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Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas

Conde de Gobineau
Tradução para fins exclusivamente didáticos de Luiz Fernando Rojo

Anteprólogo da segunda edição francesa

Este livro foi publicado pela primeira vez em 1853 (os tomos I e II) e os dois
últimos volumes (tomos III e IV) são de 1855. Na edição atual não se mudou uma linha
e não porque, neste intervalo, certos trabalhos não tenham determinado muitos progressos
nesta direção. Mas, nenhuma das verdades por mim expostas foram questionadas e julguei
necessário manter a verdade tal como a descobri. Em outros tempos não se abrigava sobre
as raças humanas mais do que suspeitas muito tímidas. Sentia-se vagamente que era
preciso escavar por este lado se se desejava por à vista a base ainda não conhecida da
história e pressentia-se que dentro desta ordem de noções apenas desbastadas, debaixo
destes mistérios tão insondáveis, deviam se encontrar a certas profundidades as vastas
fundações sobre as quais se elevaram gradualmente os pavimentos e em seguida os muros,
em uma palavra, todos os desenvolvimentos sociais das multidões tão variadas cujo
conjunto compreende o mosaico de nossos povos. Mas se ignorava o caminho a seguir
para se chegar a alguma conclusão.
Desde a segunda metade do século passado, se raciocinava sobre os anais gerais e
se pretendia, não obstante, reduzir todos estes fenômenos expostos em séries à leis fixas.
Esta nova maneira de classificar este conjunto, de alabar, de condenar, por meio de
fórmulas abstratas, cujo rigor se esforçavam em demonstrar, levava naturalmente a
suspeitar, sob o desenvolvimento dos fatos, uma força cuja natureza não havia sido nunca
conhecida. A prosperidade ou infortúnio de uma nação, sua grandez ou sua decadência,
havíamos por muito tempo nos contentado em fazê-las derivar das virtudes ou dos vícios,
aplicando-os sobre o ponto especial que se analisava. Um povo honrado deveria ser
necessariamente um povo ilustre e, ao contrário, uma sociedade que praticava muito
livremente o recrutamento ativo das consciências relaxadas devia provocar, sem salvação,
a ruína de Susa, de Atenas, de Roma, da mesma forma que uma situação análoga havia
atraído o castigo final sobre as difamadas cidades do Mar Morto.
Dando volta a semelhantes chaves, havia-se acreditado abrir todos os mistérios,
mas na verdade tudo permanecia fechado. As virtudes úteis a todas as grandes agrupações
sociais têm que oferecer um caráter muito particular de egoísmo coletivo que as fazem
diferentes do que se entende por virtude entre os particulares. O bandido espartano, o
usurário romano, foram personagens públicos de singular eficácia, ainda que, julgados
desde um ponto de vista moral, Lisandro e Catão fossem indivíduos muito ruins. Teve-se
que concordar com isso após se refletir e, em consequência, se se aplaudia a virtude em
um povo e se censurava com indignação o vício em outro, havia-se que reconhecer e
confessar em voz alta que não se tratava de méritos e deméritos que interessava à
consciência cristã, mas de certas atitudes, de determinadas forças ativas da alma e também
do corpo, que impulsionavam ou paralisavam o desenvolvimento da vida das nações, o
que se levava a perguntar por que uma destas podia o que a outra não podia, e assim um
se encontrava obrigado a confessar que este fato era resultante da raça.
Durante algum tempo todos se contentaram com esta declaração, a qual não se
sabia como dar a precisão necessária. Era uma palavra oca, uma frase, e nenhuma época
se conformou tanto com esta como a presente. Uma espécie de translúcida curiosidade,
que emana comumente de vocábulos inexplicados, era projetada aqui pelos estudos
fisiológicos e resultada suficiente ou, pelo menos, se quis por algum tempo que assim o
fosse. Mais do que tudo, se temia o que viria a seguir. Sentia-se que se o valor intrínseco
de um povo deriva de sua origem, era preciso restringir, suprimir talvez, tudo o que
chamamos de igualdade e, além disso, um povo grande ou miserável já não poderia mais
ser motivo de aplauso ou de censura. Ocorreria o que se passa com o valor relativo do
ouro ou do cobre. Frente a tais consequências, se retrocedia.
Havia que admitir, nestes dias de infantil paixão pela igualdade, que entre os filhos
de Adão houvesse esta hierarquia tão pouco democrática? Quantos dogmas, tanto
filosóficos quanto religiosos, corriam a protestar!
Não obstante as dúvidas, seguia-se avançando. Os descobrimentos se
avolumavam e suas vozes gritavam e exigiam que não se desviasse. A geografia narrava
o que havia frente a seus olhos, as coleções desbordavam de novos tipos humanos, a
história antiga melhor estudada, os segredos asiáticos melhor decifrados, as tradições
americanas mais acessíveis do que nunca, tudo proclamava a importância da raça. Havia
que se decidir penetrar a esta questão tal como ela se coloca.
Neste momento se apresentou um filólogo, M. Prichard, historiador medíocre,
teólogo ainda mais medíocre, que empenhado sobre tudo em provar que todas as raças se
equivalem, susteve que não havia porque ter medo e infundiu medo sobre si mesmo.
Propôs nem saber nem dizer a verdade sobre as coisas, mas apenas tranquilizar os
filântropos. A esta iniciativa, juntou certo número de fatos isolados, observados de forma
mais ou menos razoável e com os quais tentou provar a atitude inata do negro de
Moçambique e do malaio das Ilhas Marianas para chegarem a ser altíssimos personagens,
por menos que a ocasião lhes permitisse. M. Prichard foi, no entanto, elogiável pelo
simples fato de se ter colocado a dificuldade. Fez isto, é certo, pelo lado fácil, mas o fez
e nunca o agradeceremos o suficiente por isso.
Então escrevi este livro. Desde sua aparição, ele deu lugar a inúmeras discussões.
Seus princípios têm sido menos combatidos que suas aplicações e, sobretudo, que suas
conclusões. Os partidários do progresso ilimitado não se mostraram nada benévolos com
ele. O sábio Ewald emitiu a opinião de que se tratava de uma inspiração dos católicos
extremistas e a escola positivista o declarou perigoso. Entretanto, escritores que não são
nem católicos nem positivistas, mas que hoje possuem uma grande reputação,
introduziram de forma anônima, sem o confessarem, os princípios e também partes
inteiras deste livro em suas obras e, em suma, Fallmereyer não se equivocou ao afirmar
que a ele se recorre mais amplamente do que se reconhece.
Uma das ideias centrais desta obra é a grande influência das misturas étnicas, ou
dito de outro modo, das relações entre raças diversas. Foi a primeira vez que se
estabeleceu esta observação e que, ao ressaltar os resultados desde o ponto de vista social,
se apresentou este axioma: que tal qual resultasse a mistura obtida, tanto valeria a
variedade humana produto desta mistura e que os progressos e retrocessos das sociedades
não são mais do que os efeitos destes cruzamentos. Daí foi tirada a teoria da seleção, que
se fez célebre nas mãos de Darwin e mais ainda de seus discípulos. Disto se originou,
entre outros, o sistema de Buckle e pela distância considerável que separa as opiniões
deste filósofo e as minhas, cabe medir o afastamento relativo dos caminhos que se devem
traçar entre dois pensamentos hostis procedentes de um ponto comum. Buckle viu seu
trabalho interrompido pela morte, mas o sabor democrático de seus sentimentos lhe
proporcionou nestes tempos um êxito que o rigor de suas deduções e a solidez de seus
conhecimentos estão longe de justificar.
Darwin e Buckle criaram assim derivações principais do rio que eu abri. Muitos
outros têm dado como próprias certas verdades copiadas do meu livro, misturando-as com
maior ou menor habilidade com certas ideias hoje em voga.
Deixo, assim, meu livro tal como o fiz, sem mudar absolutamente nada. É a
exposição de um sistema, a expressão de uma verdade, hoje para mim tão certa quanto
quando a expressei pela primeira vez. Os progressos dos conhecimentos históricos não
me fizeram mudar de opinião em nenhum sentido ou no menor grau. Minhas convicções
de antes são as mesmas das que tenho hoje, que não oscilaram nem para a direita nem
para a esquerda e seguem sendo tal como surgiram desde o primeiro momento. As
aquisições que vieram a partir da esfera dos fatos em nada as prejudicam. Os detalhes se
multiplicaram, o que me agradam. Dos resultados obtidos, nada se alterou. Me sinto
satisfeito de que os testemunhos trazidos pela experiência vieram a demonstrar em grau
ainda maior a realidade da desigualdade das raças.
Confesso que eu poderia ter me sentido tentado de juntar meu protesto a tantos
outros que se levantam contra o darwinismo. Por sorte, não me esqueci que meu livro não
é uma obra de polêmica. Seu objetivo é afirmar uma verdade e não combater os erros.
Devo, deste modo, resistir a toda verdade belicosa. Da mesma forma me absterei de
disputar contra aquele suposto alarde de erudição que, sob o nome de estudos pré-
históricos, não deixa de fazer enorme ruído. Neste gênero de trabalhos segue a norma,
sempre mais fácil, de se passar por cima dos documentos mais antigos de todos os povos.
É uma maneira de se considerar livre de toda referência; se declara assim a tábula rasa e
nos sentimos plenamente autorizados a preenchê-la à nossa vontade, lançando mão das
hipóteses que mais nos convenham e preenchendo com elas todas as lacunas. Deste modo,
podemos dispor tudo ao nosso gosto e, com a ajuda de uma fraseologia especial,
computando os tempos por Idades da pedra, do bronze e do ferro, substituindo a névoa
geológica por aproximações de cronologias nada surpreendentes, conseguimos colocar o
espírito em um estado de sobreexcitação, que permite imaginar tudo e encontrar tudo
como admissível. Desta maneira, no meio das incoerências mais fantásticas, são postos
repentinamente a descoberto em todos os rincões do globo terrestre, buracos, covas,
cavernas de aspectos selvagens das quais são extraídas espantosas quantidades de crânios
e tíbias fósseis, detritos comestíveis, conchas de ostras e esqueletos de todos os animais
possíveis e impossíveis, talhados, gravados, arranhados, polidos e sem polir, facas, pontas
de flechas, ferramentas inomináveis e lançando este conjunto sobre as imaginações
excitadas, entre a fanfarra retumbante de um pedantismo sem par, as enchem com um
assombro tal que os adeptos podem, sem escrúpulos, como sir Jonh Lubbock e M. Evans,
heróis de tão difíceis trabalhos, atribuir àqueles objetos uma antiguidade ora de cem mil
anos, ora de quinhentos mil, diferenças de tempo sobre as quais não se encontra nenhuma
explicação.
É preciso saber respeitar os congressos pré-históricos e suas diversões. O
passatempo terminará quando seus excessos forem além de um determinado ponto e os
espíritos saciados simplesmente reduzam a pó todas aquelas loucuras. A partir desta
reforma indispensável, se retirarão por fim os machados de sílex e as facas de obsidiana
das mãos dos antropóides do professor Haeckel, que tão mal uso fazem delas.
Estas fantasias, afirmo, cessarão por si mesmas. Já vemos isso começar. A
Etnologia precisa passar por estes desvarios antes de se mostrar sã. Houve um tempo, Não
muito afastados de nós, em que os preconceitos contra as uniões consanguíneas eram tão
extremas que estas tiveram que ser regulamentadas por lei. Casar-se com uma prima
equivalia a condenar, de antemão, a todos os filhos à surdez e às demais doenças
hereditárias. Nada levava a pensar que as gerações que precederam à nossa, muito
inclinadas às relações consanguíneas, não experimentaram as consequências mórbidas
que se pretendem atribuir-las; que os seljúcidas, os incas e outros maridos de suas irmãs,
possuíam esplêndida saúde, estimável inteligência, sem deixar de lado sua beleza,
geralmente excepcional. Fatos tão irrefutáveis não podiam convencer a ninguém, pois que
se pretendia utilizar pela força as fantasias de um liberalismo que era contrário a toda
pureza de sangue e aspirava, no máximo possível, a celebrar a união do negro e do branco,
da qual provenhe o mulato. O que havia que se demonstrar como perigoso e inadmissível
era uma raça que não se unia nem se perpetuava senão consigo mesma. Uma vez este
delírio tendo sido o bastante, as experiências inteiramente decisivas do doutor Broca
destruíram para sempre um paradoxo ao qual não tardarão a se juntar as fantasmagorias
de idêntico calibre.
Deixo, repito, estas páginas tais quais as escrevi na época em que a doutrina que
afirmam surgiu em meu espírito, do modo como um pássaro coloca a cabeça para fora do
ninho e busca seu caminho no espaço sem limites. Minha teoria tem sido o que ela é, com
suas debilidades e sua força, sua exatidão e seus erros, análoga a todas as investigações
humanas. Alçou voo e segue voando. Não tratarei de encurtar, nem de expandir suas asas
e menos ainda de retificar seu rumo. Quem me prova que hoje eu o dirigiria melhor e,
sobretudo, que alcançaria maiores alturas nas regiões da verdade?
Este livro é, assim, a base de tudo o que pude fazer e farei no futuro. De certo
modo, o comecei desde a minha infância. É a expressão dos instintos que trouxe ao nascer.
Desde o primeiro dia em que refleti – e o fiz desde muito cedo – senti avidez por
compreender minha própria natureza, vivamente impressionado por esta máxima:
“Conhece-te a ti mesmo”. Não julguei que pudesse me conhecer sem saber como era o
meio em que iria viver e que, em parte, me inspirava a simpatia mais apaixonada e terna
e, em outra parte, me dava asco e me enchia de ódio, de menosprezo e de horror. Fiz,
desta forma, o possível para penetrar na análise do que chamamos, de uma maneira mais
geral do que conviria, a espécie humana e a este estudo devo o que estou expondo aqui.
Lentamente surgiu desta teoria a observação mais detalhada e minuciosa das leis
por mim estabelecidas. Comparei as raças entre si. Escolhi uma entre as que encontrei de
melhor e escrevi a História dos Persas para mostrar, com o exemplo da nação mais isolada
de todas as suas semelhantes, quão importantes são as diferenças de clima, de vizinhança
e as circunstâncias de tempo para mudar ou refrear o espírito de uma raça.
Assim que terminei esta segunda parte de minha tarefa pude começar a abordar as
dificuldades da terceira parte, causa e objetivo de meu interesse. Tracei a história de uma
família, de suas características recebidas desde sua origem, de suas aptidões, de seus
defeitos, das flutuações que influíram em seu destino e escrevia história de Ottar Jarl,
pirata norueguês e de sua descendência. Assim é que, depois de ter tirado a envoltura
verde, espinhosa, grossa da noz e em seguida seus lanhos, pus ao descoberto seu núcleo.
O caminho por mim recorrido não conduz a um destes promontórios escarpados onde o
solo se quebra, mas a uma destas planícies estreitas onde, com o caminho aberto diante
de si, o indivíduo herda os resultados supremos de sua raça, seus instintos bons ou maus,
fortes ou débeis e desenvolve livremente sua personalidade.
Hoje amamos as grandes unidades, os vastos conjuntos nos quais as entidades
isoladas desaparecem. O conceituamos como produto da ciência. Em cada época, esta
gostaria de devorar as verdades que a estorva. Não há porque se assustar sobre isso.
Júpiter sempre escapa da voracidade de Saturno e o esposo e filho de Rea, deuses uns e
outros, reinam, sem poderem se destruir mutuamente, sobre a majestade do Universo.

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