da primitiva gaita de foles
Gobelins para alegrar e refrescar os olhos, sem lustres para e outros extravagantes instrumentos, um som que eles
refletir a brilhante iluminação nos espelhos italianos chamam de música, mas o qual nos ouvidos treinados de Mary
espalhados de parede a parede, sem enfeites caros eram nada além de um barulho horrível. E ainda mais,
pendurados, sem brilhos de ouro e prata. Muitos anos se levantaram suas vozes ásperas e viris com cantos; e desde que
passaram desde a última vez que o palácio havia sido usado; foram proibidos por pastores Calvinistas de cantar melodias
sem risos ecoando dos muros abandonados; nenhuma mão real profanas, eles preencheram o ar com a cadência dos salmos e
havia cuidado e renovado a construção desde a morte do seu hinos. Com a melhor intenção do mundo, eram incapazes de
pai. Pobreza, o longo tempo de vida do reino, a encaravam por produzir uma canção de ninar reconfortante. Mesmo assim, o
todos os cantos. coração de Mary Stuart se aqueceu com o amor sincero que
saia da respiração desse rústico esforço; a recepção foi o
Mas, embora fosse noite, os habitantes de Edinburgh
instinto de simpatia por ela e o prazer do seu advento. Por
logo souberam que a Rainha e estavam determinados a
décadas essa harmonia não existia entre o soberano e o povo
oferecer um apropriado boas-vindas. Não é de se admirar que
nessa perturbada e trágica terra.
essa boas-vindas parecesse rude e grosseiro a ela e sua
comitiva, acostumados que estavam ao polimento e brilho Nem a rainha, jovem e politicamente inexperiente como
francês. O pessoal da cidade de Edinburgh não tinha trajes era, nem seus conselheiros chefes se atentaram para o fato que
festivos para agraciar a cerimônia, ou sabiam como armar arcos difíceis e inusuais tarefas estavam logo à frente. Maitland de
triunfais para honrar a jovem rainha. Sem músicos da corte para Lethington, quem tinha um dos cérebros mais perspicazes de
encantar os ouvidos da pupila de Ronsard com madrigais doces seus dias na Escócia, escreveu profeticamente antes de Mary

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retornar ao solo nativo: “Pode ser que não falhe a criação de Durante os anos que passou tão feliz na França, a Reforma tinha
maravilhosas tragédias.” Mesmo um homem enérgico, um cravado raízes profundas na terra da Escócia e foi quase
homem com os punhos de ferro e mente resoluta, não poderia universalmente vitoriosa. O desmembramento foi sentido na
por muito tempo impor a paz nesse ambiente ingovernável corte e nos lares, nas vilas e cidades, dentro das famílias e nas
num caos de contradições fazendo uma eterna agitação. Como, amizades – metade da nobreza e da pequena nobreza era
então, uma alegre e etérea jovem rainha, uma estranha nessas Católica, enquanto a outra metade Protestante, as cidades
partes, não acostumada a governar, como esperar que Mary advogando a nova fé, o interior do país a outra, clã contra clã,
Stuart se saísse melhor? Um país atingido pela pobreza, família contra família, e todas as partes estimuladas em seus
nobreza corrupta que se aproveita de toda e qualquer ocasião ódios por padres fanáticos e por políticos ambiciosos de
para subir nos braços, um incontável número de clãs poderes estrangeiros. O que constituía o mais grave perigo a
procurando pretexto para engajar lutas entre civis, um clero Mary, até então, era relativo a parte mais poderosa e influente
metade Católico e metade Protestante brigando por de sua nobreza que havia migrado para o campo dos
precedente, um alerta e perigoso vizinho lucrando com Calvinistas; eles fizeram o melhor que puderam com a
disputas fraticida na fronteira para embaraça-la com seu povo, oportunidade, eles apreenderam as terras e propriedades
antagonismo da parte dos grandes poderes impiedosos fazendo Católicas o que simultaneamente enfraquecia o poder da coroa,
uso da Escócia como patas de gato em seus jogos de sangue – essas duas conquistas foi um feito especial e quase mágico para
tal era a situação a qual Mary Stuart estava enfrentando. esses gananciosos rebeldes. Eles encontraram um especial e
ostensivamente moral pretexto, como guardiões da verdadeira
No momento em Mary retorna dissensão e discórdia
fé, como Lordes da Congregação, colocaram-se na posição de
estavam no seu auge. Ao invés de deixar a tesouraria cheia,
seus próprios governantes e a Inglaterra, como sempre, não
Mary de Guise deixou um verdadeiro “damnosa hereditas14”:
tardou a lhes dar a mão amiga nesse empenho. Embora
sem dinheiro, guerra de religião, a qual talvez tenha sido mais
Elizabeth tivesse uma disposição avarenta por natureza, ela não
cruel nesse solo do que em qualquer outro lugar no mundo.
se ressentiu em gastar pouco mais que duzentos mil pounds
14
Patrimônio danoso. (N.T.)

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esterlinas financiando esses traidores, fomentando rebelião e uma dramática decisão no destino que esperava por ela. Pela
guerra civil para subestimar o trono dos Católicos Stuarts. luta pessoal entre Mary e Elizabeth, entre Escócia e Inglaterra,
Mesmo agora, quando uma trégua havia sido acordada, um também foi decisivo – e é isso o que torna essa luta tão
bom número de súditos de Mary Stuart contava na folha importante historicamente – foi a luta entre Inglaterra e
secreta de pagamento da Rainha da Inglaterra. Claro que o Espanha, entre Reforma e Contra Reforma.
equilíbrio poderia ser facilmente restaurado se Mary Stuart
A perplexidade da situação foi agravada pelo fato de que
abraçasse a nova fé, e alguns conselheiros urgiram para que o
a dissensão religiosa descrita se estendeu para dentro da
fizesse. Mas Mary não era apenas uma Stuart, era também uma
família de Mary, dentro do palácio, e na câmara do conselho. O
Guise. Ela era filha de uma campeã ardente pela causa Católica,
homem mais poderoso da Escócia, seu meio irmão James
embora não fanática piedosa, foi verdadeira as crenças de seus
Stuart, o qual ela encontrou o expediente de indicá-lo como
ancestrais. Nunca se desviou do caminho das suas convicções;
primeiro ministro, era um ardente Protestante e um protetor
sem se importar quais perigos a englobava; e leal pela sua
da Igreja, e ela, sendo uma boa Católica, não podia deixar de
própria natureza, ela escolheu guerras sem fim do que, num
considerá-lo um herético. Quatro anos antes ele foi o primeiro
momento de fraqueza covarde, correr contra os ditados de sua
a anexar sua assinatura no compromisso conjunto da
consciência.
Congregação dos Lordes para “abandonar e renunciar a
Infelizmente isso significava que a rachadura entre ela e Congregação de Satã, com toda a superstição, toda a idolatria,
a nobreza era irremediável. É sempre algo fatal quando um além disso nos declaramos inimigos de tudo isso.” O que aqui
governante pertence a uma religião diferente a que a maioria era denominado de “Congregação de Satã” era nenhuma outra
de seus súditos. Essa balança não pode variar para sempre, mas que a Sagrada Igreja Católica a qual sua meia irmã a Rainha
deve se inclinar definitivamente para uma direção ou para Mary era uma ardente devota. Assim desde o início havia um
outra. Assim, no final, Mary foi compelida a se tornar uma profundo abismo entre a monarca e o primeiro ministro. Tal
amante da Reforma, ou então a abaixar sua cabeça a forças estado de relações não pode produzir a paz. Assim, do fundo do
superiores. O inevitável acerto de contas entre Lutero, Calvino seu coração, a rainha tinha apenas um pensamento, reprimir a
e Roma, por uma extraordinária coincidência, para encontrar

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Reforma na Escócia; enquanto James, seu irmão, tinha apenas de quem as leis espirituais e as leis temporais insensivelmente
um desejo, fazer do Protestantismo a única religião da Escócia. privaram dos direitos que a natureza estampou no caráter e no
semblante. Condenado pelo preconceito – desagradável, o
James Stuart foi uma das figuras mais notáveis no drama
mais inflexível dos juízes – são esses ilegítimos, aqueles que não
da vida de Mary Rainha dos Escoceses. O destino lhe atribuiu
foram procriados na cama real, que são tratados como
um papel de liderança o qual ele estava destinado a jogar de
inferiores pelas leis dos herdeiros, embora o último seja como
forma magistral. Um filho natural de James V, fruto de uma
um governante fraco em comparação pois foi engendrado, não
relação duradoura com Margaret Erskine, que pertencia a uma
sem amor, sem o cálculo político. Eles são eternamente
das melhores famílias da Escócia, ele parecia, não mais pelo seu
rejeitados e sem confiança, condenado a implorar por onde
sangue real do que pela sua energia de ferro, ser o herdeiro que
poderiam comandar e por posses. Mas se a marca da
cabia melhor ao trono. Somente a fraqueza política da posição
inferioridade é posta com visibilidade em um homem, o
de James V que forçou esse monarca a refrear um casamento
permanente senso de inferioridade decisivamente será uma
legítimo com a mulher que amava profundamente, e (talvez
força ou uma fraqueza. Tal pressão pode quebrar uma
isso tenha aumentado seu poder e preenchido seu propósito) a
personalidade ou pode consolidá-la fabulosamente. Aqueles
contratar um casamento com uma princesa francesa que se
que são covardes e hesitantes serão rendidos ainda mais a
tornou a mãe de Mary Rainha da Escócia. Dessa forma o
humilhações do tipo. Se tornarão mendigos e bajuladores,
estigma de ilegitimidade excluiu o ambicioso jovem do trono.
aceitarão favores e empregos dos inimigos declarados. Mas nos
Apesar de uma requisição urgente de James V, e o Papa haver
fortes, ser envoltos de inferioridade despertará a latente e
reconhecido James Stuart, e outras cinco amadas crianças,
atrelada energia. Pela simples razão de que o caminho direto
filhos do Rei, portanto sangue real, James legalmente ainda era
para o poder não está livremente aberto, eles terão que
um bastardo.
aprender a extrair o poder de dentro de seus próprios corações.
Por inumeráveis vezes teve a História e seu maior
James Stuart era um homem de personalidade forte. A
expoente de imaginação, Shakespeare, divulgado a tragédia
voraz resolução de seus ancestrais reais, seus orgulhos e o
espiritual do filho bastardo que é filho e ainda assim não é filho,
senso de liderança estavam em contínuo trabalho nos recessos

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escondidos do seu ser. Com perspicácia e determinação, não do poder ou de assumir o título de rei ele poderia empunhar o
menos que clareza de pensamentos, ele foi a cabeça e os poder real sem ser molestado. Ainda bem jovem ele viu que
ombros acima dos homens que comprometiam a maior parte estava bem-disposto à forma mais tangível de poder: a riqueza.
da nobreza da Escócia. Seus objetivos estavam longe de serem Seu pai o deixou maravilhosamente provido; ele nunca perdeu
alcançados, seus planos o fruto de um profundo pensamento o semblante quando a questão do presente foi levantada; fez
político. Não menos que sua irmã, um homem de trinta anos, bom uso das guerras para encher seu bolso; e quando os
muito mais avançado que ela, graças a cabeça fria e experiência monastérios foram dissolvidos, viu que sempre estaria presente
masculina. Ele olhava para ela quando crianças não mais como na distribuição dos pedaços de prêmios. Nem foi ele relutante
uma criança esportiva que brinca com a irmã mais nova, desde em aceitar subsídios de Elizabeth. Quando Mary retornou a
que essa não atrapalhe suas brincadeiras. Um homem Escócia não demorou muito para descobrir que seu meio-irmão
completamente amadurecido, ele não era, como sua irmã, uma era o homem mais rico e mais poderoso do reino, tão seguro
presa a violência, neurótica ou de impulsos românticos; não era que ninguém poderia derrubá-lo da sua posição, assim ele
um governante herói, mas tinha a virtude da paciência, o que poderia constituir o pilar mais sólido de seus domínios se ela
oferece um seguro melhor ao sucesso do que ímpetos consentisse em mantê-lo no leme, ou poderia ser seu mais
apaixonados pode dar. perigoso inimigo caso ela fosse contra suas vontades.
Nada dá o testemunho mais forte a habilidade política e Mary Stuart, na sua sabedoria e necessidade, escolheu
uma mente lúcida do estadista do que sua recusa de lutar pelo colocá-lo em pé de amizade. Desejando acima de tudo
inatingível. No caso de James Stuart o inatingível era a coroa de assegurar seus próprios domínios, foi perspicaz o suficiente
rei, pois havia nascido fora matrimônio legítimo. Ele sabia bem para dá-lo, por ora, qualquer coisa que ele cobiçasse, e
demais que o título James VI nunca seria dele, e desde o início alimentou sua insaciável cupidez por riquezas e poder. Foi sorte
ele renunciou a qualquer pretensão a qual ele pudesse ter a de Mary que as mãos de seu irmão eram tão fortes quanto
ascensão ao trono da Escócia. Porém essa inicial abnegação flexíveis, e ele sabia quando segurá-las firmes ou abri-las. Um
produziu a posição, como governante efetivo do reino, de toda verdadeiro homem de estado era ele, James Stuart sempre
a mais segura. Desistindo da ideia de se investir com a insígnia escolhia o caminho do meio em seus empreendimentos: um

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Protestante mas não um iconoclasta, um escocês patriota e Maitland de Lethington, secretário de Estado de Mary, o
ainda assim se mantinha nas graças de Elizabeth, único próximo a James em importância na corte, também era
ostensivamente amigo de seus pares, mas bem a par do exato um Protestante. Maitland era extremamente capaz, uma
minuto em que quando eles precisassem serem ameaçados era mente flexível e culta, e era (segundo Elizabeth o denominava)
o primeiro a enviar a mensagem, cabeça fria, lúcido, calculista, “a flor de talento da Escócia”. Ele não tinha, como James Stuart,
sem nervos desgovernados, incapaz de ser cegado pelo brilho um orgulho recôndito, ou nenhum amor agudo pelo poder. Era
do poder, com capacidade apenas para empunhar o poder. a diplomacia que o interessava, as confusas e confusões
intrínsecas da política, a arte da combinação. Ele tinha um
Uma personagem com tais extraordinárias qualidades
prazer artístico com isso, o qual significava mais do que
era de inestimável benefício a Mary enquanto se mantivesse a
ganância, rígidos princípios e país, a rainha e o reino da Escócia.
seu lado, e um colossal perigo assim que se tornasse um
Ele estava completamente ligado à sua soberana, e Mary
adversário. Ligado a ela por laços de sangue, nosso alegre
Fleming, uma das quatro Marys, tornou sua esposa. À própria
egoísta Stuart teve todas as razões para manter a autoridade de
Mary ele não era nitidamente leal e nem nitidamente desleal.
Mary até quando servisse aos seus interesses pessoais, até,
Ele iria servir a ela enquanto a oportunidade o favorecesse e a
quando Hamilton e Gordon pisarem nos pés da rainha, e ele não
abandonaria na hora do perigo. Ele iria, assim como o cata-
pudesse mais ter as mãos livres ou influência ilimitada nas
vento, julgar para onde o vento vai, a favor ou contra. Um típico
questões do Estado. Ele poderia olhar calmamente enquanto
político, devotado a si mesmo, e não a ela, aperfeiçoando sua
ela era cerimoniosamente presenteada com a coroa e o cetro,
própria fortuna.
pois como o governante efetivo sua segurança era mantida.
Mas se ela tentasse governar o seu direito próprio, se ela Assim, ao voltar para casa, Mary Stuart não pôde
alguma vez questionasse sua autoridade, então uma forma de encontrar nenhum amigo no sentido da palavra a quem ela
orgulho Stuart se levantaria em revolta contra a outra forma de pudesse contar, mesmo que ela procurasse na direita ou na
orgulho Stuart, e nenhuma inimizade é mais temida do que esquerda, na cidade ou entre os membros da sua família. Mary
quando iguais se confrontam com iguais, e quando os dois lados Stuart teve que se contentar com os serviços de James Stuart e
fazem o uso das mesmas armas. de Maitland, permitir a si mesma que fosse guiada por eles e

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produzir os melhores termos com eles. Por outro lado, a partir a vida prazerosa, o antagonismo iconoclasta as artes, a aversão
do momento em que chegou, John Knox fez nenhum segredo a diversão e a risada, a incorporação da doutrina de Genevese;
do seu implacável antagonismo. Ele foi um grande líder nada era mais repulsivo do que o tratamento teimoso dado a
demagogo em assuntos religiosos e mestre na Igreja da Escócia, alegria e a beleza como pecados, do que o fanatismo que visava
o pregador mais popular em Edinburgh. A luta com ele era vida destruir tudo o que era querido para ela, aquilo que queria
ou morte. banir os bons espíritos, o comportamento e costumes urbano,
música, poesia, dança e queria ainda lançar um manto mais
A forma que o Calvinismo assumiu sob a inspiração de
sombrio em uma terra já condenada por natureza a melancolia
John Knox não era mais a simples reforma de renovação da
e tristeza.
Igreja, mas um novíssimo sistema de doutrina, um certo tipo de
Protestantismo superlativo. Dominador e autoritário, um Sob a égide de John, a Congregação de Edinburgh
zelotes, proclamava que mesmo os reis deveriam obedecer assume a rígida característica do Velho Testamento, pois Knox
como escravos às leis teocráticas dele. Mary Stuart, com sua era o mais obstinado, fervoroso, o maior fanático impiedoso
disposição leve e cedente, poderia ter chego a um acordo com dos reformistas, superando seu mestre, Calvino, em veneno e
a Igreja Alta, com a igreja Luterana, ou com qualquer outra intolerância. Ele havia sido ordenado padre Católico Romano, e
forma menos virulenta da Reforma. Mas o Calvinismo era uma como sequela lançou a si mesmo na mais ardente disputa da
fé tão autoritária que desde o começo render qualquer sua alma entre as fileiras reformistas, tornando-se pupilo de
entendimento mútuo era impraticável. Mesmo Elizabeth, que George Wishart, o qual havia sido queimado vivo por heresia
favorecia Knox por ser inimigo de sua rival, detestava ele por durante a regência de Mary de Guise por instigação do Cardinal
sua arrogância. Muito mais vexatório, claro, era os zelotes Beaton. As chamas que destruíram seu professor consumiram
fazendo barulho e atormentando Mary, que estava em contato seu próprio coração. Um dos líderes da rebelião contra a Rainha
próximo com eles, e que havia acabado de voltar da alegria e regente, foi capturado por forças francesas e consignado a
liberdade da França. Nada poderia ser mais revoltante para trabalhar na cozinha do navio. Por dezoito meses ele
uma natureza feliz e voluptuosa como Mary e seu deleite em permaneceu acorrentado ao trabalho forçado, e uma
ser a Musa do que austeridade severa, o ódio a tudo o que torna quantidade do ferro das correntes penetrou na sua alma. Sendo

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liberado por intervenção de Edward VI, procurou Calvino, com profeta Hebreu em completa perfeição, tomava a sua posição
quem aprendeu o poder encadeado pelo discurso, com quem domingo após domingo no púlpito de St. Giles trovoando
aprendeu também a odiar tudo aquilo que brilha, é alegre e é invenções e maledicências contra aqueles que divergiam dele
Helênico. Apenas alguns anos depois do seu retorno a Escócia, no mais mínimo detalhe, um desmancha prazeres de
sua genialidade para a violência o capacitou para forçar a nascimento, protestava contra “ninhada do demônio”, aqueles
aceitação da Reforma sobre os lordes e sobre o povo. que são felizes e despreocupados, contra todos que não
serviam a Deus da forma precisa que parecia melhor a ele. O
Talvez John Knox é o maior exemplo acabado de um
fanático coração frio não conhecia nenhuma gratificação que
fanático religioso. Ele foi um metal mais duro que Lutero, quem
não fosse o triunfo dos seus dogmas, nenhuma justiça que não
ocasionalmente não era livre do brilho de um humor jovial; ele
fosse a vitória da sua causa. Ele francamente regozijava-se se
era ainda mais rígido do que Savoranola, porque não tinha o
um Católico, ou qualquer outro que o considerasse um
brilhantismo dos italianos e a faculdade do iluminado discurso
herético, era morto ou humilhado. Publicamente ele agradecia
místico. Embora fosse fundamentalmente honesto e direto, o
a Deus quando um punhal assassino tirava um inimigo da sua
chamariz que ele vestia fizera dele um dos homens mais cruéis
Igreja do caminho. Ele vociferava seu jubilo do púlpito quando
e pobres de espírito, aquele a quem somente a própria verdade
chegaram as notícias do estouro do tambor da orelha do pobre
é verdadeira, somente a própria virtude é virtuosa, somente a
pequeno Francis II e o Rei estava à beira da morte. Quando
própria Cristandade é Cristã. Divergir dele era criminoso;
Mary de Guise morreu ele não hesitou em orar pela Rainha da
recusar o cumprimento de todas as cartas com suas demandas
Escócia: “Deus, por toda sua misericórdia, nos livre do resto da
era se apresentar como a prole de Satanás. Knox teve a
prole dos Guises. Amém, Amém”. Nos seus sermões, não havia
coragem austera dos auto possuídos (no sentido demoníaco da
traços de suavidade e divina características dos Evangelhos;
palavra possessão), a paixão do fanático em êxtase, e o
seus discursos balançavam como flagelos. O seu Deus era
detestável orgulho dos hipócritas. Sua acidez era tingida
vingativo, de sangue, do inexorável Yahveh do antigo
também por um perigoso prazer no seu exercício, enquanto sua
Testamento, o qual, com seu tratamento bárbaro, para ele era
impaciência manifesta a voluptuosa alegria sombria acerca de
a verdadeira bíblia. Referências a Moab, Amalek, todos os
sua própria infalibilidade. Igual a Jeová, barba fluída, um

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inimigos do Povo de Israel, povo que deveria ser aniquilado pelo Isso foi uma dolorosa concessão para John Knox e seus
fogo e pela espada, estavam repetidamente na sua boca seguidores, que insistiram na vitória, o que o divino disse uma
enquanto vociferava ameaças contra os inimigos da fé – a dele vez “uma Missa é mais aterrorizante para mim do que dez mil
mesmo. Quando ele abusou da violência na linguagem contra a inimigos armados que foram para a terra e suprimiram uma
Rainha Jezebel, a Congregação sabia que era outra Rainha que religião inteira.” Mas Mary como uma Católica devota, uma
ele tinha em mente. Calvinismo, com Knox como expoente, filha de Guises, insistia em praticar sua própria religião em
obscureceu a Escócia como uma tempestade que a qualquer privado na sua capela o quanto e como ela quisesse. Sem parar
momento pode estourar. para refletir nas consequências possíveis, o parlamento acatou
seu pedido. Mas logo no primeiro domingo após sua chegada,
Nenhum acordo era possível com uma pessoa tão
quando as preparações para a celebração da Missa na Capela
impecável e incorruptível, um homem que o único pensamento
Real de Holyrood estavam sendo feitas, uma multidão excitada
é comandar e esperar a imediata obediência irrefletida. Tentar
se reuniu em volta das entradas, e quando o caridoso estava
apaziguá-lo ou suavizá-lo apenas intensificaria sua excitação
carregando as velas para acender no altar teve as velas foram
ainda mais, o faria mais difícil e desdenhoso. Aqueles que
arrancadas de suas mãos e destruídas. Gritos explodiram
colocam a si mesmos como guerreiros de Deus são os homens
exigindo que “padres idólatras” deveriam ser mortos; a
mais indiferentes do mundo. Acreditam que são o veículo para
excitação crescia mais e mais com gritos de “navios de Satã”;
as mensagens do paraíso, têm seus ouvidos fechados para tudo
parecia que a qualquer momento a capela privada da Rainha
o que é humano.
seria invadida pela grupo. Lorde James Stuart, entretanto,
Uma semana bastou para Mary tomar consciência da salvou a situação. Mesmo sendo ele mesmo um campeão
presença de tal fanático oponente. Ante de retornar ela havia convicto da Congregação, confrontou os fanáticos e defendeu
prometido aos seus súditos liberdade absoluta de crenças – a entrada principal enquanto Mary se engajava na sua devoção.
uma promessa que para uma mulher de disposição tolerante Depois de rezar a Missa com medo e tremendo o infeliz padre
demandava sacrifício nenhum em seu caminho. Em adição ela foi levado em segurança para os seus aposentos. A revolta havia
reconheceu a lei que proibira a celebração pública de Missa. sido contida, a autoridade da Rainha mantida intacta, embora

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não sem muita dificuldade. Mas as festividades que o povo frequentemente perdoar uma afronta pessoal, mas uma
ofereceu como boas vindas, as “alegricidades” como Knox as depreciação da sua posição de rainha jamais.
ridicularizou, haviam quebrado o seu sombrio deleite. A jovem
Ela estava, dessa forma, determinada a não passar por
e romântica rainha pôde assim sentir o quão genuíno e forte
cima dessa ofensa inicial a sua dignidade como a governante da
eram os antagonismos existentes no reino que ela havia
Escócia. Tal presunção precisa, na sua visão, ser carimbada a
atravessado mares para governar.
partir da primeira. Apenas ela sabia bem demais com quem ela
A reação de Mary foi um respiro ligeiro em meio a uma tinha que lidar, sem duvidar nem por um momento que foi o
tempestade de fúria. Lágrimas e palavras duras brotaram de herético barbudo pregando no seu púlpito paróquia quem
dentro dela para expressar a profundez da sua mortificação. havia incitado a plebe contra ela. Ela iria tomar a personalidade
Um raio claro de luz derramado sobre um caráter que até então de homem para a tarefa, e sem demora. Mary Stuart,
era carente de precisão. A querida mimada pelo destino, desde acostumada a pronta obediência pela parte dos súditos na
o nascimento, Mary sempre mostrou os aspectos ternos e monarquia francesa, governante toda poderosa pela graça
gentis da sua natureza, tinha a disposição fundamentalmente divina, nunca imaginou nem por um segundo encontrar
flexível e complacente. Todos os que vieram a ter contato com contradições entre seus próprios súditos, burgueses comuns
ela, do mais alto escalão militar a mais humilde serviçal, vivendo na capital do seu reino. Ela estava preparada para tudo
exaltaram sua simpatia, sua falta de arrogância, suas maneiras no mundo, mas que ninguém se aventurasse abertamente e
afetiva e cativante. Ela conquistou corações porque nunca foi com ousadia a se opor a sua vontade. John Knox não estava
áspera ou orgulhosa para lembrar o povo de sua majestade. apenas preparado para isso, mas alegre e ansioso “Por que o
Mas essa gentileza e contrapeso por uma insuperável rosto agradável de uma mulher me colocaria medo? Eu tenho
consciência do que ela realmente era, a consciência era latente olhado em muitas faces de homens raivosos, e ainda não tive
enquanto nada viesse a perturbar, quebrava-se em violentas medo além do compasso.” Seu coração se contorceu dentro
tempestades de choro e vitupério tão logo ela encontrasse dele nos passos rápidos do caminho entre o palácio e seu
contradição ou resistência. Essa mulher maravilhosa sabia colóquio privado. A luta – e na opinião de Knox tal luta era em
nome de Deus – é o maior deleite que uma alma fanática pode

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experimentar. Se Deus Todo Poderoso havia dado coroas a reis, o direito da mulher a exercer autoridade. Esse mesmo trabalho
Ele havia ordenado Seus padres e representantes aqui embaixo o havia colocado em problemas com Elizabeth, a soberana
com a dádiva de proferir palavras vorazes, e mais ainda, o Protestante, antes das críticas ele havia curvado sua cabeça
direito divino de dizê-las. Seu dever era defender o reino de mansamente vencido; agora, no encontro com sua própria
Deus sobre a terra; não hesitaria em usar seus mangual de ira “inconvencível princesa” ele mantinha obstinadamente seu
para castigar os insubordinados assim como outrora Samuel fez privilégio de expressar tais opiniões da forma honesta que as
e os juízes descrevem na Sagrada Escritura. A cena que sucedeu tinha. Como era temido, sua intolerância parece ter estragado
foi como se tivesse saído do Velho Testamento: orgulho real tudo, pois gradualmente a conversa tomava um giro mais
confrontado com orgulho sacerdotal; não foi uma mulher cáustico. Mary mostrou perspicácia “para além da idade” e não
lutando contra um homem para ganhar vantagem, mas duas tinha pouca agudeza em seu raciocínio. Ela perguntou à
antigas ideias as quais eram engajadas por milhares e milhares queima-roupa: “Você pensa que seus seguidores . . . deveriam
de controvérsias amargas. rejeitar seus príncipes?” Ao invés de dar uma resposta negativa
conforme ela esperava ele, um tático nato, esquivou do ponto
Mary Stuart se empenhou para reter sua usual
crucial caindo na parábola “Um pai talvez golpeie com força, o
serenidade doce e a tolerância. Desejando sinceramente trazer
que pode matar seu filho. Agora, Madame, se a criança emerge,
entendimento, escondeu sua mortificação, pois ela tinha no
se uni, repreende seu pai, tira a espada dele, prende suas mãos,
coração a preservação da paz do seu reino. Foram, assim, com
o coloca na prisão até seu frenesi passar, você pensa, Madame,
palavras corteses que ela instaurou a conversa. John Knox, pela
a criança terá feito algum mau? Mesmo assim é com a princesa
sua parte, estava resoluto em ser impecável como lhe agrada e
que mataria uma criança de Deus, que estão sujeitas a esta.”
mostrar aos “idólatras” que ele não estava disposto a ceder
nenhum milímetro ante esse poderoso mundo. Silencioso e Mary ficou atrapalhada por tão ousada resposta,
sombrio, não o acusado mas o acusador, ele ouviu as acusações sentindo que por tais ressalvas Knox, o teólogo, eram o apoio
que a Rainha tinha contra ele. Entre outros elementos “ela me as revoltas contra ela e sua soberania. “Bom então,” ela retorna
acusou com meu livro” (A primeira explosão do trompete rapidamente, “Eu percebo que meus súditos deveriam a
contra o regimento monstruoso da mulher) onde ele desafiava obedecer ao que você diz, e não aos meus comandos e eu

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também deveria me sujeitar a eles, e não eles a mim!” Era conhecimento certo a senhora tem nenhum.” Assim a primeira
precisamente isso que Knox quis dizer, mas ele foi muito entrevista ao invés de trazer reconciliação serviu apenas para
cuidadoso para dizer claramente, vendo que Lorde James Stuart fazer do antagonismo entre os dois mais pronunciado. “Em
estava presente na entrevista. Ele replica evasivo: “Deus proíba comunicação com ela eu espiei tal ofício como nunca encontrei
que eu nunca tome sobre mim o comando de qualquer um para em tal idade. Desde então o tribunal está morto para mim.”
me obedecer ou definir o assunto em liberdade para fazer o que Mary teve que perceber que havia limites para seu poder real.
lhes agrada. Meu trabalho é para que príncipes e súditos Com a cabeça erguida, Knox saiu da câmara de audiência
obedeçam a Deus . . . Ele anseia para que reis sejam padrastos orgulhoso e satisfeito por ter desafiado a majestade. A jovem
e as rainhas sejam mães que amamentam Sua Igreja.” A Rainha, rainha ao contrário, frustrada sabendo que suas aberturas
extremamente irritada pela persistente ambiguidade do tinham sido rejeitadas. Ela reconheceu a própria impotência, e
reformista deu afiada resposta: “Mas o senhor não é a Igreja deu vazão a sua amargurada alma em lágrimas apaixonadas.
que eu vou nutrir. Eu defenderei a Igreja de Roma, pois eu Nem seriam essas as últimas a serem derramadas. Logo ela
penso que é a verdadeira Igreja de Deus.” seria forçada a reconhecer que o poder não é algo que se tem
de uma vez por todas, mas tem que ser combatido numa luta
Golpe rápido seguido de golpe rápido. O ponto que havia
persistente e entre a constante renovação de humilhações.
sido atingido onde um entendimento entre a Católica fervorosa
e o Protestante Fanático, quem “governa o poleiro” entre quem
“todos os homens vivem em medo”, era impossível. Com os
modos ásperos gerados pela incessante controvérsia e
polemica, ele retorquiu: “Sua vontade, Madame, não é razão;
nem o seu pensamento faz essa prostituta de Roma a
verdadeira e imaculada esposa de Jesus Cristo.” E quando Mary
o repreendeu por fazer uso de tais palavras e suplicou por
consciência, Mestre John retaliou provocando: “Consciência,
Madame, requer conhecimento, e eu temo que o

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CAPÍTULO CINCO empoleirado no seu pulso erguido, cercada pela sua corte em
Pedras Começam a Rolar vestidos bonitos, retribuindo as saudações com sorriso
simpático e jovial. Algo límpido, algo alegre, algo tocante e
( 1561 – 1563 ) romântico, um raio de juventude e beleza, tinha vindo como a
luz do sol a essa terra austera e sombria com o advento dessa
menina rainha. O amor da nação é rapidamente capturado por
Por três anos depois que assumiu as rédeas do governo, uma governante que é tão jovem quanto bela. Os lordes foram
a vida de Mary estava calma e sem complicações. O destino os mais enganados por aquilo que era a sua composição
havia decretado que desde o começo os grandes principal: ela poderia galopar por horas sem mostrar um
acontecimentos da sua vida seriam concentrados em rápidos, milésimo de fadiga, longe a frente dos seus seguidores. Tanto
curtos episódios, e essa peculiaridade é sempre o recurso do quanto sua brandura quanto seus modos bondosos eram
instinto dramático dos dramaturgos. Lorde James Stuart, agora apoiados por talento e orgulho invencível, assim também o
Earl de Moray, e Maitland de Lethington, são agora os corpo ágil, esguio e macio, que apesar das curvas femininas,
governantes reais, enquanto Mary agia como a pessoa mascaram uma estrutura de ferro, incapaz de cansaço. Nenhum
representativa; e essa divisão de forças provou ser de máxima exercício parecia duro demais para a sua resistência; uma vez
vantagens a todos os interessados. Moray e Lethington ela ia a uma incursão, o homem escudeiro ao seu lado com a
governavam com sabedoria e prudência. Mary, também, jogava sobrecarga queria que ela fosse um homem “para saber o que
admiravelmente a parte que lhe era atribuída. Dotada por a vida era para dormir à noite toda pelos campos.” Quando
natureza de beleza e charme, amante da arte do cavalheirismo, Moray marchou contra o clã dos Huntlys ao norte, ela declarou
viril na sua audácia, intrépida como amazonas, habilidosa com que sua vontade era ir com ele, espada ao seu lado e pistola no
arcos e jogos de bilhar, uma ardente caçadora, conquistou cinto. Ela se glorificou no risco e aventura e qualquer coisa que
todos os corações pela graça da sua aparência. A cidade de ela se comprometeu a fazer ela entrou com toda a sua alma e
Edinburgh olhava para essa filha dos Stuart com carinho e corpo, trouxe toda a paixão que sua natureza resoluta era capaz
orgulho quando, em uma manhã, cavalgou com um falcão de sentir. Mas apesar de sua coragem masculina, sua

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simplicidade de caçador, sua audácia e valentia de guerreiro, adivinhar o que ou quem a estava esperando. Assemelhando-
quando dentro dos aposentos do palácio ela se mostrava uma se a um suspiro profundo antes de um grande esforço, foi um
governante astuta e cabeça fria. No meio de sua corte jovial ela momento de estagnação, um ponto morto na sua vida. Pois
era a mais encantadora; aprazível e familiar no seu pequeno Mary, tendo a experiência de ser rainha em um dos maiores
mundo. Em sua pessoa juvenil os ideais de sua época parecem reinos da Europa, não estava preocupada em permanecer
estar juntos – coragem com despreocupação, força com governante de um reino tão pobre, tão pequeno, uma terra tão
brandura. O último raio de sol dos dias do trovador e cavaleiro fora de mão, como a Escócia. Ela não tinha retornado para isso.
iluminou o frio enevoado desse clima nortenho como a Mary Ambições mais largas flutuavam na sua mente. A coroa da
que se movia enérgica e alegre entre as sombras que se fez mais Escócia não era nada além de temporária que poderia levá-la a
profunda pelos sombrios ensinamentos da Reforma. conquistar uma coroa mais deslumbrante. Erra muito quem
afirma que os maiores objetivos de Mary eram de governar
Nunca a figura romântica dessa jovem-esposa e jovem-
sobre a herança que seu pai havia deixado, em paz e sabedoria.
viúva brilhou tão radiante quanto nos primeiros anos da sua
Equipará-la com tão pequena ambição é minimizar sua
terceira década; mas aqui, como sempre, seus triunfos vieram
grandeza espiritual e intelectual; pois ela, tão jovem, era
muito cedo, os quais ela não entendeu que eram triunfos de
dominada por um indomável e descontrolável desejo de poder.
fato, e assim ela falhou em fazer o melhor uso de suas
Ela quem aos dezessete anos havia se casado com o Rei da
vantagens. Sua vida interior não estava ainda completamente
França na Catedral de Notre Dame em Paris, quem no Louvre
desperta; a mulher dentro dela ainda não sabia o que as
havia sido declarada a dama soberana de milhares de súditos,
reivindicações do seu sangue poderiam fazer com ela; sua
não poderia descansar em paz com o governo de meia dúzia de
conveniência, seu mais íntimo ser era ainda imaturo e não
ingovernáveis rústicos, sob os títulos de earls ou lairds, juntos
desenvolvido. Não até ser desperto por excitação e paixão que
com algumas centenas de milhares de pastores e pescadores. É
poderiam revelar sua verdadeira essência. Porém os primeiros
uma falácia associar sentimentos de patriotismo e nacionalismo
anos de sua estada na Escócia foram um período de indiferença
a uma mulher que não os tinha de forma alguma. Fato que
e espera, sem propósito, despreocupada passagem do tempo,
esses sentimento só foram descobertos séculos depois da
preparação para eventualidades, sem sua vontade interior a

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morte de Mary! As princesas dos séculos quinze e dezesseis – E foi por essas razões que ela deixou as
com a possível exceção da maior rival de Mary, Elizabeth – não responsabilidades do governo nas mãos de Moray e Lethington,
tinham o hábito de considerar seu povo, mas buscavam sem qualquer sentimento de ressentimento ou inveja, e sem
exclusivamente a aquisição do poder pessoal. Reinos eram qualquer interesse em participar. Ela permitiu que esses dois
costurados juntos e alugavam aos pedaços como se fossem homens fizessem o que achassem ser sábio e vantajoso para o
roupas; Estados eram formados pelas guerras e casamentos, e país sem qualquer obstáculo da parte dela. Por que ela se
não por uma autodeterminação dos povos. Nenhuma importaria com o destino desse lamentável reino pequenino,
motivação sentimental influenciaram a formação desses reinos. ela que tinha por tanto tempo uma coroa desgastada e havia
Mary no seu tempo estava bem preparada para trocar a coroa aprendido tão cedo a esperar o reconhecimento de sua
do reino da Escócia pelo da Espanha, Inglaterra, França, ou majestade real? Entre as centenas de cartas que ela deixou para
qualquer outra que estivesse disponível; nenhum escrúpulo trás nós dificilmente encontramos alguma referência ao bem-
atacaria sua consciência como a honradez da sua conduta nesse estar dos seus súditos, ou menção a ascensão da Escócia a
aspecto, nenhuma lágrima seria derramada dos seus olhos caso posição mais alta entre as potências do mundo. Nisso ela diferia
fosse obrigada a dar adeus as florestas e lagos ou os castelos notavelmente da sua vizinha Elizabeth, quem estava
românticos da sua terra natal, pois sua ambição apaixonada constantemente e sinceramente ocupada com maneiras e
invariavelmente a fazia olhar sobre o trono escocês como nada meios de elevar o status da sua amada Inglaterra. A
além de um trampolim para prêmios mais altos e melhores. Ela administração das suas posses, seu engrandecimento, seu
sabia que por herança era destinada a posição de governante e aperfeiçoamento (um dos pontos mais importantes do
que a sua beleza, educação e cultura fizeram dela digna de espectro político) não ocupavam a mente de Mary. Ela
ocupar qualquer trono da Europa; e como qualquer outra defenderia o que era dela, mas ela não poderia fazê-lo seguro.
mulher os seus anos mais tenros são para os sonhos de amor Somente quando seus direitos eram ameaçados, quando seu
incomensurável, assim ela sonhou, mas apenas um sonho – o orgulho era desafiado, somente quando um alheio se opusesse
sonho do poder incomensurável. a ela, ela acordaria, combativa e irada. Somente em momentos
supremos essa mulher provou ser grandiosa e perigosa; em

62
todos os outros momentos ela permanecia uma mulher pacífico reinado. Nenhuma das duas são ignorantes de que raiz
comum, mostrando nada além de indiferença ao que acontecia o contrário afeta o resultado . . . Eu desejo a Deus para que a
ao seu redor. Rainha minha Dama soberana nunca aceite nenhum conselho
em sua cabeça com a pretensão de reivindicar nenhum título
Durante esse período comparativamente de paz a
do reino de Vossa Majestade, pois então, estou completamente
inimizade com sua rival inglesa estava em suspenso. O coração
persuadido que você tem sido e continue a ser uma amiga
impetuoso de Mary batia tranquilo pelo espaço, Elizabeth,
querida e prima carinhosa - mas agora já que de sua parte algo
também, estava em quietude. Um dos mais conspícuos méritos
foi pensado nisso . . . Eu temo isso a não ser que a raiz seja
políticos da filha dos Tudors era seu realismo, sua complacência
removida, nunca criará indelicadeza entre nós. Vossa
ao encarar os fatos, sua aversão para resistir o inevitável. Ela
Majestade pode não produzir, e talvez ela pense ser difícil de
havia feito tudo o que estava em seu poder para evitar o
sua parte, sendo tão próxima de sangue da Inglaterra, ser feita
retorno de Mary Stuart a Escócia. Agora, quando o retorno
uma estrangeira! Se qualquer caminho do meio possa ser
tomou seu lugar, Elizabeth não gastaria energia lutando contra
escolhido para remover essas diferenças dos comentários das
a realidade, preferindo viver em termos amigáveis enquanto
duas, então nós poderíamos desfrutar de uma quietude
ela não pudesse tirar sua prima do seu caminho. Uma das mais
perpétua . . . “
fortes qualidades positivas de Elizabeth, sendo de caráter
rebelde e arbitrário, era que por motivos de prudência e Elizabeth não foi lenta ao aceitar a dica. Nada além de
economia, ela não gostava de guerras, era avessa a atitudes de Rainha da Escócia e sob a orientação do pensionista da Rainha
força e decisões irrevogáveis. Sua mende calculista a fizeram da Inglaterra, James Stuart, Mary Stuart por ora era menos
perseguir seus ganhos finais por negociação. Tão logo estava perigosa do que se ela ainda fosse a Rainha da França e Escócia.
certo sobre o retorno de Mary a Escócia, James Stuart insiste a Por que não prometer uma trégua embora seu coração
Elizabeth, em termos móveis, para que comece uma honesta permanecer hostil? A ativa correspondência entre o par estava
amizade com sua prima. “Vocês são . . . Rainhas na flor da logo em progresso, o qual cada lado do “querida irmã”
idade...O sexo de vocês não permitirá que vocês avancem em expressava os mais cordiais sentimentos sobre folhas de papel
glória pela guerra e derramamento de sangue, mas em um de longo sofrimento. Aquele que ler essas epistoles hoje talvez

63
acredite que em algum lugar do mundo possa ter existido tão declarou resolutamente: “Não pode haver dois sois no céus, ou
afetuosa relação entre parentes e esses primos, Mary enviou dois Khans na terra.” Uma das duas mulheres deveria desistir,
um anel de diamantes a Elizabeth; a Rainha da Inglaterra Elizabeth Tudor ou Mary Stuart. As duas compreendiam isso, e
reciprocamente envia bugiganga ainda mais valiosa; em frente as duas estavam esperando a hora marcada. Mas desde que a
ao mundo, em frente dos seus próprios egos, elas atuaram na hora ainda não havia chegado, por que não aproveitar um
comédia do amor familiar. Mary escreveu: “Acima de todas as período de trégua? A trégua seria curta. Quando a desconfiança
coisas eu desejo ver a minha boa irmã” e declarou sua é impossível de aniquilar, um motivo será encontrado em breve
determinação de romper a aliança com a França, pois ela para dar um respiradouro na ação.
apreciou a boa vontade da Elizabeth “mais do que todos os tios
Nesse anos a jovem Rainha teve diversos problemas
do mundo”. Em resposta Elizabeth, em grande, escrita formal a
menores: por vezes entediada com assuntos de Estado, mais e
mão que ela mantinha reservado para ocasiões importantes,
mais ela se sentia fora do seu elemento entre esse nobres de
deu a Mary extravagantemente palavras de segurança, carinho
punhos duro e briguentos, e ela continuava sendo assediada
e fidelidade. Mas tão logo a questão de um acordo legal surgiu
pelos implacáveis homens da igreja astutos intrigantes. Nessas
e um encontro pessoal quase apareceu para as duas
horas ela se refugiava, imaginativamente, que estava na França
correspondentes crescerem com precauções e evasivas. As
onde ela ainda considerava ser seu verdadeiro lar. Desde que
negociações as quais vinham procedendo por tanto tempo
ela não pudesse partir da Escócia ela estabeleceu uma pequena
ainda permaneciam um beco sem saída. Mary Stuart não
França para si própria no palácio de Holyhood, um pequeno
assinaria o acordo de Edinburgh reconhecendo a posição de
canto do mundo onde, retirada de olhares inquisidores, ela
Elizabeth até que Elizabeth acordasse a sucessão para Mary –
seguiu suas mais sinceras inclinações. Era o seu Trianon. Na
mas para Elizabeth, isso equivalia assinar (assim pensava ela)
torre redonda de Holyrood ela teve quartos equipados no
sua própria garantia de morte. Nenhuma parte renunciaria a
modelo francês, com Goeblins trazidos de Paris, carpetes da
uma partícula dos direitos a que reclamavam severamente;
Turquia, camas ornamentadas e outras mobílias, quadros com
assim, na longa corrida, as frase floridas que elas trocavam mal
moldura dourada, os livros que mantinha laços – Erasmus,
escondiam o abismo instransponível. Como Genghis Khan
Rabelais, Ariosto, Ronsard. Eles falavam em francês e moravam

64
na França. À noite, à luz de cintilantes candelabros, músicas domar um pouco daquele orgulho que é nossa herança comum
eram tocadas, jogos eram jogados, versos eram lidos em voz e sintética.” Porém os membros de jovem e alegre círculo
alta, e madrigais eram cantados. Pela primeira vez, nessa tinham pouco desejo por “exortações salutares” do “assassino
miniatura de corte, foram encenados a leste do Mar do Norte da alegria”. As quatro Marys e alguns nobres tiveram seus
do Canal peças com mascarados que subsequentemente gostos moldados na corte francesa, achavam agradável, em
alcançariam seu mais alto florescimento no teatro da Inglaterra. salas que (para o dia) eram bem aquecidos e bem iluminados,
A dança continuaria até bem depois da meia-noite. Em uma para esquecer a escuridão desse país austero e trágico. Mais do
dessas noites com peças de teatro e participantes mascarados que todos a Rainha Mary era a mais contente em poder colocar
Mary aparece em The Purpose como um jovem homem vestida de lado o manto de Majestade, e se tornar uma jovem mulher
em calções preto de seda, enquanto Chastelard vestia vestido alegre entre a companhia de pessoas da mesma idade e mesma
de mulher – uma visão que certamente levantaria a fúria de forma de pensar.
John Knox.
Seu desejo era mais que natural. Mas sempre foi
Puritanos, zelotes, e amotinados de guerreiros não perigoso para Mary abrir mão da indolência. A farsa e hipocrisia
entraram nessas cenas de diversão. Em vão o pregador a esmagaram; prudência, a longo prazo, a exasperava. Ela
Calvinista, com sua barba dançando como pendulo, trilhava no própria escreveu uma vez: “Je ne sais point déguiser mes
púlpito de St. Giles contra esses “souparis” e “dansaris”. Aqui sentiments15.” E foi precisamente uma inata falta de reticências
um extrato de um desses sermões: “A princesa tem mais prática da sua parte que causaram seus maiores e mais desagradáveis
brincando e jogando do que lendo ou ouvindo a Palavra mais problemas políticos do que se ela tivesse sido culpada do mais
abençoada de Deus . . . Músicos e bajuladores, esses vil engano e da mais implacável severidade. Pela familiaridade
corruptores da juventude, a agradam mais do que homens mais a rainha se permitiu estar entre tais divertidas companhias, o
velhos e sábios” (quem será que nosso amigo hipócrita estava calor que ela aceitou das suas homenagens, os sorrisos com que
pensando?) “que desejam com suas exortações salutares ela conquistou a todos, não poderia ter despertado nestas

15
Eu não sei como disfarçar meus sentimentos. (N.T.)

65
naturezas indisciplinadas um espírito de camaradagem que capitão escocês de nome Hepburn encontrou problemas ao
para aqueles de uma disposição passional deve ter constituído entregar a Mary – na presença do embaixador inglês – uma
uma seríssima tentação. Deve ter havido alguma coisa em carta obscena. Provavelmente Hepburn que era não mais que o
Mary, a qual essa beleza não aparece em nenhuma pintura que intermediário, cérebro de pena, conseguiu escapar da devida
a retratou, que continha um apelo sensual. Talvez alguns dos punição através de luta. O incidente rapidamente fora
poucos homens que tiveram contato com ela e chegaram as esquecido, e a paciente rainha encorajou outro membro de seu
suas próprias conclusões com a força de certos quase círculo a fazer novos avanços.
imperceptíveis sinais tiveram a premonição de que embaixo da
O caso era para permanecer na realeza do romance e,
sensibilidade, da graça das maneiras requintadas, do aparente
como quase todos os episódios que tomaram lugar em terras
perfeito autodomínio da mulher virginal havia à espreita uma
escocesas, foi mais parecido com uma balada, um poema
capacidade infinita para a paixão amorosa, escondida como um
bonito do que uma história de fato. O primeiro admirador de
vulcão em repouso embaixo de uma paisagem agradável. Eles
Mary na corte francesa foi Monsieur d’Anville, ele havia
não teriam, talvez, descoberto seu segredo muito antes que ela
confidenciado sua paixão ao seu amigo, o poeta Chastelard.
soubesse da sua existência; será que seus instintos viris não
Anville junto com um punhado de gentlemen da França haviam
adivinharam na presença dela um abandono, um poder de
acompanhado a jornada de Mary a Escócia. Agora ele havia
seduzir os homens de forma ainda mais indubitável do que o
voltado para seu país, sua esposa, e suas obrigações oficiais.
amor romântico deles? Sua inocência, sua condição ainda
Chastelard, entretanto, considerando-se algum tipo de
dormente, talvez possam ter a levado a fazer o uso de alguns
representante de cultura estrangeira em uma terra bárbara,
delicados carinhos físicos – o tocar da mão, um beijo tênue, um
ficou para trás na Escócia. Compôs versos carinhosos para sua
convite com os olhos – os quais a mulher com experiência sabe
amada senhora, poemas que por si não são perigosos, embora
ser perigosos. Seja como for, é incontestável que ela permitia
esportes amorosos podem se tornar realidade a qualquer
que os homens do seu círculo íntimo esquecessem que a rainha
momento. Negligenciando as implicações, Mary aceitou as
deveria ser mantida imaculada de qualquer pensamento
homenagens poéticas dadas a ela pelo jovem, Huguenot,
ousado onde a mulher carnal assentava. Uma vez um jovem
mestre nas artes da cavalaria. Certamente, ela foi longe ao

66
ponto de responder com versos compostos por si mesma. à paixão. O próprio Chastelard se arrepende com tristeza da
Como poderia uma jovem sensível e artisticamente dotada, frieza dela quando ele escreve:
forçada a viver num país rude e atrasado, interrompida de viver
Et néanmoins la flâme
próxima de todos que conhecia e que amava - como ela poderia
deixar de se bronzear na lisonja que está por trás de estrofes Qui me brûle et enflâme
inspiradas como as seguintes?
De passion
O Désse imortelle,
N’émeute jamais ton âme
Escoute donc ma voix,
D’aucune aflection.
Toi qui tiens en tutelle,
Provavelmente Mary Stuart olhava sobre essas tiras
Mon pouvoir sous les loix, adulatórias como um complemento exagerado inseparáveis da
sua vida na corte. Ela mesma, sendo uma escritora de veia lírica,
Afin que si ma vie
sabia muito bem que a Musa da poesia tinha o seu deleite em
Se voit em bref ravie, hipérboles de todo o tipo, e foi em humor lúdico que ela
estimulou galanteios que não chamavam a nota falsa no
Ta crauté
glamour romântico os quais eram rodeados na corte de uma
La confesse périe, jovem mulher cativante. Em sua maneira inocente ela brincou
e jogou com Chastelard, como ela faria com as Marys. Ela o
Par ta seule beauté.
deixaria livre para atos inofensivos de favores especiais e
Além disso, ela estava um tanto inconsciente que havia estima (embora pela posição dela tornasse as iniciativas dele
algo de sério por trás dos protestos do jovem rapaz. Ela pode impossíveis), o escolheu como parceiro de dança em algumas
ter se entretido com o jogo, mas certamente não correspondeu ocasiões; durante os elegantes The Purpose ou The Talking
Dance se inclinou no peito de Chastelard; ela o concedeu

67
algumas liberdades de discurso, o que era visto com mau comportamento. A brincadeira foi cuidadosamente
desconfiança na Escócia, especialmente por John Knox, o qual mantida longe dos ouvidos de Moray, porém; a grandiosidade
tinha seu púlpito a alguns quarteirões de distância das do crime não podia ser negada, e logo a questão da punição
“devassas orgias” de onde ele declarava que tais espetáculos apropriada foi levantada. Essa consideração infelizmente não
eram “mais parecidos com um bordel do que com a beleza de foi apreciada em seu total valor pelo delinquente. Ou o jovem
uma moça honesta”; durante bailes de máscaras ou de algum brilho foi encorajado por tal leniência ou a ter uma nova
jogo Mary possa até ter permitido que o jovem francês tentativa, ou o amor por Mary era de tal violência que roubou
arrebatasse um beijo. Embora essas familiaridades não fossem sua capacidade de autocontrole que até então possuíra. Ele
de grave importância eles foram terríveis em seus efeitos em secretamente seguiu a jornada da rainha até Fife, ninguém
um rapaz da sua idade e ardente disposição, de modo que, suspeitou da sua presença, até na hora de dormir, Mary já
como Torquato Tasso, seu contemporâneo, esqueceu a barreira estava quase despida que suas ajudantes o encontraram de
que a alta posição impunha entre a Dama e seus servidores, novo no quarto de dormir. Consideravelmente abalada, Mary
ultrapassou os limites que impõe o respeito sobre a proferiu um grito tão alto que foi ouvido em todos os cômodos
camaradagem, a força do decoro sobre o galanteio, a seriedade da casa. Moray, apressando-se de um quarto vizinho, correu
impõe sobre as brincadeiras, e, cabeça quente, seguiu os para ver o que poderia ter causado tal grito. Agora qualquer
ditados do seu próprio sentimento. chance de perdão ou esquecimento estava fora de questão.
Certamente cronistas mantém a versão de que Mary insistiu
Isso leva a uma desastrosa aventura. Uma noite uma
para que seu irmão Moray matasse imediatamente o
mulher da nobreza a serviço de Mary, descobre que Chastelard
presunçoso jovem, mas isso não parece provável. Moray,
estava escondido dentro do quarto de dormir da rainha.
cabeça fria que contrasta muito com a natureza apaixonada da
Ninguém suspeitou dele com projetos impróprios, olharam
irmã, rapidamente anteviu com perspicácia a consequência. Ele
meramente como uma leviandade, como as habituais piadas,
percebeu que matar o rapaz no aposento privado da rainha
não de muito bom gosto. Rindo alegremente, e fingindo
respingos de sangue poderiam cair sobre ela. Tais
estarem bravos, perseguiram o pateta e o colocaram para fora
circunstâncias demandam a máxima publicidade do caráter de
do quarto. Mary, também, tomou um visão de leniência de seu

68
Mary, deveria ser exposto a sua virtude imaculada em frente Soit sur moy immortel.
aos olhos seu povo e do mundo.
Reto como uma varinha, o trovador montou no cadafalso
Alguns dias depois Chastelard foi levado a execução e, ao invés de cantar salmos ou orações, ele entonou a
pública. Sua audácia havia sido condenada como crime, e sua celebração de seu amigo Ronsard “Hymn to Death”.
frivolidade considerada como “desenho do mau” por aqueles
Je te salue, heureuse et profitable Mort,
que sentaram o julgamento sobre ele. Em uma só voz o
atribuíram a pena mais severa: execução. Mesmo que ela Des extremes douleurs médecin et confort.
desejasse um acordo de clemência, essa possibilidade estava
Suas últimas palavras soaram mais como um suspiro do
fora das mãos de Mary. Os embaixadores já haviam enviado
que acusação, onde: “Ó Dama Cruel.” Então ele
seus relatórios a respeito da questão, e olhos censores das
silenciosamente se submete a ação do executor. Sua morte foi
cortes da França e Inglaterra estavam observando sua conduta.
igual a uma balada, igual a um lindo poema.
Uma palavra em favor do ofensor poderia ser interpretada
como a culpa dela também. Ela teve que colocar a face mais Porém esse infeliz Chastelard não foi nada além do
dura sobre a questão, provavelmente mais do que a questão primeiro a morrer nessa macabra processão daqueles que
exigia pela a ocasião, e deixando assim o companheiro de horas morreriam por Mary. Muitos, e quantos, dos associados e
tão alegres e divertidas, sem esperança e sem ajuda na sua hora partidários de Mary pereceram no cadafalso, pegos no
mais cruel. redemoinho de sua fé. Eles vieram de todas as terras. Como na
celebração de Holbein “ Alfabeto da Dança da Morte,” eles
Como se tornou um do íntimos da corte do romance e
trilharam o despertar negro de um baterista esquelético, passo
alegria da rainha, Chastelard pereceu no brilho radiante do
atrás de passo, ano após anos, monarcas e regentes, earls e
romance sobre ele. Recusando o conforto de um padre e da
outros nomes, padres e guerreiros, jovens e velhos, todos
religião, ele caminhou para sua morte de mãos dadas com a
sacrificaram a si próprios por ela, ela quem, embora inocente,
Musa poética, murmurando:
era culpada pelo destinos sombrios teve que expiar com o dela.
Mon malheur déplorable Raramente foi decretado que uma mulher teria tantas mortes

69
tecidas na tapeçaria mágica da sua vida. Como um imã sombrio, rápidas ao arrancá-la desse feliz esporte. Devido ao incômodo
ela aliciou homens com quem tivera contato para entrar em seu incidente, Moray, o parlamento, lordes escoceses insistiram
fascinante círculo de desgraças pessoais. Aquele que cruzasse para que se casasse sem demora. Ela deveria escolher um
seu caminho, como amigo ou inimigo, estava condenado ao marido, não um homem do seu coração, mas sim aquele
azar ou morte violenta. Nenhuma sorte abençoou aqueles que cônjuge que se revertesse em mais poder e mais segurança
odiaram Mary Stuart, aqueles que a amaram foram para o reino. Negociações foram abertas e apressadas, pois a
consignados a ainda um fim mais terrível. pessoa responsável de sua comitiva estava alerta para que essa
jovem descuidada não cometesse alguma tolice que quebrasse
Apenas por fora parecia, portanto, que a questão
sua reputação. O regateio do casamento no mercado se
Chastelard era um assunto casual, um episódio, um interlúdio.
resumiu em; Mary foi forçada a voltar para o círculo maligno da
Embora ela ainda não houvesse percebido o quanto, divulgou-
política, o qual foi prisioneira por quase toda a vida. Sempre que
se como a lei que ela sempre que teria que pagar por se permitir
tentava escapar desse gélido ambiente, quebrar as barreiras e
ser despreocupada, maleável, e confiante. O destino havia
saborear o ser mulher, por um curto tempo, aquecer a própria
desejado que, desde o começo, ela estaria na ribalta, deveria
vida, ela causaria danos irreparáveis a outros e a sua própria
permanecer rainha e nunca ser nada além de rainha, uma figura
sorte.
pública, um peão do grande jogo mundial de xadrez. O que no
começo parecia ser uma marca de sinal ou favor, sua coroa tão
cedo, seu nascimento na mais alta posição, foi na verdade uma
maldição. A questão de Chastelard foi meramente um aviso.
Passando sua infância em condições que a privaram de ser
infantil, durante o curto intervalo antes de entregar seu corpo
a um segundo homem ou a um terceiro, sua vida era a
propósito do Estado, tornou-se acoplada com ele e para outro,
ela tentou por alguns meses ser jovem e sem preocupações –
para desfrutar, apenas desfrutar. Mas mãos ásperas foram

70
CAPÍTULO SEIS Inesperadamente agora a Inglaterra e Escócia, as últimas
Casamento Político no Mercado preciosas e não anexadas joias coroas da Europa, oferecem-se
como um prêmio sedutor. Elizabeth Tudor e Mary Stuart eram
( 1563 – 1565 ) solteiras. Aquele que ganhasse o sul ou norte da Britânia pela
sorte de um acordo conjugal se tornaria um vencedor no jogo
da política mundial, e concomitante com as lutas das nações na
época, poderia conquistar o prêmio ajudando a resolver a
Elizabeth da Inglaterra e Mary da Escócia provavelmente grande questão das lutas de religião da época.
foram as damas mais cortejadas do seu tempo. Qualquer um na Isso era um ponto importante daquele tempo: pois se
Europa que fosse um herdeiro ao trono, rei e solteiro enviou uma Rainha se casasse com um Católico, as Ilhas Britânicas,
um oficial para preterir a mão dessas rainhas não acasaladas. A seria influenciada pela fé religiosa de tal consorte real, o que
Casa de Habsburgo e Bourbon, Philip II da Espanha, seu filho aumentaria a escala em favor de Roma, assim o conflito furioso
Don Carlos, o Arquiduque da Áustria, juntos com o Rei da Suécia entre o Protestantismo e a velha crença, poderia ser muito bem
e Dinamarca, homens velhos e jovens, tornaram-se aspirantes resolvido através do vantajoso “ecclesia universalis.” Assim a
para uma ou outra dessas belas mãos. Nunca antes o mercado perseguição louca que se seguiu foi muito mais importante do
político de casamentos esteve tão saturado de pretendentes. A que um mero e agradável acordo para assegurar a felicidade
razão era boa, pois o casamento com uma dama de nascimento conjugal; o mundo do ocidente estava em jogo.
e linhagem real, o acréscimo de ser rainha no seu próprio
Para as duas jovens rainhas, entretanto, acrescentava-se
direito um homem pode estender seu poder e suas terras de
a questão que as envolviam pessoalmente até o final de seus
forma perfeitamente legítima. Para tanto, no auge dos dias de
dias, desde que uma decisão para um lado ou outro fosse
governos absolutistas, era mais fácil construir um belo império
tomada os seus destinos estariam selados. Uma dama poderia
pelo casamento do que pela guerra. Por tal meio a França se
fazer um melhor par do que a outra, a balança de poder poderia
tornou inteira unida; a Espanha um império mundial; o domínio
se virar em favor de uma e o trono da rival poderia perder em
dos Habsburgo, um grandioso e consolidado reino.

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valor e prestígio. Uma aparente amizade entre Elizabeth e Mary frequentemente dificultada por paixão ou capricho feminino; as
só foi possível enquanto as duas estivessem solteiras; a antiga duas, desde a infância, foram educadas e treinadas para o
deve permanecer Rainha da Inglaterra e Irlanda, a mais nova grande papel que estavam destinadas a atuar. O decoro
deve permanecer Rainha da Escócia e Ilhas, se um equilíbrio exterior era exemplar; damas cultas, suas mentes haviam
equitativo fosse mantido. No caso de a balança for preenchida absorvido todo os humanismo da época.
com lucro para uma ou outra, a princesa de sucesso se tornaria
Além da língua mãe as duas conversavam com fluência
mais poderosa do que a outra, e assim ela se tornaria a
em Latim, Espanhol e Italiano. Elizabeth, mais ainda, tinha um
vitoriosa. As duas rainhas cavaram orgulho contra orgulho,
conhecimento justo do Grego. Até então a escrita à mão era
nenhuma desejando segurar o chão da outra. Uma luta de vida
considerada uma arte, os estilos das duas superava
e morte, assim, tomou lugar entre as duas; e só a morte era
grandiosamente o estilo de seus melhores ministros na leveza
capaz de desvendar o terrível entrelaçamento.
da expressão, Elizabeth sendo mais cheia de cores, pitoresca e
Como gerente de palco desse drama soberbo a Dama da mais metafórica que Cecil, seu secretário de Estado, e Mary era
História selecionou a ela mesma, e ela escolheu como suas mais polida e mostrou maior originalidade de pensamento e
estrelas duas mulheres de extraordinário talento e escolha de palavras do que Maitland de Lethington ou Moray.
personalidade. Tanto Mary Stuart quanto Elizabeth Tudor O interesse inteligente que ambas tiveram pela arte, a bela
foram excepcionalmente dotadas pelas partes que lhes foram ordem de suas vidas na corte, está de pé ao teste dos séculos.
atribuídas. Suas energias e vitalidades era um contraste Elizabeth teve seu Shakespeare e Ben Jonson, enquanto Mary
grosseiro com a inépcia dos outros monarcas reinantes do encorajou Ronsard e Du Bellay. Mas uma vez tendo enumerado
período: Philip da Espanha era um monge e um intolerante; o ressentimento entre as duas mulheres, temos que concluir
Charles IX da França era um mero rapaz, extremamente fraco e que essa lista é exaustiva. Interiormente as duas eram
possuía gostos esquisitos; Ferdinand da Áustria era um completamente diferentes. O contraste das duas
completo insignificante – nenhum desses reis alcançou o alto espiritualmente e sentimentalmente tem atraído desde sempre
estágio do desenvolvimento intelectual que as duas haviam autores dramáticos para a empreitada de retratá-las.
atingido. As duas eram perspicazes, embora a perspicácia fosse

72
O supracitado contraste fez-se sentido dentro de suas Esses dois diversos caráteres estavam destinados a levar
respectivas carreiras. Foi tanto as circunstâncias como também suas posses até a caminhada final por caminhos totalmente
suas personalidades. Aqui a primeira e notável diferença. divergentes. Uma hora ou outra esses caminhos poderiam
Elizabeth teve tempos difíceis no começo da vida, os anos finais interceder, poderiam se cruzar, mas nunca poderiam perseguir
de Mary foram pesados com desastres e encharcados de a mesma direção, assim essas duas mulheres estariam para
melancolia. Mary Stuart ascendeu ao poder e a boa fortuna sempre proibidas de valer-se da companhia uma da outra e se
levemente, rapidamente e brilhantemente como a estrela tornarem amigas verdadeiras. O contraste entre as duas estava
matutina no céu claro; Rainha já no berço, quando um pouco cravado na essência mais profunda: uma nasceu com a coroa
mais do que criança já era aspirante a um segundo trono. como nasceu com sua própria herança; a outra traçou seu
Porém sua queda foi precipitada como a sua ascensão. Seu caminho acima devagar e com paciência e foi com muita força
destino estava concentrado em três ou quatro acontecimentos que conseguiu reter o poder quando conquistado. Desde esses
catastróficos, um drama genuíno o qual a transformou para contrastes das origens como rainhas, elas passaram de meninas
sempre na quintessência da heroína trágica. Elizabeth Tudor, para adolescentes e depois como mulheres, foram compelidas
por outro lado, ascendeu grandiosamente lenta e com a cultivar a si mesmas, suas individualidades, força e
dificuldades. Sua carreira, entretanto, tomou a forma épica. qualidades. Mary Stuart era versátil, atingiu seus objetivos sem
Nenhuma dádiva espontânea fora concedida a ela. Como esforço, possuía uma certa despreocupação frívola na mente, e
criança fora declarada bastarda; fora confinada na Torre por quase um excesso de autoconfiança, assim ela se aventurava
ordens de sua irmã; ela foi ameaça de execução; pela sua muito – e isso a fez excelente, embora tenha provocado sua
destreza e precocidade desenvolveu a arte da diplomacia, foi ruína. Com a cabeça ereta e orgulhosa, ela pisou a frente para
bem-sucedida adquirindo uma vida simples para si mesma e ver o que a vida tinha a oferecer, sentindo sua posição ser
pelo menos uma perspectiva de mera existente como um ser inexpugnável. Deus Todo Poderoso concedeu um trono para
humano. Enquanto Mary desde o começo teve dignidade e ela, e ninguém poderia tirar esse presente de suas mãos. Ela
honra mostrados sobre ela, Elizabeth foi compelida a lutar para nasceu para comandar, o resto da humanidade tinha que
sua subida no caminho e para moldar sua vida por si própria. obedecer; mesmo que o mundo inteiro duvidasse de seu régio

73
direito, ela sentia que esse direito fora plantado inexpugnável seus claros, afiados, olhos de pássaros – basta apenas um olhar
no seu sangue e nos seus ossos. A vida significava atrever-se em suas pinturas para perceber o quão brilhantes e
muito e aproveitar tudo no seu máximo, ir em frente em busca penetrantes eles eram – ela olhava com desconfiança sobre o
de um singular e apaixonado perigo. Ela se permitiria a sugestão mundo dos homens e as coisas em sua volta, pois assim
de entusiasmos, atos impensáveis, ações rápidas, poderia fazer reconheceria os perigos que a assediavam, e o seu coração era
sua cabeça com a intensidade feroz de um homem afrontado preenchido com medo. Cedo na vida ela havia passado pela
que ergue sua espada. Assim como, uma destemida amazonas escola da adversidade, aprendeu a cautela e a arte da
que era, ela pularia com seu corcel sobre cercas e valas, moderação. Estadista nunca poderia ser atuado de improviso –
arriscando a vida e seus membros, também no esporte da isso ela fora bem ensinada – precisa de calculismo prolongado
política ela imaginava que poderia caminhar com aspereza por e imensa paciência. Nada mais distante de seus propósitos do
cima de cada obstáculo e dificuldade. O que Elizabeth via como que a ousadia, extrema autoconfiança e segurança, as quais
um cauteloso jogo de xadrez, questões diplomáticas que eram as virtudes de Mary, mas as virtudes que a lideraram para
demandavam o absoluto empenho intelectual, era para Mary a sua ruína.
um entretenimento divertido, aprimoramento da alegria na
Como criança Elizabeth testemunhou a ascensão e
vida, um torneio de cavalaria. O Papa disse uma vez que ela era
queda da Roda da Fortuna; ela esteve a um passo necessário
uma alma de homem em corpo de mulher. Sua frivolidade
para levar uma rainha do trono ao cadafalso; ela tinha visto que
ousada e egoísmo – características que fornecem um excelente
um dia uma pessoa pode estar em fuga da Torre de Londres –
material para poesias e baladas e alimenta a poesia trágica –
aquela antecâmara tinha visto muitas mortes – e no outro estar
condenou a jovem soberana para uma queda prematura.
fazendo progresso como ministro real. O poder parecia a ela
Já Elizabeth era uma prática realista por completo; seu uma substância fluida nas mãos do governante; poderia
conhecimento do que era viável era quase de um gênio. Ela escorregar inconsciente entre os dedos, e a posição de
ganhou suas vitórias pela sua forma de utilizar a perspicácia de segurança estaria assim ameaçada. A coroa e o manto pareciam
pensamentos que ela há muito havia digerido na mente, e a ela feitos de vidro frágil, e consequentemente ela os segurou
tornando os caprichos de sua rival em saldos positivos. Com

74
ao seu alcance com o máximo de precaução e ansiedade. Toda circunspecta persistência para obter o máximo de segurança
sua vida foi preenchida de cuidado e irresolução. beliscando e raspando onde as despesas do Estado estavam
ocupadas, e no cultivo de tais virtudes como habitualmente
Todas as pinturas da Rainha Elizabeth confirmam as
atribuir a burgueses e donas de casa digna de seu sal. Suas
tradicionais descrições de seu caráter. Nenhum deles a
muitas falhas – timidez, excesso de precauções – deram frutos
mostram lúcida, livre e orgulhosa, como uma governante nata.
na arena política.
Ela sempre parece tímida e ansiosa, olhos tensos, como se
estivesse vendo e esperando algo desagradável. Nunca vemos Mary viveu por si mesma; Elizabeth viveu por seu país,
um sorriso de prazer e confiança em seus lábios. contemplando sua posição como governante através dos
Simultaneamente tímida e vã, o semblante pálido se destaca óculos do realismo e olhando por cima como uma profissão. A
por trás da maquiagem e das joias brilhantes. Nós sentimos que mente de Mary era inflada com romantismo, ela aceitou sua
sempre que ela estivesse sozinha, despida de seu robe do condição de rainha como uma dádiva de Deus e sem
estado, sem ruge nas maçãs do rosto, não sobrava nenhuma exatamente nenhuma obrigação de sua parte. As duas
dignidade de realeza – nada além de uma pobre, solitária, difícil mulheres eram fortes e fracas, mas suas forças e fraquezas
mulher na maturidade, uma trágica figura que longe de ser assumiram diferentes aspectos. Onde a extrema autoconfiança
competente para governar um mundo, foi incapaz de dominar heroica liderou Mary para sua ruína, a fraqueza de Elizabeth,
até mesmo a própria angústia urgente. sua falta de decisão, a liderou para a vitória final. No mundo da
política a persistência constante ganha da força indisciplinada,
A atitude que ela assumiu faltava qualquer vestígio
planos cuidadosamente preparados triunfam sobre a
heroico, e a sua eterna hesitação, adiamento, e falta de
improvisação, o realismo prático bate o romantismo
determinação roubaram muito de sua dignidade como rainha.
impraticável.
Mesmo assim, Elizabeth sem dúvida possuía uma grandiosa
capacidade para ser estadista, o que a levou ao mais alto plano Mas as antíteses foram ainda mais profundas. Elizabeth
do que um heroísmo romântico. Seu poder residia, não em e Mary não foram apenas polos separados como rainhas; elas
planos aventureiros e decisões, mais sim numa resistente e eram igualmente diferentes como mulheres. Como se a

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Natureza houvesse criado deliberadamente duas criaturas verdadeira de uma vida inteira. Mas isso meramente serve para
diametralmente opostas, desde a maquiagem até os mais provar o quão seu caráter era feminino, o quanto tinha de
mínimos detalhes. instinto e impulso, o quanto firme estava acorrentado ao seu
sexo. Para ela em um breve momento de êxtase e todas as suas
Mary Stuart como mulher foi integralmente mulher,
realizações culturais mais altas pareciam desaparecer como um
primeiro por último e sempre, assim as maiores decisões que
sonho; todo o treinamento como dama da corte, morais, e a
se forçaram sobre ela em seu curto período tiveram a forma na
dignidade real foram destruídas, e ela se viu num confronto da
nascente de seu mais profundo ser. Ainda assim seria longe da
escolha entre paixão e honra, sua situação de rainha foi posta
verdade dizer que o invariável impulso governavam sua razão,
de lado para dar lugar a uma mulher que sentaria sobre seu
ou que ela se permitia ser dirigida sem resistência de lá para cá
trono. O manto real dormia tranquilo sobre seus ombros, e ela
por suas paixões. Bem diferente. Durante a juventude Mary
tirou, ficou nua e sem vergonha como qualquer outra mulher
provou ser incrivelmente preservada em tudo o que se referia
que abrigou os ardores do amor, que se permitiram que
ao exercício do charme feminino. Ano após ano e a vida dos
chorassem aos seus pés, e foram engolidas pelos seus desejos.
sentimentos estava adormecida dentro dela. O que os retratos
Isto, talvez, é o que empresta maior esplender a sua história:
nos mostram é uma simpática, gentil, rosto fraco e indolente,
pelo bem de um único momento rico de uma apaixonada
um par de olhos ligeiramente indiferente, e quase um sorriso
realização ela foi capaz de colocar em risco seu reino, poder e a
infantil. Certamente, esse semblante é de um ser
sua soberana dignidade.
indiferenciado, de uma mulher imatura. Essencialmente
sensível, ela corava por qualquer provocação, ou pálida diante Elizabeth, entretanto, era incapaz de produzir tal
de uma emoção, lágrimas vinham facilmente de seus olhos. Os completo abandono de si mesma. A razão para isso era
abismos da sua natureza dormiram tranquilos até que psicologicamente uma: ela “não era igual a outras mulheres.” A
estivessem maduros; em poucas palavras, ela era uma mulher Natureza não apenas a excluiu da maternidade, a privou
completamente normal e genuína, e assim foi até que mais também de gostar de emoções e de ações resultantes de
tarde a própria Mary Stuart encontrasse sua profundidade, sua mulher apaixonada. Esta inferioridade orgânica secreta estava
força verdadeira, numa paixão de amor que foi a única paixão na raiz de toda a evolução estranha do seu temperamento. Não

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voluntariamente, como ela pretendia, mas pela força ela porque era anormal em seu corpo, apesar de seus nervos
permaneceu a “rainha virgem.” Mesmo através de alguns estarem sempre no limite, apesar das intrigas inescrupulosas,
testemunhos, como Ben Jonson, que chegaram a nós a respeito Elizabeth não foi cruel, desumana, fria ou dura. Alguém com
da sua psique malformada são abertas para questionamento, discernimento pode discernir nessa mulher, paralisada no seu
mas não há dúvidas que fruição apaixonada era para ela solitário trono, fontes escondidas de calor. Apesar de suas
impossível por obstáculos do corpo e mente. Obviamente tais relações com quase amantes serem um tormento para ela, pois
circunstâncias devem afetar profundamente o caráter de uma a nenhum deles ela poderia se dar por inteiro, nós podemos ver
mulher. Os cintilantes, as vacilações, os humores do seus por trás de caprichos e explosões do seu temperamento um
nervos, seu comportamento de cata-vento, o que desejo sincero de ser magnânima e bondosa. Ela detestava
frequentemente assumem o aspecto de histeria; sua falta de derramamento de sangue. A assinatura de um decreto de
balança e a incerteza de seus resultados; suas incessantes morte era a miséria para ela. Ela não tinha nenhum prazer nas
mudanças do frio para o quente, do sim para o não; nas mortes de guerra. Uma de suas mais amáveis vaidades era o
comédias que ela atuou com elegância e reserva, e (não menos desejo de ser lembrada como a mais nobre, mais gloriosa, e
importante) aquela preocupação em agradar através de sua humana dos monarcas e de surpreender seus adversários com
aparência que fez truques com sua dignidade estadista – todos uma inesperada clemência. Violência era estranha a sua
e cada um, esses fatores são muito difíceis de serem explicados disposição tímida. Ela amava as pequenas alfinetadas da arte da
exceto pelo resultado de um defeito físico. Ferida como era diplomacia, e agir irresponsavelmente atrás das cenas. Quando
pelo núcleo do seu ser, ela não poderia sentir, ou pensar, não ela teve que declarar guerra, ela hesitou e estremeceu.
poderia agir sem ambuiguidade ou naturalmente; ninguém Qualquer extenuante resolução a deixa sem dormir por noites,
poderia contar com ela, e nem mesmo ela poderia contar com e ela devotou suas melhores energias para manter a paz no seu
si mesma. Nada poderia ser mais errado, superficial, e lugar país. Se ela mostrou inimizade por Mary Stuart foi somente
comum do que a habitual visão (a qual Shiller coloca o peso de porque ela sentiu que a existência dela era uma ameaça à sua
sua autoridade) de que Elizabeth atuou no jogo de gato e rato vida e autoridade; ainda assim evitou conflitos abertos, sendo
com a gentil e indefesa Mary. Apesar de mutilada em espírito por natureza embusteira do que briguenta. As duas primas,

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Mary Stuart por indiferença e Elizabeth por timidez, teriam diretiva da história quando correu para o lado daqueles que
preferido a manutenção de uma paz espúria. Mas as estrelas tinham seus olhares fixos sobre o passado, quando ela fez
em seus rumos estavam alinhadas contra uma existência sem pactos políticos com aqueles cujo poder já haviam declinado do
problemas para esse par que caminhava lado a lado na terra. A apogeu de suas influências, quando ela se aliou a Espanha e ao
forte vontade da história é independente do desejo interior dos papado. Elizabeth olhava a frente; ela era perspicaz, enviando
indivíduos, frequentemente envolve pessoas e poder, os seus emissários a terras distantes, Rússia e Pérsia por exemplo,
despreza, em nome do seu próprio jogo assassino. encorajando seus súditos a explorar mares e continentes, o
mundo novo que estava se formando deveriam ser
Por trás dessas diferenças pessoais de caráter e
estabelecidos em outros continentes que não fosse a Europa.
disposições, como espectros enormes e ameaçadores lançando
Mary era perfeitamente feliz em permanecer fixa com o que
suas sombras sobre essas duas rainhas da Britânia, estava as
recebeu de herança, ela não conseguiria desmembrar sua
duas maiores forças opositoras da época. Mary Stuart era a
mente da concepção dinástica de soberania. Deus havia dado
campeã da fé da antiga Igreja Católica; Elizabeth se constituiu
poder e domínios aos potentados e eles deveriam reinar
como a defensora da Reforma. As duas rainhas simbolizavam o
supremos no ápice da hierarquia mundial. O que poderia à
antagonismo de duas eras, dois antagonismos da perspectiva
justiça terrestre fazer contra a ordem divina? Não havia espaço
do universo; Mary incorporava o que estava morrendo, a Idade
para críticas, para a resistência; os súditos do rei e seus
Média, os dias da cavalaria; Elizabeth sendo personificada pelos
territórios eram suas posses privadas. É um fato verdadeiro que
novos tempos, por aquilo que estava por vir. Assim, a dor de
Mary tentou transferir duas vezes sua herança real, uma para a
parto de uma nova reviravolta na história veio a ser sofrida na
França e uma segunda vez para a Espanha. Ela considerava que
luta que se seguiu entre as duas primas.
o território da Escócia e Ilhas pertenciam a ela como
O que transmitiu a Mary muito romance e uma vida governante, porém ela falhou em reconhecer que tal relação
pitoresca foi que ela se manteve e sentiu com o passado, foi a era mútua – que a soberania pertence ao país sobre que os
última paladina destemida de uma causa que já repousava e governa. Durante todos os anos de seu reinado, Mary Stuart
morria agonizante. Ela estava apenas obedecendo à vontade não foi mais que Rainha da Escócia, nunca agiu em benefício

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dos escoceses. A partir das centenas de cartas escritas pela sua contra seus próprios caprichos e inseguranças. Tão esplendida
pena nós aprendemos que o único desejo dela era a a organização que ela criou em volta de si que até hoje é quase
consolidação e extensão dos seus direitos pessoais, ela nunca impossível desmembrar o que são as suas pessoais conquistas
teve desejos para o povo em seu coração, ou visava algum da coletividade de estadistas que serviram durante a “Era
aprimoramento comercial, na navegação ou até mesmo nas Elizabeth”; além disso a notoriedade incomensurável da
forças armadas para o reino. Assim como, quando ela escrevia auréola que envolve seu renome inclui as vidas que a ajudaram.
um poema ou entrava em alguma discussão interessante, o Mary Stuart foi Mary Stuart e nada mais; Elizabeth era Elizabeth
fazia invariavelmente em língua estrangeira, o francês cortês mais Cecil, mais Leicester, mais Walsingham, mais a força
que havia sido ensinada na infância e juventude, assim como enérgica de todos os seus súditos. É difícil distinguir o quão foi
seus pensamentos e sentimentos nunca se vestiram de Escócia, a sua responsabilidade pessoal pela ascensão da nação inglesa,
a fraseologia nacional. Ela não viveu, e por último, não morreu e o quanto foi responsabilidade da própria nação trabalhar seu
pela Escócia; todos os seus pensamentos estavam caminho para tão vasta predominância, levando a Rainha
concentrados em se manter como a Rainha da Escócia. Mary Virgem no alto de seus ombros firmes. Inglaterra e Elizabeth
Stuart nunca ofereceu nada criativo a sua terra natal, a não ser formaram uma unidade completa. Elizabeth formou o exemplo
a saga da sua vida. de monarca dos seus dias, e subsequentemente da época, o
qual ela nunca arrogou a si própria a posição de governante da
O sentimento forte de estar acima de todos e de tudo
Inglaterra, mas assumiu uma posição mais modesta na função
criou necessariamente solidão em volta de Mary. Apesar de ela
de administradora, de executora da vontade da população, de
exceder e muito em determinação e coragem que Elizabeth, sua
servir a missão nacional; ela entendeu a tendência da época
prima ganhava diariamente força na luta por causa da sua sábia
que estava emergindo de regimes autocráticos para o regime
visão e maior perspicácia disciplinada. A rainha inglesa se
constitucional. Honestamente e voluntariamente, ela
cercou de personalidades quietas e de pensamentos claros, um
reconheceu as novas forças que estavam a trabalho
tipo de equipe geral capaz de aconselhar, de quem ela
transformando os estados reais, alargando as fronteiras do
aprendeu as artes das táticas e estratégias, e assim proteger a
mundo por descobertas longínquas; ela sabia como encorajar
si de si mesma, onde as grandes decisões eram necessárias,

79
as corporações, mercadores, financistas, e até mesmo os Foi natural, assim sendo, que a benesse da guerra caísse
corsários e piratas, num esforça extra humano em nome da na mulher que estava à frente do seu tempo, que possuía o
Inglaterra, para que assim a Inglaterra pudesse se tornar a talento de ver ao longe, enquanto Mary Stuart, a rainha que
Rainha dos Mares. Repetidas vezes ela renunciou seus desejos ainda acreditava nos dias moribundos da cavalaria e romance,
pessoais (o que Mary Stuart nunca poderia fazer) em fora deixada ao abandono. Na pessoa de Elizabeth a vontade da
detrimento de servir aos desejos gerais da nação a qual foi história encontrou sua expressão, pois a vontade da história
chamada para governar. está sempre forçando para a frente, deixando as conchas vazias
das formas sem vida para trás, buscando força renovada em
Para se salvar de um naufrágio espiritual Elizabeth teve
outras atividades criativas. Toda a energia da nação foi
que encontrar uma saída em criativa empreitada. Porque como
incorporada na pessoa de Elizabeth, pois a nação atrás da
mulher ela era frustrada, ela sublimou sua inferioridade
Rainha desejava se tornar a conquistadora do globo. Com Mary
feminina na felicidade e bem-estar de seu povo. Seu egoísmo,
Stuart o passado que morria a cavalaria, a magnificência, a
seu apaixonado desejo por poder, a realização de que nunca
morte heroica. Assim as duas mulheres foram vitoriosas em
poderia se tornar mãe ou a face amada de um homem, foram
seus campos de escolha: Elizabeth, a realista, conquistou o
transfiguradas em nacional ambição, a aspiração de ver seu país
reino da história; e Mary, a romancista, conquistou o reino da
grandioso. A falta de um triunfo pessoal poderia ser
poesia e lenda.
compensada pela vitória da Inglaterra. A mais sublime de suas
vaidades era se fazer grande ante os olhos da posterioridade A escolha das duas foi certamente majestosa no espaço
através da grandiosidade da Inglaterra, nas quais ela viveria e tempo; infelizmente a maneira pela qual a tragédia foi travada
postumamente. Onde Mary trocaria feliz seu trono por outro até o final foi mesquinha e medíocre. Apesar dos seus traços
melhor, Elizabeth não tinha nenhuma aspiração em trocar a superlativos essas duas mulheres permaneceram
coroa inglesa. Mary Stuart queria ser resplandecente aqui e completamente mulheres, e foram incapazes de antever a
agora; Elizabeth, a parcimoniosa, a perspicaz, devotou seus fraqueza inerente do seu sexo. Assim, ao invés de lidar
melhores poderes ao futuro da sua nação. honestamente uma com a outra, elas entraram em intrigas
insignificantes, e pelas suas faltas de franquezas fomentaram a

80
inimizade. Se, ao invés de Mary e Elizabeth, fossem dois reis repugnante porque era sempre malícia contra malícia e nunca
enfrentando as mesmas circunstâncias, eles teriam chego a coragem contra coragem.
uma decisão firme, declarado guerra, rebatido ameaça obscura
Essa trapaça mútua começou com as negociações pelo
com outra, armado coragem contra coragem. A luta entre
segundo casamento de Mary. Os pretendentes reais
Elizabeth e Mary, entretanto, nunca se tornou uma questão
apareceram em cena, e um tanto como outros eram bons para
robusta e clara; era “malcriada”, cada mentira a espera por
Mary, pois a mulher que tinha em si estava ainda adormecida e
outra garra disfarçada mas pronta para o uso; foi um jogo
ela não era fastidiosa. Don Carlos, um rapaz de quinze anos,
totalmente desleal e desonesto.
seria o suficiente bom, porém os rumores o descreviam como
Por um quarto de século essas mulheres mentiram uma amaldiçoado. Nada mais impróprio com Charles IX da França,
para a outra, traíram uma a outra, sem por um momento outro menor. Jovem ou velho, atraente ou repulsivo, suas
sequer nenhuma das duas ser efetivamente desonesta. Elas não personalidades não estavam no momento de prover a ela um
tinham nenhuma ilusão entre si. As correspondências, a cada casamento que obviamente a daria um padrão mais alto do que
“querida irmã” cada parte assegurava inviolável afeição, faziam o da sua prima Tudor. Estando assim desapaixonada, Mary se
o desfiladeiro subir em hipocrisia. Enquanto as duas soberanas contentou em deixar as barganhas para James Stuart, quem
sorriam graciosamente uma para a outra e trocavam provou ser um intermediário egoísta zeloso, pois se sua meia-
congratulações, cada uma estava afiando secretamente suas irmã se casasse, e então despachada para Paris, Viena ou Madri,
facas para cortar a outra. Elas nunca se olharam nos olhos com ele seria separado dela, e mais uma vez se tornaria um rei sem
candura, nunca se engajaram com ousadia numa luta aberta. A a coroa da Escócia.
estória do duelo entre Elizabeth Tudor e Mary Stuart não
Elizabeth, entretanto, sendo bem servida pelos seus
contém palavras sobre combates Homéricos ou situações
espiões através das fronteiras, foi prontamente informada a
gloriosas. Parece que estamos lendo um capítulo de Maquiavel,
respeito desses pretendentes, rapidamente interpôs um veto.
um relato de manobras e contra manobras inteligentes e até
Ela escreveu em termos simples ao embaixador de Edinburgh
deslumbrantes, psicologicamente excitante, mas moralmente
para efeito que, se Mary aceitasse um marido de sangue real da

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Áustria, França ou Espanha, ela (Elizabeth) consideraria um ato precipitação e uma ação obstinada. Ela estava honestamente
de inimizade. Ainda assim o mesmo mensageiro levou as mais desejando seguir o aviso de sua prima querida. Elizabeth
afetuosas cartas com “querida prima”, quem deve confiar em precisou apenas dizer quais pretendentes eram considerados
Elizabeth sozinha, “não importa quantas montanhas de “permitidos”. Essa flexibilidade foi quase tocante, mas no meio
felicidade e esplendor terrestres outros possam prometer a da declaração de confidente Mary intercalou uma tímida
você.” Claro que Elizabeth não tinha a menor objeção a um interrogação de como Elizabeth se proporia a compensá-la por
príncipe Protestante, o Rei da Dinamarca ou o Duque de ser tão dócil. “Bom e bem,” ela escreveu (substancialmente),
Ferrara. Na singela Inglaterra, ela não tinha objeções a um “eu poderei ser guiada pelos seus desejos, e ser cautelosa não
pretendente de menor valor e assim não perigoso. A melhor me casando com nenhum homem de posição tão alta quanto a
coisa para Mary seria ela “olhar para a casa”, casar-se com minha, querida amada irmã, que fará sombra a sua. Mas, em
algum membro da aristocracia da Escócia ou Inglaterra; nesse troca, por favor seja boa em me dizer como as coisas estão a
caso ela poderia contar com a amizade de Elizabeth, ter a respeito do meu direito a sucessão a coroa inglesa!”
certeza da sua ajuda.
Com isso o conflito havia voltado ao velho ponto morto.
Elizabeth obviamente estava bancando a tola. O que a Tão logo Elizabeth foi questionada a dizer a singela palavra
relutante “Rainha Virgem” queria era estragar as chances de sobre a sucessão, nenhum deus seria grande o suficiente para
sua rival de encontrar um bom par. Mary retornou à bola não espremer a palavra singela dela. Ela recorreu à circunlocução.
sem menos habilidade. Claro que ela não admitiu nem por um “Sendo completamente devota aos interesses” da “querida
instante a soberania de Elizabeth, o direito de Elizabeth a vetar irmã,” ela trabalharia por Mary como pela sua filha. As palavras
a questão do casamento. Mas, antes, usando muitos termos melífluas corriam página atrás de página; mas o, claro,
singelos, ela quis garantir um noivado de sua própria escolha, e enunciado decisivo desejado não estava próximo. Igual aos
Don Carlos, o candidato líder ainda se pendurava ao vento. Para mercadores Levantines, cada uma esperava a outra fazer o
ganhar tempo, Mary fingiu sinceros agradecimentos pelo movimento; nenhuma das duas queria ser a primeira a abrir a
interesse de Elizabeth. “Não por todos os tios do mundo” ela mão. “Case-se com o pretendente que proponho a você”
arriscaria perder o valor da amizade da Rainha da Inglaterra por Elizabeth disse “E então eu aponto quem é o meu sucessor”

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“Aponte quem é o seu sucessor, e eu me casarei com quem lhe ambiguamente havia declarado a sua determinação de oferecer
agradar,” responde Mary. Mas como cada uma queria exagerar a sua prima alguém que ninguém poderia esperar. A corte
seus desejos contra a outra, nenhuma confiaria na outra. escocesa, entretanto, disse que essas dicas obscuras eram
incompreensíveis, e pressionou por uma proposta positiva, um
As negociações a respeito do casamento, pretendentes,
nome específico. Com suas costas contra a parede, Elizabeth,
e o direito à sucessão se arrastaram por dois anos.
não poderia mais esvair da questão por alusões ininteligíveis.
Estranhamente, essas duas mulheres, quem as duas estavam,
Através dos dentes cerrados ela permitiu que se escapasse o
por assim dizer, trapaceando nas cartas, inconscientemente
nome – Robert Dudley.
jogaram uma na mão da outra. O supremo propósito de
Elizabeth era coibir o casamento de Mary; e Mary, infelizmente, Agora a comédia diplomática parecia ter se degenerado
estava principalmente barganhando seu casamento com o mais para a farsa. A proposta de Elizabeth deve ser considerada
lento monarca dos seus dias, Philip II Cunctator, não até que como uma afronta monstruosa ou um blefe estupendo. De
parece ter havido um contratempo insuperável nas sanções acordo com as noções daqueles dias, era quase um ultraje pedir
com a Espanha, e uma entre outras possibilidades conjugais a Rainha da Escócia, que foi também Rainha-Viúva da França,
teve que ser seriamente considerada, Mary julgou que era a para que se casasse com um súdito de uma rainha irmã, um
hora de colocar um ponto final na sua política de procrastinação homem sem uma gota de sangue real em suas veias. Ainda mais
e de colocar uma pistola na cabeça de sua prima. Ela sem absurdo foi a personalidade escolhida como pretendente, era a
rodeios pergunta a Elizabeth qual membro da aristocracia conversa comum através da Europa que por anos Robert
inglesa esta tem em mente para ser seu marido. Dudley foi tão próximo de um amante da Elizabeth quanto era
possível ser psicologicamente, assim agora a Rainha da
Elizabeth nunca gostou de perguntas claras que exigem
Inglaterra estava sugerindo como consorte à Rainha da Escócia
respostas claras, e tal procedimento era particularmente
um homem equivalente aos artigos de peças de roupas
desagradável nessa solicitação. Ela tinha estado por muito
excluídos que Elizabeth já não usa mais. Mais cedo, sem dúvida,
tempo mantendo o conselho dentro de si sobre qual entre os
nos dias de paixão lívida por ele, ela teve pensamentos de se
seus nobres seria mais adequado para Mary, e ela
casar com Dudley. Ela se entrelaçou por laços extremamente

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íntimos, metade amizade metade amor, por ele quem havia sugestão absurda foi feita apenas na firme convicção da recusa
sido sua companhia nos dias fatídicos de sua juventude na de Mary, e assim, ela poderia se colocar em erro? Todas essas
Torre. Ano após ano ela brincou com a ideia (era sua maneira possibilidades são convincentes, e parece ainda mais provável
de ideia); mas quando a esposa de Dudley morre por um que essa mulher caprichosa não sabia o que ela mesma queria.
acidente em circunstâncias altamente suspeitas, Elizabeth É provável também que ela estava brincando com a ideia, assim
rapidamente se retirou de cena para escapar da inculpação do como ela amava brincar com pessoas e resoluções. Fútil discutir
caso. Dessa forma primeiro Dudley foi comprometido pela possibilidades, ou interrogar, nesse momento, o que teria
inexplicável estranheza da morte da mulher, e segundo pelo acontecido se Mary tivesse considerado seriamente em aceitar
notório relacionamento erótico com Elizabeth, a qual estava o amante descartado de Elizabeth. Talvez, nesse caso, Elizabeth
propondo como marido a Mary esse amante despedido, isso tomasse uma curva acentuada, proibindo que Dudley se
foi, talvez, o ato mais espetacular entre todos os atos casasse com Mary, e assim amontoar sobre a rival a vergonha
espetaculares da Rainha inglesa durante todo o seu longo de uma rejeição seguida da vergonha de tal proposta.
reinado.
Para Mary a ideia de se casar com qualquer um que não
Não é como que se nós tivéssemos que saber cada tivesse sangue real parecia quase uma blasfêmia. Na primeira
pensamento da mente de Elizabeth quando ela trouxe a frente descarga de raiva ela com desdém pergunta ao embaixador
esse perplexo esquema. Quem pode entender os sonhos- inglês se a sua soberana estava sendo sincera quando ela
desejos de uma mulher com temperamento histérico, ou colocou “Lorde Robert” como pretendente. Rapidamente,
formulá-los em termos lógicos? Ela ainda estava sinceramente entretanto, ela maquiou sua indignação e assumiu um aspecto
apaixonada por Dudley, ela queria (como ela não se atrevesse amigável, pois seria inconveniente ofender uma perigosa
a casar-se com ele) conceder a ele o mais precioso entre os adversária por uma contundente recusa. Se ela conseguisse
possíveis presentes, a sucessão do seu reino? Ou ela desejava assegurar o herdeiro da Espanha ou França seria vingança
que impingindo um confidente na sua ambiciosa rival ela suficiente ao insulto de Elizabeth. Em Edinburgh, entretanto,
pudesse controlar melhor as suas ações? Ela estava Dudley não foi rejeitado como pretendente. Mary entrou no
simplesmente colocando a fidelidade de Dudley em teste? Ou a espírito da farsa, suplicando por um admirável segundo ato. Sir

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James Melville foi então enviado a Londres, ostensivamente cerca de três mil vestidos) ela selecionou os mais caros vestidos,
para negociar o casamente de Leicester, mas realmente ele ornando-se ora com ingleses, franceses, e os italianos a moda
poderia envolver as questões complicadas em um emaranhado da época; algumas dessas peças tinham um corte tão profundo
de mentiras e deturpações. no colo que causavam um efeito extremamente liberal a
mostra; ao mesmo tempo ela se exibia alternadamente em
Melville, o mais leal e confiável dos mensageiros de
Latim, Francês, e em seu Italiano, deleitando-se com o cortês
Mary, era um habilidoso diplomata. Ele também manejou com
embaixador. Ainda assim, nenhum dos superlativos dele se
facilidade e excelente descrição a sua pena, o que a posteridade
satisfizeram com o conceito dela. Não foi o suficiente para
lhe deve agradecimentos. Por conta de sua visita a Londres e o
Melville garantir a ela o quanto era linda, inteligente, bem
que ele escreveu a respeito nos mostra o retrato mais vívido
informada. No espírito da questão “espelho, espelho meu
que temos da personalidade de Elizabeth, e ao mesmo tempo é
quem é mais amada do que eu?” ela estava ansiosa para ouvir
extraordinariamente uma divertida comédia histórica.
de Melville que ele a achava mais admirável que sua própria
Elizabeth sabia bem que Sir James, um homem altamente
soberana, mais linda, mais capaz, mais culta até do que Mary
educado, havia vivido por anos nas cortes francesas e
Stuart. Indicando seus ricos e naturalmente encaracolados
germânicas, e assim ela se armou de grande abastecimento
cabelos vermelho – ouro, ela perguntou se as madeixas de Mary
para fazer uma boa impressão sobre ele, nunca suspeitando
eram tão esplendias – uma pergunta espinhosa para colocar
que a memória infalível dele garantia que ele fosse capaz de
inveja na Rainha! Sir James foi igual a ocasião, declarando com
gravar as suas fraquezas e jogos de aparências. No caso de
a sabedoria de Solon que Elizabeth “era a mais bela Rainha na
Elizabeth Tudor, a vaidade feminina frequentemente jogava o
Inglaterra” e Mary “era a mais bela na Escócia.” Mas tal frase
caos com a sua dignidade real. Então quando a Rainha da
foi muito hesitante para a gravidade da sua insensata vaidade.
Inglaterra, ao invés de tentar produzir um efeito político sobre
De novo e de novo ela desfilou seu charme tocando virginal e
o embaixador da Rainha dos Escoceses, estava mais
cantando alaúdes. Até o final Melville, a quem o negócio era
preocupada em mostrar sua presunção e graça em frente ao
levar sua anfitriã pelo nariz nas questões políticas, pensou em
homem. Ela desfilou um vestido após o outro. A partir do seu
admitir “que a Rainha da Inglaterra era mais branca”, que ele
extenso guarda-roupa (depois de sua morte foi encontrado

85
“deu a ela o elogio como a melhor executora de alaúdes e observou que Melville “parece estar colocando em baixa conta
virginals,” e que “minha Rainha não dança tão alto e disposta” meu Lorde Robert.... mas longe disso, ela o faria Earl de
como a Elizabeth dançava. Leicester e Barão de Denbigh,” e que Melville “o veria feito
antes do seu retorno a casa; pois ela estimava Lorde Robert
Em meio a esse pavoneio, Elizabeth havia se esquecido
como a um irmão e seu melhor amigo, o qual ela mesma se
do assunto em mãos. Quando, ao final, Melville abordou o
casaria se ela tivesse um marido em mente; mas estando
tópico espinhoso, a Rainha, agora uma comediante completa,
determinada a terminar seus dias na virgindade, ela desejava
pegou a miniatura de Mary em desenho e beijou
que a Rainha, sua irmã, casasse-se com ele, como o melhor de
afetuosamente. Com a voz embargada por choro, ela assegurou
todos, e com quem ela preferiria encontrá-lo em seu coração
a ele o quanto ela desejava se tornar pessoalmente
para declará-la a próxima na sucessão de seu reino do que
familiarizada com Mary, sua amada irmã (na verdade ela fez
qualquer outra pessoa; pois, ele sendo um parceiro, ela então
tudo o que estava em seu poder para impedir tal encontro); e
não teria medo de nenhum atentado de usurpação durante sua
qualquer um que varresse os pés dele por essa atriz tão ousada
própria vida.”
não falharia em acreditar que tudo o que Elizabeth queria na
terra era fazer sua vizinha escocesa feliz. Porém Melville tinha Efetivamente, alguns dias depois (terceiro ato da farsa) a
a cabeça fria e visão clara; ele não foi tomado pelas definhadas promoção de Dudley então anunciada tomou lugar com grande
e prevaricação, pois em seu retorno a Edinburgh ele reportou: pompa e cerimônia. Lorde Robert, embaixo dos olhos de toda a
“Não havia nem negociação clara nem significado vertical, mas corte, ajoelhou-se em frente à sua soberana e amiga-dama,
grande dissimulação, emulação, e medo.” Quando Elizabeth o para ser criado Earl de Leicester. Mais uma vez, entretanto, os
perguntou à queima-roupa o que Mary havia achado da sentimentos de Elizabeth correram com ela, e a mulher dentro
proposta de Dudley, o treinado diplomata foi igualmente de si jogou a rainha para a brincadeira, pois, diz Melville,
cuidadoso ao evitar um decisivo Não ou um irrevogável Sim. Ele enquanto ela estava “ela mesma ajudando a colocar os
com rodeios a respeito do objeto, dizendo que Mary ainda não cerimoniais nele ..... ela não pôde se abster de colocar suas
havia dado atenção total a possibilidade. Porém quanto mais mãos no seu pescoço para fazer cócegas, sorrindo, o
evasivo era o emissário, mais insistente se tornava a Rainha que embaixador da França e eu estávamos de pé atrás dela.” Que

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divertido detalhe para relatar quando ele retornou para sua descendência pois ele era um estoque Tudor. Como neto de
embaixada! Henry VII, ele era o primeiro “príncipe de sangue” na corte
inglesa, e assim um pretendente de posição podendo se tornar
Melville não tinha ido a Londres em ordem de se divertir
consorte de qualquer rainha da Cristandade. Como marido
como cronista da comédia da realeza; ele atuou em um papel
possível a Mary, ele tinha adicional vantagem por ser Católico
independente. Seu portfólio diplomático tinha um
Romano. Inquestionavelmente Darnley poderia ser
compartimento secreto cujo conteúdo ele não estava de forma
considerado o terceiro, quarto ou quinto ferro no fogo, e
alguma inclinado a revelar, e a sua tagarelice civil com a Sua
Melville teve diversas conversas sem compromisso com a
Majestade sobre Earl de Leicester era apenas a intenção de
Condessa Margaret de Lennox, quem era uma mulher
camuflar os verdadeiros objetos de sua jornada ao sul. O mais
extremamente ambiciosa.
importante era convencer o embaixador da Espanha que a
Rainha Mary dos Escoceses não esperaria muito mais tempo Agora é um atributo genuíno de comédia que, embora
por uma decisão na questão do pretendente Don Carlos. Havia todos os participantes devam ser melhores que outros, eles não
ou não havia uma proposta de casamente com o herdeiro do devem se enganar completamente, pois hora ou outra cada um
Rei Philip? Depois, Melville era, com a devida discrição, para terá um momento de vislumbre das cartas dos outros
entrar em contato com um candidato de segunda classe, com jogadores. Elizabeth sendo nenhuma tola, nunca imaginou que
Henry Darnley. Melville viria a Londres somente em ordem de a cumprimentar
a respeito de seus cabelos e seu tocar no virginal. Ela sabia que
Esse rapaz ficou, por um momento, na linha de escolha.
a pretensão de seu próprio amante descartado não era
Mary queria o segurar na reserva para o caso de suas chances
provável de ser aceito por Mary, e ela também estava
de um casamento melhor serem frustradas. Pois Darnley, não
familiarizada com os projetos ambiciosos de sua querida prima.
era rei ou príncipe, enquanto seu pai, o Earl de Lennox, havia
Sem dúvida, como sempre, havia espiões a trabalho. Durante a
sido banido da Escócia como um inimigo dos Stuarts, e os bens
cerimônia em Westminster, quando Robert Dudley foi investido
da família haviam sido sequestrados. Pelo lado materno,
de Earl de Leicester, Elizabeth questionou Melville sobre o que
entretanto, esse jovem de dezoito anos era de alta
ele achava da nova criação earl. Melville respondeu: “Como um

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súdito digno, ele pode ser feliz com uma princesa que o Estranhamente o intermediário em garantir essas permissões
recompensar com mérito.” Em suas Memoirs, Melville foi ninguém menos que Earl de Leicester, quem tinha seu
continua: “‘Ainda assim’, ela disse, ‘vós gostais mais do outro próprio fim a servir, desejando escapar do casamento que sua
longo rapaz,’ apontando para o meu Lorde Darnley quem, o amiga real havia arranjado para ele. Agora o quarto ato da farsa
mais próximo do sangue de príncipe, levou a espada de honra a poderia continuar alegremente na Escócia, onde, entretanto, a
frente dela nesse dia.” Melville não perdeu a calma a esta chance tomou a mão da liderança como esporte. Os fios do
repentina invasão no compartimento secreto do seu portfólio. emaranhado foram abruptamente rompidos, e a comédia dos
Ele poderia ter manchado sua reputação como diplomata se ele pretendentes terminou num estilo memorável, o qual nenhum
não soubesse, nessa ocasião, mentir como um soldado. dos envolvidos havia esperado.
Enrugando suas sobrancelhas, e olhando de relance com
Para a política, um poder artificial e mortal, foi
desprezo para o homem que no dia anterior ele estava
ultrapassada nesse dia de janeiro de 1565 por uma força eterna
barganhando como possível marido de Mary, ele retrucou que
e elementar. O pretendente que tinha vindo galantear a rainha
“nenhuma mulher de espírito escolheria tal rapaz que era mais
para a sua surpresa encontrou, em Mary Stuart – uma mulher.
parecido com mulher do que homem, apesar de amável, não
Após anos de paciente espera, ela havia se tornado consciente
tem barba e tem rosto de mulher.” Sir James adiciona: “Eu não
dela mesma. Até agora ela havia sido nada além de uma filha
quero que ela pense que eu gosto dele, ou tenho qualquer olhar
do rei, a mulher do rei, rainha, rainha viúva; um esporte da
nesse sentido.”
vontade alheia, uma peça dos jogos diplomáticos. Com o
Elizabeth fora enganada por esse fingimento? A tempo, a paixão surgiu de seu interior. A ambição foi
habilidade de Melville conseguiu colocar a suspeitas dela para descartada como uma vestimenta comprimida. A mulher
descansar em paz? Ou ela estava, completamente, entretanto, desperta se viu confrontada por um homem. Com isso a história
fazendo jogo duplo que até os dias de hoje permanece de sua vida interior é aberta.
impenetrável? Entretanto isto parece um acontecimento
improvável. Primeiro Earl de Lennox recebeu a concessão de ir
a Escócia, e depois, em janeiro de 1565 seu filho também.

88
CAPÍTULO SETE O sujeito de sua primeira paixão, estranho o suficiente,
foi nenhum outro que aquele homem escolhido como
pretendente por razões políticas; ninguém menos que Darnley,
Paixão Decide o qual sua mãe o enviou para a Escócia nesse janeiro de 1565.
( 1565 ) Mary já tinha sido familiarizada com o jovem rapaz. Quatro
anos antes, quando ele tinha quinze anos, ele havia ido a França
levar condolências de sua mãe à viúva de Francis II. Naquela
época, entretanto, Mary estava de luto; e em nenhum caso ela
consideraria esse desajeitado adolescente como possível
Agora o inesperado acontece, e ainda assim, esse pretendente. Desde então, Darnley cresceu e se transformou
inesperado foi uma das coisas mais comuns da terra – uma em um alto e vigoroso rapaz. Ele era (Melville nos contou)
jovem mulher se apaixona por um jovem rapaz. No longo prazo cabeludo, sem barba, com um rosto bonito, feminino, com dois
a Natureza não pode ser reprimida. Mary uma mulher de olhos grandes, fortes mirando com incerteza para o mundo a
sangue quente e sentimentos saudáveis, estava nesse frente. “Il n’est possible de voir un plus beau prince16” foi a
momento do seu destino com vinte e três anos, a idade mais descrição dele dada pelo embaixador francês Mauvissière; e a
apropriada para uma ardente paixão. Agora ela era uma viúva própria rainha fala dele como “o mais bonito e bem
por quatro anos, em completa abstinência, pois sua conduta proporcionado homem” que ela havia visto. Propensão para a
nas questões sexuais foi irretocável. O tempo chegou quando o ilusão era parte do voraz e impaciente temperamento de Mary
sentimento encontrou seu caminho com ela, e a mulher dentro Stuart. Como todos que têm inclinação romântica, ela tinha
da rainha exigiu seu mais sagrado direito, o direito de amar e pouco conhecimento do mundo ou dos homens. Sonhadores
ser amada. como ela raramente veem coisas pela sua verdadeira luz;
entusiasmo fácil que os faz discernir, em vez disso, o que eles
querem discernir. A sobriedade é estranha a tais intocáveis,
16
Não é possível ver príncipe mais bonito. (N.T.)

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quem vacila entre extremos do deleite e desapontamentos; e rainha e na iniciada Contra-Reforma. Dia após dia Darnley e
ao acordar de uma ilusão, só o fazem por serem vítimas de uma Rizzio jogavam tênis juntos; a noite dormiam na mesma cama.
nova – pois a ilusão, não a realidade, é o seu mundo real! Assim Mas enquanto Darnley mantinha contato próximo com o
passou a Mary, em sua rápida ardente paixão pelo alto jovem partido Católico, ao mesmo tempo ele se mantinha muito bem
Darnley de conversa suave, perceber que sob a superfície com os Protestantes. Aos domingos acompanhava James Stuart
graciosa não havia profundidade, não havia força moral nesse à Congregação onde ouvia com muito bem simulada atenção
homem de músculos poderosos, não havia cultura intelectual aos sermões de John Knox. Para evitar suspeitas, ele
de suporte à sua maneira cortes. Não afetada pelo ambiente geralmente almoçava com o embaixador inglês tendo o cuidado
puritano, ela podia ver nada além de o jovem príncipe montar de dizer coisas boas a respeito da Rainha Elizabeth. Durante a
muito bem os cavalos, dançar graciosamente, apreciador de noite dançava em turnos com as cinco Marys. Em uma palavra,
música e conversas alegres, e ele podia, na ocasião, escrever sua obediência as instruções de sua mãe para compensar sua
belos versos. Tais conquistas artísticas sempre causaram forte falta de inteligência, ele passou muito bem pela corte escocesa,
impressão a ela. Ela estava feliz em encontrar em Darnley um pelo simples fato de ele ter uma personalidade insignificante,
companheiro agradável para os salões de bailes, nas caçadas, e sendo fácil manter-se longe de suspeitas.
em outros divertimentos. Sua chegada foi um refresco, pois
De repente, entretanto, uma faísca acendeu no coração
trouxe o aroma de juventude a essa corte tediosa. Outros ao
da rainha. Mary Stuart, quem tinha famosos reis e príncipes
lado da rainha passaram a gostar de Danrley, quem, agindo com
como pretendentes, ela própria começa a preterir esse tolo
o conselho perspicaz de sua mãe, comportava-se
rapaz de dezenove. A paixão inflamou dentro dela, como é
modestamente. Logo ele se tornou um hóspede bem-vindo em
capaz de fazer naqueles que não desperdiçaram
Edinburgh, “bem quisto pela sua personagem” como Randolph,
prematuramente seus sentimentos em pequenas aventuras
espião de Elizabeth, reporta em carta. Ele atua em seu papel de
amorosas. Para Mary, Darnley era seu primeiro objeto de
galanteador com habilidade, cortejando com delicadeza, não
grande paixão. Seu casamento infantil com Francis II teve o
apenas Mary Stuart, mas todos e tudo. Ele começou uma
efeito de nada além de casar-se com um jovem amigo de
amizade próxima com David Rizzio, novo secretário privado da
brincadeiras. Desde a morte de Francis, a mulher dentro dela

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permanecia em suspenso. Agora ela entrou em contato com um esqueceu a rainha; considerações políticas não pesaram sobre
homem por quem sua afetuosidade poderia ser descarregada ela nem por um momento. O que importava a Inglaterra, França
como uma torrente. Sem reflexão, com a intoxicante felicidade ou Espanha, o que importava o futuro, em comparação ao
do auto esquecimento, ela se entregou a pressa do sentimento, arrebatador presente? Ela não mais iria brincar com a bagatela
na crença de que Darnley era tudo o que ela poderia sonhar, proposta por Elizabeth de ter Leicester como marido, ou
que seria o único amor de sua vida. esperar por um pretendente preguiçoso vindo de Madri,
mesmo que esse lhe trouxesse uma coroa de dois mundos.
Esperar razoabilidade de uma jovem mulher apaixonada
Aqui, pronto na sua mão, era a visão brilhante, gentil, juventude
é olhar para o sol à meia-noite. É a essência do amor-paixão ser
voluptuosa, com seus lábios cheios e vermelhos, olhos de
irracional e não analisável. Sempre é fora do alcance do cálculo
criança, suas atenções crescentes! Uma aliança rápida, que ela
matemático. Sem dúvida, Mary Stuart escolheu Darnley por um
se entregaria a ele sem restrições, tal era o impulso
conflito brusco com sua excelência geral de entendimento. O
inquestionável dos seus sentidos despertos por felicidade. No
jovem era bruto, vaidoso, com nada a elogiar além da boa
começo, entretanto, ela confiou suas intenções a apenas uma
aparência. Como incontáveis homens que se apaixonaram por
pessoa na corte, David Rizzio, quem deu o seu máximo, como
mulheres de inteligência excepcional, o único mérito de
um contrabandista habilidoso, para guiar o navio dos amantes
Danrley, sua única magia, foi que por acaso ele foi o homem
para passar por todas as pedras e entrar no porto de Cythera.
quem, na hora decisiva, apresentou-se a uma jovem mulher a
Homem de confiança do Papa, Rizzio acreditava que o
quem a vontade de amar estava há muito reprimida.
casamento de Mary com o Católico Darnley garantiria o
Muito, muito tempo, foi a pausa antes de uma paixão estabelecimento novamente da velha Igreja na Escócia. O seu
sensual dessa orgulhosa filha dos Stuarts ter sido despertada. zelo para a união era o resultado, e não a felicidade de Mary ou
Agora, depois desse tempo de espera, e ela era impaciente, foi Henry, o esquema político de campeão da Contra-Reforma.
contraindo-se com ânsia. Quando Mary Stuart deseja alguma Antes de James Stuart ou Maitland de Lethington, os
coisa, ela não era inclinada a esperar e considerar; tão logo fazia governantes efetivos da Escócia, o jovem italiano escreveu ao
sua cabeça, seus impulsos exigiam que ela agisse. A mulher Papa para a dispensa dos requisitos do casamento, já que Henry

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Stuart, Lorde Darnley, era primo de Mary. Prevendo cada testemunhos) algum tipo de compromisso deve ter existido.
possível obstáculo, Rizzio também escreve a Phillip II Por que, de outra forma, o escudeiro de confiança teria
perguntando se Mary poderia contar com a ajuda do Rei da exclamado: “Laudato sia Dio!” Por que ele teria declarado que
Espanha caso Elizabeth criasse problemas com relação ao ninguém mais poderia agora “disturbare le nozze”? Muito antes
casamento. Dia e noite esse agente confidente trabalhou duro, que qualquer um na corte, exceto por Rizzio, levar a sério
pois Rizzio acreditava que a ascensão das duas estrelas o Darnley como pretendente, o primo de Mary havia se tornado
promoveria a corte do paraíso com o triunfo da Igreja Católica. o lorde da sua vida e talvez também do seu corpo.
Mas por tudo isso ele dirigiu suas minas tão atarefadamente,
Esse “matrimonio segreto” permanece secreto no tempo
ele trabalhou muito devagar e com muita precaução para a
porque o par principal envolvido e, também, Rizzio e o padre
impaciência de Mary. Ela não esperaria semanas e semanas
souberam como segurar suas línguas. Ainda assim, as maneiras
enquanto as cartas tomavam seu entediante curso ao longo dos
de amantes os traíram, assim como o calor do fogo escondido
mares e terras. Não haveria nenhum impedimento nas
pode ser sentido. Não foi muito antes que a corte começou a
negociações pela dispensa do Sagrado Pai. Por que ela
assistir de perto Mary e Darnley. Nessa conjuntura o pobre
esperaria por um pedaço de pergaminho antes de ter seus
jovem ficou doente de catapora – uma dolorosa doença infantil
desejos satisfeitos? Como se para cortar a possibilidade de
para um quarto de noivos. A ansiosa Mary assistiu dia após dia
recuar (teria ela indício de que sua paixão seria instável?) ela
ao seu lado e, quando, ele estava convalescente continuou a
queria se entregar por inteira ao seu amor sem atrasos. Sempre
passar seu tempo com ele. O primeiro entre os homens de
em suas considerações Mary mostrou esse mesmo desprezo
estado e conselheiros de Mary a se tornar seriamente inquieto
cego pelas consequências, esse charmoso e tolo exagero. O fiel
foi James Stuart, Earl de Moray. Sem dúvida com olhos afiados
e hábil Rizzio logo encontrou uma forma de satisfazer os
para vantagem própria, ele honestamente deu o seu melhor
desejos de sua Senhora. Ele arranjou para um padre Católico ir
para promover um bom casamento para sua irmã; e, apesar de
ao seu quarto. Mesmo que uma evidência irrefutável do
ser estritamente Protestante, ele havia insistido para ela no
casamento prematuro não tenha sido descoberta (como todos
casamento com Don Carlos, rebento dos Habsburghs
os detalhes da vida de Mary existe aqui um conflito nos
espanhóis, era um dos líderes da Cristandade Católica. Mas um

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casamento com Darnley corria longe dos seus planos e uma “feitiçaria” que começa a tamborilar vigorosamente por
interesses. Moray era perspicaz o suficiente para saber que, ajuda. Porém os murmurinhos e descontentamento de pessoas
devida presunção, o meio idiota Danrley se tornaria o cônjuge menos importantes foram nada em comparação com a fúria de
príncipe, e que de uma vez desejaria desvirtuar a autoridade Elizabeth quando ela soube da escolha de Mary. Agora,
real para as suas próprias mãos, e nunca se contentaria em certamente, ela foi reembolsada com angústia pelo jogo duplo
deixar James Stuart governar. Além disso, Moray tinha o dom que estava fazendo; agora ela tinha sido feita de tola. Enquanto
político para adivinhar até que ponto das intrigas de Rizzio, Mary pretendia estar negociando com ela pelo seu favorito
secretário italiano e agente papal, estavam tendendo – a saber, Leicester, o pretendente verdadeiro estava sendo
o restabelecimento do Catolicismo e a queda da Reforma na contrabandeado fora das suas mãos e dentro das fronteiras da
Escócia. Em sua mente resoluta a ambição unia forças com a Escócia; ela foi deixada encalhada em Londres para colher o
convicção religiosa, a vontade de poder com a ansiedade excesso do fruto construído pela diplomacia. Na sua primeira
patriótica. Assim com urgência ele avisou sua irmã dos perigos explosão de raiva, considerando Lady Lennox, mãe de Darnley,
contra o casamento que poderia levar a conflitos desastrosos como o centro de todo o negócio, ela causou a prisão da
na terra que havia começado a se acalmar. Quando ele viu que condessa na Torre. Ameaçadora ela ordenou que Danrley,
seus avisos foram ignorados ele deixou a corte abruptamente. como seu súdito, voltasse imediatamente para a Inglaterra; ela
ameaçou seu pai com o confisco dos seus bens; ela convocou o
Lethington, outro conselheiro de confiança, ofereceu a
Conselho Privado, o qual, agindo sob suas instruções, declarou
mesma resistência. Ele, também, viu que sua posição e a paz
que o casamento de Mary com Darnley era “impróprio, sem
religiosa da Escócia estavam em perigo. Os graus montados do
lucro, e perigoso para a amizade sincera entre as duas rainhas
corpo de nobres que rodeavam os dois homens de estado
e os dois reinos”; ela proferiu ameaças veladas de guerra.
Protestantes se reportavam a Reforma. Com o tempo, até
Substancialmente, entretanto, ela estava tão alarmada e
Randolph, embaixador inglês, começou a reportar o que estava
perplexa que ela tentou todos os tormentos simultaneamente.
acontecendo na corte. com medo de que ele deveria assentir
Para salvar sua própria face, ela jogou seu último trunfo, a carta
na hora decisiva no seu relatório a Elizabeth ele descreve a
influência do belo Danrley com a rainha como o resultado de

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que até agora ela havia guardado cuidadosamente longe das aos abraços de um jovem belo. Mesmo que ela quisesse recuar,
vistas. garantir o cobiçado prêmio na Inglaterra, o casamento secreto
havia tornado a retirada fora de questão. Ela e Darnley eram
Agora, quando Elizabeth (embora ela ainda não
homem e esposa, ou pelo menos comprometidos formalmente.
soubesse disso) estava muito atrasada em campo, pela primeira
Tarde demais as ameaças de Elizabeth; tarde demais sua oferta
vez ela faz uma aberta e firme oferta a sucessão da coroa
a sucessão da Inglaterra; tarde demais, da mesma forma, foram
inglesa. Com muita pressa, ela envia um emissário especial para
os avisos dos amigos sinceros, tal como o Duque de Lorraine,
transmitir a seguinte declaração: “Se a Rainha da Escócia
seu tio, que insistiu para que Mary não tivesse mais nada com
aceitasse Leicester, ela seria contabilizada e permitida próxima
o “joli hutaudeau”- aquele papagaio. Inteligência e razões de
herdeira da coroa como se fosse a própria filha nascida.”
Estado não mais pesavam nessa impetuosa jovem mulher.
Aqui temos um imediato sinal da futilidade da
Sarcasticamente ela replica a raivosa Elizabeth, quem
diplomacia. O que Mary Stuart vem por anos se esforçando para
havia sido pega na própria teia: “Estou verdadeiramente
conquistar com habilidade, urgência e destreza, que sua rival
espantada com a insatisfação da minha boa irmã, pois a escolha
garantisse seu direito a sucessão ao trono inglês, é colocado
a qual ela agora me culpa foi feita de acordo com seus desejos.
agora quase dentro do seu alcance - teria estado ao seu alcance,
Eu rejeitei todos os pretendentes estrangeiros, e escolhi um
se ela não tivesse ido longe demais – pela ação mais tola da sua
inglês com sangue real dos dois reinos e, tanto quanto compete
vida.
a Inglaterra, é, pelo lado de sua mãe, o descendente homem
É parte da natureza política que concessões cheguem mais velho da Casa dos Tudor.” Elizabeth não poderia dizer uma
tarde demais. Ontem Rainha Mary da Escócia estava ainda palavra em contrário, pois era literalmente verdade que Mary
atuando no jogo político; hoje ela é somente a mulher, somente preencheu todos seus desejos, porém a moda de Mary! Mary
a mulher apaixonada. Sua principal ambição era, até algumas se casara com um nobre inglês, e um enviado a ela por
semanas atrás, tornar-se a herdeira reconhecida ao trono da Elizabeth, mas a carta tinha uma intenção ambígua. Elizabeth
Inglaterra. Agora esse desejo de melhorar seu estado real foi Tudor, com seus nervos aflitos, mesmo assim continuou a
esquecido porque o impulso de mulher queria render seu corpo oprimir Mary com ofertas e ameaças. Com isso, Mary crescia

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contundente. Ela negou a Elizabeth qualquer direito de exercer tirar suas vestes de luto e colocar traje alegre apropriado a uma
“soberania”, ou qualquer área para interferência. Ela mesma, noiva. O palácio foi cercado por uma multidão jubilosa. A
disse Mary, vinha há muito tempo “tratando seus discursos em generosidade livremente distribuída, a população se entregou
bandeja de ouro e brincado com suas expectativas” e que agora ao regozijo – junto com o anúncio do casamento de John Knox
ela tinha feito sua própria escolha, com total consentimento com uma garota de dezoito anos como sua segunda esposa,
dos seus estados. Independente dos ataques de Londres, para embora desejasse que ninguém além dele encontrasse alegria.
o bem ou para o mau, em Edinburgh Mary acelerou os Apesar de Knox, a celebração continuou por quatro dias e
preparativos para o casamento público. Danrley se tornou quatro noites, como se a melancolia tivesse sido expelida para
cavaleiro, feito Earl de Ross, e outras honras concedidas. O sempre da Escócia, e aquela terra enevoada se tornasse um
emissário inglês que galopou até o último minuto, chegou bem jovem reino feliz.
na hora de ouvir a proclamação de que Henry Danrley dali em
O desespero de Elizabeth era sem medida quando ela,
diante era para ser “chamado e vestido de rei”.
solteira para sempre, soube que Mary havia se tornado esposa
Já sendo Duque de Albany, Darnley foi proclamado Rei pela segunda vez. Suas manobras mais astutas somente lhe
da Escócia pela autoridade de Mary. Em 29 de julho de 1656, a trouxeram tapas na cara. Ela havia oferecido a Rainha da
núpcias do par foi publicamente celebrada na capela Católica Escócia seu próprio favorito como marido, e Leicester foi
de Holyrood. Para a surpresa geral, Mary Stuart, que sempre foi recusado publicamente. Ela havia vetado o casamento com
inventiva quando se ocupava de cerimoniais, apareceu no Darnley, e seu veto havia sido ignorado abertamente. Ela havia
vestido do luto, a roupa que usou no enterro do seu primeiro enviado um emissário especial com o último aviso, e ele havia
marido Rei da França. Ela projetou mostrar que não havia sido mantido fora dos portões até que a cerimônia do
esquecido seu primeiro esposo, e agora aparecia pela segunda casamento terminasse. Era essencial para ela agora fazer
vez ao altar para preencher os desejos do seu país. Não até alguma coisa para reconquistar o prestígio. Ela agora deveria
depois de ela ouvir a Missa e recuar para seu quarto ela quebrar as relações diplomáticas ou declarar guerra. Mas qual
permitiu ser persuadida por Darnley (apesar de tudo ter sido pretexto ela teria para fazer um ou outro? Obviamente Mary
acordado previamente e as vestes festivas estarem prontas) Stuart tinha o direito de escolher seu próprio marido; ela havia

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cumprido os desejos de Elizabeth, desde que Elizabeth teve um extraordinário instinto em detectar o começo das
desaprovara um casamento com príncipes estrangeiros. Não mudanças políticas e uma inacreditável capacidade aguçada de
havia falhas no casamento. Henry Darnley, bisneto de Henry VII previsão; ele sempre soube onde os pontos perigosos poderiam
e um descendente homem da Casa Tudor, era um marido digno ser encontrados, e nessa ocasião ele teve a atitude mais
a uma rainha. Ele era co-herdeiro presumível a coroa inglesa, e inteligente que um político da sua inteligência poderia fazer –
o casamento dele com Mary fortalecia muito sua reclamação à ele desapareceu. Tendo abandonado o leme do Estado, se
sucessão inglesa. Qualquer protesto a mais da parte de tornou invisível e evadido. Igual a seca da primavera, a falta dos
Elizabeth apenas faria do seu tormento privado um manifesto rios fluido, grandes catástrofes naturais, o desaparecimento de
para o mundo. Moray – assim como vemos de novo e de novo na história de
Mary Stuart - é sempre um presságio de desastre político. Nessa
Ao longo da vida de Elizabeth, entretanto, ambiguidade
hora, entretanto, ele permanece passivo. Durante os dias em
permanecia como uma das suas principais características.
que o casamento começou a ser celebrado, ele ficou no castelo,
Apesar de nesse momento o resultado ter sido um infortúnio,
num recuo quieto da corte, querendo mostrar de forma leal e
ela não conseguia desistir. Naturalmente ela não declarou
sem erros que, como primeiro ministro e de Estado e protetor
guerra à Mary Stuart; ela não retornou seu embaixador; mas,
do Protestantismo, ele desaprovava a escolha de Henry Darnley
por baixo dos panos, ela fez tudo o que pôde para tornar as
para Rei da Escócia. Elizabeth, porém, queria mais do que esse
coisas desconfortáveis para aqueles a quem ela não desejava
protesto passivo contra o novo casal real. Ela desejava rebelião
um casamento feliz. Muito tímida, muito cuidadosa, para uma
aberta, estava impaciente para que Mary Stuart pagasse pela
ofensiva aberta contra Darnley e Mary Stuart, ela fazia intrigas
sua privacidade feliz com problemas políticos. E mantendo esse
por trás da cena. Rebeldes e descontentes não eram difíceis de
fim em vista, a Rainha da Inglaterra, buscou o favor de Moray e
encontrar naqueles dias na Escócia quando era uma questão de
dos não menos descontentes Hamilton. Ela própria não deveria,
ir contrário as autoridades estabelecidas, e nessa ocasião havia
por nada, ser comprometida. “De forma mais secreta possível”,
um homem próximo que ergueu a cabeça e os ombros com
entretanto, ela comissionou Bedford, um de seus agentes, a
energia e ira acima da pequena multidão de malcontentes. Pois
ajudar Moray e Hamilton com tropas e dinheiro “como se
Moray (isso o que torna sua figura tão misteriosa e atraente)

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fossem de si mesmo” e com a implicação de que Elizabeth não publicamente declarados fora-da-lei. Mais uma vez, braços
sabia de nada a respeito. O dinheiro caiu nas garras das mãos iriam decidir ao invés da razão.
dos lordes escoceses como orvalho sobre um prado seco; eles
Nessa ocasião a diferença de temperamento entre
agruparam a coragem, e com promessas militares de logo
Elizabeth Tudor e Mary Stuart foi exposta significantemente
trazer a rebelião que Elizabeth desejava.
mais uma vez. Mary se mostrou pronta a agir e muito mais
Esse foi, talvez, o único erro feito pelo perspicaz e resoluta, coragem impaciente, veloz e impetuosa. Elizabeth,
prudente Moray de que ele pudesse contar com a rainha por outro lado, agindo timidamente, como seu costume,
inglesa, que era totalmente sem confiança, e colocar a si hesitante por muito tempo. Antes que ela se decidisse a instruir
mesmo como a cabeça dessa insurreição. Sendo cuidadoso, seu tesoureiro a equipar o exército e apoiar abertamente os
certamente, ele não começou os procedimentos de uma vez, insurgentes, Mary já estava em ação. Ela emitiu uma
contentou-se por um período em encontrar confederações proclamação na qual ela tratou em círculo com os rebeldes.
secretas, pois ele realmente queria esperar até que Elizabeth “Vocês não estão satisfeitos amontoando riqueza sobre
abertamente expusesse a causa dos lorde Protestantes, assim riqueza, honra sobre honra, vocês querem ter a nós e o reino
ele ganharia terreno contra sua irmã, não como um rebelde todo em suas mãos para assim fazer o que quiserem, e compelir
comum, mas como um defensor da Igreja ameaçada. Mary, por a todos a aceitar o seus desejos – em uma palavra, vocês
outro lado, inquieta pela conduta ambígua do seu irmão, e querem ser reis, e nos deixar nada além de um título nominal
altamente relutante em tolerar a indiferença que foi de governantes do reino.” Sem perder nem uma hora, a
manifestamente hostil, formalmente o convocou para se intrépida mulher montou seu cavalo, armada com pistolas, seu
apresentar em frente ao parlamento e justificar sua conduta. jovem marido vestido com armadura dourada, cavalgando ao
Moray, entretanto, tão orgulhoso quanto a irmã, não se seu lado, cercada pelos nobres que permaneciam fiéis, ela
apresentaria como uma pessoa acusada. Ele se recusou a seguiu em frente contra os rebeldes na cabeça do exército
cumprir, como resultado ele e seus aderentes foram “colocados agrupado rapidamente. Essa resolução foi justificada pelo
no chifre” no mercado de Edinburgh, assim, foram resultado. A maioria dos barões opositores ficaram
assombrados com essa amostra da energia real; ainda mais

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vendo que as promessas feitas por Elizabeth não estavam por orgulhosamente do outro lado da fronteira e encarar sua “boa
vir, e Elizabeth continuava a enviar palavras dúbias ao invés de irmã.”
um exército. Um atrás do outro, com a cabeça em suspenso,
Antes desses problemas surgirem a posição de Elizabeth
eles retornaram para pagar submissão a legítima governante.
estava longe de ser invejável. Agora, depois da derrota dos
Moray sozinho continuou valente, mas antes, abandonado
rebeldes escoceses o qual ela havia fomentado, essa posição se
pelos aliados, que pudesse reunir um novo exército, foi
tornou alarmante. Sem dúvida tem sido em todos os tempos a
derrotado por um homem e teve que fugir. O vitorioso casal
cultura dos governantes instigar secretamente revoltas em
real o seguiu a mil, então foi apenas por um fio que ele
terras vizinhas para repudiar os rebeldes quando esses são
conseguiu se salvar em 14 de outubro de 1565, cruzando a
conquistados. Porém desde que as desgraças nunca chegam só,
fronteira para o solo da Inglaterra.
um dos consignados em dinheiro que Elizabeth enviou aos
A vitória de Mary estava completa. Todos os pares do lordes escoceses caiu por acaso nas mãos de Bothwell, inimigo
reino da Escócia agora formaram uma frente sólida em volta de mortal de Moray, quando fazendo um passeio, assim tinham as
Mary Stuart: mais uma vez a Escócia estava nas mãos de um rei provas da cumplicidade da Rainha da Inglaterra garantidas. Um
e uma rainha. Por um momento a confiança de Mary estava segundo grave inconveniente foi causado pelo fato de Moray,
transbordando tanto que ela estava disposta a fazer uma quase quanto óbvio, tinha se tornado refugiado na Inglaterra, o
ofensiva e cruzar a fronteira rumo à Inglaterra, onde ela sabia país que havia dado a ele suporte tanto aberto quanto tático.
que a minoria Católica a saudaria como uma libertadora. Os Mais ainda, o homem derrotado se colocou de fato em
mais prudentes entre os seus conselheiros conseguiram, com visibilidade em Londres. Isso foi muito embaraçoso para a
alguma dificuldade, segurar este impulso para invadir. Em governante inglesa, acostumada que era a fazer jogo duplo! Se
qualquer caso, agora que Elizabeth havia posto suas cartas na ela recebesse Moray, o rebelde, na corte, implicaria que ela
mesa, os dias de trocas de cortesias entre as primas haviam aprovava ou no mínimo tolerava a rebelião dele contra a irmã
acabado. A escolha independente de seu marido tinha sido o Mary. Se, por outro lado, ela vergonhosamente se recusasse a
primeiro triunfo de Mary; a destruição da rebelião o segundo; receber seu aliado secreto em audiência, a afronta poderia
de agora em diante ela poderia olhar livremente e levá-lo a deixar o gato fora do saco, e explicar para cortes

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estrangerias que ele tem sido pensionista de Elizabeth. pode esse rebelde lutando contra a sua “boa irmã” ter se
Dificilmente em nenhuma outra ocasião o hábito de Elizabeth dirigido a Londres? Que insolência inédita a dele exigir uma
de fazer jogo duplo a colocou em lugar mais apertado que esse. audiência, a quem todos no mundo sabiam da sua devoção à
sua prima escocesa! Pobre Elizabeth! A princípio, ela mal pôde
Felizmente, entretanto, o século dezesseis foi um
conter seu espanto e indignação. Ainda assim, depois de uma
quando diversas comédias notáveis foram compostas. Elizabeth
curta e sombria reflexão, ela fez a sua cabeça para receber o
tinha a vantagem de respirar a mesma atmosfera vital que
“canalha”; mas, Deus seja louvado, ela não precisa recebê-lo
Shakespeare e Ben Jonson estavam respirando. Uma atriz nata,
sozinha! Ela implorou ao embaixador para que ele fosse bom e
ela atuaria em seu papel como qualquer rainha no palco; assim
permanece como testemunha da sua “honesta” indagação.
essa comédia de alto nível já estava em voga na Corte Hampton
e Westminster como mais tarde no Globe ou Teatro Fortune. Agora era a vez de Moray de atuar. E assim ele o fez, com
toda a devida seriedade. O aspecto com que ele entrou foi todo
Certamente ela foi avisada da chegada do seu
projetado para mostrar contrição e senso de culpa. Humilde e
inconveniente aliado, quando ela organizou com Cecil, na
tímido, com um semblante totalmente diferente do seu
mesma noite, planejando colocar Moray em uma espécie de
costumeiro passo largo, estava vestido de preto, ajoelhou-se
vestido - ensaio a parte que seria incumbência dele atuar em
em frente a Elizabeth, e começou a se dirigir a ela no seu nativo
ordem de salvar a honra da Rainha Elizabeth.
Doric. A Rainha prontamente o interrompeu, ordenando que
Nada seria mais difícil para um dramaturgo imaginar algo ele falasse em francês, assim o embaixador poderia
mais imprudente do que comédia que foi encenada na manhã acompanhar a conversa, e ninguém poderia dizer que ela havia
seguinte. O embaixador francês veio prestar seus respeitos, tido conversas secretas com tão infamante rebelde. Moray
falando nisso, como ele, e o outro, poderiam sonhar que havia gaguejou um pouco, supostamente embaraçado, mas Elizabeth
sido convocado a ver tal farsa imprudente? Enquanto ele estava foi em frente, tomando um tom mais alto. Ela não conseguia
discutindo a situação política, um lacaio entrou e anunciou o entender como ele, um refugiado que havia se rebelado contra
Earl de Moray. A Rainha apertou as sobrancelhas. Quem? Ela sua prima e amiga, teve a ousadia de entrar em sua corte sem
havia entendido errado o nome? Sério, o Earl de Moray? Como ser convidado. Tinha acontecido, sem dúvidas, diversos

99
desentendimentos entre ela e Mary Stuart, mas nenhum deles Isso já parecia desculpar eficientemente a mulher que
havia sido sério. Ela, Elizabeth, sempre considerou a Rainha da havia fomentado toda a questão. Mas Elizabeth precisava de
Escócia como sua boa irmã, e esperava que o casal permanece mais. A comédia que foi encenada, não apenas essa de Moray
sobre termos excelentes. A não ser que Moray provasse que, na frente do embaixador da França, deveria colocar toda a
satisfatoriamente que num momento de loucura ou em defesa culpa em seus ombros, mas que, como testemunha da coroa,
própria ele havia utilizado armas contra a sua legítima ele poderia declarar que Elizabeth não tinha nada com a
soberana, Elizabeth poderia o prender, e poderia o convocar a questão. Uma grande mentira para um político nunca significa
prestar contas a respeito do seu comportamento rebelde. nada além de um suspiro vazio, assim Moray garante ao
Moray faria bem em se desculpar o melhor que pudesse. embaixador que a Rainha da Inglaterra “não tinha nenhum
conhecimento a respeito da conspiração, nunca o encorajou ou
Moray, tendo sido bem exercitado por Cecil, sabia que
a seus amigos a desobedecerem às ordens de sua legítima
agora falaria qualquer coisa no mundo exceto a verdade. Ele
soberana.”
sabia que deveria levar toda a culpa sobre si na ordem de
exonerar Elizabeth aos olhos do embaixador. Ao invés de, Elizabeth teve o que queria. Ela havia sido solenemente
entretanto, começar por suas reclamações contra Mary Stuart, inocentada, e foi capaz de, com emoções teatrais, cercar seu
ele louvou sua meia-irmã aos céus. Ela havia concedido a ele companheiro de conspiração em frente ao embaixador.
suas terras, títulos de honra, e outras recompensas muito além “Agora,” ela exclamou, “vós dissestes a verdade; pois eu não, e
de seus méritos; ele havia, por essas razões, servido a ela ninguém em meu nome, o ajudaste contra vossa rainha, pois
fielmente; e nada além do pavor de uma conspiração contra a que sua abominável traição sirva de exemplo aos meus próprios
sua pessoa, nada além do medo de ser assassinado, levaram-no súditos rebeldes; saia da minha presença, vós sois um indigno
a se comportar como um tolo, como imprudente, como ele traidor.” Moray curvou sua cabeça, talvez para esconder um
havia feito. Ele havia vindo a Elizabeth somente na esperança sorriso. Ele não havia esquecidos os diversos milhares de
de sua ajuda graciosa para induzir a Rainha da Escócia a perdoá- pounds que, em nome da rainha, haviam sido entregues a Lady
lo. Moray para ele, e para mais alguns lordes rebeldes; também
não havia esquecido as cartas de Randolph implorando, nem

100
das promessas de ajuda militar da Inglaterra. Ele sabia, mais como fora-da-lei. Todos as previsões eram favoráveis, e quando
ainda, que enquanto aceitasse o papel de bode expiatório, ela carregasse um filho para seu marido, seu último e maior
Elizabeth não o perseguiria deserto adentro. O embaixador sonho estaria conquistado. Esse garoto Stuart seria rei dos
francês, enquanto isso, permanecia respeitosamente ouvindo e tronos unidos da Escócia e Inglaterra.
assistindo pois, sendo um homem educado, poderia gostar de
Os presságios estavam favoráveis. Estrelas da sorte
uma boa comédia. Não até que voltasse para a embaixada ele
derramavam sua luz como uma benção silenciosa sobre a terra.
se permitiria rir consigo mesmo, sentado sozinho em sua mesa,
Agora, alguém poderia supor, Mary Stuart poderia descansar na
e escrevendo um relatório para a sua Majestade. Elizabeth,
felicidade que havia colhido. Mas a lei de sua indomada
alguém poderia supor, não estaria totalmente feliz em sua
natureza era para sofrer tempestade ou aumentá-la. Alguém
mente, pois dificilmente acreditava que alguém aceitaria essas
com coração indomável não pode descansar contente quando
garantias em seu total valor. Ainda assim, ninguém se
o mundo exterior professa felicidade e paz. Impetuosamente
aventurou a rir abertamente. As aparências haviam sido
esse coração desordeiro continua, desde dentro, a criar
mantidas, e o que importava a verdade? Sem nenhuma palavra
desastres frescos e novos perigos.
a mais, sustentada pela dignidade de sua saia volumosa, ela
suspirou profundo.
Nada pode melhor mostrar o quão grande, para o
tempo, se tornou o poder de Mary Stuart, maior do que sua
prima inglesa e seu irmão adversário, depois de perder a
batalha, dirigiram diversos pequenos subterfúgios em ordem
de fazer semelhante recuo. A Rainha da Escócia podia erguer
sua cabeça orgulhosamente, pois tudo havia acontecido de
acordo com sua vontade. O homem que escolheu vestia a coroa
da Escócia; os homens que haviam se levantado contra ela
voltaram a sua submissão ou iriam para terras estrangeiras

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CAPÍTULO OITO guiada e governada como ele melhor preferir.” Mary Stuart não
era uma de fazer coisas pela metade; ela dava com as duas
mãos. Agora que ela estava amando apaixonadamente, ela
Noite Fatal em Holyrood estava totalmente obediente e estaticamente submissa.
( 9 DE MARÇO DE 1566 ) Presentes grandiosos, entretanto, só são vantajosos a
aqueles dignos deles; para os outros são perigosos. Caráter
forte se torna ainda mais forte através da repentina ascensão
É parte da natureza de todos verdadeiramente ao poder, pois o poder é o seu elemento natural; caráter fraco,
apaixonada não contar e não poupar, não hesitar, não por outro lado, são arruinados por riquezas sem méritos.
questionar. Quando um dos tipos régio de caráter ama, isso Triunfo, ao invés de ensiná-los humildade, os tornam
implica em irrestrita auto rendição e numa despesa sem arrogantes; e, infantis nas suas tolices, acreditam que o favor
economia. Durante as primeiras semanas do casamento, Mary da fortuna é um testemunho de suas próprias dignidades.
achou impossível fazer de tudo para mostrar todo o seu carinho
para o jovem marido. Todo dia ela surpreendia Darnley com Não foi muito antes dos irrestritos e voluptuosos deleite
algum novo presente; agora cavalo, agora ternos; centenas de de Mary em presentear que isso se provou desastroso a esse
pequenas e ternas coisas, para seguir com a maior de todas as pobre de espírito e vaidoso jovem, quem ainda precisava se
concessões que o seu poder podia mostrar – o título real e o agarrar a um tutor ao invés de se tornar seu próprio mestre e
calor do seu coração. Reportando a Londres Randolph, o lorde de uma generosa e espirituosa rainha. Tão logo Darnley
embaixador inglês, escreveu: “Toda a honra que possa ser percebeu o poder que obteve, ele se tornou pretensioso e
atribuída a um homem pela a esposa, ele tem todas e tudo. arrogante. Ele aceitou os presentes de sua esposa como se não
Todo o louvor que se possa falar dele, não lhe falta. Todo o fossem nada mais que tributos justos a ele, e tomou as
decoro que lhe poderia investir já foi dado e garantido. Nem um recompensas do amor real como se fosse algo acumulado a ele
homem a agrada que não o contente; o que mais eu posso por direito de homem. Tendo se tornado mestre ele se achou
dizer? Ela entregou sobre ele toda a sua vontade, para ser no total direito de tratar sua esposa como uma escrava. A pobre

102
criatura de “coração de cera” (palavras de desprezo escritas primeiro e mais devoto amor foi desperdiçado sobre quem era
mais tarde pela própria Mary), o mimado rapaz jogou fora toda indigno e sem confiança.
a restrição, sofrendo do que hoje pode ser chamado de “cabeça
Agora, uma mulher na vida, não existe humilhação pior
inchada”, e se intrometeu autoritariamente nas questões de
do que descobrir que se entregou a alguém que não merece e
Estado. A cortesia e modéstia que ele assumiu quando era
não respeita essa benção; e uma verdadeira mulher jamais irá
pretendente foi agora descartado como supérfluo. Não era
perdoar a si mesma e o homem por esse erro tão grotesco.
mais necessário para ele escrever versos a Mary, ou ter
Quando a paixão uma vez incendiou entre um homem e uma
maneiras gentis. Nos conselhos assumia ares ditatoriais,
mulher, é antinatural deslizar para a mera frieza e contato
falando alto e grosseiro, ele bebia muito com seus
civilizado; o amor, nos casos de duro desapontamento, é
companheiros; em uma ocasião, quando a rainha tentou fazê-
rapidamente metamorfoseado para ódio e desprezo. Assim
lo recuar de amizades indignas, ele a traiu tão
Mary Stuart, que nunca foi de mostrar moderação de
vergonhosamente que a pobre mulher, publicamente
sentimentos, tendo reconhecido Darnley como um lamentável
humilhada, derramou-se em lágrimas. Desde que sua mulher
tipo de homem, retirou-se das gentilezas com ele mais de
deu a ele o título de rei (o título e nada mais), ele acreditava ser
repente e rápido do que uma mulher pensativa e calculadora
realmente o rei, e impetuosamente exigiu a “coroa
jamais faria. Ela pulou de um extremo para o outro. Peça por
matrimonial”, o que é dizer unir os poderes do governante.
peça, ela tirou de Darnley que sem reflexão, sem cálculos, havia
Certamente, esse rapaz sem barbas de dezenove anos já estava
dado a ele no primeiro esplendor da paixão. Não havia mais
sonhando com autocracia, e se tornar a única e irresponsável
conversa sobre ele ser efetivado como governante conjunto, a
cabeça do reino da Escócia. Todos sabiam que esse presunçoso
“coroa matrimonial” a qual ela havia concedido em tempo
não era dotado de nenhuma vontade efetiva, que o rapaz
passados ao seu marido de dezesseis anos Francis II.
pretencioso estava intoxicando a si mesmo com sua própria
Furiosamente, Darnley tomou conhecimento de que não era
bravata, e que esse fanfarrão acreditava ser um homem porque
mais convocado para assentos importantes no conselho, e ele
mostrava a arrogância de um novo rico. Inevitavelmente, muito
ficou enraivecido quando foi proibido de incluir o emblema real
antes, Mary começou a reconhecer, com vergonha, que seu
no brasão do seu casaco. Ao invés de se tornar o autocrata que

103
desejava, ele descobriu que sua posição foi degradada a política; porém ela se manteve incapaz de falsificar onde seus
príncipe consorte, e isso, ao invés de ser o que ele sonhava, sentimentos pessoais estavam envolvidos. Como esposa, ela ou
atuar no papel de chefe, era ter sua voz raramente consultada. se entregaria por inteiro ou de forma nenhuma. Tão logo se
Logo, o desprezo do tratamento de sua mulher foi copiado tornou claro que ela havia entregado o tesouro do seu amor a
pelos nobres. Rizzio não mais mostrava a ele os documentos de uma criatura imprestável, diretamente o fantasiado Darnley da
Estado, e sem o consultar, assinava as cartas da rainha com o lua de mel foi substituído pelo vão, tolo, imprudente, e ingrato
“carimbo de ferro.” O embaixador se recusou a se dirigir a ele jovem tal como o marido de Mary realmente era, a atração
como “Vossa Majestade.” No Natal, apenas seis meses depois física foi substituída pela repulsa física. Era intolerável para ela
da lua de mel, Randolph relatou “estranhas alterações” na corte agora entregar seu corpo para esse homem o qual seu coração
da Escócia. “Até recentemente era comum falar Rei e Rainha, se tornou avesso. No instante em que soube que estava com
mas agora Darnley somente é referido como o marido da uma criança ela começou a evitar os abraços de Danrley por
Rainha. Ele cresceu acostumado a ver o seu nome em primeiro qualquer pretexto. Ela estava indisposta, ela estava cansada;
nos editoriais, mas agora ocupa o segundo lugar. Não muito ela sempre conseguia encontrar alguma razão para se recusar a
tempo atrás, as moedas foram feitas contendo duas cabeças de ele; e onde, durante os primeiros meses da vida de casado
“Henricus et Maria”; mas agora foram retiradas de circulação e (Darnley, com raiva, revelou essas privações maritais) Mary
novas foram colocadas.....Algumas desordens existem entre tinha sido a mais próxima dos dois, e agora ela envergonhava o
eles, porém pode ser por causa de ira de amantes ou palavras marido pela sua frequente rejeição aos seus avanços. Mesmo
pobres que o agregado familiar diz. Não importa se não crescer nessa mais íntima esfera, onde ele havia primeiro ganho poder
mais.” sobre ela, Danrley em sua profunda mortificação, encontrou-se
privado do mais comum privilégio de marido.
Mas cresceu mais. O desprezo o qual o rei de papel teve
que sofrer na sua própria corte era agora superado pelo Faltava-lhe força moral para guardar sua frustração para
desprezo agravado como marido, por isso ele acreditava ter si mesmo. Ele falou a respeito em casa, tagarelou em cada
sido traído. Por anos, Mary, embora na vertical fosse por taverna, ameaçou e uivou, falava abertamente em vingança.
natureza, teve que aprender que mentir é necessário na Mas quanto mais bombástica sua linguagem, mais absurda era

104
a impressão que ele produzia, e em poucos meses, a despeito Escócia – lealdade absoluta, a fidedignidade era a mais preciosa
do título real, ele era considerado nada melhor do que dádiva de um servidor.
fastidioso e caprichoso forasteiro o qual os homens da corte
O acaso trouxe tal homem a Escócia. Quando Marquês
davam as costas. As pessoas não mais inclinavam a cabeça em
Moreta, embaixador de Savoyard, visitou a Escócia, veio em seu
reverência; eles meramente sorriam quando Darnley vociferava
trem um jovem Piedmontese, David Rizzio por nome, “o rosto
suas demandas. Para aquele que é ou deveria ser o governante,
muito negro”, cerca de vinte e oito anos de idade, com
entretanto, o desprezo universal é mais perigoso do que o ódio
experiência, olhos alertas e boca vívida, que o fazia bom cantor.
universal.
(“Particolarmente era buon musico.”) poetas e musicistas eram
O desapontamento de Mary por Darnley foi tanto sempre bem vindos na corte de Mary. Tanto pai quanto mãe
político quanto de uma mulher apaixonada. Ela esperava que, haviam transmitido a ela a paixão pelas artes finas. Nada
com o auxílio de um marido que deveria ser devoto de corpo e poderia aliviar um ambiente sombrio do que as tensões do
alma a ela, ela seria capaz de se livrar da tutela de Moray, alaúde ou violino, com companhia de uma boa voz. Aconteceu
Lethington, e dos lordes escoceses em geral; ela tinha sonhado que, no momento, ela estava em falta de músicos, e como
em governar a Escócia junto com seu amado. Porém essas “Seigneur Davie”(como era conhecido nos círculos íntimos na
ilusões, da mesma forma, haviam desaparecido com a lua de corte escocesa) era não apenas competente no baixo, mas
mel. Pelo bem de Darnley, ela havia se afastado de Moray e também tinha habilidade justa como compositor, a rainha
Lethington, com o resultado de agora estar completamente implorou a Moreta que permitisse ao “buon musico” a
sozinha. Mas uma mulher de tal natureza como a dela, por mais permanecer aos seus serviços pessoais. Moreta não ofereceu
que suas esperanças haviam sido frustradas, ela não poderia objeções, assim Rizzio foi nomeado, com o salário de sessenta
viver sem confiança, assim estava sempre olhando em volta e cinco pounds. No livro de contabilidade do palácio está
procurando alguém o qual ela poderia incondicionalmente inscrito “David Le Chantre”, porém entre os empregados
contar. Melhor, ela pensou, seria um homem de posição domésticos ele era conhecido como “valet de chambre” – novio
menor, sem o prestígio de Moray ou Lethington, mas tendo no da câmara. Nesses dias não era degradante ao musicista tal
lugar, a virtude que para ela era mais essencial na corte da designação, pois até o tempo de Beethoven os grandes músicos

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eram contabilizados na corte como não mais do que parte do provavelmente nunca saberemos. O que é certo é que ele
corpo de empregados. Mesmo Wolfgang Amadeus Mozart e o começou a atuar mais e mais nas partes importantes das
velho cabeça branca Haydn, que mesmo famosos pela Europa, questões de Estado. Como nós vimos, ele fez um bom negócio
nunca se sentaram para refeições entre nobres e príncipes, mas com o casamento real com o príncipe Católico consorte
sim nas alas dos serventes. Darnley; e a teimosia de Mary em recusar a perdoar Moray e os
outros lordes rebeldes foi escrita em carta, provavelmente e
Rizzio não era meramente um jovem homem com voz
com boas razões, sob influência de Rizzio. As suspeitas
fina. Ele tinha inteligência perspicaz, uma sagacidade vívida, e
abundantes eram de que o jovem Piedmontese era um agente
todo envolto a educação artística. Ele falava Latim e Francês
papal na corte escocesa. O quanto de verdade tem nessa ideia
fluentemente, assim como seu Italiano nativo; ele escrevia a
permanece incerto. Fora de questão, mesmo que Rizzio fosse
mão muito bem e em bom estilo; os sonetos que foram
devotado ao Papa e a causa Católica, ele serviu a Mary Stuart
preservados são de bom gosto e corretos. Logo surgiu a
com devoção e lealdade que não haviam sido mostrados por
oportunidade para promovê-lo na classificação de serviços.
nenhum outro súdito escocês. Agora quando ela era
Paulet, secretário particular de Mary, provou não ter imunidade
fidedignamente servida, ela sabia como recompensar; e ela não
para uma doença que era uma epidemia na corte da Escócia,
daria livremente a qualquer um, apenas com quem pudesse
nomeada de corrupção pelo ouro da Inglaterra. A Rainha foi
conversar francamente. Ela mostrou seu favor a Rizzio de forma
forçada a dispensá-lo imediatamente. O lugar vacante nos
simples, dando a ele, vestuário caro, confiando a ele o Grande
estudos da rainha foi prontamente preenchido por David Rizzio,
Selo do reino, e o tornando familiar com segredos de Estado.
que agora ascendia rapidamente na corte. Logo era algo a mais
Pouco antes David Rizzio, por algum tempo servente, subiu para
do que secretário; ele se tornou conselheiro de Vossa
se tornar um grande gentleman, sentava-se a mesa com a
Majestade. Não mais Mary ditava suas cartas para o secretário
rainha e suas damas, ajudando como “maitre de plaisir” como
Piedmontese, sendo as últimas epístolas redigidas como ele
Chastelard antes dele (um homônimo paralelo!), organizando
pensava o melhor. A natureza precisa das negociações
festivais musicais e outras diversões na corte, e tornando-se
diplomáticas as quais ele começou a se engajar sob estas
mais e mais amigo íntimo da rainha ao invés de um mero
circunstâncias, e com a vantagem de poderes estrangeiros, nós

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servidor. Até tarde na noite, era invejado pelos outros ferro, apaixonadamente tanto no amor quanto no ódio,
servidores, esse homem nascido em berço comum e Bothwell serviu com devoção como membro da guarda da
estrangeiro se encerrava no apartamento privado da rainha. Em fronteira, o qual ele liderou diversos soldados em campanha de
vestimentas de príncipe, arrogante e sem constrangimentos, o guerrilha contra a Inglaterra. Sua pessoa sozinha valia um
homem que chegou em Edinburgh um pouco melhor que lacaio exército. Agradecida pelo seu suporte, Mary o confirmou como
e com nada a se recomendar a não ser uma voz fina exercia indicação hereditária como Lorde Almirante da Escócia.
agora as mais altas funções do reino. Ele teve mais influência
Com esses dois assistentes leais com quem podia contar
em alguns assuntos do que Darnley o marido da rainha, mais
Mary Stuart, com vinte e três anos, os dois chefes de
influência que Moray quando primeiro ministro – “o buon
implementação de poder, político e militar, agarrava
musico” era na verdade chefe de Estado. Nada acontecia sem o
firmemente o poder em suas mãos. Pela primeira vez ela podia
seu conhecimento e consentimento, porém esse conhecimento
se aventurar a governar sozinha, e ela nunca foi mulher de se
e consentimento eram honestamente subservientes aos
privar de correr de riscos.
interesses da rainha.
Sempre, entretanto, na Escócia, quando o esforço do
Como um segundo pilar de resistência de independência,
monarca é para se tornar um governante efetivo, os lordes
tanto o poderio militar quanto o político estavam agora em
escoceses resistem a sua vontade. Nada pode ser mais
mãos confiáveis. O antigo domínio, da mesma forma, ela
desagradável para esses nobres de mentalidade revolucionária
encontrou alguém que a servia lealmente, o Earl de Bothwell,
do que uma rainha que não pretendia ceder e não tinha medo
quem anos antes, na juventude, teve (apesar de Protestante)
deles. Da Inglaterra, Moray e outros foras da lei estavam
exposto a causa de Mary de Guise contra os Lordes da
clamando por permissão para voltar. Eles explodiram todas as
Congregação, e, assim, foi expulso da Escócia pela inimizade de
minas possíveis, de ouro, prata e diversas outras. O
James Stuart. Retornando para o seu país depois da rebelião e
descontentamento da nobreza estava concentrado sobre
queda de Moray, Bothwell colocou seu poder, o que era longe
Rizzio, e logo seus castelos estavam cheios murmurinhos de
de não ser considerável, a disposição da rainha. Soldado
línguas escandalosas. Os Protestantes em Holyrood estavam
ousado, preparado para cada risco, um homem de natureza de

107
convencidos de que o Italiano era fio das teias de Machiavel. e, para agir antes da rainha, um número de nobres devotados a
Eles suspeitaram ao invés de saber que a Escócia estava prestes religião Protestante se juntaram em conspiração.
a ser arrastada para os esquemas secretos da Contra-Reforma;
Por séculos a aristocracia da Escócia é acostumada a
e isto é, certamente, possível que Mary tenha dado algumas
empregar um único método, e somente um, para lidar com suas
promessas aos seus parentes de Guises quem anos mais tarde
adversidades – o assassinato. Não até que a aranha que estava
foram descobertos na Liga Católica.
tecendo essas ameaças secretas estivesse esmagada, não até
Rizzio, não sendo mais amigo da corte da Escócia, foi que o astuto e incrustável Italiano aventureiro fosse tirado de
responsabilizado por essas parcelas. Os mais perspicazes dos seus caminhos, e a abertura do caminho para a rendição de
mortais geralmente agem de forma mais imprudente. Rizzio Mary fosse flexibilizada. O plano para finalizar Rizzio com
cometeu o erro mais comum dos iniciantes. Ao invés de violência deve ter sido elaborado com meses de antecedência,
esconder seu poder com modéstia, ele mostrava com no tempo em que Randolph reportou a Elizabeth que o Italiano
ostentação. Ele vestia roupas esplendias, concedia presentes era esperado pelas mãos de Deus com um fim rápido ou por
caros, fazia questão de mostrar aos serventes que começaram uma vida intolerável. Isso foi muito antes, entretanto, de os
com ele o quão alto ele havia atingido em poder, e não parece malcontentes convocarem a coragem para começar uma
que ele conseguiu se isentar da corrupção por presentes. O que, definitiva ascensão. A velocidade e firmeza com que Mary
em qualquer caso, poderia ser mais intolerável no orgulho de suprimiu essa última rebelião estava fresca em suas memórias,
um nobre escocês do que um ex-servente, um músico errante e eles tinham pouca inclinação em dividir o destino com Moray
de origem duvidosa, que gastaria horas atrás de horas no e os outros exilados. Eles também temiam as mãos de ferro de
apartamento íntimo da rainha, na sua câmara de dormir, nas Bothwell, que amava atacar forte, e os orgulhosos, eles sabiam,
maiores relações íntimas as quais foram negadas a eles os não iriam se juntar na sua parcela. Eles podiam apenas
portadores de nomes anciões? As suspeitas cresciam cada vez murmurar entre si, cerrar seus punhos, até que um deles
mais forte de que essas conversas secretas estavam tivesse uma ideia brilhante para um plano diabólico para
concentradas em colocar um fim no poder Protestante no país, transformar ato de rebelião do assassinato de Rizzio em um ato

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legítimo e patriótico e fazer Darnley, o rei titular da Escócia, a encorajaram as suspeitas dele de que Rizzio não apenas dividia
cabeça e frente protetora da conspiração. mesa, mas também a cama da rainha. Apesar de não haver
prova de má conduta, Darnley estava pronto a acreditar na
De relance a princípio parece absurdo. Envolver o rei de
trama porque sua esposa recusava as obrigações conjugais. Era
um país em conspiração contra sua própria esposa, o rei contra
uma ideia detestável de que a indiferença de Mary era devida a
a rainha? Porém o esquema se mostrou psicologicamente
preferência pelo musicista de rosto negro. Um homem que teve
possível, pois no caso de Darnley, como é em todas as pessoas
seus sentimentos ferido é fácil de enraivecer, e aquele que não
fracas, a mola principal de suas atividades era sua imensurável
confia em si está apto a desconfiar de outros. Muito antes de
vaidade. Desde que o “carimbo de ferro” o fac-símile da
que Darnley estivesse convencido de que “ele havia sofrido a
assinatura da rainha, fora confiado sob o comando do Rizzio a
maior desonra a qual um homem pode ser infligido.” O
amizade entre os dois homens foi destruída, pois com o direito
inacreditável se tornou fato: o rei assumiu a liderança da
de assinar documentos no nome de Mary deu a Rizzio poderes
conspiração contra a rainha.
que Darnley cobiçava para si mesmo. Como esse mendigo no
dorso do cavalo poderia conduzir negociações diplomáticas Nunca foi provado, nem é provável que o seja, que esse
sobre as quais Darnley, Henricus Scotiae, não era informado? O pequeno moreno músico David Rizzio tenha realmente sido
secretário podia ficar no quarto da rainha até uma, duas da amante da rainha. O fato verdadeiro é que Mary mostrou
manhã – passar horas da madrugada quando o marido tem o benefícios abertos para o seu secretário privado na face de toda
direito de exigir a companhia da mulher – e o poder do Italiano a corte para que essa falasse contra as suspeitas. Mesmo se
crescia dia a dia, e na frente de toda a corte Darnley diminuía. admitirmos que existe uma linha estreita separando a
Deveria ser culpa de Rizzio que a coroa matrimonial havia sido intimidade espiritual entre um homem e uma mulher de uma
negada, e somente isso bastaria para explicar o ódio de um relação carnal – uma linha que pode ser cruzada a qualquer
homem de tão pobre espírito e mortificado. Porém os nobres momento de descuido ou com a vinda de um gesto involuntário
escoceses incitaram ainda mais virulento veneno na ferida – ainda assim, em consideração a Rizzio, Mary a Rainha dos
aberta na vaidade de Darnley, estimulando onde ele era ainda Escoceses, uma mulher com uma criança, mostrou sua amizade
mais sensível, no seu ciúmes. Por inúmeras dicas eles real com tal confiança e descuido que nunca poderia ter sido

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mostrada em nenhuma circunstância por adultos. Se o casal não por alguma falta que tenha cometido, mas pela sua falta de
realmente cruzou as fronteiras e se tornaram amantes o cuidado.
primeiro e mais natural pensamento de Mary seria o de evitar
Na corte escocesa ninguém levou essa fábula a sério;
dar os símbolos de intimidade manifesta; ela não faria música
pois mais tarde quando os nobres estavam publicamente
ou jogaria cartas com seu amante até tarde em seu
acusando Mary Stuart de todos os crimes possíveis,
apartamento privado; tampouco deveria ter se isolado com ele
simultaneamente declararam seu filho James para ser legítimo
em seu estúdio quando correspondências diplomáticas eram
Rei da Escócia. Embora tivessem ódio dela, eles sabiam a
escritas. Mas como já foi mostrado no caso de Chastelard uma
verdade sobre a questão. Só Darnley, irritado além da
de suas maiores qualidades graciosas era perigosa a ela: sua
tolerância, que teve seu julgamento misturado com complexo
absoluta autoconfiança, quando ela sabia que ela mesma era a
de inferioridade, a suspeita criou raízes e cresceu forte. Como
culpada, seu desprezo pelo que “eles dizem”, sua soberana
fogo, rumou dentro das suas veias; como touro, ele sacudia a
desconsideração pelas fofocas, sua amigável indiferença.
roupa vermelha em frente aos seus olhos, completamente cego
Quase sempre descuido e coragem juntos, como virtude e
dentro do enredo. Sem parar para refletir, ele permitiu a si ser
perigo, como verso e reverso da mesma moeda; apenas
emaranhado numa conspiração contra a própria esposa, assim
covardes e inseguros de si carregam o semblante de culpa.
em poucos dias ninguém além dele tinha mais sede pelo sangue
Porém quando rumores acusam uma mulher de má de Rizzio, de quem havia sido amigo íntimo, que havia
conduta, por mais malicioso e absurdo que possam ser, compartilhado cama e mesa com ele, o insignificante músico
continuam a se espalhar sendo permanentemente nutridos vindo da Itália que ajudou Henry Stuart a conquistar a coroa.
pela malícia curiosa. Quarenta anos antes, Henry IV da França
Nesses dias entre a nobreza escocesa o assassinato
para manter a bola da calúnia rodando, disse zombando de seu
político era uma questão solene. Conspiração é para àqueles
companheiro soberano James I (o qual, como um bebê, Mary
indivíduos determinados a não apressar a questão
estava carregando em seu útero) que ele bem merecia o nome
precipitadamente sobre a vítima na primeira explosão de fúria.
de Solomon porque, como o velho rei, era filho de David. Pela
Assim os conspiradores entraram primeiro em barganha
segunda vez a reputação de Mary estava gravemente ferida,

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formal. Palavra de honra não era um seguro suficiente para próximo herdeiro depois que ele mesmo; e que os lordes
eles, pois conheciam muito bem uns aos outros. Esse perseguiriam, matariam, e extirpariam todos que se opusessem
memorável esquema de cavaleiros teve que ser por contrato a essa resolução.” Ele também prometeu defender a causa
selado em escritura, como se fosse um empreendimento Protestante contra qualquer diminuição de seus direitos. No
legítimo. Quando os escoceses estavam determinados a segundo contrato os conspiradores se comprometeram a
violência, os detalhes eram claramente estipulados em assegurar a coroa matrimonial para Darnley e mesmo que (nós
pergaminhos, sobre os quais chamados de “conivência” ou vemos porquê essa possibilidade foi considerada) a eventual
“obrigações” nos quais os bandidos principescos juravam morte prematura da rainha deixar a Darnley a posse de seus
respeitar uns aos outros para o bem ou para o mau – apenas direitos reais. Essas palavras, aparentemente simples,
como tropa, como clãs, caso fossem corajosos o suficiente de implicavam mais do que Darnley percebera. Porém Randolph,
se levantar contra a Lady soberana. Dessa vez, como uma que viu os textos das obrigações, entendeu suficiente bem,
novidade na história da Escócia, os conspiradores estavam reportando a Londres; “Se a persuasão para a causa da Rainha
honrados por terem a assinatura do rei no papel. Entre Darnley produzir esse efeito” (resignação da coroa) “não é bom, o
e os conspiradores duas obrigações foram devidamente propósito deles de proceder nós não sabemos nada de que
assinadas, obrigações as quais o rei estava ombro a ombro com tipo.” Essa é uma sugestão ampla das intenções dos
os lordes que haviam sido banidos, e reciprocamente se conspiradores de se livrar de Mary enquanto o assassinato de
comprometeram a derrubar a autoridade da rainha. Na Rizzio era o objeto declarado.
primeira obrigação Darnley prometeu manter os conspiradores
Mal a tinta das assinaturas secou dessa iníqua barganha,
ilesos, protegê-los e os defender mesmo no palácio e na
quando os mensageiros foram a galope informar Moray, que
presença da rainha. Mais ainda, ele concordou em chamar
estava em Newcastle esperando a questão da trama, que talvez
novamente os lordes banidos da ilegalidade e negligenciar suas
pudesse preparar seu retorno, assim como Randolph também
“faltas” na condição de que “eles concederiam a coroa
estava do outro lado da fronteira, em Berwick, e que teve uma
matrimonial da Escócia, e que, no evento da morte da Rainha
ativa participação na conspiração, apressou-se a informar
Mary, ele seria declarado seu legítimo sucessor, e seu pai o
Elizabeth a surpresa de sangue que estava sendo preparada

111
para sua irmã real. Em 13 de fevereiro de 1566, diversas espera que a “punição” irá tornar uma natureza forte em
semanas antes do assassinato, ele escreveu: “Eu sei com flexível, e que uma exibição brutal de força renderia mais uma
certeza que a Rainha se arrepende de seu casamento, e odeia vez uma esposa submissa a qual veio a desprezá-lo. Tal natureza
seu marido e todos os seus parentes. Eu também sei que ele bruta e vingadora como a dele é capaz dos piores extremos e
acredita que terá um cúmplice no seu ato e no jogo, e que baixezas. Os conspiradores consentiram com o desejo da
certas intrigas estão acontecendo entre pai e filho para tirar a criatura miserável que o abate deveria ser feito no apartamento
coroa contra vontade dela. Eu sei que se isso vier a se realizar, de Mary, na presença dela, embora estivesse com a criança. 9
David, com o consentimento do Rei, terá sua garganta cortada de março foi a data escolhida para o ato, o qual a performance
nos próximo dez dias.” O espião transmitiu conhecimento mais provou ser ainda mais abominável do que o plano já o era em
completo do que aquele que havia sido sugerido: “Coisas ainda si.
piores do que essas chegaram aos meu ouvidos, a proposta
Enquanto Elizabeth e seus ministros estavam
verdadeira é atacar ela pessoalmente.”
plenamente informados dos detalhes por semanas (embora a
Pode ser, então, que sem dúvida a conspiração tinha rainha inglesa não teve a ideia de enviar um aviso amigável a
alvos mais extensivos do que aqueles acertados com o tolo sua prima e “boa irmã”), e enquanto Moray esperava do outro
Darnley, que o golpe que era ostensivamente direcionado a lado da fronteira pronto para saltar para o selim e John Knox já
Rizzio sozinho tinha a intenção de destruir Mary também, assim havia preparado o sermão o qual era para exaltar o assassinato
sua vida também estava em perigo tanto quanto a de seu como o ato “mais digno de todos os elogios”- Mary Stuart,
secretário. Darnley, entretanto, sendo cruel, como covardes traída por todas as mãos, estava totalmente sem pressentir e
sempre são quando detêm o poder, estava cego em busca de vazia de suspeitas. Durantes os últimos dias Darnley, fazendo
vingança contra o homem que havia se rastejado no caminho da trama ainda mais horrenda simulando afeto, sendo mais
da confiança de Mary e que assinava documentos no nome gentil do que o costume, assim não havia nada o que mostrar,
dela. Ele insistiu, por isso, que sua mulher fosse rebaixada o ao pôr-do-sol do dia marcado, que noite de horror a estava
quanto fosse possível, que o assassinato deveria ocorrer na esperando com a promessa de desgraça que faria sombra sobre
presença dela; sendo movido pela ilusão de um fraco, que ela por anos a frente. Rizzio recebeu um alerta anônimo, o qual

112
ele não prestou atenção, pois a tarde quando Darnley o assustados, pois dessa vez a nova aparição, parecia um anjo de
convidou para jogar tênis o músico aceitou o convite de seu armadura, espada nua em mãos, era um dos conspiradores,
antigo compadre. Patrick, Lorde Ruthven, totalmente apavorante, diziam que era
feiticeiro. Seu rosto estava sinistramente pálido, pois estava
Agora estava escuro. Mary, seguindo o costume do
perigosamente doente, com febre alta, e apenas havia deixado
período, havia ordenado que a janta fosse servida na torre
sua cama para participar desse trabalho noturno. Seus olhos em
adjunta de seu quarto de dormir. Era uma cabine pequena,
chamas revelavam determinação voraz. A rainha,
cabia apenas poucas pessoas para entretenimento – alguns
imediatamente indaga o doente – pois a ninguém exceto seu
nobres e as meias irmãs de Mary estavam sentados em volta da
marido era permitido usar sua escada em espiral que conectava
pesada mesa de carvalho, iluminado por velas de cera em
o quarto de Darnley ao seu quarto de dormir – Ruthven com
candelabros de prata. Do lado oposto da rainha David Rizzio
que direito ele forçava a si mesmo na presença dela. Sangue frio
sentado, vestido como um fino gentleman, sua cabeça coberta
ele respondeu: “Não há maldade nenhuma na intenção contra
(a moda francesa da época) com casaco de pele cor de
Vossa Graça, ou a ninguém além de David; é ele com quem
damasco. Ele tinha a conversa alegre em suas veias,
tenho que conversar.” Rizzio se virou pálido embaixo de sua
provavelmente esperava que houvesse músicos após a
capa emplumada, apertando suas mãos sobre a mesa.
refeição, ou alguma outra forma de passar uma noite agradável.
Instantaneamente ele percebeu o que estava por vir. Ninguém
Não havia sinal de nada fora do usual até que a tapeçaria que
além de sua soberana, ninguém além de Mary poderia agora
separava o quarto de dormir de Mary foi retirada e Darnley, o
protegê-lo, pois Darnley não fez nenhum movimento de
rei, o marido, entrasse. Todos se levantaram para
censura ao presunçoso Ruthven, porém sentado com ar
cumprimentá-lo; o lugar era feito para visitas distintas a mesa
despreocupado. Agora Mary responde ao intruso:
da realeza, ao lado de sua esposa, a cercou com seus braços
afetuosamente, beijando-a com o beijo de Judas. A conversa “O que ele fez?” ela inquire.
animada resumida: pratos chacoalhando e copos tinido; então
Ruthven dá de ombros e responde:
mais música agradável. Mas novamente a alegria foi posta de
lado. Porém agora todos ficaram espantados, irritados e “Pergunte ao rei seu marido, Madame.”

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Mary involuntariamente se vira para Darnley. Porém de pavor, apanhou a última palavra de Mary “justiça”, e gritou:
nessa hora decisiva o fraco, aquele que há tempos insistia aos “Madonna, io sono morto, giustizia, giustizia!” Outro do bando
outros pelo assassinato, perdeu o centro. Ele não teve coragem apertou a gatilho da pistola contra o lado Mary, e poderia, como
de tomar seu lugar ao lado de Ruthven. Fingindo ignorância ele era a intenção dos conspiradores, ter acertado nela, se outro
disse: não tivesse tirado o seu braço, enquanto o próprio Darnley
interveio segurando rapidamente sua esposa para protegê-la
“Eu não sei nada a respeito.”
(além da compreensão), enquanto os assassinos
Virando os olhos para longe dali. apressadamente tiravam o resistente e berrante Rizzio para
fora da sala de jantar. Enquanto eles o arrastavam pelo quarto,
Agora mais pegadas e sons de armas eram ouvidas atrás
ele se agarrava onde podia, ainda chorando pela ajuda da
da tapeçaria. Um atrás do outro os conspiradores montaram na
rainha, mas os assassinos cruéis golpearam seus dedos para
escada espiral e formando um muro de homens armados
fazê-lo ir, e assim o forçaram ao apartamento do Estado, onde
bloqueando um possível recuo de Rizzio. Escapar por ali era
o ameaçaram com suas espadas e punhais. Aparentemente eles
impossível. Mary tentou salvar seu leal servidor negociando: Se
queiram prendê-lo e o enforcar no próximo dia à maneira justa
David cometeu algum crime, ela disse “eu prometo exibi-lo em
no mercado local; porém a excitação e a luxúria por sangue os
frente ao parlamento de lordes, e assim ele poderá lidar com
carregaram para longe; assim enlouquecidamente o
isso de acordo com a forma comum da justiça.” Enquanto isso
esfaquearam, na selvageria eles o feriram um após o outro. O
Ruthven e os outros se amontoaram no apartamento dela.
chão se tornou uma piscina de sangue. Somente depois que a
Rebelião, entretanto, não conhece nada de obediência.
vítima tivesse sangrado até a morte após cinquenta ferimentos
Ruthven já avançada para cima do trêmulo Rizzio; outro eles desistiram da brutalidade. Então o corpo mutilado do mais
conspirador jogava o nariz sobre dos ombros do italiano, e leal amigo de Mary Stuart foi arremessado através do caixilho
começou a carregá-lo. Tumulto se seguiu, a mesa de jantar foi aberto jardim abaixo.
destruída e as velas apagadas. Rizzio, desarmado e fraco, não
Enlouquecida de tristeza, Mary escutou a morte do seu
era guerreiro nem herói, agarrou a roupa da rainha, chorando
devoto servente. Chocada e grávida, como ela estava, faltou

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forças para se afastar do aperto de Darnley, mas com toda a Darnley, que era capaz apenas de uma curta e pequena paixão,
energia de sua alma apaixonada se revoltou contra a não percebeu que ela inconscientemente estava dando a sua
humilhação colocada sobre ela por esses bandidos em seu sentença de morte. Quando, fatigada pelo o que testemunhou,
próprio palácio. Darnley podia pressionar suas mãos, mas não ela muda se permitiu ser levada para o seu quarto, ele acreditou
seus lábios; e ela protestou contra ele descontroladamente que a energia dela havia sido destruída, e mais uma vez ela se
para mostrar seu desprezo pelo covarde. Ela o nomeou de tornaria a sua esposa obediente. Ele estava para aprender,
traidor e filho de traidor; ela culpou a si mesma por haver ter entretanto, que ódio que sabe ser silencioso é mais perigoso do
permitido que uma nulidade chegasse ao trono. O que, até que ameaças abertas, e aquele que ofereceu uma afronta
agora, era nada além de uma esposa desgostar de seu marido, mortal a essa mulher convocou a morte a tocar seus ombros.
tinha se endurecido nessa hora memorável em ódio
Os gritos de Rizzio, o som das armas no apartamento
interminável. Em vão Darnley tentou se desculpar por sua
real, ecoaram pelo palácio. Espada em mãos, aqueles que eram
conduta, lembrando a ela que por meses ela se recusava a
leais a rainha, Bothwell e Huntly acima de todos, apressaram-
aceitar seus avanços, e que ela tinha por muito tempo passado
se para fora de seus quartos, os conspiradores, entretanto,
mais tempo com Rizzio do que com ele, seu marido legítimo.
haviam-se salvaguardo contra cada possibilidade. Holyrood
Agora Ruthven retornara, e exausto pelo que tinha feito,
estava cercada por homens armados; as saídas estavam
afundou na cadeira. Mary o esmagou com ameaças e
bloqueadas, para que a cidade não pudesse enviar ajuda a
invenções. Como uma fera selvagem na prisão fará, lançando-
rainha. Bothwell e Huntly em ordem de buscar ajuda para salvar
se contra as barras, ela vociferava sua raiva contra o par. Se
a vida da rainha tiveram que pular pela janela. Ouvindo deles o
Darnley fosse capaz de ler o significado de seus olhos, ele se
que tinha acontecido e como tinha acontecido o reitor de
encolheria de volta no horror do ódio assassino o qual
Edinburgh soou o sino. Cinco mil pessoas cercaram Holyrood
inflamava contra ele. Se a mente dele estivesse mais alerta ele
exigindo ver a rainha e falar com ela. Porém foram recebidas
perceberia as ameaças de morte nos dizeres dela, que ela não
por Darnley que falsamente declarou que nada sério havia
mais se considerava a sua esposa, e que ela “não descansaria
acontecido; apenas “que o secretário italiano estava morto
enquanto ele não tivesse um sofrimento terrível igual ao dela.”
porque havia sido detectado em uma intriga com o Papa, com

115
o Rei da Espanha, e outros estrangeiros poderosos, com o
propósito de destruir o verdadeiro evangelho e introduzir o
papado de novo na Escócia.” Era melhor o bom povo voltar para
suas camas. Naturalmente o reitor não se aventurou a duvidar
da palavra do rei; o povo foi para a casa, e Mary que em vão
tentou dar a palavra a seus súditos, foi mantida sob a guarda
em seu apartamento. As damas e os serventes foram proibidos
de entrar; guarda tripla foi posta nos portões e portas do
palácio. Nessa noite, pela primeira vez na sua vida, a Rainha da
Escócia e Ilhas se tornou prisioneira. A conspiração tinha sido
um completo sucesso. No jardim real repousava o corpo
dilacerado do seu mais leal escudeiro; o líder dos seus inimigos
era seu próprio marido; ele estava com os direitos reais
enquanto ela não podia sair do quarto. De um só golpe ela havia
sido tirada da mais alta posição, estava sem poder,
abandonada, sem amigos ou servidores, um objeto desprezado.
Nessa noite terrível parecia que ela havia perdido tudo, mas um
coração forte é endurecido sob o martelo do destino. Sempre
quando em liberdade, sua honra e sua coroa estavam em jogo,
ela encontrou mais vitalidade dentro de si mesma do que em
todos os seus assistentes e ajudantes.

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CAPÍTULO NOVE tratado pelo fogo. Mas, sendo de duplos extremos, como
florete, seu caráter se tornou ambíguo depois da terrível noite,
a qual foi o começo dos desastres. A cortina havia se levantado
Traidores Traídos no sangue da tragédia da sua vida.
(MARÇO A JUNHO DE 1566 )
Pensamentos de vingança preenchiam a sua mente,
agora ela trancada em seu próprio quarto, prisioneira dos
súditos traidores, desassossegada para lá e para cá,
O perigo foi um benefício a Mary Stuart. Somente nas
ponderando uma maneira ou outra de quebrar o círculo de
horas decisivas quando teve que jogar com força sobre um
inimigos que a cercavam, meditando como ela faria para expiar
perigo, tornava-se simples ver quais capacidades memoráveis
o derramamento de sangue do seu servente leal (o sangue o
haviam escondidas dentro dela; resolução de ferro, ideias
qual ainda formava poças no chão), como ela os rebaixariam na
abrangentes, coragem feroz e heroica. Porém antes que suas
sua frente, aqueles que sem prudência se forçaram na sua
energias mais íntimas pudessem entrar em ação, ela precisava
presença e colocaram suas mãos sobre ela, a ungida soberana.
de um soco forte em um dos seus pontos mais sensíveis. Não
Para ela, que sempre havia sido uma amazonas guerreira,
até que as forças outrora dispersas se concentrassem. Aqueles
qualquer meio parecia justificável em vista do ultraje que
que tentaram humilhá-la produziram reação tão vigorosa que a
sofreu. Como parte da mudança que ocorreu a ela, que até
cada teste severo do destino era vantajoso para ela.
então era impetuosa e descuidada, tornou-se reservada e
Durante essa noite de sua primeira grande humilhação, cautelosa; ela que tinha sido honrada para não dizer falsidade,
seu caráter foi transformado de uma vez por todas. Na forja aprendeu a dissimular; ela a qual a teoria e prática da vida até
voraz de uma terrível experiência, quando ela viu que sua então tinha sido “jogo justo” estava agora preparada para
indevida confiança pronta pelo seu marido, irmão, amigos e devotar suas capacidades excepcionais para capturar os
súditos estava fora de lugar, essa até então extremamente traidores em suas próprias armadilhas.
feminina e coração doce mulher cresceu dura como aço,
adquirindo a textura e tenacidade de metal propriamente

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Existe ocasiões quando pode-se aprender muito em um sem esperança enquanto Darnley e os conspiradores se
dia do que, em tempos comuns, em meses ou anos. Tal lição pendurassem juntos. Somente uma coisa poderia salvá-la –
decisiva havia agora ensinado a Mary e a influenciaria para o semear discórdia entre os inimigos. Como não poderia quebrar
resto da sua vida. Os conspiradores, embaixo de seus próprios suas correntes por violência repentina, ela deveria com
olhos, que haviam enfiado os punhais dentro do seu confiável destreza procurar por elos fracos; ela deveria fazer os traidores
Rizzio também esfaquearam fundo dentro da indiferença e traírem a si próprios. Ela sabia suficientemente bem quem era
desconfiança da sua natureza. Com isso ela não cometeria o o mais fraco entre esses homens duros – tinha boa razão para
erro de estar pronta a acreditar em traidores, confiar em saber. Era Darnley, o homem com “coração de cera” o qual cada
mentirosos, ou abrir seu coração para os sem coração! Não, dedo poderia fazer uma mossa.
agora ela seria astuta, colocaria uma máscara sobre seus
O primeiro artifício de Mary foi uma obra prima da
sentimentos, dissimularia sua ira, seria amigável com seus
psicologia. Ela declarou que havia sido atingida pelas dores do
inimigos, sempre esperando com ódio escondido para hora de
parto. Como ela estava no quinto mês de gravidez, a excitação
quando pudesse vingar-se de seus assassinos favoritos! Ela
da noite anterior, e tendo sido tirado dela seu favorito pela
devotaria seu poder para dissimular seus pensamentos
morte no quarto ao lado, o choque havia causado um aborto
verdadeiros, adularia seus adversários enquanto permaneciam
espontâneo, provável o suficiente. Ela fingiu ter violentas
bêbados com o triunfo do sucesso, poderia por um dia ou dois,
cólicas abdominais e foi posta na cama; e, na sua suposta
parecer humilde na presença de seus malfeitores, mas depois
circunstância, seria uma crueldade inacreditável proibir o
ela os humilharia para sempre! Tal traição infame poderia ser
acesso de sua ajudante e do seu médico. Era tudo o que ela
vingada somente com ela própria pronta para atuar como
queria para o momento, que o seu estrito isolamento fosse
traidora ainda mais destemida e cínica do os próprios traidores.
rompido. Agora ela teria a chance de se comunicar com
Mary Stuart formou seu plano com um daqueles raios de Bothwell e Huntly, planejar com eles os meios para escapar.
luz de gênios o qual, quando o perigo de ameaças de morte, Mais ainda, por essa suposta doença, ela colocaria os
chega mesmo à aquelas pessoas maçantes e de temperamento conspiradores (seu marido acima de todos) em um dilema. Pois
indiferente. Sua situação, que ela percebeu imediatamente, era a criança no seu ventre era herdeira do trono da Escócia e da

118
Inglaterra, e uma responsabilidade avassaladora foi posta sobre doente; a mulher com olhar submisso e terno ao homem
o pai em frente aos olhos do mundo, pois as ações dele durante tirânico que havia se mostrado seu mestre. O garoto estúpido
a noite havia colocado a vida da criança em perigo. Cheio de foi capaz de aproveitar o triunfo que havia sonhado na noite
preocupação Darnley apareceu no apartamento de Mary. anterior. Mary o cortejou mais uma vez. Desde que ela sentiu o
peso da sua mão de ferro, ela, uma vez tão arrogante, tornou-
Agora começa a cena dramática, essa improvável
se doce e gentil. Agora que ele tinha tirado o patife italiano fora
coroação somente se compara com aquele cena de
do caminho, ela estava pronta para mais uma vez servir seu
Shakespeare quando Richard III, antes de colocar no caixão o
verdadeiro lorde e mestre.
homem que havia assassinado, corteja e ganha a viúva do
morto. Da mesma forma em Holyrood, o assassinato ainda Para um homem de inteligência excepcional uma
estava fresco; lá, da mesma forma, o assassinado ou um dos mudança tão rápida de semblante pareceria suspeita. Ele
confederados foi confrontado por uma pessoa que ele tinha deveria ter se lembrando do choro dela na noite anterior
traído hediondamente; lá, da mesma forma, a arte da gritando que ele e o pai eram traidores. Ele deveria ter em
enganação adquiriu habilidades demoníaca. Não existe mente que, como filha da Casa dos Stuart, seria quase
testemunhas. Nós conhecemos apenas o começo e o fim. impossível para ela perdoar uma humilhação ou esquecer uma
Darnley entrou no quarto da esposa, no quarto da mulher a afronta. Porém Darnley, igual a uma pessoa de cabeça de vento,
qual ele infligiu tão sombria humilhação na noite anterior, a expelia vaidade. Igual aos estúpidos em geral, ele ficava cego
mulher que na primeira explosão de raiva havia anunciado sua com elogios. Então, como uma mais ainda memorável
determinação para a vingança. Igual a Kriemhild ao lado do complicação, dentre todos os homens os quais tiveram contato
corpo de Siegfried, ainda ontem ela de punho cerrado contra o com ela, esse jovem de cabeça vazia foi o que despertou os
assassino. Mas, assim como Kriemhild, ela, pelo bem da sentimentos de Mary Stuart. Ele ansiava pela posse corpo dela,
vingança, aprendeu durante a noite ocultar seu ódio. Darnley e nesse aspecto foi escravo dela; nada o havia amargurado mais
encontrou, não a Mary da noite anterior, o feroz e orgulhoso do que a sua recusa, para depois ela aceitá-lo. Agora, maravilha
espírito da revanche personificado, mas uma infeliz, uma das maravilhas, a cobiçada mulher se declarava inteiramente
mulher de coração partido, cansada para morrer, dócil e dele, pediu a ele que passasse a noite com ela, não mais manter

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distante. Instantaneamente suas forças foram subjugadas; mais como táticas calculistas, o homem que havia sido a alma da
uma vez ele se tornou seu afetuoso amante, seu escravo, seu conspiração tinha se mantido de fora da execução e tinha sido
servente. Ninguém sabe dizer por qual arte sútil do engano cauteloso para evitar participar do ato assassino. Nunca esse
Mary efetivou essa conversa maravilhosa tanto quanto a de homem cheio de truques e ardis seria visto caminhando por
Saulo na estrada de Damasco. Na verdade, em vinte e quatro caminhos perigosos. Porém, como sempre, quando outros
horas depois do assassinato de Rizzio, Darnley, quem na noite haviam carregado o fardo do dia, ele voltava com as mãos
anterior traiu Mary pelos Lordes da Escócia, tornou-se seu limpas, tranquilo, orgulhoso, confiante, para colher os frutos.
fiador, querendo realizar até seu menor desejo e preparado Nesse dia 11 de abril, de acordo com o plano original de sua
para o seu ato máximo de traição contra seus amigos de ontem. meia irmã, ele estava para ser declarado publicamente traidor
Ainda mais fácil do que foi colocá-lo contra ela, a esposa pelo parlamento. Porém, eis que, sua irmã prisioneira, por um
recuperou a fidelidade do seu servo. Ele divulgou para ela os momento, esqueceria o seu ódio. O desespero a tornou uma
nomes dos conspiradores, estava pronto e querendo fugir com grande atriz, ela se jogou em seus braços, para lhe dar o beijo
Mary, e foi fraco o suficiente para se tornar um instrumento de de Judas o qual ontem havia recebido do seu marido. Insistente
vingança num caminho que, no final, o faria trair os traidores. porém com doçura ela implorou pelo conselho e ajuda do
Ele era uma ferramenta maleável quando saiu do quarto o qual homem que recentemente ela havia banido.
havia entrado com espírito de mestre. Algumas horas depois da
Moray, afiado em psicologia, entendeu a situação muito
sua mais profunda humilhação, Mary começou os
bem. Ainda assim sua irmã o iludiu. Não pode ter dúvidas de
procedimentos para destruir seus inimigos. Sem os
que, no planejamento e execução do assassinato de Rizzio, o
conspiradores saberem, o líder entre eles entrou em uma
objetivo dele era frustrar o objetivo secreto de Mary de
conspiração contra eles: traição cruel foi derrotada por traição
restaurar o Catolicismo na Escócia. Do ponto de vista dele, o
de gênio.
moreno italiano bisbilhoteiro era um grave risco para os
Metade do trabalho de libertação já havia sido Protestantes, para a causa da Escócia, e mais ainda, um
concluído quando Moray e outros nobres banidos voltavam obstáculo forte no caminho da vontade de poder do próprio
para Edinburgh. Em conformidade com seu temperamento Moray. Agora que Rizzio era osso morto, Moray aceitaria

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qualquer dissabor para que o evento fosse rapidamente seus sentinelas dos portões de Holyrood. Por uma ou outra
esquecido, e assim ele propôs um compromisso. A degradante razão, eles eram difíceis. Eles eram muito bem familiarizados
tropa que vigiava a rainha, para os lordes rebeldes, terminou com o orgulho dos Stuarts para acreditar que Mary perdoaria e
imediatamente, e a autoridade de Mary foi restaurada. Da olharia para outro lado depois de ter uma pistola apontada para
parte dela, ela deixaria o passado ser passado, perdoaria o ela, ou esqueceria o assassinato do seu favorito como mera
homicídio patriótico. ninharia. Eles pensaram que seria mais seguro para eles manter
a ingovernável mulher sob vigia e custódia, e privá-la de
Praticamente não precisa dizer que Mary, quem, no
qualquer possibilidade de vingança. Ela seria perigosa, eles
meio tempo, havia planejado cada detalhe de sua fuga com seu
sentiram, enquanto ela tivesse liberdade. Outra circunstância
esposo traiçoeiro, não tinha nenhuma intenção de perdoar os
inquietante para eles era que Darnley mais uma vez estava em
assassinos. Como, entretanto, seu supremo objetivo era
excelentes termos com a sua esposa, frequentando sempre o
acalmar os rebeldes num sono perigoso, ela se declarou em
apartamento dela, e mantinha longas e privadas conversas com
total acordo com os termos supracitados. Tão admirável o que
ela. As suas próprias experiência havia os ensinado o quão
ela, em uma única noite de horror, aprendeu da arte de
pouca pressão era necessária para influenciar esse fraco, e eles
enganar, que seu irmão que a conhecia desde criança acreditou
começaram a expressar abertamente suas suspeitas de que
alegremente nela. Quarenta e horas depois do assassinato de
Mary estava tentando desanexá-lo de suas causa para a dela
Rizzio, o enterro do seu corpo mutilado parece que varreu o
própria. Eles avisaram expressamente Darnley para não
incidente para baixo da terra. A vida deve continuar como se
acreditar nas promessas dela e manter a fé neles, pois de outro
nada tivesse acontecido. Um músico andante, um homem sem
modo, como eles disseram (uma profecia verdadeira) “tanto
conta, havia sido tirado do caminho, e isso era tudo o que tinha
você quanto nós teremos razões para arrependimento.”
acontecido. Um músico andante! O pretencioso e mendigo logo
Embora, óbvio, o mentiroso jurava ser leal a eles, eles
seria esquecido, e a paz reinaria mais uma vez sobre a Escócia.
pensavam que seria melhor manter os sentinelas postos nos
O pacto foi assinado. Mas, estranhamente, os aposentos da rainha até que ela assinasse a promessa de
conspiradores não cumpriram sua parte na barganha de retirar imunidade. Tal como esses amigos estranhos quiseram uma

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escritura legítima antes de cometer o crime, agora eles queriam postos na porta do quarto de Mary. Era o que ela queria. O
um escritura da absolvição. caminho para fugir estava livre.
Nós vemos que esses mentirosos sabiam como a palavra Mal as portas estavam livres, Mary levantou-se
dita é vazio e sem valor, e assim só ficariam satisfeitos com rapidamente da cama que fingia estar doente e energicamente
promessas documentadas. Mary, entretanto, era muito começou suas preparações. Bothwell e outros amigos fora do
orgulhosa e cuidadosa para se vincular aos assassinos com palácio há muito haviam sido informados. A meia noite cavalos
assinatura. Nenhum desses patifes iria persegui-la com um selados esperavam na sombra do muro dos jardins da Igreja.
contrato em mãos. Porém precisamente por estar determinada Tudo o que precisava era acalmar os sentinelas dos
a não dar aos conspiradores a escritura de imunidade, ela fingiu conspiradores; e uma vez mais foi atribuído ao homem que
estar perfeitamente compelida a acatar a demanda. Tudo o que Mary mais desprezava e que agora ela fazia uso pela última vez
ela queria era ganhar tempo até a noite! Para Darnley, agora – Darnley- a vergonhosa função de entorpecer seus sentidos
completamente manso, ela deu a vergonhosa missão (sete com vinho e diversão. Tal desprezível negócio era tudo o cabia
vezes indigna de um rei) para segurar seus amigos de ontem em a ele na estima dela. Obediente como marionete, ele convidou
nome de uma cordialidade fictícia para conversar a respeito da aqueles que recentemente eram seus amigos para uma
assinatura. Ela enviou-o como seu negociante aos rebeldes, e poderosa noite de diversão. Vinho regado livremente, o grupo
em conjunto esboçar uma escritura formal de impunidade, a bêbado estava pronto para a reconciliação. Quando, com as
qual, assim, nada estaria faltando apenas a assinatura de Mary. cabeças rodando e os pés cambaleando, os membros quiseram
Bem, agora era tarde da noite para isso. A rainha estava muito ir para suas camas, Darnley, desejando evitar suspeitas
cansada e precisava dormir. Ele prometeu, entretanto, como cuidadosamente se dirigiu ao quarto da rainha. Porém esses
uma mentira a mais não faz diferença, trazer o documento na amigos não mais se incomodavam com tal bagatela. A rainha
próxima manhã cedo assinado e selado. Quando um rei dá a sua tinha prometido o perdão, o rei garantido a impunidade. Rizzio
palavra duvidar é uma grave afronta. Os conspiradores, então, estava enterrado, e Moray estava de volta em Edinburgh. Qual
para cumprir sua parte na barganha, retiraram os sentinelas outra razão precisava para pensar ou espiar? Eles se retiraram

122
para seus sofás e dormiram profundamente depois de um do cavalo atrás de Arthur Erskine, o leal capitão do seu corpo
árduo dia de bebedeira e triunfo. de guarda. Ela se sentiu mais segura com seus braços em volta
dele do que se ela estivesse de mãos dadas com seu marido,
A meia noite, quando há muito o silencio prevalecia no
quem certamente, sem esperar por ela galopou rápido para
palácio dorminhoco, um portão foi gentilmente aberto. Através
salvar a própria pele. Assim agarrada a Erskine, a rainha fez o
do alojamento de serventes e escada abaixo Mary tateou seu
mais rápido possível as vinte e uma milhas para a Casa Seton,
caminho até a adega; então, por uma passagem subterrânea,
onde Lorde Seton estava a esperando com uma escolta de
ela chegou no jardim da Igreja – uma rota sombria que leva a
duzentos homens. Agora, montada em seu próprio cavalo e
sepulturas iluminadas por tochas cintilantes,
com toda a sua equipe, a fugitiva pela luz do dia se tornava a
intermitentemente revela caixões e ossos dos mortos nas
soberana mais uma vez. Antes da tarde ela atingiu Dunbar.
criptas de paredes úmidas e frias. Escadas acima, agora,
Aqui, ao invés de falar em repouso, ela imediatamente
alcançar o ar livre! Devia agora apenas cruzar o jardim e
começou o trabalho. Não era o suficiente ser chamada de
encontrar os amigos esperando com os cavalos. De repente
rainha, pois nesse tempo ela deveria lutar pela realidade do seu
Darnley tropeçou uma cova nova; a rainha se juntou a ele e
reinado. Ela escreveu despachos a serem enviados em cada
reconheceram com horror que aquele era o lugar que David
direção, convocando seus nobres leais a formar um exército
estava enterrado, com um monte pequeno sobre seu corpo.
contra os rebeldes, que seguravam Holyrood. Sua vida estava
Essa foi a última prova do martelo do destino, para salva; agora ela tinha que salvar sua coroa e sua honra. Essa
endurecer ainda mais a mulher machucada com o coração já mulher sempre, quando se tornava inspirada pela sede de
endurecido. Ela sabia quais tarefas esperavam por ela: vingança, ou quando outra paixão estourava, sabia como
restabelecer sua honra real com essa fuga, e trazer um herdeiro conquistar os fracos, fazer o melhor da fadiga. Eram nesses
com segurança ao mundo; e então vingar-se sobre todos que se momentos grandiosos e decisivos que ela se fazia a altura de
juntaram para humilhá-la. Vingança para ele também, que suas tarefas.
agora era seu ajudante! Sem hesitar nem por um instante, a
Com grande choque os conspiradores descobriram na
esposa, que estava com a gravidez avançada, montou no lombo
manhã seguinte os quartos vazios em Holyrood; a rainha havia

123
fugido; que Darnley, o companheiro e protetor, também havia Movida pelo seu desejo de revanche, Mary agora
desaparecido! Nos primeiros momentos, entretanto, eles não poderia fazer um sinal de exemplo a nobres rebeldes, mostrar
perceberam a total extensão do desastre. Confiando na palavra a eles e ao resto do mundo que ninguém conspiraria contra ela
de Darnley, eles continuaram a acreditar na total anistia, que e sairia impune. Porém a situação já era muito perigosa para
em conjunto com ele, haviam escrito na noite anterior. Isto, ensiná-los precaução para o futuro. Moray, achava que
pensaram, poderia esperar, e era difícil acreditar que traição certamente havia sido privado da conspiração (como a sua volta
como a dele era possível. Eles recusavam a aceitar a noção de pronta após o assassinato de Rizzio) e que não havia participado
que haviam sido enganados. Como emissário eles enviaram ativamente na questão. Mary percebeu que seria mais
Lorde Sempill a Dunbar com a humilde súplica a Vossa prudente não proceder com extremismos contra o seu meio
Majestade a assinar o seguro e outras clausuras que ela havia irmão, pois ele era um homem de larga influência. “Não me
prometido. Por três dias, entretanto, o emissário ficou aventurando em ter muito de uma só vez em mãos” como ela
esperando fora dos portões, como o Imperador Henry IV foi mesma disse, “ela achou melhor fechar os olhos para alguns
mantido esperando por Gregory na neve de Canossa. Ela não dos ofensores.” Além disso, se ela propõe ações extremas, não
consideraria esses rebeldes – menos ainda agora que Bothwell seria Darnley, seu próprio marido, o primeiro a ser tratado, já
havia reunido suas tropas. Os conspiradores ficaram muito que ele quem liderou os assassinos para o quarto dela e
alarmados, e suas fileiras se tornaram finas. Um após outro segurou suas mãos quando o assassinato estava acontecendo?
apareceu em Dunbar para pedir o perdão; mas os líderes, como Mas desde que sua reputação havia sido injuriada previamente
Ruthven que havia atacado em primeiro Rizzio, e Andrew Ker pelo escândalo de Chastelard, cairia melhor no livro de Mary
de Faudonside, que havia ameaçado a rainha com a pistola, não mostrar Darnley à luz da sua honra ciumenta e vingadora.
sabiam que para eles não poderia haver perdão. Fugiram pelo “Jogue muita lama, pois alguns vão ficar presos.” Caberia
país em velocidade máxima; e mesmo John Knox que havia dito melhor tanto a Mary e Darnley se a teia dos eventos recentes
tão rápido e tão alto a aprovação para o assassinato achou fosse divulgada de tal forma a mostrar que Darnley, apesar de
melhor o expediente de desaparecer por uns tempos. ter sido um dos primeiros a ser investigado na desastrosa
questão, não teve parte nem no planejamento nem na

124
execução do assassinato. Isso era difícil de provar no caso do parecia quieto lá. O semblante de guarda de paz sem ativar
homem que havia assinado dois contratos garantindo a águas profundas, alguns pobres diabos foram enforcados,
impunidade dos assassinos, e que o próprio punhal, o qual ele subalternos, escudeiros, soldados privados, que sob o comando
havia emprestado a um deles, foi encontrado junto com o corpo de seus lordes haviam guardado as portas quando seus mestres
de Rizzio. Fantoches, entretanto, não tem e nunca terão honra, faziam o trabalho cruel escada acima; porém aqueles de sangue
assim Darnley dançou obedientemente quando Mary puxava as azul não foram punidos. Rizzio permanecia suntuosamente
cordas. Em cerimônia, jogando com sua “honra” e sua “palavra” enterrado no cemitério real – como se isso servisse de
como príncipe, ele fez o anúncio mais descarado de falsidade consolação ao homem morto! Seu irmão Joseph sucedeu David
do século no mercado local de Edinburgh, declarando que não como secretário. Com esses eventos, parecia que o trágico
teve nada com a “conspiração traiçoeira”; que era calúnia para episódio havia sido esquecido e perdoado. Mas a morte não é
acusá-lo; que ele não tinha “aconselhado, comandado, silenciosa; o sangue chora do chão contra aqueles que a
consentido ou assistido”- embora todo mundo na capital e no causaram. Pessoas que foram violentamente postas para
interior sabia que ele não apenas tinha feito todas essas coisas, descansar deixa a culpa sem descanso e sem silêncio.
mas que tinha “aprovado” o assassinato com selo e contrato.
Depois dos perigos e excitações que ela atravessou,
Se era possível para um homem agir de forma tão abjeta quanto
havia uma coisa essencial a Mary para consolidar a posição a
Darnley durante o assassinato de seu amigo, ele o foi agora
qual havia sido gravemente abalada; ela deveria com sucesso
cometendo perjúrio proclamado publicamente. Entre todos
parir um herdeiro saudável para o trono. Apenas como mãe de
aqueles os quais Mary jurou vingança, talvez Mary Stuart se
um prospectivo rei ela estaria segura, uma segurança
vingou de forma mais terrível de Darnley, quando ela forçou o
impossível a ela como a mera esposa de um rei como Darnley,
homem, que há muito já tinha se feito um desprezível, a
um rei de buracos e remendos. Inquieta ela aguardava as horas
intensificar sua desgraça por essa mentira ultrajante.
difíceis que estavam à frente dela. Melancolia e depressão a
Uma mortalha branca de falsidade agora havia se sombreavam durante as últimas semanas antes de dar à luz. A
espalhado em cima do assassinato. O estranho casal real morte de Rizzio havia deixado uma cicatriz na sua mente? Seria
reconciliado fez uma entrada triunfante em Edinburgh. Tudo ela com as energias fortificadas teve um presságio dos

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desastres iminentes? Qualquer que seja o caso, ela cumpriu a paternidade de seu filho, e talvez subsequentemente, com essa
vontade de legar a Darnley um anel que ele havia dado a ela, “o base, recusar a ele o direito de sucessão a coroa inglesa. Assim
anel de diamante esmaltado de vermelho”. Não era para ela estava determinada a utilizar a publicidade para destruir
Joseph Rizzio, ou Bothwell ou as quatro Marys, todos foram imediatamente essa mentira. Convocando Darnley para a
esquecidos. Pela primeira vez na vida essa mulher, que em câmara de parto o presenteou com a criança em frente a outros
geral, tão despreocupada, ousada, parecia estar temendo a convocados, dizendo: “Meu Lorde, Deus deu a mim e a você um
morte e o perigo. Abandonando Holyrood, o qual, como a filho que o pai é ninguém além de você.”
morte de Rizzio demonstrou, não era um lugar seguro como
Darnley estava embaraçado, pois ninguém havia feito
residência, ela se mudou para um lugar menos confortável
mais do que ele, com sua inveja loquaz, para espalhar notícias
porém inexpugnável Castelo de Edinburgh para esperar pelo
desonrosas a respeito de Mary. Como ele responderia ao solene
parto do herdeiro ao trono das coroas da Inglaterra e Escócia.
anúncio de sua esposa? Para esconder a vergonha, ele se
Na manhã de 19 de junho de 1566, a saudação real de ajoelhou em frente à criança e o beijou.
armas anunciava para a cidade com alegria a notícia de que um
Mary, carinhosamente pega o bebê em seus braços,
filho havia nascido, o novo Stuart Rei da Escócia. Esse seria o
descobre a sua face, e o apresenta uma vez mais ao marido com
final do perigoso “regimento de mulher.” A mãe com a mais
as palavras: “ Meu Lorde, aqui eu protesto a Deus, e eu devo
ardente vontade e forte desejo do país por um herdeiro
responder a Ele no grande dia do julgamento, esse é o seu filho,
masculino para a Casa dos Stuarts havia sido preenchido.
e não filho de outro homem; e eu desejo que todos aqui, tanto
Porém mal a criança nasceu, quando Mary sentiu a
as damas quanto os outros, testemunhem, que ele é tanto seu
incumbência sobre ela de garantir a honra dele. Sem dúvida que
filho que eu temo que isso pode ser pior para ele daqui para a
os rumores trazidos até ela de notícias com suspeitas
frente.”
venenosas as quais os conspiradores haviam instilados nos
ouvidos de Darnley, de que ela havia tido adúltera relação com Isso foi uma grande e solene asseveração, e ao mesmo
Rizzio. Ela sabia com que alegria sua “querida irmã” Elizabeth tempo um estranho pavor pronunciado. Mesmo em hora tão
em Londres, encontraria qualquer pretexto para contestar a pesada, a esposa mortificada não conseguia esconder a

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desconfiança por Darnley. Ela não conseguia esquecer o quanto “Então” disse ela “deixe-os ir.”
ele havia a desapontado e a ferido. Depois dessas palavras
Esse foi o final da conversa, com palavras como raios
memoráveis, a rainha se virou para Sir William Standen,
iluminados mostravam que uma tempestade estava se
dizendo; “Esse é o Príncipe quem eu espero que deverá ser o
preparando. Mary disse nada mais do que meia verdade
primeiro a unir os dois reinos, da Inglaterra e Escócia.”
quando declarou que havia perdoado, embora não pudesse
Com alguma surpresa, Sir William respondeu: “Por que esquecer. Ela não era mulher de perdoar tal ultraje. Não haveria
Madame, ele deveria suceder antes de Vossa Majestade e seu nunca paz de novo nesse castelo ou no país até que sangue
pai?” fosse expiado com sangue, e violência fosse recompensada com
violência.
“Alas” disse Mary suspirando “seu pai está destruído
para mim.” Mal a mãe havia acabado de dar à luz a seu bebê, entre
nove e dez da manhã, quando Sir James Melville, como sempre
Darnley abertamente envergonhado, tentou consolar a
o mais leal emissário da rainha, estava pronto para enviar as
esposa, e inquieto inquiriu: “Doce Madame, e a sua promessa
notícias a Londres. Ele recebeu as instruções, como ele relatou
que você fez de perdoar e esquecer tudo?”
em suas memórias, “para postar com diligência no dia 19 de
“Eu perdoei tudo”, retrucou Mary, “mas nunca vou junho, no ano de 1566, entre dez e onze da manhã. Bateu doze
esquecer.” horas quando montei meu cavalo, na mesma noite eu estava
em Berwick.” Esta foi uma cavalgada com muita pressa,
Depois de uma pausa ela continua: “E se a pistola de
certamente, para cobrir dois dias de viagem em apenas metade
Faudonside atirasse? O que teria acontecido com ele e comigo?
do dia, pois o costume para a primeira parada a caminho de
Em qual estado você estaria? Somente Deus sabe, mas nós
Londres era em Dunbar. Ele continuou a expressar a mesma
podemos suspeitar.”
velocidade. “No quarto dia eu estava em Londres.” Lá ele foi
“Madame”, Darnley responde, “essas coisas são todas informado de que a rainha estava dançando em Greenwich,
passadas.”

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então pediu por um cavalo descansado, acelerou a montaria em Em nenhum momento durante os anos de sua vida foi
ordem de entregar a grande notícia na mesma noite. tão profunda a tragédia de sua infelicidade revelada de forma
tão simples; nunca ela havia revelado mais abertamente o quão
Elizabeth, convalescendo de uma longa e perigosa
dolorido o seu coração era pela sua incapacidade de criar frutos
doença, estava celebrando a recuperação de suas forças.
de amor. A consciência amarga de sua infertilidade encontrada
Vívida, animada, vermelha e cheia de pó, ela parecia, com sua
no desabafo nas exclamações que explodiam nas lágrimas
saia em forma de sino, uma grande tulipa no meio do círculo de
saídas do mais profundo lugar do seu coração. Alguém poderia
admiradores e cortesãos. O secretário Cecil, com Melville em
sentir que ela daria todos os reinos do mundo por uma simples,
seu pé, fez o caminho entre os dançarinos até a rainha, e
limpa, e felicidade natural – pela felicidade de ser uma mulher
sussurrou no seu ouvido que Mary Stuart tinha parido um filho.
completa, amada por completo, esposa e mãe. Apesar da inveja
Em geral, como soberana, Elizabeth era uma habilidosa de Elizabeth ela poderia perdoar tudo em Mary, exceto isso.
diplomata, controlada, praticante da arte de esconder os seus Para ela, que não poderia ser nem mãe e nem esposa, era
sentimentos. Porém essa notícia atingiu a mulher dentro dela, imperdoável que Mary fosse os dois.
perfurou-a como um punhal. Por um momento ela perdeu o
Na manhã seguinte, entretanto, ela era uma vez mais
controle sobre seus nervos rebeldes. Tão esmagadora era a sua
completamente rainha, a política, a diplomata. Com esplendor,
consternação que seus olhos raivosos e seus lábios
ela aplicou a arte a qual era treinada, a arte de ocultar tristeza
comprimidos se esqueceram de dissimular. Sua face crescia
e sofrimento atrás de frases frias e majestosas. Quando Sir
rígida; ela corou por cima da maquiagem; suas mãos se
James retornou para Greenwich na manhã seguinte de barco
fecharam em convulsão. Ela ordenou que os músicos cessassem
para prestar seus respeitos a Vossa Majestade, ele foi recebido
de tocar; a dança parou repentinamente; a rainha se apressou
por uma mulher “que tinha que mostrar rosto contente, estava
para fora do salão. Chegando ao seu quarto de dormir, ela caiu
vestida no seu melhor, e disse ‘que notícia alegre da Rainha
completamente, estourando em lágrimas, colapsando na
minha irmã que entregou um filho legítimo, que eu tinha
cadeira, soluçando alto: “A Rainha da Escócia é mãe de um
enviado para ela pelo Sr. Cecil que tivesse um bom trabalho de
herdeiro, enquanto eu sou uma peça estéril.”
parto sem dores pesadas.’ Assim ela me deu boas vindas com

128
um feliz contato, agradeceu-me pela diligência que eu havia
usado.” Ela implorou ao emissário que enviasse a Mary as mais
afetuosas congratulações, renovada ela prometeu se tornar a
madrinha da criança, e, se possível, estar presente no batismo.
Pela simples razão de Elizabeth ter rancor da boa fortuna de
Mary, ela desejava – sempre como uma atriz atuando ansiava
por convencer a plateia de sua própria grandeza – aparecer em
frente ao mundo como magnânima padroeira.
Tudo parecia estar admiravelmente em ordem, e os
presságios apontavam para a paz e amizades. Por um lado, seria
impossível a Elizabeth contestar esse herdeiro homem entrar
na sucessão da Inglaterra; por outro lado, certamente seu
filhinho no tempo certo se tornaria Rei da Inglaterra refreando
a impaciência de Mary Stuart pela coroa inglesa. Mais uma vez
as nuvens que pairavam sobre o destino de Mary pareciam ter
sido felizmente dispersas; porém, como aconteceu de novo e
de novo, quando a vida estava preparada para dar a ela paz e
felicidade, sua natureza mais íntima a levava à sua maneira de
agitar a si mesma. O destino não adquire significado e forma
pelas oportunidade do mundo exterior; “caráter é o destino”; é
invariável que as leis primeiras e inatas do ser humano moldam
a vida para a mais alta posição ou para a destruição.

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CAPÍTULO DEZ de pouco paralelo na história, esquecendo de todas as outras
reivindicações, ela arremessou a si mesma sem prudência pelo
abismo, arrastando junto sua honra, lei, moral, coroa e país –
Um Terrível Entrelaçamento propagando características que ninguém havia suspeitado
( JULHO ATÉ O NATAL 1566 )
haver nela, seja como a diligente e digna princesa ou como
mulher quem (foi a Rainha Viúva da França e também como
Rainha da Escócia e Ilhas) parecia estar indiferente esperando
Na tragédia de Mary Stuart o nascimento do seu filho os curso dos eventos. Durante o ano que se seguiu Mary
significava o encerramento do primeiro ato. Apenas com a aumentou a intensidade dramática da sua vida em mil vezes, e
abertura do segundo ato a situação assumiu um caráter nesse ano ela naufragou a sua vida.
completamente dramático, acrescido de dissensões internas e Na abertura do segundo ato, Darnley aparece uma vez
incertezas. Novas personagens apareceram no palco; a peça foi mais em cena, da mesma forma modificado, e em linhas
encenada numa mudança de teatro; a tragédia se tornou trágicas. Ele estava sozinho, desacompanhado, pois ninguém
pessoal ao invés de política. Até agora, Mary teve que lutar, um teria confiança no homem que traiu tão vergonhosamente seus
tanto sem reflexão, contra os rebeldes do seu próprio país e amigos. O jovem ambicioso estava amargurado e cheio de ira
contra inimigos do outro lado da fronteira; porém agora novos impotente. Tendo feito tudo o que um homem pode fazer por
poderes se acumularam sobre ela, o que a fez ser a mais uma mulher, ele esperava em retorno, da parte de Mary,
poderosa do que todos os lordes escoceses postos juntos. gratidão, auto sacrifício, e talvez até amor. Ao invés disso, sua
Simultaneamente, entretanto, seus próprios sentimentos se esposa, que não precisava mais dele, mostrou a ele nada além
elevaram em revolta, assim a mulher dentro de si guerreava de repulsão. Ela era inexorável. Os conspiradores alarmados,
contra a rainha. Pela primeira vez a fervura do seu sangue querendo vingança contra Darnley, e com astúcia, revelaram a
ganhou precedente sobre a vontade de poder. Com a Mary o contrato que ele havia assinado junto com eles antes do
leviandade da paixão, a mulher desperta destruiu o que a assassinato de Rizzio. Essa prova da cumplicidade do seu
monarca sedosamente havia preservado. Num êxtase de amor, marido não revelou nada que Mary já não havia adivinhado,

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porém confirmou o seu desdém pela traição e covardia de essas naturezas de língua doente inumeráveis poderiam
Darnley, assim ela achava difícil perdoar a si mesma pela sua proclamar seu filho como bastardo. Seria, eles declararam,
fantasia ter sido enredada por um homem que era tão indigno prejudicial ao título ao trono por James se o seu nome fosse
quanto bonito. Seu ódio por ele, era em parte, um ódio pelo seu marcado pelo escândalo, e assim a rainha, com todo o custo
próprio erro. Darnley se tornou repugnante para ela como uma sobre si, deveria refrear a tentativa de se divorciar do marido.
criatura horrível e venenosa a qual ninguém pode tocar e, por
Bem, havia outra possibilidade. Enquanto continuava a
último de tudo, admitir familiaridade íntima conjugal. Ela não
se recusar a Darnley como esposa no total senso do termo,
conseguia respirar o mesmo ar que o marido por muito tempo;
Mary deveria manter as aparências. O casal deveria viver juntos
a proximidade dele era opressiva para ela como um pesadelo.
perante os olhos do mundo, como rei e rainha, enquanto cada
Porém um pensamento a monopolizava dia e noite; como se
um vivia livre a vida privada. Evidência de que Mary considerava
livrar dele, como se libertar de uma posição que havia se
essa forma cômoda pelo relatório de uma conversa com
tornado intolerável.
Darnley a qual ela sugere que ele encontre uma amante – se
Essa noção de libertar a si mesma de Darnley não foi, possível a Condessa de Moray, esposa do inimigo de Darnley.
para começar, ofuscado pelo sonho de desejo de um ato de Apesar da proposta ter sido feita em tom de brincadeira, a
violência. Esse problema não era peculiar a Mary Stuart. Igual a intenção de Mary era séria para mostrar ao marido que ela não
milhares de mulheres, depois de um curto período de ficaria mortificada caso o marido encontrasse gratificação
casamento ela sentiu um profundo desapontamento pelo sexual em outro lugar. Infelizmente para o esquema dela,
marido; tão grave o desapontamento que agora o homem era Darnley era um escravo, e desejava nenhuma outra mulher no
um estranho para ela, com o resultado de o pensamento do seu mundo do que a esposa orgulhosa e forte. Ele estava louco para
abraço e a menor associação íntima se tornou um sofrimento. possuí-la uma vez mais, continuamente exigindo a restauração
Em tal instância o divórcio parecia um caminho óbvio e lógico, do seu direito conjugal; e quanto mais ardente ele a cortejava,
e Mary discutiu essa possibilidade com Moray e Lethington. Eles com mais desprezo e mais efusiva ela repelia os seus avanços.
apontaram a ela que o divórcio logo após o parto seria provável A frieza dela, a aversão, serviam apenas para aumentar o ardor
que se espalhasse fofocas sobre suas relações com Rizzio, assim dele. De novo e de novo ele retornava para carregar, dando a

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ela razões frescas para deplorar a pressa com que nos olhos da renovado, perambulando de castelo a castelo, de alojamento
lei e da religião ela tinha que conceder privilégios ao marido, para caça para ouro alojamento de caça. Se nessas
para esse jovem sem graça, o qual ela agora repugnava, e o qual circunstâncias ela deu o melhor de si para se divertir, se em
ela estava irrevogavelmente ligada. Alloa ou em qualquer outro lugar, Mary Stuart, que não tinha
ainda vinte e quatro anos de idade, aproveitou a si mesma o
Nessa cruel situação Mary Stuart fez o que seres
quanto ela pôde, revivendo bailes de máscaras, e outros
humanos estão muito aptos a fazer em tais circunstâncias. Ela
entretenimentos dos dias de Chastelard e Rizzio se, ela
evadiu a decisão, absteve-se do combate aberto, e se refugiou
intocável como sempre, meramente matava o tempo – isso
em fuga. Quase todos biógrafos dela declararam
mostra somente com que indiferença ela confiaria nas suas
incompreensível que ela não teve um período de descanso
memórias às experiências que já estavam longe dela. Uma vez
depois do parto do seu filho, porém quatro semanas foram
Darnley fez uma tentativa tímida de afirmar a sua posição. Ele
abandonadas, tanto castelo quanto bebê em ordem de pegar
viajou até Alloa, mas foi recebido bruscamente, e não foi
um barco até Alloa, um dos estados de Earl de Mar. Na
convidado para ficar para a noite. Mary havia saturado dele.
realidade essa fuga é perfeitamente explicável. Pelo tempo seu
Seu sentimento por ele tinha queimado e morrido igual a fogo
pequeno James tinha quatro semanas de idade, e chegava ao
de palha. Ele tinha sido uma daquelas tolices que queremos
fim o período que, sem nenhum pretexto especial, ela poderia
esquecer o mais rápido possível; era isso o que Henry Darnley
recusar o não amado marido. Darnley poderia, sem violar
se tornou para Mary Stuart, uma insensatez do seu amor que o
nenhuma convenção comum, tornar-se mais e mais
fez Lorde da Escócia e lorde do seu próprio corpo.
inoportuno. Dia após dia, noite após noite, ele clamaria para
possuí-la, e ela não suportava aceitar como amante um marido Darnley não mais contava para ela. Mesmo Moray, seu
que ela havia cessado de amar. O que poderia ser mais natural, meio irmão, apesar de exteriormente ter se reconciliado com
então, do que correr para longe dele, um lugar entre ela e ele, ele, sua confiança não havia sido plenamente restaurada; e
na distância que libertaria sua mente enquanto libertava seu nunca mais ela confiaria completamente em Lethington. Ainda
corpo? Nas semanas seguintes e meses, durante o verão inteiro assim ela precisava de alguém em quem ela pudesse colocar a
e boa parte de outono, ela salvou a si mesma por um voo sua confiança. Tanto quanto mulher e rainha, ao longo de sua

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vida Mary está à procura, conscientemente ou renome militar era tão alarmante aos conspiradores que eles
inconscientemente, de um antípoda firme para a sua própria rapidamente capitularam. Ninguém na Escócia até então tinha
natureza incansável e inconstante. feito tal excelente trabalho a Mary quanto esse vigoroso
soldado, que agora tinha cerca de trinta anos de idade.
Desde a morte de Rizzio, Bothwell se tornou o único
homem em que ela podia confiar. Embora ele fosse forte, a vida Bothwell produz a impressão de uma figura escavada em
tinha sido implacável levando-o de lá para cá. Na juventude, mármore negro. Igual a Colleoni, o grande condottiere, seu
durante a rebelião de lordes escoceses, ele foi exilado porque protótipo italiano do século anterior, ele parecia frio e
se recusou a participar da causa deles. Embora Protestante, ele desafiador, à frente do tempo em que vivia, um homem por
era leal a Mary de Guise, defendendo-a contra os Lordes da completo, com toda a dureza e brutalidade sobrepondo sua
Congregação, continuando a resistir mesmo quando a causa virilidade. O nome de sua família Hepburn por séculos era
Católica dos Stuarts parecia perdida. No final, entretanto, ele honrado na Escócia, mas alguém poderia preferir pensá-lo
teve que fugir do país. Na França ele foi indicado comandante como um Viking ou Normando que surgiu entre aqueles
dos oficiais da guarda da Escócia, e enquanto ele segurou de arrebatadores de mares indomáveis. Embora um homem de
forma honrosa sua posição na corte, algumas de suas entradas digna educação, que falava excelente francês e com bom gosto
foram suavizadas sem que diminuísse o elemento de energia da para colecionar livros, era um homem de espírito divertido de
sua natureza. Bothwell era muito guerreiro para ficar contente um rebelde nascido contra a ordem civil, retendo os
com a sinecura. Tão logo James Stuart, seu inimigo mortal, aventureiros foras da lei, homens como Byron Corsair. Alto,
virou-se contra a rainha, ele navegou atravessando os mares ombros largos, excepcional força física, igualmente habilidoso
para lutar pela filha da Casa dos Stuarts. Sempre que, depois com espadas e floretes, e capaz de conduzir navios através de
disso, quando Mary precisou de uma robusta ajuda contra seus tempestades pelos mares, a confiança em seus próprios
súditos intrigantes, Bothwell estava pronto para lidar com a poderes deu a ele um grande valor moral (ou melhor, amoral).
agressão. Na noite do assassinato de Rizzio, ele pulou na Ele não tinha medo de nada, e a lei do mais forte era a única lei
primeira janela aberta para buscar ajuda; sua ousadia e seu a qual ele obedeceria – a lei que o habilitaria a aproveitar
circunspecto rendeu a rainha a possibilidade de fuga; o seu impiedosamente e a defender o que ele tiver agarrado. Porém

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essa forma predatória dele nada havia em comum com as brigas do artista Duque – um ousado jovem guerreiro, com seu chapéu
mesquinhas e calculistas dos outros lordes escoceses, os quais armado sobre um olho, pronto para encarar qualquer um nos
ele desprezava porque a forma deles era a de reunir um grande olhos. Alguns descreveram James Hepburn, Earl de Bothwell,
número de pessoas e se disfarçavam nas sombras. Ele não se como desfavorecido. Mas um homem não precisa ser bonito
ligaria a homem nenhum, tomaria seu rumo com arrogância e para conquistar o desejo de mulheres. A aura de virilidade que
desafiando as leis e os costumes, batendo com seu punho de irradia dessas personalidade fortes, a arrogância selvagem, a
homem contra qualquer um que entrasse em seu caminho. Sem violência impiedosa, a atmosfera de guerra e vitória, irradia
se preocupar ele fazia o que queria, permitido ou proibido, em sedução sensual. Mulheres são aptas para se apaixonarem por
geral a luz do dia. Ainda com toda a sua violência, sua um homem ao qual simultaneamente temem e admiram,
desconsideração pelos padrões estabelecidos (tais quais eram aquele que desperta o sentimento de horror e perigo os quais
naqueles dias), e apesar dele ser completamente amoral, exercem uma atração misteriosa. Quando tal ser não é
Bothwell teve o mérito da simplicidade. Entre seus pares, os meramente ultra masculino, igual uma fera animal, mas
quais de caráter indigno e de ações ambíguas, ele se mantinha também é, igual Bothwell, cortes e culto, perspicaz e hábil, ele
firme como um fera de rapina, voraz porém leal, pantera ou se torna irresistível. Onde quer que fosse, esse aventureiro,
leão entre fugidios lobos e hienas. Sem o moral, sem a figura aparentemente sem fazer esforço, fazia conquistas justas entre
humana, mas pelo menos um homem, tal como o homem era as mulheres. Na corte francesa suas aventuras amorosas eram
nos primórdios. notórias; no próprio círculo de Mary Stuart, ele aproveitou os
favores de uma de suas damas de companhia; na Dinamarca,
Por essas razões, os outros homens ou o odiavam ou o
por ele, uma mulher abandonou o marido e a propriedade.
temiam, porém sua franca brutalidade conferia a ele um
Ainda assim, apesar desses triunfos, Bothwell estava longe de
extraordinário poder sobre as mulheres. Nós mal conseguimos
ser um típico sedutor, um Don Juan, um caçador de mulheres,
saber se esse destruidor de mulheres era bonito. As pinturas
pois ele não caçava seriamente mulheres. Por ele ser um
dele tal como chegaram até nós são insatisfatórias. Mas a partir
homem de temperamento guerreiro, e suas vitórias nesse
delas, e das descrições tal como temos, nós só podemos pensar
campo vinham para ele muito fácil e sem riscos. Bothwell
nele como foi pintado por Franz Hals, e pelo “Cavaleiro Rindo”

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possuía mulheres igual aos seus ancestrais Vikings; espólio rebelião. As terras confiscadas dos rebeldes foras da lei eram
casual, que chegavam no seu caminho nos intervalos entre transferidas para ele; e, como marca de amizade, a própria
festas e jogos, entre montarias e lutas; e ele aceitava as rainha escolheu uma esposa para ele, Lady Jane Gordon, irmã
conquistas de bom grado tão sincero de seus poderes no mais do conselheiro leal de Mary, o Earl de Huntly. Não poderia
masculino entre todos os esportes masculinos. Ele possuiu haver prova melhor do que o fato nessa conjuntura de não
mulheres, mas não entregou a si mesmo a elas. Ele as teve haver romance entre Bothwell e a Rainha Mary.
porque a apreensão forçada era a expressão mais natural da
Um homem de natureza dominadora como a de
sua vontade de poder.
Bothwell, é dado o poder ou ele torce por si mesmo. Logo
A princípio Mary Stuart não prestou atenção no homem Bothwell se tornou conselheiro chefe da rainha, o governante
em Bothwell, quem era para ela um entre os vassalos de maior efetivo do reino da Escócia. O embaixador reporta o anúncio:
confiança. Assim como Bothwell viu pouco a rainha como uma “A influência dele com a Rainha excede a todos os outros.”
jovem desejável mulher. Com a sua usual franqueza e sem Dessa vez Mary fez uma escolha ruidosa. Com o tempo ela
restrição ele comentou abertamente sobre a aparência dela, de descobriu que o vice-rei ou primeiro ministro era muito
forma indecorosa dizendo: “Ela e Elizabeth poderiam se enrolar orgulhoso para receber subornos de Elizabeth ou para traficar
juntas que não fariam uma mulher apropriada.” As duas não com outros lorde escoceses para ganhar vantagens
mostravam inclinação erótica. Uma vez, a rainha estava insignificantes. Tendo esse valente soldado como servidor ela
inclinada a proibir Bothwell de retornar a Escócia, tendo ouvido poderia manter sua mão sobre o país. Muito antes dos nobres
que ele havia espalhado rumores imprudentes enquanto estava perceberem o quanto a autoridade da rainha foi fortalecida
na França; mas tão logo ela experimentou o seu valor e através dos ditados de Bothwell. Eles reclamaram: “A
habilidade como soldado, ela estava feliz por confiar nele. Uma arrogância dele é tão grande que ele é mais odiado do que
marca de favor segue outro. Ele foi indicado Tenente da David jamais o foi.” Eles teriam ficado felizes de tirá-lo do
Fronteira, e como previamente dito, foi confirmada sua posição caminho. Porém Bothwell não era Rizzio para se permitir ser
hereditária como Lorde Almirante da Escócia. Ele também se esfaqueado sem resistência, ou Darnley que poderia ser
tornou comandante em chefe das forças em caso de guerra e simplesmente colocado de lado. Familiarizado com as formas

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amigáveis dos lordes escoceses, ele sempre comparecia com cumprido seu dever para com sua esposa e o reino, o infeliz
um forte corpo de guardas e um aceno com a cabeça dele as rapaz se encontrou jogado ao chão e desprezado. Ele podia
tropas na fronteira se levantariam para defendê-lo. Pouco se falar; mas ninguém o ouvia; ele poderia encontrar prazer,
importava se os fofoqueiros da corte o amavam ou o odiavam. porém desacompanhado. Ele não era convidado para os
Era suficiente que o temessem, enquanto sua espada estivesse conselhos ou festividades, e ele se sentia desesperadamente
pronta em suas mãos a ingovernável ralé dos seus pares não solitário. Em todas as direções ele sentia desdém e ódio. Um
colocariam as mãos na rainha. Com o desejo expresso de Mary, estranho, um inimigo, ele era um inimigo no seu próprio país,
seu mais amargo inimigo, Moray, haviam se reconciliado; assim na sua própria casa.
o ringue do poder estava fechado, o peso devidamente
Esse eclipse total de Darnley, a sua mudança brusca de
balanceado. Mary Stuart, agora com a posição defendida por
quente para o frio, talvez possa ser explicada pela mudança de
Bothwell, estava contente com a posição puramente
base espiritual que ocorreu com sua esposa; porém sua
representativa; Moray continuava a presidir as condutas dos
manifestação aberta de desprezo por ele era um movimento
assuntos internos, enquanto Lethington comandava os
político, e uma loucura política. A razão deveria ter ensinado a
assuntos diplomáticos. Pela primeira vez desde que Mary era a
Mary a deixar para esse jovem vão e ambicioso homem pelo
rainha, ordem e paz haviam sido restabelecidas na Escócia. Um
menos uma aparência de poder e prestígio, e não o expor
homem digno do nome havia feito esse milagre.
cruelmente como ela também o fez com impiedoso desdém aos
Mais o poder se concentrava nas mãos duras de lordes escoceses. Tais mortificações podem tornar até um fraco
Bothwell, menos sobrava para empunhar por aquele de em forte e duro. Darnley, que até aqui, tinha sido um mero tolo,
autoridade legítima, o rei. De graus a mero nome, o diminuto cresceu em graus de malícia e periculosidade. Ele não mais
rei, depois a completamente nada. Não mais um ano se passou, poderia refrear sua ira. Quando, junto com o seu corpo de
mas que distância parecia dos dias da paixão da rainha por guardas armados (ele havia aprendido precaução com o
Darnley, quando ele foi proclamado rei, em arcos brilhantes, e episódio de Rizzio), ele cavalgava em prolongados períodos de
do dia em que montaram seus cavalos contra os rebeldes. caça, seus hóspedes podiam ouvi-lo dizer ameaças abertas
Agora, depois do nascimento do filho, quando ele tinha contra Moray e outros lordes escoceses. Em sua própria

136
iniciativa ele escrevia despachos diplomáticos para estrangeiros O que Darnley queria dizer com essas ameaças? Algum
poderosos, descrevendo sua esposa como “instável na fé”, e aviso havia chegado aos seus avisos? Se houvesse algum indício
oferecendo a si mesmo a Philip II como o verdadeiro defensor de um complô contra ele, estava no vento; e ele havia decidido,
do Catolicismo. Ele considerava que, bisneto de Henry VII, ele sentindo-se incapaz de se defender contra seus inimigos, fugir
estava intitulado com o mesmo poder real; e, embora seu para uma região fora do alcance de veneno e adaga? Ele estava
jovem espírito fosse suave e dócil, de tempos e tempos a sendo torturado por suspeitas ou caçado pelo pavor? Ou ele
determinação para afirmar sua honra cintilava das profundezas. estava apenas se exibindo, fazendo um gesto diplomático
Na verdade nós não podemos denominar esse infeliz homem desafiante, para alarmar Mary? Como entre essas várias
de desonroso, mas somente falar dele como um fraco; e parece possibilidades é impossível de decidir, vendo que todos esses
que Darnley foi levado por caminhos desprezíveis pela sentimentos misturados estão em trabalho em cada resolução,
pervertida ambição, e por um impulso irritadiço de cada hipótese pode ser parcialmente a verdade. Por aqui,
autoafirmação. Com o tempo, o arco foi esticado com muita quando temos que penetrar na sombria profundeza do
força, e ele teve uma desesperada resolução. Ao fim de coração, luzes históricas se apagam. Somente com cuidado,
setembro ele cavalgou de Holyrood para Glasgow, tendo tateando, guiado por suposições, alguém pode se aventurar a ir
abertamente proclamado sua intenção de deixar a Escócia para mais adentro do labirinto.
partes estrangerias. Ele não podia mais desperdiçar seu tempo
O que é muito certo, é que Mary ficou muito alarmada
no reino do norte. A ele havia sido recusado poderes que por
pelas notícias de que Darnley intencionava partir. Um arco
direito legítimo o pertenciam. Que assim fosse; ele não se
mortal seria infligido na reputação dela se o pai do seu filho
importava por um título vazio. A ele não foi dada nenhuma
abandonasse o reino da Escócia antes da celebração formal do
tarefa digna de ser executada no reino escocês, assim ele
batismo do pequeno James. Seria particularmente perigoso
deveria ir para outro lugar. Sob seu comando um navio estava
agora, tão perto do escândalo de Rizzio. Esse estúpido jovem
pronto em Clyde, e as preparações foram empurradas para a
poderia causar um mau infinito a ela dando rédeas livre a sua
partida.
língua na corte de Catherine de Medici ou para Elizabeth Tudor.
Que triunfo seria para as duas rivais, como a colocaria na

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zombaria do mundo, se o marido que ela tanto amou se exibisse Mary rapidamente tomou sua decisão. Ela havia
divorciado da sua cama e da sua mesa! Rapidamente ela aprendido a utilizar uma técnica especial ao lidar com o marido
convocou seu conselho de Estado; e, para estar à frente de quando ele queria atuar como lorde e mestre ou rebelde. Ela
Danrley, ela escreveu um despacho diplomático a Catherine de sabia que, na noite anterior ao assassinato de Rizzio, deveria
Medici declarando-se inocente de qualquer transgressão minar rapidamente sua vontade de poder antes que, em sua
contra o fugitivo. “II veult estre tout et commander partout, à juvenil teimosia, ele pudesse fazer estragos. Longe, então, de
la fin il se mest em ung chemin pour estre rien17.” considerações morais, de afetações de virtude, ou qualquer
outro bom sentimento! Mais uma vez ela atuaria como a dócil
Porém o alarme foi prematuro, pois Darnley não zarpou.
esposa. Para moldá-lo na sua vontade, ela não evitaria medidas
Ele podia encontrar força para um gesto ousado, mas não para
extremas. Mandando embora os lordes do conselho, ela foi ao
um ato ousado. Em 29 de setembro de 1566, no mesmo dia em
encontro de Darnley, que estava desafiante esperando do lado
que os lordes do conselho enviaram o aviso para Paris, Darnley
de fora da porta, e o levou, não somente para dentro do
voltou para Edinburgh, as dez da noite em frente ao palácio de
palácio, mas presumidamente, para Ilha Circe, para seu próprio
Holyrood. Ainda assim ele se recusou a entrar no prédio
quarto de dormir. E pronto! O charme funcionou, como antes,
enquanto os lordes do conselho permanecessem lá, outra
e sempre funcionaria com quem era escravo de sua paixão por
infantilidade e um comportamento de difícil explicação. Ele
ela. Na manhã seguinte, ele estava domesticado, e estava mais
tinha pavor de dividir o mesmo destino de Rizzio? Foi apenas
uma vez nas cordas principais.
precaução que ele se recusou a entrar no palácio sabendo que
seus inimigos estavam lá? Ou o homem humilhado queria que Porém, tal como na noite posterior ao assassinato de
Mary implorasse a ele que voltasse para a casa publicamente? Rizzio, o homem enganado teve que pagar o preço por sua
Aqui nós enfrentamos um mistério, como quase sempre onde tolice. Darnley, novamente, acreditando ser mestre e lorde,
o comportamento e o destino de Darnley estão envolvidos. inesperadamente encontrou no quarto recepção do

17
Ele quer ser tudo e comandar em todos os lugares, no final ele está tomando
um caminho para ser nada. (N.T.)

138
embaixador da França e os lordes do conselho. Mary, igual a sua “rainha tão bonita e reino tão nobre.” Em vão! Darnley não
“querida irmã” Elizabeth na questão da comédia de Moray, conseguia responder. Esse silêncio desafiador e ameaçador
providenciou oportunas testemunhas. Na presença deles, ela crescia mais e mais oprimindo a assembleia. Obviamente a
ruidosamente e com urgência inquiriu Darnley, “pelo amor de criatura infeliz estava achando difícil conter a si mesmo, e teria
Deus”, a dizer a ela por que ele queria sair da Escócia, e qual a sido uma cena terrível para Mary se ele tivesse encontrado
conduta dela havia dado a ele razão para tal passo. Essa foi uma energia para persistir no seu silêncio acusatório. Porém agora
desagradável surpresa para Darnley, quem num minuto Darnley estava ainda mais fraco. Quando du Croc e os lordes o
anterior acreditava ser amado e amante, e agora tinha que assediaram persistentemente “avec beaucoup des propos 18,”
aparecer como uma pessoa acusada em frente os lordes do ele com muita relutância disse que nada na conduta de sua
concelho e do embaixador francês, du Croc. Ele ficou imóvel, esposa havia lhe dado motivos para a intenção da jornada. Essa
mal-humorado, esse jovem alto, com seu rosto liso e pálido. Se admissão, que colocava Darnley em problemas, era tudo o que
ele fosse um homem de verdade, se ele tivesse qualquer grão Mary queria. Sua reputação havia sido estabelecida em frente
em si, agora teria sido a hora de mostrar. Magistralmente ele ao embaixador da França. Ela podia sorrir de novo, como uma
teria apresentado suas queixas, apresentado a si mesmo em onda final nas mãos, podia se exibir satisfeita por toda a parte
frente a esposa e aos súditos não como acusado, mas como com a declaração de Darnley (“qu’elle se conteitat”).
acusador e rei. Porém aquele que tem “coração de cera” não se
Porém Darnley não estava satisfeito de forma nenhuma.
aventura a resistir. Como um criminoso pego no ato, igual a um
Sua garganta estava rosa porquê de novo havia sido enganado
menino na escola que está sendo repreendido e começa a
por sua Delilah, porque ele havia sido seduzido para fora do
chorar, Darnley se fincou na parede, mordendo os lábios, e
baluarte do seu silêncio. Imensurável deve ter sido o tormento
mantendo um silêncio impenetrável. Ele não ofereceu resposta.
do homem por ter sido enganado de novo, quando, com um
Ele não fez acusações, mas também não se desculpou. Agora os
magnânimo gesto, a grande atriz “perdoou” seu marido o rei
lordes do conselho, que acharam o silêncio dele vergonhoso,
em frente emissário estrangeiros, onde ele provavelmente
dirigiram-se a ele cortesmente, como ele poderia abandonar
18
Com muita conversa. (N.T.)

139
tinha bases para atuar de acusador. Tarde demais para França, Espanha e Savoyard também estavam presentes;
recuperar seu equilíbrio. Abruptamente ele quebrou a nenhum membro da nobreza da Escócia poderia se ausentar se
conversa. Sem a cortesia de se despedir dos lordes do conselho, tivesse recebido o convite da cerimônia. Em uma ocasião de tal
sem abraçar sua esposa, rígido como um arauto que carrega a representatividade teria sido indecoroso excluir Darnley, quem,
declaração de guerra, ele abandonou a sala. Suas únicas apesar de ser uma pessoa sem importância, era o pai da criança
palavras antes de partir: “Madame, não é provável que você me e o rei nominal do país. Porém Darnley, sabia que essa era a
veja de novo por um longo tempo.” Porém os lordes e Mary última ocasião que ele seria necessário, não estava tão pronto
Stuart sorriram e deram um profundo suspiro de alívio quando para ser desenlaçado. Ele havia completado sua vida pública,
o “tolo orgulhoso” que havia chegado cheio de impudência havia sido informado que o embaixador inglês fora instruído a
descarada agora ia embora com a cabeça suspensa. Suas recusar a ele o título de “Vossa Majestade” enquanto o
ameaças não mais alarmavam ninguém. Deixe-o longe o quanto embaixador francês, o qual ele chamara, enviou uma
quiser, e quanto mais longe melhor, tanto para ele quanto para mensagem de surpreendente presunção anunciando a sua
os outros. intenção de sair do quarto quando Darnley entrasse pela porta.
Ao desenrolar da noite o verme se virou, embora mesmo agora,
Mesmo assim, o homem que parecia que ninguém
que sua vaidade havia sido picotada, ele poderia fazer nada
queria foi necessário depois de tudo. Ele foi convocado com
melhor do que um gesto infantil malicioso. Ainda assim, o gesto
urgência para ir para a casa. Depois de um longo adiamento o
foi efetivo. Darnley foi ao Castelo Stirling porém ficou em retiro.
batismo formal do jovem príncipe foi marcado para 17 de
Ele fez sua demonstração confinando-se no seu apartamento,
dezembro de 1566, no Castelo Stirling. Preparações
nem participando do batismo do seu filho ou dançando no baile
imponentes foram feitas. Elizabeth, que era para ser a
de máscaras. Ao invés de Darnley, Bothwell, o novo favorito,
madrinha, certamente não estaria presente. Ao longo da vida
vestido com esplendor, recebeu os convidados. De tempo em
ela evitou cuidadosamente se encontrar com Mary Stuart. A
tempo múrmuros de impaciência eram ouvidos entre eles, e
Rainha inglesa, entretanto, apesar da sua notória avareza,
Mary teve que se superar em simpatia e alegria para que o
enviou um presente caro pelo Earl de Bedford, uma fonte de
esqueleto do agregado familiar, o mestre e lorde, pai e marido,
prata maciça, dourada com riqueza. Os embaixadores da

140
ficasse no seu quarto, e não estragasse o humor de sua esposa Na verdade algo sombrio e pesado e ameaçador parece
e amigos na festa. que fez ninho sobre Holyrood nas últimas semanas, algo gélido
e depressivo como os ventos nortenhos. Naquela noite do
Porém o cajado já estava pronto para puni-lo pois esse
batismo em Stirling, quando centenas de velas foram acesas
garoto gostava de motim. Alguns dias depois, na véspera de
para mostrar o estranho esplendor da corte escocesa, e dar
Natal, chegou. O inesperado aconteceu. Mary Stuart, que vinha
boas-vindas aos amigos que vieram de longe, Mary Stuart, que
sendo tão inconciliável, decidiu, pelos conselhos de Moray e
por curtos espaços de tempo, podia ser a mestre de sua
Bothwell, perdoar os assassinos de Rizzio. Assim os piores
vontade, convocou toda a sua energia. Os raios dos seus olhos
inimigos de Darnley, os conspiradores que ele traiu, foram
simulavam felicidade; ela encantou seus convidados com sua
chamados a Escócia. Darnley, sendo o estúpido, não
alegria e cordialidade; porém mal as luzes se extinguiram
reconheceu que isso o colocaria em perigo mortal. Se o grupo
quando sua fingida alegria chegou ao fim. Agora, em Holyrood,
de Moray, Lethington, Bothwell e Morton fosse reformado, a
estava cruelmente quieto, ainda mais cruelmente quieto no
caça estaria livre, e quanto à parte dele envolvida – a caça livre
profundo da sua alma. A rainha foi atingida por uma incrustrada
e ele seria a presa. Deveria ter um significado escondido
melancolia estranha ao seu temperamento. Sua face estava
quando Mary chegou a termo com os assassinos, e um preço o
sombria, e ela parecia profundamente perturbada. Não mais
qual por meio nenhum ele queria pagar.
ela dançava, não mais pedia por música. Mais ainda, desde que
Igual a uma fera com cães de caça no encalço, Darnley cavalgou até Jedburgh, e quando estava chegando o seu cavalo
fugiu do Castelo Stirling para se juntar ao seu pai em Glasgow. se jogou ao chão quase morto de fatiga, ela nunca se recuperou
Não havia dez meses ainda desde a morte e enterro de Rizzio e completamente. Ela reclamava de dores, ficava dia após dia na
seus assassinos já confraternizavam novamente, algo sinistro cama, e evitava cenas de diversão. Ela não mais poderia ficar
era eminente. A morte não gosta de dormir sozinha; ela sempre em Holyrood, mas se mudava de semana em semana, curtas
exige companhia no caixão, e sempre envia medo e horror estadias em castelo após outro, dirigida por uma terrível
como arauto. inquietação. Algum elemento de perturbação trabalhava
dentro dela, e ela parecia estar ouvindo com curiosidade tensa

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o trabalho que escavava dolorosamente no seu interior. Algo a si mesma e sua honra. A tristeza de ter desobedecido as leis e
novo, algo hostil, ganhava ascendência sobre seu os costumes, que a paixão havia a atingido igual a fera e sua
temperamento em geral iluminado. Uma vez o embaixador da presa, que agora crescia nas suas entranhas, incomensurável,
França a encontrou deitada em sua cama, amargurada paixão insaciável, começando como um crime a qual ela
soluçando. O experiente homem já de idade avançada não foi conseguiria se livrar somente com crimes e mais crimes. Agora,
enganado quando, envergonhada por ter sido flagrada em no seu desespero, cheia de vergonha e tormento, ela estava
lágrimas, ela começou a falar da dor que tinha no seu lado lutando para esconder esse terrível segredo dela mesma e do
esquerdo que a fez chorar. Ele reconheceu de uma só vez que mundo, porém ela não poderia saber que esconder era
os problemas dela eram espirituais e não físico, não de uma impossível. Ela já não era mais súdita de uma vontade forte e
rainha mas de uma mulher infeliz. “A Rainha não está bem,” da sua vontade consciente; ela não mais pertencia a si mesma,
reportou du Croc a Paris, “mas eu acho que o motivo real da sua porém somente a sua paixão.
doença é um sofrimento que ela não consegue esquecer. De
novo e de novo ela diz: ‘Oh eu poderia morrer!’”
Moray, Lethington, e os lordes escoceses em geral não
falharam em ver que o humor de sua soberana estava sombrio.
Ainda assim, tendo prática melhor nas artes da guerra do que
na ciência da psicologia, eles viram a causa do seus problemas
como o óbvio desapontamento no casamento. “Ela acha
intolerável,” escreveu Lethington, “que ele deve ser seu
marido, e que não tem como livrar-se dele.” Du Croc,
entretanto, velho e sábio, havia dito a verdade quando se
referiu a “sofrimento que ela não consegue esquecer.” Um
espírito interno e ferido estava torturando-a. O sofrimento que
ela não conseguia esquecer era o sofrimento de ter esquecido

142
CAPÍTULO ONZE sua responsabilidade pessoal. É simplesmente fora de sentido
colocar sob julgamento indivíduos que momentaneamente são
presas a uma esmagadora paixão que poderia ser denominada
A Tragédia da Paixão de tempestade para prestar contas ou desejar ter um apoio
( 1566 – 1567 ) após a erupção de um vulcão. Assim Mary Stuart, um produto
de seu tempo tanto mentalmente quanto a sua esfera moral,
não deve ser condenada fora da mão, vendo que as suas ações
A paixão de Mary Stuart por Bothwell foi uma das mais estavam temporariamente governadas por algo além de sua
notáveis na história. Aqueles devorados por amor na normal e até então moderada visão da sua perspectiva. Com
antiguidade clássica que se tornaram proverbial raramente são olhos fechados e ouvidos parados, desenhando como se fosse
ultrapassados em intensidade frenética. É um tiro em direção por magneto, ela se movia ao longo do seu caminho através de
ao céu como uma folha em chamas ao êxtase. Quando estados desastres e crimes. Nenhum conselho a influenciaria, nenhum
mentais estão assim intensificados, é uma tolice escrutinar por grito a despertaria. Não até que o fogo a queimasse ela voltaria
lógica e racionalidade de ações por aqueles nesse alcance, aos seus próprios sentidos, confusa e perturbada. Aquele que
sendo que a essência de impulsos incontroláveis é ser passasse por tal fornalha, a própria vida seria incinerada.
irracional. Paixões, como doença, não poder acusado ou Tal massivo sentimento não pode manter uma pessoa
desculpada; eles podem apenas ser descritas com espanto duas vezes na mesma vida. Igual a toda a pólvora acumulada
renovado com a face tingida de horror pela força elementar que em um único lugar vai para cima em uma única imensa
propagam de dentro deles de tempos em tempos na sua explosão, assim tal esmagadora paixão tem as reservas de
própria natureza e não raro nos seres humanos, descargas emoção completamente expandida. A volúpia de Mary Stuart
violentas de energia as quais não são receptivas das leis brilhou no calor branco por não mais do que meio ano. Mesmo
humanas comuns. As expressões dessas pessoas não assim, durante esse curto espaço de tempo seu coração sabia
pertencem ao reino da consciência, mas do impulso que tal êxtase com todo o sentimento subsequente apareceu
subconsciente do homem, e em geral é exterior ao círculo de para ela como aparições em uma névoa. Certos escritores,

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como Rimbaud, e certos musicistas, como Mascagni, gastavam dia ainda por vir. Um do mais admirável toque na sua imortal
a si mesmo em um único trabalho, e quando esse trabalho tragédia de amor é o que não fez, igual ao que qualquer artista
estava acabado eles caiam exaustos e impotentes para sempre; menor ou juiz especialista da alma humana faria, permite que o
assim é, também, com certas mulheres que se entregam arrebatamento de Romeo por Julieta comece sem prelúdio,
inteiras a uma paixão, ao invés de espalharem seu amor, como porém ele faz com que surja como sequela de um amor anterior
o fazem mulheres de natureza moderada, economicamente por Rosalind ou por outra. Um sentimento fugidio e disperso é
década após década. Tais mulheres o amor e a paixão é um trocado por uma paixão genuína; tem uma introdução
extrato concentrado, o ardor é comprimido em um episódio aprendiz, meio sem querer, para a maestria consciente do
condensado, elas bebem o copo até as borras, e para elas não artista apaixonado. Shakespeare mostra nesse esplendido
existe salvação ou caminho de volta. Mary Stuart é um exemplo exemplo que não pode haver total conhecimento sem
supremo desse tipo de amor, o amor que é perdulário porque pressentimento, sincero prazer sem estadia preliminar na
com desprezo insulta a morte, o amor que é verdadeiramente antessala do prazer, e que, se o sentimento é para galgar o
heroico, que permite a paixão atingir o máximo de alcance e infinito, deve primeiro deve ter acendido dentro do limite e
exaure as emoções mesmo que isso leve a autodestruição. finito reino. Somente porque Romeo está pronto em estado
interior de tensão, porque seu espírito forte e apaixonado
No primeiro relance alguém pode perplexo contar a
anseia por experiência completa de paixão, a sua vontade de
velocidade da transformação de sua afeição por Darnley na sua
amor, tendo se direcionado ao acaso e cego para Rosalind, a
elementar paixão por Bothwell. Ainda assim tal
primeira a chegar, então, tornando-se a primeira visão, e
desenvolvimento era tanto lógico quanto natural; pois, igual a
percebendo toda a diferença, dirigiu a si mesmo ao novo e
qualquer outra arte, o amor precisa ser aprendido, testado e
rapidamente em frente ao supremo objeto, trocando Rosalind
praticado. Nunca, ou quase – como com as artes- o primeiro
por Julieta. “Quando os semideuses vão, os deuses chegam.”
ensaio no amor é um perfeito sucesso; e Shakespeare, o mais
profundo psicólogo de todos os tempos, sabia bem disso, De forma igual Mary Stuart, desperta de um longo
mostrando que o amor novo é a mera tentativa e o estágio crepúsculo de sua juventude, foi carregada pela cega afeição
inicial para a paixão verdadeira a qual poderá queimar em um por Darnley, precisamente porque ele era gracioso e jovem, e

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fez sua entrada na órbita dela em hora propícia. Porém a devem defendê-la contra a paixão a qual ela própria estava um
respiração maçante do rapaz era muito fraca para ventilar o tanto indefesa. Tem, é claro, alguma base para a dúvida em
brilho interior dela. Ele não poderia elevá-la ao paraíso do relação a autenticidade das cartas sonetos que chegaram até
êxtase, onde o brilho teria sido por ele destruído. E continuado, nós somente em transcrição, traduzidas e talvez até textos
assim, como um fogo suave, para exercitar os sentimentos e mutilados. As versões de holografia, que seriam uma evidência
nunca mais desapontá-los – uma situação angustiante na qual irrefutável, foram destruídas – nós sabemos quando e por
o fogo ataca por dentro porque a expressão exterior foi quem. James, seu filho, tinha há pouco sucedido o poder
sufocada. Tão logo, entretanto, ele chega com o poder de aliviá- quando, em uma medida de proteção a honra de sua mãe como
la do seu tormento, ele deu ar e combustível para o sufoco mulher, consignou os papéis originais as chamas. Desde então
crescer, as chamas oprimidas direto para o paraíso ou inferno. uma luta amarga está sendo travada a respeito da
Igual ao sentimento de Romeo por Rosalind desapareceu sem autenticidade dessas “Cartas da Caixa”, um parte utiliza
deixar rastro quando a paixão genuína por Julieta foi motivos religiosos e serviços nacionais como fundação para o
despertada, assim Mary Stuart esqueceu completamente a sua ataque e contra-ataque a Mary Stuart. Para aquele que está
inclinação sensual por Darnley pelo inquieto e voluptuoso acima de partidos é mais essencial ir com prudência no
sentimento por Bothwell. julgamento. Em qualquer caso as conclusões nunca podem ser
mais do que pessoais, pois as cartas originais há muito foram
Nós temos duas fontes de informação relatando a
destruídas e, em última instância, a conclusão depende de
estória do amor de Mary por Bothwell. No primeiro lugar tem
deduções individuais.
os papéis do Estado e outros documentos oficiais da época, e
tem as crônicas e os anais do tempo. Como segunda fonte, nós Mesmo assim, se um retrato verdadeiro de Mary Stuart
temos um número de cartas e poemas assinados por ela. Os está para ser desenhado, se o seu caráter verdadeiro está para
fatos gravados e a própria revelação das cartas e versos ser retratado, o autor está obrigado a decidir um caminho ou
encaixam um no outro com a máxima precisão. Porém a outro; ele deve fazer a sua mente para aceitar essas cartas ou
autenticidade das cartas e poemas é negada pelos defensores poemas como autênticas ou declará-las espúrias. Não se pode
de Mary Stuart que, que em nome do seu próprio código moral, permitir que ele chacoalhe seus ombros e murmure: “Talvez

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elas sejam genuínas – e, de novo, talvez não sejam.” Pois esses nós temos muitos motivos para desconfiar das ações da Rainha
escritos, se autênticos, são pivô de todo o desenvolvimento da Inglaterra, mas nós não podemos creditar a suposição de
psicológico subsequente que a mulher tomou. Se nós atirarmos que ela comprometeria sua posição elevada colocando em
o dado em favor da autenticidade, então nos levará a provar e circulação escritos falso, já que a qualquer momento a
a mostrar perfeitamente as razões que tal descoberta da caixa descoberta era possível. Elizabeth era uma política capaz, e
e o exame oficial das cartas por alguns dos lordes escoceses como tal era muito cautelosa para se deixar pegar por uma
maliciosamente substituíram as originais por falsificações, armadilha pequena. A única pessoa quem, pelo bem da
assim os documentos levados ao parlamento foram de forma e reputação, poderia protestar veementemente se as cartas e
maneira nenhuma as descobertas dentro do caixa. Quem foi sonetos eram falsificações, tem o nome de Mary Stuart, e ela se
responsável por essa acusação? Ninguém em particular. Os contentou em proferir um fraco e nada convincente protesto.
lordes do conselho de Edinburgh, imediatamente assim que o Mais ainda, ela tentou por meios escusos impedir a produção
espólio foi entregue para Morton, montado no mesmo dia e da Conferência de York. Alguém só pode perguntar “por que?”
solenemente jurou a autenticidade dos documentos tão logo a se, de fato, os documentos eram falsificações, vendo que isso
caixa fora aberto. O parlamento, também, em data posterior (e poderia fortalecer sua posição. Uma razão adicional para
entre os membros tinham alguns amigos pessoais da rainha), acreditar que Mary suspeitava que seus inimigos tinham
examinaram os escritos cuidadosamente e não proferiram uma conseguido os originais e ordenou aos seus representantes que
palavra de dúvida. Subsequentemente, na Conferência de York, repudiassem a sua autoria de todo o pacote supostamente
eles foram de novo revisados; e em uma quarta vez, na Corte escrito por suas mãos, e isso foi antes de qualquer inquérito. É
de Hampton, passou perto do escrutínio. Cada vez foram claro que isso não é um grande valor de evidência, pois, nas
comparados com os escritos de Mary, e cada vez foram questões políticas, Mary nunca foi rigorosa onde a verdade
declarados autênticos e que vieram das próprias mãos de Mary. estava em jogo. Mais ainda, ela manteve sua “parole de
Ainda mais convincente é que Elizabeth teve os textos copiados prince19” que de longe era a prova mais concreta entre todas
e eles circularam entre as cortes da Europa. Agora, entretanto, contra ela. Mesmo quando Buchanan publicou as canções em
19
Palavra de príncipe. (N.T.)

146
Detection, e elas foram lidas vorazmente em todas as cortes, baladas de amor; e na minha opinião, quando considerada a
Mary não pediu por um teste; ela não os declarou “falso e partir dos pontos de partida de estilo e psicologia, a evidência
falsificação, forjados e inventados” para “desonrá-la e caluniá- não é menos convincente. Pegue um verso sozinho. Quem
la.” Ela ficou contente em utilizar seu Latim “defamatory havia na Escócia da época capaz de produzir um montante de
atheist.” Quando escrevendo ao Papa ou ao Rei da França e poemas na língua francesa e em tão pouco tempo? Qual pessoa
outros próximos, ela nunca mencionou uma palavra a respeito viva no século dezesseis na Escócia possuía tal gênio para
de falsificação de suas cartas e versos de amor. Também não poesia não apenas para reproduzir o estilo literário da rainha
houve nenhuma sugestão de falsificação feita pela corte mas para mostrar uma familiaridade íntima com seus
francesa, a qual transcritos das cartas foram enviadas pensamentos e sentimentos escondidos? Sem dúvida que
imediatamente depois de terem sido divulgadas. Entre seus existe muitas falsificações memoráveis de documentos
contemporâneos não tinha sombra de dúvidas sobre a históricos e cartas importantes, e no reino da literatura nós
autenticidade, ou vozes se levantaram para refutar tão estamos familiarizados com inúmeros poemas apócrifos e
rancorosas acusações, ou debateram a sugestão de que papéis outras composições imaginárias; porém se pensamos aqui em
fraudulentos tinham sido misturados com originais. Não foi Macpherson ou Manuscrito de Koniginhof nós nos ocupamos
antes de quase um século depois que James livrou o mundo das de produções habilidosas e estilos de épocas remotas. Não
cartas de amor de sua mãe que a hipótese de falsificação foi existe, entretanto, documentos de tentativas de imitar um lote
proposta pela primeira vez, e foi com o esforço de descrever inteiro de sonetos ou outras obras com o autor vivo. Quão
uma mulher de espírito forte e impulsivo como uma criatura absurdo é supor que aqueles rudes lordes, earls e barões, a
inocente incapaz de cometer erros ou crimes como se tal rumo quem a poesia era a coisa mais estrangeira da terra, seriam
fosse necessário para ela. Essas almas gentis querem que nós capazes de, animados por um desejo de comprometer a rainha,
acreditemos que Mary foi uma vítima indefesa de uma base produzir onze sonetos em francês. Novamente, eu pergunto,
conspiratória. quem era esse gênio desconhecido, esse mágico, que possuía o
dom de compor em língua estrangeira uma sequência de versos
Inquestionavelmente, a atitude dos contemporâneos de
de amor tão precisos ao estilo da rainha que o trabalho poderia
Mary parece provar a autenticidade tanto das cartas quanto das

147
ser atribuído a pena dela sem levantar dúvidas nas mentes de presciência da cumplicidade nos crimes almejados contra o
seus parentes, amigos ou outros contemporâneos? Nenhum de jovem Darnley. Pois esses documentos não mostram a volúpia
seus defensores até agora responderam essa questão. Nem da paixão, mas sim uma inquietação amarga. As letras são como
mesmo Ronsard, ou mesmo du Bellay, poderiam ter feito tanto. um choro abafado de quem está sendo queimado vivo.
O quão ridículo, então, subscrever tal talento a Morton, a
Apesar, como já dito, de as cartas serem o mesmo estilo
Argylls, Hamilton ou Gordon, quem poderia segurar uma
de Mary, elas são desabastadas. Elas manifestam um fluxo
espada muito bem, mas não conheciam o francês sequer o
selvagem e confuso de pensamentos e sentimentos, são
suficiente para uma conversa durante a mesa de jantar.
evidentemente escritas com pressa e em desordem por uma
Nenhuma pessoa desprovida de preconceito pode mão (pode-se sentir) que estava trêmula de excitação. Tudo
duvidar que os poemas são genuínos; e como o estilo dos isso está em completo acordo com o que sabemos por fontes
poemas estão em perfeita harmonia com as cartas, nós temos que consideraram o estado mental da rainha durante os dias os
que admitir que são autênticos e que foram escritos pela quais correspondem a ação do escritor. Somente alguém muito
própria Mary. Talvez no curso da tradução para o Latim e para habilidoso em psicologia poderia ter imaginado um cenário
o Escocês certos detalhes foram manipulados ou adulterados, espiritual tão perfeito e um conhecimento apurado dos fatos.
e é óbvio que interpolações foram feitas. Uma consideração Moray, Lethington e Buchanan, quem por turnos e ao acaso,
final, psicológica, deve ser feita em favor das cartas como sendo foram mencionados pelos defensores da honra de Mary como
de Mary. Se a suposta “turma de criminosos” inspirados por os falsificadores, onde nem mesmo Shakespeare, Balzac ou
ódio e malícia trabalharam para falsificar as cartas, os Dostoievsky, porém almas pequenas, capazes de mentir e de
falsificadores não teriam produzido documentos mostrando enganar quando trapacearam, porém completamente
que sem dúvida o suposto autor era uma criatura desprezível, incompetente, colocando no papel, para produzir palavras
um devasso lascivo e rancoroso? Eles teriam desperdiçado seus representando admiravelmente Mary Stuart por todos os
esforços se, no seus desejos de injuriar Mary, eles produziriam tempos. Primeiro deixe o gênio quem forjou essas cartas ser
falsificações, as quais mais a desculpavam do que a apresentado! Nós, que sabemos, que Mary em tempos de
incriminavam, exibindo como fazem o horror de Mary a agonia derramava seu coração em versos, não podemos ter

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dúvidas de que ela compôs tanto as cartas quanto os poemas. forças armadas, ele a acompanhou de castelo em castelo. Como
Nós não podemos ter testemunha melhor do que ela mesma a ela recentemente havia escolhido uma linda dama como sua
respeito do seu estado mental nessa conjuntura. esposa, e agraciou o casamento com sua presença real, nunca
ocorreu a ela pensar nele como pretendente; ela era rainha, ele
Os versos revelam o começo da sua infeliz paixão. Três
um vassalo; a posição dela era inviolável. Ela poderia, assim,
ou quatro linhas mostram que o amor de Mary por Bothwell
viajar na companhia dele pelo seu reino sem preocupação.
não surgiu por um processo lento de cristalização, mas atingiu
Porém uma das qualidades mais charmosas de Mary, era a sua
a mulher sem suspeitas como presa. A situação imediata era,
falta de cuidado e senso de segurança, o que sempre era um
aparentemente, um ato bruto de possessão do corpo, um
perigo para ela. Alguém pode retratar a cena. Presumidamente
ataque de Bothwell que foi meio ou totalmente estupro. Em seu
ela pode ter permitido a ele algumas liberdades triviais,
soneto a escuridão é dispersa por um raio de luz:
mostrando a ele algumas facetas as quais por duas vezes
Pour luy aussi, ie gete mainte larme. levaram ao desastre, nos casos de Chastelard e Rizzio. Ele ficava
por horas sozinho com ela; ela falava com ele mais confidencias
Premier quand il se fit de ce corps possesseur,
do que o de costume; brincava e jogava com ele. Porém
Du quel alors il n’auoyt pas le coeur. Bothwell não era Chastelard, sem jogos românticos ou
[Lágrimas cheias eu derramei por causa dele. linguagem trovadora; Bothwell não era um Rizzio, um iniciante
na linguagem do flerte; Bothwell era um homem de
A primeira foi derramada quando ele se apoderou do sentimentos quentes e músculos fortes, uma criatura de
meu corpo, impulsos e instintos, que não se diminuiria diante de qualquer
Aquele o qual o coração então não pertencia a ele.] audácia. Tal homem não se permitiria ser liderado e
estimulado. Abruptamente, ele dever ter atacado ela, essa
Imediatamente nós somos levados a sentir a situação. mulher que há muito estava com o estado mental vacilante de
Por semanas Mary estava lançada a companhia próxima de irritação, a qual a natureza intensa havia sido desperta pela sua
Bothwell. Como conselheiro chefe e como comandante das tolice afetuosa por Darnley – desperta porém não amenizada.

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“II se fit ce corps possesseur”: ele a tomou pela paixão ou a mesma nem suspeitava até então. Antes que ela percebesse o
violou. Quem, em tal momento, pode distinguir um do outro? perigo e mesmo antes que ela pensasse em proteger-se ela já
Tem momentos de intoxicação quando o desejo da mulher de havia sido conquistada. Essa tomada do corpo dela por
entregar-se e desejos de defender-se entrelaçados. Da parte de tempestade deu a ela um respiradouro de gêiser de
Bothwell o ato de possuir provavelmente foi tão premeditado sentimentos; sentimentos os quais, no primeiro momento de
quanto da parte de Mary. O enlaço não foi o preenchimento de susto, pode ter sido dominado por fúria, por ódio voraz pelo
uma inclinação carinhosa a qual vinha crescendo em ardor rufião que brutalmente devastou seu orgulho feminino. Porém
durante o período, mas um ato impulsivo desprovido de forma esse é um dos mais profundos mistérios da composição das
espiritual, uma captura puramente física. nossas almas, como nós encontramos na natureza externa, nos
encontros extremos, e especialmente no reino dos
O efeito em Mary foi devastador. Algo completamente
sentimentos. A pele não pode distinguir calor intenso e frio
novo invadiu a sua vida como a pancada de um trovão. Pegando
intenso; gelo pode queimar igual ao fogo. A mulher pode passar
a posse do corpo de Mary, Bothwell também estuprou a sua
em um momento de ódio para amor, de orgulho mortificado
alma. Os dois maridos dela, Francis II um garoto de quinze anos
para a máxima humildade; ela pode desejar e afirmar com toda
e o sem barba Darnley, não tinham virilidade; eram dois fracos.
a riqueza do seu corpo aquilo que, num minuto anterior, ela
Na experiência sexual da vida dela, Mary, até então era ela a
repudiou com repugnância.
magnânima, para conferir prazer ao seu parceiro, ela se
mantinha a senhora e rainha mesmo nessa esfera mais íntima; A conclusão do presente caso foi que, daqui em diante,
ela nunca tinha atuado no papel passivo, nunca tinha sido a mulher que havia sido tolerantemente reflexiva foi consumida
possuída pela força. Nesse encontro com Bothwell, o qual a por um fogo interno. O que até então tinha sido os pilares de
deixou seus sentidos formigando de espanto com a surpresa, sustentação da sua vida (honra, dignidade, reputação, orgulho,
ela pela primeira vez teve contato próximo com um primitivo autoconfiança e razão) desabaram. Tendo uma vez pulado em
masculino, aquele quem pisoteou na feminilidade dela, na águas profundas, ela desejou nada melhor do que se banhar
modéstia, no orgulho, com o senso de segurança dela; e, assim, nelas. Uma nova e estranha volúpia a atingiu. Ávida e
ele causou uma volúpia inesperada de um universo que ela intoxicada, Mary quis aproveitar tão nova sensação ao custo da

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autodestruição. Humildemente ela beijou a mão do homem Et tous aultres respects sont apart mis . . .
que aniquilou seu orgulho feminino e a ensinou o êxtase da
Pour luys tous mês amys i’estime moins que rien . . .
rendição total.
Ie veux pour luy au monde renoncer:
Essa paixão foi algo incomensuravelmente mais vasta do
que seu carinho por Darnley. Com Darnley ela jogou com a Ie veux mourire pour luy faire auancer . . .
rendição; agora ela se tornou mortalmente sincera. Com
Pour luy ie veux rechercher la grandeure,
Darnley ela meramente quis dividir a coroa, a autoridade
soberana, sua vida. Para Bothwell ela não quis dar isso, ou Et faire tant qu’em vray connoistra,
aquilo, mas tudo o que ela tinha no planeta, empobrecendo a Que ie n’ay bien, heur, ni contentement,
si mesma para enriquecê-lo, com prazer se diminuiu da sua
elevada posição para elevá-lo a altura do céu. Por uma trilha Qu’a l’obeyr et servir loyammant.
não usual, Mary arremessou as restrições de lado, ela agarraria Pour luy i’attendz toute bonne fortune.
e o seguraria, pois ele havia se tornado o único homem do
mundo. Ela sabia que seus amigos a abandonariam, que as Pour luy ie veux guarder santé et vie . .
pessoas em geral a repudiariam e olhariam sobre ela com [Por ele desde então eu desprezo honra,
desprezo. Porém essas realidades a ofereceram um outro
orgulho no lugar daquele que havia sido estraçalhado, e ela com A qual sozinha nos provém a felicidade.
entusiasmo proclamou o fato: Por ele eu arrisquei a dignidade e consciência,
Pour luy depuis iay mesprise l’honneur Por ele eu abandonei meus parentes e amigos,
Ce qui nous peut seul prouoir de bonheur. E todas as outras considerações foram colocadas de
Pour luy iay hasarde grandeur et conscience. lado . . .

Pour luy tous mês parentes i’ay quiste, et amys,

151
Pelo bem dele eu considero meus amigos menos que estímulo de uma inspiração fresca ela escreveu sonetos
nada . . . completos os quais manifestavam seus prazeres e dores com o
comando maravilhoso da linguagem. Normalmente
Eu morreria feliz para ele ascender. . .
descuidada, nesse tempo ela escondia seus sentimentos mais
Por apenas ele eu desejo ser grande, efetivos, com o resultado de que por meses ninguém suspeitou
da sua intimidade com Bothwell. O toque mais suave dele
E assim devo-me comportar que ele irá reconhecer
faziam os sentidos dela rodarem, ainda assim em frente aos
Que eu não tenho bem-estar sorte ou contentamento olhos do mundo ela se dirigia a ele com calma como a qualquer
Do que em obedecê-lo e servi-lo lealmente. outro subordinado; ela preservava sua alegria enquanto seus
nervos vibravam e sua mente se enchia de desespero. Um
Eu desejo a ele nada além de boa sorte. superego demoníaco se apoderou dela, atracando suas forças
Pelo bem dele eu desejo ter saúde e vida . . . ] com transcendência superior de seus poderes naturais.

Sentimentos excessivamente tensos afetam a mente Porém essas conquistas tinham que ser pagas com um
profundamente. Tempestades de paixão libertam uma energia colapso terrível. Quando isso se seguiu, dia após dia ela ficava
estranha e única em mulheres como foi Mary, quem até então na cama, completamente exausta; ou ela refletia por horas de
era reservada e indiferente. Durante essas semanas sua vida quarto em quarto em estado de parcial estupefação, soluçando
mental e física parece que foram multiplicadas por mil, e ela e gemendo, exclamando “je voudrais être morte20,” clamando
mostrou capacidades que ela nunca havia mostrado antes e que por uma faca com a qual esfaquearia a si mesma. Assim sua
nunca mostraria de novo. Ela passava dezoito horas no selim, e vitalidade diminuiria tão estranhamente quanto a recuperava
então sentava e escrevia cartas por quase toda a noite. Através novamente.
das poesias que até então ela havia composto não eram mais Nada pode mostrar de forma mais simples do que como
do que epigramas curtos ou versos fragmentados, sob o faz o famoso episódio de Jedburgh o quanto seu corpo estava

20
Eu gostaria de estar morta. (N.T.)

152
exausto pelo frenesi da paixão. Em 7 de outubro de 1566, em delírios. Então repentinamente seu corpo se endureceu; ela
uma questão com a brigada da fronteira, Bothwell foi ferido não via nada nem sentia nada. Seus cortesãos e o médico
gravemente. As notícias atingiram Mary no caminho para a ficavam em volta, contemplando-a alarmados. Mensageiros
cidade, onde ela estava prestes a cair de lado. Assim seu foram enviados em todas as direções para notificar o rei e o
primeiro impulso foi se dirigir para Hermitage, vinte e cinco bispo – a carta para administrar a extrema unção. Por uma
milhas de distância, ela conteve o impulso para que tal semana Mary pairou entre a vida e a morte, como que seu
comportamento não levantasse suspeitas. Não pode haver desejo secreto de morrer tivesse minado sua força vital. O que
dúvidas, entretanto, de que ela ficou profundamente agoniada mostra, entretanto, que esse colapso era mental mais do que
pelas notícias, pois du Croc, o embaixador francês (que era o físico, isso foi, certamente, um característico ataque histérico,
mais calmo observador do seu entorno, e quem não poderia é o fato que tão logo Bothwell, agora recuperando a saúde e
ainda ter suspeitas de sua ligação com Bothwell), relatou a força, foi trazido para Jedburgh, a rainha ficou melhor e, na
Paris: “Ce ne luy eust este peu de perte de le perdre.21” quinzena depois da qual ela estava supostamente morrendo,
Lethington, também, noticiou o quão longe a mente dela ela já estava bem o suficiente para montar a cavalo mais uma
estava; porém, sendo igualmente ignorante acerca da verdade vez. O perigo a tinha ameaçado de dentro, e de dentro havia
da questão, opinou que “os pensamentos dela e desprazeres sido superado.
têm suas raízes no Rei.”
Apesar do corpo recuperado, pelas próximas semanas a
Não até que uma semana houvesse passado e o rainha estava com a mente muito perturbada. Notícias
julgamento do caso acabado a rainha viajou até o Castelo de comparativamente estranhas de que ela havia se tornado uma
Hermitage acompanhada por Moray e outros lordes. Ela passou “pessoa diferente.” Algo no seu aspecto e maneiras foram
duas horas ao lado da cama do homem ferido, e viajou de volta submetidos a modificação; sua usual leveza e autoconfiança
para Jedburgh na mesma tarde. Ao desmontar, ela caiu desapareceram. Sua conduta era a que foi dolorosamente
desmaiada por duas horas. E mais tarde ela teve febre e atingida. Ela se trancava sozinha no seu quarto, e através das

21
Não lhe deixou pouca perda para perdê-lo. (N.T.)

153
portas fechadas suas damas podiam ouvi-la soluçar. Porém ofensas criminais. Se ela e Bothwell estivesses para se casar, ela
apesar do seu hábito de ser franca e falar abertamente, nessa teria que forçosamente se livrar do marido, e Bothwell se
ocasião ela confidenciou a ninguém. Seus lábios se mantiveram divorciar da esposa. Essa planta do amor podia carregar nada
fechados, e ninguém adivinhava o segredo que queimava sua além de frutos envenenados. Nessa situação desesperadora, a
mente por dias a noites. coragem de Mary se agrupou, embora, ela soubesse que nunca
mais teria paz na mente e sabia que ela tinha passado da
A característica terrível da paixão de Mary por Bothwell,
salvação. Como sempre, sua intrépida natureza veio para ajudá-
era a que ao mesmo tempo a fazia esplendorosa e horrível, foi
la, onde não havia mais do que um esforço de tentar acasos vãs
que pela primeira vez a rainha sabia que seu amor era
e desafiar o destino. Ela se recusou a recuar como covarde; ela
pecaminoso, e desastrosa aos planos que ela tinha perto do
não recuaria do caminho; ela iria, de cabeça reta, marchar em
coração. Seu despertar do primeiro abraço deve ter sido igual
frente ao abismo. Embora ela pudesse perder tudo, haveria
ao que Tristan e Iseult do efeito da poção de amor, quando eles
alegria no seu tormento, desde que ela perdesse tudo para o
perceberam que não estavam vivendo por si mesmos no
bem do seu amado.
infinito reino do amor, mas estavam ligados a esse mundo por
inúmeros laços e obrigações. Assim Mary provavelmente Entre ses mains et em son plein pouuoir,
descobriu sua situação. Ela que tinha se entregado a Bothwell
Le metz mon filz, mon honneur, et ma vie,
um homem de outra esposa; e Bothwell, marido de outra
mulher. Isso era duplo adultério o qual estava o turbilhão de Mon pais, mês subjects, mon âme assubiectié
sentidos que a lideravam. Quanto tempo foi que – duas
Est toute à luy, et n’ay autre vouloir
semanas, três ou quatro – desde que ela mesma, Rainha Mary
da Escócia e das Ilhas, havia assinado e enviado um edital Pour mon obiect que sens le disseuoir
declarando adultério e toda a forma de luxúria ilícita ofensas Suiure ie veux malgré toute l’enuie
capital? Da perspectiva exterior a paixão insana dela era, assim,
estigmatizada como crime. Tendo cometido um crime, ela Qu’issir em peult . . .
poderia salvar a si mesma da punição somente por outras

154
[Em suas mãos e em seu poder completo pronto para deixar outra mulher quando a chama quente se
apagasse. Para ele, o estupro de Mary Stuart tinha sido nada
Eu coloquei meu filho, minha honra, e minha vida,
mais do que uma aventura passageira. Nos seus versos
Meu país, e meus súditos; meu coração subjugado desesperadores ela mostra o seu saber de que o homem que
havia domado seu corpo em um momento fugaz não amava a
É somente dele; e eu não tenho outro desejo
sua mente.
Na vida então, sem enganá-lo
Vous m’estimes legier j ele voy,
Para segui-lo, apesar de todos os problemas que
Et si n’avez em moy nul asseurance,
Isso pode resultar . . .]
Et soubçonnes mon coeur sans apparance,
“Apesar de todos os problemas!” Apesar de ser mil vezes
Vous deffiant à trop grande tort de moy.
crime ela reafirma que seguiria o caminho que levava a parte
alguma. Tendo se entregado por inteiro, corpo, alma e destino, Vous ignores l’amour que ie vous porte;
ao homem que ela amava tão abjetamente, a única coisa que
Vous soubçonnez qu’autre amour me transporte,
permanecia para temer era que ela poderia perdê-lo.
Vous estimes mês paroles du vent,
A característica mais obnóxia da situação, a extremidade
máxima do seu tormento, permanece para ser dito. Insensatez Vous depeignes de cire mon las coeur
louca não obstante, Mary era muito perspicaz para não
Vous me penses jemme sans iugement;
reconhecer que ela havia se entregue mais uma vez em vão, o
homem à sua frente o qual ela havia dado todo o seu ser não a Et tout cela aumente mon ardeur.
amava de verdade. Bothwell havia a possuído, como ele
[Eu vejo que a sua estima por mim é inconstante,
possuíra muitas outras meretrizes, sensual, rápido e brutal. Ele
estava pronto para deixá-la desamparada tal como ele estaria E não tem fé em mim,

155
E suspeita do meu coração sem justa causa, por ele como uma mulher de mercado atormentada exibindo
os sacrifícios que fizera por ele, enfatizando a sua submissão.
Suspeitando de mim ao meu próprio detrimento.
Car c’est le seul desir de vostre chere amye,
Você sabe do amor que eu tenho por você;
De vous servir et loyaument aymer,
Você suspeita que outro amor está me levando,
Et tous malheurs moins que riens estimer,
Você olha por cima das minhas palavras como a luz ao
vento, Et vostre volunté de la mien suiure.
Você desenha meu coração cansado através de cera, Vous conoistres avecques obeissance
Você pensa que eu sou uma mulher sem julgamento, De mon loyal deuir n’omettant la Science
E tudo isso faz aumentar o meu amor.] A quoy i’estudiray pour tousiours vous complaire
Ao invés de abandonar orgulhosamente seu amado sem Sans aymer rien que vous, soubs la suiection
afeto, ao invés de exercer um mínimo de autocontrole, Mary,
De qui ie veux sens nulle fiction
deixou-se levar pela paixão, jogando-se de joelhos aos pés do
indiferente Bothwell, na esperança de retê-lo. Dolorosa foi a Viutre et mourir . . .
maneira pela qual sua arrogância anterior agora foi substituída
[Porque é o único desejo do seu querido amor,
por auto depreciação. Ela implorou, suplicou, ela exaltou seus
méritos, ofereceu a si mesma ao amado, ao homem que não a Para atendê-lo e lealmente o servir,
amava, depois que o homem de maneiras de um vendedor E todos os infortúnios menos que nada para estimar,
tirando o máximo proveito de seus bens. Ela perdeu tão
completamente seu senso de dignidade que ela, ela quem uma E colocar a sua vontade sobre a minha
vez havia sido majestosa e autossuficiente, agora se retaliava Você saberá o quão obediente

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Nunca esquecendo minha obrigação Bothwell se rendia hesitante, friamente, ao invés de
calorosamente da paixão verdadeira. Em um desprezível
Eu farei tudo para agradá-lo sempre
autoelogio, ela diz a ele o quanto ela, uma adúltera, está
Amando nada além de você, o qual sob a guia sacrificando por Bothwell, onde sua esposa está se
aproveitando das vantagens e prazeres da grandiosidade dele.
Eu desejo, sem reservas
Ele que ficasse então com apenas ela, ele que não se permitisse
Viver e morrer . . . ] ser enganado dessa “falsa” mulher.
Com consternação nós reconhecemos o Et maintemant elle commence à voire
desaparecimento do impulso assertivo na jovem mulher que
Qu’elle estoit bien de mauuais iugement
até então não temia ser uma governante soberana no mundo e
nem os perigos terrestres, e quem agora se diminuía ao exibir o De n’estimer l’amour d’vn tel amant
mais vergonhoso e rancoroso ciúmes. Bothwell deve ter dado
Et vouldroit bien mon amy desseuoir,
motivo para Mary acreditar que ele estava mais atraído pela
esposa a qual ela providenciou a ele, e que ele não estava Par lesse scripts tout fardes de scauoir . . .
inclinado a desertar sua esposa pela rainha. Agora, por isso,
Et toutesfois ses paralles fardez,
(não é horrível que um grande amor pode tornar uma mulher
tão sem valor?) ela procedeu para denegrir Lady Bothwell da Ses pleurs, ses plaints remplis de fictions,
forma mais ignóbil e maliciosa possível. Ela tentou estimular a
Et ses hautes cris et lamentations
vaidade masculina dizendo a ele que sua esposa não sentia
ardor com seus abraços. Essa fofoca deve ter sido passada a ela Ont tant guagné que par vous sont guardes
por alguém íntimo da casa de Bothwell. “Quant vous l’aymez, Ses letres escriptes ausquells vous donnez foy
elle usoit de froideur22,” ela escreve, implicando que Lady

22
Quando você a ama, ela bebe friamente. (N.T.)

157
Et si l’aymes et croyes plus que moy. eterna devoção, pois ela estava preparada para sacrificar tudo
– casa, lar, posses, coroa, honra e a criança. Ele que tirasse tudo
[Agora ela começa a ver
dela, desde que ela se pudesse entregar-se inteiramente a ele,
Que ela cometeu um grande erro seu corpo, alma e destino.
Em não valorizar o amor de tal amante Pela primeira vez um raio lamente foi derramado sobre
o chão dessa terra trágica; a cena foi inundada por luzes de
E com alegria ela o abandonaria, meu amado
confissões frenéticas de Mary. Bothwell a possuíra de forma
Ao escrever essa carta com sofrido conhecimento casual como havia feito com tantas outras, até onde ele estava
Mesmo assim as palavras infladas dela interessado, isto teria sido o suficiente. Rainha Mary,
entretanto, serviu a ele tanto com sua alma e seus sentimentos,
Suas lágrimas, suas queixas cheias de ficção, todo o fogo e êxtase, querendo se ligar a ele para sempre.
E seus gritos e lamentações, Agora, para esse homem ambicioso, feliz com seu casamento
recente, uma mera conexão não tinha charme. No máximo,
Conquistaram você que você guarda Bothwell deve ter pensado que era mais vantajoso permanecer,
As cartas dela as quais você acredita, por um tempo, nos termos de intimidade com a mulher as quais
os dotes eram a honra suprema e dignidade da Escócia, ter
E assim você a ama e confia nela mais do que a mim.] Mary como concubina sem perturbar a relação com sua
Mais e mais o choro dela se torna desesperador. Ela é a legítima esposa. Isso não bastava para a rainha, quem tinha
única mulher digna do amor dele; ele não deveria abandoná-la disposição régia; não a mulher que não queria dividir o amado,
por uma esposa indigna. Ele deveria colocar para fora essa mas que queria ele só para si. Ainda assim como ela poderia se
criatura e unir a sua sorte com aquela da rainha e amante quem unir ao lado dele, esse selvagem e sem magia aventureiro? As
estava de pronto a caminhar ao lado dele com qualquer coisa promessa dela de fidelidade, suas asseverações de humildade,
que caísse sobre ele, pela vida e pelas mandíbulas da morte. não seduziriam Bothwell. Mais provável que elas chateassem a
Mary implorou a Bothwell qual prova ele desejava da sua ele, pois ele deve ter ouvido as mesmas palavras de outros

158
lábios femininos. O único prêmio foi calculado para atrair esse linhagem real, assim o caminho de Bothwell ao trono deveria
homem tão ganancioso e ambicioso: o mais elevado, o qual ser sobre o corpo de Darnley. Sangue deveria ser derramado
muitos cobiçavam – a coroa. Embora Bothwell não estivesse antes que o sangue dele e de Mary pudesse misturar.
inclinado a atuar no papel de amante para uma mulher que ele
Escrúpulos morais nunca perturbaram Bothwell. Nós não
não amava, ele poderia achar sedutor o pensamento de que
podemos duvidar que homem tão ousado como ele era não
essa mulher era a rainha, e que através dela ele poderia se
estava pronto para assassinar o rei para vestir a coroa. Mesmo
tornar o rei da Escócia.
se a promessa escrita que fora encontrada entre os papéis do
No primeiro lance tal noção parece ser posterior. O caixa, a carta na qual Mary declara em muitas palavras que ela
legítimo esposo de Mary Stuart, Henry Darnley, estava vivo, e irá se casar com Bothwell desafiando as objeções que poderiam
detinha o título de rei. Não havia espaço para outro possuir esse surgir pelos seus parentes e outros, forem enfim provadas
título. Ainda assim o pensamento posterior era único elo que serem forjadas, ainda assim o earl estava tão seguro do seu
manteria Mary e Bothwell juntos, o acabado anseio de amor chão que ele não precisava de documento selado e assinado
para o posterior desejo de poder. Ele era um homem forte, para forçar a rainha a continuar com qualquer plano que ele
suplicava por liberdade e independência; ela estava tivesse maturado na sua mente. Frequentemente ela reclamava
completamente sob seu feitiço; nada poderia vinculá-lo a ele, como a todos e qualquer um, que o pensamento de sua
permanentemente a ela a não ser pela coroa. No irreparável união com Darnley a oprimia e a mortificava; de
arrebatamento dela por ele, esquecendo honra, prestígio, novo e de novo, nos seus versos de amor (e nós podemos supor
dignidade, e a lei, ela estava pronta para pagar o preço. Mesmo em conversas privadas também), ela garantiu a Bothwell que
que ela pudesse doar a coroa a Bothwell seria somente seu único e solitário desejo era se ligar a ele para sempre; por
cometendo crime, e ela não se apequenaria perante mais um que, então, ele hesitaria ao risco de uma ação audaciosa
crime. quando ele sabia que estava seguro pela garantia de tais
simples palavra?
Igual a Macbeth preencheria as profecias das bruxas
demoníacas, tornaria rei, somente com o abate de toda a

159
Ele sabia, da mesma forma (apesar de que nada foi dito dedos e verá nossos feitos,” não dizendo nada do mesmo. A
abertamente sobre o assunto), que ele poderia contar com o proposta, entretanto, deixou Mary inquieta, e ela insistiu: “Eu
suporte dos lordes escoceses, pois eles eram unânimes no ódio não farei nada o que poderá cair sobre a minha honra e a minha
pelo jovem mestre viciado e cansativo que não havia mantido a consciência.” Por trás dessas palavras sombrias tinha à espreita
fé neles e vergonhosamente os traíram no caso do Rizzio e em um significado sinistro, as quais Bothwell era o último homem
outras questões. Nada os agradariam mais do que por qualquer do mundo a mau interpretá-las. Esse ponto se torna
meio o rei estivesse fora do país. Bothwell estava presente, perfeitamente claro: Mary Stuart, Moray, Lethington e
também, no Castelo Craigmiller durante a famosa conferência, Bothwell, os atores estrelas da tragédia, estavam determinados
assistida pela rainha, quando todas as formas concebíveis de a se livrarem de Darnley. O único problema permanecia para
libertar Mary e a Escócia de Darnley foram discutidas. Os ser resolvido era como o ato seria executado? Era para ser feito
dignitários mais elevados do reino, Moray, Lethington, Argyll, por meios gentis ou pela força?
Huntly, e Bothwell, estavam de acordo em atingir uma
Bothwell, sendo o mais ousado e mais impaciente
barganha com a lady soberana. Se ela chamasse de volta
membro da aristocracia escocesa, preferiu a força. Ele não
Morton, Lindsay e Ruthven, quem haviam sido banidos por
podia e não esperaria, como ele não era, como os outros,
causa da cumplicidade no assassinato de Rizzio, eles, da suas
movido meramente pelo desejo de tirar o jovem problemático
partes, deveriam “achar os meios que Vossa Majestade estaria
para fora do caminho, mas pela determinação de suceder a
livre dele.” Nesse tempo eles meramente falaram em “livrar-se
coroa e o reino. Embora outros possam se satisfazer em
dele” por meios legais, tal como o divórcio. Ela mesma
desejar, enquanto assistindo o progresso dos eventos, ele tinha
condicionou a sua libertação em não trazer nenhum estigma
que agir resolutamente. Tem uma razão para supor que, no
sobre seu filho. Lethington insinuou que ela deixasse as formas
silêncio, nessa conjuntura ele já tinha os olhos abertos para
e os meios aos seus leais escudeiros, que eles agiriam de forma
alguns companheiros entre os lordes escoceses. Mais uma vez,
a não “prejudicar seu filho.” Moray, também, quem como
entretanto, as luzes da história queimavam por baixo, pois as
Protestante era ainda menos escrupuloso em tais assuntos, é
preparações de um crime são naturalmente feitas em lugares
reportado dizendo que ele poderia “olhar através de seus
escuros. Talvez nós nunca saberemos quantos lordes estavam

160
implicados nessa questão, seja como confederados ou Mais uma vez, então, Bothwell só podia confiar em seus
visitantes. Parece possível que Moray soubesse do esquema, recursos próprios, e provou estar à altura da tarefa nessa
porém sem participação ativa. Lethington, por outro lado, ocasião. Ainda assim, o caminho o qual Morton, Moray e
parece que teve um comportamento menos cuidadoso. A Lethington receberam suas abordagens mostraram a ele que
informação mais confiável é devido a confissão de morte de eles de maneira nenhuma se opunham ao esquema, e ele
Morton. Ele havia retornado da sua expulsão cheio de ódio por poderia considerar-se de mão livres. Se não pelas assinaturas
Darnley, o traidor. Sabendo disso, Bothwell, sem rodeios em documento, eles tinham pelo menos declarado o
propõe que eles deveriam cooperar no assassinato de Darnley. consentimento por um silêncio repleto de significado e por uma
A experiência de Morton após o assassinato de Rizzio, quando amigável indiferença. Agora que Mary e Bothwell e os lordes
seus associados o desampararam o tornou cuidadoso. Ele escoceses tinham alguém em mente, o destino de Darnley
insistiu em garantias. A rainha estava a par do assunto? estava selado.
Bothwell, ansioso pela ajuda de Morton, não hesitou em
Tudo estava preparado. Bothwell fez arranjos com
responder afirmativamente. Porém Morton sabia que garantias
alguns covardes, acordaram o lugar e o método de assassinato.
verbais eram passíveis de serem repudiadas quando o enredo
Uma coisa estava faltando – a vítima. Darnley, entretanto muito
tal como esse tivesse atingido o objetivo, assim ele se recusou
de pateta, deve ter tido um pressentimento do que estava
a entrar na questão sem a aprovação por escrito da rainha. Ele
esperando por ele. Por muitas semanas ele se recusou a ir para
exigiu um daqueles famosos documentos, onde ele seria
Holyrood enquanto os lordes escoceses estivessem lá. Ele não
exonerado em caso de necessidade. Bothwell prometeu que a
se sentia seguro no Castelo de Stirling, agora com os assassinos
escritura estava por vir. Manifestamente, entretanto, a
de Rizzio, aqueles homens que ele havia rompido, haviam sido
promessa era fútil, pois a rainha estaria livre para se casar com
readmitidos na Escócia por um ato de clemência de Mary.
ele depois do assassinato somente se ela permanecesse
Recusando convites e firmemente resistindo a iscas, ele ficava
escondida e pudesse demonstrar surpresa quando o ato
em Glasgow. Seu pai, Earl de Lennox, estava lá com outros
estivesse feito.
amigos confiáveis e aliados. Lá ele estava numa fortaleza. Em
Clyde tinha um navio, e em caso de necessidade ele poderia

161
embarcar e escapar pelo mar. Então, como se na hora mais que dar seus comandos, e o inacreditável aconteceu, ou
perigosa o destino queria protegê-lo, durante os primeiros dias aconteceu o que nosso moderno sentimento faz inacreditável.
de janeiro de 1567 ele caiu doente de varíola, isso providenciou Em 22 de janeiro, Mary Stuart, quem por semanas evitara
a ele um bem vindo pretexto para ficar por semanas abrigado qualquer contato com seu marido, viajou até Glasgow,
seguro em Glasgow. ostentando a visita ao jovem amigo, mas na realidade atraí-lo
de volta a Edinburgh, onde a morte esperava por ele.
A doença do rei interferiu nos planos feito por Bothwell.
Ele estava impaciente esperando em Edinburgh. Por alguma
razão desconhecida o earl estava agora com pressa. Talvez ele
estivesse ansioso pela coroa; talvez ele pensasse que muitas
iniciativas foram tomadas, e assim o esquema poderia explodir
logo; qualquer que seja o caso ele queria a questão
rapidamente resolvida. Assim como poderia Darnley, já
suspeitando e agora doente de cama, ser atraído para o lugar
do abate? Uma convocação aberta poderia avisá-lo. Nem
Moray ou Lethington ou ninguém mais estava nas boas graças
do jovem monarca, ou estariam aptos a persuadirem a
retornar. Uma pessoa no mundo tinha poder sobre o pobre
fracote, aquela a quem ele era devoto, e que por duas vezes, foi
bem-sucedida em fazê-lo subserviente a sua vontade. Mary, se
ela fingisse afeto pelo homem que nada queria, exceto seu
amor, poderia acalmar suas suspeitas. Nenhum outro poderia
conquistar essa enganação colossal. Desde que ela não era mais
a senhora de sua vontade, mas cegamente obedecia às ordens
dele o qual ela havia dado seu coração, Bothwell teve apenas

162
CAPÍTULO DOZE esposa devotada? Ou ela era uma mera ferramenta nas mãos
do brutal valente Bothwell, inconsciente (em transe, como
estava) obedecendo um comando irresistível; uma marionete,
O Caminho para o Assassinato alheia as preparações que estavam sendo feitas para o ato
( 22 de janeiro a 9 de fevereiro de 1567 ) pavoroso? Sentimentos modernos se levantam em revolta
contra a teoria de que ela foi uma criminosa deliberada, que a
mulher havia previamente se exibido animada com
sentimentos humanos poderia ter parte no abate do seu
marido. Tentativas repetidas tem sido feitas, e continuarão a
A cortina se levanta agora no ato mais sinistro da
ser, de colocar outra interpretação suave a respeito de sua
tragédia de Mary Stuart – o mais sinistro e mais obscuro. Ainda
jornada a Glasgow. De novo e de novo alguém tenta considerar
assim não existe conflito de testemunhos na jornada que ela fez
inverídicos os enunciados e os documentos que a incriminam.
a Glasgow para visitar o marido doente quando a conspiração
Alguém escrutina as Cartas da Caixa, os versos, o testemunho
para o assassinato dele estava em pleno balanço. Aqui, como
jurado, na esperança honesta de convencer a si mesmo que as
tão frequente, levanta a questão de se a Rainha Mary dos
desculpas inventadas pelos defensores de Mary Stuart são
Escoceses era realmente a figura Atrides, que era, como
satisfatórias. Em vão! Com a maior boa vontade do mundo para
Clytemnestra, capaz de um perfeito fingimento como a esposa
acreditar neles, nós encontramos que essas alegações especiais
cuidadosa pronta para preparar a banheira para o marido em
não têm força para convencer. Quanto mais de perto nós
seu retorno de Troy, enquanto Egisthus, seu amante, com o
escrutinamos as exonerações, mais fútil elas parecem quando
qual ela havia planejado o assassinato de Agamemnon, estava
confrontadas com os elos de ferro dos fatos.
esperando nas sombras com o machado afiado. Era ela a Lady
Macbeth, quem com palavras gentis e carinhosas levou o Rei Como alguém pode imaginar que um cuidado amoroso
Duncan para o quarto de dormir no qual Macbeth estava para impeliu Mary a procurar pelo marido doente de cama e que ela
matá-lo? Era ela um daqueles criminais diabólicos os quais sob o tiraria do refúgio seguro em ordem de cuidar dele melhor em
uma paixão rebelde transformam uma mulher que era uma casa? Por meses o casal vivia separado. Darnley havia sido

163
“exilado da presença dela” . . . apesar de “toda a humilhação visitou para se reconciliar com ele? Infelizmente mesmo nesse
ele requisitou seu favor, para ser admitido na cama dela como último são de palha nas mãos de seus defensores
seu marido.” Ela prontamente recusou permitir a ele seus intransigentes; ou, é destruído por um documento escrito por
direitos conjugais, e tem amplas evidências das últimas ela mesmo. Apenas um dia antes dela partir para Glasgow, em
conversas que ela teve com Darnley foram desfiguradas por uma carta para o Arque Bispo Beaton, ela sem refletir (pois
ódio e contenções. Os embaixadores da Espanha, Inglaterra e Mary Stuart nunca sonhou que suas cartas continuariam a
da França escreveram numerosas linhas em seus relatórios de testemunhar contra ela por muitos anos após a sua morte) deu
como o estranhamento era insuperável, inalterável, uma coisa vazão aos pronunciamentos mais ácidos sobre Darnley. “E pelo
que deve ser tomada como uma coisa natural. Os lordes Rei e meu marido, Deus sempre sabe nosso passado para ele, e
escoceses publicamente advogaram pelo divórcio e por mais seu comportamento e seu agradecimento é igualmente bem
ainda meios forçosos de resolver a dificuldade. O casal havia se conhecido por Deus e pelo mundo. Sempre nós o percebemos
tornado tão indiferente entre si que, quando Darnley recebeu ocupado para inquirir os nossos feitos os quais, a vontade de
notícias de que Mary caiu um doença perigosa em Jedburgh, e Deus, será tão mau como ninguém terá ocasião de ficar
que o último sacramento havia sido administrado, ele não fez ofendido com eles, ou de nos denunciar de qualquer forma,
movimento imediato para visitá-la. Nem mesmo com um mas honrosa, qualquer que seja e ele, seu pai e seus cúmplices,
microscópio pode ser observado qualquer filamento de amor buscarão, o que sabemos, não a boa vontade para nos fazer ter
nesse casamento em estágio de ruptura agora havia sido sofrimentos, se seu poder fosse equivalente a suas mentes;
atingido. O carinho havia passado e agora estava acabado. porém Deus moderou as suas forças muito bem, eles
Absurdo, entretanto, é assumir que o cuidado amoroso instigou encontraram ninguém, ou poucos, aprovadores de seus
a jornada de Mary para Glasgow. conselhos de armas para nosso desagravo.” É essa a voz de
reconciliação? São esses os sentimentos de uma esposa
Ainda assim, nós temos que considerar o último
carinhosa, cheia de carinho, que está acelerando Mary para o
argumento daqueles que desejam defender a rainha nos bons
lado do marido doente? Porém aqui há outra circunstância que
e maus momentos. Talvez a sua jornada foi arquitetada para
incrimina. Mary foi para a jornada, não simplesmente para
colocar um fim na violência entre ela e o marido? Talvez ela o

164
visitar Darnley e voltou para a casa de novo, porém com a jornada para assegurar um consentimento simples no enredo
intenção fixa de o convencer a voltar para Edinburgh. Era do assassinato de Darnley. Mesmo que pudermos supor que ela
excesso de zelo? Isso não era o oposto das regras da arte se recusou ao consentimento, e declinou ser parte da questão,
médica e das prescrições da razão pegar o homem ainda doente o que nós pensamos de uma esposa que mantém silêncio
de varíola e o colocar na estrada, como é mostrado por ela quando ela foi informada que o assassinato do marido está
trazendo a maca junto com ela, que Darnley não teria causa sendo planejado? Por que ela não avisou Darnley? Por que,
para objetar a remoção, e pudesse ser transportado o mais acima de tudo, agora ela estaria convencida de que os inimigos
rápido possível para Edinburgh, onde a conspiração para se dele tinham a intenção de matá-lo, ela o levaria de volta para
livrar dele estava em ativo progresso. uma região onde seu assassinato seria comparativamente fácil?
Em tais circunstâncias o silêncio é algo mais do que mera
Ainda assim, para não acusar injustamente um
cumplicidade; é o oferecer de ajuda secreta, porque aquele que
companheiro – mortal de assassinato, deixe-nos perguntar
está informado da conspiração e não tenta prevenir do que está
onde pode ser encontrado alguma justificação para seus
acontecendo é no mínimo culpado de falhar em intervir.
defensores a alegação de que ela não estava a par da
conspiração. Infelizmente existe uma carta enviada por Um investigador sem preconceitos não pode falhar em
Archibald Douglas a qual dispõe efetivamente essa hipótese. A reconhecer a cumplicidade de Mary no assassinato do marido.
não ser que ela forçosamente fechou seus olhos para o que Entretanto, se essa cumplicidade foi crime, foi um “crime de
estava acontecendo, ela teria que saber. Ela sabia que os lordes paixão” – aquele de tais ações terríveis as quais não
perdoados eram inimigos mortais de Darnley e que juraram individualmente mas sua paixão é a responsável, no tempo
vingança contra ele. Eles haviam mostrado o contrato no qual quando a paixão tem total oscilação.
Darnley prometia participar do assassinato de Rizzio. Mais
Aquele quem deseja suplicar por circunstâncias
ainda, Lethington disse a ela que meios seriam encontrados,
atenuantes só pode fazê-lo com base em “responsabilidade
sem manchar a honra dela, de libertá-la do “tolo orgulhoso e
reduzida” através da paixão, e não na base de que ela não
tirânico.” A supracitada carta mostra que Archibald Douglas, o
soubesse de nada da questão. Ela não estava agindo
agente chefe da conspiração, buscou Mary por fora da sua

165
corajosamente, alegremente, no total conhecimento, e sob sentimentos chega tarde demais. Na questão do campo da
sussurros de sua própria vontade, mas pela instigação de uma Igreja, Mary não era apenas a caçadora astuta procurando a sua
vontade alheia. Eu não acho que possa ser justamente dito que presa; ela própria era também a caça. Atrás dela ela podia ouvir
Mary foi para Glasgow com o espírito frio calculista em ordem o som do chicote do caçador. Ela tremia ao pensamento da ira
de trazer Darnley de volta a zona perigosa; pois na hora decisiva valente do seu amante Bothwell caso ela falhasse em levar a
(como as Cartas da Caixa provam), ela foi tomada por repulsão vítima para o sacrifício; e ela tremia, da mesma forma, por
e horror com o pensamento do papel que foi imposto a ela. Sem menor que fosse sua fraqueza, ela perderia o amor de earl.
dúvida ela teve uma conversa antecipada com Bothwell sobre Somente na base de que Mary estava sofrendo de uma
o plano de remover Darnley para Edinburgh, mas uma de suas paralisação da vontade, e não do fundo da sua alma a vontade
cartas mostram com memorável clareza como, tão logo ela de sua própria ação, somente quando nós reconhecemos que
estava a um dia de jornada longe do seu controlador, e internamente ela estava em revolta contra as ações que foram
parcialmente livre da hipnótica influência que ele exercia sobre forçadas sobre ela, nós podemos, por simpatia mínima,
ela, a consciência dorminhoca dessa magna peccatrix começa a entender um ato que, da perspectiva da justiça abstrata, foi
se agitar. Nós devemos pintar uma clara distinção entre ela, imperdoável.
como alguém que estava sendo dirigida para o crime por forças
Nós podemos entender a horrível estória dessas horas
misteriosas, daqueles que eram criminosos por completo; por
somente na luz da famosa carta que ela escreveu para Bothwell,
um momento quando Mary começou a colocar o plano em
ao lado da cama do doente Darnley; nada além dessa carta dá
prática, quando ela se encontrou face a face com a vítima a qual
a ação repulsiva um vislumbre reconciliador com a
ela levaria para o assassinato, e ela não estava mais inspirada
humanidade. A carta, assim como estava, remove uma parede
por ódio ou por vingança, a sua inata humanidade luta
e nos dá um breve clarão das horas pavorosas em Glasgow.
desesperadamente contra a desumanidade da sua missão. No
Muito havia se passado da meia-noite. Mary Stuart está
momento do crime, e mesmo quando ela estava engajada em
sentada na escrivaninha num quarto estranho. O fogo cintila na
transferir Darnley para o lugar do assassinato, a verdadeira
lareira, jogando sombras nas paredes sublimes. Esse fogo não
feminilidade da sua natureza emerge. Porém essa revulsão de
aquece o quarto solitário ou a alma congelante da mulher. De

166
novo e de novo suas costas estremecem. Ela está cansada, grupo com ela. Em face de tais questões, é necessária toda a
alegremente dormiria, mas não pode devido as labaredas que presença da mente para não gaguejar, corar, ou ficar pálida e
em sua mente trabalham. Ela tem passado por muitas coisas assim trair a si mesma. Ainda assim, o pavor por Bothwell
durante essas últimas semanas, durante essas últimas horas. acelerou seus poderes na arte de enganar. Com mãos
Seus nervos ainda estão palpitando de excitação. Horrorizada carinhosas, palavras de consolo, logo ela colocou as suspeitas
com o pensamento do ato que está para acontecer, porém de Darnley para dormir. Assim ela rebaixava a vontade dele, e
cegamente obediente as ordens do homem que é o mestre de o tornava a ferramenta maleável dela. Já na primeira tarde,
sua vontade, como escrava de Bothwell ela tomou essa metade do trabalho estava feito.
maléfica jornada para remover seu marido da sua segurança
Agora ela estava sozinha noite adentro. As velas
para a morte certa.
cintilavam fantasmagoricamente, o quarto estava tão
Ela não achou sua tarefa fácil. Na porta da casa ela foi silencioso que ela temia que seus pensamentos se tornassem
parada pelo mensageiro de Lennox, pai de Darnley. O velho audíveis, e que as visões da sua consciência inquieta criassem
homem estava com demasiada suspeita. Por que a esposa do forma. Ela não podia dormir; ela não podia descansar; ela sentia
seu filho, quem vinha evitando o marido por meses, e uma vontade irresistível de confidenciar a alguém os problemas
obviamente o odiava, apressou-se pelo caminho para ficar ao que queimavam o seu espírito, de derramar em palavras as
seu lado agora que ele estava doente? Homens velhos estão angústias da sua alma. Mas Bothwell, o único homem na terra
prontos para pressentir o mau; e talvez, Lennox lembrou-se o qual ela poderia conversar sobre essas coisas estava longe.
que, Mary Stuart, desde o assassinato de Rizzio, só mostrou Eram tão secretos, que ela temia admiti-los até para si. Ainda
afeição para o marido quando estava perseguindo alguma assim, como um alívio, ela começa a contar seus pensamentos
vantagem pessoal. Entretanto, ela administrou ao papel, em uma carta para o seu amor, uma longa carta
satisfatoriamente o mensageiro e foi admitida no quarto de desconexa. Ela não terminaria naquela noite, não no próximo
Darnley. Igual a Lennox, o jovem estava desconfiado, no dia, ou ainda na noite depois dessa; pois era na verdade um
lembrando o quanto ela jogou com ele com seus truques. A diálogo consigo mesma. No ato de cometer o crime, o crime
primeira coisa que ele quis saber foi por que ela trouxe um estava em luta-livre com sua consciência. Foi a expressão de

167
intensa fatiga, o ápice da confusão. Palavras loucas e palavras transe e fatiga e febre – o subconsciente com o qual é tão difícil
de profundo significado, lamentos e conversa fiada, de entrar em contato, o reinado do sentimento que não
reclamações desesperadoras, confusão seguida de confusão. conhece vergonhas. Tons e conotações, ideias claras nunca
Nós temos a visão de pensamentos negros seguidos de poderiam ter sido expressas por aquele de posse de consciência
vibrações sombrias iguais a morcegos. Ódio flamejava entre as plena, tais como estão misturadas na escrita desse documento,
linhas; compaixão aparecia por um instante; porém a nota pois foi escrita por alguém que temporariamente perdeu o
dominante é o amor ardente por aquele que é mestre da poder de auto concentração. Ela se repete e se contradiz, dá
vontade dela o qual a mão confiou a ela em direção ao abismo. vento para fluir pensamentos vacilantes no extremo de sua
O papel carta dela acabou, então ela continuou escrevendo nas paixão. Poucos documentos que foram preservados revelam
páginas da memória – mais, mais, mais, pois ela sentia que o tão admiravelmente como esse que exibe a excitação daquele
horror iria chocá-la a não ser que ela continuasse a derramar que está no curso de cometer um crime. Nem Buchanan e nem
em palavras para o homem ligada a ela pelos laços do crime Lethington, ninguém com inteligência perspicaz ordinária,
tanto quanto pelos laços do amor. poderia, pela toda a cultura e habilidade, ter imaginado tal
fidelidade mágica do monólogo alucinado de um coração
Porém enquanto a pena entre seus dedos trêmulos
profundamente com problemas; poderia ter imaginado a
parecia se mover por própria vontade sobre o papel, ela notifica
situação desesperadora de uma mulher que, enquanto a ação
que faltou o poder para dizer o que ela queria dizer, para
está em total progresso, encontra nenhuma escapatória das
refrear, para arranjar seus pensamentos. O que ela inscreve
picadas da consciência a não ser escrevendo para o seu amante
nessas folhas parecem a ela surgidas do desconhecido
quem escreve na busca do esquecimento, da desculpa de si
profundo da sua mente, assim ela desculpa a si mesma pela
mesmo; quem se refugia na escrita maçante, no silêncio da
incoerência e implora a Bothwell ler a carta duas vezes. Isso é o
noite, ao som das batidas de seu próprio coração. Uma vez mais
que faz do epistolo de três mil palavras um documento humano
só podemos pensar em Lady Macbeth, refletindo na noite
tão único, isto não está escrito alerta e claro, porém confuso e
através dos corredores sombrios do Castelo Dunsinane,
cambaleante. Não é a mente consciente de Mary que está
acossada por memórias apavorantes, e, no monólogo de um
falando, tanto quanto como a vontade interior, é a voz do

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sonâmbulo, recontando os incidentes de seu crime. Ninguém habitar a possibilidade de maiores decepções, que
porém Shakespeare ou Dostoievsky poderiam ter imaginado tal frequentemente ela o enganava. É doce para o homem que está
cena; ninguém além deles, ou os seus mestre, a Realidade. doente e fraco acreditar em amor seguro, tão fácil persuadir um
homem vão que ele é amado. Logo Darnley mais uma vez era o
[O original em francês foi destruído, as quotas a seguir
escravo dela, igual ele havia se tornado durante a noite depois
são da segunda carta para Bothwell, retiradas da tradução
do assassinato de Rizzio, ele implorou que ela o perdoasse por
inglesa Record Office; State Papers relating to Mary Queen of
tudo o que poderia ter feito para desagradá-la. “Eu confesso
Scots, vol.II, number 65.]
que fiz errado . . . e muitos outros dos seus súditos também o
“Eu estou exausta, estou com sono, ainda assim eu não fizeram, e você os perdoou. Eu sou jovem. E você disse que
posso proibir os rabiscos enquanto tem qualquer papel . . . também me perdoaria muitas vezes e que eu retornei as
Desculpe se, se eu escrevo: você deve dar a outra metade; mas minhas faltas. Talvez não um homem da minha idade, por
estou feliz em escrever para você quando o outro está a dormir, querer um conselho, falhar duas ou três vezes não cumprir
vendo que eu não posso fazer o que os outros fazem, de acordo promessas e finalmente ele se arrepender e se censurar por
com meu desejo, que é entre seus braços minha querida vida.” essa experiência? Se eu obter esse perdão eu prometo que
Com impressões irresistíveis ela descreve como Darnley ficou nunca mais cometerei faltas novamente. E eu peço apenas que
alegre com sua visita inesperada. Alguém pode criar fantasias nós possamos nos sentar à mesa juntos como marido e mulher;
olhando para o pobre jovem, com sua face corada de febre, e se você não me perdoar eu nunca mais me levanto dessa
desfigurada pelas erupções. Ele estava sozinho, definhando por cama . . . Deus que me pune, eu não tenho nada na mente além
uma visão de sua jovem esposa. De repente ele a encontra de você.”
sentada ao seu lado. “Ele disse que estava sonhando, e que
Mais uma vez olhamos através dessa carta para dentro
estava tão feliz em me ver que ele pensou que estava
do quarto escuro que é tão distante no tempo e no espaço. Nós
morrendo.” De novo e de novo, certamente, as suspeitas
imaginamos Mary Stuart sentada ao lado da cama do jovem
antigas o atingiam. A chegada dela parecia inacreditável, mas
doente e ouvindo a esse choro de amor e humildade. Agora ela
ele estava tão ferido no coração, e agora tão feliz em vê-la, para
poderia regozijar pois seu esquema tinha sido um sucesso; ela

169
mais uma vez fez o rapaz simplório se render. Porém ela está coração dele é de cera e se o meu não é dinamite, sem derrame
muito envergonhada da sua fraude para rejubilar. No clímax do a não ser pelas suas mãos poderia me fazer ter piedade dele.”
seu sucesso ela está em suprema aversão enquanto contempla Nós vemos que ela não mais odeia Darnley, que ela havia
seu próprio ato. Melancólica, evitando olhar, com sentidos esquecido todo o mau que essa pobre criatura fez a ela. Do
desordenados, ela se senta ao lado do marido, e ao longo da fundo do seu coração ela com alegria o teria poupado. Ela jogou
noite Darnley é atingido por algo obscuro, algo incompreensível o fardo da vingança nos ombros de Bothwell. “Você é a causa
nessa amada mulher. O pobre enganado tenta consolar a disso. Pois, por minha própria vingança, eu não faria isso.” É o
enganadora! Ele implora a ela para que fique à noite no quarto, comando de Bothwell a qual ela deve obedecer desafiando a
sonhando, pobre tolo, mais uma vez com amor e carinho. É de sua consciência. Pelo bem do amor, e não por outra razão, ela
partir o coração para leitor dessa carta notar o quanto esse teria que fazer essa coisa horrorosa, deveria tornar a confiança
fraco de novo confia na sua mulher, que de novo sente-se infantil do seu marido para a conta. Ela chora com raiva: “Você
seguro dela. Ele não conseguia tirar os olhos dela, ou cessar de me faz dissimular tanto que eu temo isso com horror, você me
alegrar-se com a associação marital renovada a qual ele por faz jogar a parte do traidor. Lembre-se que se eu não estivesse
tanto tempo desejava. Ele implorou que ela cortasse a sua obedecendo eu preferiria estar morta. Meu coração sangrou
refeição. Na loucura dele, ele soltou segredos após segredos, por você.”
revelando nomes daqueles que estavam empregados em
Porém um escravo não pode desafiar ordens. Ele pode
espioná-la. Sem saber da paixão dela por Bothwell, ele contou
gemer quando o chicote o leva para a frente. Mais uma vez ela
a ela seu próprio ódio a Bothwell e Lethington.
insiste que fazendo pela vontade de Bothwell e não pela sua
Naturalmente, quanto mais ele se entregava, mais própria: “Alas! E eu nunca enganei ninguém; porém eu me
tornava difícil para a sua esposa o trair, sem suspeita e remeto inteira a sua vontade. E me envie a palavra do que eu
desamparado. Apesar de si mesma, ela ficou tocada pela devo fazer, e se qualquer coisa que acontecer a mim, eu o
credulidade da sua vítima. Ela achou difícil continuar a atuar obedecerei. Eu penso também você não vai encontrar alguma
nessa comédia desprezível. “Você nunca o ouviu falar melhor invenção mais secreta do que corpo físico, pois ele também leva
ou mais humildemente; e se eu não tenho provas de que o seu físico para Cragmillar e se banha.”

170
Nós vemos que ela preferiria assegurar uma morte fácil considerar os verdadeiros sofrimentos que eu suporto para
para seu infeliz marido, e evitar o ato grosseiro de violência que merecer o seu lugar, por um favor do que contra a minha
estava planejado. Ela não se tornou completamente própria natureza, eu traio aqueles que deixam. Deus me
subordinado a Bothwell, ainda havia sido mantido algum brilho perdoe, e lhe dê, meu único amigo, a boa sorte e a prosperidade
de independência moral, e ela poderia, mesmo nessas últimas que seu amor humildemente deseja a você, que espera logo
horas, alguém pode sentir, ter salvo Darnley. Porém ela não se estar junto de você, como uma recompensa pela minha dor.”
aventurará na desobediência, temendo que essa vontade a
Aquele que escuta a mulher infeliz de coração torturado
custasse Bothwell, o desejo o qual ela prometia a si mesma a
falando nessa carta não irá denominá-la assassina, porém
continuar; e também temendo (isto é um raio brilhante de
nesses dias e nessas noites ela estava servindo a causa do
psicologia, o qual nenhum farsante poderia imaginar) que
assassinato. Nós sentimos, conforme lemos, que a relutância
Bothwell poderia, no final, desprezá-la por ela ter mostrado
dela é mais forte do que a sua vontade. Nós sentimos que seu
compaixão. “Eu nunca desejaria enganar aquele que coloca sua
espírito honesto foi manchado pelas decepções; talvez durante
confiança em mim. De qualquer forma você faça tudo, e não me
essas muitas horas ela esteve muito mais perto do suicídio do
estime menos por isso, pois por sua causa eu faço.” Ela lança a
que do assassinato. Porém nós estamos aqui como mentiras do
si mesma, figurativamente, de joelhos em frente dele em uma
desastres em tal suposição tanto quanto as dela. Aquele que
última aparição desesperadora que ele será recompensado
rendeu a própria vontade a mão de outro não pode mais
pelo seu amor do tormento que ela está agora sofrendo pelo
escolher seu próprio caminho; ele pode apenas servir e
bem dele.
obedecer. Ela assim tropeça adiante, escrava da sua paixão, a
“Agora se é para agradá-lo, minha vida querida, eu não caminho do abismo de suas ações.
pouparei honra, consciência, ou ao acaso, nem grandeza, aceite
No segundo dia Mary Stuart faz os arranjos prescritos; a
em boa parte, e não de acordo com a interpretação do seu falso
mais sútil, a mais perigosa parte do esquema havia sido posto
cunhado, o qual eu rezo por você, não dar crédito contra ao
em prática. Ela tirara a suspeita da mente de Darnley, assim o
maior amor leal que sempre será seu. Veja ela também não”
doente, estúpido jovem, estava agora “o mais alegre do que
(Condessa de Bothwell) “cujas lágrimas você não deve mais

171
você jamais viu.” Ainda febril, ainda desfigurado pelas marcas residência, ou talvez no palácio episcopal? Não e de novo não!
recentes da varíola, ele se aventurou em pequenos carinhos. Muito estranho que foi escolhido para a residência dele uma
Ele tentou beijá-la, colocar seu braços em volta dela, o que ela construção ,modesta e isolada que ninguém teria sonhado; não
achou difícil conciliar seu nojo e impaciência. Obediente aos foi uma habitação principesca de forma nenhuma, porém uma
desejos de Mary, como ela era obediente aos comandos de casa em um “lugar solitário na parte exterior da cidade,
Bothwell, esse escravo da escrava se declarou pronto para separado de todas as companhias – um lugar que nenhum
retornar com ela para Edinburgh. Confiante ele se permitiu ser homem havia morado por sete anos” – uma casa difícil de vigiar
levado para fora do seu refúgio seguro e ser instalado na e proteger. Só podemos perguntar quem escolheu para o rei
ninhada, seu rosto envolto em um pano de linho para esconder essa casa remota e suspeita no Campo da Igreja, o qual a
o quanto estava desfigurado. Agora a vítima estava a caminho estrada tinha o apelido de “Corredor dos Ladrões”. Bothwell
da casa-abate, e Mary havia completado sua tarefa cruel. A escolheu, Bothwell era agora o “todo de todo.” De novo e de
ação rude e sanguinária era questão de Bothwell, e esse arraia novo alguém atravessa a mesma linha vermelha do labirinto. De
duro acharia mil vezes mais fácil do que Mary Stuart achou nos novo e de novo, em cartas, documentos e enunciados, o
atos precedentes do engano e dissimulação. vestígio de sangue nos leva de volta a essa figura sinistra.
O grupo avançava devagar, acompanhados por guardas, Uma habitação pequena, indigna de um rei, localizado
ao longo da estrada invernal. O casal real, parecia reconciliado em campos abandonados, a casa mais próxima é de um
após meses de rompimento e dissenção, retornavam para escudeiro de Bothwell. Não contém mais do que uma antessala
Edinburgh. Edinburgh? Sim, mas onde em Edinburgh? Para o e quatro quartos. Um quarto foi separado para a rainha, que
Palácio de Holyrood, alguém poderia supor, a residência real, agora expressava um forte desejo de cuidar do marido que
estadia confortável. Não, Bothwell, o todo poderoso, tinha feito antes ela negligenciara. Outro quarto foi preparado para o rei,
outros arranjos. O rei não retornaria para sua própria casa em e o outro para seus três serventes. Certamente o lugar foi
Holyrood, pois lá seria perigoso espalhar a infecção. Por que decorado com riqueza para a ocasião, carpetes e tapetes
não, então, enviá-lo a Stirling ou Castelo de Edinburgh, ambos trazidos de Holyrood, e camas finas que Mary de Guise
fortalezas, ou acomodá-lo como hóspede em outra principesca

172
importou da França. Uma dessas camas foi alojada no quarto atenção oferecida por ela; ele estava orgulhoso em ver que os
da rainha. lordes escoceses, quem por muito tempo o tratou com
desprezo, agora o visitava em sua cama de doente fazendo
Agora Mary não poderia fazer mais para exibir sua
reverência e mostrando preocupação em seus rostos. Em uma
afeição por Darnley. Apesar de ter dormido por apenas duas
carta ao seu pai, datada de 7 de fevereiro, ele garante a Lennox
noites na casa do Campo da Igreja, ela ficava frequentemente
o quão rápido sua saúde está melhorando sob “o cuidado
na companhia dele, assistida por seu grupo – e nós não
amoroso da minha amada Rainha, quem o acaso ela mesma é
devemos esquecer que por meses anteriores ela tinha feito de
natural e esposa carinhosa.” Em alguns dias os últimos traços
tudo para evitá-lo. As noites que ela dormiu no quarto embaixo
do pavor e doença desapareceram. Seus médicos garantiram o
ao de Darnley foram provavelmente quinze e dezessete de
fim da doença e o liberaram para ser removido para o seu
fevereiro. Todos em Edinburgh sabiam que o rei e a rainha eram
palácio. Os cavalos estariam prontos na próxima segunda.
mais uma vez um casal apaixonado, assim a reconciliação foi
Outro dia, e ele estaria de volta a Holyrood, para dividir a cama
propagandeada para o mundo. Essa mudança de humor deve
e mesa com sua esposa e, mais uma vez, ser o rei de seu próprio
ter produzido uma estranha impressão sobre os lordes
país e lorde do coração de sua esposa.
escoceses quem, apenas alguns dias antes, discutiram com a
rainha a remoção de Darnley por todas as formas possíveis. Porém antes dessa segunda-feira, 10 de fevereiro, tinha
Agora vinha essa simpatia afetuosa! O mais capaz dos nobres, domingo, 9 de fevereiro de 1567, e nessa noite estava para
Moray, foi rápido em desenhar suas conclusões. Nem por um acontecer um festival em Holyrood. Dois dos ajudantes mais
momento ele duvidou que, na casa isolada, o mau estava para leais da Rainha Mary estavam para casar-se; teria um banquete
cair sobre os Rei da Escócia, e diplomaticamente ele fez suas e dança, os quais a rainha havia prometido comparecer com
preparações. suas damas. Porém essa questão manifesta não era o evento
principal do dia. Tinha algo a mais no vento, como o tempo
Talvez a única pessoa na Escócia que honestamente
mostra. No domingo de manhã, Earl de Moray deixou sua irmã
acreditou na mudança do coração de Mary – foi o próprio
por alguns dias, ostensivamente para visitar sua esposa, que
Darnley, o marido infeliz. A vaidade dele foi enganada pela
estava doente em um dos seus castelos. Essa partida era um

173
mau sinal. Quando fosse que Moray repentinamente se retirava comum possível. Durante o dia, na companhia de suas amigas,
da cena política, ele tinha boas razões para isso. Sempre o seu ela visitou o marido, agora quase recuperado. Na noite ela se
desaparecimento é um prenúncio de um levante ou algum sentou com Bothwell, Huntly e Argyll entre as companhias do
outro infeliz acontecimento; e sempre no seu retorno ele é casamento e se divertiu com eles. Assim, mais uma vez, depois
capaz de produzir um álibi para mostrar que ele não teve nada do cair da noite, através do frio, ela visitou a casa longínqua no
com a questão, embora ele não falhasse em obter qualquer Campo da Igreja para ver Darnley. Que tocante demonstração!
vantagem que fosse derivada do evento. Não havia se passado Ela ofereceu as despedidas na festa em Holyrood, apenas para
um ano desde que, na manhã seguinte ao assassinato de Rizzio, ficar um pouco mais com seu marido e conversar com ele. Ela
ele havia aparecido em Edinburgh como inocente como ele ficou no Campo da Igreja até as onze horas. Deixo o leitor
estava fazendo agora indo para longe na manhã anterior a que cuidadosamente notar a hora. Então ela retornou a Holyrood,
esse crime ainda mais horrível estava para ser perpetrado, montada a cavalo, bem assistida, a pequena procissão feita
deixando para outros a ação e o perigo, enquanto ele tinha a pelas tochas carregadas pelo caminho. As portas do palácio
intenção de armazenar a honra e os lucros. estavam abertas, pois Edinburgh veria a rainha retornando da
visita de seu amado marido, enquanto ouvia as gaitas de foles
Outra coisa aconteceu a qual dá razão para se pensar.
que acompanhava a dança no casamento. Apenas depois da
Nós sabemos que Mary já havia ordenado a remoção da sua
meia-noite ela se retirou para o apartamento de dormir.
cama luxuosa com a cobertura de pele do seu quarto no Campo
da Igreja de volta a Holyrood. Isso parecia natural o suficiente As duas horas da madrugada chegou um estrondo
já que ela propôs dormir em Holyrood aquela noite, e não no trovejante, uma explosão assustadora “como se vinte e cinco
Campo da Igreja; no próximo dia seria o fim da separação. Ainda canhões estourassem simultaneamente.” Imediatamente
assim, isso é um caminho natural para tal ordem; porém os depois figuras suspeitas foram vistas correndo da casa onde o
eventos subsequentes jogaram luz sobre a remoção da cama rei estava alojado. Uma onda de horror atingiu a cidade
suntuosa nesse dia em particular. Nessa hora, entretanto, não desperta. Os portões foram abertos, e mensageiros se
havia sinais nem na tarde e nem na noite de domingo de que apressaram a Holyrood para reportar as notícias terríveis de
algo estava errado, e o comportamento da rainha foi o mais que a casa solitária no Campo da Igreja havia explodido junto

174
com o rei e seus assistentes. Bothwell que esteve presente nas
festividades do casamento (querendo, assim como Moray, ter
um álibi) enquanto seu escudeiro estava preparando a ação, foi
despertado de seu sono, ou pelo menos ele fingia estar
dormindo. Rapidamente, vestiu suas roupas, acompanhado por
um homem armado, fez o caminho até a cena do crime. Os
corpos de Darnley e de seu servente que dormia com ele foram
encontrados no jardim, vestidos apenas com camisas. A casa
havia sido completamente destruída pela explosão de pólvora.
Bothwell se contentou apenas com esses detalhes, fazendo
como se fosse uma grande surpresa o que havia acontecido.
Como ele sabia a verdade do ocorrido melhor do que qualquer
um, ele não tentou elucidar o fato. Ele apenas ordenou que os
corpos deveriam ser levados ao ataúde, e depois de meia hora
retornou ao palácio. Lá ele contou a rainha, que da mesma
forma, foi aparentemente despertada do sono, com o fato de
que seu marido o rei, Henry da Escócia, havia sido assassinado
por malfeitores desconhecidos de forma incompreensível.

175
CAPÍTULO TREZE frio se devota ao propósito da luta contra os representantes da
lei e do moral. As energias de um criminoso habitual são
guardadas em estoque para lidar com aquilo que está por vir
Quos Deus Perdere Vult após o crime.
( FEVEREIRO A ABRIL DE 1567 )
Mary Stuart (e nós pensamos melhor dela por isso)
estava desqualificada para cooperar com a situação a qual a sua
servidão a Bothwell havia trazido para ela. Embora ela fosse
criminosa, ela apenas se tornou uma através de paixão
A paixão pode fazer maravilhas. Pode acordar energias irresponsável, sob os sussurros de outra vontade do que sobre
super-humanas. Pela irresistível pressão pode evocar forçar a sua própria. Faltou forças a ela para proibir o assassinato de
tirânicas de almas previamente tranquilas, e pode dirigir uma seu marido, e depois disso ela entrou em estado de colapso.
pessoa até então bem regulada e obediente a lei para o crime. Duas possibilidades se abriram para ela. Ela talvez rompesse as
A natureza da paixão é, entretanto, tal que, depois de intensa relações com Bothwell, aquele que havia feito mais, o que do
ebulição e rompantes selvagens, que uma fase de exaustão se fundo do seu coração, ela havia desejado. Ou, por outro lado,
segue. Isto é o que distingue pessoas que se tornaram ela ajudaria a conciliar o crime, fingindo tristeza para evitar
criminosas através de uma paixão, daqueles criminosos natos suspeitas tanto dele quanto dela. Ao invés, Mary fez a coisa
ou habituais. O criminoso casual ou apaixonado é, como uma mais estúpida que alguém em tão suspeita situação poderia
regra, somente igual a ocasião como consideração ao ato fazer. Ela fez nada. Ela traiu a si mesma através da maçante
criminoso, porém prova ser incapaz de lidar com as inação. Igual a um brinquedo mecânico, tendo sido ferido por
consequências. Agindo sob o nervosismo do impulso, com a uma natureza mais forte do que a sua, como se em transe,
mente concentrada no ato a ser feito, suas energias estão automaticamente fazia qualquer coisa que Bothwell queria. Ela
tensionadas sobre apenas e somente nesse objetivo. Assim tinha ido a Glasgow, enganado Darnley, trazido ele de volta com
depois, tão logo o ato é feito, seu ímpeto falha, sua resolução ela para o Campo da Igreja. Agora o mecanismo do relógio tinha
desaparece, no exato momento que um criminoso calculador e ruído, e ela não se moveu mais. Na hora exata quando a

176
habilidade de atuação era necessária para convencer o mundo Stuart, a qual concentrou a suspeita sobre ela durante as
da inocência dela e do seu amante, ela deixou cair a máscara. semanas após o assassinato de seu marido. Antes do
Como que petrificada, ela exibiu a rigidez horrível e o semblante assassinato ninguém havia suspeitado de sua intimidade com
o qual não falharia em concentrar a suspeita em cima dela. Bothwell, e sua visita a Darnley em Glasgow facilmente seria
suposta como sendo o resultado de um desejo de reconciliação.
Tal dormência espiritual, tal passividade e indiferença,
Depois do crime, entretanto, a viúva se torna o centro do
na hora quando a representação, a vigorosa defesa e presença
interesse. A incumbência sobre ela é fazer-se de simples
extrema da mente eram essenciais, não é de forma nenhuma
inocente por uma brilhante representação. Ainda assim a infeliz
incomum. Inércia desse tipo é uma reação ao excesso de
mulher parece ter sido atingida com repugnância ao
tensão, o resultado de vingança da natureza sobre aqueles que
pensamento de tal hipocrisia. Ao invés de fazer o seu melhor
irracionalmente sobretaxaram suas forças. Na noite após
para evitar suspeitas, ela se fez parecer ainda mais culpada do
Waterloo, a energia daimonica da vontade de Napoleão
que ela era de fato por se manifestar com insensível indiferença
Bonaparte estava em suspenso. Ele estava mudo e passivo, não
a morte do marido. Igual a mulher quem está determinada a se
conseguia dar instruções a ninguém, embora naquela hora de
afogar, ela fecha os olhos enquanto mergulha na água, assim
catástrofe foi essencial a ele para tomar medidas ativas para
ela talvez vê nada, sente nada, esperando somente pelo
evitar desastres ainda maiores. A força parece ter escorrido
esquecimento da não-existência. Criminologistas dificilmente
fora dele como vinho se derrama para fora de barril quando se
encontram maior sinal no exemplo da pessoa que se tornou um
tira a torneira. Da mesma forma, Oscar Wilde entrou em
criminoso através da paixão, e na qual, após o crime, segue-se
colapso horas antes de sua prisão. Amigos o haviam avisado;
uma completa paralisia. Quos deus perdere vult . . . aqueles que
ainda havia tempo para escapar; ele tinha fundos, poderia ter
deuses destruiriam, primeiro os tornam loucos.
pego o trem para Dover e cruzado o Canal. Porém, congelado,
ele se sentou em seu quarto esperando e esperando – como se O que uma inocente, uma honesta, uma mulher
por um milagre ou por aniquilação. Somente por tais analogias, apaixonada, seja ela rainha ou uma comum, faz quando, na
que poderia ser multiplicada por mil por estudantes de história noite da morte, as notícias são trazidas de que seu marido foi
e biógrafos, nós podemos explicar a tola passividade de Mary assassinado por desconhecidos? Ela não faria uma

177
tempestade? Ela não gritaria por prisão imediata do culpado? confusos para as cortes da Europa - uma conta do assassino
Se uma rainha, imediatamente mandaria a prisão qualquer assim formulada para evitar a suspeita de si mesma. Essa
suspeito. Ela apelaria para seus súditos a ajudarem; ela pediria memorável teia de fatos estava tão distorcida como se para
para seus soberanos vizinhos para atacar qualquer tentativa de implicar que o crime não estava diretamente contra o rei,
cruzar fronteiras. Como na França, quando seu garoto marido porém contra ela mesma. De acordo com a versão oficial da
Francis II morreu, ela deveria ter ido para reclusão, não estória, os conspiradores tinham a intenção no ataque noturno
demonstrando inclinações sociais por semanas, meses ou anos ao Campo da Igreja de destruir o casal real, e somente pelo fato
se passarem; e acima de tudo, nunca descansar até que cada de que ela saiu da casa para participar das festividades de
participante do crime tenha sido trazido à justiça. casamento em Holyrood que salvou a vida dela de perecer ao
lado do rei. Sua mão não estava trêmula quando assinou o
Tal seria o comportamento, nessas circunstâncias, de
seguinte declaração: “A questão é horrível e estranha, como
uma afetuosa viúva e inocente do assassinato do marido.
nós acreditamos que nunca ouvimos em nenhum país . . . Pelo
Logicamente, assim, tal comportamento seria o mesmo no caso
o que foi feito, ou como foi feito, parece que não ainda. Nós
de uma viúva culpada. Por cálculo ela deveria atuar como
não duvidamos, de acordo com a diligência a qual nosso
inocente, o que poderia ser mais seguro ao criminoso do que
conselho já começou a fazer, a certeza nós saberemos logo e a
agir como se não teve parte no crime? Mary Stuart, após o
mesma descoberta, a qual nós pedimos a Deus que a mentira
assassinato de Darnley, ao contrário, exibiu uma insensibilidade
não fique escondida; nós esperamos punir com tal rigor que
que não falharia em levantar suspeitas nas mentes mesmo
sirva de exemplo . . . por todos os tempos ainda por vir.”
daqueles que a querem bem. Ela não mostrou a ira sombria que
havia mostrado após o assassinato de Rizzio, ou mesmo a Essa distorção dos fatos foi, sem dúvida, muito grande
melancolia prescrita pela etiqueta da corte da França após a para desnortear a opinião pública. Pois, na realidade, como
morte prematura de Francis II. Ela escreveu um tocante poema todos sabiam em Edinburgh, a rainha deixou o Campo da Igreja
para Francis, porém não utilizou seu talento poético para às onze horas da noite assistida por um grande número de
consagrar a memória de Darnley. Ao invés, durante as primeiras pessoas carregando tochas, enquanto Darnley permanecia na
horas depois do crime, ela calmamente assinou despachos casa solitária. Todo mundo na capital sabia que ela não estava

178
passando a noite com o marido, e não seria possível que os praça pública, cercado por guardas e tochas, assim o rei falecido
assassinos, escondidos nas sombras, tivessem qualquer desejo poderia descansar em paz? O parlamento foi convocado para
sobre a sua vida quando, três horas depois, eles explodiram a ser informado sobre o crime, e verificar os passos necessários
casa. Além disso, a explosão foi nada além de uma cortina de para a vingança? Os lordes escoceses, os defensores do trono,
fumaça, para esconder o fato de que Darnley foi estrangulado solenemente juraram punir os assassinos?
ou sufocado (provavelmente antes da explosão). Assim a
Nada disso aconteceu. Nada aconteceu. Um
estupidez da declaração oficial serviu apenas para intensificar a
incompreensível silêncio se seguiu ao aplauso do trovão. A
convicção da cumplicidade de Mary.
rainha se confinou no seu apartamento ao invés de fazer
Estranhamente, um murmurinho acendeu sobre a declaração pública. Os lordes escoceses estavam em silêncio.
questão na Escócia, e a indiferença dos súditos, a mesma da Nem Moray ou Lethington levantaram um dedo, nenhum
própria Mary, serviram durante esses dias para intensificar os daqueles que se ajoelharam em frente ao rei. Nenhum
ânimos do mundo estrangeiro. Por isso é muito verdadeiro na amaldiçoou a explosão ou a exaltou. Com sisuda quietude
declaração acima citada, que a questão foi horrível e estranha, esperam os eventos. A simples discussão aberta foi que o
que similar nunca havia sido registrado nos anais da história em assassinato do rei seria um inconveniente. Os burgueses, por
suas manchas de sangue. O Rei da Escócia foi assassinado na sua vez, ficaram quietos em casa, não se aventurando a fazer
sua própria capital; sua casa foi explodida. O que aconteceu? A nada mais do que balbuciar suas suspeitas, eles sabiam que era
cidade tremeu de excitação e indignação? Os lordes escoceses inconveniente para que eles se intrometessem nos assuntos
se apressaram a Edinburgh para defender a rainha, quem dos grandes.
também declarou estar em perigo pela trama? Os padres
No começo, com isso, o que aconteceu foi precisamente
denunciaram o crime em seus púlpitos? As cortes legais fizeram
o que os assassinos querem que aconteça. Todos pareciam
de tudo para descobrir e condenar os criminosos? Os portões
olhar para o assassinato como algo pequeno e um incidente
da cidade foram fechados? Os portos foram vigiados? O corpo
indesejável. Talvez não existe nenhuma outra ocasião na
do rei morto foi carregado pelas ruas, assistido por procissão
história Europeia quando a corte, a nobreza, a população da
lúgubre de nobres sofrendo? Um cadafalso foi erguido em

179
capital, tenha feito tão pouca agitação a respeito do assassinato noite, o sepultamento teve lugar na capela. Sem honra e com
de um rei. Mesmo a mais óbvia e simples medidas para a rapidez o corpo de Henry Darnley, o Rei da Escócia, foi jogado
elucidação do crime foi conspicuamente negligenciada. Não no túmulo, como se ele mesmo fosse o assassino, e não vítima
teve inquérito oficial ou legal na cidade do assassinato. Não foi do ódio e ganância. Pronto, uma Missa por ele e isso bastará!
pedido relatório. Não foram enviadas proclamações. Tudo, Sua alma atormentada não mais perturbará a paz na Escócia! .
como se planejado, foi deixado as sombras da escuridão. Não . . Quos deus perdere vult . . .
houve exames pós-morte por especialistas que já existiam.
Mary Stuart, Bothwell, e outros lordes escoceses
Mesmo hoje, nós não sabemos se Darnley foi estrangulado,
esperam que, pregando a tampa do caixão, toda a questão
sufocado, esfaqueado, ou envenenado antes da casa explodir
estaria abafada. Para que não, entretanto, indivíduos
para esconder os rastros do crime. Somente isso é certo, que
inquisidores causassem problemas, com medo de que a Rainha
seu corpo, com o rosto negro, foi encontrado a alguma
Elizabeth reclamasse que nada havia sido feito para esclarecer
distância da casa. Por ordens de Bothwell, o corpo foi enterrado
o crime, foi decidido mostrar o semblante de atividade. Ao
com uma indecorosa pressa, para que poucos tivessem a
invés de um óbvio inquérito sério, Bothwell comandou um
chance de examinar. Deixe a terra rapidamente cobrir os restos
espúrio. Uma falsa busca foi feita pelos “assassinos
de Henry Darnley. Deixe a questão sombria ser rapidamente
desconhecidos.” Verdade, a cidade inteira conhecia seus
tirada das vistas, antes de feder o paraíso.
nomes. Muitos confederados foram necessários para cercar a
O mundo se tornou convencido, entretanto, de que casa, para comprar largas quantidades de pólvora, e estocar em
pessoas de posição elevada deveriam ser os responsáveis pelo sacos na área da explosão para que passassem desapercebidos.
assassinato. Tal era a razão que Henry Darnley, Rei da Escócia, As sentinelas dos portões sabiam bem demais quem tinha feito
não havia tido um enterro digno de um rei. Não com pompa e o caminho de volta para Edinburgh na noite da explosão.
circunstância o caixão foi carregado pelas ruas da cidade, Entretanto, desde que o conselho da rainha havia sido reduzido
seguido pela lúgubre viúva, pelos erals e outras pessoas de agora a praticamente a Bothwell e Lethington, o ator principal
posição e estatura elevada. Nem saudação real foi disparada ou dos confederados, que precisava apenas olhar no espelho para
os sinos tocaram nas torres das igrejas. Secretamente, e na ver a parte culpada, o conselho diligentemente manteve a

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pretensão de que o crime tinha sido trabalho de “canalhas Se ela não estivesse, como estava, sob o feitiço, se sua
desconhecidos,” e a divulgada proclamação oferecendo razão não estivesse completamente subjugada pela paixão, se
recompensas de dois mil pounds escoceses a qualquer um a vontade dela não fosse escrava, teria um única coisa a qual
colocasse as autoridades no rastros dos culpados. Dois mil Mary Stuart certamente agora decidiria a respeito, quando a
pounds escoceses equivaliam a 165 libras inglesas, era uma voz popular falava tão simples; ela terminaria qualquer conexão
quantia respeitável naqueles dias, e uma fortuna para qualquer com Bothwell. Se ainda um brilho de razão persistisse na sua
cidadão pobre de Edinburgh, porém todo mundo sabia que se mente obscura, ela não teria mais nada com ele. Ela evitaria a
tagarelasse seria mais provável ter um punhal entre suas qualquer custo conversar com ele até que, por algum esquema
costelas do que dois mil pounds na carteira. Bothwell inteligente, ela houvesse assegurado alguma prova “oficial” da
estabeleceu uma ditadura militar. Seus retentores, os inocência dele. Enquanto isso, sob um ou outro pretexto, ela
patrulheiros, vigiavam as ruas, armados até o dente, uma deveria ter o dispensado da corte. A única coisa a qual ela
ameaça simples a quem quer que estivesse pensando na deveria ter evitado era permitir que esse homem, o qual na
recompensa por indiscretas revelações. conversa corrente era declarado o assassino de seu marido o
Rei da Escócia, continuasse pisando na última casa do rei. Acima
Quando atentados são feitos para reprimir a verdade
de tudo, desde que a opinião pública com unanimidade o
pela força, busca-se uma saída pela astúcia. O que não podia
considerou o chefe dos assassinos, ela não deveria ter o
ser dito abertamente e durante o dia, era postado nas paredes
tornado chefe do inquérito o qual ostensivamente declarou ter
durante a noite. Na manhã após a divulgação da proclamação,
descoberto “canalhas desconhecidos.”
cartazes foram colocados no mercado central, e mesmo nos
portões do palácio real em Holyrood. Esses cartazes Porém esse foi o limite da loucura dela. Nas
denunciavam Bothwell como assassino, e seu cúmplice Sir proclamações ilícitas, ao lado de Bothwell e Balfour, seus dois
James Balfour, juntos com os assistentes da rainha, Bastien e assistentes Bastien e Joseph Rizzio foram denunciados como
Joseph Rizzio. Outros nomes foram mencionados em outras sendo conspiradores. O que, então, Mary deveria ter feito
listas. Dois nomes, entretanto, eram encontrados neles junto imediatamente? O senso comum exige que ela entregasse
com todos, Bothwell e Balfour, Balfour e Bothwell. esses indivíduos para a corte para julgamento. Ao invés de fazer

181
isso, cometendo uma mancada equivalente a ungido rei, filho de uma ilustre família, um homem da mais alta
autoincriminação, ela em privado demitiu os dois homens de posição; a sua causa era a deles. Praticamente não precisa dizer
seus serviços. Eles foram munidos de passaportes e que ninguém acreditou no relatório oficial nem por um minuto.
rapidamente foram contrabandeados através da fronteira. Foi A princípio, na Europa, foi universal que Bothwell era o
exatamente o contrário do que ela deveria ter feito para assassino chefe e que Mary era a sua confidente. Mesmo o Papa
garantir sua própria honra. Ainda mais louco foi a conduta dela e o papado denunciou a infeliz mulher nos mais forte termos.
em outro aspecto. Prudência exigia que ela ficasse de luto de Porém o que principalmente perturbava a mente dos
forma mais ostensiva pelo esposo assassinado do que pelo luto principados estrangeiros não era tanto o próprio assassinato. O
que ela teve por Francis II. Ao contrário, depois de poucas século dezesseis não era muito perturbado por questões
semanas em retiro, ela deixou Holyrood para visitar Lord Seton morais, ou da mesma forma se atormentar por tal bagatela
em seu castelo. Nem mesmo ela poderia fazer o gesto quanto um assassinato político. Não fazia mais do que algumas
requisitado de corte em luto, como se para ostentar sua loucura gerações desde que Machiavel havia publicado O Príncipe, e
para o mundo, ela recebe como visitante na Casa de Seton – desde então (certamente antes!) assassinatos por “razões de
quem? James Bothwell, o homem o qual o retrato estava sendo estado” vinham sendo considerados como uma questão trivial,
exibido pelas ruas de Edinburgh com a legenda: “Esse é o ou no máximo um pecado venial. Mal havia uma casa na Europa
assassino do rei.” sem algum esqueleto no armário. Henry VIII não fazia vistas
grossas a respeito das execuções das esposas as quais ele
Porém a Escócia não é o mundo. Assim que a consciência
queria se livrar. Philip II não gostaria de ser pressionado com
dos lordes e burgueses são atingidas pelas paz, com o enterro
questões sobre o assassinato de seu filho Don Carlos. Os Borgias
do rei, todo o interesse em seu assassinato terminou – nas
(Papa Alexandre III e seu filho Cesare) tinham a terrível
cortes de Londres, Paris e Madrid o ato pavoroso foi de forma
reputação de envenenadores. Ainda assim, tem uma distinção
nenhuma considerada com a mesma equanimidade. Na
a ser feita. Os príncipes citados fizeram seus atos por proxy, e
Escócia, Darnley foi nada além de um tirano forasteiro, o qual o
gostaram de manter suas mãos “limpas.” O que os amigos
mundo deveria se livrar tão logo ele se tornasse um incômodo
soberanos esperavam de Mary Stuart era uma vigorosa e
muito grande. Nas cortes da Europa, Darnley era coroado e

182
pessoal tentativa de auto escusa, e o que eles receberam em a si mesma no espelho; pois Mary estava na mesma situação,
troca foi a sua ostensiva indiferença. A princípio a frieza, mas exposta ao mundo com suspeitas provavelmente justificáveis,
então a indignação foi subindo, enquanto assistiam a como a própria Elizabeth nos dias de sua paixão ardente por
imprudência da irmã soberana, que fez nada para evitar as Robert Dudley. Como no caso de Mary um indesejável marido,
suspeitas, que conteve o enforcamento de alguns comuns, mesmo caso de Elizabeth e a esposa inconveniente, teve que
quem foi se divertir jogando bilhar tendo escolhido como ser tirado para fora do caminho para um novo casamento. Com
companhia o homem que era inquestionavelmente o instigador ou sem o conhecimento de Elizabeth (o mistério da questão
chefe do assassinato. Com honesta raiva o embaixador fiel de nunca será solucionado), um assassinato foi cometido quando,
Mary em Paris relatou que a passividade dela estava causando em uma manhã, Amy Robsart, esposa de Robert Dudley, foi
uma má impressão. “Você está se tornando objeto de calúnia morta por “canalhas desconhecidos.” Como, agora, todos os
aqui, sendo considerada como a comandante desse crime.” olhares estavam suspeitando diretamente de Mary Stuart,
Com franqueza a qual para sempre redundará em crédito para assim, então, eles estiveram diretamente para Elizabeth Tudor.
esse homem da igreja, ele contou a rainha que, a menos que Porque, a própria Mary Stuart, naquele tempo Rainha da
ela expiasse o assassinato da forma mais explícita possível, seria França, teve que zombar da prima quem, desejando casá-la
melhor para ela perder a própria vida. com o Mestre dos Cavalos, tinha sido conivente com ele
fazendo um fim de sua própria esposa. Com a mesma confiança
Aqui foram palavras simples vindas de um amigo. Se
de agora o mundo considerava Bothwell como o assassino,
houvesse sobrado uma faísca de razão na sua mente, se ela
assim como antes consideraram Dudley como assassino e a
ainda possuísse qualquer vontade própria, essa exaltação teria
Rainha da Inglaterra sua cúmplice. Assim as memórias de seus
mexido com ela. As cartas da Rainha Elizabeth de condolências
próprios problemas passados fizeram de Elizabeth a melhor, a
enviadas foram ainda mensagem mais simples. Pois, por uma
conselheira mais confiável para sua irmã nesse infortúnio. Com
memorável coincidência, ninguém no mundo estava mais
muita perspicácia e força de caráter Elizabeth salvou sua honra
equipada para entender Mary Stuart nessa terrível crise do que
por prontamente comandar um inquérito – sem frutos, claro,
a mulher que, por toda a vida, foi a adversária mais difícil.
porém ainda assim um inquérito. No final ela calou as fofocas e
Elizabeth contemplando o crime de Mary parecia estar olhando

183
o escândalo renunciando seu desejo mais caro, que era o do mundo me alegraria com esse pensamento em meu coração.
casamento com o gravemente comprometido Leicester. Essa Eu não permitiria um convidado tão malvado no porto do meu
renúncia fez o mundo acreditar que a Rainha da Inglaterra não coração pois tem uma opinião má de qualquer soberano, e
teve parte nenhuma no assassinato. Elizabeth queria a mesma ainda assim menos que um eu desejo o quanto de bondade
renúncia da parte da Rainha da Escócia. meu coração pode conceber ou o quanto você pode desejar.
Assim eu exorto a você, aconselho e lhe imploro para tomar
A carta de Elizabeth data de 24 de fevereiro de 1567, e é
essa questão próxima do coração que você não temerá
marcada por uma imensa sinceridade como uma mensagem de
desafogar a vingança mesmo sobre ele que está tão próximo de
um ser humano para outro. Realmente tem o toque humano.
você, caso ele seja o culpado; e que nenhuma consideração
“Madame,” ela escreve com genuína preocupação, “meus
qualquer irá retê-la oferecendo ao mundo a prova de que você
ouvidos estão em choque, pela minha inquietação, e meu
é uma nobre governante e um mulher justa.”
coração apela, ouvindo essas notícias horrorosas do
abominável assassinato do seu marido, meu primo abatido, que Elizabeth, pronta para ser duas caras, provavelmente
eu mal tenho espírito para escrever: porém a natureza me nunca escreveu carta mais sincera ou epistolo mais bondoso do
obriga a lamentar essa morte, tão perto do meu sangue ele que esse. Para a Rainha Mary, apesar dos seus sentidos
estava, eu devo dizer-lhe com ousadia que estou muito mais entorpecidos, deve ter chegado como o tiro de pistola,
preocupada com você do que por ele. Oh, Madame! Eu não despertando-a para a realidade. Mais um dedo acusatório
deveria desempenhar o ofício de fiel nem aquele amigo apontando diretamente contra Bothwell. De novo ela foi
afetuoso, se eu preferisse agradar seus ouvidos ao invés de assegurada de que qualquer consideração por ele seria tomada
preservar sua honra; assim eu não esconderei de você que as como evidência de cumplicidade da parte dela no assassinato
pessoas, a maior parte, diz ‘que você olhará entre os dedos do marido. Porém, deixe-me reiterar, a condição de Mary
nesse ato, ao invés de vingá-lo,’ e que você não se importará de Stuart durante essas semanas era de total escravidão. Ela
tocar aqueles quem lhe deram esse prazer, como se o ato não estava tão “vergonhosamente enamorada,” escreveu um dos
fosse sem que os assassinos tivessem garantias. Eu imploro a espiões de Elizabeth em seu relatório para Londres, “que ela foi
você que acredite em mim que eu mesma nem por todo ouro ouvida dizendo que ela deveria ir com ele para o fim do mundo

184
em uma capa branca, abandonando tudo por ele.” Apelos exigências. Era essencial, disse ele, prender aqueles nomes que
foram proferidos para ouvidos surdos; razão não poderia estavam nos cartazes em Edinburgh.
progredir contra o sangue em chamas. Porque ela esqueceu a
Tal demanda específica não era fácil de iludir. De novo,
si mesma, ela acreditou que o mundo esqueceria dela e de seu
entretanto, Mary se embaralhou. Ela deveria fazer com prazer
crime.
o que Lennox pediu, mas tantos nomes estavam nos cartazes, a
Por um tempo, no mês de março de 1567, Mary pôde maioria deles pessoas que obviamente não tinham nada com o
muito bem ter acreditado que sua passividade estava tendo o assassinato. Deixasse o seu sogro declarar os nomes os quais
efeito correto. Escócia estava silenciosa, as autoridades legais ele considerava culpado. Ela esperava, sem dúvida, que o temor
estavam cegas e mudas, e Bothwell com a melhor vontade do de Bothwell, o ditador, preveniria que Lennox mencionasse seu
mundo, foi incapaz de colocar as mãos sobre os “canalhas nome. Enquanto isso, entretanto, Lennox deu passos para
desconhecidos” – embora o nome do mandante estava sendo garantir sua própria segurança e fortalecer sua posição. Ele
sussurrado em cada casa. Todos sabiam quem era o culpado, entrou em contato com Elizabeth, e se posicionou sob sua
porém todos tinham medo de reclamar a recompensa proteção. Meticulosamente, assim, ele nomeou o nome das
prometida e dizer em voz alta o nome pavoroso. Com o tempo pessoas contra as quais ele exigia uma investigação. Primeiro
a voz foi aumentando para denúncia. O pai do rei assassinado, veio Bothwell, então Balfour, então David Chalmers, e alguns
Earl de Lennox, que era tido em alta reputação entre a nobreza dos serventes de Mary Stuart e Bothwell, quem há muito havia
escocesa, teve que ser recebido pelas autoridades quando ele o espírito havia sido posto atrás da fronteira para que suas
reclamou que semanas haviam se passado sem que os línguas não fossem soltas pelo pescoço. Agora, para a
assassinos do seu filho não tivessem sido trazidos a justiça. consternação dela, Mary começa a perceber que a comédia de
Mary Stuart, como o líder dos assassinos era seu amante, e “olhar através de seus dedos” chegava ao fim. A persistência de
desde que Lethington era um conspirador, a guiou em seus Lennox, ela sentiu, deveria ter o suporte da energia e
conselhos, oferecendo evasivas, dizendo que ela daria o seu autoridade da Rainha Elizabeth. Nessa hora, também,
melhor e colocaria a questão no parlamento. Porém Lennox Catherine de Medici havia simplesmente declarado que ela
sabia que essas palavras significavam nada, e reiterou suas considerava Mary Stuart como desonrosa, e que a Escócia não

185
deveria esperar amizade da França enquanto o assassinato não “pintou os cartazes traiçoeiros” ele lavaria as mãos em seus
tivesse sido propriamente investigado pelas cortes penais. Aqui sangues – essa ameaça tinha a intenção de avisar Lennox. Ele
houve uma veloz mudança de cena, trocando a contenção de todo arrogante com a espada em mãos, enquanto seus
que o inquérito foi “fútil” por outra comédia, que era o seguidores tinham seus punhais prontos, abertamente
inquérito público legal. Mary foi compelida a concordar que declarando que não permitiriam que seu lorde fosse preso
Bothwell (depois lidaria com o homem menor) deveria como um criminoso. Deixe Lennox desafiá-lo e acusá-lo! Deixe
defender-se ante a corte de seus pares. Em 28 de março de os juízes tentar condenar o ditador da Escócia!
1567, uma convocação foi enviada ao Earl de Lennox,
“Madame,” escreveu a Rainha da Inglaterra para a da
ordenando que ele comparecesse em Edinburgh em 12 de abril
Escócia, “Eu não deveria ficar insensível a te perturbar com essa
para que ele formulasse suas acusações contra Bothwell.
carta porém nós somos comandados a amar os aflitos e chorar
Bothwell de forma nenhuma era homem de se pelo infortunados impele que eu o faça. Eu soube, Madame,
apresentar em roupas de penitenciário e curvar-se que você divulgou uma proclamação com o efeito de que os
humildemente em frente aos seus juízes. Se ele estivesse procedimentos judiciais contra os suspeitos de participação no
pronto para um julgamento por seu pares, foi somente porque assassinato de seu último marido e meu falecido primo irão
ele estava confiante de que seria “limpeza” – não uma acontecer no dia doze do presente mês. É de extrema
sentença, mas uma absolvição. Ele fez as suas preparações com importância que a questão não seja obscurecida como elas
a energia costumeira. Primeiro ele induziu a rainha a colocá-lo podem muito bem o ser, por segredos e astúcia. O pai e os
no comando de todas as fortalezas da Escócia, assim ganhando amigos do falecido humildemente me imploraram que eu
o controle de todas as armas e munições disponíveis no país. pedisse a você que adie o inquérito, porque eles foram
Ele sabia que poderia estar certo, assim convocou todos seus informados que pessoas canalhas estão tentando conquistar
patrulheiros para Edinburgh, e os equipou como se fossem para pela força o que eles não podem conquistar pela lei. Em meu
a batalha. Sem vergonha, com audácia e características de amor por você, entretanto, eu não posso agir de outra forma
homem sem lei, ele estabeleceu reino de terror em Edinburgh. do que faço agora, desde que você é a pessoa que mais me
Publicamente ele anunciou que, se ele descobrisse quem preocupa, eu desejo tranquilizar aqueles que são inocentes

186
deste crime desprezível. Como você mesma não é culpada, essa cercado pelos cavaleiros, ele se dirigia para Tolbooth. Assim ela
seria razão suficiente para lhe furtar a sua dignidade como desejou sucesso para o notório assassino a caminho de
princesa e expor o desprezo por essa multidão. Melhor do que participar da comédia da justiça.
tal coisa que poderá acontecer a você, eu desejo a você um
Mesmo que Mary Stuart nunca tenha recebido o último
caixão honrado ao invés de uma vida desonrada.”
aviso de Elizabeth, ela não estava menos avisada. Três dias
Esse novo apelo a consciência de Mary não poderia antes, seu meio irmão Moray, deixou-a. Ele foi, disse ele a ela,
falhar em mexer com a senso entorpecido dela. Não temos atingido por um desejo de viajar pela França e pela Itália, pois
certeza, entretanto, que essa exortação atingiu a Rainha da ele queria “ver Veneza e Milan.” Mary teve ampla experiência
Escócia em tempo. Bothwell estava de guarda, sem temer a que lhe mostrasse que esses repentinos desaparecimentos de
morte ou a maldade, e nem a Rainha da Inglaterra. O Moray do teatro político eram presságios de tempos de
mensageiro especial o qual a carta havia sido confiada para tempestades, e essa determinação dele em se ausentar da
entrega foi detido no portão do palácio por subalternos de comédia da justiça era para mostrar sua desaprovação. Nessa
Bothwell. Ele foi informado que a rainha dormia e não poderia ocasião, certamente, a fala de Moray foi o suficiente simples, e
recebê-lo. não escondeu a verdadeira razão para a sua jornada. Ele disse
a todo mundo que importava ser ouvido que ele tentou prender
O mensageiro especial, de posse da carta de uma rainha
Sir James Balfour como um dos líderes do assassinato, e que
para a outra, ficou vagando desconsolado pelas ruas. Após um
Bothwell, querendo proteger um cúmplice, havia prevenido
tempo ele obteve uma audiência com Bothwell, o qual
essa prisão. Uma semana depois, em Londres, ele
imprudentemente abriu a carta direcionada a Mary Stuart, leu,
candidamente informou de Silva, embaixador da Espanha, que
e a confiou dentro de seu bolso. Nós não sabemos se ele em
ele se sentia desonrado em permanecer por mais um minuto
alguma momento mostrou a Mary Stuart, nem se a questão é
no reino da Escócia enquanto tão terrível e estranho crime
importante. Ela era a sua escrava, que não ousaria fazer nada
permanecesse sem punição. Nós podemos assumir, então, que
que se opusesse a sua vontade. Isso está inclusive registrado
James falou com doçura com sua irmã antes de deixá-la. Nós
que ela foi tola em acenar a sua mão para ele da janela quando,
sabemos por fato que Mary estava em lágrimas quando ele

187
deixou seu apartamento. Porém ela não podia impedi-lo de deliberarem entre si sobre uma questão que já havia sido
partir. Sua energia havia se esgotado desde que ela se tornou decidida antes, e por unanimidade exoneraram Bothwell de
escrava de Bothwell. Ela só podia deixar as coisas tomarem seu “qualquer acusação trazida contra ele.” Essa justificação
curso prescrito por uma vontade mais forte do que a dela. A poderia parecer insuficiente para um homem de honra, mas
rainha dentro dela estava subjugada, e ela era nada além de Bothwell segurou como um triunfo. Arreios tinindo, ele
uma mulher apaixonada. cavalgou pela cidade, bradando sua espada, e publicamente
desafiando para duelo qualquer um que se aventurasse a
Em 12 de abril, a comédia da justiça, a qual começou
declará-lo culpado ou em parte culpado do assassinato do rei.
desafiadoramente, acabou da mesma maneira. Bothwell foi até
Tolbooth, espada amarrada do seu lado, punhal no seu cinto, Os burgueses, entretanto, murmuraram entre si que a lei
cercado por um trem de seguidores, no espírito de um foi efetuada a contento. Amigos de Mary olhavam de soslaio,
guerreiro pronto para atacar uma fortaleza. O número de com “coração ferido.” “Foi lamentável,” escreveu Melville, o
pessoas, talvez tenha sido exagerado, porém de acordo com amigo mais leal dela, “assistir essa excelente princesa se
relatório corrente foram quatro mil pessoas. Lennox, com a apressando para a destruição sem que ninguém chame sua
força de um ancião édito, foi proibido de levar mais do que seis atenção para o perigo que ela está correndo.” Porém Mary
homens com ele se ele estrasse na cidade. Lennox não sentia o recusava a escutar ou aceitar qualquer aviso. Um mórbido
humor de enfrentar a “justiça” assim com o suporte da força deleite num acaso posterior dirigiu ela ainda mais longe.
esmagadora. Ele sabia que a carta de Elizabeth pedindo um Circunspecção se tornou impossível para ela; ela não
adiamento havia sido enviada a Mary, e essa força moral estava perguntaria e não escutaria; mas apenas correria para a sua
do lado dele. Ele estava contente, assim, em enviar um de seus desgraça, a escravidão dos seus sentimentos. O dia depois que
senhores feudais a Tolbooth para ler um protesto escrito. O Bothwell bradou sua liberdade pelas ruas de Edinburgh, ela
acusador em chefe estando ausente, os juízes, alguns os quais infligiu uma humilhação ao país inteiro conferindo para o
tendo sido intimidados, outros subornados por terras ou notório criminoso a mais alta honra que a Escócia poderia
dinheiro ou títulos, acharam conveniente evitar um inquérito oferecer. Na abertura do parlamento Bothwell vestiu a insígnia
exaustivo. Eles se libertaram de um fardo. Depois de da nação, a coroa e o espectro. Quem duvidou que esse homem

188
que agora carregava a coroa em suas mãos amanhã não estaria Vossa Alteza por Earl de Lennox acusando desse crime, foi
com ela na cabeça? Bothwell, certamente, não era um homem submetido a julgamento e sendo declarado inocente do crime
de esconder sua luz sob a terra, e sua ousadia era uma das por certos nobres seus pares, e outros barões de boa
menos amigáveis características. Sem prudência, com energia e reputação; as assinaturas abaixo unidas em defendê-lo contra
franqueza, ele exigia sua recompensa. Sem vergonha, “pelo seu calúnias públicas e privadas do passado ou ainda por vir.” Os
grande e múltiplos serviços” ele pediu de presente o castelo signatários desse instrumento, incluindo oito earls, entre os
mais forte do país, Dunbar. Então, assim que os lordes quais estavam Earls de Morton, Huntly e Argyll (Justiça Geral),
escoceses cumpriram a vontade dele, ele determinou por forçá- Glencairn, Cassilis e Rothes, juntos com onze barões, pares do
los ao consentimento de seu casamento com Mary Stuart. A parlamento, unidos para declarar que eles consideravam
noite quando sentado ao parlamento fechado, como ditador Bothwell uma pessoa apropriada para recomendar a rainha
ele convidou toda a companhia para jantar na Taverna de enviuvada a aceitar como marido, prometendo a si mesmos em
Ainslie. O vinho fluía livre, e quando quase todos presentes suas “honras e fidelidade . . . para mais ainda, avançar, e
estavam já bêbados (nos lembra aquela famosa cena em preparar tal casamento entre Sua Alteza e o dito nobre lorde.”
Wallenstein), ele coloca em frente aos lordes um contrato o Para continuar eles “gastariam o melhor” de suas “vidas e bens,
qual não apenas os fazem prometer defendê-lo contra cada contra todos vivos ou mortos,” como eles deveriam “responder
caluniador mas também o aprovam, “pujante nobre lorde”, a Deus” sobre suas próprias “fidelidades e consciências.”
como marido digno para a rainha. Assim corre o documento:
Somente um entre todos, Earl de Eglinton, não gostando
“Que James Earl de Bothwell, Lorde de Hailes, Crichton, e
do contrato, escapuliu da taverna antes de assinar. Os outros
Liddesdale, Grande Almirante da Escócia, Tenente de todas as
obedientemente inscreveram seus nomes, pois os baluartes de
Marchas, sendo caluniado por relatórios maliciosos e cartazes
Bothwell cercavam a casa – embora muitos dos signatários
acusatórios, fixados em Edinburgh ou em outros lugares, por
talvez estivessem determinados, quando a ocasião se
vontades malignas e inimigos particulares, como arte e como
apresentasse, em quebrar a palavra prometida. Eles sabiam que
parte no odioso assassinato do Rei, último marido da Vossa
o que está escrito com tinta pode ser lavado com sangue. De
Majestade a Rainha, e também por cartas especiais enviadas a
qualquer forma, ninguém protestou contra o documento.

189
Depois dessa formalidade o grupo se divertiu, e o mais feliz
entre eles pode muito bem ter sido Bothwell, pois agora ele
havia ganho seu fim. Algumas semanas depois, e a Rainha da
Escócia e das Ilhas poderia se casar com o assassino do seu
marido assim como a descuidada da mãe de Hamlet casou-se
com Claudius. Quos deus perdere vult . . .

190
CAPÍTULO QUATORZE de Shakespeare no Castelo Dunsinane foram previamente
encenados de fato no Palácio Holyrood. Nos dois casos, após o
assassinato ter acontecido, havia o mesmo isolamento, a
Beco sem Saída mesma opressiva melancolia, o mesmo medonho festival o qual
( ABRIL A JUNHO DE 1567 ) ninguém ousaria ter prazer e o qual um após o outro
escorregava para longe pois os corvos negros de desastre já
rodeavam em círculos a casa. Frequentemente nós achamos
difícil distinguir quando é Mary Stuart pela noite refletindo
pelos apartamentos, sem dormir, confusa, atormentada pelas
Enquanto a tragédia de Bothwell caminha para seu angústias da consciência ou quando é Lady Macbeth
clímax, nós de novo e de novo nos lembramos de Shakespeare. lamentando: “Todos os perfumes da Arábia não irão suavizar
A semelhança da situação com Hamlet é óbvia. Nos dois casos essas mãozinhas.” É Bothwell ou é Macbeth quem se torna mais
temos o rei assassinado pelos amantes das esposas; nos dois duro e mais resoluto depois de cometer seu crime; quem mais
casos a rainha viúva mostra indecorosa pressa no casamento e mais ousadamente desafia as inimizades da Escócia – ele sabia
com o assassino do marido; da mesma forma a tragédia da vida muito bem que sua coragem é fútil, e que fantasmas são mais
real e a tragédia concebida pelo escritor nós notamos a fortes do que um homem vivo? Nos dois casos parecidos, a
consequência duradoura de um assassinato o qual a paixão da mulher é uma motivação poderosa, mas o homem é
dissimulação e repudio exigiram mais esforço do ator do que o apontado para a ação; como as atmosferas são
crime em si. Mesmo o mais forte, mesmo o mais extraordinariamente parecidas, a opressão que a humilhação
impressionante, são as analogias entre as muitas cenas de faz sobre os espíritos atormentados, marido e esposa
Shakespeare sobre as tragédias escocesas e aquelas tragédias acorrentados juntos pelo crime, cada um empurrando o outro
históricas na Escócia do século dezesseis. Voluntariamente ou para o mesmo abismo obscuro. Nunca na história ou na
involuntariamente, Macbeth foi criada na atmosfera do drama literatura teve a psicologia do assassinato e o misterioso poder
de Mary Stuart; os acontecimentos encenados pela imaginação exercido depois pela vítima sobre os assassinos foi mais

191
magnificente retratado do que nessas duas tragédias na Cawdor quem matou Duncan e usurpou a coroa da Escócia, nós
Escócia, um no reino da fabula e o outro na vida real. não podemos supor que ele entrelaçou as memórias dele do
trágico destino de Rainha Mary da Escócia e das Ilhas para a
As rememoráveis semelhanças são produtos do acaso?
substância do seu drama? Nós não podemos, certamente,
Nós não temos base para assumir que, em Macbeth,
afirmar ou negar que Shakespeare, ao escrever sua tragédia, foi
Shakespeare estava dramatizando e sublimando a tragédia de
influenciado pelo seu conhecimento da vida e morte de Mary
Mary Stuart? O drama escrito foram três anos depois de
Stuart? Isso, entretanto, é certamente, somente possível para
quando a tragédia de Mary Stuart e Bothwell fora encenada; ele
aqueles quem estudou e entendeu a psicologia de Lady
era um homem de quarenta anos quando escreveu Macbeth.
Macbeth depois do assassinato de Duncan que será capaz
As impressões da infância exercem profunda influência sobre a
entender completamente os humores e as ações de Mary
mente do poeta, genialidade transmutada em estímulos que
Stuart durante aqueles dias sombrios em Holyrood – para
atuaram na infância em imperecíveis realidades. Nós não
entender os tormentos de uma mulher com alma forte, que
podemos duvidar que Shakespeare não havia sido informado
ainda não havia sido forte o suficiente para enfrentar a
acerca dos acontecimentos no palácio em Holyrood. Na
escuridão de seus atos.
juventude dele em Stratford ele deve ter ouvido muitos
detalhes e lendas sobre a rainha escocesa que jogou fora seu A parte mais maravilhosa da semelhança entre as duas
reino e sua coroa para perseguir uma paixão, e quem, em tragédias, que foi concebida pelo escritor que foi registrada por
punição foi prisioneira em um castelo após outro na Inglaterra. historiadores e biógrafos, é a semelhança das mudanças que
Em 1567 Shakespeare já estava em Londres por um ano, como ocorrem tanto em Mary Stuart e em Lady Macbeth depois que
ator, e provavelmente já um aprendiz de escritor, quando os o crime foi cometido. Antes do assassinato Lady Macbeth era
sinos nas igrejas em Londres tocavam anunciando que a cabeça uma mulher amável, simpática, enérgica, com vontade forte e
da maior adversária de Elizabeth Tudor havia sido cortada e que ambição de fogo. Seu desejo supremo era ajudar o homem que
Henry Darnley havia levado sua esposa infiel junto com ele para ela amava e torná-lo grandioso, ela poderia escrever muitas das
o túmulo. Quando, em Holinshed crônicas da Inglaterra, Escócia
e Irlanda, o dramaturgo chegou para ler a estória Thane of

192
linhas do soneto de Mary Stuart: “Pour luy ie veux rechercher Não havia nada nela que lembrasse sua conversa ativa,
la grandeure 23. . .” alegria e confiante mulher que ela havia sido apenas algumas
semanas antes. Ela estava em silêncio, e uma companhia
Ambição a abastece com energia abundante até o ato.
evitada. Talvez, igual a Macbeth e Lady Macbeth, ela
Lady Macbeth é astuta perspicaz e resoluta enquanto o crime é
continuava a esperar que o mundo silenciasse se ela mesma
apenas um desejo, proposto e planejado, enquanto o sangue
ficasse em silêncio, e as ondas negras retrocederiam. Porém
quente e vermelho ainda não fluiu sobre suas mãos e sobre a
quando as vozes questionadoras se tornam urgentes; quando,
sua alma. Com palavras bajuladoras iguais as que foram usadas
na noite, pelas ruas de Edinburgh, os nomes dos assassinos são
por Mary para atrair Darnley ao Campo da Igreja, ela atrai
ouvidas da sua janela; quando Lennox, o pai do marido
Duncan para o quarto de dormir onde um punhal está
assassinado, e Elizabeth, sua inimiga, e Seton, seu amigo, têm
esperando por ele. Porém imediatamente após o crime ela se
uma causa comum com o resto do mundo insistindo que os
torna uma mulher diferente, perdendo a coragem e a força. A
criminosos deveriam prestar contas, ela perdeu a cabeça. Ela
consciência queima nela como forno. Delirante, com a face
sabia que deveria fazer alguma coisa para esconder o crime,
rígida, ela anda pelos quartos do castelo, um horror para suas
para absolver a si mesma. Porém faltou a vontade de defesa, e
amigas e um terror para si mesma. Seu cérebro está esmagado
não conseguiria encontrar palavras que fossem convincentes
por um único desejo, o de esquecer, o anseio mórbido da
para dissimulação. Como se ela estivesse em transe, ela
ressaca trazida pelo anseio da morte. Ela foi completamente
escutava as vozes em Londres, Paris, Madrid e de Roma,
transformada não apenas na mente, mas também o aspecto,
exortando e a avisando; porém ninguém seria capaz de fazê-la
tanto que Drury, um dos espiões de Elizabeth, relatou que a
despertar de seu estupor. Ela os ouvia apenas como alguém
dama real que nunca, sem uma doença severa, havia uma
enterrado vivo escuta passos daqueles andam sobre seus
mulher mudado seu exterior em tão curto espaço de tempo e
túmulos – indefesos, impotentes e desesperados.
de forma tão significante quanto a rainha mudara.

23
Para ele eu quero procurar a grandeza. (N.T.)

193
Ela sabia que a incumbência sobre ela era atuar como a somente correndo e correndo para dentro do frenesi! Melhor
viúva sofredora, derramar lágrimas poderia fazer as pessoas um final terrível do que um terror sem fim. Igual a uma pedra
acreditarem na sua inocência. Porém sua garganta estava seca caindo com velocidade constante acelerada para mergulhar
assim como seus olhos; ela não poderia falar e não conseguia mais fundo dentro do abismo, assim pessoas agem com mais
dissimular. As coisas foram por esse caminho semana após pressa e mais tolice quando eles não enxergam o centro de seus
semana, até que ela não conseguiu mais suportar. Como uma próprios problemas.
fera que está sendo caçada se vira para a enseada, como
As ações de Mary Stuart depois do assassinato não
Macbeth, a procura de segurança, adiciona novos assassinatos
podem ser explicadas em bases racionais, porém somente
ao assassinato o qual já era aclamado por vingança, assim Mary
como o resultado de uma invencível ansiedade. Alguém poderia
Stuart jogou fora sua inércia intolerável. Não mais ela se
pensar que mesmo no seu frenesi ela deveria ter dito a si
importava com que o mundo pensava dela, ou se as suas ações
mesma que ela estava jogando sua honra para os ventos e se
eram sábias ou tolas. Movimento se tornou essencial para ela,
expondo a condenação universal. Que toda a Escócia, toda a
movimento veloz e mais veloz, para fugir das vozes de avisos e
Europa, consideraria seu casamento com o assassino do seu
ameaças. Correr! Correr! Nada, agora, somente quietude e
marido algumas semanas após o crime como ultrajante. Se ela
reflexão para auto comunhão a forçaria reconhecer que
tivesse esperado um ano, ou melhor dois anos, em retiro, desde
nenhuma habilidade poderia salvá-la. Um dos mistérios da
que as memórias são curtas, o mundo poderia ter esquecido.
mente humana é que, por um curto espaço de tempo,
Então, por manobras diplomáticas habilidosas, várias razões
velocidade pode superar ansiedade. Igual a um cocheiro que
poderiam ser encontradas para a sua escolha de Bothwell como
sente e ouve uma ponte quebrando abaixo açoita os cavalos
marido. Porém Mary estava voando para a destruição quando,
para o galope o qual sozinho pode resgatá-lo do perigo, assim
sem um intervalo decente de luto, ela estava em tal pressa de
Mary Stuart esporeia as acusações negras do seu destino para
colocar a coroa do seu marido assassinado na cabeça do
a frente do seu desespero, na esperança de ultrapassar seus
assassino. Assim esse foi o curso louco que ela tomou.
pensamentos, de escapar de suas próprias críticas. Não
pensando mais, não sabendo mais, não ouvindo ou vendo mais;

194
A única explicação para tal comportamento é possível no defender os direitos. Nem um mês, nem uma semana pode ser
caso de uma mulher quem, em geral, perspicaz e de perdida. Foi uma escolha horrível a qual ela enfrentou, mas sem
circunspecto tolerável. Mary Stuart estava sob coação. dúvida parece menos vergonhoso para ela casar-se com pressa
Manifestamente ela não podia esperar, porque a espera com o assassino do marido do que trazer ao mundo uma criança
poderia divulgar um segredo vergonhoso. Para qualquer um sem pai. Somente tal suposição faz a aparente irracionalidade
com discernimento da questão deve ter sido óbvio que a única do comportamento de Mary durante essas semanas se
explicação a qual Mary apressou-se em casar-se com Bothwell tornarem compreensíveis. Outras interpretações servem
era que a infeliz mulher sabia que estava carregando uma meramente para obscurecer a cena. Por todos os tempos
criança. Ela sabia que estava grávida, não com um filho mulheres sofrendo esse particular pavor foram dirigidas por
póstumo do Rei Henry, mas com o fruto de uma paixão ações tolas e até criminosas. Mary, a rainha, foi uma entre
adúltera. A Rainha da Escócia não daria à luz a uma criança milhares do seu sexo rendidas por uma maternidade
ilegítima, a última de todas as condições para proclamá-la como indesejada. Nenhuma outra teoria pode explicar a insensatez, a
cúmplice do assassinato do marido. Pois nesse caso seria pressa trágica de seu casamento com Bothwell.
inevitável divulgar com quanto volúpia ela passou com seu
Ela estava em uma situação pavorosa, e demônio
amante os dias de seu luto pelo marido, e mesmo um pobre
nenhum poderia ter imaginado uma situação mais cruel. Por
recitador saberia contar os meses para decidir se Mary se
um lado, sabendo que estava grávida, ela estava em pressa
tornou amante de Bothwell logo antes ou logo depois do
desesperadora; porém essa pressa a proclamava a sua
assassinato de Darnley. Qualquer suposição seria igualmente
cumplicidade no assassinato de Darnley. Como a Rainha da
uma desgraça. Nada além de uma pronta legitimação através
Escócia, como viúva, como a mulher de posto e posição mais
do casamento poderia salvar a honra da criança, e talvez
alta, vigiada de perto por Edinburgh, pela Escócia e por todo o
alguma estendida a ela mesma. Se ela já fosse a esposa de
mundo Europeu, Mary deveria saber que um homem notório
Bothwell quando a criança viesse ao mundo, relação pré-
como Bothwell, universalmente considerado o assassino de
conjugal poderia ser desculpável. Em qualquer caso a criança
Darnley, era o último o qual ela deveria se casar. Ela não
portaria o nome de Bothwell, e Bothwell saberia como
somente não deveria se casar com ele, e sim foi compelida a se

195
casar com ele. Essa a causa real para a pressa não ter sido importava que perante os olhos da Europa o veriam como um
divulgada, alguma outra razão para apressar o casamento deve ladrão sem vergonha, o destruidor da rainha, um vilão que não
ter sido inventada. Um pretexto deve ser encontrado o qual prestava contas a lei ou o moral. Pelos portões do inferno ele
teria peso mais do que as objeções morais e legais da união escancarava seu caminho, ele não era homem de hesitar
proposta. quando tinha uma coroa para ganhar. Ele não se chocava por
perigo nenhum, parecido com Don Giovanni de Mozart que
Porém como pode uma rainha ser constrangida a casar
convidou a estátua do Comandante assassinado para o
com um homem de posição mais baixa? O código de honra
banquete do morto. Ao lado dele o estremecido Leporello, seu
desses dias reconhece apenas uma possibilidade em tal caso. Se
cunhado Huntly, quem, por algumas sinecuras, havia acabado
a mulher foi roubada por força da sua honra, é obrigação do
de consentir com o divórcio de sua irmã com Bothwell. Huntly,
violador reestabelecer a sua honra. Somente se, como a esposa,
sendo menos baluarte, logo teve medo, e apressou-se a rainha,
ela tivesse sido estuprada, Mary Stuart poderia encontrar o
tentando dissuadi-la da aventura proposta. Bothwell, que já
vislumbre de uma desculpa para se casar com Bothwell.
estava pronto para desafiar o mundo com armas, não foi
Somente nesse caso a ilusão poderia ser difundida entre a
incomodado pela deserção de seu confederado. Ele também
população de que ela não estaria se casando com Bothwell por
não ficou amedrontado com o fato de que o plano de abdução
livre vontade, porém sob a compulsão do inevitável.
de Mary provavelmente fora pelos ares. (Na verdade, um dos
Um plano tão fantástico de escapatória só pode ter espiões de Elizabeth relatou o esquema para Londres num
surgido para a mulher em um beco sem saída. Nada além de despacho enviado um dia antes do plano ser efetivado). Earl
loucura e resolução num momento decisivo, recolheu quando também não se importava se a abdução fosse considerada
Bothwell propôs esse trágico caminho para ela. “Eu gostaria de genuína ou espúria, desde que o levasse ao seu objetivo, ser rei.
estar morta, pois o que eu vejo tudo se tornará doente,” ela A sua única lei era a sua vontade, morte e maldade estavam no
escreveu na sua angústia. Porém qualquer coisa que os caminho; e ele tinha poder sobre Mary para arrastá-la para
moralistas possam pensar sobre Bothwell, ele sempre qualquer lugar que ele quisesse.
permaneceu um ousado esplendido malfeitor. Tão pouco ele se

196
Uma vez mais nós sabemos pelas Cartas da Caixa que executar a mais criminosa instrução de seu tirano. Se houvesse
Mary estava em rebelião interna com a vontade dura de seu qualquer ideia de tal sequestro, foi frustrada pela precaução de
novo mestre e lorde. Ela suspeitou que essa nova mentira Mar.
poderia não ser imposta sobre o mundo. Ainda assim, como
Depois de ver seu filho, Mary voltou a Edinburgh, na
antes, ela obedeceu a ele o qual ela já havia rendido a sua
companhia de apenas alguns cavaleiros, entre eles Huntly e
vontade. Com a mesma atitude submissa de quando ela ajudou
Lethington, que sem dúvida faziam parte da trama de sua
a seduzir Darnley para Edinburgh, assim, mesmo com o coração
“abdução.” Quando a rainha e seus acompanhantes atingiram
pesado, ela se prestou a proposta de “abdução”; e, cena após
a Ponte Almond, entre Linlithgow e Edinburgh, a seis milhas da
cena, a comédia desse estupro conspiratório foi sendo
capital, ela encontrou Bothwell, com oitocentos cavaleiros,
encenada, estritamente de acordo com o plano.
bloqueando a passagem. Essa força superior esmagadora
Em 21 abril, 1567, apenas nove dias depois da absolvição “atacou” a tropa da rainha. Claro que não houve luta, pois Mary
de Bothwell, dois dias depois, da famosa festa – jantar na Stuart, “querendo evitar sangue derramado,” proibiu seus
Taverna Ainslie, que Bothwell havia compelido a maioria dos cavaleiros de resistir. Isso foi o suficiente para Bothwell refrear
lordes escoceses a consentir com a proposta de casamento, os cavalos para a rainha “se render”, e permitir que fosse levada
exatamente nove anos e dois dias desde que Mary se tornou para o desejado cativeiro em Dunbar. O capitão zeloso, que quis
noiva do herdeiro da França, no grande salão do Louvre – a afrontar as forças e “resgatar” a “prisioneira,” deu uma dica
rainha que até então mostrou tão pouco afeto maternal, foi clara de que Mary consentiu com a captura. Huntly e Lethington
atingida por um desejo urgente de visitar seu filhinho em foram dispensados sem machucados. Ninguém foi ferido nesse
Stirling. Earl do Mar, guardião do Príncipe James, ofereceu uma “tumulto.” A única coisa necessária era que Mary
suspeita boas vindas, por toda a sorte de rumores que chegou permanecesse em “custódia” de seu amado violador. Por mais
aos seus ouvidos. Não foi permitido que Mary ficasse sozinha de uma semana garantindo que ela dividisse a cama dele em
com seu bebê, pois o lorde tinha medo que ela o sequestrasse Dunbar, enquanto simultaneamente em Edinburgh, com
e o entregasse a Bothwell. Tornou-se claro que que ela não grande pressa (e com as rodas lubrificadas por corrupção) o
possuía nenhuma vontade própria, e poderia sem hesitar divórcio de Bothwell com sua esposa fosse levado para as

197
cortes eclesiásticas, tanto Protestante quanto Católica. O da Escócia. Com uma incomum unanimidade eles se auto
argumento surrado foi dizer que Bothwell teve uma relação declararam prontos, como súditos leais, para resgatar a
adúltera com uma serviçal. A corte Católica fez a descoberta cordeira indefesa das garra do lobo mau Bothwell. Bothwell
tardia de que o seu casamento com Lady Jane Gordon era nulo havia oferecido uma desculpa há muito desejada para, sob a
e vazio porque o par era parente em quarto grau. Logo esse máscara de patriotismo, atacar o ditador militar. Rapidamente
assunto sombrio estava acabado. Então o mundo poderia ser eles se juntaram para “resgatar” Mary das suas garras e assim
informado que Bothwell estava em posse da insuspeita Mary prevenir o casamento, o qual, apenas uma semana antes eles
com mãos fortes, e a tinha estuprado em Dunbar. Nada além concordaram em promover.
do casamento com o homem que a possuíra contra a sua
Nada poderia ser mais angustiante para Mary do que
vontade poderia restaurar a honra da Rainha da Escócia.
essa repentina determinação de sua nobreza “leal” para
Essa “abdução” era um acordo muito óbvio com os protegê-la contra seu “violador.” Eles estavam arrancando de
desejos dos interessados que ninguém acreditou que a Rainha sua mão as cartas que ela arranjou de forma cuidadosa e
da Escócia estava realmente sendo “levada pela força e enganosa. Como ela não tinha desejo de ser “libertada” de
estuprada.” Mesmo o embaixador da Espanha, que era muito Bothwell, porém tinha o desejo de se ligar a ele para sempre,
afetuoso com Mary, relatou a Madrid que toda a questão havia ela agora achou necessário apresentar uma rápida declaração
sido um ato ensaiado. Estranhamente, entretanto, foi entre mentirosa de que Bothwell não a levou pela força. Quando
aqueles que estavam na melhor posição para ver através do ontem ela queria denegri-lo, hoje era a sua incumbência limpá-
fingimento comportavam-se agora como se a suposta abdução lo e assim destruir todo o efeito da farsa que ela estava
e estupro eram genuínos. Os lordes escoceses, que nesse meio atuando. Para prevenir qualquer acusação séria contra
tempo já haviam assinado um contrato para a remoção de Bothwell ela se tornou a defensora mais zelosa de seu violador.
Bothwell, fizeram a pretensão grotesca de levar a comédia da O comportamento dele, certamente, “foi estranho no começo,
abdução a sério. Com um toque de demonstração de fidelidade mas, desde então ele não havia oferecido a ela mais nada para
eles protestaram com raiva porque a rainha de seu país havia reclamar.” Como ninguém havia a assistido resistir a abdução,
sido capturada e detida contra a sua vontade, para a desonra ela foi “compelida a modificar sua primeira aversão e dar

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atenção séria a proposta dele.” A situação crescia mais e mais recusou a princípio a ter as proclamas publicadas no templo. Ele
deplorável dessa infeliz mulher, emaranhada nesse espinho estigmatizou abertamente o casamento como “odioso e
denso de sua paixão. Os últimos véus foram arrancados dela, difamatório perante o mundo.” Não até que Bothwell o
deixando-a nua para o desprezo do mundo. ameaçasse com a forca para ele se permitir promover o
casamento.
Foi com consternação que os amigos de Mary assistiram
seu retorno para Edinburgh no começo de maio. Bothwell Mary, entretanto, teve que curvar seu pescoço cada vez
estava levando o cavalo dela pelas rédeas; e para mostrar que mais baixo para dentro do jugo. Por agora, quando todo mundo
ela fora com ele por sua própria livre vontade, seus soldados sabia o quão urgente a rainha precisava desse casamento, ela
estavam desarmados. Em vão aqueles que honestamente foi vergonhosamente chantageada por aqueles que foram
desejavam o bem de Mary Stuart e a Escócia e que avisaram a requisitados para ajudar e a aprovar. Huntly exigiu e assegurou
rainha o erro de suas escolhas atuais. Du Croc, o embaixador o retorno de todos os estados que haviam sido confiscados pela
francês, disse a ela que se ela se casasse com Bothwell isso coroa, esse sendo o pagamento pelo seu consentimento no
poderia colocar um fim à amizade com a França. Um de seus divórcio de sua irmã com Bothwell. O bispo Católico recebeu
mais leais aderentes, Lorde Herries, jogou-se aos seus pés, múltiplos ofícios e dignidades; mas o preço mais caro foi exigido
implorando para que ela pensasse melhor no que ela estava pelo ministro Protestante, que insistiu em humilhação pública
fazendo; enquanto Sir James Melville, como sempre leal e sagaz para a rainha. Como a urgência da necessidade dela era bem
conselheiro, teve que fugir da ira de Bothwell quando, no conhecida, ela foi compelida a declarar que ela, uma princesa
último minuto ele tentou impedir esse casamento infeliz. Todos Católica, pela descendência do lado materno dos de Guises,
os seus aliados estavam tristes porque essa esplendida mulher teria seu casamento celebrado de acordo com a Reforma, o que
estava escrava de uma aventureiro covarde; e eles previram é o mesmo que dizer por ritos heréticos. Consentindo com essa
que essa insana pressa com a qual ela estava se casando com o demanda, Mary Stuart jogou fora sua última carta a qual
assassino do seu marido a faria perder tanto a honra quanto a poderia capacitá-la a garantir o suporte da Europa Católica, e
coroa. Bons dias despontaram para os seus oponentes. John manter a boa vontade do Papa, as simpatias da Espanha e
Craig, que havia sucedido Knox como ministro em St. Giles,

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França. Daqui em diante o Catolicismo unido estaria contra ela. Rainha da França. De longe a nobreza da França, emissários de
Essa verdade terrível se tornou palavras desse soneto: todas as terras, apareceram para assistir à entrada da noiva em
Notre Dame, ao lado da família real e da cavalaria francesa. O
Pour luy depuis iay mesprise l’honneur
segundo casamento tinha sido uma questão mais silenciosa.
Ce qui nous peut seul prouoir de bonheur. Não mais no fim do dia, mas foi fixado entre cinco e seis da
manhã, o padre casou-a com o bisneto de Henry VII. Ainda
Pour luy iay hasarde grandeur et conscience.
assim, a nobreza escocesa estava à mão, embaixadores
Pour luy tous mês parentes i1ay quisté et amys. também, enquanto o bom povo de Edinburgh mantinha as
[Por ele desde que eu depus a honra festas vivas durante o dia. Porém esse terceiro casamento, que
para Bothwell – quem no último minuto foi criado Duque de
A qual sozinha pode nos prover felicidade. Orkney – foi perpetrado tão secreto quanto o crime. Na
Por ele eu arrisquei dignidade e consciência. madrugada (quatro horas), enquanto a cidade dormia, apenas
algumas pessoas, quase furtivamente, na antiga capela de
Por ele eu abandonei minha família e amigos.] Holyrood. Não fazia três meses desde o assassinato de Darnley,
Nada agora poderia salvá-la, desde que ela havia então sua viúva se casou com sua “erva daninha.” A capela
abandonado a si mesma. A vontade dos deuses não aceita estava quase vazia. Numerosas pessoas foram convidadas,
sacrifícios tolos como o dela. porém apenas alguns deles desejaram agraciar a ocasião pela
presença, ou ver a Rainha da Escócia aceitar o anel de
Será difícil encontrar nas páginas da história uma casamento da mão daquele que matou Darnley. Quase todos
descrição mais dolorosa de um casamento como o terceiro de os lordes escoceses mantiveram a distância, com ou sem
Mary em 15 de maio de 1567; o registro é uma profanação total desculpas. Moray e Lennox haviam deixado o país; Lethington
de uma rainha infeliz. Seu primeiro casamento, o noivado, e e Huntly, que fazia parte da metade da trama, abstiveram-se; e
mais tarde Francis II da França, foi uma ocasião esplendia. Dez o único homem que, como a Católico devoto, Mary até então
mil pessoas aclamaram a jovem Rainha da Escócia que seria a tinha sido capaz de revelar seus mais secretos pensamentos,

200
mesmo seu pai-confessor, abandonou-a para sempre. Seu se apressou da triste capela para se trancar na privacidade de
diretor espiritual com tristeza reconheceu que ele a seus próprios apartamentos.
considerava um caso perdido dali em diante. Ninguém com
Por, no exato momento quando, depois de cegamente
uma faísca persistente de honra desejou testemunhar o
forçar pelo seu objetivo, Mary conquistou seu propósito, ela
casamento do assassino de Darnley com a viúva de Darnley, ou
entrou em colapso espiritual. Ela havia preenchido sua vontade
com a suposta consagração desse crime por ritos religiosos.
fazendo Bothwell ser somente seu. Até a hora do casamento ela
Sem frutos Mary implorou ao embaixador da França a sua
persistia na ilusão de que a união com ele, a santificação formal
presença como presente de casamento a aparência de
do seu amor, poderia livrá-la de sua ansiedade. Mas agora,
respeitabilidade. Du Croc, seu bom amigo, imediatamente
quando ela não tinha mais propósito para preencher, não tinha
recusou a atender. Sua presença poderia significar o
objeto para fixar sua visão, seus olhos se abriram, e ela olhou
consentimento da França. “Se eu fosse, alguém poderia
em volta de si – para o vazio. A discórdia entre o par parece que
acreditar que meu Rei tinha dado a mão nessa questão.” Além
começou imediatamente após o casamento. Como
disso, ele não queria reconhecer Bothwell como consorte da
invariavelmente acontece quando duas pessoas arrastam uma
rainha. O serviço do casamento estava pronto por Adam
a outro para a destruição, um está inclinado a culpar o outro
Bothwell, Bispo de Orkney, assistido pelo Reverendo John Craig.
pelo que deu errado. Na tarde do dia do casamento, du Croc,
Nenhuma Missa foi proferida, nenhum órgão produziu som,
quem visitou Mary a seu pedido, encontrou-a em desespero. A
trabalho curto fez a cerimônia. Não houve arranjos para dança
noite não tinha caído ainda, mas um espectro de tristeza se
ou banquete a noite. Nem mesmo, quando Mary, casou-se com
levantou para separar Mary de Bothwell. “Arrependimento já
Darnley, dinheiro foi lançado para a multidão com gritos de
começou,” relatou o embaixador francês para Paris. “Quando
“Generosidade, generosidade!” A capital estava fria, vazia e
eu fui ver a Vossa Majestade na quinta-feira à tarde, eu notei
gélida como um túmulo recém feito; e as poucas testemunhas
algo estranho nas maneiras dela e do marido, o qual ela buscou
desse estranho casamento estavam fúnebres e silenciosas
uma desculpa; dizendo que se ela estivesse triste, era porque
como em um enterro. Não houve processão pelas ruas. O casal
ela assim o desejava, e ela nunca mais desejava alegrar-se
novamente. Tudo o que ela desejava era a morte. Ontem,

201
enquanto ela e seu marido estavam juntos, calados em sua Igreja Reformada, só para encontrar que o clero Protestante
cabine, ela chorava alto por uma faca com a qual ela se mataria. estava tão hostil a ele quando o Católico. Ele escreveu cartas
Aqueles que estavam na outra cabine a ouviram. Eles temem com palavras humildes a Elizabeth, as quais ela deixou sem
que a não ser que Deus vier ajudá-la ela irá, em seu desespero, respostas. Ele escreveu para Paris, porém seus epistoles foram
tirar a própria vida.” Logo outros relatos confiáveis de dissenção ignorados. Mary convocou os lordes escoceses, porém eles
entre os recém-casados. Bothwell, certamente, estava dizendo continuaram a distância em Stirling. Ela exigiu a custódia do seu
em considerar o divórcio de sua bonita jovem esposa, Lady Jane filho mas Earl de Mar se recusou a entregar o pequeno James
Gordon, como inválido, e passavas noites com ela ao invés de ao seu cuidado. Um terrível silêncio cercava a rainha e Bothwell.
Mary. “Desde o dia do casamento,” reporta du Croca mais uma para dar a aparência de segurança e alegria, Bothwell se
vez, “não tem mais fim os medos e queixas de Mary Stuart.” apressou em improvisar um baile de máscara e uma regata.
Agora que a cega mulher foi forçada pelas mãos do destino, ela Esse concurso nas águas foi em Leith, e Mary agraciou com sua
sabia que tudo estava perdido, e que a morte seria melhor do presença, para assistir seu consorte andar pelo ringue e rever
que a vida de tormento que ela havia trazido para si mesma. as tropas. Ela sorriu para o seu esposo. As pessoas comuns,
sempre prontas para um show, compareceram em grande
Essa medonha lua de mel suportou por três semanas e
número, mas não se alegraram. O país parecia paralisado pelo
foi um tempo de agonia duradoura. Qualquer coisa que o par
medo, o qual provavelmente, em um momento, incendiaria em
tentou fazer na esperança de se segurarem juntos e se salvarem
ira.
provou ser fútil. Quando nos olhos do público Bothwell fez uma
parada de respeito e afeição pela rainha, fingindo amor e Bothwell não era homem de ser levado por sentimento.
humildade; porém suas palavras e gestos contavam nada em Um experiente homem do mar, ele podia ler os sinais de uma
vista de seu registro pavoroso. A população estava melancólica tempestade a caminho. Com resolução inveterada e sempre
e olhou com desconfiança para o par criminoso. Em vão o preparado para encontrar todos os acasos. Ele sabia que seus
ditador, desde que os nobres mantinham a distância, tentou inimigos destinavam a sua vida, e que a questão logo seria
cortejar o favor da população, atuou como generoso, de decidida pelo apelo das armas. Rapidamente, entretanto, ele
bondoso, de governante piedoso. Ele atendeu os serviços da agitou seus cavaleiros e soldados, que ele pôde, em ordem de

202
estar preparado para resistir aos ataques. Mary sacrificou tudo Bothwell planejou, por um ataque repentino, derrotar seus
o que restava a ela em ordem de ajudá-lo a pagar por inimigos antes que eles armassem suas próprias forças.
mercenários; ela vendeu suas joias, tomou dinheiro
Porém essa fuga de Holyrood deu coragem aos lordes
emprestado o quanto pôde, e ainda (embora isso fosse uma
escoceses. Rapidamente eles se moveram para Edinburgh,
séria afronta a Rainha da Inglaterra) vendeu a fonte de prata
ocupando a capital sem resistência. Sir James Balfour, que havia
que Elizabeth enviou para ela para o batismo do pequeno
sido assistente de Bothwell no assassinato, estava pronto para
James, para ser comprometido no caldeirão na esperança de
trair seu confederado, e assim com alguns milhares de soldados
prolongar a agonia do seu próprio governante. No silêncio
a cavalo foram a galope para Borthwick para atingir Bothwell
ameaçador, entretanto, os lordes escoceses coletaram juntos,
antes que ele pudesse montar suas tropas e equipá-los para a
envelopando o palácio igual a chuva de trovão o qual a qualquer
batalha. Bothwell, entretanto, não se permitiria ser capturado
momento poderia atirar raios contra o par real. Bothwell era
como uma fera selvagem pelo laço. Ele pulou pela janela antes
familiar demais com a astúcia de seus outrora associados para
que o corpo principal dos seus inimigos sob o controle de
confiar na aparência de tranquilidade. Ele sabia muito bem que
Morton e Hume chegassem na cena, e correu para longe,
eles estavam planejando atacá-lo fora da escuridão, e que ele
deixando Mary para trás. Os lordes escoceses não, nessa
não poderia esperar a investida deles no fraco Holyrood. Em 5
conjectura, aventurariam a usar armas contra a rainha,
de junho, três semanas após o casamento, ele e Mary saíram de
satisfazendo-se a tentativa de persuadi-la a separar-se de
Edinburgh e foram para a fortalecida Borthwick, a poucas
Bothwell. Ela, entretanto, ainda era escrava do seu violador.
milhas ao sul da capital na direção da fronteira, onde sua força
Durante a noite, apressou-se a vestir-se como um garoto,
principal se deitava. Lá, Mary, como uma última esperança,
montou seu cavalo, e logo se juntou ao seu marido, onde
enviou convocações para 12 de junho, endereçada para os seus
cavalgaram juntos até Dunbar, deixando tudo para trás para
“súditos, nobres, cavaleiros, escudeiros, cavalheiros e
viver ou morrer com Bothwell.
soldados,” foram reunidos em exércitos, providos com
abastecimento de alimento por uma semana. Obviamente Um pequeno sinal leve para convencer que a causa da
rainha estava perdida. No dia de sua fuga de Edinburgh para o

203
Castelo Borthwick repentinamente desaparece, “sem adeus,” não era a de uma rainha, enquanto ela caminhasse ao lado do
seu último conselheiro, Maitland de Lethington, o único homem que era tudo o que permanecia dela na terra, e pelo
homem que durante essas semanas, quando ela estava qual ela sacrificou tudo. Bothwell rapidamente reuniu as forças
perturbada pela paixão, continuou a mostrar algum grau de que pôde. Os “súditos, nobres, cavaleiros, escudeiro,
lealdade. Lethington seguiu sua senhora pelo longo caminho de gentlemen e soldados” falharam em comparecer. A Escócia não
ruína e descida sombria, e talvez – Bothwell a parte – ninguém mais era leal a sua rainha. Com duzentos mercenários como
fez mais do que ele em tecer a rede do assassinato em volta de tropa de choque e uma ralé pobremente armada de
Darnley. Porém agora ele sentiu que o vento mudou e estava camponeses e soldados da fronteira (não mais que mil e
soprando com força total contra a rainha. Um diplomata típico, duzentos homens no total) em 14 de junho a rainha e Bothwell
um daqueles que sempre aparam suas velas para a brisa do abandonaram Dunbar e foram em frente para atacar
poder, ele não mais poderia ajudá-la numa causa que ele sabia Edinburgh. O exército insignificante dirigido em frente pela
estar perdida. Enquanto os cavalos estavam a caminho de vontade resistente do earl, que esperava vencer os lordes
Borthwick, ele silenciosamente virou seu cavalo e foi-se juntar escoceses pela surpresa. Ele sabia que a imprudência pode às
ao outro lado. O último rato desertou do navio afundando. vezes salvar a situação desafiando o cálculo racional.
Mary estava intocável; ela não podia ser intimidada ou Em Carberry Hill, seis milhas de Edinburgh, no domingo
avisada. Nessa surpreendente mulher o perigo serve apenas 15 de junho, as duas ralés (não são dignos do nome exército)
para intensificar a coragem e dar a ela o glamour romântico às ficaram face a face. As tropas da rainha, agora inchada pelo
maiores loucuras. Chegando em Dunbar nas costas do cavalo, reforço de três mil e quinhentos homens, superavam em
em roupas masculinas, ela não encontrou vestidos reais, nem número a dos seus inimigos. Porém alguns lordes do reino,
armaduras, nem equipamentos. O que importa? Essa não era a alguns da nobreza estavam lutando embaixo da bandeira do
hora para cortesia, agora que a guerra estava declarada. De leão real da Escócia. Exceto pelos mercenários, os principais
uma mulher do povo ela tomou a roupa feminina – “um casaco apoiadores da rainha eram tropas de saqueadores de Bothwell,
vermelho, mangas amarradas com pontos, chapéu preto de aqueles que apreciam a batalha estava em quase total
veludo e um cachecol.” Pouco ela se importava se sua aparência abstinência. Menos de uma légua de distância, do outro lado da

204
corrente, estavam as forças adversárias, bem montadas, Porém no dia claro atacar a soberana governante conflita com
adequadamente armada e treinada para o combate. A bandeira as noções feudais as quais ainda balançava a mente deles.
sob o qual eles estavam preparados para lutar era de fato
Du Croc, embaixador da França, presente no campo de
estranha para aqueles que haviam sido cúmplices no
batalha como observador neutro, não falhou em noticiar que
assassinato do rei. Era de seda branca, com o desenho do corpo
nenhum lado estava ansioso para a briga, e assim rapidamente
de Darnley, como o pequeno James orando, nas palavras:
ofereceu seus serviços como mediador. Sob a bandeira da
“Julgue e vingue minha causa, O Lorde!” Assim os mesmos
trégua, com a escolta de cinco cavalos, o francês atravessou o
homens que participaram na morte de Darnley agora
riacho para negociar com Bothwell e a rainha.
desejavam representar a si mesmos como os vingadores de
Darnley, e proclamar a si mesmos defensores pegando em Foi uma estranha audiência. Mary, que estava
armas contra seu assassino, e não em rebelião contra a rainha. acostumada a receber o embaixador da França embaixo da
marquise real, vestida em roupas da corte, estava sentada nas
Duas bandeiras agitavam bravamente ao vento. Mas não
pedras, como uma comum, com uma saia curta que mal cobria
havia bravura nos corações daqueles que formavam nenhum
seus joelhos. Porém ela não estava menos digna, não menos
dos corpos do combate. Nenhum lado avançaria para atacar
orgulhosa, do que se ela estivesse com total panóplia do
através do incêndio. As duas partes em pé assistindo uma a
Estado. Ela não podia ser a mestre de sua ira. Como se ela ainda
outra cautelosamente. Os soldados da fronteira de Bothwell
fosse a rainha da situação como se ela ainda fosse a rainha
não se atreviam a se deixar serem mortos por uma causa que
virtual do país, ela exigiu que os lorde escoceses imediatamente
estava além do entendimento dele. Os lordes escoceses, pelo
apresentassem a sua submissão. Os lordes, ela disse,
seu lado, tinham certos escrúpulos os quais não os permitiam
formalmente absolveram Bothwell, mas agora o acusavam do
usar lanças e espadas contra a rainha legítima. Trazer um
crime de assassinato. Eles haviam pedido que ela se casasse
monarca para a sua morte por uma engenhosa conspiração
com Bothwell, e agora ousavam tornar crime o fato dela ter se
planejada, e depois enforcar alguns pobres bodes expiatórios e
casado com ele. Sem dúvida, nesses aspectos, a indignação de
solenemente proclamar a suas próprias inocências – questões
Mary era justificável; porém a hora do certo havia passado, e a
pequenas dessa sorte não perturba a consciência desses lordes.

205
hora do talvez havia chegado. Enquanto Mary estava bom velho senhor ajudaria a rainha com alegria se ele pudesse,
negociando com du Croc, Bothwell chegou. O embaixador lágrimas vieram ao seus olhos, mas enquanto ela fincasse os
cumprimentou, mas não apertou as mãos. Agora Bothwell tinha pés ao lado de Bothwell não haveria esperança para ela. Adeus,
as suas palavras para dizer. Ele falou com clareza, e sem então. Ele se despediu cortesmente, virou seu cavalo, e
reservas. O próprio du Croc teve que, com relutância, admitir a cavalgou devagar na volta para os lordes escoceses.
firme coragem do desesperado. “Eu devo reconhecer,”
A negociação havia acabado. Era a hora da batalha
escreveu o embaixador em seu relatório para o Rei da França
começar. Mas os soldados rasos tinham melhor visão que seus
datado de 17 de junho de 1567, “que eu vi nele um grande
líderes. Eles viram que grandes homens haviam conversado
guerreiro, que falou com confiança, e que foi muito capaz de
amigavelmente. Por que pobres miseráveis deveriam atirar uns
liderar seus seguidores com ousadia e habilidade. Eu só posso
nos outros ou cortar uns aos outros em tarde tão bonita quanto
admirá-lo, porque ele sabia da resolução de seus inimigos, e
essa? Os soldados de Bothwell parados sobre isso, e quando a
que ele não poderia contar com a fidelidade da metade de suas
Rainha Mary, como a última esperança, ordenou que
próprias forças. Mesmo assim ele não estava desanimado.”
atacassem, eles recusaram a avançar. Eles estavam vadiando no
Bothwell propôs que a questão deveria ser decidida por um
riacho por seis ou sete horas, e agora a pouca força começou a
combate único entre ele e qualquer um da mesma posição o
desmoronar. Tão logo os lordes perceberam isto, eles
qual seus inimigo escolhesse apontar. A causa dele era justa, e
despacharam duzentos cavaleiros para romper a retirada de
Deus estaria ao lado dele. Brincando ele disse ao francês para
Bothwell e a rainha. Mary viu o perigo, sendo ainda uma mulher
assistir ao duelo proposto da colina vizinha. Que seria um bom
apaixonada, ela pensou não no seu próprio perigo mas no de
esporte. A rainha, entretanto, não quis ouvir nada da proposta.
Bothwell. Ela sabia que nenhum de seus súditos levantaria a
“Não, não,” ela interpôs, “eu não sofrerei isso; eu lutarei a briga
mão para ela, mas os inimigos não poupariam a ele, pois
ao lado dele.” Ela ainda tinha a esperança de que seus inimigos
Bothwell vivo poderia divulgar coisas as quais esses vingadores
se submetessem a sua autoridade. Uma romântica nata, ela
tardios de Darnley não gostaria que viesse a público. Pela a
estava agora, como sempre, em falta de senso da realidade. Du
primeira vez na sua vida, assim, ela controlou seu orgulho. Ela
Croc rapidamente percebeu que sua missão era sem frutos. O

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enviou um mensageiro com a bandeira de trégua para Kirkcaldy com toda a honra devida, e provavelmente essa era a intenção.
de Grange, pedindo que viesse sozinho para negociação. Porém mal havia ela sentado no seu burro e vestida em roupas
de comuns, começaram a caminhar, quando soldados com
Reverência para o sacro comando de um monarca tem
gritos de desprezo, e venenosamente começaram a insultá-la.
um efeito mágico. Kirkcaldy de Grange parou seus cavaleiros.
Enquanto as mãos de ferro de Bothwell protegiam a rainha, o
Ele foi só até Mary Stuart, e, antes de dizer uma palavra, ele se
ódio da população foi mantido restrito. Agora, quando ela não
ajoelhou para prestar respeito. Então ele declarou suas
mais assim estava protegida, o desprezo se rompeu. A rainha
condições. A rainha deveria deixar Bothwell e retornar com os
que havia sido capturada não mais era a rainha desses soldados
lordes escoceses para Edinburgh. Bothwell poderia ir para onde
rebeldes. Eles se apinharam em volta dela mais e mais perto,
ele quisesse. Ninguém iria persegui-lo.
inquisitivamente a princípio, então desafiadoramente, com
Bothwell (que cena maravilhosa, e que homem gritos de “Queime a meretriz! Queime a assassina!” Kirkcaldy
maravilhoso!) ficou olhando sem dizer uma palavra. Ele disse colocou sobre eles a espada, mas em vão. Mais e mais perto os
nada a Kirkcaldy e nada para a rainha para influenciar a decisão rebeldes a cercavam, e seguravam forte, colocando na total
dela. Alguém poderia apenas sentir que ele estava pronto para visão dela a bandeira que exigia a vingança de Deus pelo
lutar sozinho contra os duzentos homens que estavam assassinato de Darnley. Esse progresso longe da realeza, essa
esperando no pé do riacho, preparados, no balanço das mãos escapada de Carberry Hill para Edinburgh durou das seis da
de Kirkcaldy para atacar as linhas hostis. Somente quando ele tarde até as dez da noite. A população apinhada veio de todas
ouviu que a rainha concordou com a proposta de Kirkcaldy, as vilas e de todas as casas da cidade para apreciar o espetáculo
Bothwell pisou na frente dela e a abraçou – pela última vez, da captura da rainha. De novo e de novo a pressão se tornava
embora nenhum dos dois soubesse disso. Assim ele montou seu tão grande que a posição dos soldados estava quebrada. Nunca
cavalo e galopou, seguido apenas por alguns serventes. O Mary Stuart sofreu uma humilhação tão profunda quanto esse
sonho havia acabado, e o tempo de despertar chegou. dia.
O despertar veio, pavoroso, inexoravelmente. Os lordes Mas essa mulher orgulhosa pode ser humilhada; ela não
escoceses prontamente conduziram Mary de volta a Edinburgh se dobraria. Como a ferida que não queima mais voraz até que

207
se cicatrize, assim Mary não sentiu a sua derrota realmente até foi trancada sobre ela. Nenhum dos seus nobres ou damas
que ela enfrentasse esses insultos venenosos. Ela tinha o foram admitidos. Uma noite de desespero se seguiu. Por dias
sangue quente, o sangue dos Stuarts, o sangue dos de Guises, ela não trocou de roupa. Desde manhã ela não se alimentara.
fervido. Ao invés de se comportar com prudência, ela protestou Ela deve ter sofrido terrivelmente da aurora até o pôr do sol –
aos lordes, jogando a responsabilidade para eles pelas injúrias o período em que ela perdeu seu reino e o seu amor. As ruas
da população contra ela. Igual a uma raivosa leoa ela rugiu para estavam montadas, como antes uma fera selvagem engaiolada,
os seus inimigos; ela os enforcaria, os crucifixaria; e de repente cercada por línguas raivosas, a atirar palavras de vergonha. Não
ela pega a mão de Earl de Lindsay e diz: “Eu prometo, por essa até agora, quando os lordes acreditassem que o espírito dela
mão a qual agora está na sua, que eu terei a sua cabeça.” Como estava quebrado, eles tentaram negociar com ela. Eles não
sempre, em tempos de perigo, seu excesso de coragem a leva pediram muito. A única exigência era que ela rompesse
para a tolice. Embora os lordes agora a tinham segura em mãos, relações com Bothwell para sempre. Porém a mulher
ela abertamente usou linguagem abusiva contra eles, desafiadora lutaria com mais ousadia por uma causa perdida do
expressando o máximo de desprezo pelo mau comportamento que por alguma com esperança. Repulsivamente ela recusou a
deles, ao invés de manter a prudência do silêncio ou tentar proposta, e um de seus adversários admitiu mais tarde: “Nunca
conquistar seus súditos por palavras amigáveis. eu vi mulher mais valente do que a Rainha nessa ocasião.”
Provavelmente a raiva dentro dela fizeram os lordes Como os lordes escoceses não poderiam por nenhuma
mais duros do que eles tinham a intenção. De qualquer forma, ameaça induzir Mary a abandonar Bothwell, o mais astuto entre
agora eles sentiam que ela nunca iria perdoá-los, eles deram o eles tentou ganhar o mesmo final pela construção. Maitland de
máximo que para fazer com que essa indisciplinada mulher Lethington, seu velho e por longo tempo seu mais leal
sentisse sua impotência. Ao invés de instalar a rainha no palácio conselheiro, usou meios melhores. Ele apelou para seu ciúmes,
de Holyrood, que ficava seguro nas muralhas da cidade, eles a e contou a ela (talvez fosse verdade, talvez mentira; quem sabe
compeliram a passar pelo Campo da Igreja até Edinburgh, onde desde que as palavras foram proferidas por um diplomata?)
as ruas estavam lotadas de pessoas. Lá, pela High Street, ela foi que Bothwell havia sido infiel a ela, que durante as poucas
levada para a casa do reitor, como se fosse pelourinho. A porta semanas de casamento ele teve relações íntimas com a esposa

208
divorciada, que disse a Lorde Jane Gordon que ele considerava fortaleza era numa ilha com o lago de mesmo nome. Pertencia
a ela como a sua legítima esposa e que a rainha era nada além a Margaret Douglas, a mãe de Moray, que naturalmente não
de concubina. Mas Mary sabia que estava cercada de estaria muito bem-disposta a receber a filha de Mary de Guise,
trapaceiros, nenhuma daquelas palavras eram passíveis de para a qual seu amor James V a havia abandonado.
serem confiadas. A informação serviu apenas para levá-la ao
A menção da palavra “aprisionamento” foi
frenesi, com o resultado que Edinburgh teve a degradante visão
cuidadosamente evitada na proclamação dos lordes. A rainha
da Rainha da Escócia atrás das janelas de barris com o vestido
estava apenas “isolada” que “a pessoa de Vossa Majestade
rasgado, seus seios expostos, seu cabelo caído, rugindo como
deveria ser mantida afastada de qualquer comunicação com
uma maníaca, soluçando e gritando, enquanto ela declarava
Earl Bothwell, e não poderia entrar em contato com aqueles
para a população, tocada apesar do ódio frenético, que era o
que queriam defendê-lo da punição de seu crime.” À medida
dever deles libertá-la, desde que ela havia sido mantida coagida
que eles adotaram foi uma meia medida, uma medida
pelos seus próprios súditos.
provisória, ditada pelo medo, e prontamente de uma inquieta
A situação se tornou impossível. Os lordes escoceses consciência. O levante contra a Rainha Mary não foi aventurado
ficariam felizes em progredir um passo ou dois. Eles sentiam, a ser declarada como rebelião. Toda a vergonha ainda se
entretanto, que agora eles tinham ido longe demais para deitava sobre o fugitivo Bothwell. O segredo da determinação
retroceder. Tornou-se impossível para eles sonhar em em destronar Mary estava escondido covardemente atrás de
reinstalar Mary Stuart em Holyrood como a rainha. Ainda assim palavras corteses. Para enganar a população, a qual ainda
eles não poderiam deixá-la na casa do reitor, cercada por estava aclamando por julgamento e execução da “meretriz,” na
línguas raivosas, sem incorrer em formidável responsabilidade noite de 17 de junho Mary Stuart foi levada para Holyrood sob
e levantar a ira de Elizabeth e de outros príncipes estrangeiros. a guarda de trezentos homens. Porém tão logo a população foi
O único homem entre eles que tinha coragem e autoridade para a cama, uma pequena procissão foi formada para conduzir
Moray, estava do outro lado da fronteira. O melhor que eles a monarca para Lochleven. Essa melancólica caminhada durou
podiam fazer era remover a rainha para algum recuo seguro, e até o alvorecer. As luzes da aurora, quando as águas do lago
para esse propósito eles selecionaram o Castelo Lochleven. Essa começavam a se mostrar claramente, ela se aproximou da

209
solitária, uma fortaleza inacessível onde ela ficaria, quem sabia
por quanto tempo? Ela remou para lá, os portões se fecharam
atrás dela. A balada apaixonada e sombria de Darnley e
Bothwell havia terminado. Agora começava os escritos
melancólicos, a crônica do perpétuo aprisionamento.

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CAPÍTULO QUINZE acordo que ela não poderia continuar a governar a Escócia com
um assassino ao seu lado.

Deposição Quais meios haveria para compelir a rainha a abandonar


Bothwell ou, como alternativa, a abdicar em favor do seu filho?
( VERÃO 1567 )
Não havia meio. Nesses dias súditos não tinham direitos
constitucionais contra o monarca. A opinião pública contava
para nada onde cabia um rei ou rainha. O povo não estava
A partir desse dia, 17 de junho de 1567, quando os lordes
intitulado a culpar as ações do rei ou rainha; jurisdição acaba
escoceses aprisionaram a sua rainha no Castelo de Lechleven,
antes do passo para o trono. O rei não era, como hoje, chefe de
Mary não parou, até o dia de sua morte, de ser o foco de
Estado sobre o qual ele governa, mas ele era o próprio Estado,
desassossego da Europa. Ela incorporou um novo emaranhado
ou pairava acima do Estado. Uma vez fora coroado e ungido, ele
de problemas, um problema revolucionário de importância de
não poderia deixar seu ofício ou passar outro ofício. Ninguém
longo alcance. O que seria feito com um monarca quem estava
poderia roubar o ungido do Lorde a sua dignidade, assim, pela
em conflitos afiados com o povo, e provou ser indigno de usar
visão absolutista, era mais fácil privar o governante de sua vida
a coroa? Nessa instância não poderia haver dúvidas de que a
do que da sua coroa. Ele poderia ser assassinado, mas não
lady soberana fosse culpada. Pela paixão, Mary trouxe uma
poderia ser deposto, pois o uso da força contra ele significava
situação impossível e intolerável. Contra a vontade da nobreza,
um infração à ordem hierárquica do cosmo. Com o seu
da plebe, do clero, ela escolheu como marido um homem
casamento criminoso Mary colocou o mundo nesse dilema. Seu
casado com outra mulher, e um homem universalmente
destino decidiria, não um conflito isolado, mas um princípio
considerado o assassino do seu último marido, o Rei da Escócia.
filosófico.
Ela havia desconsiderado a lei e desafiado a moralidade. Ela
ainda recusava teimosamente a admitir que seu tolo casamento Esse é o porquê de os lordes escoceses, embora terem
era inválido. Até mesmo seus melhores amigos estavam de respeitado as cerimônias, estavam com tanta pressa em
encontrar uma solução satisfatória. Olhando através dos

211
séculos, nós podemos ver que eles se sentiam inquietos com a Ainda assim, no exterior ela poderia contar com uma
própria ação revolucionária, em ter aprisionado sua soberana; certa quantidade de ajuda. Tal luta conspícua entre a soberana
e o fato é que eles prepararam para tornar as coisas mais fáceis governante e seu povo não deixaria as outras cabeças com
para a reintegração de Mary. Teria sido o suficiente para ela coroa da Europa indiferentes. Elizabeth, acima de todos, estava
admitir seu erro reconhecendo que o casamento com Bothwell fortemente ao lado da prima que ela havia recusado por tantas
era ilegítimo. Então, embora tensa sem dúvida na afeição vezes. Essa mudança de frente da parte da Rainha da Inglaterra,
popular e na sua autoridade, ainda assim ela poderia ter a sua ardente esponsal da causa de sua rival, é geralmente
efetuado um retorno honroso a Edinburgh, e poderia ter considerada como o maior sinal da inconstância de Elizabeth.
escolhido um marido mais digno. Porém Mary permanecia Sem dúvida a monarca Tudor era instável, era a catapulta em
inflexível. Considerando a si mesma infalível, ela não anáguas, mas nessa instância de comportamento ela era
reconheceu que a rápida sucessão de escândalos – Chastelard, consistente. Se agora ela ficasse ombro a ombro com a Rainha
Rizzio, Darnley e Bothwell – levou as pessoas a considerá-la uma da Escócia e das Ilhas, não significava que ela estava ao lado de
incorrigível cabeça de vento. Ela não podia fazer a mais mínima Mary Stuart a mulher, a mulher a qual o comportamento
concessão. Em face da Escócia, em face do mundo, ela recente levantava tantas suspeitas. Elizabeth era uma rainha
defendeu Bothwell, o assassino, sustentando que ela não que apoiava outra rainha, apoiava o princípio que os direitos do
poderia se separar dele, pois, se ela o fizesse, seu filho, o qual soberano são invioláveis, e assim lutava pela sua própria causa
estava no seu ventre, seria um bastardo. Ela continuava a viver tanto quanto para a de Mary. Ela não sentiu claramente a
nas nuvens. Uma romancista inveterada, ela não conseguia lealdade dos nobres ao olhar inertes enquanto súditos rebeldes
enfrentar realidades; e, com a teimosia a qual você pode pegaram em armas contra a rainha de um reino vizinho para
chamar de tolice ou esplendida como preferir, desafiava lançá-la a prisão. Em desafio a Cecil, o qual a inclinação era de
aqueles quem coordenava suas forças contra ela por um estender a assistência as lordes escoceses Protestantes,
caminho que a levaria para uma morte violenta. Não ela Elizabeth estava determinada a forçar esses rebeldes a retornar
sozinha, pois seu neto, Charles I, no tempo certo de pagar com a sua submissão, defendendo assim a si mesma enquanto
sua vida pela a aclamação de ser um governante absoluto. defendia a sua prima. Dessa vez, as palavras dela tinham o anel

212
da verdade quando ela disse que estava profundamente tocada você se casou com ele e a outra esposa dele está viva, onde por
pelo o que tinha acontecido. Ela apressou-se em prometer a sua nem a lei de Deus ou mesmo a dos homens pode fazer ser a
irmã suporte a rainha prisioneira, enquanto ao mesmo tempo esposa legítima, ou qualquer criança por vir sua legítima! Assim
culpava a conduta de Mary como mulher. Ela desenhou uma você vê de forma simples o que nós pensamos do casamento,
distinção aguda entre sua visão privada e a posição que ela assim nós estamos tristemente arrependidos pois não
adotou com a coroa na cabeça. conseguimos conceber nada melhor, que razões coloridas
sempre podemos ouvir de você que sirva para nos induzir para
Provavelmente em julho de 1567 Elizabeth escreveu a
isso. Nós desejamos, sobre a morte de seu marido, que o
Mary como se segue: “Madame, eu sempre guardei um
primeiro cuidado fosse ter procurado e punido os assassinos; o
princípio especial na amizade que provem prosperidade, mas a
qual tendo feito propriamente – tão fácil deveria ter sido em
adversidade provem amigos; do qual essa hora encontra a
uma questão tão notória – deve ter havido muitas coisas mais
ocasião de verificar o mesmo com as nossas ações, nós
toleráveis em seu casamento do que agora são sofridas para
pensamos conhecer, tanto nossa profissão e o seu conforto,
serem ditas. E nós certamente só podemos ter amizade por
nessas poucas palavras para testemunhar a nossa amizade, não
você, deixando de lado o instinto natural que nós temos pelo
apenas para admoestar o pior, mas para lhe confortar para
sangue de seu último marido, eu professo que nós nos
melhor . . . Madame, para ser simples com você, nossa dor não
empenharemos sinceramente a fazer de tudo em nosso poder
tem sido pequena, que nesse seu casamento tão delgada
para procurar a punição justa do assassino contra qualquer
consideração tem sido dada, que nós percebemos
súdito que você tem, como querido que você quer segurá-lo.”
manifestamente, que nenhum bom amigo você tem no mundo
todo pode apreciar; e se da mesma forma nós dissemos ou Essas são simples palavras, e cortam como faca. Elas
escrevemos nós abusamos de você, pois quão escolha pior foi mostram que Elizabeth, que sem dúvida se mantinha bem
feita por você, do que a grande pressa em casar com tal sujeito, informada pelos seus espiões e Moray sobre tudo o que
quem além de outras faltas notórias, a fama pública o acusa de acontecia no Campo da Igreja, estava convencida da
assassinar seu último marido, além de lhe tocar em alguma cumplicidade de Mary no assassinato de Darnley. Com muito
parte, embora, nós acreditamos ser falso? E com esse perigo poucas perífrases ela aponta para Bothwell como o assassino

213
de fato, e não tenta embrulhar o assunto intragável em palavras pela presunção em propor um julgamento para a rainha ungida.
corteses ou diplomáticas. A quota acima da carta mostra, sem Não havia nada nos Escritos Sagrados que justificasse súditos
dúvida, que Elizabeth Tudor estava preparada para apoiar Mary deporem nenhum governante dado pelos céus. Em nenhuma
Stuart a rainha, e não a sua prima Mary a mulher, porque monarquia Cristã havia qualquer lei que autorizasse súditos
apoiando a rainha que era ela estava apoiando a própria mão. tocar na pessoa do príncipe, aprisioná-lo, ou colocá-lo em
Nessa carta memorável Elizabeth continua: “Agora para o seu frente a uma corte para julgá-lo. Elizabeth estava tão ultrajada
conforto em tal adversidade como nós ouvimos que você está, quanto os lordes escoceses pelo assassinato que sua prima
nós lhe garantimos, que qualquer coisa que nós imaginarmos cometera, o último rei, quanto eles estavam ultrajados pelo
encontrar para a sua honra e segurança que está em nosso casamento da rainha com Bothwell. Mas ela não poderia tolerar
poder, nós atuaremos da mesma forma; que nós devemos bem ou desculpar o subsequente comportamento deles para com
parecer como bons vizinhos; e assim você deve sem dúvidas nos sua rainha. Pela ordem de Deus eles eram os súditos dela e ela
encontrar e provar que estamos certos a sua frente; por tais era a governante, e era o oposto da natureza fazer da cabeça
propósitos nós estamos determinados a lhe enviar com toda a subordinada a superior.
velocidade um dos nossos serventes da mais alta confiança, não
Pela primeira vez, entretanto, Elizabeth encontrou
apenas para entender seu estado, mas também, assim, lidar
resistência aberta da parte dos lordes escoceses, embora
com a sua nobreza e população, assim eles encontrarão que
muitos deles por anos estavam na sua folha de pagamentos.
você não está em falta da nossa amizade e poder para a
Desde o assassinato de Rizzio eles sabiam muito bem o que
preservação da sua honra e grandeza.”
esperar caso Mary recuperasse o poder. Nenhuma de suas
Elizabeth manteve a sua palavra. Ela incumbiu seu ameaças ou bajulo a induziram abandonar Bothwell; e eles
mensageiro especial para entrar com o protesto mais forte ainda tinham a memória lívida das invencionices e ameaças de
possível contra as medidas que os rebeldes tiveram contra vingança as quais ela gritou para eles durante a caminhada de
Mary, e deixar que os lordes escoceses soubessem que no Carberry Hill até Edinburgh. Eles não haviam se livrado de
evento de usar violência sobre a sua prima ela estava Rizzio, de Darnley e de Bothwell, para se tornar mais uma vez
determinada a declarar guerra. Ela os reprovou vorazmente súditos sem poderes de tal mulher inestimável. Cairia muito

214
melhor para eles ter como monarca o filho de Mary Stuart o presumidamente certos papéis os quais comprometiam os
pequeno James, pois uma criança não comandaria, e durante o lordes escoceses. Alguém poderia supor que ele pensou que
longo período de sua infância eles permaneceriam como seria muito perigoso levar essa caixa com ele em sua fuga para
governantes indisputáveis do país. Borthwick. Ele havia escondido em Edinburgh antes de sua
partida, com intenção de pegar em uma hora melhor por um
De qualquer forma, os lorde escoceses não encontrariam
servente de confiança. Seu contrato com os lordes escoceses, a
a coragem para desafiar Elizabeth e não tiveram ainda a chance
promessa da rainha de se casar com ele, e as cartas privadas
de colocar suas mãos em uma inesperada e mortal arma contra
dela poderiam servir, algum dia, para propósitos de chantagem
Mary. Seis dias depois da questão em Carberry Hill, e da traição
ou garantia própria. Com os documentos em sua posse ele
desprezível para Bothwell da parte de seu cúmplice Sir James
poderia por um lado, garantir a si mesmo contra os lordes caso
Balfour deram a eles tudo o que eles queriam. Balfour, inquieto
esses decidissem acusá-lo do assassinato de Darnley. Seu
pelas mudanças de clima político, viu a chance de salvar a
primeiro pensamento quando ele se encontrou em segurança
própria pele através de uma nova patifaria. Informou aos lordes
temporária após sua fuga de Carberry Hill foi pegar essas peças
escoceses que Bothwell, agora um fugitivo, havia enviado um
importantes de evidência mais uma vez sob sua guarda. Foi
valete, George Dalgleish, para Edinburgh, para procurar uma
quase uma inacreditável peça de sorte para os lordes escoceses
caixa contendo documentos importantes, os quais Dalgleish
colocarem as mãos nos documentos, pois eles estavam assim
estava para contrabandear para fora da capital. O valete foi
em uma posição de destruir qualquer coisa que os pudesse
prontamente preso, posto em tortura e revelou o esconderijo
comprometer, enquanto impiedosamente poderiam usar
dos documentos. Embaixo da cama foi assim encontrado uma
contra a rainha qualquer coisa de seu detrimento.
caixa de prata a qual havia sido dada para Mary pelo seu
primeiro marido Francis, o qual subsequentemente, junto com Em uma noite Earl de Morton estava em posse desse
todos os seus tesouros, ela entregou para o seu amante precioso achado. No próximo dia os outros lordes foram
Bothwell. Nessa caixa, protegida por um astuto cadeado, convocados (é importante para o leitor notar que entre eles
Bothwell mantinha seus documentos privados, a promessa de tinham Católicos e amigos de Mary Stuart), e na presença deles
Mary de se casar com ele, as cartas dela para ele, e o cadeado foi destruído e a caixa aberta. Na caixa contém as

215
famosas Cartas da Caixa, sonetos escritos ou supostamente cuidadosamente evitado pressioná-lo muito forte para que o
atribuídos a Mary. Sem importar aqui a reabrir a discussão se as refugiado não proclamasse ao mundo a cumplicidade deles. O
transcrições que chegaram a nós são fiéis aos originais, ou se os único agravo que eles seriam capazes de alegar contra a rainha,
sonetos são genuínos – isso é tão certo, que os documentos até então, era que ela havia se casado com o assassino do
encontrado ou supostamente encontrados nessa caixa tiveram marido. Agora, entretanto, graças a oportuna “descoberta” das
uma influência desastroso sobre o destino da Rainha Mary. cartas e sonetos, eles seriam capazes de convencer até o mais
Daqui em diante os lordes escoceses se tornaram mais ousados cético que a Rainha Mary estava a par do crime. A extrema
e muito mais confiantes. Em seus júbilos eles se apressaram a indiscrição da escrita confessa dela (para dizer o mínimo) dava
espelhar para longe as boas novas. No exato mesmo dia, antes aos chantageadores práticos e cínicos a alavanca precisa que
mesmo de que tivessem tempo para copiar os documentos, e eles queriam para colocar a pressão na rainha e quebrar a sua
assim menos ainda de falsificá-los, eles enviaram uma obstinação. Agora eles poderiam compelir “pela própria
mensagem para Moray na França dando a ele um resumo oral vontade dela” a passar a coroa para o seu filho; ou, se ela
dos mais imputáveis conteúdo. Eles fizeram o embaixador recusasse, poderia ser publicamente acusada de adultério e de
francês se familiarizar com a descoberta; eles prenderam e ter assessorado o assassinato do marido.
examinaram todos os serventes de Bothwell procurando
Eu deveria ter escrito “arranjos para ela ser acusada” ao
evidências escondidas. A conduta geral deles depois da
invés de “acusar.” Os lordes escoceses sabiam que Elizabeth
abertura da caixa seria incompreensível se não contivesse
nunca permitiria a eles que aclamassem jurisdição sobre a
provas condenatórias da cumplicidade de Mary Stuart. Em uma
rainha. Eles assim permaneciam prudentemente no fundo do
tacada a situação da rainha cresceu para muito pior.
palco, puxando as cordas para garantir que um julgamento
Pois a descoberta das cartas nessa conjuntura crítica fosse instigado por uma terceira parte. O requisito inflamatório
poderia apenas aumentar a força da posição dos rebeldes. Deu da opinião pública contra Mary Stuart foi alegremente tomado
a eles, no mínimo, a base moral que precisavam para apoiar a por um homem que a odiava, John Knox. Depois do assassinato
rebelião. Até então eles estavam contentes em falar que de Rizzio, esse agitador e fanático tinha achado sábio
Bothwell era culpado do assassinato do último rei, mas tinham abandonar o país. Agora, quando a sua profecia mais sinistra

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sobre a “sanguenta Jezebel” e a sua conduta desastrosa havia selvageria se tornava gritos de “queime a meretriz!” O
sido preenchida em cada particular e mesmo ultrapassada, ele embaixador inglês, sinceramente alarmado, relatou a Londres
retornou a Edinburgh vestido em manto de profeta. Do seu seu medo da tragédia a qual começou com o assassinato de
púlpito veio demanda atrás de demanda que essa papista David o italiano e com o assassinato do marido da rainha
pecadora fosse posta em julgamento; sem compromisso com terminasse com a execução da rainha.
versículos do Velho Testamento, o padre clamou por
Os lordes escoceses tinham tudo o que eles queriam.
julgamento sobre a rainha adúltera. Knox não era uma voz
Eles poderiam trazer à tona toda a artilharia pesada, para
solitária. Domingo após domingo os sermões dos pregadores da
destruir a resistência de Mary Stuart a abdicação “voluntária.”
religião reformada tornavam-se mais rabugenta. Nem mesmo
O documento já estava elaborado para preencher insistência de
no caso de uma rainha do que o de uma mulher mais baixa da
John Knox sobre a acusação direta a rainha, pois “a violação da
terra o adultério e o assassinato foram tão explorados. Eles
lei” e por “incontinência com Bothwell e outros.” E se ela ainda
foram longe com as demandas ao ponto de exigir a execução
assim recusasse a renúncia, as cartas encontradas na caixa, as
de Mary Stuart, e a perpétua inciativa não tardou em seus
cartas as quais provavam que ela estava a par do assassinato,
efeitos. Logo o ódio se espalhou do templo para as ruas. A
poderiam ser lidas em corte aberta, divulgando a vergonha
excitação do pensamento de ver uma mulher de tal exaltada
dela. Assim então os rebeldes justificaram a si mesmos perante
posição levada como uma pecadora para o cadafalso, para a
o mundo. Eles não pensaram que Elizabeth ou outro monarca
morte pública, era algo até então que a Escócia não pensava, e
interviriam em nome de uma mulher quem as próprias cartas a
agora começava a insistência da população por uma julgamento
exibiam como assassina e adúltera.
público da rainha. “As mulheres estavam ainda mais furiosas
contra ela, mas os homens também eram malvados.” Cada Armado com essa ameaça de julgamento público, Sir
pobre mulher na Escócia sabia que exposição e cadafalso Robert Melville e Lorde Lindsay chegaram ao Castelo Lochleven
estariam a espera caso fosse provado um adultério. Era essa a em 25 de julho de 1567. Eles trouxeram com eles três
única mulher, por ser chamada de rainha, ser devassa e sem pergaminhos para a rainha assinar se ela quisesse evitar ser
punição de assassinato, a escapar do fogo? Mais e mais a posta em julgamento. O primeiro deles era para Mary declarar

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que ela estava cansada de reinar e estava contente em colocar de indignação e desespero, ela se entregou no final e assinou
de lado o fardo da coroa, um fardo o qual ela não tinha mais os três documentos.
poder e nem inclinação para sustentar mais. O segundo
Chegou também um acordo. Porém, como de costume
pergaminho anunciava seu consentimento da coroação de seu
com os “contratos” escoceses, nenhuma parte do contrato
filho; o terceiro sua aprovação em apontar Moray como
tinha alguma intenção de se ligar de fato. Os lordes escoceses,
regente.
não obstante, leriam as cartas de Mary Stuart no parlamento, e
Melville era o porta-voz em chefe. Ele, de todos os trombeteariam para o mundo que ela estava a par do
nobres rebeldes, era o mais simpático a ela. Por duas vezes ele assassinato de Darnley, na esperança de tornar impossível a
interviu para impedir dois conflitos abertos, e implorou a ela volta dela para o trono. A própria Mary nem por um momento
que repudiasse Bothwell. Mas nas duas ocasiões ela recusou, considerou a si mesma descoroada meramente porque ela
sabendo que se ela cedesse as exigências dele a criança que ela fixou sua assinatura em peças de pergaminho. Para ela, o
carregava no ventre, a criança de Bothwell, nasceria bastardo. direito divino da rainha era tão parte dela mesma quanto o
Agora, entretanto, após a descoberta das Cartas da Caixa, a sangue quente que corre nas suas veias, jurar o contrário era
posição dela se tornara muito mais difícil. Primeiro ela nada. Considerações de palavra de honra serviam para nada
apaixonadamente se recusou a assinar os pergaminhos. Ela para ela em comparação com a única coisa no mundo que deu
estourou em lágrimas, declarando que ela preferiria perder a realidade para ela.
vida à sua coroa. Impiedoso, e em cores brutas, Melville
Alguns dias depois o pequeno rei foi coroado. A
explicou o que a esperava caso ela persistisse em sua recusa:
população teve que se contentar com um espetáculo de menos
leitura pública das cartas, interrogatório dos serventes de
impressão do que um ato de fé em público. Na coroação Earl de
Bothwell, o exame dela própria e a condenação. Com horror
Atholl carregou a coroa, Morton o manto, Earl de Glencairn a
Mary começou a perceber o resultado de sua desatenção, e o
espada e Earl de Mar levou em seus braços o pequeno menino
quanto ela havia se envolvido em vergonha e desgraça. Por
que dali em diante ficou conhecido como James VI da Escócia.
graus a sua teimosia resistente foi sendo sobreposta pelos seus
Como John Knox pregou o sermão na coroação, foi dado ao
medos. Após uma prolongada hesitação e rompantes ferozes

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mundo o entendimento que o novo feito rei havia para sempre quais ele iria governar. Ele também queria apresentar-se à luz
posto de lados os erros e armadilhas das doutrinas religiosas. de um irmão devotado e afetuoso, e não com pensamentos de
Houve um grande júbilo entre a multidão de fora dos portões; reclamar a autoridade a qual sua irmã havia sido forçada a
os sinos das igrejas tocaram; fogueiras foram acendidas por abandonar. Foi um psicológico golpe de mestre da parte dele
todo o país. Por um momento, só por um momento, alegria e arranjar a questão como se a regência tivesse sido forçada a ele,
paz estavam restauradas na Escócia. através da insistência das duas partes, dos lordes rebeldes e da
rainha destronada.
Agora, quando o peso e o calor do dia tinham sido
suportados por outros, Moray, um homem de classe, retornava A passagem da visita dele a Lochleven foi admirável. A
para casa em triunfo. Uma vez mais a sua pérfida política de se infeliz mulher, tão logo ela o avistou, jogou-se soluçando nos
ausentar quando o perigo estava no vento havia se justificado braços do meio irmão. Agora com o tempo, ela esperava,
pelos resultados. Ele se manteve escondido nos fundos do palco encontraria consolação, apoio e amizade; e, mais do que tudo,
durante o assassinato de Rizzio, e de novo no assassinato de ela esperava receber a dádiva de um bom conselho o qual ela
Darnley e não teve parte ativa na rebelião contra a sua irmã; a por muito tempo estava privada. Moray, entretanto, ao invés
lealdade dele estava indiferente e nenhuma gota de sangue de responder cordialmente, assumiu uma dura reserva. Levou-
respingou nas suas mãos. O tempo trabalhava ao seu lado. Ele a para o quarto, e disse a ela claro e simples o que ele pensava
sabia esperar e manter a distância, e acumular sobre ele sem do seu comportamento tolo, sem dizer uma única palavra para
esforço e sem mancha de desonra o que ele artisticamente incentivar nela qualquer esperança de tratamento de
esquematizou. Por unanimidade os lordes escoceses consideração. Muito perturbada pela frieza e amargura de
ofereceram a ele a regência do país. James, a rainha chorou mais uma vez, mas tentou explicar-se e
atenuar o seu comportamento. Moray a ouviu em silêncio, com
Moray, era capaz de comandar outros porque era capaz
um semblante sombrio, o objetivo principal desse homem era
de comandar a si mesmo. Ele foi muito inteligente ao aceitar
intimidá-la.
essa posição de dignidade e poder como um presente gracioso,
pois aqueles que ofereceram a ele eram os mesmo homens aos

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Então Moray deixou a irmã em seus próprios estava determinado a segurar. Conquistando esse fim, agora
pensamentos para a noite; uma noite de alarmes, envenenada que sua irmã não menos que os lordes escoceses queriam que
pela ansiedade que ele provocou nela, a qual ele queria que ele fosse o regente, ele partiu muito satisfeito, deixando Mary
queimasse mais e mais profundo. Ela, pobre mulher, estava da mesma forma consolada, pois ela sabia que o poder seria
grávida; não tinha notícias do que estava acontecendo no seguro pelas mãos fortes de seu irmão, e ela esperava que as
mundo exterior pois a ninguém era permitido visitá-la; ela não famosas cartas não viessem a público.
sabia se um vergonhoso julgamento e uma morte terrível
Mas ninguém tem piedade pelos impotentes. Tão logo
estavam à espera dela. Ela não piscou os olhos nessa noite, e na
Moray foi instalado como Lorde Regente, ele naturalmente
manhã seguinte estava completamente quebrada. Quando se
determinou fazer aquilo que tornaria para sempre impossível a
encontraram de novo Moray pensou estar apto a proferir
restauração da sua irmã. Ele estava resoluto em fazer a coroa
algumas palavras de consolação. Ele insinuou que se ela
moral ser impossível para ela. Não havia mais palavras para
tentasse escapar ou entrar em contato com poderes
libertá-la da prisão, e todas as preparações estavam sendo
estrangeiros, especialmente se ela não procurasse se reunir
feitas para mantê-la em descanso para o resto da vida dela.
com Bothwell, era possível, somente possível, que ele e outros
Embora ele houvesse prometido tanto a Elizabeth quanto a
que se importavam com ela, tentariam salvar a honra dela
Mary guardar a honra de Mary, em 15 de dezembro de 1567,
perante o mundo. Esse vislumbre de esperança bastou para
os documentos comprometedores encontrados na caixa de
trazer conforto a essa mulher desesperada. Ela abraçou o
prata, cartas e sonetos, foram lidos em voz alta no parlamento
irmão, e implorou que ele assumisse a regência. Então somente
escocês, examinados, e por unanimidade declarados sendo a
assim ela sentiria que seu filho estava seguro, o reino bem
caligrafia da rainha destronada. Quatro bispos, quatorze
governado, e ela mesma liberta do perigo. Ela implorou de novo
abades, vinte earls, e em torno de cinquenta nobres de menor
e de novo para que ele se tornasse o regente, e Moray sentado
importância (entre eles não havia poucos que eram amigos da
permitindo que ela implorasse a ele, em frente a testemunhas,
rainha) juraram a veracidade das cartas e sonetos.
por um longo período, até que ele magnanimamente
concordasse em aceitar das mãos dela a posição que ele já

220
Nessa ocasião nem uma única voz, nem mesmo entre Mas Mary tinha uma fortaleza fortificada pelo seu senso
aqueles amigos da rainha (e esse fato é de grande valor), do direito divino para se estremecer pela humilhação pública.
expressou a menor dúvida em relação a autenticidade dos Nenhuma marca, para ela, marcaria uma testa que usou uma
documentos. Assim a reunião de lordes se tornou um tribunal. coroa e havia sido devidamente ungida. Nenhum julgamento e
Invisivelmente a rainha estava presente em apoio realizado nenhuma ordem jamais a fariam curvar sua cabeça. Quanto
pelos seus súditos. Depois da leitura e exame das cartas, as mais violenta a tentativa de lhe tirar a sua posição, mais
ações ilegais dos lordes escoceses durante os últimos meses, a resoluta ela resistia. Uma vontade como a dela não pode ser
rebelião, o aprisionamento da rainha, e tudo o mais foi prisioneira por muito tempo. Destrói as paredes mais fortes,
formalmente aprovado; e foi expressamente declarado que estala as barras de qualquer gaiola. Se você colocar uma mulher
Mary mereceu seu destino, desde que ela teve “arte e parte” tal qual Mary Stuart em correntes, ela vai forçar os elos com
no assassinato de seu marido legítimo. Isso foi dito por ser tamanha força que a fortaleza e o coração irão grasnar.
“provado pelas cartas escritas com a sua própria mão antes e
depois do ato de James Bothwell, quem tinha sido o
instrumento principal no assassinato, e também pelo seu
casamento vergonhoso com Bothwell imediatamente após o
crime.” Em ordem de fazer o mundo ser informado da culpa de
Mary, e saber que os dignos lorde da Escócia levantaram
rebelião somente pelo estímulo de indignação moral, cópias
das cartas foram enviadas as cortes estrangeiras, e assim a
Rainha Mary poderia ser publicamente estigmatizada como
uma adúltera. Moray, o Lorde Regente, e os lordes escoceses
em geral, esperavam que, com essa marca vermelha na testa
dela, Mary nunca mais se aventuraria a clamar a coroa da
Escócia.

221
CAPÍTULO DEZESSEIS mesma, jovem, bondosa e bela, capaz de transformar a
crueldade dos seus inimigos em clemência, inflamar os
corações dos homens os quais ela entrou em contato até que
Adeus a Liberdade eles fossem preenchido pelo espírito da cavalaria e auto
( VERÃO DE 1567 A VERÃO DE 1568 ) sacrifício. A configuração, também, não foi menos romântica do
que o motivo – a sombria fortaleza de uma ilha em um adorável
lago. Da janela Mary poderia ter vislumbres da beleza do seu
Nenhum escritor imaginativo mas somente Shakespeare reino escocês com suas florestas, montanhas e seu charme
poderia compassar adequadamente a tragédia de Bothwell perpétuo. Na longa distância ela podia discernir as águas
como drama ou trabalho de ficção; mas um escritor Britânico gélidas do Mar do Norte. As energias poéticas nos corações do
de peso menor os fez, com considerável sucesso, descreveu o povo da Escócia foram, por assim dizer, corporificada nesse
romântico e tocante escrito de Lochleven – Walter Scott. Ainda romântico episódio de Mary em Lochleven; e quando uma
assim quem leu The Abbot na infância continuará, pela vida, a lenda é uma vez criada, chega à forma de um elemento durável
considerar essa “ficção” histórica mais vívida e até mesmo mais no sangue de uma nação. Por cada geração sucessiva é recriada
verdadeira do que aquela chamada de “verdade” histórica, colocando mais elementos de fé. Igual a uma árvore
pois, quando um escritor dotado de imaginação se prepara para impenetrável, nasce novas camadas ano após ano, possuindo
trabalhar, a legenda bonita que ele constrói com frequência irá uma verdade mais elevada ao lado das verdades áridas dos
ganhar a vitória sobre a realidade. Nós todos tivemos nossas documentos escritos. O que uma vez foi assim criado pelo
emoções juvenis tocadas por essas cenas, as quais deixaram imortal poder de uma imaginação geniosa mantém assim
impressões profundas na nossa vida afetiva e mesmo em virtude de sua beleza. Aquele quem, mais tarde,
permanentemente influenciaram nossas simpatias, pois os mais maduro, a em uma época mais cética, tentar extrair os
elementos de romance foram lidos pela mão do escritor fatos que estão por baixo de tão impressionante legenda
profissional; haviam os severos guardas que vigiavam a infeliz encontra que esses fatos são repelentes carecas – igual a
rainha; os caluniadores que a borraram no escultórico; ela paráfrase prosa de um poema magnificente.

222
O perigo supremo de uma lenda, entretanto, é que sabemos quantos meses Mary estava grávida quando ela foi
aqueles que tem a tendência comum de ignorar aquilo que é aprisionada em Lochleven; nós não sabemos quando ela foi
genuinamente trágico em favor do que é meramente liberta do fardo dessa gravidez indesejada; nós não sabemos se
sentimental. Assim a balada da teia do aprisionamento de Mary a criança veio ao mundo viva ou prematura; se a gravidez trouxe
Stuart em Lochleven não faz menção ao mais interior, a agonia uma conclusão prematura, nós não sabemos em qual etapa.
mais humana dela. Sir Walter Scott teimosamente omite em Obscuridade e suposição envelopam toda a questão; as
relatar que a Rainha Mary estava grávida do assassino do seu testemunhas são contraditórias; e somente isso é muito certo,
marido anterior, e assim deixa de fora o horror total da posição que Mary teve boa razão para manter o nascimento como
dela durante esses meses de humilhação. Pois o bebê que secreto. É suficiente suspeito que em nenhuma de suas cartas
estava no seu ventre (o que era provável nessa circunstância) ela diz nem uma única palavra sobre a criança de Bothwell. De
veio prematura para esse mundo, o calendário impiedoso da acordo com os relatórios de Claud Nau, Sieur de Fontenay, que
natureza divulgaria para todo o mundo ler quando ela havia se era seu secretário particular nesse período, ela deu à luz em
entregado pela primeira vez a Bothwell. Havia pouco ou Lochleven a gêmeos prematuramente; e como o boticário
nenhuma dúvida de que ela havia o feito antes do casamento estava com ela no castelo, nós podemos supor que a
formal – talvez até no tempo em que se render a ele significasse prematuridade foi assistida. De acordo com outro relato, o qual
adultério; talvez no período de luto por Darnley, em Seton, ou com a mesma falta de confirmação, o fruto de sua união com
no estranho tempo em que ela andou de castelo a castelo; Bothwell não foram gêmeos muito novos para serem viáveis,
talvez (e provável) enquanto Darnley ainda estava vivo. mas uma menina viva, que foi secretamente enviada para a
Ninguém pode compreender completamente a agonia de Mary França, para crescer lá ignorante de sua descendência real. A
e seu estado mental em Lochleven quem erra em lembrar que chave que destrancaria esse mistério pode ter sido mergulhada
o nascimento da criança de Bothwell seria trair o consenso para sempre nas águas de Lochleven.
mundial da data a qual a paixão fatal dela pelo earl começou.
O fato de que os guardiões da Rainha Mary a ajudaram a
O que realmente aconteceu nesse respeito permanece cobrir os mistério do nascimento da criança de Bothwell no
um mistério o qual o véu nunca será levantado. Nós não Castelo de Lochleven mostra que eles não eram tão frios e

223
difíceis quanto a lenda. Lady Douglas de Lochleven, a quem os ela foi julgada de novo por uma corte moderna de justiça, o
cuidados de Mary estavam em mãos, havia, mais de trinta anos melhor argumento que pôde ser colocado para ela foi na base
antes, sido amante do Rei James V, deu à luz a seis crianças, e o de “circunstâncias atenuantes” pela sua escravidão espiritual a
mais velho agora era o Regente Moray. Após a morte do Rei Bothwell. Se essa mulher a qual o comportamento foi
James ela se casou com Earl Douglas de Lochleven, e com ele escândalo na Europa e quem a qual jogou o país sobre o qual
teve sete crianças. A mulher teve treze experiências de parto e ela governava em nova desordem foi mantida em reclusão por
sofreu a agonia espiritual de carregar sua primeira criança fora um tempo, isso foi para a própria vantagem dela tanto quanto
do casamento era capaz de entender e simpatizar com a para a Escócia. Durante esses meses de retiro, ela teve a chance
situação lamentável de Mary Stuart. As estórias de sua dureza de acalmar seus nervos muito estimulados, reconquistar o
para com a prisioneira real talvez possam ser consideradas comando de sua própria vontade, o qual estava paralisada de
como fábula, e nós não podemos duvidar que Mary, sendo paixão por Bothwell. Em uma palavra, o aprisionamento em
prisioneira, foi tratada como uma convidada exaltada. A rainha Lochleven a salvou por um tempo dos perigos os quais ela de
destronada tinha uma suíte de quartos, seu próprio cozinheiro, outra forma estaria exposta pela própria tolice, inquietação e
seu próprio boticário, quatro ou cinco damas de companhia e impaciência; a salvou da oportunidade de cometer inúmeras
empregadas domésticas; e ela tinha passe livre do castelo para tolices.
a ilha; e ela parece mesmo ter sido liberada para os prazeres da
Em qualquer caso a detenção de Mary em Lochleven
caça. Se nós colocarmos em faixa a estória da vida dela em
deve ser considerada uma punição suave pelo o que ela havia
Lochleven nas tramas sentimentais, nós talvez cheguemos à
feito de errado, quando comparado com o que se abateu sobre
conclusão que seu tratamento no castelo era extremamente
ela e seu amante. A despeito das alegações solenes que foram
considerado. Pois, embora os sentimentalistas gostariam de
dadas, Bothwell se tornou um fora-da-lei procurado; o preço de
ignorar os fatos, Mary havia sido (para dizer o mínimo) um
um mil coroas foram colocados pela sua cabeça; e seus
pouco remissiva em sua conduta, tendo se casado com o
melhores amigos na Escócia o traíram e o venderiam por essa
assassino de seu marido três meses após o crime. Em
quantia. O Earl, entretanto, não era fácil de ser capturado.
consideração a questão da cumplicidade dela no assassinato,
Tendo em vão tentado se reagrupar na fronteira, ele fugiu para

224
Orkneys esperando levantar guerra contra os lordes escoceses. parentes de Mary na França, entretanto, estavam
O Regente Moray, entretanto, despachou quatro navios contra secretamente em conversa com o Rei da Dinamarca, para
ele, e Bothwell escapou da captura somente pelo mar na casca prevenir que o testemunho do rendido provasse ser
de noz de um barco. Essa pequena embarcação tinha a difamatório para a Rainha dos Escoceses. Ele foi mantido em
intenção meramente de realizar o tráfico entre ilhas, porém, rigoroso confinamento, e na prisão ele estava mais seguro do
embora com o tempo em tempestade, o earl fez seu caminho que se ele estivesse livre. Dia após dia, entretanto, o homem o
até a Normandia, chegando com as velas quebradas, e sendo qual a ousadia era notória em cem lutas chegou o dia em ele
ajudado por uma embarcação dinamarquesa. Bothwell tinha a teve que temer ser enviado de volta a Escócia em correntes,
esperança de se manter irreconhecível, pegou emprestado perecer sob terríveis torturas como regicida. Ele era
roupas de marinheiros. Ele pensou que era melhor ser continuamente movido de uma prisão para outra, mantido
considerado pirata do que ser conhecido como o consorte fora- atrás de fortes barras como uma fera perigosa, e ele sabia muito
da-lei da Rainha da Escócia e das Ilhas. Ele foi reconhecido, bem que nada além da morte o libertaria. Intoleravelmente
entretanto, andando de lá para cá, quando estava em liberdade sozinho e inativo, esse homem vigoroso, quem havia sido o
na Dinamarca. Mas mesmo lá, quando a sorte parecia estar ao terror de seus inimigos, um querido para o sexo belo, agora
lado dele, esse aventureiro destruiu as suas chances seduzindo semana após semana, mês após mês, ano após ano, teve que
uma garota dinamarquesa sob promessa de casamento. Ela enfrentar um vida morta de perpétuo encarceramento. Poderia
trouxe um processo contra ele. se conceber um tortura mais horrível para alguém que o seu
elemento natural é a atividade e liberdade, alguém que amava
Enquanto isso, as autoridades em Copenhagen tomaram
caçar, que cavalgou para as batalhas cercado por guerreiros
conhecimento dos crimes que Bothwell estava sendo acusado
fiéis, que aproveitava os favores das mulheres onde quer que
na Escócia, assim o machado parecia pronto para o seu
ele fosse e que também se deleitava com as coisas do espírito?
pescoço. Mensagens diplomáticas rapidamente de um lado
Agora essa inatividade paralisante em uma cela de prisão atrás
para o outro. Moray exigiu sua extradição, e a Rainha Elizabeth
da outra! Nós sabemos por relatos críveis que ele se tornou
estava ainda com mais pressa na questão, querendo ele como
louco em sua solidão, batendo a si mesmo contra as barras e
testemunha pela a coroa contra Mary Stuart. Os últimos

225
paredes, para morrer insano em 1578, com a idade de quarenta divulgando o charme sensual que essa extraordinária mulher
e dois anos, após dez anos de purgatório. De muitos quem deve ter exercido. Onde quer que ela fosse ela conquistava
sofreram a morte e martírio por Mary Stuart, Bothwell, o amigos, mesmo entre seus inimigos. Como noiva e como viúva,
homem o qual ela teve o amor mais ardente, expiou por mais em cada trono e em cada prisão, ela radiava uma aura que
tempo e mais horrível do que qualquer outro. excitava simpatia e fazia a atmosfera quente e amigável. Logo
após a chegada em Lochleven, ela despertou o interesse do
Mary Stuart continuou a pensar em Bothwell? Ela ainda
jovem Earl de Ruthven (filho do homem que estava entre os
era escrava dele apesar do tempo e da distância? Ou o brilho
líderes no assassinato de Rizzio) que os lordes escoceses
foi gradualmente se dissolvendo? O último é verdade, pois,
acharam por expediente removê-lo de sua posição de guarda.
como sabemos, ela entrou em vários esquemas por outros
Assim ela exerceu seu encanto sobre outro jovem, George
casamentos, e para pavimentar o caminho, implorou ao Papa
Douglas, o filho mais novo de Lady Douglas de Lochleven, e
para anular o casamento “forçado” com Bothwell. Ela também
assim meio irmão de Moray, embora sem relação de sangue
enviou uma mensagem para a Dinamarca, e induziu o earl a
com Mary. Em algumas semanas George estava pronto para
assinar um documento concordando com a dissolução do
fazer tudo por ela e se tornou o assistente em chefe na fuga
casamento. Isso é tão simples que, tão logo ela se levantou da
dela.
cama do parto, e foi capaz de exercer o velho charme tornou-
se de novo o centro de perturbação. Ela trouxe um rapaz para Ele era apenas isso? George Douglas não foi algo mais
o seu círculo de charme, e envolveu o destino dele ao dela. durante seus meses de prisão em Lochleven? O gostar dele por
ela fora puramente cavalheiro e platônico? Ignorabimus. De
Biógrafos da Rainha Mary da Escócia e das Ilhas
qualquer forma, Mary tornou o carinho do jovem amigo em
encontram razões de novo e novo para reclamar que as
conta prática, utilizando sua comum arte de enganar e astúcia.
pinturas dela as quais chegam até nós são desenhadas por
Uma rainha sempre pode exercer outra sedução em adição ao
artistas medíocres, assim eles não nos dão uma visão para
charme pessoal, pois um homem que conquista a sua mão pode
dentro se sua verdadeira natureza. Eles mostram nada mais do
talvez conquistar o poder. Nós achamos, embora não sabemos,
que charme, tranquilidade, bondade, rosto gentil, não
que Mary tornou Lady Douglas de Lochleven mais flexível pela

226
possibilidade do casamento com George. Em qualquer caso, A tentativa de fuga foi prontamente notificada a
não foi muito antes da supervisão sobre a rainha prisioneira foi Edinburgh, e assim a prisioneira foi mantida sob supervisão
ficando desleixada, e Mary foi concentrando seus pensamentos mais rígida. George Douglas foi proibido de entrar no castelo.
e atividades em planos para escapar. Da vizinhança, entretanto, ele conseguiu se comunicar com a
rainha, e enviou mensagens para os apoiadores dela. Pois
A primeira tentativa, em 25 de março de 1568, foi
agora, após um ano de regência de Moray, embora Mary tenha
perdida, embora tenha sido cuidadosamente planejada. Toda
sido exposta ao público como assassina, novos apoiadores
semana a lavadeira com algumas outras garotas cruzavam para
vieram a ajuda dela. Alguns dos lordes escoceses,
a ilha em um barco. Douglas teve uma conversa com as
especialmente Huntly e Seton, não sendo amigos do regente,
lavadeiras, que concordaram em trocar de roupa com a rainha.
estavam leais a causa dela. Estranhamente, entretanto, Mary
Garantida contra o reconhecimento pelas roupas de lavadeira,
encontrou os mais confiáveis aderentes em Hamilton, que até
Mary caminhou com ousadia passando os sentinelas no portão
então provaram ser seu adversário mais feroz. Claro que havia
do castelo. Ela já estava pronta para atravessar o lago para a
rugas antigas entre os Hamiltons e Stuarts. Os Hamiltons eram
costa onde George Douglas estava esperando com cavalos,
próximos do poder dos Stuarts entre as grandes famílias, e por
quando o remador começou a brincar com a moça delgada, a
muito tempo esperavam garantir a coroa para um membro do
mulher coberta que estava vestida de lavadeira. Querendo ver
seu clã; agora de repente se desenhava uma possibilidade de
se ela tinha o rosto tão bonito quanto a sua figura, ele tentou
conquistar a ambição pelo casamento de um de seus membros
tirar o chapéu, o qual Mary segurava obstinada com suas mãos
com a Rainha Mary. Desde que a política não envolve
brancas e delicada. Essas mãos, sendo bem cuidadas,
moralidade, esse esquema imediatamente os levou a causa da
obviamente estavam fora de ordem. O remador começou a
mulher a qual a execução como assassina eles clamavam alguns
ficar alarmado e embora a rainha com raiva ordenasse que eles
meses antes. Nós temos que supor que Mary considerou
continuassem, eles retornaram e a colocaram de volta na
seriamente em se casar com um dos Hamilton. Ela havia
prisão.
esquecido Bothwell tão rápido? Mais provável que ela somente
brincou com a proposta em ordem de escapar de Lochleven.

227
George Douglas, o qual (no desespero de prisioneira) ela a rainha saiu ele trancou novamente do lado de fora. A caminho
também prometeu a mão em casamento, começou as da costa Kinross, ele jogou as chaves no lago, e para dificultar a
preparações para a fuga dela. Em 2 de maio de 1568, tudo perseguição ele soltou todos os barcos do castelo atrás dele, na
estava pronto; e, como sempre quando a coragem a serve costa George Douglas e Lorde Seton esperavam por ela junto
melhor do que a prudência, Mary foi igual na ocasião. com cinquenta cavaleiros. Agora com a pequena força, com a
rainha liberta, galoparam pela escuridão até o castelo de Lorde
A fuga de Lochleven teve um efeito romântico como foi
Seton, West Niddry, onde eles descansariam a noite. Com a
apropriado à vida romântica dessa rainha. Mary Stuart ou
liberdade, a coragem dela voltou.
George Douglas alistou os serviços do jovem de dezesseis anos,
Willie Douglas, que serviu como pajem no castelo, o qual ele Tal é a balada da estória da fuga de Mary Stuart do
entrou como criança abandonada na infância. Willie era um Castelo de Lochleven, uma fuga a qual ela contou com a ajuda
jovem brilhante, que atuou muito bem no seu papel. Sob o pela devoção de dois Georges; George que estava apaixonado
regime estrito que agora prevalecia em Lochleven foi declarado por ela, e o pequeno Willie, que era devoto dela da mesma
que quando a família jantava no grande salão e os guardas forma. O leitor que deseja estudar os detalhes por um escritor
também estavam a jantar, os portões deveriam ser trancados e romântico pode virar as páginas de The Abbot por Sir Walter
as chaves levadas para a mesa perto da mão do castelão, Sir Scotts. Historiadores sóbrios não aceitam essa lenda como um
William Douglas, quem também guardava embaixo de seu valor de fato. Eles inclinam a acreditar que Lady de Lochleven e
travesseiro durante a noite. Na noite em questão, o jovem seu filho Sir William, o castelão, talvez sejam menos inocentes
sagaz, enquanto servia a mesa, derrubou um guardanapo sobre do que eles aparentam, e que a teia do método da fuga foi uma
as chaves, e então, quando as pessoas da mesa estavam mera desculpa dos guardas de Mary para uma deliberada
ricamente abastecidas de vinho e empolgadas em uma negligência. Mas por que nós devemos dissipar esse último
conversa animada, ele tirou as chaves enroladas no brilho romântico da vida da Rainha Mary da Escócia e Ilhas? Já
guardanapo. Assim tudo estava indo de acordo com o tinham nuvens se amontoando no horizonte; seus dias de
planejado. Mary Stuart colocou um vestido de suas ajudantes; maiores aventuras tinham acabado, e pela última vez na vida
o garoto correu pelas escadas, destrancou as portas, e quando essa jovem mulher inspira e sente a emoção do amor genuíno.

228
Sendo escoltada por Lorde Seton de West Niddry para o Porém, como se sob a agonia de premonição, Mary,
Castelo de Hamilton, o qual foi a sede da facção dela, ao fim da geralmente corajosa e ansiosa por uma briga, agora evitava
semana Mary Stuart era a líder de um exército de seis mil recorrer às armas. Ela preferia a reconciliação com seu meio
homens. Pareceu, por um tempo, como se tudo fosse muito irmão, e estaria contente com o semblante do poder
bem para ela, e como se as estrelas no seu caminho estavam monárquico. Se ele concedesse isso, ela o confirmaria como
lutando por ela. Não apenas os Huntlys, os Setons e os regente. Como os eventos logo irão mostrar, a força com a qual
Hamiltons estavam do lado da causa dela, mas um número ela foi animada durante a sujeição a vontade de ferro de
grande de nobres escoceses e cavalheiros; oito earls, nove Bothwell foi dissipada pelas subsequentes dificuldades que ela
bispos, e mais de mil proprietários de terras. Isso foi estranho, enfrentou. Tudo o que agora ela ansiava era liberdade, paz e
e ainda assim nem tão estranho quanto parece à primeira vista, descanso – essas coisas e o semblante de majestade. Mas
pois na Escócia ninguém nunca se tornou um governante Moray não estava inclinado a chegar a termo com ela, e
efetivo sem rebelião contra ele entre a nobreza. O rigor do governar pela graça de sua meio irmã. A ambição dele e Mary
Lorde Regente teve seu resultado comum. O sangue azul da era filha do mesmo pai, e havia diversos fatores que fortaleciam
Escócia preferiria servir a rainha afetuosa, mesmo que fosse ainda mais a determinação dele de resistir. Ao mesmo tempo
uma assassina por cem vezes, do que que ficar embaixo do quando Elizabeth estava enviando congratulações a Mary, Cecil
teimoso e severo Moray. O mundo estrangeiro se apressou em estava vigorosamente pedindo ao Lorde Regente a colocar um
parabenizar a rainha liberta ao restabelecimento de seus fim em Mary Stuart e no partido Católico na Escócia de uma vez
direitos. Beaumont, embaixador francês, solicitou-a para por todas. Moray não se atrasou. Ele sabia que, enquanto sua
prestar seus respeitos a ela como a governante legítima da irmã estivesse livre, não haveria paz no reino. Ele queria lidar
Escócia. Elizabeth enviou um mensageiro especial para severamente com os lordes rebeldes e torná-los exemplo. Com
parabenizar a prima sobre as alegres notícias da fuga. Durante a usual energia ele se apressou em reunir um exército, menos
o ano de aprisionamento a posição dela parecia ter aumentado numeroso que de Mary, porém melhor liderado e mais
muito em força. disciplinado. Sem esperar por reforços ele marchou de
Glasgow. Na vila de Langside, agora um subúrbio de uma cidade

229
grande, o problema entre Stuart e Stuart, entre rainha e proprietários.” Hoje na Escócia as fraquezas e tolices em grande
regente, entre irmão e irmã, foi posto em luta em 13 de maio medida foram esquecidas pelo seu povo; eles encontraram
de 1568. desculpas para a paixão insana dela, e eles lembram dela
principalmente pela estória triste desses últimos dias de fuga e
A batalha de Langside foi curta mas decisiva. Não houve,
liberdade. Ou eles pensam nela como a prisioneira no Castelo
como em Carberry Hill, negociações prolongadas, com
Lochleven, ou como a fatigada mulher galopando sem parar
hesitação dos dois lados. Os cavaleiros de Mary com ousadia
pela escuridão, desafiando todos os acasos ao invés de se
partiram para o ataque. Moray, entretanto, tinha escolhido sua
render aos seus inimigos. Três vezes antes ela cavalgou a noite
posição com cuidado; a cavalaria hostil foi ceifada por um fogo
antes dessa: a primeira com Darnley quando ela escapou de
voraz antes que pudessem atingir a montanha, e as linhas de
Holyrood; a segunda vez em roupas masculinas, saindo do
Mary foram quebradas por um selvagem contra pulso. Em
Castelo Borthwick, e Bothwell se juntou a ela logo depois, para
quarente e cinco minutos estava acabado. Os últimos soldados
juntos escaparem para Dunbar; terceira vez com George
da rainha fugiram precipitados, abandonando a artilharia, e
Douglas, de Lochleven para Castelo West Niddry. Em duas vezes
deixando trezentos mortos no campo.
ela salvou a liberdade e a coroa. Nessa ocasião presente ela
Mary estava assistindo a luta de um monte vizinho. Tão apenas salvou a própria vida.
logo ela viu que o dia estava perdido, ela montou e galopou
Três dias depois da derrota em Langside, Mary atingiu
para longe, com alguns poucos cavaleiros. Atingida pelo pânico,
Dundrennan Abbey, perto da cidade de Kirkcudbright em
ela não teve pensamentos de maior resistência. Ela cavalgou
Solway Firth. Estava no limite do seu reino; ela fugiu para longe
por muitas e muitas milhas sem parar, como nós soubemos pela
como uma fera caçada. Para ela, quem no dia de ontem era a
carta dela ao seu tio, Cardinal de Lorraine. “Eu sofri injúrias,
rainha, não havia ponto seguro sobrando na Escócia, nenhuma
calúnias, cativeiro, fome, frio, calor fugindo – sem saber para
fortaleza para a qual ela pudesse retornar. Em Edinburgh estava
onde – noventa e duas milhas pelo país, sem uma pausa, e
o impiedoso John Knox; lá ela teria que enfrentar o desprezo de
então deitei-me no chão duro, tendo apenas leite para beber, e
turba, o ódio do clérigo, e talvez a exposição no pelourinho e
aveia para comer, sem pão, passei três noites com os
estaca. Seu último exército tinha sido derrotado, sua última

230
esperança desaparecido. Agora ela deveria escolher. Atrás dela uma amiga verdadeira?” Não havia a sua prima solenemente
o reino que ela perdeu; em frente, o mar, com suas estradas prometido o restabelecimento dela como rainha? Não havia
sem rastros levando para todas as direções. Ela podia retornar Elizabeth enviado um anel como símbolo, o qual Mary precisava
para a França; poderia cruzar para a Inglaterra; poderia ir para apenas apresentar para ter certeza da ajuda de sua irmã?
a Espanha. Ela tinha sido educada na França, tinha amigos e
Muito rapidamente, como sempre quando ela toma
parentes lá, muitos dos quais tinham carinho por ela, poetas
decisões importantes, Mary agora toma uma das decisões mais
que cantaram louvores, nobres que a acompanharam; uma vez
importantes da sua vida. Sem nenhuma outra exigência
antes essa terra havia a recebido com hospitalidade, e dado a
preliminar de segurança, ela escreve de Dundrennan Abbey
ela uma coroação esplendida. Mas pela mesma razão que ela
para Elizabeth; “Você não está ignorante, querida irmã, de
tinha sido a rainha lá, condecorada com toda a glória do mundo,
grande parte do meu infortúnio, mas esses os quais me
ela não queria retornar como uma mendiga, como uma pedinte
induziram a escrever no presente aconteceram muito
em roupas esburacadas e com sua honra manchada. Ela não
recentemente para atingir seus ouvido. Eu devo assim
podia suportar pensar no rosto sarcástico de Catherine de
familiarizar você tão rápido quanto posso que alguns dos meus
Medice, a procura de esmolas, ou sendo refugiada em algum
súditos os quais eu mais confiava, levantaram-se no mais alto
convento. Também não tinha nada de agradável na ideia de
passo de honra, pegaram em armas contra mim, e me
confiar a si mesma a misericórdia de Philip da Espanha. Nunca
ameaçaram com o máximo de indignidade. Por meios
aquele fanático a perdoaria por ter se casado com Bothwell em
inesperados, o Todo Poderoso de todas as coisas me tirou do
acordo com os ritos da Igreja Protestante, e com a benção de
mais cruel aprisionamento em que eu estava; mas desde que
um padre herético. Assim a única possibilidade que permanecia
perdi a batalha, os mais leais preservaram a lealdade integral e
aberta para ela, não era uma escolha mas uma necessidade. Ela
caíram perante os meus olhos. Agora sou forçada para fora do
deveria pedir refúgio na Inglaterra. Durante os dias de mais
meu reino, e dirigida por tal estreito que, próxima de Deus, eu
desesperança de seu aprisionamento, não havia a Rainha
só tenho esperança na sua bondade. Eu suplico a você, minha
Elizabeth escrito para ela palavras de coragem: “você pode a
querida irmã, que eu possa ser conduzida na sua presença, que
qualquer momento contar com a Rainha da Inglaterra como
eu possa lhe familiarizar de todos os meus problemas. Nesse

231
meio tempo, eu suplico a Deus para garantir todas as benções mera sombra de sua própria juventude, Mary Stuart foi em
do paraíso, e para mim paciência e consolação, o qual a minha frente em direção ao crepúsculo do seu próprio destino.
última esperança e rezo para obter pelos seus meios. Para
lembrá-la das razões que eu dependo da Inglaterra, eu envio de
volta para a Rainha esse símbolo da promessa dela de amizade
e assistência. Sua irmã afetuosa, M.R.”
O dado fora lançado. Em 6 de maio de 1568, Mary
embarcou num barco de pesca, atravessou Solway Firth, e
desembarcou no pequeno porto de Workington em
Cumberland. Quando Mary atingiu esse ponto de virada do seu
destino, ela não tinha ainda vinte e cinco anos de idade, e ainda
assim sua vida tinha acabado. Ela tinha desfrutado de todos os
esplendores possíveis da terra, atingido todas as altitudes
possíveis da terra, e chumbado a sua vida no abismo. Com um
curto espaço de tempo, em meio a uma estado mental de
tensão, ela experimentou contrastes extraordinários, enterrou
dois maridos, perdeu dois reinos, esteve numa prisão, e, pelo
caminho do crime, teve o orgulho renovado remontando os
passos para o trono. Essas semanas, esses anos, tiveram
semanas e anos de chama, os quais o reflexo brilha através da
idade. Agora o fogo queimava devagar e o melhor dela havia
sido consumido. O que permanecia era as impurezas e cinzas,
pobres vestígios desses ardores magnificentes. Como uma

232
CAPÍTULO DEZESSETE chegar foram lembranças de alegações de amizade as quais
Elizabeth tinha a intenção no efeito de serem não mais que
metaforicamente. Na carta despachada de Workington em 17
Tecendo a Teia de maio, seguida da carta de Dundrennan, Mary não se
( 16 DE MAIO A 28 DE JUNHO DE 1568 ) importou de inquirir se Elizabeth a receberia como hóspede,
mas assumiu que tal recepção era um direito inquestionável.
“Eu suplico a você me enviar o mais rápido possível, pois eu
Não pode haver dúvidas de que Elizabeth Tudor ficou estou em uma condição deplorável, não apenas para uma
genuinamente perturbada quando soube da chegada de Mary rainha, mas como nobre, eu tenho nada no mundo apenas as
Stuart na Inglaterra. Essa visitante sem convite era roupas as quais eu escapei, viajando pelo país no primeiro dia e
extremamente embaraçosa. Pois no último ano o sentimento não tendo como prosseguir apenas na noite, eu espero declarar
de solidariedade monárquico levou Elizabeth a apoiar Mary do perante a você, se lhe agrada a ter piedade, eu confio na sua
mesmo modo que a levou a usar seu poder a favor dos lordes vontade, sobre o meu infortúnio extremo.”
rebeldes. A garantias educadas com diplomacia são fáceis, Piedade era, certamente, o primeiro impulso de
então a Rainha da Inglaterra frequentemente se declara ter Elizabeth. Deve ter sido gratificante para o seu orgulho que
total simpatia e amor pela sua “irmã” escocesa. Tais garantias Mary, a qual com alegria ela mesma teria destronado, perdeu a
eram palavras extravagantes. Nem uma vez, entretanto, coroa escocesa sem que Elizabeth tivesse mexido um dedo para
Elizabeth convidou Mary a visitar a Inglaterra; pelo contrário, tal. Que espetáculo para o mundo, Elizabeth levantar de seus
ela persistiu na política de longo prazo fazendo tudo o que joelhos e abraçar irmãmente a mulher que uma vez fora sua
estava em seu alcance para evitar um encontro pessoal com sua orgulhosa rival; se Elizabeth pudesse posar de protetora e
prima. Agora a cansativa mulher desembarcou benfeitora. Ela honestamente desejou, assim, convidar a
inesperadamente no solo inglês, estava no país sobre o qual ela fugitiva para ficar com ela. “Eu soube,” reportou o embaixador
recentemente e com arrogância proclamou que tinha direitos da França, “que no Conselho, a Rainha com ardor esposou a
soberanos. Ela veio sem convite, e suas primeiras palavras ao causa da Rainha da Escócia, dando a todos os presentes o

233
entendimento de que era a intenção dela receber Mary com a dela a restauração do trono escocês, e alegaria o apoio da
honra apropriada e com a formal dignidade e grandeza passada, Inglaterra com exército e dinheiro contra Moray e os lordes
e não com seu presente infortúnio.” Elizabeth era dotada de escoceses. Cecil, quem favoreceu a rebelião na Escócia, não
forte senso de responsabilidade histórico; e se ela tivesse agido estava inclinado a tal política reversa. Ele considerava Mary
com seu primeiro impulso de oferecer garantias escritas, ela como arqui-inimiga do Protestantismo e como o maior perigo
poderia ter salvo a vida de Mary e a própria honra. conspícuo a Inglaterra. Ele achou possível persuadir Elizabeth
de como seria perigoso mostrar amizade a Mary. Elizabeth
Elizabeth, entretanto, não estava sozinha. Seu suporte
estava mais disposta a ouvir o conselho de Cecil pelas notícias
principal era Cecil, o homem com o frio olhos azuis de aço, que
de que alguns de seus nobres ofereceram honras a fugitiva
sem paixão movia peça após peça no tabuleiro de xadrez
Mary. Entre os pares Católicos, o Duque de Northumberland, a
político. Reconhecendo a si mesma como uma criatura
convidou para o seu castelo; o Duque de Norfolk, embora
impulsiva, sentindo cada mudança na pressão atmosférica, a
Protestante, visitou-a. Todos aqueles que entraram em contato
rainha inglesa foi perspicaz em selecionar como conselheiro em
com a fugitiva parecem ter sido cativados. Elizabeth,
chefe essa mente sóbria e prosaico calculador, o qual o
desconfiada por natureza, e absurdamente vaidosa, logo
puritanismo fez com que ele detestasse a apaixonada, sem
abandonou qualquer pensamento de convidar para a sua corte
brilho Mary, um homem quem, era um estrito Protestante,
um princesa que poderia ofuscá-la, e poderia se tornar o centro
odiava-a como uma Católica, e quem – como seus documentos
para os descontentes com seu reino.
privados provam – tinha convicção absoluta na cumplicidade
dela no assassinato de Darnley. Ele se apressou para checar o Em alguns dias, assim, Elizabeth achou melhor decidir
movimento de Elizabeth para ajudar a prima. Como um homem contra a solicitação da presença de Mary na corte, enquanto
de estado, ele prontamente percebeu que qualquer apoio dado determinou manter a fugitiva em solo inglês. Elizabeth,
pelo governo da Inglaterra para reclamações da destronada entretanto não seria Elizabeth se ela não agisse
Rainha da Escócia (“a filha do debate, quem descorda cai”) inequivocamente. Ela mostrou sua habitual ambiguidade – uma
envolveria complicações de longo alcance. Receber Mary em qualidade que sempre confunde a mente das pessoas e
Londres com honras reais implicaria em reconhecer o direito perturba o mundo. Agora começa o período o qual Elizabeth

234
Tudor inegavelmente pecou contra Mary Stuart. A sorte deu a sombra de pretexto para a detenção. Quando Napoleão, depois
ela a vitória que ela sonhara por anos. Sua rival, considerada de pegar refúgio em Bellerophon, aclamou a hospitalidade
como exemplo de virtudes da cavalaria, tinha sido britânica, a Britânia estava intitulada a rejeitar a exigência
publicamente desgraçada pelo seu próprio mau farsesca dele. Pois, naquela conjuntura, a França e a Britânia
comportamento; ela quem havia desejado usurpar a coroa da estavam em guerra; Napoleão era o comandante das forças
Inglaterra tinha perdido a da Escócia; ela quem com arrogância inimigas, e tinha por duas décadas perseguido as gargantas
proclamou seus direitos, era agora um pedinte da ajuda de britânicas. Mas quando Mary desembarcou em Workington,
Elizabeth. Ela poderia colocar fogos em carvões na cabeça de Inglaterra e Escócia não estavam em guerra. Elizabeth Tudor e
Mary pela generosidade garantindo o direito de asilo. Por outro Mary Stuart por anos trocaram cartas afetuosas dirigindo uma
lado ela poderia, por razões políticas, recusar refúgio seguro a a outra como amigas, primas e irmãs; e quando, um dia ou dois
Mary em solo inglês. Qualquer escolha seria justificável. Um antes, de Dundrennam Mary despachou o anel, o “símbolo da
pedido por ajuda pode ser dado ou negado. Os dois pela lei promessa de assistência e amizade,” ela colocou na mente de
divina e pelas as humanas, entretanto, contém base para Elizabeth palavras que ninguém na terra daria a ela audiência
recusar um pedinte e ainda para deter a infeliz fugitiva. tão cordial. Ela poderia contar, mais ainda, com o
Nenhuma desculpa pode ser encontrada pela rejeição de conhecimento que Elizabeth concedeu o direito de asilo a
Elizabeth ao pedido de ajuda de Mary, e então, por falsas Moray e Morton, os assassinos de Rizzio e os assassinos de
alegações e pelo uso secreto de força, detendo Mary no solo da Darnley, apesar de seus crimes. Somente, quando Mary chega
Inglaterra. Foi essa conduta pérfida da parte de Elizabeth, a Inglaterra, não estava agora com a reclamação ao trono da
tecendo a teia envolta da humilhada e conquistada Rainha da Inglaterra, mas com um pedido modesto de permissão para
Escócia, a qual levou Mary ainda mais longe na estrada do viver em paz na Inglaterra; ou, caso isso viesse a falhar, ser dada
desespero e crime. passagem livre para a França.
O comportamento de Elizabeth nessa conjuntura foi uma Mal é necessário dizer que Elizabeth estava a par da
ofensa mais grave e manchou o caráter da Rainha Elizabeth, do completa falta de desculpa para fazer Mary prisioneira. Então
que o envio subsequente de Mary ao cadafalso. Não havia uma foi Cecil, pois existe um memorando com sua própria caligrafia,

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Pro Regina Scotorum, no qual nós lemos: “Ela deve ser ajudada, Mary agora fora removida. A missão deles era diversa e
vendo que, ela veio pela sua própria livre vontade para a obscura. Eles foram enviar para Mary considerações distintas
Inglaterra, contando sobre a nossa Rainha.” Assim tanto de garantias da rainha, deplorar os infortúnios da fugitiva – e
Elizabeth quanto seu Lorde do Alto Tesouro sabiam acalmar os temores da rainha escocesa, para que ao menos ela
perfeitamente bem, do fundo de seus corações, que tecendo a não apelasse prematuramente a cortes estrangeiras por ajuda.
teia em torno de Mary eles estavam agindo injustamente. Mas A parte mais importante da missão era secreta. Eles deveriam
o que seria a utilidade de um homem de estado se ele não manter vigilância na mulher que já era prisioneira nesse tempo,
pudesse, em circunstâncias delicadas, fabricar pretextos e barrar as portas contra visitantes surpresas, e para interceptar
procedimentos, fazendo algo de nada ou nada de algo? Se não cartas. Para sustentar o uso da força, caso força fosse
havia nenhuma base sólida para prender a fugitiva, alguma necessário, cinquenta soldados foram solicitados para Carlisle.
coisa precisa ser descoberta; desde que Mary não havia feito Scrope e Knollys foram também orientados a relatar qualquer
nada de errado para Elizabeth, uma ofensa precisa ser coisa que Mary Stuart dissesse. Pois Cecil e sua senhora real
inventada. Cautela era necessário, pois todo o mundo Europeu esperavam ansiosamente por qualquer falta de Mary a qual
estava assistindo. A teia precisa ser cuidadosamente feita e de serviria de desculpa para abertamente proclamá-la prisioneira,
tecido imperceptível, e então ser levada milímetro a milímetro o que, como em falta, existia apenas virtualmente.
cercando a vítima indefesa, antes que ela perceba o que está
Os dois emissário completaram a missão com o melhor
em movimento. Questões dever ser arranjadas também, se
de suas habilidades, e no relatório deles nós temos algumas das
assim ela se aventurar – tarde demais – a escapar, os
mais vívidas caracterizações de Mary Stuart. De novo e de novo
movimentos dela por julgamentos errados serviram apenas
nós descobrimos que ela inspirava respeito e admiração nos
para a iludir ainda mais e deixá-la sem esperanças.
mais improváveis lugares. Sir Francis Knollys escreveu:
A teia começa a ser tecida em uma troca de civilidades. “Certamente ela é uma mulher rara, pois como bajular não a
Dois dos conselheiros principais de Elizabeth, Lorde Scrope, o ofende, assim um discurso simples não parece ofendê-la, se ela
guardião do Western Marshes, e Sir Francis Knollys, vice da acredita que quem está falando é um homem honesto.”
câmara, foram enviados com rapidez para Carlisle, para onde Relatando a Rainha Elizabeth, Lorde Scrope e Sir Francis

236
escreveram: “Nós encontramos nas respostas dela uma língua mas isso claro que ela só faria perante a alguém do mesmo
eloquente e uma mente discreta, e parece pelos seus feitos que patamar que ela, em frente a Rainha da Inglaterra. Quanto
ela tem uma robusta coragem e um coração livre.” Mas, eles antes melhor. Ela queria se apresentar a Elizabeth e confiar a si
continuaram a dizer, que ela era extremamente orgulhosa, que mesma nos braços de sua irmã. Ela desejava com urgência ir
a vitória era o que ela mais tinha no coração, e que, em para Londres, refutar as calunias que foram levantadas contra
comparação com isso, riqueza e tudo o mais no mundo tinham a sua honra. Ela alegremente se ofereceu a aceitar Elizabeth
pouca importância para ela. Tal descrição foi desastrosamente como arbitra – nem uma outra pessoa no mundo.
calculada para aplacar o ciúmes e suspeitas de Elizabeth, assim
As implicações eram suficientes para Elizabeth.
o seu coração apenas endurecia contra a sua rival.
Admitindo que a culpa dela estava aberta para discussão, Mary
Mary Stuart, da mesma forma, rapidamente apreendeu. providenciou Elizabeth com pretexto para envolver a refugiada
Ela percebeu instantaneamente que as condolências e cortesias em um fastidioso julgamento. Claro que os procedimentos não
desses emissário eram palavras vazias, e que a conversa começariam apressadamente, pois de tal forma induziria Mary
amigável tinha a intenção de mascarar algum propósito alertar o mundo prematuramente. Os sensos dela deveriam ser
escondido. Somente por doses, e adocicados com elogios, eles iludidos por garantias meladas, assim ela poderia sem
administraram o remédio amargo que trouxeram – as notícias resistência mostrar sua garganta para a faca. Elizabeth escreveu
que Elizabeth não poderia receber a fugitiva até que ela em termos flexíveis, escondendo o fato que o Conselho já havia
purgasse de si as acusações de assassinato. Essa fórmula tinha decidido sobre a prisão de Mary, e envolvendo em frases doces
sido cogitada em Londres para mascarar a contundente a recusa de receber a rainha escocesa na corte. “Madame,” ela
determinação de manter Mary como prisioneira, e prover uma escreveu, “eu soube pela sua carta e por meu Lorde Herries seu
justificativa moral para a prisão. Pode ser que Mary recebeu desejo de justificar em minha presença as acusações contra
essas garantias pérfidas em rostos de valor, e falhou em ver que você. Oh, Madame, não existe nenhuma criatura viva que mais
a teia estava se fechando em torno dela; ou talvez ela achou deseja ouvir do que eu, ou quem irá mais prontamente
expediente melhor fingir ignorância. De qualquer forma ela emprestar os ouvidos para tais respostas que deverão absolver
declarou que não teria dificuldade em apresentar desculpas, a sua honra. Mas, qualquer que seja a minha consideração por

237
você, e nunca posso me descuidar da minha própria reputação. Com as palavras “julgamento”, “Investigação,”
Por um lado desejo defendê-la, e por outro devo manter meus “inquisição judicial,” a raiva de Mary Stuart achou ventilação:
olhos abertos para as coisas que as pessoas lhe condenam.” “Eu não tenho outro que me julgue, apenas Deus!” ela
Após essa frase habilidosa de repúdio, ainda vem uma sedução exclamou. “Eu conheço meu estado e minha posição, embora,
mais refinada. Elizabeth continua (as palavras devem ser de acordo com a boa verdade eu confiei na Rainha, minha boa
cuidadosamente notadas): “E eu prometo com palavra de irmã, e ofereci fazer dela a juíza da minha causa. Mas como
princesa, que nenhuma persuasão de seus súditos ou conselho pode ser que, agora ela não aceitará que eu vá até ela?”
de outros nunca irão me induzir a mover nada perigoso a você Ameaçadoramente ela declara (uma palavra verdadeira!) que
ou a sua honra.” A carta cresce mais eloquente e mais urgente: Elizabeth não terá vantagem a segurando na Inglaterra. Então
“Se você acha estranho não me ver, você deve se colocar no ela pegou sua pena: “Querida, Madame, abandonar o
meu lugar, e então você entenderá a minha dificuldade em pensamento de que eu vim para cá em ordem de salvar minha
recebê-la perante a sua justificação. Porém uma vez absolvida vida. Nem o mundo e nem a Escócia me repudiou. Eu vim para
com honra desse crime, eu prometo a você perante Deus, que cá conquistar a minha honra de volta, e encontrar apoio que me
entre todos os prazeres do mundo esse será o primeiro de capacite a castigar aqueles que falsamente me acusam; mas
todos.” não em ordem de responder a eles como se eles fossem meus
iguais. Pois entre todo o principado eu escolhi você pois somos
Essas são palavras gentis, consoladoras e cordiais. Mas
parentes próximas e minha ‘perfaite amye,’ que perante a você
elas são invólucros de um núcleo duro. Henry Middlemore, o
eu possa acusar meus acusadores, porque eu acredito que você
emissário que levou o epistolo, estava autorizado a deixar claro
me consideraria tão honrada quanto você a ser chamada para
a Mary que não estava no prospecto para ela uma
me ajudar a restabelecer a honra de uma rainha injustamente
oportunidade de uma justificação pessoal a Elizabeth, mas uma
acusada.” Ela não tinha escapado de uma prisão na Escócia para
judicial ou quase judicial investigação sobre o que tinha
ser confinada “quasi en un autre” em solo inglês. Em conclusão
acontecido na Escócia, embora a natureza verdadeira do
ela exigiu, o que era sempre fútil exigir algo de Elizabeth, falar
procedimentos deveria, por ora, ser decorosamente velado
claramente e acabar com o comportamento ambíguo; ou ser
pelo estilo deles sob o nome de “conferência.”

238
ajudada, ou ser posta em liberdade. Ela poderia “de bonne inocência da rainha escocesa, que a conferência proposta não
voglia” se justificar perante Elizabeth, mas não o faria em forma tinha nada com Mary Stuart, mas era simplesmente
de um julgamento em meio dos seus súditos, a não ser que eles direcionada contra Moray e outros rebeldes. Uma mentira
fossem trazidos a ela com as mãos limitadas; estando seguida dura nos calcanhares de outra. Ela deu uma declaração
totalmente a par de sua posição como governante pelo poder obrigatória (nós veremos mais tarde como foi mantida) que
divino, ela não se encontraria com qualquer súdito em termos nada seria divulgado na inquisição que pudesse manchar a
iguais; ela preferiria morrer. honra de Mary Stuart. De forma ainda mais enganosa, Elizabeth
explicou que aqueles que estariam presentes e levariam
A atitude de Mary Stuart era legalmente incontestável. A
adiante a conferência, qualquer que fosse o resultado da
Rainha da Inglaterra não poderia exercer jurisdição sobre a
inquisição, a posição real de Mary Stuart não seria afetada.
Rainha da Escócia; Elizabeth não tinha direito de instituir
nenhuma inquisição referente a um assassinato que aconteceu Enquanto Elizabeth estava assim sendo pródiga das
em outro reino; ela não tinha o direito de intervir num conflito garantias amigáveis, Cecil estava em silêncio perseguindo um
entre uma princesa soberana e seus súditos. Claro que caminho diferente. Para fazer Moray consentir com a
Elizabeth sabia disso, e assim redobrou suas adulações para investigação, o regente foi assegurado que não tinha o mais
atrair Mary Stuart para fora de uma posição impenetrável para remoto pensamento de restauração de poder sua irmã. (Nós
o chão escorregadio de uma semi-inquisição judicial. Não era, vemos que essas línguas duplas e duplas faces não são apenas
disse ela, como um julgamento, mas como amiga e irmã ela invenções do homem de estado) Mary não estava enganada
desejava que esses assuntos obscuros fossem clarificados; a pelas manobras de sua “querida irmã e prima.” Ela
apresentação das desculpas era uma preliminar indispensável a vigorosamente se defendeu, escrevendo cartas e mais cartas,
gratificação do desejo de sua querida irmã de ver Mary face a doces e amargas por turnos. Em Londres, entretanto, a teia
face e aproveitar o conhecimento que Mary restaurou o seu estava sendo desenhada cada vez mais perto. Por graus foi
direito de rainha. Em ordem de ganhar o fim que tinha em vista, sendo tomada medidas para intensificar a pressão espiritual
Elizabeth deu uma declaração importante após outra, sobre a capturada, para mostrar a ela que, se ela persistisse em
implicando que ela nunca nem por um momento duvidou da sua recusa, a força seria usada. Amenidades que eram

239
permitidas a ela foram retiradas. Não era mais permitido que Com o tempo, como Cecil esperava e planejava, ela
ela recebesse visitas da Escócia. Se ela saísse do Castelo Carlisle cometeu o grande erro pelo qual ele e Elizabeth estavam
para tomar ar, ela era acompanhada (é o mesmo que dizer impacientemente esperando. Em um momento de fatiga e
vigiada e guardada) por centenas de soldados. Carlisle era fraqueza ela consentiu com o esquema da inquisição. Essa foi a
muito próximo da costa, onde um resgate por barco era grande tolice de sua vida. A posição dela até então tinha sido
possível. Assim, no meio de julho, apesar dos protestos dela, ela invencível; enquanto ela insistisse que Elizabeth não tinha
foi removida para o Castelo Bolton em North Riding de jurisdição, que não tinha direito de privá-la de sua liberdade –
Yorkshire – sua nova prisão descrita como “muito forte, muito que, como uma rainha e hóspede da Inglaterra, ninguém
digna, e uma casa muito majestosa.” poderia compeli-la a submeter-se a jurisdição estrangeira –
nada poderia ser feito contra ela. A coragem de Mary,
Mesmo agora a mão de ferro estava envolvida em
entretanto, grandiosa como era, vinha em raios, e lhe faltou a
veludo. A Rainha da Escócia foi assegurada que essa remoção
vitamina essencial a uma governante soberana. Tendo uma vez
era devida apenas pela bondade e consideração de Elizabeth,
consentido, foi em vão para ela impor condições. Ela sentiu que
que a correspondência entre as duas seria acelerada. Mary teria
o chão havia sido tirado de seus pés. “Não há nada,” ela
mais liberdade em Bolton e estaria mais protegida de riscos de
escreveu em 28 de julho, “o qual eu não tomaria a sua palavra,
ataques da parte de inimigos. O que era possível a Mary além
eu nunca duvidei da sua honra e da sua boa-fé real.”
de protestos vazios? Ela não poderia resistir efetivamente.
Retornar a Escócia era impossível; e ela não tinha como ir para Mas aquele que se rende incondicionalmente não pode,
a França; a posição dela crescia em sordidez dia a dia. Ela vivia assim, tentar fazer os termos. O conquistador insiste sobre seus
pelo pão da caridade, e cada roupa que ela vestia era direitos, enquanto o conquistado não tem mais direito
emprestada de Elizabeth. Completamente sozinha, sem nenhum. Vae victis!
comunicação com seus amigos, cercada por súditos de sua
adversária, ela gradualmente foi se tornando mais flexível.

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CAPÍTULO DEZOITO a sua “honra.” Sem dúvida a determinação de forçar Mary para
dentro da doca estava ainda cuidadosamente velada, pois as
aparências deveriam ser mantidas perante os olhos do mundo
A Teia se Fecha em Torno Dela estrangeiro. Os lordes escoceses, foi dito, deveriam “justificar”
( JULHO DE 1568 A JANEIRO DE 1569 ) a rebelião que fizeram. Porém essa justificativa, a qual Elizabeth
hipocritamente exigiu, significava nada além de que eles
devessem oferecer as razões as quais eles tiveram para pegar
Tão logo que Mary Stuart comete a tolice em consentir em armas contra a rainha. Isso implicava em um pedido para
com a investigação sob o nome de “conferência imparcial,” o que eles divulgassem “toda a verdade” sobre o assassinato de
governo inglês se devotou a assegurar que teria o viés desejado. Darnley, dando a arma a qual apontava diretamente contra
Onde os lordes escoceses estariam permitidos a se Mary Stuart. Se os lordes escoceses fossem vigorosos o
apresentarem perante o tribunal, equipados com todas as suas suficiente em suas acusações, razões legítimas seriam cogitadas
provas, Mary seria representada por apenas dois agentes. em Londres para continuar a manter a rainha escocesa na
Exclusivamente à distância e através de intermediários, ela prisão, e uma desculpa especial seria providenciada para o que
poderia impor sua contra acusação contra os lordes rebeldes, na verdade era uma detenção injustificada.
quem, da parte deles, poderiam falar livremente com suas Concebida como uma grande peça de uma farsa, essa
próprias vozes, e poderiam formar conspirações entre si. Por conferência (a qual não pode ser chamada de procedimento
esse pérfido arranjo a rainha capturada foi em sum golpe judicial sem caluniar a justiça) inesperadamente se degenerou
reduzida da ofensiva para a defensiva. As boas promessas as numa comédia de um caráter muito diferente do que aquele
quais previamente foram dadas a ela agora poderiam ser que Cecil e Elizabeth haviam projetado. Pois mal as partes da
ignoradas. Elizabeth quem tinha declarado que era questão estavam juntas na mesa que eles deveriam acusar uns
incompatível com sua honra receber Mary Stuart até que os aos outros, quando aparentemente eles demonstraram pouco
procedimentos acabassem, não hesitou em receber o rebelde desejo de produzir documento e declarar os fatos, e os dois
Moray em sua presença. Essa pequena questão não perturbou lados sabiam muito bem o porquê. Como característica única

241
desse julgamento, acusadores e acusados haviam sido Bothwell, que estava a centenas de milhas distante, e não
cúmplices do mesmo crime. O assassinato de Darnley era uma estava em posição de denunciar seus confederados. O regente
questão espinhosa para todos eles. Os dois lados preferiram cuidadosamente absteve-se de fazer qualquer acusação contra
manter silêncio pois os dois lados haviam tido “arte e parte” no Mary Stuart, e parecia ter esquecido que, um ano antes, ela
crime. Se Morton, Lethington, e Murray expusessem os havia sido acusada abertamente do assassinato no parlamento
documentos da Caixa e mantivessem, com a força deles, que escocês. Esses cavalheiros não entram na mesa com o ímpeto
Mary Stuart foi cúmplice no assassinato ou no mínimo um que Cecil esperava. Não lançaram as cartas incriminadoras na
acessório ante ao fato, os honoráveis nobres estariam, sem mesa. Mais ainda, foi memorável (e não pouco memorável) a
dúvida, certos em suas deduções. Mary estaria também certa característica dessa engenhosa comédia que os comissionáreis
em mostrar que aqueles quem a acusam eram da mesma forma ingleses, da mesma forma, mostraram a si mesmo pouco
cúmplices ante ao fato, que no mínimo haviam aprovado o inclinados a fazer as perguntas. O Duque de Northumberland,
assassinato pelo silêncio. Se os acusadores colocassem as cartas sendo um Católico Romano, estava talvez mais disposto por
em evidência, Mary, que sabia por Bothwell os nomes dos Mary Stuart do que pela sua própria rainha, Elizabeth. O Duque
signatários do contrato do assassinato, e talvez tinha o de Norfolk, por razões que serão reveladas, estava também em
documento em sua posse, poderia destruir a máscara da faces favor de um acordo. As bases para um entendimento não eram
dos monarquistas póstumos. Nada mais natural, assim, do que difíceis de encontrar. O título real de Mary e sua liberdade
tibieza das duas partes da ação; nada poderia ser mais simples seriam restauradas, enquanto Moray reteria o poder, o que era
do que o interessem em comum em resolver a questão fora da tudo o que ele se importava. Embora Elizabeth desejasse por
corte, e permitir que o pobre Henry Darnley descansasse em uma tempestade de trovão a qual aniquilaria a sua adversária –
paz no seu túmulo. “Requiescat in pace!” era a oração piedosa moralmente pelo menos – a temperatura se mostrou amena.
que todo mundo estava interessado.
Ao invés de arremessarem abertamente fatos e
O resultado foi uma grande surpresa para a Rainha documentos uns contra os outros, os envolvidos levaram as
Elizabeth. Quando a Conferência de York foi devidamente conversas em uma espírito amigável atrás das portas fechadas.
aberta, Moray se contentou em colocar a queixa contra O humor deles crescia mais e mais em genialidade. Após alguns

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dias, ao invés de garantir um veredicto rigoroso, acusados e Seu primeiro passo foi uma tentativa de intimidar Mary
acusadores, inquisidores e juízes, estavam colaborando para Stuart dizendo a ela que se ela se provasse inflexível os lordes
trazer um enterro decente a conferência a qual Elizabeth tinha escoceses iriam fazer uso impiedoso das evidências contra ela,
a intenção que fosse a imposição de um julgamento de Estado embora isso a colocasse em posição aberta de vergonha. Para
contra Mary Stuart. convencê-la que as armas mortais que seus inimigos possuíam,
ele havia copiado em privado os documentos da Caixa pela sua
A intermediário nascido dos céus entre as duas partes
a sua esposa (quem era a Mary Fleming), e então enviado
era o secretário de Estado escocês, Maitland de Lethington. No
cópias a Mary Stuart.
obscuro negócio do assassinato de Darnley ele atuou em uma
das partes mais sinistras; e, era um diplomático admirável, claro Mal é preciso dizer que, divulgando essa evidência a
que um duplo. Quando, em Craigmillar, os lordes escoceses Mary, Maitland estava traindo seus compadres, e estava
propuseram a Mary que ela deveria se livrar de Darnley pelo infringindo a acepção das regras do procedimento legal. Porém
divórcio ou de alguma outra forma, Maitland era o líder do seus pares – companheiros tampou a perfídia dele (por baixo
encontro, e havia enviado a sinistra garantia de que Moray da mesa, por assim dizer) entregando as Cartas da Caixa ao
deveria “olhar através de seus dedos.” Lethington também Duque de Norfolk e outros comissionáreis ingleses. Isso era
promoveu o casamente de Mary com Bothwell, que “o acaso” para turbinar os dados contra Mary Stuart, uma vez que isso
trouxe a mão a “abdução” da Rainha Mary, e havia a desertado não falharia no preconceito contra ela por aqueles que não só
pelos lordes escoceses apenas vinte e quatro horas antes do agiriam como juízes mas quem também eram os “nobres.”
fim. Se a rainha e os lordes escoceses fossem atirar uns nos Norfolk, em particular, estava estupefato pelo fedor que
outros com sinceridade mortal, era provável que ele se emergiu dessa abertura caixa de Pandora. Como direito e
encontrasse no meio dos dois fogos, assim ele estava ansioso, justiça estavam longe de serem a preocupação principal
por meios justos ou por infração, de que chegassem a um daqueles que presidiram a conferência, os comissionaríeis
acordo. ingleses se apressaram em relatar a Elizabeth: “Os dizeres das
cartas e baladas descobertas em tal amor desordenado entre
ela e Bothwell, o desleixo dela e o aborrecimento de que o

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marido dela foi assassinado, é de tal sorte que um homem bom mais, ele insistiu contra Mary para que ela renunciasse a coroa
não pode deixar de detestar e se aborrecer.” escocesa e que ela abandonasse sua reclamação à sucessão
inglesa; ele guardou as suas costas e a pegou nas mãos. Ao
Esse relatório, tão desastroso para Mary Stuart, foi
mesmo tempo ele aconselhou fortemente a Moray contra a
extremamente bem-vindo para Elizabeth Tudor. Ela sabia agora
apresentação das cartas em corte aberta, e Moray mudou
que o material incriminador poderia ser produzido na
repentinamente de fronte depois de sua conversa em privado
conferência, e ela determinou que não descansassem até que
com Norfolk. O regente se tornou suave e conciliador,
Moray fosse forçado a apresentar. Quanto mais Mary se
concordando totalmente com Norfolk que Bothwell deveria
mostrava inclinada por um acordo, mais Elizabeth insistia na
sozinho ser responsabilizado pelo assassinato de Darnley e que
divulgação de todos os fatos. Parece que como se “a detestação
Mary Stuart deveria ser exonerada. Um descongelamento
e o aborrecimento” de Duque de Norfolk agora que ele tinha
gentil havia começado. Em poucos dias a primavera chegou, e
tido um vislumbre do conteúdo da famosa caixa, produziria a
sorrisos amigáveis sobre essa casa memorável.
prova fatal de Mary.
O que induziu Norfolk a trocar de lado dessa forma, que
Mas os jogadores e políticos nunca desistem do jogo
o fez desconsiderar as instruções de sua própria soberana, e de
perdido há muito tempo se eles ainda tiverem segurando uma
um adversário de Mary Stuart tornar-se um dos amigos mais
carta em mãos. Nessa conjuntura Lethington fez uma curva
próximos da rainha dos escoceses? Nós não podemos supor
aguda. Ele chamou Norfolk e teve uma longa conversa em
que Lethington o subornou com dinheiro. Norfolk era um dos
privado com o premier da Inglaterra. Imediatamente depois o
nobres mais ricos da Inglaterra; sua família não era menos
próprio Norfolk fez uma curva acentuada. Saulo foi convertido
importante do que os Tudors; nem mesmo Lethington ou toda
em Paulo. O homem que parecia ter preconceitos contra a
a Escócia seria capaz de ter dinheiro suficiente para influenciá-
Rainha da Escócia e como um de seus juízes se tornou seu maior
lo. Se mesmo assim, Lethington tivesse o subornado, não seria
zeloso assistente e partidário. Ao invés de guiar a conferência
através de escória. Ele havia oferecido ao jovem viúvo o único
para uma inquisição pública tal como Elizabeth queria, ele
suborno o qual pareceria a homem tão poderoso, algo ainda
começou a trabalhar pelo interesse de rainha escocesa. Não
mais poderoso. Por que não um casamento entre o Duque de

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Norfolk e a Rainha Mary e assim assegurar o direito de sucessão morais da atualidade. O valor de uma vida humana não é um
ao trono inglês? Tem uma magia no pensamento de vestir a valor absoluto, mas varia de tempos e tempos e de lugar a lugar.
coroa de rei a qual pode tornar um covarde em valente, um Nós mesmo somos muito mais soltos em nosso julgamento de
homem indiferente em ambicioso, um filósofo em tolo. Esse foi assassinatos políticos do que eram os nossos bisavôs no século
o porquê Norfolk, quem alguns dias antes havia aconselhado dezenove, embora possamos não ter revertido sem
Mary a voluntariamente renunciar seus direitos reais, agora qualificação o século dezesseis a perspectiva de que tais
insistia que ela se agarrasse a eles. Foi apenas pelo direito dela questões são ninharias. Nos dias de Mary Stuart e Elizabeth
de sucessão ao trono da Inglaterra que Norfolk quis casar-se Tudor a consciência escrupulosa era rara; moralidade era
com Mary Stuart, pois com esse casamento ele se igualaria em baseada, não pela Sagrada Escritura, mas no Príncipe de
posição com os Tudors. Machiavel. Aquele que aspirasse ao trono deveria se enveredar
através do abate para alcançá-lo, sem indecisão por
O sentimento moderno é de parecer extraordinário que
considerações sentimentais. A cena em Rei Richard III na qual
um homem que mal havia acabado de denunciar Mary para
Anne Neville consente em dar a sua mão em casamento ao
Elizabeth como assassina e adúltera, quem havia demonstrado
assassino do seu marido (Nunca uma mulher desse humor foi
forte indignação pelos desagradáveis romances da rainha
cortejada? Nunca uma mulher desse humor ganha?) foi escrita
escocesa, decidiria quase na mesma respiração tornar essa
por um contemporâneo do Duque de Norfolk. De maneira
mulher a sua esposa. Naturalmente, assim, os defensores de
nenhuma parecia inacreditável a audiência que testemunhou a
Mary Stuart declaram que, depois da conversa privada,
performance. Para se tornar um rei um homem envenenaria
Lethington deve ter convencido Norfolk da inocência de Mary,
seu pai ou irmão, envolveria milhares de pessoas inocentes em
e o fato de que as Cartas da Caixa eram falsificações. Existe,
guerras, tiraria pessoas do seu caminho sem piedade. Na
entretanto, na documentação evidências que suportam tal
Europa desses dias, como já dito, era quase impossível
hipótese; e algumas semanas depois Norfolk, em conversa com
encontrar uma casa governante na qual tais crimes não
Elizabeth, ainda descreve Mary Stuart como assassina. Nada
tivessem sido cometidos. Quando uma coroa estava em jogo,
pode levar um historiador a ficar mais desesperadamente
um garoto de quatorze anos se casaria com uma mulher de
perdido do que aplicar a séculos passados os mesmo valores

245
cinquenta, ou uma garota com um homem velho o suficiente Ela enviou uma mensagem para Norfolk e disse a ele
para ser seu bisavô. Ninguém se incomodava, em tais casos, maliciosamente que um passarinho a informou que “ele estava
com virtude, boa aparência, dignidade ou moral. O aspirante ao a cortejar.” Norfolk não era um herói. Seu pai tinha sido
trono se casaria sem nojo com alguém doente, louco ou desagravado por Henry VIII, e somente pela morte do monarca
paralítico; sifilítico, aleijado ou criminoso. Por que, então, é que salvou o terceiro duque de Norfolk da execução. Igual a
poderia se supor que o ambicioso Norfolk seria perturbado por Peter com o seu “eu não conheço o homem,” Norfolk, quem
escrúpulos morais quando essa rainha jovem, bonita e sangue recentemente se tornou litigante de Mary Stuart, repudiou a
quente se declarou pronta para se tornar a esposa dele? implicação. Aqueles que afirmaram que ele desejava se casar
Norfolk não estava preocupado com que Mary havia feito ou com uma adúltera e assassina eram caluniadores. “Madame,”
pudesse ter feito a outros, mas com o que ela poderia fazer por disse ele, “aquela mulher nunca será minha esposa, que tem
ele. Um homem com mais imaginação do que inteligência, já sido sua competidora, e a qual marido não pode dormir em
fantasiava se encontrar em Westminster no lugar de Elizabeth. segurança no travesseiro.”
Entre a noite e a manhã teve que ter uma mudança de cena. A
Porém Elizabeth sabia o que ela sabia, e mais tarde foi
mão inteligente de Lethington desenhou uma teia a parte na
capaz de dizer orgulhosa. “Ils m’ont cru si sotte, que je n’em
qual estava envolvida Mary Stuart, e ele quem era um juiz
sentirais rien25.” Quando, em um de seus tântricos, ela
severo foi transformado em um pretendente e ajudante.
apreendeu um dos bisbilhoteiros da corte para dar uma
Elizabeth, entretanto, tinha excelentes mexeriqueiros, e chacoalhada nele, rapidamente sacudiu todos os segredos dele
seus sentidos estavam em alerta por suas suspeitas. “Les para fora da manga. Ela tomou medidas prontas e enérgicas.
princes ont des oreilles grandes qui oyent loin et prés24,” disse Em 25 de novembro de 1568, os procedimentos foram
ela uma vez triunfante ao embaixador francês. Centenas de transferidos de York para Westminster. Aqui, a alguns passos
sinais triviais a convenceram de que em York poções estavam do seu próprio palácio, e imediatamente sob seu olhos
sendo preparadas as quais entrariam em desacordo com ela. vigilantes, Lethington não poderia jogar seu jogo duplo tão fácil

24 25
Príncipes têm orelhas grandes que vão longe e perto. (N.T.) Eles me acharam tão idiota que eu não sentiria nada. (N.T.)

246
quanto ele jogou em York, duzentos milhas de distância, e com Bothwell fossem expostos sobre a mesa da conferência. Era
poucos espiões ao seu redor. Mais ainda, a Rainha Elizabeth, necessário para o seu esquema que Mary estivesse
agora que ela sabia que alguns de seus juízes não eram comprometida sem esperança.
confiáveis, ela suplementou-os com pessoas as quais ela
Sob essa pressão os lordes escoceses se entregaram.
poderia contar absolutamente, e acima de todos, apontou seu
Uma pequena comédia de resistência foi atuada, certamente,
favorito Leicester. Tão logo as mãos dela estavam nas rédeas, o
pois Moray de fato não colocou por si mesmo as cartas na mesa,
procedimento inquisitório estava em trote inteligente ao longo
mas meramente mostrou em suas mãos, e então permitiu que
da estrada prescrita. Moray, seu pensionista por algum tempo,
fossem “arrebatadas” de seu secretário. Elizabeth triunfou. Os
sem rodeios disse “para defender a si mesmo,” essa implicação
documentos estavam abertos na corte. Eles foram lidos em voz
de que ele deveria se esconder das “extremamente odiosas
alta; e, no próximo dia, foram lidos em voz alta mais uma vez
acusações,” mas deveria apresentar as suas provas do adultério
perante a assembleia lotada. Os lordes escoceses há muito
de Mary com Bothwell e deveria colocar as Cartas da Caixa
tempo já haviam jurado que os documentos eram genuínos,
sobre a mesa. Esquecida agora estava Elizabeth de sua
mas esse juramento prévio não bastava para Elizabeth. Como
promessa solene de que nada seria levado “contra a honra” de
se prevendo que em séculos por vir a autenticidade das cartas
Mary Stuart. Ainda assim, os lordes escoceses permaneciam
e sonetos seriam disputados por defensores da honra de Mary
inquietos. Eles estavam indecisos em apresentar as cartas, e se
Stuart, ela insistiu que as caligrafias fossem comparadas
restringiram a acusações gerais. Como Elizabeth havia
rigorosamente com as letras que ela própria havia recebido de
mostrado o viés muito claramente por um contundente
Mary. Essa comparação seria efetuada na visão total da
comando de que eles devessem apresentar as cartas, ela teve
conferência. Enquanto estava acontecendo, os enviados de
que recorrer a hipocrisia. Professando a si mesma estar
Mary saíram da sala (isso não é evidência adicional e forte da
convicta da inocência de Mary, ela disse que seu único desejo
veracidade das cartas?), declarando, sinceramente, que
era salvar a honra de sua “boa irmã,” e que, para esse fim, era
Elizabeth havia quebrado a sua promessa de que não
essencial para ela ter a evidência com a qual refutaria a
apresentaria nada que fosse degradante a honra de Mary.
“calúnia.” Ela queria que as cartas e poemas de amor para

247
Mas que lei e direito tinham na corte desses Estaria ela com vergonha de ter quebrado a palavra real de
procedimentos, onde a pessoa principal implicada não era garantia pela honra de Mary? Estaria ela se movendo por
permitida participar, embora o inimigo dela, Lennox, podia considerações diplomáticas? Ou nós podemos supor, como
atuar como seu acusador? Mal os litigados de Mary se habitual caso de seu temperamento insondável que ela
retiraram, quando outros juízes por unanimidade concordaram paralisou por uma mistura de motivos? De qualquer forma,
que Elizabeth não deveria receber Mary Stuart até que a rainha Elizabeth refreou de usar a oportunidade de se livrar de sua
escocesa purgasse as acusações contra ela. Assim Elizabeth adversária de uma vez por todas. Ao invés de passar uma
atingiu seu objetivo. Com o tempo ela deu o pretexto desejado sentença rápida e severa, ela postergou a decisão final em
para repelir os avanços da fugitiva. Daqui em diante não seria ordem de negociar com Mary. Substancialmente, o que
difícil encontrar uma desculpa para continuar a manter a Elizabeth queria era estar livre dos problemas causados a ela
Rainha da Escócia “em custódia honorável” – eufemismo para por essa desafiadora, ambiciosa, inflexível, autoconfiante, e
aprisionamento. Um dos devotos da causa de Elizabeth, corajosa mulher – humilhar Mary, quebrar seus dentes e cortar
Arcebispo Parker, exclamou em jubilo: “Agora nossa boa Rainha as suas garras. Elizabeth propôs, assim, que, antes de um
tem o lobo pelas orelhas!” julgamento final, seria dado a Mary a oportunidade de
protestar contra os documentos; e sob essa proposta, a Rainha
Com essa “conclusão temporária,” as preliminares
da Escócia foi informada que se ela consentisse em abdicar ela
necessárias tinham sido conquistadas para o assassinato da
seria absolvida, poderia permanecer livre na Inglaterra, e
reputação de Mary. Agora o julgamento do machado talvez
abastecida com uma pensão. Ao mesmo tempo, como ela deve
pudesse ser manejado. Ela poderia ser declarada assassina,
ouvir o estalar do chicote tão bem para ser tentada por nódulo
poderia ser entregue a Escócia, onde John Knox não teria
de açúcar, foi dito a Mary que havia uma considerável chance
misericórdia. Nessa conjuntura, entretanto, Elizabeth segurou
de uma condenação pública, e Knollys a atemorizou o quanto
a sua mão, e o golpe não caiu. Sempre quando um final resoluto
ele pôde. Elizabeth amava combinar ou alternar cuidados com
era necessário, para o bem ou para o mau, faltava coragem a
punições.
essa enigmática mulher. Estaria ela mexida por um desses
impulsos humanos e generosos os quais eram comuns nela?

248
Mas Mary Stuart não era de ser intimidada e nem cair conferência foi ambígua. Os juízes anunciaram que nada
fácil em armadilhas. Tão logo o perigo se tornava iminente, ela “estava suficientemente provado ou exibido pelos lordes
reagrupava suas forças. Ela recusou a examinar os documentos. escoceses contra sua rainha soberana, e que a Rainha da
Reconhecendo tarde demais que não era possível se colocar no Inglaterra conceberia ou tomaria alguma opinião maligna de
mesmo pé que seus súditos. A palavra real dela de que as sua boa irmã por nada visto ainda.” Considerado
acusações e os documentos eram falsos deveriam contar mais superficialmente, isto poderia ser considerado como um
do que qualquer prova ou contenção. Ela recusou a comprar perdão. As provas da culpa de Mary eram insuficientes. Mas a
por abdicação a absolvição na corte a qual a jurisdição ela não última cláusula tinha uma picada na cauda. Implicava várias
reconhecia. Resolutamente ela declarou que não escutaria coisas que tinham sido aduzidas a uma natureza altamente
nenhuma outra palavra sobre a possibilidade de renunciar a suspeita e injuriosa, mas não o suficiente para convencer uma
coroa. “Eu prefiro morrer a concordar; e as últimas palavras da rainha tão boa quanto Elizabeth. A picada era mais do que Cecil
minha vida serão aquelas da Rainha da Escócia.” precisava para seus propósitos. Daqui em diante uma nuvem
pesada de suspeitas pousaria sobre Mary Stuart, e na base do
A tentativa de intimidar foi por água abaixo. O meio
“suficiente” tinha a descoberta para manter a mulher indefesa
coração de Elizabeth foi confrontado pela determinação
na prisão. Elizabeth havia conquistado a vitória para o
vigorosa de Mary. De novo a rainha inglesa hesitou, e não se
momento.
aventurou a condenação aberta. Como acontecia com
frequência, Elizabeth se encolheu diante do objetivo final da Mas ela tinha ganho uma pirrônica vitória. Enquanto ela
sua própria vontade. Quando a sentença definitiva chegou, não mantivesse Mary Stuart como prisioneira, teria duas rainhas no
foi aniquilante como planejado, mas pérfido igual a questão por reino da Inglaterra; e enquanto as duas vivessem a terra nunca
inteiro. Em 10 de janeiro de 1569, a Conferência de conheceria o silêncio. Injustiça sempre leva a desordem; aquilo
Westminster anunciou que nada havia sido aduzido contra que é feito com excesso de astúcia é mau feito. Por roubar Mary
Moray e sua facção a qual “pode prejudicar a honra deles ou Stuart em sua liberdade, Elizabeth Tudor roubou de si mesma a
fidelidade.” Essas palavras explicitamente perdoavam a sua própria liberdade. Por tratar Mary como inimiga, ela deu o
rebelião dos lordes escoceses. Para Mary, a decisão da direito a Mary de ser uma; Elizabeth quebrando sua palavra deu

249
a Mary o direito de quebrar a palavra dela; cada mentira da com a auréola do martírio. Como a vergonhosamente
parte de Elizabeth justificava outra mentira da parte da Rainha enganada, como a prisioneira injustiçada, como a figura
da Escócia. Ano após ano Elizabeth teve que pagar por não ter romântica, como a inocente vítima do cruel uso da força, ela foi
seguido seu primeiro e mais natural instinto. Tarde demais ela justificada pela história contra sua prima injusta. Nada fez tanto
perceberia que magnanimidade teria sido uma política melhor. a Mary Stuart o centro de uma lenda imortal, e nada fez tanto
Se, depois de um breve cerimonial de recepção, Elizabeth para subtrair a grandeza moral de Elizabeth, como a falha da
saísse. Mary livre para ir para qualquer lugar que lhe agradasse, Rainha da Inglaterra em ser generosa nessa hora decisiva.
a vida de Mary poderia ter sido como uma corrente dessas
águas que se desperdiçam nas areias do deserto. Para quem
poderia aquela mulher desdenhosamente rejeitada se voltar
para pedir ajuda e se refugiar? Nenhum juiz ou nenhum poeta
poderiam mais intervir em nome dela. Contaminada pelo
suspiro do escândalo, humilhada pela generosidade de
Elizabeth, ela vagaria sem rumo de corte em corte. Moray
tornaria impossível o retorno dela a Escócia; nem França ou
Espanha a receberiam, uma hóspede indesejada, com alguma
demonstração de respeito. O temperamento sendo como era,
ela provavelmente se envolveria em novos romances, a não ser
que ela seguisse Bothwell na Dinamarca. Seu nome contaria
pouco na história; ou, no máximo, ela seria mencionada
depreciativamente como a rainha que se casou com o assassino
do marido. Foi a injustiça de Elizabeth que salvou Mary desse
destino obscuro e lamentável. Ao tentar rebaixar Mary,
Elizabeth a elevou para um plano muito mais alto, e a equipou

250
CAPÍTULO DEZENOVE interminável da agonia espiritual dela; pois cada um desses
anos teve centenas de dias; cada dia teve tantas horas, e
nenhuma dessas horas foi irradiada por alegria. Então chegou o
Anos Vivendo nas Sombras ano quadragésimo, e ela não era mais uma jovem mulher, nem
( 1569 – 1584 ) uma mulher forte, mas envelhecendo, cansada, sem saúde.
Vagarosamente empurrada para o quadragésimo primeiro,
quadragésimo segundo e quadragésimo terceiro, até que a
Nada eludi a descrição mais efetivamente do que o morte teve o compasso dela quando seus amigos mortais não
vácuo, nada pode ser mais difícil de retratar do que monotonia. tinham nenhum, e aliviaram o espírito cansado dela de sua
O aprisionamento de Mary Stuart foi um prolongamento tal de prisão.
não-existência, tal vazio, noite sem estrelas. Com a decisão da Houve muitas mudanças para ela durante esses dias,
Conferência de Westminster, o ritmo da vida dela fora mas somente em questões menores e indiferentes. Ás vezes ela
interrompido definitivamente. Ano seguido de ano, como a estava bem, outras vezes doentes; às vezes ela estava
onda do mar é seguida por outras ondas, às vezes mais fortes, esperançosa, e centenas de vezes desapontada; às vezes ela
às vezes mais tranquilas; nunca mais de novo ela seria mexida estava intricada e outras vezes de trato mais clemente;
das profundezas da solidão, ou por felicidades ou por ocasionalmente Elizabeth escreveria para ela cartas de raiva,
tormentos. O destino que tinha então se movido com rapidez e seguidas por outras com palavras bondosas; mas em geral não
com tanta paixão se tornou rotineiro, e assim duplamente sem tinha nada além de uniformidade maçante, uma festa de horas
satisfações. Assim num trote contínuo passou por ela o vinte e descoloridas as quais escorregavam vacantes através de seus
oito, vinte e nove e trinta anos. Seguidos do trinta e um, trinta dedos. Externamente as horas-prisão mudavam de tempos em
e dois, trinta e três, trinta e quatro, trinta e cinco, trinta e seis, tempo. Agora estava detida no Castelo de Bolton, agora em
trinta e sete, trinta e oito e trinta e nove anos. Escrever os Chatsworth ou Sfeffield ou Tutbury ou Wakefield ou Fothringay.
números já é fatigante. Mas para entender o cruel destino dela Apenas os nomes eram diferentes. Todos eles tinham as
nós temos que habitar sobre eles, para entender a duração mesmas paredes de pedras impenetráveis, e na realidade a

251
mesma prisão desde que ela foi privada da sua liberdade. A mortal do que aquele que é assumido nas formas de educação.
processão monótona dos dias, semanas, e meses foi marcada Essa consideração atemorizante, não mostra ao ser humano
pelo ciclo do sol, da lua e das estrelas. A noite seguida do dia que está sofrendo, mas a posição dela, esse foi o tratamento ao
seguida da noite resumindo os meses e os anos. Reinos qual Mary estava sujeita. Sempre com o respeito da comitiva de
passaram e foram renovados; reis ascenderam e caíram; guardas, a vigiava mascarada, “custódia honorável” por aqueles
mulheres cresceram, deram à luz e murcharam; atrás das costas que, chapéus em mãos e com reverências, seguiam firmes a
e montanhas o mundo continuava no processo de incessante cada passo dela. Embora nesses anos nunca nem por um
mudanças. Apenas essa vida estava perpetuamente nas minuto o fato de Mary ser rainha não foi esquecido. Foi
sombras, cortada de suas raízes, não mais florescendo ou concedido a ela todos os tipos de conveniências e pequenas
dando frutos. Devagar, devagar, como se envenenada por liberdades, enquanto a coisa mais importante na vida estava
impotente anseio, Mary Stuart assistia o murchar de sua retida – a verdadeira liberdade.
juventude, o esvaziar de sua vida.
A diligência de Elizabeth manteve o prestígio dela como
Paradoxalmente, a característica mais cruel desse uma soberana humana, foi inteligente o suficiente para evitar
aprisionamento sem fim foi que, visto de fora, nunca foi cruel. tratá-la como adversária vingada. Ela cuidaria muito bem de sua
A pessoa autoconfiante pode reagir contra a violência bruta, “boa irmã!” Quando Mary estava sem saúde, relatórios
pode devolver a humilhação por amargura; sempre a estatura ansiosos chegaram de Londres: Elizabeth ofereceria os serviços
mental pode ser elevada por resistência voraz. Nada além de do seu próprio médico, expressaria o desejo de que a comida
vacância nos faz absolutamente impotentes. Sempre os muros da prisioneira fosse feita pelos seus próprios empregados
de uma cela acolchoada, as quais o pulso do prisioneiro nunca domésticos. Nenhuma língua maliciosa deveria sussurrar que
pode ser machucado, são mais insuportáveis do que a prisão ela estava tentando se livrar da inconveniente rival através de
mais dura. Sem flagelação, sem linguagem abusiva, desperta veneno. Ninguém iria reclamar que ela estava mantendo uma
profundo o quadro de desesperança na mente como a violação rainha ungida em uma cela de prisão. Tudo o que tinha
da liberdade por baixo da máscara de obsequiosidade e com acontecido era que ela havia implorado a sua irmã escocesa
garantias devotas de respeito; nenhum tipo de desprezo é mais para viver em mansões e castelos ingleses como hóspede

252
permanente! Certamente teria sido muito mais conveniente e quando ela era removida de uma mansão para outra. Para o
seguro para Elizabeth manter a mulher indomável na Torre de serviço pessoal ela tinha diversas damas e senhoras ao seu
Londres, um plano de custo menor do que o qual ela adotou. dispor. Nos melhores dias tinha cinquenta delas como suas
Porém, ela tinha uma experiência mais vasta do mundo do que empregadas pessoais. Uma miniatura de corte com mordomos,
seus ministros de Estado, quem de novo e de novo padres, médicos, secretários, pagadores, camareiros,
recomendava a ela que tomasse essa precaução. Elizabeth costureiros, cozinheiros – esse número a frugal Rainha da
persistia em evitar o odium que incorreria ao enviar Mary para Inglaterra se esforçava desesperadamente para diminuir,
a Torre. Sua prima devia ser tratada como uma rainha, enquanto Mary Stuart com não menos tenacidade defendia
enquanto emaranhada pelo nariz da reverência e acorrentada contra qualquer invasão de seus privilégios.
com correntes douradas.
Mas nenhum aprisionamento cruelmente romântico
Mesquinha como era, Elizabeth foi capaz, nesse estava projetado para uma rainha que caiu do poder foi
momento, de superar sua avareza, com coração relutante mostrado no início pela escolha de George Talbot, sexto Earl de
provendo a manutenção de sua hóspede, não menos do que Shrewsbury, um grande nobre e verdadeiro gentleman,
cinquenta e dois pounds por semana nesses dezenove anos. indicado como o guarda em chefe dela. Até junho de 1569,
Assim, somado a isso, Mary recebia pensão de £ 1200 por ano quando Elizabeth o indicou para esse posto, ele pode ter se
da França, ela estava bem abastecida com fundos. Ela poderia considerado um homem afortunado. Ele tinha grandes posses
viver como uma governante soberana em qualquer castelo ou no norte e no centro do país, nove castelos, assim então vivia
mansão da época. Ela teve a permissão para instalar uma calmo em suas propriedades como um príncipe pelas veredas
marquise real na sala de estar, mantendo o patamar de rainha, da história, afastado dos ofícios e formalidades. Imperturbável
embora prisioneira. Ela tinha o serviço de jantar de prata; os por ambições políticas, essa mente séria era muito satisfeita
quartos dela eram iluminados com velas de cera em arandelas com a vida. Com a barba grisalha, ele deve ter pensado que
de prata; os pisos cobertos com carpetes turcos – luxo raro para nada seria possível perturbá-lo de seu sossego até que
a época. Seus apartamentos mobiliados com abundância, que inesperadamente Elizabeth o obrigou a tarefa detestável de
dezenas de charretes cheias de cavalos eram necessários

253
manter a vigia e custódia de sua rival ambiciosa, quem estava ora para ajudá-la, às vezes favoráveis outras antagonistas a
amargurada por um tratamento de saúde. Mary Stuart. Pobre Shrewsbury teve tempos difíceis entre essas
três mulheres, sendo um súdito leal a uma, casado com a
Seu predecessor, Sir Francis Knollys, deu um suspiro de
segunda, e ligado a terceira por elos invisíveis. Por quinze anos
alívio ao ser informado que Shrewsbury estava para sucedê-lo
ele não foi na verdade o guarda da rainha mas seu companheiro
na carga pesada, declarou: “Com certeza no céu tem Deus, eu
de prisão; e na pessoa dele uma vez mais foi preenchida a
preferiria enfrentar qualquer punição a continuar com essa
maldição a qual fez com que Mary trouxesse infortúnio a todos
ocupação.” Pois era uma tarefa ingrata, essa “custódia
quem ela encontrou em seu trágico caminho.
honrosa,” as quais os direitos e limites eram extremamente
vagos, que a quem era dado exigia um imenso tato. Mary era a O que Mary Stuart fez durante esses anos vacantes e sem
mesma e ao mesmo tempo rainha e não rainha; no nome ela significado? Parece que ela passou seu tempo silenciosamente
era hóspede, mas de fato prisioneira. Assim, como um e o suficiente confortável. Considerando exteriormente, a
gentleman, Shrewsbury teve que atuar o papel do recepcionista rotina diária não diferia muito de outras mulheres de posição
educado, mas como carcereiro de confiança de Elizabeth tinha que viviam ano após ano em mansões ou castelos. Quando ela
que restringir as liberdades da sua “hóspede” em diversas se sentia bem-disposta, montava a cavalo – pelas ruas ou em
formas desagradáveis. Ele era o controle dos afazeres dela, mas caçadas – cercada pelos inevitáveis “guardas de honra”; ela
mesmo assim só poderia se apresentar diante dela quando jogava bilhar ou jogos ao ar livre para manter, o máximo
fizesse reverência; ele deveria ser estrito, mas sob a máscara da possível, o corpo em boas condições. Não tinha falta de
subserviência; ele deveria entretê-la, e ainda assim vigiá-la companhia. Visitantes vinham de mansões vizinhas prestar
constantemente. Como se a situação não fosse complicada reverência a interessante prisioneira; pois nunca deve ser
suficiente, a situação foi ainda mais envolvida pelo fato que esquecido que, independente da falta de poder que ela estava
Lady Shrewsbury havia sido a notória Bess de Hardwick. Ela no momento, ela ainda era a próxima herdeira ao trono inglês,
enterrou três maridos. Talbot era o seu quarto, e ela o havia e se alguma coisa desagradável acontecesse a Elizabeth, Mary
reduzido ao desespero por suas infindáveis fofocas. Ela era reinaria em seu lugar. Por isso que pessoas de longa visão,
cata-vento também, fazendo intrigas, hora contra Elizabeth, Shrewsbury não é exceção, acharam melhor expediente

254
permanecer em bons termos com ela. Mesmo os amigos formaram a sua pequena corte (não mais Bothwells ou Rizzios,
íntimos e favoritos de Elizabeth, Sir Christopher Hatton e o Earl alas!) ela valorizava acima de tudo o descanso físico. Ela estava
de Leicester, desejando manter os pés nos dois campos, por frequentemente doente, sofrendo de reumatismo, e de uma
trás das costas da patrona, enviavam cartas e cumprimentos a inexplicável dor nos lados do corpo. Com frequência as pernas
rival dela. Quem poderia dizer que não seria necessário ajoelhar dela estavam tão inchadas que mal podiam se mover, só sentia
diante dela, e pedir por alguma sinecura. De diversas maneiras, alívio na primavera quente; enquanto a falta de exercício do
assim, embora pego pelos ventos, Mary Stuart estava em corpo gradualmente a tornaram flácida e obesa.
permanente recepção de informação do que acontecia na corte Frequentemente agora a sua vontade estava tensa como se
inglesa e na Europa. Lady Shrewsbury contou a ela um grande fosse uma velha. Partiu para sempre os longos dias a galope
negócio sobre Elizabeth, embora Bess teria feito melhor era pelo interior da Escócia, quando ela viajava à toa de castelo a
guardar para si mesma. Então, por diversos canais escusos, castelo.
novidades continuavam brotando de Roma. Não deve ser
Quanto mais tempo a reclusão durava, mais ela tomava
suposto que o exílio de Mary Stuart era aquele de um
prazer nas ocupações domésticas. Por horas ela ficava sentada,
prisioneiro em masmorra. Ela não estava completamente
vestida toda em preto como freira, com seu quadro de bordar,
abandonada. Nas noites de inverno a música ajudava a passar
costurando com suas adoráveis mãos brancas aqueles notáveis
o tempo agradavelmente.
bordados de ouro muitos dos quais chegaram até nós. Outras
Agora não, certamente, como nos dias de Chastelard, vezes ela lia seus livros favoritos. Não tem registros confiáveis
poetas cantavam madrigais para ela. Os bailes de máscaras de que ela teve romances durante esses dezenove anos de seu
estavam banidos para sempre de Holyrood; e esse coração aprisionamento – além do esquema de casamento com Duque
impaciente não tinha mais espaço sobrando para qualquer de Norfolk. Como a ternura dela não mais poderia fluir sobre
amor ou paixão. A inclinação por tais aventuras vazara com a Bothwell, ou em outro amante, foi direcionado gentilmente e
juventude dela. Entre os aderentes entusiastas dela apenas um com menor exuberância à aquelas criaturas que nunca nos
que permaneceu com ela foi Willie Douglas, quem a ajudou enganam, a animais domésticos. Mary importou da França, os
escapar de Lochleven; e entre todos aqueles homens que mais gentis e inteligente dos cães de caça, a raça spaniel; ela

255
tinha um aviário e um pombal; ela cuidava pessoalmente das [Que sou eu, alas, e qual uso minha vida?
flores no jardim, e viu o que as mulheres não deveriam sofrer
Eu sou nada além de um corpo sem coração,
por querer nada; os cuidados comuns de dona de casa
ocupavam a mente dela, agora que ela não sentia mais os Um sombra vã, a criatura do infortúnio
movimentos de paixão. Um observador casual, um hóspede de
Aquela que o único futuro é um de morte viva.]
passagem que falhasse em olhar para as profundezas, poderia
supor que a ambição que uma vez tremeu o mundo morreu Ela sempre cria a impressão de ter abandonado
dentro dela, que todos os desejos terrenos deixaram de existir. pensamentos de poder mundial, de estar em silêncio
Frequentemente, em suas vestimentas de viúva ia ouvir a esperando o último cruel visitante que sozinho trará paz na
Missa, e ajoelhava-se com devoção na sua capela; às vezes, terra.
embora raro agora, ainda escrevia versos no seu livro de oração Assim era esse o semblante. Na realidade o orgulho dela
ou sobre uma folha perdida de papel. Não mais escrevia não estava diminuído e ela tinha somente um pensamento – de
sonetos ardentes, mas poemas de suspiro de piedade ou reconquistar a liberdade e a soberania. Nem por um momento
resignação, nos quais ela repudiava qualquer reino que não ela desejou seriamente se reconciliar com seus inimigos.
fosse o reino do céu, esperando se reconciliar com Deus, com Trabalhando no quadro de bordar, lendo, conversando e tendo
os homens, e com seu próprio destino! devaneios, esses momentos serviram apenas para esconder seu
Esse, por exemplo: trabalho verdadeiro, a conspiração. Do primeiro ao último dia
de aprisionamento Mary estava perpetuamente maquinando,
Que suis ie helas et quory sert m avie
e qualquer lugar que fosse, sua habitação era o centro da
Ien suis fors qun corps prive de coeur intriga. O trabalho seguia no apartamento dela fervilhando dia
e noite. Por trás das portas fechadas Mary, com a ajuda dos
Um ombre vayn um object de malheur
seus dois secretários, compunha cartas diplomáticas aos
Qui na plus rien que mourir en vie . . . embaixadores da Espanha e França, ao legado papal, aos seus
aderentes na Escócia e na Holanda. Ao mesmo tempo ela

256
enviava cartas implorantes ou tranquilizantes, humildes ou da sola interna do sapato do confessor de Mary. Ela, quem na
orgulhosas à Elizabeth, que há muito já não respondia. Em juventude havia aprendido como elaborar e decifrar
centenas disfarces diferentes seus mensageiros iam de e para criptogramas, dirigia todo o serviço diplomático; e essa
Paris e Madrid. Sinais secretos eram combinados; cifras eram divertida excitação de frustrar as precauções de Elizabeth
elaboradas e mudadas mês a mês; correspondência pelos mantinham a inteligência de Mary alerta, trocando esportes ao
mares com os inimigos de Elizabeth iam dia após dia. Todos os ar livre e outros entretenimentos. Ela se jogou com sua habitual
membros da pequena corte – como Cecil sabia perfeitamente desatenção e ardor para dentro dessa atividade conspiratória,
bem, e assim tentava sempre reduzir esse número – trabalhava com o resultado como o frequente, quando mensagens e
como uma equipe geral visando promover a fuga dela. Os promessas começaram a chegar de novas rotas de Paris, Roma,
cinquenta serventes dela faziam visitas após visitas aos vilarejos ou de Madrid, ela poderia ter sucesso em convencer a si mesma
vizinhos, para reunir notícias, pois a população local foi de que uma vez mais estava em posse de poder real, poderia
subornada sob o disfarce de esmolas, e era parte de uma teia considerar a si mesma como o centro de interesse na Europa. O
que Mary mantinha em contato com Madrid e Roma. Cartas pensamento de que Elizabeth sabia que ela era perigosa e ainda
eram contrabandeadas para dentro e fora em livros, roupas não se dobrara a sua vontade, que apesar da vigilância daqueles
para lavar, em varas ocas, debaixo da tampa de caixas que não tiravam os olhos dela, sabiam que ela poderia conduzir
ornamentadas, ou em outros esconderijos engenhosos. Novos uma campanha com ela na prisão e modificar os destinos do
truques eram planejados continuamente para iludir a vigilância mundo, e talvez, o único prazer o qual divertia e renovava a
de Shrewsbury. Por exemplo, o forro de um sapato poderia ser mente dela durante esses longos anos de vacância.
aberto para esconder nas camadas mensagens escritas em tinta
Maravilhosa, certamente, era a energia dela, o vigor que
invisível; ou perucas em que rolos de papéis poderiam ser
ela continuava a mostrar embora em correntes; mas isso foi
escondidos. Nos livros que Mary recebia de Paris ou Londres,
trágico, e da mesma forma, completamente fútil. Pois Mary
cartas eram sublinhadas de acordo com um código, e
nunca teve sorte nos seus empreendimentos. As conspirações
mensagens importantes eram assim transmitidas. Os
que ela instigava sem parar, estavam predestinadas ao
documentos mais comprometedores eram costurados embaixo
fracasso. O jogo era muito desigual. O indivíduo é sempre fraco

257
em face de uma organização efetiva. Mary Stuart estava suas cartas chegassem em Roma ou Madrid; e muitas semanas
sozinha, onde Elizabeth estava à frente de um grande Estado, mais antes que seus correspondentes em capitais estrangeiras
estava no comando de ministros, polícia, soldados, e espiões; e resolvessem responder a esses perigosos despachos; e muito
além disso, alguém pode lutar melhor de um escritório do mais semanas antes de que as respostas pudessem chegar até
governo do que de uma prisão. Cecil tinha amplos recursos à ela. O quão supina, então, era a ajuda oferecida; o quão
sua disposição; ele podia gastar livremente e, vigiar com intolerável morno parecia a essa impaciente mulher que estava
milhares de olhos, poderia facilmente derrotar as tentativas sempre esperando por exércitos e pela armada a serem
dessa solitária e inexperiente mulher. Na época a população da enviados para libertá-la. A prisioneira, a solitária, pensando dia
Inglaterra era cerca de três milhões. Um número grande, sem e noite no seu próprio triste destino, está sempre inclinada a
dúvida; mas as autoridade mantinham vigilância de perto nos acreditar que aqueles que vivem livre e no mundo ativo deve
suspeitos; cada estrangeiro que desembarcava na costa inglesa pensar nela tanto quanto ela pensava em si mesma. É claro que
estava sob estrita observação; tinha espiões em tavernas, não é assim.
prisões, barcos que cruzavam o Canal. Quando esses meio
Em vão, assim, Mary Stuart continuava a representar sua
falhavam em extrair a informação desejada, não tinha
libertação como o passo mais importante em direção à Contra
hesitação em empregar instrumento mais forte – os ganchos.
Reforma, como a primeira e a coisa mais digna que a Igreja
Essa superioridade da força coletiva sobre a força Católica deveria fazer para garantir a sua posição. Aqueles a
individual era logo manifesta. Um após o outro os amigos de quem ela endereçava essas instigações eram calculistas e
Mary que se auto sacrificaram foram, no curso dos anos de procrastinadores, e não estavam de acordo nem entre si
aprisionamento, empurrados para as valas da Torre e mesmos. A armada não estava equipada; o promotor principal,
torturados para confessar os esquemas e os nomes dos Philip II da Espanha, rezava muito, mas se aventurava pouco.
conspiradores. Uma trama atrás da outra foi destruída por esse Ele não estava inclinado a tomar partido da rainha escocesa
método brutal. Mesmo quando, agora e de novo, Mary Stuart aprisionada, declarar guerra àqueles que estavam por vir e que
era capaz, pelas embaixadas, de contrabandear a ninguém poderia prever. Agora e como sempre ele ou o Papa
correspondências para o exterior, eram semanas antes de que poderiam enviar dinheiro para ajudá-la e subornar

258
conspiradores. Mas as tramas eram coisas pobres, mal Da perspectiva de uma razão fria, o comportamento tolo
planejadas, e prontamente enterradas pelos espiões de de Mary em preferir a parte sem esperança de uma conspiração
Walsingham! Apenas alguns corpos mutilados na Torre Hill para fazer uma conveniente mas covarde capitulação. É
serviam, de tempos em tempos, para relembrar a população provável que a oportuna renúncia dela de suas pretensões à
que, em algum castelo no norte, vivia uma prisioneira real que realeza poderiam ter destravado as portas da casa-prisão, e se
com obstinação persistia na sua reclamação de legítima rainha tivesse sido assim, durante todos esses anos, ela teria as chaves
da Inglaterra; para mostrar a multidão que ainda existia tolos e na sua própria mão. Ela precisava meramente ser humilde,
heróis prontos para jogar suas vidas fora por esse suposto abandonar solenemente sua reclamação ao trono tanto da
direito dessa mulher. Escócia quanto da Inglaterra, e a Inglaterra a teria libertado. A
Inglaterra o faria com alegria. Diversas vezes Elizabeth – não
Era claro a todas as pessoas inteligentes que as tramas
pela sua magnanimidade mas pelo seu temor, porque a
incessantes de Mary no final a levariam a própria destruição;
presença acusadora dessa perigosa prisioneira era um pesadelo
que ela estava liderando uma esperança desamparada quando,
para ela – esforçou-se para construir ponte de ouro para Mary;
da sua prisão, declarou guerra contra uma das mais
de novo e de novo ela estava pronta para negociar com sua
importantes monarcas da época. Como no começo de 1572,
“querida irmã,” e para oferecer um acordo fácil. Mas Mary
depois de falhar a conspiração de Ridolfi, o cunhado dela
preferia permanecer uma prisioneira coroada a ser uma rainha
Charles VI declarou com raiva: “A pobre tola mulher não irá
sem trono; e Knollys fez um julgamento correto dela quando,
desistir até que perca a cabeça. Ela irá certamente trazer a sua
durante os primeiros dias de aprisionamento, ele disse que ela
própria execução. Se ela fizer isso, será sua própria culpa, pois
teve a coragem de resistir enquanto não restou mais do que o
eu não posso fazer nada para impedi-la.” Essas são palavras
palmo de uma esperança. Ela foi perspicaz o suficiente para
duras vinda de um homem que o próprio heroísmo serviu
entender que, se fosse libertada como uma rainha que abdicou,
apenas para fazer com que, durante o Massacre de St.
sua liberdade seria nada mais do que uma liberdade
Bartholomew, atirasse contra fugitivos desarmados de uma
lamentável; que tudo o que a esperaria seria uma existência
janela segura dentro do Louvre.
vergonhosa em algum canto esquecido; e que a sua condição

259
presente poderia lhe dar uma posição de destaque na história. ponto de vista conveniente da posteridade, o qual vê efeitos
Mas forte do que as barras de sua prisão, foram as barreiras que tão bem quanto as causas. Quando arrogância é ação, quando
ela impôs pela sua declaração formal de ela nunca abdicaria, e batalhas são ganhas ou perdidas, é fácil estigmatizar aquele
que as suas últimas palavras que ela dissesse na terra seriam quem foi vencido como um tolo porque se aventurou a um
aquelas da Rainha da Escócia. combate perigoso.
Muito limitados são os limites entre loucura e Pois uma noite entre vinte antes de decisão de uma luta
imprudência, pois mesmo as ações mais heroicas podem entre essas duas mulheres pesa na balança. Muitos dos
sempre ser consideradas como loucas. No caso concreto de conspiradores instigados para restaurar Mary Stuart ao trono
Sancho Panza é mais perspicaz do que Don Quixote, e do ponto da Escócia ou estabelecê-la ao da Inglaterra, com melhor sorte
de vista de um homem “racional” Thersites é mais racional do e mais habilidade, teria provado ser fatal a Elizabeth. Duas ou
que Achilles; mas nas palavras de Hamlet, “justamente para ser três vezes, a rainha Tudor escapou somente pelo fio de cabelo.
um grande não é agitar sem um grande argumento, mas para Primeiro de todos o Duque de Northumberland era o líder da
encontrar briga em palha quando a honra está em jogo,” ainda rebelião entre os nobres Católicos. Todo o norte estava
permanece como um teste ácido da natureza heroica. Para desmembrado, e Elizabeth tinha dificuldades em permanecer a
além de questão a resistência de Mary Stuart era quase sem senhora da situação. Então, ainda mais perigosa, veio a intriga
esperança contra a força esmagadora superior; ainda assim nós do Duque de Norfolk. A flor da nobreza inglesa, e entre eles
erraremos se denominarmos de absurdo porque foi um final alguns dos amigos mais próximo de Elizabeth, tal como Earl de
sem sucesso. Através desses anos, e mais efetivamente ano Leicester, apoiou o esquema dele do seu casamento com a
seguido de ano, essa aparente impotente e solitária mulher, rainha escocesa, quem, não menos que ele estaria devagar para
pela sua força desafiadora, incorporou um imenso poder; e, o amor (o que ela não faria para promover o seu triunfo?),
pela mesma razão que ela sacudiu suas correntes, de novo e de escreveu a ele cartas afetuosas. Através de intermediação de
novo ela fazia a Inglaterra e o coração de Elizabeth tremer. Nós Ridolfi, de Florentine, Espanha e França as tropas estavam
consideramos os acontecimentos históricos dentro de uma prontas para desembarcar no solo inglês. Não havia então
falsa perspectiva quando olhamos sobre eles somente de um Norfolk (como mostra pelo seu já mencionado repudio ao

260
esquema marital) sendo fraco e covarde, não teve a chance, o formavam um antagonismo justo. Mas não as suas respectivas
vento trouxe a tempestade, o mar e a traição, forjou contra o estrelas. De uma vez a sorte definitivamente se voltou contra
empreendimento, a página estaria virada, papéis trocados. Mary, tão logo ela foi destronada e aprisionada, todas as suas
Mary Stuart tinha ido viver em Westminster enquanto Elizabeth tentativas foram perdidas. As frotas enviadas contra a
Tudor teria enlouquecido na Torre ou estaria no caixão. Inglaterra eram destruídas por tempestades; seus mensageiros
perdiam o caminho; seus pretendentes morriam ou eram
A execução de Norfolk, o destino de Northumberland e
assassinados; faltava vigor nos seus amigos na hora decisiva; e
de todos os outros quem, durante esses anos, deram a própria
qualquer um que a ajudasse estava trabalhando na sua própria
vida pelo bem de Mary, não impediram o processo. Outro
destruição.
pretendente apareceu em cena, Don John da Áustria, filho
ilegítimo de Charles V, e meio irmão de Philip II, o Victor de Profundamente tocante, assim, foi o que Norfolk disse
Lepanto, cavaleiro exemplar, o primeiro guerreiro da no cadafalso: “Nada o que começou através ela ou por ela
Cristandade. Excluído da sucessão espanhola por ser bastardo, nunca terminou bem.” O mau a perseguiu desde o tempo
ele tentou fundar um reino em Tunis. Então teve a oferta de quando Bothwell se tornou seu amante. Foi igualmente fatal
montar no trono da Escócia pelo casamento com a rainha amá-la e ser amado por ela. Qualquer um que desejou seu bem
aprisionada. Seu exército estava equipado na Holanda, e um a machucou; qualquer um que a serviu convidava a morte para
plano foi feito para a soltura de Mary quando Don John foi bater no seu ombro. Como a montanha de magnetita na Arábia
nocauteado pelo destino à espreita de todos os que a atrai navios para a sua destruição por causa do ferro que tem
ajudavam. Ele morreu prematuramente . . . na polpa, assim ela tendia a envolver todos os que se
aproximavam dela em seu próprio infeliz destino. É esse o
Foi a sorte que falhou ao invés da astúcia. Se nós
porquê o nome dela se tornou investido da magia sinistra da
olharmos com clareza na questão dessa luta prolongada entre
morte. Quanto mais sem esperança era a causa dela, mais voraz
Elizabeth e Mary, a sorte sempre favoreceu a primeira, onde o
ela lutava. Seu longo e melancólico aprisionamento, ao invés de
desastre invariavelmente persistia no curso da última. Força
destruir seu orgulho, embora ciente do que ela fazia era fútil,
contra força, personalidade contra personalidade, as mulheres
ela desafiava o prêmio final do destino.

261
CAPÍTULO VINTE casar-se com ela; talvez homem nenhum se apresentaria de
novo como um possível amante. Num curto espaço de tempo,
talvez, a vida seria fechada irrevogavelmente. A espera tinha
Guerra para a Faca algum sentido, e espera de novo, para algum milagre acontecer,
( 1584 – 1585 ) pelo milagre da libertação, pelo milagre de uma ajuda chegando
para ela de um mundo indiferente? Durante os anos recentes o
sentimento crescia forte a cada dia que passava, que, essa
Os anos se aceleraram. Dias, semanas, meses, passaram mulher em sofrimento prolongado estava cansada de lutar, e
como nuvens tênues sobre o céu de solidão de Mary, e mal que vagarosamente foi fazendo sua mente para renunciar tudo
foram notados o monótono curso da vida dela. Não obstante, o e aceitar o acordo. Ainda com mais frequência ela perguntava
tempo estava colocando sua marca sobre ela e seus a si mesma se não era loucura ou inútil permitir-se murchar
contemporâneos, e foi transformando o mundo em volta dela. como uma flor à sombra, desamada, esquecida; se não seria
Ela tinha atingido sua quinquagésima década, um período melhor comprar pela sua liberdade, e de vontade própria
agourento na roda vital da mulher; e Mary Stuart ainda mantida renunciar a coroa. Mary Stuart, por toda a coragem dela, estava
em cativeiro, ainda privada da sua liberdade. Gentilmente a achando que o cativeiro pressionava muito forte sobre seu
idade começa a tocar; os cabelos tornaram-se cinzas; seu corpo espírito cansado; a vida se tornara tão vazia que sua ânsia de
começa a engrossar, a aparência geral assume devagar o poder foi devagar se transformando em um desejo místico pela
aspecto mais matronal, e uma melancolia silenciosa toma posse morte. Isso explica o seu humor na manhã de sua execução,
da sua alma, a tristeza a qual ela sublimou em fervor religioso. quando ela escreveu essas linhas de coração rendido:
Do fundo do seu coração, a mulher lá dentro deve ter percebido O Domine Deus! Speravi in te.
que os dias de amor tinham para sempre acabado. Aquilo que
não havia sido preenchido agora permaneceria vazio para toda O care mi Jesu! Nunc libera me.
a eternidade. A noite se adentrou, e a escuridão estava ao In dura catena, in misera poena, desidero te;
alcance da mão. Havia muito desde que um pretendente quis

262
Languendo, gemendo et genu flectindo, arena política a rainha inglesa assegurava um sucesso atrás do
outro. Ela havia recomposto suas diferenças com a França; a
Ador, imploro, ut liberes me.
Espanha não ousava a declarar guerra; suas mãos pesavam
[O Senhor meu Deus, eu tenho esperanças em Ti. forte sobre os descontentes em casa e no exterior. Mas um
inimigo permanecia para lidar de forma satisfatória; a mulher
O querido Senhor Jesus, liberte-me.
dentro das suas próprias fronteiras, a mulher conquistada e
Embora forte as correntes me prendem, ainda assim não vencida. Somente quando essa última inimiga
E machuca meu corpo, eu ainda espero por Ti; fosse posta de lado que Elizabeth poderia olhar para si como a
genuína vitoriosa. Para Mary Stuart, também, Elizabeth era a
Adorando, implorando: liberte-me.] única sobrevivente sobre a qual ela concentrava toda a fúria do
seu ódio.

Como ninguém veio resgatá-la, Mary se virava mais e Num segundo de humor desesperador ela fez um último
mais ao seu Redentor. Muito melhor comprometer sua alma apelo aos sentimentos humanos de sua irmã no destino,
nas mãos Dele do que continuar a viver tão vazia existência, escrevendo um epistole o qual a sinceridade é a mais
continuar esperando e sem certezas, na expectativa e total pretensiosa: “Eu não posso, Madame, sofrer mais; e, morrendo,
esperança, somente para ser frustrada uma vez mais. Deixe um eu devo descobrir os autores da minha morte. O criminoso mais
final chegar – mau ou bom, através da vitória ou completa vil nas suas gaiolas e nascidos sob a sua autoridade são
renúncia da sua reclamação, ela não se importava mais. E desde permitidos a tentar a suas próprias justificações, e os seus
que a própria Mary Stuart desejava esse fim com toda a energia acusadores e a acusação contra eles são conhecidas deles. Por
da sua natureza, a conquista não falharia em acontecer. que o mesmo privilégio não pode ser outorgado a mim, uma
rainha soberana, sua parente mais próxima e sua herdeira
Quanto mais tempo a luta continuava, mais persistente legítima? Eu penso que essa última qualidade tem sido a causa
se tornava o antagonismo das duas. Mary Stuart e Elizabeth principal que até então excita meus inimigos contra mim, e
Tudor confrontavam-se de forma ainda mais desafiante. Na todas as calúnias deles é para criar uma divisão entre nós, em

263
ordem de avançar as próprias pretensões injustas deles. Mas, inimigos que permaneciam vivos, pois os outros já haviam
alas! Eles têm agora poucas razões e ainda menos necessidade morrido de causas naturais ou postos fora do caminho pelos
de me atormentar ainda mais nessa questão; pois eu protesto seus inimigos ou adversários. Era como se o demônio da morte
a você pela minha honra que agora eu não procuro por nenhum emanasse da pessoa de Mary Stuart, um demônio que assaltava
outro reino do que o do meu Deus, o qual eu vejo preparando sem distinção aqueles que ela amava como assaltava aqueles
para mim o melhor final para todo o meu sofrimento e que ela odiava, matando e mutilando da mesma forma seus
adversidade.” Então ela adiciona um apelo final: “Eu suplico- apoiadores e seus antagonistas. Os acusadores na Comissão
lhe, pela honra e pela paixão de nosso Salvador e Redentor, Inquisidora de York, Moray, Morton e Lethington, morreram de
Jesus Cristo; uma vez mais eu imploro a você que permita-me morte violentas; aqueles quem em York a julgaram,
retirar-me desse reino para algum lugar de descanso, procurar Northumberland e Norfolk, perderam suas cabeças no
algum consolo para o meu pobre corpo, tão desgastado e cadafalso; aqueles que conspiraram contra Darnley e aqueles
fatigado com dores incessantes, e, com a liberdade da minha quem fizeram o mesmo por Bothwell, os traidores do Campo da
consciência, preparar a minha alma para Deus quem todo dia Igreja, de Carberry Hill, e de Langside, traíram a si mesmos,
me convoca . . . Dê-me essa alegria antes que eu morra, vendo como no caso de Lindsay e Kirkcaldy; aqueles que ela
todas as coisas entre nós ficar em paz, minha alma, entregue do abominava, todo o bando de homens selvagens, impiedosos e
meu corpo, talvez não fique constrangida em derramar as perigosos quem amavam a vida com tanta ganância, os lordes
reclamações perante Deus pelo mau que você sofreu pelo que e earls da Escócia, mataram-se entre si, assim resolvendo as
me fez aqui embaixo . . .” disputas ao longo do tempo na ponta do punhal. A arena vinha
sendo esvaziada no combate. Uma sozinha permanecia para
Elizabeth virou o ouvido surdo para esse tocante apelo,
Mary lutar e odiar: Elizabeth Tudor. Assim o combate se
e nenhuma palavra de compaixão caiu dos seus lábios. Mas,
degenerou em duelo. Uma deveria surgir como vitoriosa; a
Mary Stuart, também, daqui em diante manteve silêncio e
outra precisava ser vencida. A hora de tráfico e acordo tinha
cerrou seus punhos. O ódio agora a possuíra, um ódio frio e
acabado; agora era luta pela vida ou para a morte.
voraz e contínuo, de todo ainda mais ardente porque era
concentrado sobre um único indivíduo, o último dos seus

264
Mary Stuart reagrupou suas energias restantes para essa retirava de intercursos sociais, ficava alarmado com a visão de
última luta. A última esperança dela tinha-lhe sido tirada. Ela aço nu, tremia em frente de cachorros. Seus modos eram
deveria se submeter a uma afronta final e profunda. Esse grosseiros, longes da polidez. Faltavam-lhe completamente a
sempre foi o caso com Mary; a soberba coragem, a resolução delicadeza e charme intrínseco da sua mãe. Nem mesmo era
ilimitada, nunca eram maiores do que quando tudo estava musical; certamente ele não amava nem música ou dança; não
perdido ou parecia estar perdido. O verdadeiro heroísmo dela participava de conversas alegres e agradáveis. Mas ele adquiriu
brilhava quando não havia mais nada a esperar. línguas estrangeiras com facilidade, tinha uma memória
excelente, e perspicácia e resolução se manifestavam quando a
A última esperança de Mary, era que ela chegasse a um
vantagem pessoal dele estava em jogo. Infelizmente, muitos
entendimento com seu filho. Durante os anos de tédio e vazios
dos traços indignos do seu pai foram transferidos para o filho;
que se esmigalhavam atrás dela, e durante os quais sua face
James não tinha propósitos saudáveis, não tinha senso
jovial foi transformada em semblante pálido, uma criança
verdadeiro de honra, e nunca foi de depender de honra.
cresceu da infância, o filho do seu ventre, com seu próprio
Elizabeth uma vez perguntou irritada o que poderia esperar
sangue correndo nas veias dele. Ela deixou seu infante para trás
desse amigo língua dupla. James, igual Darnley, era retorcido de
no Castelo Stirling quando cavalgou para Edinburgh, onde as
lá para cá por quase todo mundo que entrava em contato com
tropas de Bothwell a cercaram e a abduziram. Nunca mais
ele. Impulsos generosos permaneciam totalmente avessos a
desde então ela colocou os olhos no filho James. Dez anos se
sua natureza; ambição fria e calculada governavam as suas
passaram, quinze anos se passaram; agora o bebê que ela
decisões; e sua inabalável frieza para com sua mãe só pode ser
apertou nos braços era um rapaz de dezessete anos, James VI,
entendida quando considerada sem qualquer referência a ideia
Rei da Escócia. Logo ele seria um homem adulto. Qualidades
de piedade e sentimentos filiais.
dos dois pais misturavam-se a sua disposição. Ele possuía uma
maquiagem estranha; seu corpo era gordo e cheio; seu discurso O rapaz tinha sido educado e ensinado principalmente
era pesado, sua língua desajeitada; seu espírito se deitava sobre Latim por um dos inimigos mais implacáveis de Mary, George
uma mortalha de ansiedade e timidez. Um relance superficial Buchanan, o autor do difamatório panfleto Detenção; e por
entregava a impressão de que o garoto era anormal. Ele se toda a vida de James ele foi levado a acreditar que sua mão era

265
cúmplice na morte de seu pai, e que do seu cativeiro do outro mais importante do que os laços de sangue; se ela persistisse
lado da fronteira ela contestava o direito dele de reinar embora em sustentar que ela sozinha era a rainha e lady soberana da
ele já fosse coroado o Rei da Escócia. Desde o começo tinha sido Escócia, enquanto ele considerava que ele sozinho era rei e
estrondeado nas suas orelhas que ele deveria olhar para a mãe lorde soberano do mesmo reino.
como uma estranha e como um obstáculo no seu próprio
Mary e James poderiam talvez delinear o reino juntos se
caminho de conquista de poder. Mesmo se ainda tivesse uma
ela reduzisse as duas pretensões de ser sozinha a soberana
criança carinhosa querendo conhecer a mulher que o trouxe ao
reinante da Escócia. Desespero e cansaço podem ter exercido
mundo ainda tardava no coração de James, ele nunca poderia
mais poder sobre o orgulho dela e sobre o espírito impaciente
conquistar esse objeto, pois a Inglaterra e Escócia guardavam a
do que qualquer outro meio de persuasão. Claro que, mesmo
prisioneira com olhos afiados cada movimentação –
se ela abrisse mão de um ponto ou dois, ela não tinha intenção
certamente, como Mary era prisioneira de Elizabeth assim
de renunciar todo o privilégio de usar o título de rainha. A
James era prisioneiro dos lordes escoceses e dos vários
intenção dela era viver e morrer com a coroa sobre a sua cabeça
regentes durante sua minoridade. Mesmo assim, de tempos em
consagrada. Mas agora ela estava preparada, pelo preço de
tempo cartas passavam pela fronteira. Mary Stuart enviava
reinar a liberdade, de pelo menos de dividir a soberania real
presentes ocasionais para seu garoto. Brinquedos, também, e
com seu filho. Pela primeira vez seus pensamentos se viravam
uma vez ela deu um macaquinho. A maioria dessas
para um acordo. Deixe James governar a terra e chamar a si de
comunicações e presentes retornavam a remetente, porque
rei; mas deixe-a reter seu título de rainha, assim a renúncia
Mary nunca dobraria seu orgulho se referindo a criança como
poderia ser ao menos dourada com um pouco de honra. Não
rei. Enquanto ela continuasse a chamar James IV “Príncipe da
poderia alguma fórmula ser encontrada? A princípio as
Escócia,” e recusasse a ele o título real, os lordes consideravam
negociações pareciam promissoras. Mas James IV,
que as cartas dela eram um insulto ao seu soberano. Nem
perpetuamente à mercê de nobres ameaçadores, deixou-se
mesmo uma relação formal entre mãe e filho foi possível se ela
levar pelas conversas dentro do espírito frio e calculista. Sem
e ele continuassem respectivamente e fincar seus pés sobre a
escrúpulos, ele barganhou simultaneamente com todo mundo,
prerrogativa real e olhassem mais para a posse do poder como
jogando Mary contra Elizabeth e Elizabeth contra Mary, usando

266
a religião de uma como vantagem contra a outra. Ele se Mas Elizabeth estava totalmente ciente do perigo que tal
contentou em vender sua disposição para o maior apostador, reconciliação implicaria para ela própria. Qualquer resultado
pois para a ele a luta não comprometia a sua honra. O que ele dessa sorte deveria ser impedido. Ela rapidamente deu a mão
esperava obter da permuta era o reconhecimento dele como o no jogo. Olhos afiados e cínica como era, provaria não ter
exclusivo e ilimitado monarca da Escócia, e ao mesmo tempo dificuldades em atrair o carreirista sem escrúpulos; ela
assegurar sua própria sucessão ao trono da Inglaterra. Ele não precisava nada além de comercializar com suas fraquezas.
estava satisfeito em ser credenciado herdeiro de apenas uma Sabendo que jovem grosseiro era apaixonado por caçadas,
dessas duas mulheres, porém deveria possuir a relação das Elizabeth enviou como presentes os melhores cavalos e cães de
duas. Bem preparado para permanecer Protestante se lhe caça que ela pôde encontrar. Os conselheiros deles eram
adicionasse vantagens, ele estava, do mesmo modo, subornados maravilhosamente bem; e ele mesmo – que igual a
igualmente receptivo à ideia de entrar para a Igreja Católica se todos os lordes escoceses e gentlemen estava curto de dinheiro
a velha fé oferecesse a ele um prêmio mais bonito; o monarca – foi oferecida uma pensão de cinco mil pounds. Finalmente a
de dezessete anos nem mesmo se consternava pela noção de promessa pela sucessão inglesa estava balançando em frente
casamento com Elizabeth, se essas núpcias o fizessem Rei da dos seus olhos. Dinheiro, como sempre decide a questão.
Inglaterra mais cedo. Elizabeth Tudor nessa época, nove anos Enquanto Mary, ignorava essas intrigas, estava fazendo
mais velha que Mary Stuart, tinha a feminilidade cansada e contatos diplomáticos com o Papa e a Espanha no esforço de
desgastada, e a inimiga mais amarga e voraz da mãe de James. levar a Escócia para o braços da Católica Romana, James VI
Para o filho de Darnley esses petiscos desprezíveis eram não estava assinando um acordo com Elizabeth onde estava
mais do que questões de cálculos deliberados. Para Mary, por incorporado cláusulas as quais garantia os benefícios dele, mas
outro lado, a imortal ilusão infantil, fechou-a para o mundo e onde nenhuma menção foi feita para a liberação de Mary
seus eventos, nas conversas de lá para cá agindo como uma tola Stuart. Nenhum pensamento foi dado ao cativeiro, pois ela
sobre o braseiro brilhante de sua última esperança, assim ela tinha se tornado uma criatura sem consequências para James
acreditava de verdade que poderia chegar a um entendimento seu filho desde que ela não tinha vantagens para oferecer.
com seu filho e ainda manter seu título de rainha. Como se Mary tivesse deixado de existir, ele chegou a trabalhar

267
nos arranjos com Elizabeth, a inimiga mais cruel da sua mãe. A que seu próprio filho a negou, ela poderia negá-lo. Desde que
mulher a qual ele devia a existência poderia desaparecer pois ele tinha barganhado para longe seus direitos a coroa da
tudo o que ele se importava, ou quase se importava não Escócia ela pagaria de volta ao jovem na sua própria moeda. Ela
entrava no círculo da vida dela. Não antes de assinado o acordo o acusou de esquecer “dever e obrigação” que ele devia a ela,
entre ele e Elizabeth, não antes que ele tivesse a promessa de e ameaçou outorgar a maldição dela “e invocar o céu ao meu
pensão nas mãos e se tornasse o mestre de alguns cães de caça filho ingrato”; mais ainda, ela afirmou que, a menos que James
e cavalos, então, no momento da notícia, ele rompeu as se convertesse a Igreja de Roma, ela privaria os direitos dele às
negociações com Mary Stuart. Por que deveria se perturbar em coroas da Escócia e da Inglaterra. Ela iria preferir, “se ele
agir cortesmente com uma mulher que tinha perdido todo o perseverasse na heresia de Calvino,” transferir esses direitos a
poder? Ele anunciou que precisava “declinar de se associar com príncipe estrangeiro – ao Rei da Espanha, por exemplo, caso o
ela na soberania da Escócia”; nem poderia ele “tratar com ela monarca consentisse em lutar pela liberdade dela e humilhar a
de forma diferente do que Rainha-Mãe.” Assim o filho sem assassina de suas esperanças, a Rainha Elizabeth da Inglaterra.
coração abandonou sua mãe real a vida longa de cativeiro. Não mais seu filho ou seu país importavam para ela. Tudo o que
Realeza, coroa, poder, liberdade, tinham sido tirados do ela precisava agora era a liberdade, liberdade de viver a própria
alcance dela pela rival. A inimiga de infância assim completava vida, uma vez mais ser vencedora na arena. Mesmo a aventura
a sua vingança, pois ela conquistou a deserção do filho de Mary mais ousada parecia natural para ela. Aquele que perdeu tudo
Stuart. não tem mais nada a arriscar.
Elizabeth triunfou nessa ocasião e despedaçou as últimas Ano após ano raiva e amargura se acumularam nessa
esperanças de Mary. Mais uma vez ela percebeu que sua mulher humilhada e torturada; ano após ano ela esperou e
inimiga a vendeu e a traiu. Tendo perdido seu marido, seu negociou e comprometeu e conspirou. Seu copo estava agora
irmão, e seus súditos, agora ela perdeu sua criança; daqui em cheio, e mesmo derramando. A chama do ódio se acendeu
diante ela estava sozinha. Seu desapontamento só foi contra a tortura, a usurpação, a guarda do seu aprisionamento.
equalizado pelo seu nojo. Ela não precisa considerar os Não mais era como a rainha contra os outros ou como a mulher
sentimentos de ninguém no futuro! Está bem, talvez! Desde contra outra que Mary Stuart arremessou os dentes e as unhas

268
contra Elizabeth Tudor. Um incidente insignificante trouxe essa então chamada de virgem rainha em cores verdadeiras. Ela
informações. A Condessa de Shrewsbury, uma notória quem se mostrava como modelo de virtude e qualidade
difamadora e maliciosa caluniadora peculiar, declarou que escutaria finalmente a verdade entre uma e a outra mulher.
Mary Stuart tinha entrado em uma relação amorosa com o earl,
Mary, assim, escreveu uma carta (visto de fora parece
seu marido e carcereiro de Mary. Tal fofoca não era para ser
amigável mas, de fato, um dos documentos mais picantes do
levada a sério, mas Elizabeth, que sempre se esforçava para
arquivo inglês) para Elizabeth, narrando na linguagem mais
exibir os lapsos morais da sua rival, rapidamente viu a
franca a fofoca sobre a vida privada da rainha inglesa que vinha
oportunidade de familiarizar as cortes continentais com novas
sendo disseminada pela Condessa de Shrewsbury. O motivo
contravenções da sua prima. Não era, então, o suficiente que
ostensivo era, como eu disse, amigável; mas o objetivo real de
ela tirasse o poder dela, que ela a privasse de liberdade, que ela
Mary era mostrar a sua “querida irmã” o quão delicado eram as
alienasse o afeto do filho dela; agora o bom nome deveria ser
aclamações dessa última em posar de moralista exemplar ou
manchado, e ela, quem vivia como freira, quem dispensou
como uma autoridade de padrões éticos. Cada palavra desse
qualquer forma de amor e prazer, deveria ser exibida ante os
epistolo parece um golpe novo, daqueles que os socos vinham
olhos do mundo como adúltera. O orgulho ferido fez sua ira
do desespero e ódio. Todas as coisas terríveis que uma mulher
flamejar. Ela exigiu reparação imediata, e Lady Shrewsbury
pode dizer a outra estavam escritas; as falhas de caráter de
“sobre seus joelhos” negou que existisse qualquer base para as
Elizabeth são arremessadas vingativamente na sua face; os
notícias infames se espalhasse contra a Rainha dos escoceses.
segredos mais escondidos da sua feminilidade são
Mas Mary sabia muito bem quem era a responsável pela
impiedosamente revelados. “Bess de Hardwick” entregou a
extensão rápida desse rumor iniciado pela esposa do seu
língua dela além dos limites do desculpável, declarou Elizabeth
carcereiro; ela adivinhou a secreta e maligna alegria da sua
que por ser tão vaidosa e para lutar em manter a exaltação
inimiga perene em ter prazer de servir um bocado de calunias
quanto a sua própria amabilidade a ponto de acreditar ser ela
pelas corte da Europa; e ela determinada a combater o golpe
própria a Rainha dos Céus. Nunca ela se saciava com elogios,
tratado no escuros das sombras por um golpe a céu aberto.
sempre forçava suas damas aos exageros mais absurdos; sua
Impaciente há muito a sua alma possuía a vontade de exibir
vulgaridade incontrolável era exibida de forma que ela, quando

269
aborrecida, maltratava essas mesmas damas e as empregadas. Pronto, lá estava o que Elizabeth tinha claro e simples: seu
Ela quebrou de fato o dedo de uma e cortou a mão de outra segredo era conhecido por todos; todo mundo sabia que por
com faca por causa da falta de destreza ao servir uma refeição. causa da sua imperfeição física ela só poderia saciar sua luxúria
mas nunca seu apetite natural sexual, que ela poderia apenas
Esses itens, entretanto, são nada comparando a outras
jogar com o amor, mas barrada completamente do casamento
revelações, tais como que Elizabeth tinha uma ferida na perna
e maternidade. Uma mulher sozinha teve a coragem de dizer a
(uma insinuação de que ela herdou sífilis do seu pai); que ela
mais poderosas das rainhas essa verdade última e terrível; uma
tinha perdido sua juventude prematuramente, mas continuava
mulher no cativeiro sozinha, depois de vinte anos de ódio
mesmo assim a cobiçar os homens. Com “fornicação infinita”,
reprimido, de raiva sufocada, de energias aprisionadas, reuniu
inúmeras vezes ela tinha ido para a cama com Leicester; ou que
suas forças para manejar esse medonho ataque no coração do
ele não tinha sido o único; que ela buscou prazer em todo e
seu tormento.
qualquer lugar; que ela nunca quis perder a liberdade dela de
fazer amor e ter seus desejos satisfeitos por qualquer amante Após tal explosão, reconciliação era impossível. A mulher
novo. À noite ela era conhecida por dormir fora do seu quarto, que compôs a carta, e a mulher que era direcionada a leitura,
vestindo nada mais do que camisola com, talvez, um xale nos não poderiam mais respirar o mesmo ar ou viver no mesmo
braços, e rastejando para o quarto de um dos homens da sua país. “Hasta al cuchillo,” como dizem os espanhóis, faca para a
escolha; esses deleites ilícitos tinham que ser pagos para os guerra, guerra para a morte – esse era a única questão. Depois
homens. Mary empilhou nome sobre nome, detalhe sobre de mais de duas décadas de jogo duplo, de obstinada
detalhe. Mas o parafuso mais mortal de todos, a ferida mais espionagem e inimizade irreconciliável, Mary Stuart e Elizabeth
amarga ao orgulho de mulher de Elizabeth, sobre o qual Ben Tudor trouxeram o combate histórico para a luz do dia. A Contra
Jonson falava livremente nas tavernas que ele frequentava, não Reforma tinha utilizado cada arte diplomática concebida, mas
poupavam a soberana inglesa: “Ele diz, além disso, que nenhum lado tinha ainda utilizado o recurso das armas. O que
indubitavelmente você não é igual a outras mulheres, e é era para ser altivo (e mais tarde irrisório) estilizado a “Armada
loucura avançar a noção do seu casamento com o duc d’Abjou, Invencível” estava sendo vagarosamente e laboriosamente
vendo que tal união conjugal nunca poderia ser consumada.” sendo construída na Espanha. Mas, apesar do ingresso de

270
riqueza da América, a corte dessa terra infeliz estava sempre Jesuítas estavam indo de lá para cá no Canal secretamente. O
em falta de dinheiro e resolução. Philip o Piedoso, assemelhava- governo espanhol não hesitou em declarar que o assassinato de
se com John Knox olhando sobre a remoção de uma adversário Elizabeth era o objetivo político principal. Mendoza,
que aderia a outra crença como um ato agradável de Deus Todo embaixador espanhol em Londres, frequentemente se referia
Poderoso. Não seria mais barato e mais fácil contratar alguns em seus despachos a “matando a rainha” como
valentes que poderiam livrar o mundo de Elizabeth, a protetora empreendimento louvável. O Duque de Alva, governador da
da heresia? A época de Maquiavel e seus pupilos não havia Holanda, aprovava o esquema, Philip II, lorde de dois
perturbação por considerações morais quando o poder estava continentes, desenhou com suas próprias mãos um plano que
em jogo. Aqui o jogo era colossal: fé contra fé, sul contra o ele esperava que “Deus seria favorável.” As questões a serem
norte, o almirantado do mundo. decididas, não pelas artes diplomáticas, nem por guerra
declarada, mas pela faca assassina. Não tem muito o que
Quando política é aquecida no forno alto da paixão,
escolher entre Inglaterra e Espanha como métodos. Em Madrid,
moral e escrúpulos legais são jogados ao vento; ninguém se
o assassinato de Elizabeth foi decidido num conclave secreto, e
incomoda sobre honra e decência, e mesmo assassinatos são
foi endossado pelo rei. Em Londres, Cecil e Walsingham e
glorificados. Através de comunicações de Elizabeth em 1570 e
Leicester estavam de acordo em fazer um trabalho curto em
de William o Silencioso em 1580, os dois inimigos principais do
Mary Stuart. A hora era de não mais hesitação e não mais
Catolicismo tinham sido banidos pela Igreja Romana; e depois
expedientes. A conta há muito estava vencida, e a liquidação
que o Papa aprovou expressamente o massacre de St.
seria marcada por uma linha desenhada no sangue. A única
Bartolomeu, cada Católico estava seguro que a ele seria
questão era, qual lado agiria mais prontamente, a Reforma ou
louvado caso da ação se sucedesse o assassinato de cada um
a Contra Reforma, Londres ou Madrid? Mary Stuart tiraria
desses inimigos hereditários a fé verdadeira. O impulso
Elizabeth do seu caminho, ou Elizabeth colocaria um fim em
vigoroso de um punhal, a ajuda das balas de uma habilidosa
Mary Stuart?
pistola, poderiam ter libertado Mary Stuart do cativeiro e a
colocado no trono em Westminster, como resultado a
Inglaterra e o mundo seriam reconquistados por Roma. Os

271
empenhando todo bom cidadão a matar sem escrúpulos
CAPÍTULO VINTE E UM
qualquer conspirador que tramasse contra a rainha. Mais ainda,
“pretendentes ao trono favorecendo aqueles que esses
homens conspiraram” estavam “privados de todos os direitos
A Questão Deve Chegar ao Fim como reclamações por tal sucessão,” e seriam pessoalmente
responsabilizados por tais conluios. Próximo ao Acordo da
( SETEMBRO DE 1585 A AGOSTO DE 1586 ) Associação foi confirmado por um estatuto (Elizabeth 27, 1585)
intitulado Um Ato para a segurança da Pessoa da Rainha Real,
e da Permanência do Reino de Paz. Todo mundo que
“A questão deve chegar ao fim.” Tal foi a fórmula incisiva
participasse de um ataque a rainha ou que meramente
a qual um dos ministros de Estado de Elizabeth resumiu
sancionasse se tornava passível de pena de morte. Mais adiante
impaciente o sentimento que prevalecia pela Inglaterra. Nada é
foi decido que todo mundo acusado de entrar em conspiração
mais duro para um indivíduo ou nação estar em incerteza por
contra a rainha seria julgado por um júri de vinte e quatro
muito tempo prolongada. O assassinado de outro grande
pessoas indicados pela coroa.
protagonista da reforma, William o Silencioso, que foi morto
por um fanático da Católica Romana em junho de 1584, Isso deu a Mary Stuart a notícia simples de dois fatos;
mostrou claramente a Inglaterra que o pontapé já estava afiado primeiro de tudo, que sua posição na realeza não mais a
para o coração da Rainha Elizabeth. Era um fato conhecido que protegeria de julgamento público; em segundo lugar, mesmo
uma conspiração encerrada é seguida de outra. O sentimento que um atentado fosse bem-sucedido contra a vida de Elizabeth
geral, assim, era que o momento tinha chegado de fazer um não traria vantagem para ela, mas custaria a sua própria
final para a rainha escocesa aprisionada, quem liderava a cabeça. Isso foi como o florescer da última trombeta a qual
aclamação também ao trono da Inglaterra, e quem era o centro exigia a rendição de um exército obstinado antes do assalto
de inumeráveis conspirações. O mau deve ser cortado na raiz. final. Se tinha alguma hesitação a mais, nenhum quarto seria
Em setembro de 1584, a seção Protestante da nobreza inglesa dado. Ambiguidades entre Elizabeth e Mary Stuart estavam
e da pequena nobreza assinaram o Acordo da Associação superadas e acabadas. Não existia mais vai não vai.

272
Teve outros sinais que os dias de trocas de cartas possível através de uma bruta negligência da parte dele. Com a
corteses e hipocrisia amigável tinham acabado, que o último frieza e o sistematização clara de alguém que se considerava
round da longa luta tinha começado, que não tinha mais como um escarvo do “dever” ele contemplava a guarda de
consideração para mostrar, que a guerra para a faca tinha sido Mary Stuart e tornando impossível para ela fazer qualquer mau
declarada. A corte inglesa decidiu, em vista das intermináveis como se fosse uma tarefa confiada a ele por Deus. Ele não tinha
conspirações contra Elizabeth que Mary Stuart deveria ser nenhuma outra ambição do que ser um carcereiro exemplar.
guardada restritamente no futuro. Shrewsbury, sendo muito Ele foi um novo Cato, o qual nenhuma tentação levaria para o
gentleman para ser bom carcereiro, foi “liberado” do seu ofício. mau caminho; nem sentimentos prontos de ternura nunca o
É muito verdade que Shrewsbury agradeceu Elizabeth de induziriam a modificar a bruteza dele. A mulher doente e
joelhos por poder restaur a sua liberdade depois de quinze anos cansada não era, aos olhos dele, uma princesa que merecia
de carcereiro que o tornaram tão prisioneiro quanto Mary. Ele compaixão pelos seus infortúnios, mas meramente a arqui-
foi substituído por Sir Amyas Paulet, um Protestante fanático. inimiga da sua rainha, quem deveria ser tratada como o
Agora Mary Stuart poderia, sem exagerar, falar em ter sido Anticristo personificado. Sobre a doença dela ele escreveu
reduzida a servidão, pois seu guardião amigável foi substituído cinicamente; “A indisposição do corpo da Rainha, e a grande
por um carcereiro inexorável. enfermidade das pernas dela, as quais tão desesperadas como
ela e por acaso sem esperanças de recuperação, não é
Amyas Paulet, Puritano de picada dura, um entre vários
vantagem pequena para o guarda dela, quem não deve temer
que “somente” o modelo de comportamento digno é o do
que ela vá fugir correndo, se ele pode prever que ela não pode
Velho Testamento, quem não pode agradar um bom Deus, não
tomá-lo a força.” Ele completava a tarefa com alegria maliciosa
fez segredo da sua determinação de que dali em diante fazer a
da sua própria eficiência, colocando as suas observações de
vida de Mary Stuart o mais desconfortável possível. A tarefa de
cativeiro noite após noite num livro manuscrito. Mesmo através
ser desagradável, de roubar dela até os menores favores que
da história fomos familiarizados com o mais cruel, violento e
Shrewsbury concedia a ela, foi um deleite para Paulet. Ele
guardas injustos do que Paulet, é escasso o registro de pessoas
escreveu a Elizabeth dizendo que não esperava misericórdia se
Mary tentasse escapar da sua custódia, pois tal fuga só seria

273
quem eram bem capazes de ter prazer nesses serviços caçar e mesmo de cavalgar para respirar ar puro. Limites
destetáveis. terríveis estavam cercando a existência dela sob o “guardião”
Sir Amyas Paulet, assim com o passar do tempo ela era a
O primeiro passo dele foi cortar as trocas escondidas
prisioneira indisputável, e sentiu como se já estivesse no caixão.
pelos meios o quais Mary Stuart se comunicava com o mundo
exterior. Sua casa prisão foi cercada por sentinelas, daqueles Teria sido mais mérito a Elizabeth se ela tivesse escolhido
que o cordão se mantinha intacto dia e noite. Os empregados um guarda menos rigoroso para a irmã rainha. Mas, vendo a
domésticos, que até então tinham passe livre para dentro e imunidade de Elizabeth em risco de assassinato, só devemos
fora, e transmitiam mensagens orais e escritas, tiveram a reconhecer que nenhum cachorro vigilante seria mais confiável
partida proibida. Nenhum membro da corte de Mary podia sair do que esse Calvinista de sangue frio. Paulet admiravelmente
da casa sem permissão especial, e então poderia sair somente cumpriu seu dever de isolar Mary Stuart do mundo. Em alguns
acompanhado de soldado. Mary foi proibida de continuar com meses ela começou a se sentir como se estivesse embaixo de
a outorga de almas dos pobres da vizinhança, Paulet perspicaz um sino de vidro. Nenhuma palavra, nem uma carta, do mundo
reconheceu que essa prática piedosa era com recipientes exterior chegou até ela. Elizabeth tinha toda a razão de estar
prontos para contrabandear informação. As regulamentações satisfeita com o novo guardião, e expressou seus mais sinceros
eram comprimidas dia a dia. Parcelas de roupas para lavar, de agradecimentos a Paulet por tudo o que ele estava fazendo: “Se
livros – qualquer coisa que saia ou entrava – eram escrutinadas você soubesse, meu querido Amyas, o quanto me sinto
como as bagagens dos aeroportos modernos, e assim a endividada por você pelo seu inigualável cuidado, o quão
possibilidade de correspondências secretas foi cortada. Nau e agradecida eu reconheço a impecabilidade dos seus arranjos, o
Curle, secretários de Mary, sentados brincando com os dedos, quanto eu aprovo suas ordens sábias e medidas de segurança
pois a ocupação deles tinha acabado. Eles não tinham mais para atuar em tarefa tão difícil e perigosa, iria iluminar seus
cartas para escrever ou decifrar. Nem Londres, nem Escócia, olhos e alegrar o seu coração.”
nem Roma e nem Madrid gotejaram notícias trazendo
Estranhamente, entretanto, os ministros de Elizabeth,
esperanças para Mary na sua solidão. Os dezesseis cavalos dela
Cecil e Walsingham, a princípio, de forma nenhuma estavam
estavam sem a cabeça em Sheffield já que ela fora proibida de

274
satisfeitos com o “camarada preciso”, Sir Amyas Paulet, por De fato, uma conspiração para assassinar Elizabeth
suas dores. A separação completa de Mary Stuart das suas estava pronta nas mãos deles. A conspiração era, por assim
correspondências secretas com partes estrangeiras corria de dizer, uma permanente. Philip da Espanha tinha estabelecido
acordo com os desejos deles. Não vestia bem a eles de forma um centro conspiratório anti-Inglaterra; em Paris residia
nenhuma que a Rainha escocesa fosse privada da chance de Morgan, uma agente secreto de Mary Stuart, abastecido com
conspirar; ou que Paulet, estabelecendo um cordão em volta fundos da Espanha, mantinha seus negócios de maquinar
dela, estava a salvando das consequências do seu descuido. O contra a Inglaterra e Elizabeth sem intervalos. Aqui mais e mais
que Cecil e Walsingham queriam era, não uma Mary Stuart jovens entusiasmados se alistaram. Através da determinação
inocente, mas uma culpada; eles queriam que ela, quem eles dos embaixadores da Espanha e França, ligações eram mantidas
consideravam como uma causa perpétua de inquietação e entre os descontentes da nobreza Católica na Inglaterra e os
conspiração na Inglaterra, continuasse suas tramas até que ela chanceleres da Contra reforma. Mas um importante ponto
fosse pega na própria teia. O desejo principal deles era que “a escapou aos avisos de Morgan, a saber que Walsingham, um
questão chegasse ao fim”; eles olhavam à frente para um dos mais hábeis e inescrupulosos diretores de agentes
julgamento, condenação, e execução de Mary Stuart. provocadores que jamais existiu, tinha plantado sobre Morgan
seus próprios espiões sob à guisa de Católicos devotos, assim os
Do ponto de vista deles, o único caminho de garantir a
mesmos mensageiros os quais Morgan colocou em postos de
segurança de Elizabeth era colocar um ponto final na adversária
confiança na verdade estavam na folha de pagamento de
dela; e desde que Sir Amyas Paulet, pelos métodos rigorosos
Walsingham. O que foi planejado em nome de Mary Stuart foi
que ele adotou, tinha tornado impossível para Mary iniciar
traído pela Inglaterra, minuto após minuto, antes que qualquer
qualquer conspiração mais profunda, um trama deve ser
passo fosse dado para colocar o esquema em execução. Agora,
instigada por agentes provocativos, que a prisioneira induzisse
perto do ano de 1585, quando o cadafalso ainda estava
a tomarem parte. O que Cecil e Walsingham exigiam era uma
molhado com o sangue daqueles que atuaram na última
conspiração contra Elizabeth, e uma prova simples de que Mary
conspiração, as autoridades inglesas estavam cientes que novas
Stuart estava envolvida.
ações estavam para acontecer para o assassinato de Elizabeth.

275
Walsingham tinha uma lista cheia e acurada de nomes dos pequena nobreza contra Elizabeth, desenvolveu-se para a
nobres Católicos na Inglaterra que tinham assegurado a famosa trama de Walsingham para desaparecer com mundo de
Morgan a vontade de apoiar qualquer movimento de colocar Mary Stuart.
Mary Stuart no trono. Walsingham precisava apenas de um
Havia três estágios na questão de Mary Stuart se ela
sinal, e com o uso liberal das ações ele seria capaz de preencher
fosse morta dentro da forma da lei. Primeiro de tudo, os
as lacunas das suas suspeitas.
conspiradores deveriam ser induzidos a se comprometerem no
As técnicas de Walsingham, entretanto, eram mais sutis, esquema para o assassinato de Elizabeth. Em segundo lugar,
mais aterrorizantes e mais pérfidas. Claro, se ele quisesse, ele era necessário que eles tivessem posto Mary Stuart a par de
poderia beliscar a conspiração na semente. Não caberia nos suas intenções. Em terceiro lugar (e esse era o requisito mais
seus propósitos, dessa forma, simplesmente enviar alguns difícil), a própria Mary deveria ser persuadida a aprovar o plano,
nobres para o cadafalso ou enforcar ou esquartejar por um documento da sua própria caligrafia. A cumplicidade
conspiradores de menor valor. Que uso teria cortar cinco ou dela e sua culpa deveria ser provada na ponta da faca, pois
seis cabeças dessas incessantes conspirações se, na manhã Elizabeth seria desonrada se Mary fosse morta na falta da prova
seguinte, duas cabeças novas tomariam o lugar delas? “Cartago desejada. Ao invés disso, uma evidência manufaturada da culpa
deve ser destruído” era o motor de Cecil e Walsingham; eles de Mary! Ao invés disso, imprimindo com destreza nas mãos
estavam determinados a colocar um fim em Mary Stuart; e para dela um punhal com o qual ela mataria a si mesma.
esse propósito nenhuma conspiração menor serviria. Eles
O trabalho dos conspiradores oficiais ingleses contra
deveriam provar a existência de atividade difundida em favor
Mary Stuart começou por uma mitigação da severidade do seu
da Rainha aprisionada. Ao invés de, assim, ceifar a trama de
aprisionamento. Walsingham, poderia parecer, não encontrou
Babington no germe, Walsingham secretamente encorajou;
muita dificuldade em persuadir Sir Amyas Paulet, o Puritano
adubando com desejos, abastecendo com fundos, mais ainda
piedoso, que ao invés de manter tão estrito o cordão cercando
fingindo indiferença. Graças as suas habilidades como diretor
Mary impossibilitando a ela qualquer iniciativa ou participação
de agentes provocativos, o que a princípio era para ser não mais
em conspiração, seria melhor emaranhar a prisioneira real em
do que uma conspiração amadora de alguns membros da

276
uma trama. De qualquer forma, Paulet modificou seu dos planos que estavam sendo feitos para libertá-la. Mesmo
tratamento a Mary em acordo com o esquema da equipe geral assim, alguns instintos a avisaram para ter cuidado, e na sua
inglesa. Um dia esse homem, quem até então agia resposta a Morgan ela o aconselhou: “Evite de se intrometer
inexoravelmente como um guarda, foi ver Mary e disse a ela, com qualquer coisa que poderá reverter em perigos para você,
nos termos mais amigáveis, que tinha sido decidido removê-la ou aumentar as suspeitas que já são concebidas contra você
de Tutbury para Chartley. Mary, pouco adivinhando dos nessas partes, tendo certeza de que você será capaz de
esquemas dos seus inimigos, não conseguia esconder seu absolver-se de todos os serviços para comigo até agora.” Porém
deleite. Tutbury era uma sombria fortaleza, mais parecida com esse humor de suspeitas não durou muito. Foi disperso quando
uma prisão do que com um castelo; Chartley, por outro lado, ela soube quais artifícios inteligentes os seus amigos (na
era um lugar agradável, com a vantagem adicional que na verdade eles eram os assassinos que ela intencionava)
vizinhança morava famílias Católicas amigas dela, e das quais manteriam contato com ela. Cada semana barris de cerveja
ela poderia esperar ajuda. Em Chartley ela poderia passear nos eram enviados de Burton para os serventes da rainha, e os
jardins, ou cavalgar uma vez mais se a sua saúde permitisse; e, amigos dela persuadiram o carregador deixá-los trocar o
talvez, teria a chance de obter notícias dos seus parentes e batoque do barril com uma rolha nas quais as cartas estariam
amigos do outro lado dos mares, uma chance de (com coragem escondidas. Assim as comunicações eram trocadas com a
e habilidade) reconquistar o maior prêmio de todos – a regularidade de um serviço postal. Semana após semana o
liberdade. “homem honesto”, como carregador estava em posse das
correspondências, trazia seu barril de cerveja para o castelo;
Eis que, uma manhã, Mary Stuart foi surpreendida. Ela
uma vez seguro na cela, o mordomo de Mary removia a rolha
mal acreditava nos seus olhos. Como se por mágica, o cerco de
com a carta nova, enquanto o barril vazio da semana, da mesma
Sir Amyas Paulet estava rompido. Um despacho cifrado chegou
forma, enviava a carta que saía. O homem honesto, nem
à mão, o primeiro que ela recebia em meses. O quão inteligente
precisaria dizer, estava sendo bem pago pelos seus serviços.
eram seus amigos que encontraram meios de despistar seu
guarda inexorável! Que alegria inesperada! Ela não mais estava Mas o que Mary Stuart não sabia era que o carregador
cortada fora do mundo, mas de novo seria mantida informada estava sendo pago também pelas autoridades inglesas, e que

277
Sir Amyas Paulet sabia tudo o que estava acontecendo. Não era em nome dela; que exércitos e navios estavam sendo
apenas os amigos de Mary Stuart que cogitaram esse método preparados em apoio a causa dela; que punhais estavam sendo
de comunicação, mas Gifford, um dos espiões de Walsingham, afiados para perfurar o coração dos seus inimigos. Às vezes,
que tinha se apresentado a Morgan e ao embaixador francês talvez, ela mostrava seu deleite simplesmente, assim
como agente confidencial de Mary. Assim a correspondência entregando a si mesmo, embaixo dos olhos vigilantes de Sir
secreta de Mary poderia ser totalmente supervisionada pelos Amyas Paulet, agora que ela estava estimulada pela cordial
seus inimigos políticos. Cada carta para ou de Mary era, durante esperança renovada. Paulet, do seu lado, estava melhor
o caminho, inspecionada por Gifford (o qual Morgan justificado em sorrir friamente para si mesmo quando, semana
considerava como seu escudeiro mais confiável), eram após semana, ele via novos abastecimentos de cerveja sendo
decifradas por Thomas Phelippes, quem também era trazido pelo “homem honesto” (o único nome pelo qual esse
empregado de Walsingham e um inteligente decifrador. digno é conhecido), quando ele notava a pressa com a qual o
Quando mensagem era decifrada, a cópia era prontamente mordomo da Rainha Mary entrava na cela para garantir a sua
enviada a Londres. Esse trabalho era feito com tal rapidez que preciosa carta. Paulet sabia que o que a sua prisioneira estava
a correspondência entre Mary Stuart e a embaixada francesa para ler há muito havia sido decodificada pelo agente inglês, e
era vivaz sem que as partes finais suspeitassem de que que cópias estavam a caminho de Walsingham e Cecil. Esses
houvesse interferências. ministros de Estado sabiam a partir das cartas que Mary Stuart
tinha oferecido a coroa da Escócia e o direito de sucessão a
Mary Stuart congratulou-se. Com o tempo ela despistou
coroa da Inglaterra para Philip da Espanha se ele a ajudasse a
Sir Amyas Paulet, o Puritano rígido, quem examinava a roupa
escapar. Tal carta, eles sabiam, seria útil em apaziguar James VI
suja, as solas de sapatos, mantinha Mary sob dura vigilância
caso ele colocasse na sua cabeça que a sua mãe estava sendo
como se ela fosse criminosa. Ela sorria com o pensamento da
tratada com dureza. Eles leram que Mary Stuart, nos seus
raiva que seu guardião sentiria se ele soubesse que, apesar de
despacho holográficos para Paris, estava implorando pela
todos os seus sentinelas, apesar de todas as trancas e barras,
invasão da Inglaterra por tropas da Espanha. Isso poderia ser
ela estava semana após semana trocando cartas com Paris,
útil, também, quando a Rainha dos escoceses fosse levada a
Madrid e Roma; que os agentes dela estavam trabalhando duro

278
julgamento. Infelizmente para o esquema deles, entretanto, pois ele jogou fora a sua vida sob o estresse de um impulso
eles não descobriram por muito tempo nada nas cartas para nobre. Um jovem gentleman do interior, casado e próspero,
mostrar que Mary Stuart sancionou um plano para o filho da antiga família Northumberland que mais tarde se fixou
assassinato de Elizabeth Tudor. A prisioneira não tinha se feito em Derbyshire, ele viveu a maior parte no seu estado, o qual
culpada quanto os conselheiros da Rainha Elizabeth queriam; era próximo de Chartley. O leitor rapidamente irá entender
ela ainda não tinha feito o suficiente para eles armarem a porquê Walsingham selecionou Chartley como a residência de
máquina de matar exigindo um julgamento público da Mary Stuart. Walsingham sabia há muito que Babington, um
prisioneira; eles queriam prova definitiva do “consentimento” Católico devoto, ligado fortemente a Mary Stuart, foi
de Mary para matar Elizabeth Tudor. Para garantir essa última fundamental em promover a correspondência secreta dela com
martelada no parafuso, Walsingham agora devotou suas partes estrangeiras. É um privilégio da juventude ser movido
melhores energias. Com isso começa um dos mais profundamente por simpatia às vítimas de um destino trágico.
inacreditáveis atos pérfidos atestados por documentos Tal idealista sem malícia, “tolo puro,” cairia muito bem aos
conhecidos da história – a “incriminação” pela qual Walsingham propósitos de Walsingham, melhor do que espiões, pois a
fez Mary Stuart a par de uma trama de sua própria manufatura, rainha prisioneira estaria ansiosa para colocar a sua confiança
a chamada conspiração Babington, a qual na realidade foi a no jovem Babington. Ela sabia que ele não era movido para
conspiração de Walsingham. perseguir ganhos, ou por carinho pessoal a ela, mas por
sentimentos de cavalaria, os quais nele era acentuado além do
O Plano de Walsingham foi magistral, e foi, em certo
limite da sanidade. É mais provável que uma invenção póstuma
sentido, justificado pelos resultados. O que o tornou tão
e romântica, da afirmação que Babington tinha sido próximo de
repulsivo, que, depois do lapso dos séculos, as gargantas coçam
Mary Stuart por um tempo quando ela estava sob a custódia de
quando se contempla os detalhes, foi que Washington, para
Shrewsbury, e que ele tinha se apaixonado pelos charmes dela.
continuar, apelou para uma das qualidades humanas mais
Presumivelmente ele nunca se encontrou com ela, e serviu a ela
bonita, a fé tocante dos jovens romancistas. Anthony
apenas pelo prazer em servir, do seu fervor Católico, das
Babington, o qual as autoridades em Londres escolheram como
aventuras entusiasmadas, tudo isso combinado para fazê-lo
ferramenta involuntária, merece nossa simpatia e admiração,

279
devoto a mulher a qual ele considerava como a legítima Rainha para movimentar Babington, o entusiasta. Pois Babington,
da Inglaterra. Descuidado, incauto, e loquaz, como jovens como os documentos claramente mostram, teve, com seus
emocionais são propensos a ser, ele recrutou aderentes entre amigos, planejada originalmente nada mais do que, da sua casa
seus amigos, induzindo vários indivíduos da sua própria crença no interior como base, efetuar o resgate de Mary Stuart da
e estação a participarem com ele. Um círculo estranho de prisão. O pensamento de matar era estanho a natureza dele.
conspiradores se formou, incluindo um padre fanático de nome
Mas um mero esquema para resgatar Mary Stuart não
Ballard, um desesperado e apropriadamente chamado de
serviria a Walsingham, não o capacitaria a enviar a
“Selvagem,” e vários jovens gentlemen com mais dinheiro do
problemática prisioneira para o cadafalso. Ele precisava de um
que cérebro, quem haviam lido Plutarch’s Lives, e se divertiam
copo cheio de conspiração de assassinato. Seus agentes, assim,
em sonhos nebulosos de heroísmo. Logo, entretanto, a posição
mantiveram o trabalho de iniciação até que Babington e seus
deles estaria dilatada por pessoas mais perspicazes e resolutas
amigos finalmente concordassem em agir na linha desejada por
do que Babington e seus íntimos; acima de tudo por um certo
Walsingham. Em 12 de maio de 1586, o embaixador espanhol,
Gifford, o qual Elizabeth subsequentemente o premiaria com
que estava em contato com os conspiradores, foi capaz de
uma pensão de um mil pounds por ano pelos seus serviços. Os
reportar a Rei Philip as notícias do acordo que quatro
cabeças quentes entre eles decidiram que não era suficiente
gentlemen Católicos a quem era concedido a entrada na corte
libertar a rainha da prisão. Impetuosamente eles determinaram
de Elizabeth tinham solenemente prometido colocar um fim na
a respeito de uma ação muito mais perigosa; o assassinato de
rainha com veneno ou punhal. Esses agentes provocadores
Elizabeth, a “usurpadora.”
tinham feito o trabalho satisfatoriamente; a conspiração de
Os últimos aderentes da conspiração, e o mais ardente Walsingham estava bem a caminho.
entre os conspiradores, eram, mal é preciso dizer, os espiões de
Mas isso preenchia apenas a primeira parte do plano de
Walsingham, insinuando entre os jovens idealistas como
Walsingham. A armadilha estava presa para um fim. O outro fim
agentes provocadores; para o projeto de Walsingham, não
precisava ser firmemente ligado. A trama para o assassinato da
apenas para se manter completamente informado, não apenas
Rainha Elizabeth tinha sido instigada com sucesso. Agora vinha
para o que estava acontecendo, mas para, e acima de tudo,

280
a parte difícil do negócio, assegurar que a desavisada Babington. A rainha, quem tinha total confiança em Morgan,
prisioneira “consentisse” com a “remoção” da sua rival. Uma copiou sua carta palavra por palavra.
vez mais Walsingham assobiou para a sua gang de espiões. Ele
Com o tempo a conexão que Walsingham desejava entre
enviou alguns emissário a Paris, aos cabeças da conspiração
Mary Stuart e a conspiração foi sendo construída. A precaução
Católica, com instruções de reclamar para Morgan, agente de
de Morgan, contudo, segurou ele e a rainha um bom lugar, pois
Philip II e de Mary Stuart, que Babington & Co. estavam tépidos
a primeira carta de Mary para os conspiradores, embora muito
na causa. Eles não decidiam sobre o assassinato, mas hesitavam
cordial, foi evasiva. O que Walsingham precisava era que a
e procrastinavam, e nada poderia ser mais efetivo do que a
rainha deixasse claro o “consentimento” à proposta de atentar
palavra vinda de Mary Stuart. Uma vez Babington estivesse
contra a vida de Elizabeth. Agindo pelas instruções dele, dessa
convencido de que a rainha que ele honrava e admirava
forma, seus agentes foram ao trabalho uma vez mais para
aprovava o assassinato, ele estaria preparado para entrar em
preparar o outro final da trama. Gifford fez evidente ao infeliz
ação. Era essencial, portanto, assim os espiões garantiram a
Babington que, agora Mary tinha mostrado sua confiança nele,
Morgan, que ele induzisse a Rainha Mary escrever algo que
ele deveria responder dando a rainha enjaulada o
realçasse o zelo de Babington.
conhecimento total dos seus planos. Algo tão perigoso quanto
Morgan hesitou. Alguém pode supor que a suspeita dele atentar contra a vida de Elizabeth não deveria ser feito sem a
estava em alerta, que ele teve um vislumbre do jogo de aprovação expressa de Mary Stuart; e, graças a visita semanal
Walsingham. Entretanto, o agente do ministro inglês persistiu do “homem honesto,” era seguro enviar toda a informação
em garantir a ele que nada além de algumas linhas formais era necessária à Rainha Mary e receber suas instruções reais em
necessário. Com o tempo Morgan desistiu; mas, para retorno. Babington, o “tolo puro,” com mais coragem do que
resguardar contra qualquer falta de cuidado, ele enviou a Mary sagacidade, entrou dentro da armadilha. Ele enviou uma carta
um rascunho de carta que ele gostaria que ela escrevesse para longa endereçada a sua “très chère souveraine26,” divulgando
cada detalhe da conspiração. Por que a infeliz rainha não ficaria

26
Muito querida soberana. (N.T.)

281
consolada no seu cativeiro sabendo do que estava em estava contando. Se Mary aprovasse o esquema de Babington
andamento? Por que ela não deveria ser informada que a hora para o “despacho da usurpadora,” Walsingham conquistaria
da sua libertação estava próxima? Como inocente que seu fim. Mary o pouparia do desprazer necessário para o
acreditava que suas palavras fossem ser enviadas para a Rainha compasso do assassinato secreto. Ela caminharia para dentro
Mary por mensageiros dos céus, absolutamente sem imaginar da armadilha aberta.
que qualquer coisa que ele escrevesse seria lido pelos
A carta desastrosa foi enviada. Phelippes, como sempre,
emissários de Walsingham antes que pudessem chegar a Mary,
decifrou e enviou uma cópia para Walsingham. A original
o pobre desgraçado balbuciou todo o plano da campanha. “Eu
intacta, escrupulosamente selada, foi despachada para o
mesmo com dez gentlemen e cem seguidores irei resgatar a sua
recipiente desavisado pelo caminho do barril de cerveja. Em 10
pessoa real das mãos dos seus inimigos. Para o despacho da
de julho de 1586, estava nas mãos de Mary Stuart, quando dois
usurpadora, pela obediência dos quais nós estamos em contato
notáveis em Londres, Cecil e Walsingham, os primeiros motores
que ela os fez livres, há seis gentlemen nobres, todos meus
dessa trama pérfida, estavam ansiosamente esperando para
amigos particulares, quem por zelo vestem a causa Católica e o
saber como ela responderia a carta. O momento de maior
serviço à Vossa Majestade irão a trágica execução.” Resolução
tensão chegou. O peixe estava mordiscando a isca. Seria
ardente, e com entendimento claro dos riscos que estão sendo
tentador engolir tudo e todos os pedaços, ou seria deixado sem
tomados, são feitos claros por essa tola embora cândida carta,
comer? Bem, nós devemos olhar a questão por um momento
a qual toca os corações daqueles que leem após o espaço dos
do ponto de vista de Cecil e Walsingham, pois alguns irão
séculos. Isso tocaria o coração da Rainha Mary também? Ela
admirar embora outros irão condenar seus métodos políticos.
não era provável de ser tão precavida ou mente sóbria como,
Embora os meios que Cecil usou para a destruição de Mary
por covardia, recusar a responder e encorajar aqueles quem
Stuart fossem abomináveis, nós devemos lembrar que esse
eram cavaleiros prontos para devotar a si mesmos aos serviços
estadista estava trabalhando por um ideal. Ele acreditava que
dela.
livrando o mundo dos inimigos hereditários do Protestantismo
E era sobre o ardor e desatenção de Mary Stuart, ele estaria meramente agindo de acordo com uma necessidade
qualidades que ela mostrara tantas vezes, que Walsingham inexorável. Como para Walsingham, a quem o negócio era

282
frustrar tramas contra a sua soberana, nós não devemos representação, de qualquer forma de enganar, essa mulher
esperar que ele fosse mais escrupuloso que seus adversários, extraordinária estava, não obstante, não sem a consciência, e
renunciar a espionagem, e não tolerar nada que pessoas com nunca foi totalmente imoral ou pouco generosa. Nos
padrões mais exaltados considerariam como imorais. momentos decisivos, seus melhores impulsos eram sempre
mexidos. Mesmo agora ela sentia inquietação pelo prospecto
E Elizabeth? Durante a vida ela deu ampla evidência de
das vantagens derivadas de tais práticas. Pois de repente,
se preocupar mais com sua reputação perante o tribunal da
quando seus ministros estavam prontos para guarnecer o
posteridade. Nós devemos supor que nessa ocasião ela sabia
sacrifício, ela fez um movimento estranho em favor da vítima.
como, por trás das cenas, a máquina de assassinar estava sendo
Ela enviou o embaixador da França, quem tinha sido
construída, mais sinistra e perigosa do que qualquer outro meio
instrumentalizado em mensageiro das correspondências de
aceito para a execução pública? Essas práticas repulsivas foram
Mary Stuart de e para Chartley, sem a noção de que aqueles
feitas pelos seus principais conselheiros com o conhecimento e
que ele empregou como mensageiros eram criaturas de
consentimento dela? Um biógrafo de Mary Stuart é forçado a
Walsingham. “Sir,” disse ela a ele sem rodeios, “você está em
inquirir qual parte a Rainha da Inglaterra jogou nessa trama
frequente comunicação com a Rainha da Escócia. Eu quero que
sinistra contra a sua adversária.
você saiba que eu estou ciente de tudo o que acontece no meu
A resposta é que Elizabeth atuou em papel duplo. Nós reino. Eu mesma tenho sido prisioneira, nos dias quando minha
temos evidências claras de que ela sabia das maquinações de irmã Mary governou essa terra como rainha, e assim estou
Walsingham; que desde o começo até o fim ela tolerou, familiarizada com os expedientes estranhos usados por
aprovou e talvez ativamente promoveu a agência provocativa prisioneiros para corromper serventes e efetuar comunicações
de Cecil e Walsingham. História pode nunca a livrar da acusação secretas.” Com essas palavras Elizabeth apaziguou sua
de olhar e talvez assistir enquanto a prisioneira sob seus consciência. Ela enviou um aviso claro ao embaixador francês,
cuidados estava sendo enganada para a destruição. Ainda assim e assim para Mary Stuart. Ela disse o quanto pôde para não trair
eu reitero que Elizabeth não seria Elizabeth se ela não agisse seus empregados. Se Mary não desistisse da sua empreitada,
ambiguamente. Capaz de qualquer falsidade, qualquer Elizabeth poderia lavar suas mãos inocentes e dizer

283
orgulhosamente: “De qualquer maneira eu dei aviso total no Como a chance poderia ser oferecida, em um desses dias
último momento.” quando Mary Stuart estava fora caminhando, ela pegou o sinal
de um patife, e foi atingida pelo seu semblante marcado. Ele
Porém Mary Stuart não seria Mary Stuart se ela
irradiou alegria com a genialidade dela, pois ele sabia que o
permitisse ser amedrontada da sua intenção por um aviso, se
fruto do seu trabalho estava para ser colhido. A esperançosa
ela soubesse agir com precaução e frieza. Ainda assim, para
Mary ansiava que ele fosse um dos emissários dos seus amigos,
começar ela estava contente com o conhecimento curto e
vindo para a vizinhança em ordem de preparar o caminho para
evasivo da carta de Babington – tão curto que seus inimigos
a sua libertação. Porém Phelippes tinha uma tarefa em mãos
estavam desapontados, mas Phelippes reportou a Walsingham:
muito mais urgente e perigosa. Tão logo ele pegou a carta dela
“Nós atingimos o coração dela na próxima.” Ela hesitou por um
do esconderijo, ele se preparou para trabalhar em decifrar.
tempo, e Nau, o secretário dela, urgentemente a aconselhou
Começa com generalidades.
contra o envolvimento dela em tão perigosa questão colocando
a pena no papel. Mas o plano era muito excitante, a Mary Stuart expressa sua gratidão por Babington, e faz
conspiração muito promissora, para Mary Stuart controlar seu três propostas separadas para o corpo principal o qual estava
desejo perigoso por intriga. “Elle s’est laissée aller à trabalhando pelo seu resgate de Chartley. Claro que essas
l’accepter27,” remarcou Nau com preocupação manifesta. Por questões não estavam fora do interesse do espião, mas não
três dias ela se fechou no quarto com seus dois secretários, Nau eram de importância decisiva. Então, contudo, o coração de
e Curle, escrevendo respostas detalhadas a diversas propostas. Phelippes quase parou de bater de deleite, pois ele chegou na
Em 17 de julho, alguns dias depois de receber a carta de passagem que Walsingham tanto desejava, o “consentimento”
Babington, ela despachou suas respostas pela rota habitual no de Mary Stuart ao assassinato de Elizabeth Tudor. Para a
barril de cerveja. observação de Babington que “despachar a usurpadora”
haviam “seis nobres gentlemen, todos meus amigos
Phelippes estava matando o tempo na vizinhança de
particulares,” preparados para “tomar a trágica execução,”
Chartley para que pudesse decifrar essa carta imediatamente.

27
Ela se deixou aceitar isso. (N.T.)

284
Mary replicou ambiguamente: “As questões que estão assim suas repugnantes maquinações tinham sido levadas a
sendo preparadas e forças de prontidão ambos com ou sem o conclusões seguras; mas tão segura era a sua posição que ele
reino, então talvez seja a hora de colocar os seis gentlemen não pôde conter o prazer sombrio de jogar com sua vítima por
para trabalhar, tomando a ordem que, sobre a conquista do mais alguns dias. Se ele enviasse devidamente a carta decifrada
projeto, eu talvez repentinamente seja transportada para fora e copiada de Mary Stuart para Babington, não haveria mau em
desse lugar, e todas as forças de vocês ao mesmo tempo em dar a chance de Babington responder, e talvez assim alcançar
campo para me encontrar e permanecendo para a chegada de itens adicionais para o indiciamento. Algo, entretanto, deve ter
ajuda estrangeira, a qual então deverá se apressar com toda a alertado Babington de que seus mistérios estavam sendo
diligência.” sondados. Ele correu de lá pra cá feito um rato caçado.
Montado a cavalo, ele foi ao interior do aís. Então, como que
O que mais era necessário? Assim Mary Stuart divulgava
sem rumo, ele retornou para Londres e (um toque de
“seu coração,” por aprovar o plano de assassinato de Elizabeth.
Dostoievsky!) visitou Walsingham, aquele que as intrigas
Com o tempo a conspiração de Walsingham atingia os frutos.
estavam jogando com destino dele. Sua intenção óbvia era
Comissários e criaturas, mestres e serventes, poderiam
descobrir, se possível, o que ele suspeitava. Walsingham,
congratular-se entre si, poderiam apertar as mãos uns dos
tranquilo como sempre, revelou nada, e deixou Babington
outros que em breve estariam manchadas de sangue. “Agora
partir sem ser incomodado. Talvez o tolo daria prova adicional
você tem documentos o suficiente,” escreveu Phelippes
por algum ato de estupidez. Babington, contudo, sentiu que a
triunfante à Walsingham. Sir Amyas Paulet, da mesma forma,
atmosfera era ameaçadora. Ele rabiscou um nota para um
sabendo que a execução de Mary Stuart logo o libertaria do seu
amigo, usando palavras heroicas numa tentativa de manter a
trabalho de carcereiro, estava cheio de exultação piedosa.
coragem. “O forno voraz é feito pronto no qual nosso destino
“Deus abençoou meu empenho, “ele escreveu, “e eu alegro-me
será testado.” Ao mesmo tempo ele enviou a última palavra
que Ele tenha assim recompensado meus leais serviços.”
para Mary Stuart, dizendo que ela confiasse e tivesse
Agora, quando o pássaro do paraíso foi pego na teia, esperança.
Walsingham não mais hesitou. Seus plano provou ser sucesso;

285
Agora Walsingham tinha todas as provas que ele tensos. A qualquer momento homens galopariam com o
precisava, e ele bateu forte. Um dos conspiradores foi preso, e relatório de que o esquema tinha sido efetuado com sucesso.
isso mostrou a Babington que o jogo estava perdido. Em uma Hoje, amanhã, ou depois de amanhã, ela faria entrada triunfal
explosão de desespero ele propôs a Savage que se apressassem em Londres, onde ela seria instalada no palácio real. Nos
ao palácio para colocar um fim em Elizabeth. Mas era tarde sonhos ela visualizou os nobres e os gentlemen em roupas de
demais. Os ponteiros de Walsingham já estavam no trilho deles, festa, esperando por ela nos portões da cidade, enquanto os
e somente por um momento o par poderia evadir da captura. sinos tocavam jubilando. Ela não sabia, a coitada, de que os
Para onde eles poderiam fugir? As estradas estavam sinos já estavam jubilando para celebrar o salvamento de
bloqueadas, as portas vigiadas, tinham pouco dinheiro e Elizabeth. Em um dia ou dois seu longo martírio chegaria ao fim;
provisão. Por dez dias eles se esconderam na floresta de St. Inglaterra e Escócia seriam unidas sob sua soberania e toda a
John, a poucas milhas de Londres, embora não longe do Britânia seria restaurada no seio da Igreja Universal.
coração de uma cidade imensa – dez dias de horror. Porém a
Nenhum médico pode prescrever melhor remédio do
fome foi impiedosa, e com o passar do tempo forçou-os a
que esperança para um corpo exausto ou um espírito esgotado.
procurar uma casa amiga, onde eles receberam comida e o
Agora que Mary, sempre crédula e cheia de esperanças, sentia
último sacramento foi ministrado. Então foram presos e
seu triunfo tão perto, ela parecia completamente
levados em correntes pelas ruas de Londres. A única
transformada. Ela estava renovada e rejuvenescida. Com o
misericórdia que esses dois jovens ousados poderiam esperar
passar dos anos ela continuamente sofria de fatiga e exaustão,
nas abóbadas da Torre era a preparação do pescoço, enquanto
assim ela mal podia caminhar a qualquer distância sem sentir
os sinos das igrejas de Londres balançavam em triunfo. A
dores do lado do corpo, e era a mártir do reumatismo, ela foi
população estava acendendo fogueiras para inaugurar a
capaz uma vez mais de jogar-se dentro do selim. Encantada por
procissão para celebrar o resgate de Elizabeth, a conspiração
essa rápida mudança para melhor, no exato momento em que
revelada e frustrada, e a destruição eminente de Mary Stuart.
a conspiração tinha sido destruída ela escreveu ao seu “bom
Enquanto isso em Chartley a prisioneira aproveitava Morgan” como se segue: “Eu agradeço a Deus que Ele não me
algumas horas de estranha felicidade. Os nervos dela estavam

286
deixa tão embaixo, mas eu sou capaz de lidar com besta para esperando. Seriam os seus amigos, Babington e seus
matar de um cervo e galopar no lombo de um cavalo.” associados? A tomada de poder indicada na correspondência
tinha sido um sucesso? Mas, estranhamente, apenas um dos
Estando nesse humor alegre de saúde restaurada, ela
cavaleiros destacou-se do grupo. Devagar e solenemente ele
deu boas vindas ao convite do moroso Sir Amyas (inconsciente,
dirigiu-se até a rainha, curvou-se, ergueu o chapéu. Era Sir
ela pensou, estúpido Puritano que ele era, de que em breve o
Thomas Gorges, pensionista e gentleman da Rainha Elizabeth.
trabalho de carcereiro dele chegaria ao fim!) para participar em
No momento seguinte, a alegria e excitação de Mary Stuart
8 de agosto da caça ao veado organizado por Sir Walter Aston
dissiparam-se, pois Sir Thomas disse a ela em palavras
em seu parque Tixall. O tempo estava instável por uma semana,
insignificantes que a conspiração de Babington fora descoberta,
e não o foi até o dia 16 que Mary, em roupas de caça, foi capaz
e ele estava incumbido de prender os dois secretários dela.
montar, assistida por membros da sua corte, seus dois
secretários, médico, e o próprio Paulet, quem permanecia Mary ficou muda. Qualquer palavra que ela
estranhamente simpático. Paulet, entretanto, estava pronunciasse poderia traí-la. Talvez ela não alcançou a total
acompanhado por força suficiente. Uma manhã gloriosa, sol extensão do perigo, mas a verdade cruel logo seria divulgada
brilhando e quente, os campos fumegando após as chuvas quando ela notou que Sir Amyas Paulet não fez nenhum
recentes. Por semanas, por meses, ela não se sentia tão jovem. movimento para levá-la de volta à Chartley. Ela compreendeu,
Durante todos esses anos melancólicos de aprisionamento ela com o tempo, o significado desse convite para a caçada. Ela
não tinha estado tão alegre como nessa adorável manhã. Tudo tinha sido enganada para sair do seu quarto para que eles
parecia bonito para ela, tudo estava indo bem. Quando a pudessem ser revistados na sua ausência. Sem dúvida que seus
esperança brota no coração, um sentimento de benção cai documentos particulares seriam examinados. As autoridades
sobre a alma. invadiriam a chancelaria a qual ela presidia tão abertamente
quanto se ela ainda fosse a governante soberana e não uma
A cavalgada trotou pelos portões de Tixall Parque. Agora,
prisioneira em terra estrangeira. Ela teve muito tempo para
contudo, o pulso de Mary começa a bater furiosamente. Em
pensar sobre seus erros e tolices, pois ficou detida por
frente ao castelo uma tropa armada de cavaleiros estava
dezessete dias em Tixall sem permissão para escrever ou

287
receber cartas. Ela sabia que seus segredos mais íntimos ocasião na irmandade eterna das mulheres e do infortúnio, fez
tornariam conhecidos de Cecil e Walsingham, que suas tudo o que pôde para ajudar, e (como a Igreja permite fazer em
esperanças tinham sido arremessadas ao chão. Ela tinha sido tais extremos) ela própria batizou o recém-nascido.
jogada a um estágio ainda menor, da posição de prisioneira
Por mais alguns dias Mary Stuart foi detida em Chartley.
para a de acusada criminosa.
Então ordens chegaram para removê-la para uma fortaleza
A mulher que retornou de Tixall para Chartley estava mais segura. O Castelo Fotheringay foi escolhido como sua nova
num humor muito diferente daquela quem, dezessete dias prisão, esse sendo o último de muitos. Seus sonhos estavam
antes, tinha alegremente galopado de Chartley para Tixall. Ela acabados, e logo a vida dela também.
não cavalgou através dos portões lividamente, lança em mãos,
Porém os sofrimentos de Mary durante esses últimos
cercada por amigos leais, mas devagar, muda, acompanhada
meses da vida, embora trágicos, foram mínimos em
somente por guardas e inimigos, fatigada, desapontada,
comparação com as abomináveis torturas infligidas ao jovem
envelhecida, com nada além de miséria no prospecto. Ela ficou
infeliz que se aventurou em nome da rainha aprisionada. A
surpresa ao encontrar seus cofres e gavetas abertos, e que os
maior parte dos historiadores são afetados com o viés da classe,
documentos tinham sido removidos? Não seria natural que os
descrevendo por muitas linhas, e quase sempre
poucos membros da fortaleza de Chartley que permaneciam
exclusivamente, a angústia daqueles quem sentados em bancos
leais a ela dariam as boas vindas com lágrimas de aflição? Ela
de poderosos, os triunfos e tragédias dos governantes da terra.
sabia que tudo estava acabado. Mas um incidente inesperado,
Eles ignoram as ações de crueldade feitas em lugares sombrios,
uma chamada estranha pelos seus serviços, ajudou-a nesses
tormentos infligidos sobre sofredores de notas pequenas –
primeiros momentos de desespero. No quarto dos serviçais
como se as pessoas de posição mais elevada sentissem mais do
tinha uma mulher vivendo a agonia do trabalho de parto, a
que seus “inferiores.” Babington e alguns dos seus
esposa de Curle, seu secretário, quem tinha sido levado para
companheiros (quem menciona os nomes deles nos dias de
Londres para assim testemunhar contra ela e ajudar a destrui-
hoje, embora o nome e o triste destino de Mary Stuart tenha
la. A senhora Curle estava sozinha, nenhum médico para ajudá-
sido imortalizados em incontáveis palcos e inúmeros livros?)
la ou padre para ministrar. A rainha, assim, elevando-se para a

288
enfrentaram em três horas de tormentos hediondos mais do
que Mary Stuart teve que enfrentar em vinte anos de seu
infortúnio. Traidores na Inglaterra naqueles dias eram
sentenciados para serem “enforcados, esboçados, e
esquartejados”: e essa penalidade horrível foi infligida a
Babington e outros com total aprovação de Cecil, Walsingham,
e Rainha Elizabeth. Depois de um enforcamento preliminar o
ofensor era retirado da forca ainda vivo, os órgãos sexuais eram
cortados, ele era desmembrado, e então esquartejado pelo
executor. Entre os sete que assim seriam executados no dia 20
de setembro – Babington era considerado o líder, Ballard, um
Jesuíta, Savage, e quatro outros, estavam dois que eram pouco
mais do que garotos e as únicas ofensas deles eram que eles
tinham dado pão à Babington para ajudá-lo na fuga. Mesmo a
máfia em Londres, não como regra melindrosa, tinha se
entupido de horrores, e reclamou contra a barbaridade da
execução prolongada. No próximo dia, assim, quando a
“justiça” destruiu mais sete ofensores, o procedimento horrível
foi encurtado. De novo, entretanto, o lugar de execução foi
banhado em sangue pelo bem dessa mulher quem o poder
mágico era levar mais e mais jovens para a destruição. Pela
última vez! A Dança da Morte que começou com Chastelard
tinha agora se fechado. Ninguém mais, exceto a própria Mary,
pereceria em nome do seu sonho de poder e grandeza.

289
CAPÍTULO VINTE E DOIS Em 1570, John Knox escreveu a Cecil avisando-o “que, se ele
não cortasse a raiz, os ramos, os quais pareciam quebrados,
poderiam brotar tão rápidos que nenhum homem acreditaria,
Elizabeth Contra Elizabeth e com força maior do que o desejado,” adicionando
( AGOSTO DE 1586 A FEVEREIRO DE 1867 ) enfaticamente, “Deus concede a você sabedoria” e assinando
“John Knox, com um pé na cova.”
Sempre quando a situação exigia tomar medidas afiadas,
Os ministros de Estado de Elizabeth conquistam assim o Elizabeth respondeu: “Eu não posso matar a pomba a qual,
fim. Mary Stuart inocentemente entra na armadilha, deu o seu perseguida por um falcão, voou até a mim por ajuda.” Agora,
“consentimento,” tornou a si mesma “culpada.” Sem levantar contudo, qual escolha sobrava a ela, quando a conspiração de
um dedo, Elizabeth poderia deixar a questão seguir seu curso, Babington (trama de Walsingham!) convenceu-a de que a
então a decisão legal seria dada para tirar a sua perigosa rival escolha que havia era entre a própria vida dela e a de Mary? De
do seu caminho. A luta a qual durava um quarto de século qualquer forma, Elizabeth continuava a se encolher ante a
estava acabada. Elizabeth era a vitoriosa, e poderia regozijar decisão, pois ela sabia que as possibilidades imensas, moviam
tão alegremente quanto seus súditos, quem, nas ruas de ciclos sempre crescentes. É difícil para nós, nos dias de hoje,
Londres e em outros lugares, celebravam o resgate da soberana entender quão novo, quão revolucionário, era o pensamento
e o triunfo da causa Protestante. Mas em cada realização, o de executar Mary a Rainha da Escócia e Ilhas – a noção a qual a
amargo é misturado com doce no copo. Agora, quando hierarquia do mundo ocidental estremecia. Enviar uma rainha
Elizabeth poderia atacar, ela hesitou. Teria sido muito, mas ungida para o cadafalso era uma demonstração simples para a
muito mais fácil atrair a desatenta para a cilada do que era população servil da Europa que mesmo um monarca estava
matá-la quando a armadilha se fechasse nela. Se Elizabeth sujeito à desgraça pelas mãos do executor, e não poderia ser
queria se livrar do inconveniente cativeiro pela força, ela teve considerado como sacrossanto. Assim a decisão de Elizabeth
amplas oportunidades. Quinze anos antes, o parlamento havia implicava, não apenas a desgraça de uma criatura amiga, mas a
solicitado que a Rainha Mary deveria ser morta por machado. desgraça de uma ideia. Por séculos o abate dessa ideia poderia

290
trabalhar a destruição entre os reis desse mundo. A execução Essa proposta era a única forma de evitar a dificuldade,
da Rainha Mary abriria precedente para a execução do Rei abreviar um julgamento público e execução. Pouparia Mary da
Charles I, o neto dela; e a execução do Rei Charles I, por sua vez, humilhação que de outra maneira seria inevitável. Do ponto de
seria o precedente para a execução de Luís XVI e de Maria vista de Elizabeth, proveria uma retaguarda infalível se essa
Antonieta. Assim foi o destino do mundo. Elizabeth, tendo perigosa pretendente ao seu trono consentisse em confessar
grande visão, e um grande senso de responsabilidade, em sua própria caligrafia. Daria a Elizabeth uma firmeza moral
percebeu as implicações de longo prazo da sua decisão. Ela sobre Mary. Daqui em diante Mary, armada pela concessão,
hesitou, oscilou, e procrastinou. Uma vez mais tornou-se ativo poderia partir e viver quieta na obscuridade, e Elizabeth estaria
dentro dela, talvez mais ativo do que nunca, a luta entre razão tranquila na luz feroz que bate sobre o trono. Cada uma das
e sentimento, a guerra de Elizabeth contra Elizabeth. Sempre é duas poderia assumir papéis separados. Não mais Elizabeth
um espetáculo emocionante quando nós contemplamos um ser Tudor e Mary Stuart seriam inimigas e iguais no palco da
humano em luta livre com a consciência. história, pois Mary teria feito penitência de joelhos ante aquela
que graciosamente a perdoara e concedeu a sua vida.
Oprimida por esse propósito bipolar, Elizabeth tentou
evitar o inevitável. De novo e de novo ela recusava-se a decidir; Porém Mary não mais desejava se salvar. O instinto mais
de novo e de novo a decisão fora forçada sobre ela. Assim, uma forte nela era o orgulho, e ela preferiria ajoelhar-se para deitar
vez mais, no último momento, ela tentou usar subterfúgios sua cabeça no cadafalso do que ajoelhar-se ante a protetora,
para colocar a responsabilidade sobre Mary. Ela escreveu uma preferiria dizer uma falsidade absurda do que fazer uma
última carta (sem dúvida escrita embora não tenha chegado até confissão simples, preferiria perecer do que humilhar-se. Ela
nós) na qual ela pede à Mary para uma comunicação assim se fez surda a essa oferta, a qual implicava a depreciação
confidencial, de rainha para rainha. Mary deveria confessar a tanto quanto a salvação. Ela sabia que como soberana
participação na conspiração, e submeter-se a julgamento governante ela havia jogado e perdido. O único poder que lhe
pessoal de Elizabeth, ao invés de ser julgada em corte aberta. sobrara na terra, era colocar a sua adversária Elizabeth no erro.
Desde que ela não pudesse mais prejudicar sua inimiga
diretamente, ela utilizou a arma solitária que ainda permanecia

291
dela, manifestar impiedosamente a culpabilidade de Elizabeth à Elizabeth. Ela queria observar as formas. Aquele que era a
para o mundo morrendo por uma morte gloriosa. liderança vivente descendente da Casa Stuart e (ela mesmo à
parte) também da Casa Tudor deveria ser eliminado no estilo
Mary rejeitou a mão ofertada. Incitada por Cecil e
legítimo de realeza, com pompa e circunstância, com o respeito
Walsingham, Elizabeth foi forçada a adotar o curso que ela
e reverência justo a mulher quem tinha sido soberana reinante.
abominava. Para dar ao julgamento proposto uma justificação
Ela não deveria ser tergiversada para fora do caminho por um
legal, os advogados da coroa foram convocados, e os
veredicto de alguns fazendeiros e comerciantes. Elizabeth
advogados da coroa costumam encontrar boas bases legais
declarou raivosa: “Isso seria um procedimento estranho para se
para aquilo que a portadora da coroa deseja fazer. Ativamente
tomar contra uma princesa. Eu julgo legítimo evitar tais
eles buscaram por precedentes, mostrando que, antes disso,
absurdidades, e confio o exame da questão de tal importância
reis e rainhas tinham sido julgados perante cortes; que a
a um número suficiente das pessoas mais nobres dessa terra.
acusação de Mary não era uma violação manifesta com a
Pois nós o principado estamos no palco do mundo com todos
tradição, não algo inteiramente novo no mundo. Os exemplos
os olhares do mundo.” Um julgamento real, uma execução real,
que eles foram capazes de descobrir não foram muito
um enterro real era o direito de Mary Stuart, e assim Elizabeth
impressionantes; Cajetanus, um tetrarca obscuro, quem tinha
selecionou quarenta e seis comissários entre os mais nobres e
sido morto quinhentos anos antes; Licinius, cunhado de
mais distintos do seu reino.
Constantino, igualmente desconhecido; finalmente Conradin
de Hohenstaufen e Joana de Nápoles – esses foram os únicos Mary Stuart, entretanto, não estava inclinada a permitir-
soberanos que poderiam ser mostrados por terem perdido suas se ser examinada ou sentenciada por nem mesmo os súditos de
vidas através de uma decisão judicial. Pela servidão, os sangue mais azul da sua irmã-rainha. Quando, em 11 de
advogados da coroa foram longe, a ponto de declarar que a outubro de 1686, Mary doente de cama, introduziu Sir Mildmay
corte de nobres proposta por Elizabeth era supérflua. Eles e Barker, o notório, no seu quarto de dormir, para entregar a
sustentaram que seria suficiente, como o crime de Mary Stuart carta da Rainha Elizabeth, à qual anunciava a decisão de levá-la
foi cometido em Staffordshire, colocá-la ante a um júri comum a julgamento perante os comissários. Mary explodiu indignada:
do país. Essa decisão democrática não caiu nem um pouco bem “Não sabe a sua senhora que eu sou uma rainha de

292
nascimento? Ou pensa ela que eu irei prejudicar minha posição simbolizar a presença invisível da rainha da Inglaterra, como a
e estado, o sangue o qual eu descendo, o filho quem irá me autoridade suprema. À direita e à esquerda estavam
suceder, e a majestade de outra princesa, para obedecer às enfileirados em ordem de procedência os vários comissários;
ordens dela? Minha mente ainda não está tão deprimida, nem em frente a eles estava a mesa para o uso do conselho de
irá afundar ou apagar sob essas minhas adversidades.” acusação, o juiz presidindo, advogados, e auxiliares. Mary
entrou, sendo apoiada de um lado pelo seu médico,
Mas, por uma lei eterna, caráter é destino, e nem boa
Bourgoigne, e no outro por Andrew Melville, seu mestre da
sorte ou má pode mudá-la completamente. Os méritos e
casa. Como habitual ao longo dos anos de aprisionamento, ela
defeitos de Mary permaneceram os mesmo pela vida. Sempre,
estava vestida em preto. Ao entrar, ela olhou
em momentos de graves perigos, ela poderia reagir com
desdenhosamente ao redor da assembleia e disse, com
extraordinária dignidade; mas sempre, no fim, ela se mostraria
desprezo: “Quantos advogados estão aqui, a nenhum deles me
muito indiferente, muito inerte, para defender-se resoluta e
representa.” Então ela fez seu caminho até a cadeira reservada
persistente contra pressão prolongada. Assim como, na
a ela, não embaixo da marquise real, mas alguns assentos
Conferência de York, ela abandonou a posição forte da sua
depois do trono vazio. A “soberania,” a suserania da Inglaterra
reclamação à soberania inviolável, e tinha desistido da única
sobre a Escócia, à qual a terra nortenha repudiara
arma que Elizabeth temia, foi da mesma forma agora. Na
persistentemente, estava aqui simbolizada pela posição mais
manhã de 14 de outubro, Mary declarou ser a sua vontade
elevada do trono de Elizabeth. Mary não poderia deixar isso
aparecer ante aos comissários – e ela assim admitia a jurisdição
passar sem protesto. “Eu sou uma rainha por nascimento, e fui
da corte da Rainha Elizabeth.
a esposa do rei da França. Meu lugar deveria ser lá,” disse ela
Nesse décimo quarto dia de outubro de 1686 um grande apontando para o assento vacante embaixo da marquise.
espetáculo foi encenado no corredor do Castelo de
Os procedimentos estavam formalmente abertos. Igual
Fotheringay. No final de uma sala grande tinha sido preparado
à York e em Westminster, assim agora, as considerações legais
um trono, com a marquise e a cadeira de Estado sobrepujada
mais primitivas foram desconsideradas. Como nas
com o brasão da Inglaterra, depois da forma do trono, para
conferências, muitos anos antes, a testemunha principal, o

293
serviçal de Bothwell, havia sido executo com pressa suspeita, cometido em York e Westminster. Ela não se restringiu a
assim nessa ocasião Babington e seus associados que também protestar contra certas circunstâncias suspeitas na acusação,
tinham sido jogados para fora do mundo antes do julgamento mas negou as acusações, tentando assim refutar o irrefutável.
de Mary começar. Nada além de supostas confissões, exortadas Ela começa negando todo o conhecimento de Babington, mas
sob medo de morte eminente, foram levadas perante a corte. foi compelida, no segundo dia de julgamento, sob o estresse
Por uma exemplar violação de justiça, mesmo as cartas das provas colocadas, a admitir que ela estava familiarizada
incriminadoras sobre as quais tanto estresse foi colocado, as com ele por correspondência. Esse repúdio errado, o qual ela
correspondências de Mary Stuart para Babington e de foi forçada a recuar, enfraqueceu a sua posição moral, e era
Babington para Mary Stuart, não foram lidas em voz alta direto tarde demais para retornar ao ponto antigo, exigir “como
das reputadas originais, mas de transcrições. Mary Stuart rainha” o direito de ser acreditada na força da palavra real. Não
protestou contra esse uso dos deciframentos de Phelippes. adiantou para ela exclamar: “Eu vim para essa terra confiando
“Não,” disse ela, “traga-me a minha própria escrita: qualquer na amizade e promessas da Rainha da Inglaterra, quem me
coisa para se adequar a um propósito pode ser colocado no que enviou um símbolo de que eu poderia confiar.” Os juízes de
vocês chamam de cópia. Além disso, é uma questão fácil Mary não estavam testando seu direito, o qual é eterno e
falsificar cifras e caracteres, se outros possuem o alfabeto inviolável, deve prevalecer, mas simplesmente assegurando a
usado por tal correspondência.” Então ela foi no miolo do plano paz enquanto durar para à sua própria rainha e próprio país. O
de Walsingham para a sua destruição. veredito já estava armado antes do julgamento; e quando, no
dia vinte e cinco do mês, os comissários na Star Chamber em
Legalmente, a Rainha da Escócia tinha base para uma
Westminster, apenas um deles, Lorde Zouche, fora ousado ao
defensa vigorosa dentro dessa linha aqui indicada, e se ela
declarar-se não convencido de que a rainha escocesa “tinha
tivesse sido representada por conselheiros muito estresse teria
circundado, praticado, ou imaginado” a morte de Elizabeth.
sido colocado sobre a questão. Mas Mary estava sozinha
Assim o veredito foi roubado do charme da unanimidade,
perante os juízes, ignorante das leis inglesa, desconhecendo
porém todos os outros comissários decidiram subservientes
quais materiais incriminadores poderiam ser produzidos contra
como lhes havia sido indicado. Prontamente o escrivão se pôs a
ela, e, para o desastre dela, ela cometeu o erro que já havia

294
trabalhar, escrevendo no pergaminho a decisão do tribunal de tribunal era alto e inexorável na aclamação “Morte, Morte,
que “a supracitada Mary Stuart, pretendente a coroa desse Morte.” O Lorde do Tesouro, o Conselho Particular, os amigos
reino da Inglaterra, tinha aprovado e inventado diversos planos mais próximos de Elizabeth (tal como Leicester), os lordes, e os
para o propósito de machucar, destruir, ou matar a real pessoa plebeus – um e todos considerando que a execução de Mary
da nossa soberana lady a Rainha da Inglaterra.” Parlamento já Stuart era a única maneira de garantir tranquilidade para o
havia decretado que a punição por tais conspirações contra a reino e paz na mente e segurança da rainha. As duas Casas do
vida de Elizabeth era a morte. Parlamento endereçaram a Rainha, a Graciosa Majestade,
pregando que a sentença de morte fosse executada contra
Era a incumbência dos nobres presentes proferirem o
Mary Stuart: “Nós não podemos achar que existe outra forma
veredito e passar a sentença. O veredito era “culpada,” e a
possível de prover segurança a Vossa Majestade além da justa
sentença de morte. Elizabeth, entretanto, era a incorporação
e rápida execução da citada rainha, a negligência pode trazer
do poder mais elevado do reino, e poderia exercer o humano,
duros descontentamentos e punição do Todo Poderoso Deus.”
o generoso direito de clemência. Com ela finalmente a escolha
da sentença de morte seria levada a cabo ou anulada. Uma vez Para Elizabeth essa insistência foi bem-vinda. Ela queria
mais uma escolha que ela odiava era forçada sobre ela. O que que o mundo todo soubesse que ela pessoalmente não
ela poderia fazer? De novo Elizabeth se ordenava contra desejava colocar um fim em Mary Stuart, mas a nação inglesa
Elizabeth. Como nas tragédias dos antigos gregos os exigia sobre ela a necessidade de efetuar a sentença. Mais altas,
dramaturgos alternavam o refrão da direita para a esquerda na mais simples as vozes condenatórias, melhor. Então seria dada
principal consciência ferida, proferindo estrofe e antístrofe, a oportunidade de atuar na grande ária de clemência e
assim agora Elizabeth ouvia vozes de sim ou não, algumas humanidade sobre o palco do mundo; e, sempre atriz atuante,
implorando para ela fosse inflexível, e outras implorando para ela fez o melhor da sua chance. Ela fervorosamente recebe a
ela ser misericordiosa. Acima de todos olhando invisível o juiz exortação do parlamento, humildemente agradecendo ao Todo
supremo das ações humanas, a História, a voz silenciosa Poderoso Deus que por Sua vontade ela havia se libertado do
enquanto os atores ainda vivem, e quem dita o veredito apenas perigo da morte. E então depois, falando em tons altos, ela
quando a cortina cai para sempre. O refrão da asa direita do

295
endereçou-se ao mundo e ao tribunal da história, desejando fraqueza é rapidamente registrada, assim nós devemos ser mais
renunciar à responsabilidade pelo destino de Mary Stuart. diligentes do que outros e que nossas ações mais justas e
honradas.” Por essa razão ela implora ao parlamento que a
“Embora a minha própria vida estava em tal perigo de
desculpe por não ter uma decisão imediata, vendo que “é a
morte, eu confesso que nada me causa mais agonia do que o
minha vontade, mesmo em questões de importância menores,
meu próprio sexo, de uma posição igual e nascimento, e tão
deliberar antes de chegar a uma decisão final.”
próxima de mim pelo sangue, tenha sido culpada de crime tão
grandioso. Até agora eu não tenho sido movida por malícia que, Essa ladainha foi falsa ou verdadeira? Ambos; pois, para
imediatamente após a divulgação de certos procedimentos repetir, Elizabeth era bipolar. Ela queria estar livre da sua
traidores contra a mim, eu escrevi a ela em privado para o adversária, mas ao mesmo tempo desejava posar perante o
efeito de que se ela confessasse a sua culpa a mim em uma mundo como magnânima e clemente. Vinte dias depois ela
carta em particular tudo seria resolvido em silêncio. Eu não enviou Cecil para inquirir se era possível poupar a vida de Mary
escrevi a ela em ordem de levá-la a uma armadilha, pois eu já Stuart e assegurar a sua própria. Uma vez mais o Conselho
estava totalmente informada de tudo o que ela poderia admitir. Privado e o parlamento garantiram a Rainha Elizabeth que não
Mas agora, quando a questão chegou a esse ponto, mesmo havia outro caminho fora da execução da Rainha Mary. Vamos
agora, se ela abertamente admitisse a sua penitência, e se agora ouvir mais uma vez Elizabeth. Nessa hora as palavras dela
ninguém em nome dela aceitasse a causa dela contra mim, eu sem dúvida têm o aro da verdade. “Eu estou nesse dia em
prontamente a perdoaria, pois não há nada mais em jogo do conflito comigo como nunca antes na minha vida, mesmo que
que a minha própria vida, e nada mais seguro e próspero do que eu fale ou fique em silêncio. Se eu falo e reclamo, serei a
o meu reino. E é para esse bem e pelo meu povo que eu desejo hipócrita; se eu permaneço em silêncio, todas as suas dores
continuar vivendo.” Então vem uma franca admissão de que terão sido em vão. Pode parecer estranho a vocês que eu
sua hesitação é determinada pelo pavor do veredito da história. reclame, mas eu devo confessar que tem sido o meu desejo
“Pois nós principado estamos, da forma que é, sobre um palco, mais íntimo encontrar uma via para conquistar a vossa
expostos aos olhares curiosos do mundo. A menor partícula segurança e a minha própria do que esta que tem sido proposta
sobre nosso traje é noticiada, qualquer que seja a nossa . . . Como, entretanto, tem agora sido determinado que a minha

296
segurança não pode ser garantida de nenhuma outra maneira contra Deus ao tocar a cabeça de uma rainha ungida. Como
do que pela morte dela, estou profundamente triste que eu, Elizabeth, atuando no jogo vai-não-vai como habitual,
tendo perdoado tantos rebeldes e passado por tantos atos de responderia apenas com meias palavras de garantias e elocução
traição em silêncio, sou compelida a mostrar crueldade à uma ambígua, o emissário subiu o tom. O que primeiro contato tinha
princesa da posição mais elevada.” Lendo entre linhas, nós sido nada mais do que um pedido se tornou avisos imperiais, e
podemos ver que ela apenas está pedindo para ser muito bem então ameaças abertas. Elizabeth, entretanto, treinada por
persuadida. Mas, ambígua como sempre, ela não pode proferir quase três décadas de trono nas complexidades da vida política,
um simples Sim ou Não, pois ela conclui com as palavras: “Eu teve uma boa audiência. Quando ela endereçou nesse tom
imploro a vocês que se contentem com a resposta a qual não é emocionado, ela escutava apenas uma coisa, saber o que, nas
resposta. Eu não compartilho com a vossa opinião, eu entendo dobras das suas togas, os diplomatas escondidos entre os
a vossa razão, e eu vos imploro que aceitem a minha gratidão, comissários possuíam para romper ligações e declarar guerra.
desculpem as minhas dúvidas interiores, e não tomem por Ela foi rápida em perceber que por trás das palavras altas e
errado que eu enviei a vocês para responder o que não tem barulhentas não havia brasão de estrondo, que nem Henry III
resposta.” ou Philip II estavam preparados para empunhar a espada e
soltar os cachorros de guerra tão logo o machado caísse sobre
As vozes à direita falaram. Eles clamaram Morte, Morte,
o pescoço de Mary Stuart.
Morte. Mas as vozes à esquerda, as vozes em ressonância com
os melhores sussurros do coração dela, também falavam alto. Assim ela se contentou em dar de ombros para a
O Rei da França enviou um emissário especial para conversar diplomacia de trovão encenada pela França e Espanha. Ela
sobre o interesse em comum dos monarcas. Ele lembrou a tinha, sem dúvida, que mostrar mais precaução em confiar no
Elizabeth que por defender a inviolabilidade de Mary ela estaria outro lado da objeção, a Escócia. Pois se alguém na terra
defendo a si mesma; ele exortou a ela a não esquecer que a consideraria um dever sacro prevenir a execução da Rainha da
primeira regra para quem deseja reinar bem e feliz é evitar Escócia em terra estrangeira, era James VI, pois o sangue o qual
banho de sangue. Ele relembrou que o direito à hospitalidade estava para ser derramado corria dentro da sua própria veia,
era sacro entre todas as nações. Elizabeth não deveria pecar desde que a mulher que estava para ser a vida tirada, quem

297
tinha dado a sua vida, sua mãe. Não que James era de ser quanto o parlamento escocês exigira, e declarar a intenção de
tocado por afeição filial. Tendo se tornado pensionista de guerra contra Inglaterra caso a execução fosse executada.
Elizabeth e aliado, parecia a ele que a mãe quem negou o seu Ainda assim, ele sentou-se na escrivaninha, escreveu um
título real, quem tinha invocado maldições a ele, e tentou despacho enérgico à Walsingham e enviou um embaixador para
vender a sua herança à monarca estrangeiro era nada além de Londres.
um obstáculo no seu caminho. Assim que ele ouviu sobre a
Claro que Elizabeth esperava os protestos dele. Aqui, da
descoberta da conspiração de Babington, ele enviou
mesma forma, ela não observou o valor nominal, mas escutou
felicitações a Rainha Elizabeth; e quando o embaixador francês,
o tom fundamental. Os deputados de James VI constituíam dois
procurando-o engajado na sua favorita ocupação de caçada,
grupos. Os oficiais, aqueles que em público, faziam exigências
implorou a ele que usasse a influência em nome da sua mãe, o
reiteradas e barulhentas para a anulação da sentença de morte.
jovem James respondeu com raiva “qu’il fallait qu’elee but la
Eles sacudiram as espadas, cuspiram ameaças e carnificinas, e
boisson qu’elle avait brassée” – que ela beba da poção que
entre eles aqueles nobres que exibiam o fervor de nacionalismo
preparou. Ele declarou que recitou um pouco de “o quanto ela
genuíno. Eles não suspeitaram que, enquanto vociferando
estava sendo vigiada na prisão, e todos os seus serviçais
essas ameaças no salão de recepção real, por trás da cena outro
estavam sendo enforcados.” A melhor coisa seria que no futuro
agente, um representante confidencial de James VI, tinha sido
ela confinasse a sua atenção em rezar a Deus. Não era problema
admitido no apartamento particular da Rainha Elizabeth, para
dele; e, de fato, o filho cabeça dura recusou por um tempo a
negociar com ela, na quietude, sobre uma questão muito
até mesmo enviar um embaixador para Londres. Não até que a
diferente, a qual era muito mais importante ao Rei da Escócia
sua mãe fosse condenada à morte, e o sentimento nacionalista
do que a vida da sua mãe, nomeadamente o reconhecimento
resplandecesse na Escócia porque a rainha de terra estrangeira
dele como herdeiro ao trono da Inglaterra. Nós sabemos pelo
estava para matar a monarca ungida escocesa, foi só então que
embaixador da França, quem estava bem informado do que
o jovem percebeu o quão pobre a figura dele seria se ele
estava acontecendo, que esse enviado secreto de James VI
permanecesse inerte. Pelo bem da aparência, pelo menos, ele
estava incumbido de dizer à Elizabeth que, se James estava
deveria fazer alguma coisa. Ele não iria, certamente, tão longe
proferindo ameaças barulhentas, isso era feito apenas “por sua

298
honra e reputação.” Elizabeth não deveria tomar a violência Elizabeth sabia agora que nem a França nem a Espanha
dele pela “parte doente.” Assim Elizabeth foi simplesmente nem a Escócia, nem ninguém mais no mundo todo, iria
informada do que provavelmente não era novidade a ela, perturbá-la na decisão sincera de que “a questão deve chegar
apontar que James VI, longe de estar indignado com a ao fim.” Havia apenas uma única pessoa quem, talvez, poderia
perspectiva da execução da sua mãe, estava preparado para salvar Mary Stuart – a própria Mary Stuart. Ela precisava apenas
“digerir” se somente estendesse a ele a sedução de uma pedir por perdão, e é provável que Elizabeth ficaria satisfeita
promessa ou meia promessa da sua sucessão ao trono. As com esse triunfo. Do fundo do coração ela estava esperando
negociações agora estão no máximo do caráter desagradável. A por tal apelação, a qual poderia salvar a sua consciência ferida.
inimiga principal de Mary Stuart e seu único filho estavam Todo o possível foi feito durante essas últimas semanas para
juntos, ambos movidos pelo mesmo propósito obscuro, pois os quebrar o orgulho de Mary. Tão logo a sentença foi dada,
dois desejavam secretamente tirar Mary Stuart do caminho, Elizabeth pediu a Sir Amyas Paulet que informasse a prisioneira
trabalhando somente para que o mundo não soubesse com do que aconteceu, assim essa oficial árido e ponderado, quem
quais sentimentos eles estavam animados. Eles queriam ela mais que tudo era repulsivo pela sua impecabilidade, pegou a
morta, mas tinham que, ante aos olhos do público, agir como oportunidade de afrontar a condenada, quem para ele era nada
se desejassem protegê-la. Na realidade Elizabeth não estava mais, agora, do que “une femme morte sans nulle dignité 28.”
tentando proteger a vida da sua “irmã,” nem James VI a da sua Ele colocou seu chapéu na cabeça e sentou-se na presença dela,
mãe, cada um deles estava apenas preocupado em manter a exibindo malevolência estúpida daqueles que se deleitam com
boa aparência “no palco do mundo.” James há muito mostrava a desgraça alheia; ele ordenou aos seus serventes que
claramente que ele não colocaria dificuldades para Elizabeth destruíssem a marquise de Estado decorada com o brasão da
mesmo que o pior acontecesse, assim dando a ela mãos livres Escócia. Os atendentes dela se recusaram a obedecer as ordens
para execução da sua mãe. Antes que Elizabeth enviasse Mary dele, e quando Paulet colocou seus próprios servos para fazer
para a morte, o filho de Mary a sacrificou. o trabalho sujo, Mary pendurou um crucifixo no lugar onde
estava brasão da Escócia, para mostrar que um poder maior do
28
Uma mulher morta sem dignidade. (N.T.)

299
que a Escócia olhava por ela. À cada afronta ditatorial ela estava encontrar nada além de crueldade vinda de puritanos, quem
pronta para responder com gesto tocante. “Eles ameaçaram me são nesse momento, Deus sabe! A primeira em autoridade e a
matar se eu não pedir por perdão,” ela escreveu aos seus mais amarga contra mim . . .
amigos, “mas eu respondi que se eles já determinaram a minha
“Então, Madame, por causa daquele Jesus a cujo nome
morte, eles devem consumar a injustiça quando eles
todos os poderes se curvam, eu exijo que você ordene, que
quiserem.” Deixe Elizabeth assassiná-la; muito pior para
quando meus inimigos saciarem sua sede negra pelo meu
Elizabeth! Melhor uma morte a qual humilhará a sua adversária
sangue inocente, você permitirá que meus pobres desolados
no tribunal da história, do que aceitar uma clemência fingida a
serventes levem meu corpo para enterrar em solo sagrado, com
qual investiria Elizabeth com a aura de magnanimidade. Ao
as outras rainhas da França, minhas predecessoras,
invés de protestar contra a sentença de morte ou implorar por
especialmente próxima da última Rainha, minha mãe . . . Não
graça, como uma Cristã sincera ela humildemente agradeceu a
recuse-me esse último pedido, que você permitirá livre
Deus por toda a sua misericórdia. Mas para Elizabeth ela
sepulcro para esse corpo quando a alma estiver separada, a
respondeu orgulhosamente de rainha para rainha:
qual quando unida nunca pôde obter liberdade para viver em
“Agora que eu fui informada da sua parte da sentença da repouso, tal como você procuraria para você mesma – contra o
sua última reunião com o parlamento, Lorde Buckhurst e repouso o qual, perante Deus eu falo, eu nunca tentei um golpe;
Mestre Robert Beale tendo me admoestado para preparar o fim mas Deus concederá a você a verdade de tudo após a minha
da minha longa e exaustiva peregrinação, eu imploro para morte.
devolver a você agradecimentos da minha parte por essas
“E por causa do meu pavor da tirania desses cujo poder
alegres notícias, e suplicar a você que me conceda certos
você me abandonou, eu exijo que você não permita que a
pontos da quitação do meu corpo . . . Como um último pedido,
execução não seja feita sem o seu conhecimento, não pelo
o qual eu tenho, pensei que por muitas razões eu deveria pedir
medo do tormento, o qual estou pronta para sofrer, mas na
a você sozinha, eu imploro a você que concorde com essa
conta dos relatórios os quais serão levantados acerca da minha
última graça pois eu não gostaria de estar em débito com
morte desprotegida, e sem outras testemunhas além das quais
nenhuma outra, desde que eu não tenho esperanças de

300
infligirão o ato, quem, eu estou persuadida, serão de qualidades quando ela assinou a sua garantia de morte. Mary estava com
muito diferentes daqueles partes as quais eu peço (sendo meus menos medo de ser morta do que Elizabeth estava de matar.
serventes) que fiquem para o espetáculo e testemunhem meu Há muito Mary estava cansada da sua peregrinação terrena, e
fim, em face do nosso Sacramento, do meu Salvador, e em almejava pelo descanso eterno. Ela passou suas horas em sérias
obediência à Sua Igreja. E depois que tudo tiver acabado, que preparações para o seu fim. Ela fez a sua vontade, dividindo
eles juntos devam carregar meu pobre corpo (em segredo se seus bens terrenos entre sua equipe doméstica; ela escreveu
você quiser), e rapidamente recuar, sem levar com eles nenhum cartas aos seus colegas, ou àqueles que haviam sido seus
dos meus bens, exceto aqueles os quais na minha morte eu colegas quando ela ainda estava no trono; não mais para incitá-
deixe à eles, os quais são pequenos pelo longo e bom serviço. los para enviar exércitos e equipamentos para a guerra, mas em
ordem de garantir que ela estava pronta para morrer na fé
“Eu peço essas coisas, pelo nome de Jesus Cristo, e em
Católica e para a fé Católica. Esse coração incansável tinha
respeito pela nossa consanguinidade, e pelo bem do Rei Henry
encontrado a paz. Medo e esperança, “os piores inimigos do
VII, seu avô, e meu, e pela honra e dignidade que nós duas
homem,” como Goethe os chamavam, não mais perturbariam
temos, e pelo nosso sexo em comum. Assim eu imploro que
o espírito dela. Igual a irmã dela no infortúnio, Maria Antonieta,
você conceda meus pedidos . . .
estava sob a sombra da morte eminente que a Rainha da
“Sua irmã e prima, Escócia e Ilhas descobriu a sua tarefa verdadeira. O senso de
responsabilidade histórica dissipou sua prévia indiferença. Ela
“Injustamente
não pensou na possibilidade de perdão, mas queria apenas
prisioneira, Marie (Royne).”
morrer uma morte impressionante, para triunfar no último
Estranhamente, e ao contrário de todas as expectativas, momento. Ela sabia que nada além de um fim dramático e
os papeis estavam trocados durante os últimos momentos heroico poderia fazer com o mundo perdoasse os trágicos erros
dessa luta tão duradoura. Depois que Mary Stuart foi informada da sua vida, e nada teria a maior garantia a ela do que uma saída
de sua sentença de morte, a sua autoconfiança retornou. Seu digna.
coração batia imperturbável; mas a mão de Elizabeth tremia

301
Um contraste extraordinário da dignidade e compostura perpetuamente as vantagens e desvantagens de ato tão
da mulher condenada no Castelo de Fotheringay foi mostrado conspícuo. Para o desespero dos seus conselheiros, ela
pela incerteza, petulância, a perplexidade, as explosões de ira colocava a sua decisão com ambiguidade, irritada, nervosa, e
de Elizabeth em Londres. A mente de Mary Stuart estava frases ininteligíveis, sempre evasiva. “Com fraqueza para falar,
composta e tranquila, onde Elizabeth ainda estava lutando por Vossa Majestade deixou tudo até não sei quando,” reclamou
uma decisão. Nunca a Rainha da Inglaterra havia sofrido tanto Cecil, quem, frio e racional, não conseguia entender a agonia da
nas mãos da sua rival Rainha da Escócia do que quando essa alma torturada de Elizabeth. Apesar de colocar um carcereiro
última esperava indefesa por uma injusta condenação. duro para Mary Stuart, ela mesma estava atracada a um mais
Elizabeth não conseguia dormir; ela passava dia após dia em duro ainda, o mais cruel na terra, a sua consciência. Essa luta de
silêncio melancólico; o espírito dela estava obsessivo com o Elizabeth contra Elizabeth, essa inabilidade em decidir se
problema intolerável se ela deveria ou não dar a cabo da deveria escutar a voz da razão ou a voz de humanidade, durou
sentença. Ela tentou empurrar de lado como Sisyphus rolou sua por três meses, quatro meses, cinco meses, por quase meio
pedra montanha acima, mas sempre rolava de volta ano. Seus nervos estavam esgotados, e é natural que a decisão
esmagando-a. Em vão os ministros de Estado se dirigiam a ela; final, quando chega, deve tomar a forma de uma explosão.
ela conseguia ouvir apenas a voz da sua própria consciência.
Quarta-feira, 1 de fevereiro de 1587, William Davison,
Rejeitando uma proposta atrás da outra, continuamente
secretário particular da Rainha Elizabeth (Walsingham, por
pedindo por outras novas. Cecil achou que ela estava “tão
sorte ou astúcia, estava indisposto durante esses dias), nos
mutante quanto o tempo”; algumas horas ela estava para a
jardins de Greenwich, foi inesperadamente informado pelo
morte, em outras para o perdão; de novo e de novo ela pedia
Almirante Howard que a Vossa Majestade precisava dos
aos amigos se não havia alguma alternativa, do fundo do seu
serviços dele imediatamente, e que ele deveria levar o
coração ela sabia que não poderia ter. Se somente isso pudesse
documento de garantia de morte de Mary Stuart para assinar.
acontecer sem o conhecimento dela, sem a ordem expressa
Davison procurou o documento, o qual tinha sido escrito por
dela, fosse feito por ela e não através dela! Ela lutava
Cecil com suas próprias mãos, e enviou com outros papéis para
febricitante para evadir da responsabilidade, pesando
a rainha. Porém, estranhamente, Elizabeth, a grande atriz,

302
agora parecia estar com nenhuma pressa para assinar. Ela fingiu deixando Davison sem dúvidas de que a Vossa Majestade havia
indiferença, conversou com Davison sobre outros assuntos, se decidido. O fato que a rainha não mais tinha a intenção de
olhou para fora da janela, e percebeu que bela e iluminada saber todos os detalhes da questão foi mostrado pelas
manhã de inverno. Então ela perguntou casualmente ao instruções dela a Davison. A execução era para acontecer no
secretário (ela tinha mesmo esquecido que pediu a ele para grande salão do Castelo de Fotheringay, pois nem o tribunal
levar o documento de garantia de morte?) quais papéis frontal ou interior era apropriado. Ela reiterou a exigência por
estavam na mesa. Davison respondeu, “instrumentos para a segredo enquanto assinava o documento. Mas tendo sido capaz
assinatura de Vossa Majestade,” e entre eles um o qual Lorde de decidir parece que fora aliviada da tensão. Isso a colocou em
Howard especialmente pediu que levasse. Elizabeth os pegou e alegre humor. Ela sorriu quando Davison contou a ela que,
assinou rapidamente sem olhá-los, incluindo, é claro, a garantia quando Walsingham soube o que ela havia feito, “a dor dela
de morte de Mary Stuart. Isso estava de acordo com o plano, estava perto de matá-lo.”
assim ela poderia fingir, mais tarde, que ela assinou o papel
Davison acreditava que suas instruções tinham acabado.
fatal sem suspeitar que ele estava entre documentos de
Ele curvou-se e dirigiu-se para a porta. Elizabeth, contudo,
importância menor. Mas então veio uma das suas mudanças de
nunca decidia sem hesitação, e aqueles quem pensaram que ela
cata-vento. O próximo comentário dela mostra que ela sabia
tinha acabado estavam aptos a perceber que fora um erro. Ela
muito bem o que ela estava em cima, pois ela garantiu a
chamou Davison de volta da porta, a sua alegria tinha passado,
Davison que ela atrasou por tanto tempo em assinar a garantia
e sua sincera ou fingida resolução estava dissipada. Inquieta a
em ordem de mostrar claramente que seu assentimento era
rainha andava de lá para cá na sala. Tinha outro caminho? Além
quase sem vontade. Ainda assim, agora que estava assinado,
de tudo, os “Membros da Associação” tinham jurado matar
ele deveria levar a Cecil, para que o Grande Selo fosse posto.
qualquer um que atentasse contra a vida dela. Como Sir Amyas
“Faça isso secretário, ela adiciona, “pois pode ser perigoso para
Paulet e seu companheiro Sir Drury em Fotheringay eram
mim se fosse conhecido antes que a execução de fato seja
membros da “Associação,” não seria o dever inquestionável
efetuada.” Quando o documento fora selado, estava para ser
deles o ato, e aliviá-la, a rainha, do ódio da execução pública?
efetivado pelas partes apropriadas. As ordens foram claras,
Deixe Walsingham escrever ao par nesse sentido.

303
O digno Davison se torna inquieto. Estava muito claro a sabendo como vocês a indisposição dela em derramar sangue,
ele que a rainha desejava o ato feito sem que ela tomasse parte. especialmente aquele do mesmo sexo e qualidade, e tão
Alguém poderia supor que o secretário estava arrependido de próxima a ela de sangue como a citada rainha o é.”
testemunhar essa importante conversa. Ainda assim, o que ele
Mal a carta chegou ao Sir Amyas Paulet, e certamente a
poderia fazer? As ordens dele eram simples. Assim primeiro ele
resposta de Fotheringay não tinha voltado a Londres, quando
foi até Cecil; o Grande Selo estava fixado no documento; então,
uma mudança de ventos chegou em Greenwich. Na manhã
ele foi até Walsingham, quem imediatamente compôs a carta
seguinte, quinta-feira, um mensageiro bateu à porta de Davison
para Sir Amyas Paulet no sentido desejado. Vossa Majestade,
com um bilhete da rainha. “Se o secretário ainda não pegou o
disse Walsingham, “nota em vocês uma falta de cuidado e zelo
documento com o chanceler para a fixação do Grande Selo,
pelos serviços dela que ela olha para vossas mãos . . . que vocês
deixe-o esperar até que Vossa Majestade tenha uma conversa
nesse tempo todo (sem outras provocações) não encontraram
com ele.” Davison apressou-se até a rainha e disse-lhe que,
nenhuma forma de encurtar a vida da rainha, considerando o
como fora ordenado, ele já tinha o documento de garantia de
grande perigo que ela está sujeita a todo o momento, enquanto
morte selado. Elizabeth mostrou seu descontentamento
a rainha citada vive.” Especialmente os receptores da carta
claramente, mostrando pela expressão do seu rosto; porém
deveriam ter em mente que eles tinham “documento e boa
não culpou Davison com palavras e, acima de tudo, não
base” para satisfazer às respectivas consciências perante Deus
ordenou a ele que trouxesse o documento assinado e selado de
e colocar o crédito e reputação perante ao mundo, “no
volta. Ela reclamou mais uma vez dos novos fardos que
juramento da associação a qual ambos tão solene tomaram e
continuamente estavam sobre os seus ombros. Incansável ela
votaram, especialmente na questão que ela se apresenta nas
anda para cima e para baixo pela sala. Davison segurou firme
acusações sendo clara e manifestamente provada contra ela.”
suas armas, humildemente esperando por ordens decisivas. De
A carta continua para dizer que Elizabeth “aceita isso como um
repente Elizabeth sai da sala, sem dizer uma única palavra.
desagravo à ela, que os homens que professam amá-la como
vocês o fizeram, deve em qualquer tipo de pensamento, por Foi uma cena Shakespeariana que Elizabeth estava
qualquer falta de execução do dever, lançar o fardo sobre ela, atuando ante a uma audiência. Nós não podemos deixar de

304
pensar em Richard III reclamando que seu adversário Elizabeth estavam presentes, Leicester, Hatton, e outros dez
Buckingham está vivo sem dar ordens claras para matar. O homens de posição quem tinham ampla experiência nas
mesmo olhar ferido do Rei Richard III, quando seus vassalos o falsidades da rainha. No conselho, pela primeira vez a questão
compreendem e ainda assim fingem não entender, tinha sido foi discutida em inglês claro e simples. Eles estavam de acordo
flamejado entre Elizabeth e o infeliz Davison. Ele sentiu que o que a Rainha Elizabeth, pelo bem do seu prestígio moral,
chão escorregava e tentou encontrar uma posição mais segura. desejava evitar qualquer aparência de ter comandado a
Ele não queria estar sozinho nessa posição de tal execução de Mary Stuart. Ela queria apresentar-se perante o
responsabilidade esmagadora. Procurando por Sir Christopher mundo como “surpresa” diante do fato consumado. Isso era,
Hatton, amigo próximo da rainha e quem também fora um assim, o dever dos seus leais escudeiros jogar com ela e, num
comissário em Fotheringay, Davison explicou que ele, o desafio aparente da vontade da rainha, fazer o que ela na
secretário, estava em delicada posição. Elizabeth tinha verdade queria e não ordenaria expressamente. Claro que isso
ordenado a ele que fixasse o Grande Selo na garantia de morte, era de enorme responsabilidade, e dessa forma o peso da sua
depois que ela tinha assinado; mas seu comportamento genuína ou dissimulada raiva não recairia sobre um único
naquela manhã fez óbvio que ela estava no humor de repudiar indivíduo. A proposta de Cecil era que eles em conjunto
as próprias ordens. Hatton conhecia os caprichos de Elizabeth ordenassem a execução e em conjunto aceitassem a
muito bem para não compreender, mas ele, igualmente, não responsabilidade. Lorde Kent e Lorde Shrewsbury estavam
estava inclinado a falar em termos cândidos com o pobre instruídos para assistir à efetivação da sentença de morte, e
Davison. A comédia da tentativa de jogar a responsabilidade foi Beale, clérigo do Conselho, foi enviado com a ordem necessária
para um estágio mais avançado. Elizabeth tinha rolado a bola à Fotheringay. Assim a possível culpa que pudesse cair em todos
para Davison; Davison passou para Hatton; Hatton, por sua vez, os membros do Conselho Privado, quem estava presente nessa
trouxe Cecil para o jogo. O Lorde do Tesouro estava não menos reunião, e por essa transgressão de limite de poder – a
inclinado do que os outros em repassar sobre os outros a total transgressão a qual Elizabeth desejava – eles removeriam o
responsabilidade, mas convocou uma reunião do Conselho “fardo” da rainha.
Privado para o próximo dia. Todos os íntimos e de confiança de

305
Uma das características mais notáveis de Elizabeth era a para Sir Francis Walsingham, e não diretamente para a Rainha
sua curiosidade. Ela sempre queria saber, e saber Elizabeth.
imediatamente, tudo o que estava acontecendo no seu palácio
“Sua carta de ontem chegando a minha mão nesse dia
e pelo seu reino. Nessa ocasião, estranhamente, ela não pediu
presente às cinco horas da tarde. Eu não poderia falhar, de
nem a Davison ou a Cecil ou a ninguém o que havia sido feito
acordo com as suas diretrizes, em retornar minha resposta com
com a garantia de morte que ela assinara. Por três dias inteiros
toda a velocidade possível, a qual eu entrego-lhe com um
ela parecia ter esquecido completamente a questão que sua
espírito de grande tristeza e amargura, pois eu sou tão infeliz
mente estivera concentrada por meses. Ela não perguntou mais
de ter vivido para ver esse dia infeliz, no qual eu fora requisitado
nenhuma uma vez onde estava e se o documento fora selado,
pela minha mais graciosa Soberana a fazer um ato o qual Deus
e em quais mãos estava. Como se ela tivesse bebido das águas
e a lei proíbem. Meu bem na vida e em viver é a disposição de
de Lethe, nesse momento a questão parecia ter desaparecido
Vossa Majestade, e estou pronto para perdê-los na manhã
da sua memória. Quando na manhã seguinte, Domingo, a
seguinte se assim ela quiser, sabendo que eu a guardo próxima
resposta de Sir Amyas Paulet a proposta dela de que ele e Drury
do meu coração e com o favor mais gracioso, não os desejo ou
deveriam matar Mary chegou, ela não inquiriu onde estava a
invejo, mas a Vossa Alteza eu quero bem. Porém Deus proibira
garantia de morte selada. A resposta de Paulet não fora do
que eu faça a minha consciência naufragar, ou deixe uma
gosto de Elizabeth de forma nenhuma. Ele imediatamente
mancha à minha pobre posteridade, ao derramar sangue sem
percebeu o quão ingrata era a tarefa. Ele colocaria um fim em
lei e sem documento. Confiando que Vossa Majestade, em sua
Mary Stuart, e por qual recompensa? A rainha poderia então
habitual clemência, irá aceitar minha obediente resposta em
acusá-lo de assassinato e levá-lo à justiça. Sir Amyas Paulet não
boa parte (e de preferência por uma boa meditação), como
esperava gratidão de nenhum membro da Casa Tudor, e não
procedimento daquele que nunca será inferior a nenhum súdito
tinha inclinação em ser feito de bode expiatório. Em último caso
Cristão vivente em dever, honra, amor e obediência para com
ele pareceria desobediente, o perspicaz puritano apelou à
sua soberana. E assim eu comprometo-lhe a misericórdia do
autoridade ainda mais alta do que a rainha, a Deus. Ele encobriu
Todo Poderoso.”
sua refusa com o manto da moralidade. Sua resposta, claro, foi

306
Mas Elizabeth de forma nenhuma estava inclinada a já sabia mas fingia que não – que a mensagem levando a
tomar em boa parte essa obediente resposta do seu confiável garantia de morte assinada e selada estava a caminho de
Paulet, o qual pouco antes ela com entusiasmo o elogiara pelas Fotheringay, acompanhada de um homem atarracado e
“ações impecáveis, ordens sábias, e considerações seguras.” corpulento quem iria traduzir palavras em sangue, ordens em
Raivosamente ela pisoteava de para cima e para baixo pelo performance – o executor londrino.
quarto, bradando que ela não tinha estômago para aqueles
“companheiros delicados” quem prometiam tudo e não faziam
nada. Paulet cometera perjúrio. Ele tinha assinado o Tratado da
Associação prometendo servir a rainha pelo risco da sua própria
vida. “Mas eu posso fazer sem ele,” ela gritou. “Eu tenho
Wingfield, quem não irá recuar.” Com ira real ou fingida ela
atormentou o infeliz Davison (Walsingham fora aconselhado a
continuar acamado no momento!), quem, com simplicidade
lamentável, garantiu a ela que o método legal era o melhor.
“Homens mais sábios do que você,” disse Elizabeth com
desdém, “tinham diferentes opiniões.” Era hora de resolver a
questão de uma vez por todas, e o escândalo que todos se
preocupavam era que ela não estava liberta do “fardo” da
responsabilidade.
Davison segurou a língua. Ele poderia ter replicado a sua
senhora real que os passos para colocar um ponto final na
questão de uma vez por todas já haviam sido dados. Ele sabia,
entretanto, que nada que ele dissesse poderia ser mais
desastroso a rainha do que uma afirmação honesta do que ela

307
CAPÍTULO VINTE E TRÊS por uma execução pública; e que mostrar pena branca nessa
hora decisiva seria trair a sua reputação real. Assim, durante as
semanas de espera, ela concentrou as energias. Embora fosse
En Ma Fin Est Mon Commencement29 sempre uma criatura de impulso, para essa última hora da sua
( 8 DE FEVEREIRO DE 1587 ) vida ela tranquilamente se fez pronta – com o resultado de que
poderia ter sido escrito por ela o que Andrew Marvell escreveu
para o neto dela Charles I: “Ela não fez nada de comum, naquela
cena memorável.”

“En ma fin est mon commencement.” Tal como estava Ela não deu sinal de terror ou de assombro quando, na
escrito, não compreensível então, o que, anos antes, Mary terça-feira 7 de fevereiro de 1587, seus serventes contaram a
havia costurado para um dos seus bordados. Seus ela que Shrewsbury, Kent e Beale chegaram de Londres, que
pressentimentos estavam para ser realizados. A trágica morte eles estavam acompanhados pelo Xerife de Northampton, e
dela fora o começo verdadeiro da sua fama; somente seria que eles e Sir Drue Drury tinha notícias a comunicar com ela.
compensado nos olhos da posteridade as ofensas da sua Ela convocou suas damas e os membros da sua equipe
juventude, e transfigurado os crimes dela e as tolices. Por doméstica. Então os visitantes foram admitidos. Ela queria estar
semanas essa condenada mulher tinha se preparado resoluta cercada de testemunhas amigáveis, quem declarariam que ela
para essa última provação. Duas vezes, como rainha jovem, ela estava forte no final, que ela, filha de James V da Escócia e Mary
vira um nobre perecer sob o machado do executor, e assim de Guise, ela, cujas veias fluíam o sangue dos Tudors, dos
aprendera que o heroísmo no cadafalso é o único caminho para Valois, e dos Stuarts, era inabalável nessa emergência terrível.
compensar uma morte tão cruel. Mary Stuart sabia que o Shrewsbury, cujo cuidados ela viveu a maior parte do seu longo
mundo contemporâneo e a posteridade escrutinariam de perto aprisionamento, dobrou os joelhos e curvou sua cabeça
seu comportamento quando, uma rainha ungida, ela perecesse cinzenta. A sua voz tremia enquanto anunciava que a Rainha

29
Em meu fim está o meu começo. (N.T.)

308
Elizabeth achou necessário entregar a petição urgente aos seus que ela não precisava de padre da antiga fé, mas ele poderia
súditos e ordenar que a sentença de morte fosse efetuada. providenciar que ela tivesse o ministério do clérigo da Igreja
Então ele leu o documento de garantia de morte, o qual Mary Reformada, quem a instruiria na Verdadeira Religião. Claro,
escutou sem sinal de emoção. Após fazer o sinal da cruz, ela nessa suprema hora quando Mary Stuart queria confessar
disse: “Pelo nome de Deus, essas notícias são bem vidas, e eu perante o mundo Católico a sua fé e credo que ela vivia, ela não
abençoou e rezo a Ele que o fim para todos os meus amargos contactaria um herético. Menos cruel do que a recusa da
sofrimentos está próximo. Eu não poderia receber notícias consolação da sua religião a uma mulher à beira da morte, foi a
melhores, e agradecer ao Todo Poderoso por Sua graça ao rejeição do seu apelo para o adiamento da execução. Uma vez
permitir que eu morra pela honra do Seu nome e da Sua Igreja, a questão estava decidida, diminuir o tempo entre o anúncio e
a antiga religião Católica e Romana.” Ela não fez mais protestos o ato da desgraça melhor. As poucas horas que sobravam a ela
– exceto na medida que como protesto estava implicado seriam tão ocupadas que teve pouca oportunidade para a
colocar a sua mão na Bíblia a qual estava na mesa próxima a ela, intrusão do medo ou inquietação. Um dos presentes de Deus
e jurando: “Eu nunca desejei a morte da rainha, ou empreendi aos mortais é que, para o moribundo, o tempo é sempre curto.
para fazê-lo, ou incentivei qualquer outra pessoa.”
Mary alocou os minutos das suas horas remanescentes
Como sendo rainha, ela não mais deseja defender-se com mais ponderação e circunspecto do que fora a vontade
contra a injustiça perpetrada por outra rainha, mas estava dela na vida cotidiana. Como um grande princesa, ela desejou
pronta, como mulher Cristã, aceitar as aflições impostas pela morrer uma grande morte; e, com o sentimento imaculado por
vontade de Deus, e talvez abraçar seu martírio com alegria estilo o qual sempre a caracterizara, com o seu nativo instinto
como último triunfo. Ele talvez a dignasse nessa vida. Ela fez artístico e talento de comportar-se em ocasiões solene. Mary
apenas dois pedidos; que seu capelão a acompanhasse até o preparou a sua saída da vida como alguém se prepararia para
fim como consolo espiritual; e que a sentença não fosse um festival, um triunfo, uma grande cerimônia. Nada seria
executada na manhã seguinte, pois ela teria mais tempo para improvisado, nada seria deixado ao acaso. Cada efeito seria
preparar-se para a morte. As duas petições foram rejeitadas. calculado; tudo seria regalo, esplêndido, e imponente. A
Earl de Kent, Protestante fanático, respondeu veementemente refeição era para simbolizar a Última Ceia. Após o jantar, ela

309
convocou a equipe doméstica e, tendo brindado a saúde deles, parentes, Henry III e para o Duque de Guise. É uma honra para
ordenou-os que permanecessem fiéis a religião Católica e ela, durante essa pavorosa noite, ela tenha tido pensamentos
vivessem em paz uns com os outros. Como na cena de Vidas dos carinhosos por outros. Ela sabia que com sua morte a pensão
Santos, ela pediu que eles a perdoassem por qualquer mau que de viúva seria cortada e deixaria seus serventes desprovidos.
ela possa ter-lhes causado. Então deu a cada um uma Assim ela implorou ao Rei da França que verificasse que
lembrança, distribuindo entre eles anéis e outras joias, fitas, e nenhum deles sofresse, para distribuir seu legado, e que a
quaisquer itens de valor que lhe sobrara. De joelhos, silenciosos Missa fosse oferecida “para a rainha Cristã, que morreu como
ou soluçando, eles aceitaram os presentes; e a rainha, contra a Católica, e fora despojada de todos os bens mundanos.”
sua vontade, foi movida as lágrimas pelos sinais de devoção. Previamente ela escreveu ao Philip II e ao Papa. Havia apenas
um entre os governantes desse mundo o qual talvez fosse
Ela retirou-se para o seu apartamento, onde velas de
expediente escrever – Elizabeth. Mas a ela Mary Stuart não
cera iluminavam a escrivaninha. Ela tinha ainda muito o que
tinha mais palavras a dizer. Ela não pediria a Elizabeth por nada,
fazer antes da manhã; ler a sua vontade uma vez mais, fazer
ou nada tinha a agradecer. Somente por um silêncio orgulhoso
arranjos para a hora da desgraça, e escrever as últimas cartas.
ela poderia colocar sua adversária na vergonha; por isso, e por
A primeira dessas foram para Préau, seu capelão, implorando-
uma morte dignificante.
o que rezasse por ela durante a noite. Ele havia sido
sequestrado para outra parte do castelo, Earl de Kent que era Era muito após a meia noite que Mary foi para a cama.
impiedoso, proibira-o de deixar seus quarto para que Ela tinha feito tudo o que pôde durante o curto período de vida
administrasse a extrema unção de Mary Stuart. Tinha sentinelas que lhe fora atribuído. Apenas algumas horas a mais, e sua alma
em todos os corredores, e não há indícios de que essa carta deixaria o seu corpo fatigado. No canto do quarto de dormir as
tenha sido entregue ao capelão. Talvez Kent não soubesse que suas damas de joelhos, rezando em silêncio, pois não queriam
a prisioneira tinha ciborium de ouro contendo hóstia perturbar o sono da rainha. Mary não conseguia dormir. Seus
consagrada enviada pelo Papa, com a dispensa única de olhos estavam abertos na escuridão. Ainda assim, ela pôde
administrar a si mesma a Eucaristia, caso fosse negado descansar o corpo por um tempo, assim refrescar a mente para
atendimento de um padre! Então a rainha escreveu aos seus

310
ter forças para encontrar com a Morte, quem era mais forte que roupa íntima, sendo a forma combinada com harmonia, e com
ela mesma. total conhecimento de que no cadafalso ela poderia ser
parcialmente despida perante homens estranhos. O casaco e
Mary havia se vestido para tantas ocasiões de festas,
camisola eram de veludo carmesim, com mangas escarlates
coroações, batismos, casamentos, esportes de cavalaria, guerra
para combinar com quando seu pescoço fosse servido, o sangue
e caçada, recepções, danças e torneios – sempre com
pulsante não contrastasse tão grosseiramente com suas roupas
esplendor, totalmente ciente do poder que a beleza detém na
íntimas e braços. Nunca antes uma mulher condenada à morte
terra. Mas nunca ela se vestiu com tanto cuidado do que para
tinha se feito pronta para a execução com mais dignidade e
essa grande hora da sua vida, o qual seria a sua última. Ela
maestria.
pensou em cada detalhe do seu vestimenta nessa ocasião sem
precedente, como se desejando, num final de exibição de As oito horas da manhã chegou uma batida à porta. Mary
vaidade, mostrar ao mundo o quão perfeito uma rainha pode Stuart não respondeu, pois ela estava de joelhos no seu
apresentar-se no cadafalso. Por duas horas suas ajudantes genuflexório, lendo em voz alta orações para a morte. Não até
trabalharam. Ela escolheu o manto do Estado para essa última que suas devoções tivessem acabadas ela levantou-se, e na
aparição formal – veludo negro, estampado com ouro. O segunda batida a porta fora aberta. O Xerife de Northampton,
vestido tinha uma cauda tão longa que Andrew Melville, seu portando sua varinha branca de ofício (logo estaria quebrada),
mestre da casa, carregou enquanto ela caminhava. Ela usou entrou e, com reverência profunda, disse: “Madame, os lordes
dois rosários e diversos escapulários. Depois que sua peruca foi enviaram-me a você.” “Sim, vamos,” replicou a rainha,
ajustada, um véu branco até os pés foi colocado sobre a cabeça. enquanto Bourgoigne, seu médico francês, postou-se ao lado
Os sapatos eram de couro espanhol, couro suave que não dela.
poderia ser quebrado quando ela subisse no cadafalso. Ela tirou
Agora começa o progresso final de Mary. Apoiada a
da gaveta o lenço o qual seus olhos seriam vendados; era feito
direita e a esquerda por dois dos seus serventes, andando
da mais fina seda com franjas em dourado, provavelmente
devagar porque as pernas dela estavam inchadas com
bordados pelas duas próprias mãos. Cada partícula da sua
reumatismo, ela atravessou a porta. Ela estava triplamente
aparência foi escolhida com propósito, cada detalhe, até a sua

311
armada com armas da fé, que assim não se entregaria ao medo mais triste que eu já levei quando eu reportar que minha rainha
repentino que pudesse esmagá-la. Além do colar de Agnus Dei e minha senhora está morta,” Mary replicou: “Não é assim.
em volta do pescoço, e dos rosários, ela carregava em uma das Hoje, bom Melville, você verá o fim das misérias de Mary Stuart,
mãos um crucifixo de marfim. O mundo estava para ver como e isso deve alegrá-lo. Eu rezo que você leve a mensagem que
uma rainha morreria na fé Católica e para a fé Católica. Era para morri como uma mulher sincera a minha religião, como uma
esquecer os crimes e tolices de juventude, que agora ela iria verdadeira Rainha da Escócia e França. Mas Deus os perdoem
sofrer a morte como acessório ante ao fato de um assassinato que eu há muito desejo meu fim e a sede do meu sangue, como
intencional. Por todos os tempos ainda por vir ela desejava ser os veados desejam as águas ribeiras. Recomende ao meu
considerada como uma mártir da causa Católica, vítima dos querido e doce filho. Diga-lhe que nada fiz para prejudicá-lo no
seus inimigos heréticos. seu reino, ou rebaixar a dignidade dele.” Então, voltando aos
Earls de Shrewsbury e Kent, ela pediu que “permitissem a
Somente longe da porta ela pôde ser acompanhada
presença dos seus pobres agoniados serventes na sua morte,
pelos seus serventes. Os soldados de Paulet, agindo sob ordens,
que seus olhos e corações pudessem ver e testemunhar o quão
barraram o caminho dos empregados. Eles poderiam servi-la
paciente a rainha e senhora irá perdurar na execução, e assim
enquanto ela ainda estava no próprio quarto, mas não nos
fazer relações, quando eles voltarem ao seu país, dizer que ela
minutos antes da morte dela. Depois de descer a grande
morreu sincera e constante na sua religião Católica.” A isto Earl
escadaria, assim, ela foi assistida por dois soldados de Paulet.
de Kent objetou. A mulher faria cena. “Além disso, se tal acesso
Ninguém além dos inimigos dela poderiam assistir ao crime da
for permitido, eles podem colocar em prática algumas
rainha ungida no cadafalso. No último passo, em frente à
superstições, mergulhando os lenços no sangue de Vossa
entrada do salão onde a execução seria efetuada, estava
Majestade, por isso é desagradável a nós dar essa permissão.”
ajoelhado Andrew Melville. A ele, como o único nobre escocês,
seria confiado o dever de anunciar ao filho dela que a execução “Meu lordes,” voltou Mary, “Eu dou minha palavra que,
fora efetuada. A rainha levantou-o dos joelhos e o abraçou. A embora eu estarei morta, eles não farão nada desse tipo. Eu
presença dele era bem-vinda, pois a fortaleceria na sua espero que a vossa senhora, sendo rainha donzela, irá conceder
compostura forçada. Quando Melville disse: “Será a mensagem em consideração as mulheres que eu tenha alguns do meu

312
próprio povo durante a minha morte. Eu sei que a Vossa e Kent, como representantes da Rainha Elizabeth. Contra a
Majestade não daria a você nenhuma ordem ou comando tão parede mais distante dois homens em pé, mascarados e
estreito, mas você deve conceder um pedido de maior cortesia vestidos em veludo preto, com aventais brancos, sombrios e
do que isso, se eu fosse uma mulher mais insignificante do que silenciosos, o executor e seu assistente. Espectadores
a Rainha dos Escoceses.” Vendo que Earl olhava teimoso, ela apinhados no resto da parede. Pelo chão tinha uma barreira,
explodiu em lágrimas, e disse: “Eu sou prima da sua rainha, e guardada por Paulet e seus soldados. Atrás havia duzentos da
descendente do sangue real de Henry VII, e casada Rainha da nobreza e pequena nobreza que apareceram em pressa da
França, ungida Rainha da Escócia.” vizinhança para testemunhar espetáculo tão único quanto a
execução de uma rainha. Fora dos portões do castelo centenas
Os dois earls se consultaram, e concordaram que ela
sobre centenas de plebeus se amontoavam, aludidos pela
poderia ser acompanhada ao cadafalso por “seis dos seus mais
novidade; porém nenhum deles seria admitido no castelo.
amados homens e mulheres.” Assim “dos seus homens ela
Somente sangue azul poderia ver sangue real ser derramado.
escolheu Melville, Bourgoigne, o médico, Gourion, e Gervais, o
boticário; e das duas mulheres, aquelas duas, Jane Kennedy e Com a face imóvel Mary entrou no salão. A rainha desde
Elizabeth Curle, as quais dormiam no seu quarto.” Com Melville que não tinha mais do que alguns dias de vida, aprendeu cedo
carregando a cauda dela, ela caminhou atrás do xerife e rebaixar-se regiamente, e essa arte exaltada não a abandonou
Shrewsbury e Kent ao grande salão do Castelo de Fotheringay. nesse momento supremo. Cabeça ereta, ela subiu os dois
passos ao cadafalso. Orgulhosa assim, quando garota de quinze
Os carpinteiros trabalharam através da noite nesse
anos, ela ascendeu ao trono da França; assim orgulhosa, os
salão. As mesas e cadeiras foram removidas. Com um propósito
passos que levam ao altar do Paraíso. Assim orgulhosamente
o cadafalso fora erguido, altura de dois pés e vinte pés de
ela teria subido ao trono da Inglaterra se outras estrelas
amplitude, “com trilhos ao redor, suspenso e coberto também
presidissem seu destino. Misturando orgulho e humildade ela
com preto.” A almofada estava em frente ao quadrado; nele a
se ajoelhou ao lado do Rei da França, e depois ao lado do Rei da
rainha se ajoelharia na ordem de receber o golpe fatal. A direita
Escócia, para receber as bençãos do padre; orgulho misturado
e a esquerda estavam os assentos para os Earls de Shrewsbury
com humildade ela agora emprestava a sua cabeça para

313
receber a benção da morte. Ela ouvia imóvel enquanto Beale lia perturbara a sua juventude e naufragou a sua carreira. Os
a garantia de morte em voz alta para ela. A sua expressão magnatas no comando da execução haviam sido por três vezes
estava tão calma, amigável e quase alegre, que mesmo Richard informados que Mary, Católica devota, preferiria morrer sem
Wigmore, agente secreto de Cecil, declarou no seu relatório ao um padre do que aceitar ministrações de um herético. Porém
seu mestre que ela ouvia ao documento “com tanta alegria e assim como Rainha Mary desejou, sobre o cadafalso, fazer o
animação na face como se ela tivesse sido perdoada por Vossa melhor da sua própria religião, os Protestantes desejaram
Majestade.” trazer a deles para o fronte; era o Deus deles quem deveria ser
honrado nessa ocasião, não o dela. Sob o pretexto de cuidar da
Porém um tribunal mais duro esperava por ela. Mary
salvação dela, o decano começou exortação angelical, a qual
Stuart queria que essa última hora fosse um triunfo no qual ela
Mary, na sua impaciência, tentou parar diversas vezes. De novo
pudesse mostrar a si mesma para o mundo como o pilar da fé,
e de novo ela interrompia. Dr. Fletcher garantindo que se ela
como a chama esplendida do martírio Católico. Os lordes
persistisse, ela estaria “liquidada,” e na antiga religião Católica
Protestantes estavam não menos determinados que o último
e Romana, em defesa da qual, pela graça de Deus, com o
gesto dela não fosse uma confissão impressionante ao
escasso respeito pela vontade de uma mulher moribunda, e
Catolicismo, e assim eles deram o melhor de si para rebaixar a
inflado por vaidade. Tendo cuidadosamente preparado o seu
dignidade de Mary Stuart por um ato de despeito. Por diversas
sermão, ele estava maravilhado com a chance de realizá-lo
vezes Mary procurou pelo caminho do seu quarto até o salão
perante congregação tão distinta. Ele continua com a oração
de execução para ver se o seu confessor estava entre os
até que Mary não encontrando outra forma de tapar os ouvidos
presentes, que, se somente um sinal dele, ela estaria garantida
joga-se de joelhos, crucifixo em uma mão e missal na outra,
com a benção e absolvição. Em vão, entretanto! Padre Préau
para rezar em voz alta em latim, que assim ela poderia abafar
estava preso no seu quarto. Agora, quando ela se convenceu a
as untuosidades do decano. As duas religiões, ao invés de unir
sofrer a execução sem o conselho espiritual, lá, apareceu no
forças para rezar pela vítima, estava ainda mostrando as garras
cadafalso o Decano de Peterborough, Dr. Fletcher, um fanático
sobre o cadafalso, ódio sempre mais forte do que a reverência
da crença Reformada, quem, no momento final da vida dela,
para o sofrimento. Shrewsbury e Kent, e com eles a maioria dos
estava para ser incorporado nela a guerra das religiões a qual

314
presentes, rezaram em inglês enquanto Mary e seus serventes desumanidade do que não estamos conscientes da nossa
oravam em latim. Tão logo a oração de Fletcher terminou, e própria desumanidade hoje. A cada execução, embora os
quando o silêncio estava curado de novo, Mary levantou-se, métodos bárbaros, havia um momento de grandiosidade
ajoelhou-se de novo, e orou em inglês pela Igreja aflita de humana entre o horror. Antes do executor levantar a mão para
Cristo, para o fim dos seus problemas, pelo seu filho, e por matar ou torturar, ele pedia a vítima que o perdoasse pelo mau
Vossa Majestade. Pressionando o crucifixo no peito, ela pediu que ele estava para cometer. Os dois homens mascarados,
que os santos intercedessem por ela ao Salvador do mundo, Bulle, o executor, e seu assistente, ajoelharam-se em frente a
Jesus Cristo. Novamente Earl de Kent, igualmente fanático Mary e imploraram por perdão pois era a obrigação deles
Protestante, interferiu nas devoções dela, exigindo que colocá-la a morte. Ela respondeu: “Eu os perdoo com todo o
deixasse essas “pacotilhas papistas.” Porém a mulher meu coração. Pois eu espero que essa morte coloque um fim
moribunda estava agora longe das contenções terrenas. nos meus sofrimentos.” Os dois homens em preto ficaram de
Nenhum som ela proferiu, nenhum sinal ela fez, em resposta: pé mais uma vez e fizeram-se prontos para o trabalho.
sua voz ressoou pelo salão dizendo que ela perdoava seus
Simultaneamente, Jane Kennedy e Elizabeth Curle
inimigos de todo o coração, quem há muito buscavam seu
começam a despir Mary. Ela ajuda removendo do pescoço a
sangue, e implorou a Deus que a levasse à verdade.
corrente com Agnus Dei. Ela fez essas preparações com firmeza
Silêncio estava restaurado. Mary sabia que o fim estava e, como relatou Wigmore, “com tal rapidez como se ela
próximo. Pela última vez ela beijou o crucifixo e fez o sinal da desejasse sair do mundo.” Quando o vestido preto foi
cruz, dizendo: “Mesmo com Teus braços, O Jesus Cristo, estão removido, a roupa íntima de veludo vermelho brilhou, e, assim
espelhados aqui sobre o crucifixo, assim receba-me nos braços vestida, com suas longas mangas vermelhas para combinar, ela
da misericórdia, e perdoe todos os meus pecados. Amém.” parecia uma chama de sangue, esplêndida e inesquecível.
Agora vinham as despedidas. A rainha abraçou suas assistentes
Essa era uma época cruel e violenta, mas não
e exortou a elas que não chorassem alto: “Ne cry vous, j’ay
completamente desprovida do mundo espiritual. Em muitos
costumes permaneciam mais consciência da própria

315
preye pur vous30.” Então, ajoelhando na almofada, ela entonou caiu no chão. Rolou igual a bola pelo cadafalso; e quando o
salmo em latim: “In te, domine, confido, ne confundar in executor parou uma vez mais para pegar, os presentes
aeternum.” puderam discernir que era uma mulher velha com cabelo bem
cortado e grisalho. Por um momento, os espectadores estavam
Pouco sobrara a ser feito. Ela deitou a cabeça no
vencidos pelos sentimentos, assim todos seguraram a
quadrado, a qual ela abraçou com os dois braços, como se
respiração em silêncio. Após alguns minutos, entretanto,
apaixonada pela morte. Até o fim Mary Stuart manteve a
quando o executou ergueu a cabeça e gritou: “Deus salve a
dignidade real. Nenhum sinal ou palavra de medo. A filha dos
rainha!” o Decano de Peterborough convocou a coragem para
Stuarts, dos Tudors, e dos Guises, estava pronta para morrer
dizer: “Amém! Amém! Assim pereça todas as rainhas inimigas.”
com dignidade. Mas o que ajuda é a dignidade humana, o que
Earl de Kent veio ao corpo morto e, com voz baixa, disse: “Tal
ajuda é o equilíbrio adquirido ou herdado, contra o horror que
fim a todas as rainhas e inimigos do evangelho.”
necessariamente cerca o assassinato? Em nenhum (apesar de
muitos livros e relatórios mentirem a respeito da questão) pode Pálida, onde não estava manchada com sangue, estava a
o executor de um ser humano produzir uma impressão cabeça grisalha como os nobres confrontados quem, a fé dela
romântica ou tocante. Sempre a morte por um machado era diferente, teriam sido seus súditos mais leais. Por um quarto
executor deve ser um espetáculo horrível de assassinato. O de hora os lábios continuaram a tremer em convulsão. Para
primeiro golpe cai errado, estragando a parte de trás da cabeça encurtar o horror do espetáculo, uma mortalha rapidamente
ao invés de separar a cabeça. Um gemido oco escapa da boca fora colocada sobre o tronco sem cabeça. Então, enquanto no
da vítima. Na segunda pancada, o machado afunda no pescoço, meio do silêncio paralisado alguns subalternos estavam
e o sangue jorra. Não até que um terceiro golpe tenha sido dado carregando o fardo sombrio, um incidente reviveu a
para a cabeça apartar do tronco. Agora vem um toque a mais consternação geral. Enquanto o executor e seu assistente
de horror. Quando Bulle quis erguer a cabeça pelo cabelo para estavam levantando o tronco decapitado, o qual seria levado ao
exibir aos presentes, ele agarrou apenas a peruca, e a cabeça quarto vizinho para ser embalsamado, algo se mexe embaixo

30
Não chore, eu rezo por você. (N.T.)

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da roupa. Agora pequeno seio “embruteceu no sangue dela.”
Mais tarde, “não partiria do corpo morto, mas ficaria e se
deitaria entre a cabeça dela e os ombros.” “Os executores
foram dispensados com dinheiro pelo serviço, não tendo nada
que pertencesse a ela.” Então, “todo mundo foi retirado do
salão, ficando apenas o xerife e seu homem, que a levou para
outra sala e deixou-a pronta para o cirurgião embalsamá-la, e
lá ela fora embalsamada.”

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CAPÍTULO VINTE E QUATRO Tudor e Rainha Elizabeth, ele havia atravessado tempos de
tempestades, especialmente sob a presente senhora, ele teve
que enfrentar frequentes tempestades de indignação, algumas
Rescaldo genuínas e outras fingidas. Na presente ocasião, entretanto, o
( 1587 – 1603 ) homem calmo e perspicaz equipado com a armadura da
indiferença antes de entrar no salão de recepção real para
familiarizar a rainha oficialmente com o fato de que Mary Stuart
No drama Grego após uma tragédia longa e sombria é fora executada. Mas Elizabeth furiosa, nessa hora, sem igual. O
sempre seguido de uma curta comédia. Tal epílogo não foi que? Mary Stuart fora morta sem o conhecimento dela e sem
desejado no drama de Mary Stuart. Ela foi enviada ao cadafalso ordem expressa? Impossível! Inconcebível! Nunca ela havia
na manhã de 8 de fevereiro de 1587. Na manhã seguinte toda contemplado medida tão cruel, sem ser de estrangeiros
Londres ouviu sobre a execução. Uma onda de jubilação intensa invadindo o solo inglês. Os conselheiros haviam enganado e
espalhou pela capital até o interior. Se os ouvidos acurados da traído ela, eram um bando de patifes. O prestígio, a honra,
Rainha da Inglaterra não estivessem de repente surdos, haviam sido irrevogavelmente manchadas perante o mundo
Elizabeth saberia pelos sinos tocando nas igrejas que um através desse ato pérfido e clandestino. A sua pobre infeliz irmã
festival fora do calendário estava sendo celebrado pelos tinha sido vítima de um erro desastroso, uma trama
súditos, e qual era a ocasião dessa tumultuada alegria. Porém escandalosa! Elizabeth chorou, gritou, e jogou-se ao chão com
cautelosamente ela não pergunta, envolta mais e mais pelo seu frenesi. Ela protestou como uma esposa de pescador contra
manto da ignorância. Ela estava esperando ser oficialmente o grisalho homem de estado quem, em conjunto com outros
informada da execução da sua rival, e para ficar “surpresa” com membros do conselho dela, ousaram, sem a ordem expressa
a notícia. A tarefa sombria de noticiar a monarca “insuspeita” dela, agir sobre a garantia de morte que ela assinara.
da execução de sua “querida irmã” fora dada a Cecil. Ele não
Nunca nem por um momento Cecil e seus amigos
gostou do trabalho. Durante muitos anos ele deteve alta
esperaram algo além do repudio de Elizabeth à ação que eles
posição de oficial sob Protetor Somerset, Edward VI, Mary
efetuaram como sendo “ilegal,” como uma “grosseira

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usurpação de poder por autoridades insubordinadas.” a cabeça do seu escudeiro, o infeliz Davison. Davison foi
Acreditando que a “usurpação de autoridade” seria bem-vinda selecionado como bode expiatório, como o bumbum quem
a ela, eles haviam decidido aliviar a Rainha Elizabeth do “fardo” deveria demonstrar a inocência de Elizabeth. Nunca, insistiu
da responsabilidade. Eles esperavam, entretanto, que essa Elizabeth, que ela havia dito ao secretário para enviar a garantia
atitude de repúdio seria assumida pela Rainha Elizabeth de morte a Cecil e fixar o Grande Selo. Ele agiu na sua própria
somente quando ela estivesse atuando na galeria, e que, sob as iniciativa, contra a vontade dela, e, por assim exceder as
cortinas, na sala privada de audiência, ela agradeceria a ele por instruções, tinha forjado uma maldade incomensurável. Pelas
tão prontamente eliminar a sua rival do seu caminho. Mas, nos ordens da rainha esse “servente desleal,” cuja ofensa era ter
fundos da mente dela, Elizabeth ensaiara com tal cuidado a sua sido muito leal, seria içado perante a Câmara Estrela. A decisão
ira simulada, que, apesar de si mesma, essa simulação a que a augusta corte estava para proclamar a Europa era que a
possuíra e tornou-se genuína. Assim a tempestade que explodiu execução de Mary Stuart tinha sido exclusivamente o trabalho
sobre a cabeça curvada de Cecil não era apenas um trovão do patife Davison, e que Elizabeth estava completamente
encenado, mas a descarga de uma indignação furiosa, um inocente na questão. Nem precisaria dizer que os conselheiros
furacão de invencionices, uma explosão da nuvem do abuso. que juraram abrigar a responsabilidade junto com Cecil
Não contente em repreender Cecil, Elizabeth estava quase rapidamente deixaram seu amigo, e Davison também, no
pronta para bater na face do seu conselheiro mais leal. Ela o limbo. Tudo o que eles se preocupavam era salvar suas posições
injuriou tão impiedosamente que ele, agora bem mais velho em ministeriais e sinecuras entre essa tempestade real. Davison,
anos (ele tinha cinquenta e cinco), ofertou a sua resignação, e, quem não tinha testemunha para confirmar a sua estória das
em punição pela seu suposto excesso de zelo, na verdade foi ordens da Rainha Elizabeth, foi sentenciado a pagar bons £
proibido de frequentar a corte por um período. 10,000. Como toda a sua riqueza não era nada perto dessa
quantia, ele foi enviado para a prisão. Por baixo dos panos,
Tornou-se claro que Walsingham, quem havia dado o
subsequentemente, foi concedida uma pensão, porém
primeiro passo da questão, havia sido guiado por um instinto
enquanto Elizabeth vivesse ele estaria proibido de aparecer na
perspicaz quando caiu doente, ou parecia estar, durante esses
corte; a carreira dele estava acabada, e assim ele era um
dias decisivos. Pois os frascos da ira real foram esvaziados sobre

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homem destruído. É sempre perigoso para os cortesões falhar gradualmente tornou-se suprema sobre a memória dela e
em compreender os desejos secretos dos seus soberanos. Às também sobre o fato de ela ter desejado a morte da rival. A
vezes, entretanto, é ainda mais desastroso quando eles explosão de ira dela ao receber a notícia, a qual ela desejava ser
entendem esses desejos secretos bem demais. verdade mas não desejava ouvir, não fora exclusivamente
teatral, mas também – desde que toda a sua natureza era dupla
O conto bonito da ignorância e inocência da Rainha
face – raiva genuína e honesta; o efeito de uma inabilidade de
Elizabeth em relação a essa questão da execução de Mary
perdoar a si mesma por ter permitido que seus melhores
Stuart foi muito óbvia a fabricação para impor sobre os
instintos fossem superados; e também perfeitamente genuína
contemporâneos dela. Talvez houvesse apenas uma pessoa
a raiva contra Cecil por ter se permitido ser persuadido para a
quem realmente chegou a acreditar nessa fábula da
execução, sem a instigação de outros passos que poderiam ter
imaginação, e que, estranhamente, era a própria Elizabeth.
aliviado a responsabilidade dela. Tão poderosa a autossugestão
Uma das capacidades mais memoráveis de pessoas com
de Elizabeth para o efeito de que a execução foi realizada em
disposição histérica é, não apenas a habilidade de serem
desafio à vontade dela, ela foi tão bem-sucedida em enganar a
mentirosos esplêndidos, mas ser impostos sobre eles as
si mesma, que de novo e de novo, depois, nós ouvimos o tom
próprias falsidades. Para eles a verdade é o que eles querem
de convicção genuína nas asseverações dela. Ela não estava
que seja verdade, o que eles acreditam é o que eles gostariam
meramente furiosa quando ela colocou o luto para receber o
de acreditar, e assim o testemunho deles frequentemente são
embaixador da França, e garantiu a ele que ela não havia ficado
as mentiras mais ilustres, e portanto as mais perigosas. Histeria
tão emocionada pela morte do seu pai ou da sua irmã como ela
aparte, nós temos a tendência de auto justificação e auto
ficou pela morte da Rainha dos Escoceses; mas ela era “uma
ilibação, e que Elizabeth, presumidamente, sentiu
pobre mulher, uma fraca, rodeada por inimigos.” Esses
perfeitamente sinceridade quando ela garantiu a todos e todo
membros do Conselho Privado quem jogaram com ela nesse
o mundo que ela nem tinha comandado ou desejado a
truque estavam há muito nos serviços dela, ela deveria tê-los
execução de Mary. Como já dito, ela estava bipolar na questão.
enviado ao cadafalso. Ela havia assinado a garantia de morte
Em parte, ela nunca quis a morte de Mary, e agora que a morte
aconteceu, essa parte, a memória dela de não querer,

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somente para pacificar os súditos mas nunca desejou efetuar a deixado sem vingança. Os emissários de Elizabeth foram
não ser que seu reino fosse invadido por exércitos estrangeiros. proibidos de colocar os pés no solo escocês, e os próprios
mensageiros do Rei James se apropriariam dos despachos na
Na carta holográfica dela para James VI da Escócia, a
cidade de Berwick. O mundo era para ver que James VI exibiu
Rainha Elizabeth persistiu na meia verdade e meia mentira que
seus dentes aos assassinos da sua mãe. Mas na cabine em
ela nunca desejou realmente a execução de Mary Stuart. Ela
Londres tinha há muito misturado a geleia que era necessária
reiterou a sua profunda agonia pela a execução que fora
para fazer filho raivoso engolir o intragável pó da notícia da
efetuada sem o “seu consentimento.” Ela chamou a Deus para
execução da sua mãe. Simultaneamente com a carta de
testemunhar que era “inocente nessa questão,” e declarou que
Elizabeth para o consumo público, houve o despacho a
ela “nunca tivera o pensamento de colocar a rainha sua mãe
Edinburgh com a carta diplomática privada na qual Walsingham
para morrer”; apesar dos conselheiros dela perpetuamente
informou o secretário de Estado escocês que James seria o
aturdirem as orelhas de Elizabeth de que era a incumbência
sucessor do trono inglês, assim toda a sombria questão
dela o consentimento. Comunicar a objeção natural de que ela
redundaria no bem geral. O efeito foi o que todos queriam.
estava simplesmente tornando Davison o bode expiatório, ela
James não tinha mais nenhuma palavra a dizer abertamente
orgulhosamente declarou que nenhum poder na terra a
sobre a violação com a Inglaterra. Ele não mais fora perturbado
induziria jogar em outro ombro a culpa por qualquer coisa que
com o pensamento de que o corpo da sua mãe ainda estava
ela ordenasse.
deitado em algum canto do jardim da igreja. Ele não fez
James VI, do seu lado, não estava particularmente protestos porque um dos últimos desejos dela, de que seu
ansioso para saber a verdade. Tudo o que ele queria era tirar de corpo morto fosse enterrado em solo francês, estava sendo
si a suspeita de que ele não tinha feito o suficiente para redondamente ignorado. Como se por mágica, ele de repente
defender a sua mãe. Claro que ele não aceitaria as garantias de estava convencido da inocência da Rainha Elizabeth, e
Elizabeth sem objeção; ele, da mesma forma, deveria manter o alegremente aceitou a versão oficial de que a execução tinha
semblante de surpresa e indignação. Ele assim fez um grande sido um “erro.” “Vós purgais a si com o fato infeliz,” ele
gesto, solenemente declarando que tal ato não deveria ser escreveu a Rainha da Inglaterra e, como um pensionista feliz

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dela, expressou a esperança de que “vossa conduta honrosa governo realmente forte, e que estão prontos a negligenciar as
será reconhecida pelo mundo.” Um vento dourado de ações de violência e mesmos crimes cometidos por tal governo.
promessa rapidamente desfez a tempestade da ira dele. Depois Eles estavam certos na suposição de que o mundo não ficaria
disso a paz e harmonia prevaleceram entre o filho indecoroso e perturbado por essa execução. Os alarmes e excursões na
a mulher que passou a sentença de morte à sua mãe. França e Escócia, as ameaças de vingança, logo silenciaram.
Henry III não rompeu relações diplomáticas com a Inglaterra,
Moralidade e política tomam caminhos divergentes. Nós
como ameaçara fazer. Ele nunca propôs enviar soldados pelo
julgamos um evento de forma diferente de acordo com o ponto
Canal por Mary Stuart quando ela estava viva, e não estava
de vista que nós consideramos humanidade ou de vantagem
igualmente disposto a fazer pela causa dela agora que ela
temporal. Moralmente, a execução de Mary Stuart foi
estava morta. Claro que ele ofereceu a Missa Réquiem para ser
completamente injustificável. Contrária a lei internacional, em
lida em Notre Dame, os poetas da corte escreveram alguns
tempos de paz, a rainha de um país ser aprisionada pela rainha
elogios; porém contudo, àquilo que cabia a França, a questão
de outro, que teceu uma trama para ela, e perfidamente
de Mary Stuart estava superada e acabada.
compassou a morte dela. Somente um pouco, entretanto,
podemos nós negar que, de uma perspectiva puramente Algumas ameaças foram ditas no parlamento escocês;
política, Inglaterra estava certa em livrar o mundo de Mary James VI colocou o luto, mas continuou a cavalgar seus cavalos
Stuart. Pois, alas, o que é decisivo em política não é o certo os quais eram presentes da Rainha Elizabeth, usar os cachorros
abstrato do que aquilo que é feito, mas se os resultados são ou de caça que ela enviou para o esporte favorito dele, e se
não vantajosos. Agora, em consideração a execução de Mary manteve o mais simpático vizinho que a Inglaterra jamais teve.
Stuart, os resultados, politicamente falando, proveu total Somente Philip o Procrastinador da Espanha com o tempo
justificação, desde que o assassinato trouxe a Inglaterra não a preparou-se seriamente o armamento da sua Armada
agitação, mas a paz. Cecil e Walsingham certeiramente Invencível, mas ele estava sozinho, e contra ele tinha a boa
estimaram as forças positivas que trabalhavam em uma e outra sorte de Elizabeth, a qual era parte da grandeza dela, como é
direção. Eles sabiam que Estados estrangeiros estão sempre parte de todos os governantes famosos. A Armada estava
inclinados a cantar pequeno quando são enfrentados por um disseminada por tempestades tanto quanto pela resistência da

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frota inglesa, e assim a investida cautelosamente planejada da castelo, cavalgando para caçar, escrevendo tratados sobre
Contra Reforma entrou em colapso. Elizabeth foi a vitoriosa, e questões políticas e religiosas; mas a principal ocupação era
com a morte de Mary Stuart o perigo principal fora removido. esperar pelo sapato da mulher morta; esperar notícias de
O período da defensiva tinha acabado. Os navios ingleses Londres. Ela sobreviveu com uma memorável persistência até
podiam agora mover ao ataque, navegar todos os oceanos, e que bem nos seus setentas anos. Como se o sangue da sua rival
começar a fundação de um império mundial. A riqueza da fora transfundido nas artérias de Elizabeth, rejuvenescendo-a.
Inglaterra aumentou consideravelmente; uma nova arte surgiu Ela se tornou mais forte, mais segura, saudável, depois da
durante os últimos anos da vida de Elizabeth. Nunca a rainha morte de Mary. Não mais ela sofreu de insônia obstinada. Os
fora mais admirada, mais amada e honrada, do que após esses tormentos vorazes de uma consciência desesperada que a
atos da vida dela. De novo e de novo encontramos que os atormentou durante os meses e anos de indecisão estavam
grandes edifícios do Estados estavam construídos, sob blocos apaziguados agora que ela e seu país tinham encontrado
da injustiça e aspereza; sempre as fundações estavam repouso. Não restara nenhum mortal para ameaçar a posição
cimentadas com sangue. Na vida política é somente o vencido dela de governante, e ela devotou as energias apaixonadas que
quem está errado, e a história passa sobre eles com saltos de sobraram para lutar contra a Morte, quem deveria no fim
ferro. roubar a sua vida e a sua coroa. Quando ela estava próxima dos
setenta, tenaz e inflexível, a ideia de morrer se tornou um
O filho de Mary Stuart não foi poupado do grande teste
horror para ela. Ela trocava de palácios, não parava na cama, e
de paciência. Ele não, como ele esperava, subiu ao trono inglês
mudava sem rumo de quarto em quarto. Por que ela deveria
rapidamente; o pagamento por sua inércia covarde foi por
desocupar a posição pela qual ela lutara tão impiedosamente e
muito atrasado. Ele teve que fazer aquilo que é uma das coisas
por tanto tempo?
mais difíceis para um homem ambicioso – esperar, esperar,
esperar. Por dezesseis anos, quase o mesmo tempo que a sua Com o tempo o sino fez-se ouvir. A Morte Severa chegou
mãe passara presa por Elizabeth, ele estava inativo em a ela para levá-la para baixo. Ainda assim, ela viveu por alguns
Edinburgh, esperando até que o espectro caísse da mulher já dias com o chocalho na garganta, seu incansável velho coração
enrugada. Ele passava seus dias mal-humorado em um ou outro batendo febrilmente. Embaixo das janelas, os cavalos dele

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prontos e selados, um emissário do impaciente herdeiro sendo uma das poucas coisas boas a serem lembradas do
escocês estava esperando pelo sinal pré-arranjado. Uma das primeiro monarca Stuart de uma Britânia unida. Um fraco,
damas de Elizabeth prometera, tão logo a rainha desse o último letárgico e maçante, desprovido do brilhante intelecto de
suspiro, jogar um anel ao mensageiro. A vigília foi longa. A Elizabeth, sem a coragem e a paixão da sua mãe, ele foi
Rainha Virgem, quem tinha rejeitados tantos pretendentes, governante enfadonho sobre a herança conjunta de duas
estava relutando para aceitar o abraço da Morte. Em 24 de rainhas que por tanto tempo reinaram no feudo. A união das
março de 1603, a casinha fora aberta, a mão de uma mulher foi coroas, a qual cada uma delas cobiçara ansiosamente, caiu nas
protraída, um anel foi lançado. O mensageiro montou no seu suas mãos como a raspa da fruta. Agora, quando a Inglaterra e
cavalo e galopou para longe, para atingir Edinburgh em dois Escócia eram uma, chegou o tempo de esquecer que a Rainha
dias e meio – a corrida que ficou famosa, pois a distância é da Escócia e a Rainha da Inglaterra perturbara suas vidas com
complicada de quatrocentos milhas. Ele contava com uma boa uma inimizade envenenada. Não mais seria dito que uma delas
recompensa por suas dores, pois ele era o portador de boas tinha direito e a outra estava errada, desde que a morte reduziu
notícias. James VI da Escócia subiria ao trono como James I. Na o par no mesmo nível. Aquelas quem por muito tempo opôs
pessoa do filho de Mary Stuart, os dois reinos da Britânia seriam vorazmente uma contra a outra agora poderiam descansar lado
unidos, e a longa luta entre aqueles do mesmo sangue e a lado. James I teve os restos mortais de sua mãe trazidos de
discurso que viviam dos dois lados da fronteira estava para Peterborough para ser enterrados, com grande pompa e
acabar. História frequentemente anda por caminhos escuros, cerimônia, no panteão inglês em Westminster Abbey. Uma
mas no fim a necessidade história chega no seu próprio curso. estátua de mármore de Mary Stuart foi erguida sobre seu
túmulo, e uma estátua de mármore foi erguida sobre o túmulo
James I mudou-se alegremente para Whitehall, onde a
de Elizabeth Tudor. A velha briga estava acabada; nenhuma
sua mão sonhara em morar. Finalmente ele estava livre de
mulher poderia disputar com a outra o direito de espaço em
cuidados financeiros, e a sua ambição estava satisfeita; ele
Abbey. As inimigas quem durante a vida toda nunca olharam
buscou mais conforto do que fama imortal. Frequentemente
uma nos olhos da outra descansariam para sempre lado a lado
em caçadas; visitava teatros, estendendo a patronagem dele a
como irmãs no imperturbável sono da imortalidade.
um certo Shakespeare e outros dramaturgos notáveis – essa

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