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Periódicos utilizados nas Doutrinas Essenciais:

tDICÕES ESPECIAIÍ

Revista dos Tribunais (RT)


Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCrim)
Revista Brasileira de Direito Desportivo (RBDD)
Revista Brasileira de Filosofia (RBF)
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Revista de Ciências Penais (RCP)
Revista de Direito Ambiental (RDA)
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais (RDB) DOUTRINAS ESSENCIAI:
Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial (RDCiv)
Prevista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI)
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Revista de Direito Privado (RDPriv)
Revista de Direito Público (RDP)
Revista de Processo (RePro)
Revista do Ibrac (RIBRAC)
Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo (RI ASP)
Revista Tributária das Américas (RTA) s COMÉRCIO EXTERIOR
Revista Tributária e de Finanças Públicas (RTrib) • I M P O S T O DE R E N D A
• I M P O S T O SOBRE P R O D U T O S INDUSTRIALIZADOS
s I M P O S T O SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS
« IMPOSTO TERRITORIAL RURAL

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) IVES GANDRA DA SILVA MAJ


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Direito tributário : impostos federais / Ives Gandra da Siiva Martins, Edvaído


Pereira de Brito organizadores. — São Paulo : Editora Revista dos Tribu-
nais, 2011. -- (Coleção doutrinas essenciais ;v. 3) Organizadores
ISBN 978-85-203-3956-5

1. Direito tributário - Brasil 2. Impostos federais - Brasil I. Martins, Ives Gan-


dra da Silva. II. Brito, Edvaldo Pereira de. III. Série.

11-00757 CDU-34:336.2(81)(094)

índices para catálogo sistemático: i . Impostos federais : Brasil: Direito tributário


EDITORA I \ l P
34:336.2(81)(094) REVISTA DOS TF
16 DOUTRINAS ESSENCIAIS - DIREITO TRIBUTÁRIO SUMÁRIO 17^

35. Imposto de renda e competência residual 47. Imposto sobre produtos industrializados e sua hipótese de in-
RUY BARBOSA NOGUEIRA 651 cidência
GERALDO ATALI BA 849
36. Imposto de renda - Autuação e lançamento de pessoa jurídica
incluindo, antes do término do ano-base, operações cuja ren- 48. Efeitos da Resolução 71/2005 do Senado Federal sobre o crédi-
da terá de ser apurada pelo futuro balanço e demonstração da to-prêmio do Dec.-lei 491/1969
conta de lucros e perdas
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS 857
RUY BARBOSA NOGUEIRA 665
49. Crédito-prêmio IPI
37. Imposto de renda
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS E PAULO LUCENA DE
RUY BARBOSA NOGUEIRA 673 MENEZES 889

38. Imposto de renda sobre descontos concedidos por vendedor 50. O imposto sobre produtos industrializados
RUY BARBOSA NOGUEIRA 683 P. B. TAVARES PAES • 925

39. O fato gerador do imposto de renda das pessoas jurídicas 51. Faturamento antecipado de mercadorias para entrega futura
SEBASTIÃO ALVES DOS REIS 711 - Incidência do IPI e do ICM - Conceituação do fato gerador
deste - Outras implicações legais
40. Imposto de renda das empresas: pessoas jurídicas imunes e RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA 933
isentas
SILVANA SARAIVA LABORDA E SILVA 731
52. IPI e as vendas de ativo fixo
RUBENS GOMES DE SOUSA 951
41. Imposto de renda - Considerações sobre as declarações presta-
das pelo contribuinte e as decisões administrativas 53. Crédito-prêmio de IPI dos produtos manufaturados destinados
TULLIO ASCARELLI 753 à exportação
SÉRGIO PRESTA 975
42. IR - Sociedades civis de profissão regulamentada
VITTORIO CASSONE 765
CAPÍTULO IV
43. A incidência do imposto de renda sobre o pagamento de férias IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS
e licença-prêmio em pecúnia
WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI 771
54. IOF nas operações com títulos públicos e a vedação de analo-
gia com operação de câmbio: o caso dos T-Bills
HELENO TAVEIRA TORRES 983
CAPÍTULO 111
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS 55. IOF complementar: incompatibilidade com a Constituição de
1988
44. A base de cálculo do IPI e a inconstitucionalidade do Ato Com- OCTAVIO CAMPOS FISCHER 1025
plementar n. 27
ARNOLDO WALD 779
CAPÍTULO V
45. Crédito-prêmio do IPI IMPOSTO TERRITORIAL RURAL
CLÈMERSON MERLIN CLÈVE 783
56. Aspectos da tributação fundiária brasileira: história, conceito,
46. IPI: constitucionalidade do crédito-prêmio competência e capacidade no Imposto Territorial Rural
EDVALDO BRITO 811 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES 1047
SPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIAR]
BRASILEIRA: HISTÓRIA CONCEITO,
COMPETÊNCIA E CAPACIDADE
NO IAAPOSTO TERRITORIAL P.URAL

FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES


Especialista em sociologia e história. Especialista em Direito da Administração
Municipal. Professor e Advogado.

Revista Tributária e de Finanças Públicas •> RTrib 84/39 °jan.-fev./2009

ÁREA DO DIREITO: Tributário

RESUMO: O propósito deste estudo é efetuar ABSTRACT: The purpose of this study is to make
algumas considerações acerca do Imposto some commentaries about thé Agricultural
Sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, Territorial Property Tax - ATT, for it we will
para tanto iremos analisar sua evolução his- go to analyze its historical evolution, by the
tórica, ao lado do próprio direito de proprie- side of the right of property, we also will
dade, apresentaremos então o conceito do present then the concept of the ATT, making
ITR, revendo também os conceitos de com- a review the concepts of tax ability anel tax
petência e capacidade tributária, como o capacity, how the ATT is foreseen in the
ITR encontra-se previsto na competência da
ability of the Federal Union but the Councils
União Federal mas os Municípios podem ter
can have capacity to collect it, and, finally,
capacidade de cobrá-lo, e, por fim, anal isare-
we will analyze the perspectives of eventual
mos as perspectivas de eventual transição do
ITR da esfera de competências da União para transition of the ATT from the sphere of
Estados-membros ou Municípios. abilities of the Union for the State-members
or Councils.
PALAVRAS-CHAVE: Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural - Evolução histórica - Esfera KEYWORDS: Agricultural Territorial Property Tax
de competências. - Historical evolution - Sphere of abilities.

SUMÁRIO: Introdução e apresentação do problema - 1. Breve panorama


histórico - 2. Revendo conceitos: competência e capacidade tributária - 3.
ITR: conceito - 4, ITR: competência federal e capacidade municipal
- 5. Perspectivas de alteração da competência - 6. À moda de conclusão -
8
Referências bibliográficas.
1048 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1049

Introdução e apresentação do problema No antigo testamento há menções ao dízimo devido ao rei, Caetano
Dias Corrêa bem menciona "ser fixada a décima parte dos campos, das
Neste breve artigo iremos efetuar uma breve digressão acerca do vinhas e dos rebanhos." (2006, p. 25)
imposto incidente sobre a propriedade territorial rural (ITR), tributo que
não vem recebendo a merecida atenção, quer por parte da classe política "Provavelmente o 'vectigaT terá sido, em Roma, o primitivo imposto
brasileira, quer por parte da doutrina, assim é que tencionamos abordá- territorial, como receita que, hoje, seria classificada de originária, porque a
lo, particularmente no que concerne aos aspectos mais controversos re- exigiam dos ocupantes da terra pública, 'ager puhlicus', na província da Itá-
lativos à competência para a sua instituição e à capacidade para sua arre- lia, ou'ager provincialis', até onde ia a conquista das águias romanas." (BALE-
EIRO, 1976, p. 313, grifos nossos, no mesmo sentido ver CAMPOS, 1993, p. 26.)
cadação e fiscalização.
Na Idade Média, houve o advento do feudalismo como modo de
Para tal, principiaremos com um breve escorço histórico sobre a tri-
produção, substituindo o escravismo romano, neste contexto, a estrutura
butação fundiária, com ênfase na realidade brasileira, sempre que possí-
socioeconômica e político-cultural da Alta Idade Média foi marcada pela
vel noticiando também os problemas agrários, principalmente porquanto
multiplicidade dos centros de poder, e se o Senhor Feudal, dono de todas
estes acabam tendo grande repercussão na instituição e efetivação do ITR.
as terras, era quem detinha o poder de tributar, não havia espaço para a
Em seguida apresentaremos e detalharemos o conceito do ITR, tributação da propriedade rural.
quando então estaremos aptos a rever os conceitos mais elementares
Na Baixa Idade Média, marcada pelo ressurgimento das municipa-
acerca da competência e da capacidade tributária, onde tencionamos lidades - comunas e burgos em substituição ao modelo do municipium
demonstrar como se dão as manifestações do poder estatal, através das romano - não parece ter havido qualquer avanço conceituai ou estrutural
funções precípuas do Estado e da repartição de competências dentre os em relação ao imposto sobre a propriedade rural.
entes estatais.
Dessa forma, outro momento significativo para a tributação sobre a
Atingidos esses objetivos, iremos, outrossim, discorrer sobre quem propriedade rural só ocorreria no século XVIII, quando Quesnay fundou
efetivamente seria o sujeito ativo da obrigação do ITR, bem como analisar a escola econômica fisiocrata - que inaugurou a concepção de que o tri-
as eventuais perspectivas e vantagens de uma possível transferência de buto era pago em virtude de uma relação contratual entre Estado e con-
sua titularidade, quando então retornaremos a efetuar algumas conside- tribuinte - e tal escola defendeu a criação de um imposto único incidindo
rações acerca do panorama político pátrio, o qual parece contribuir para sobre a renda do proprietário da terra. As idéias dos fisiocratas influencia-
a inefetividade da arrecadação do ITR. ram notadamente a Constituinte, durante a Revolução Francesa, a aban-
donar os tributos antigos em prol de um imposto territorial responsável
1. Breve panorama histórico por metade de toda a arrecadação orçamentária.
É razoável imaginar que, mesmo nas antigas propriedades comunais, Na Inglaterra o imposto sobre a propriedade fundiária veio a ser o
existia algum gravame da coletividade recaindo sobre a terra, nada de principal tributo direto, contudo, com a expansão da riqueza mobiliária,
muito organizado ou que assumisse feições de imposto nos moldes atuais. amalgamou-se ao imposto de renda.
Talvez de forma similar a algumas das tribos brasileiras nativas, onde o
Nos Estados Unidos o imposto fundiário é denominado general pro-
cacique e o pajé tinham determinados privilégios em relação à colheita.
perty tax, é instituído pelos Estados e, segundo Sir Josiah Stamp (1936, p.
Tão logo assumiram aspectos de tributos como os conhecemos hoje, 90-91) trata-se de tributação anual e regular, onde obviamente o imposto
os impostos parecem sempre ter estado ligados à propriedade rural, se- tem de ser pequeno o bastante para ser suportado anualmente. O autor
não diretamente, mas ao incidir sobre a colheita da terra. ainda critica o general property tax como um dos poucos impostos rela-
tivos a longos períodos, não dotado de progressividade, raramente inclui
J. M. Othon Sidou noticia que a China desde sua origem detinha or- todos os tipos de riqueza - leia-se opulência - e raramente toma em con-
ganização administrativa e conhecia impostos de várias espécies, alguns sideração as condições familiares.
incidindo sobre edificações e sobre a terra. Na Grécia a ésfora, conquanto
"correspondia a um verdadeiro imposto sobre a renda" incidia sobre o O fato de que em Portugal não existia um imposto agrário bem de-
capital latifundiário. (2003, p. 373) finido aliado ao já mencionado fato de que todo o território brasileiro
ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1051

era considerado propriedade da Coroa Portuguesa, implicou, a priori das por poucos e mantidas improdutivas. Entendia ele que o imposto inci-
na não-implementação de um imposto sobre a propriedade fundiária na dente sobre as glebas era o remédio para este mal. (Baleeiro, 1976, p. 314)
Colônia. 0 poder público imperial, contudo, cedeu à pressão das oligarquias,
Conforme se sabe, todo o território da Colônia era considerado ini- de forma que o referido imposto não foi criado, grandes nomes das le-
cialmente, propriedade da Coroa Portuguesa que, diante da necessidade tras jurídicas pátrias defenderam a implementação do imposto territorial,
de implementar uma política colonizadora, deu início ao regime de Ses- este, contudo, só viria a ser adotado depois da República.
marias e Capitanias Hereditárias.
Previa a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de
A terra foi, basicamente, dividida em lotes e distribuída a quem se 24.02.1891, em seu art. 9.°:
dispusesse a cultivá-la, como os interesses da Metrópole eram todos no
"Art. 9.° É da competência exclusiva dos Estados decretar impostos: (...)
sentido de assegurar o domínio da Colônia e torná-la produtiva, a coloni-
zação pátria foi voltada à exploração - diversamente da América do Norte 2.°) sobre Imóveis rurais e urbanos."
colonizada pelos ingleses, por exemplo, onde o foco era o povoamento - Aliomar Baleeiro noticia que "depois da República, Minas, São Paulo,
de forma que, visando tornar a Colônia rentável, Portugal recorreu à mo- Rio de Janeiro abriram o caminho, que, afinal, foi seguido timidamente
nocultura açucareira. pelos demais Estados, inclusive pela Bahia e, 1924" (Baleeiro, 1976, p. 315).
Obviamente, a forma como as terras foram distribuídas não visava Acreditamos que tal "timidez" deveu-se, principalmente, a dois fato-
a promoção de uma distribuição descentralizada, mas, pelo contrário, res; o primeiro deles de natureza administrativa, já que a implementação
foi verdadeiro estímulo ao latifúndio, seu único mérito aparente foi o de de tal tributo requeria exaustiva lista cadastral dos imóveis estaduais; o
basear-se na legitimidade da terra fundamentada na posse e no uso da
segundo, e possivelmente mais significativo, de natureza política, já que
mesma. Todavia, mesmo essa imposição de tornar a terra produtiva é
os grandes proprietários de terras dominavam, direta ou indiretamente, o
questionável, uma vez que o que havia na prática era o estímulo à mono-
cenário político nacional.
cultura e à exploração.
Lourenço Filho noticia, por exemplo, que o Ceará esteve por 20 anos
Bernardo Ribeiro de Moraes (1984, p. 67) adverte que "em referên-
governado por uma oligarquia e que a práxis da época era que o grupo
cia à discriminação de rendas tributárias, a Constituição Imperial de 1824
que dominava a política nacional indicasse o candidato à presidência.
silenciou, uma vez que o poder fiscal estava centralizado na pessoa do
Imperador" Este panorama só iria ser alterado em 1832 quando o regime (2002, p. 84-85)
tributário foi alterado por novo diploma legal. A Carta Constitucional seguinte, de 16.07.1934 manteve o imposto
fundiário na competência dos Estados-membros:
No que concerne ao exercício do direito de propriedade em relação
às glebas rurais no Brasil, marco legislativo significativo foi a Lei de Terras "Art. 8.° Também compete privativamente aos Estados:
de 1850, mediante a qual as propriedades somente poderiam ser adquiri-
1 - decretar impostos sobre:
das por compra e venda, "não mais por grilagem de terras públicas. Desse
modo, os fazendeiros já não podiam incorporar ilegalmente novas terras a) propriedade territorial, exceto a urbana."
para ampliar suas fazendas" (Cáceres, 1993, p. 186). A Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937 repetiu a regra
Por essa época já havia quem defendesse a criação de imposto ter- jurídica anterior relativa ao ITR (art. 23,1, a), o mesmo se deu com a Cons-
ritorial rural, em 1843 foi incluído, no projeto da já mencionada lei das tituição de 1946 (art. 19,1).
terras, um artigo instituindo um tributo sobre as mesmas, tal artigo, con- Esta Constituição, inspirada no modelo de Weimar, era "fortemente
tudo, foi rejeitado em 1850. (Campos, 1993, p. 27) orientada no sentido de instituir o Estado do bem-estar social. O novo
O Barão de Cotegipe, proprietário de um grande engenho de açúcar, governo, entretanto, não conseguiu implantar as reformas de base de
foi defensor do imposto sobre a propriedade territorial rural, tendo escrito que o país necessitava, nem modernizar a vida econômica. Os grandes
em 1874 crítica à estrutura fundiária de então, onde as terras eram ocupa- latifúndios dificultavam e até mesmo boicotavam a plena implantação
1052 FRANCYSCO PABIO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1053

das reformas sociais e da reforma agraria, o que poderia minimizar a pe- 09.11.1964. Ela, em seu art. 2.° manda acrescer ao art. 15 da Constituição
núria da população rural" (PEREIRA, 1999, p. 47). mais um item, o VII, que atribui competência à União para criar o Impos-
to sobre a Propriedade Territorial Rural, e mais um parágrafo, o 9.°, dizen-
Como se vê, desde sempre a questão agrária no Brasil sempre deu
do que 'o produto da arrecadação do Imposto Territorial Rural será entre-
margens a conflitos, em regra desencadeados pela injusta concentração
de terras nas mãos de poucos, Melhem Adas (1998, p. 405) leciona que "a gue na forma da lei, pela União aos Municípios onde estejam localizados
partir de 1960, o processo de concentração fundiária se acentuou, princi- os imóveis sobre os quais incida a tributação'. A idéia, sem dúvida, foi a de
palmente em decorrência da política do desenvolvimento agropecuário permitir que o Imposto Territorial Rural servisse melhor um instrumento
implantada pelo regime militar" de reforma agrária" (CAMPOS, 1993, p. 29).
Viemos nos atendo no ITR, mas a quantidade de reformas denota a
Ocorre que no afã de inserir e desenvolver o capitalismo, o governo
militar incentivou a reprodução da propriedade capitalista, o que impli- instabilidade do Sistema Tributário de então, que demandava reformas
cou no privilégio do grande capital e grandes empresas, mediante incen- urgentes. (Sobre os problemas que acometiam o Sistema Tributário, ver:
tivos - notadamente financeiros e fiscais - em detrimento do pequeno AMED; NEGREIROS, 2000, p. 283 - BALTHAZAR, 2005, p. 135 e ss. - MORAES,
produtor e do minifúndio. 1984, p. 74-76.)
Entrementes, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural vem
As medidas político-econômicas contrastavam com a legislação, de
sendo mantido na competência da União, possivelmente porque é esta
um lado o incentivo à grande propriedade, do outro o Estatuto da Terra
tramitando no Congresso. Sobre o mencionado Estatuto, Ariovaldo Um- quem detém maior condição para instituir e fiscalizar, bem como interes-
belino de Oliveira noticia que o "Castelo Branco, logo após tomar posse se para estimular a produtividade e penalizar os latifúndios improdutivos.
e começar a governar, enviou ao Congresso um Estatuto da Terra 'avan- Em suma, o que extraímos do panorama histórico do imposto sobre
çado' (para a época). Este, somado ao Estatuto do Trabalhador Rural, já a propriedade fundiária é que o mesmo é uma constante em muitos or-
aprovado anteriormente, poderiam se constituir em instrumentos para a denamentos ao longo da história da humanidade, bem como é amplo seu
promoção da reforma agrária. Ou, como preferiam afirmar os militares de potencial para a efetivação da justiça fiscal, principalmente como instru-
então: 'promover a reforma agrária dentro da justiça social sem o toque mento promotor da reforma agrária, isto já era sabido no Brasil Império,
vermelho dos partidos comunistas; contudo, parece não haver muita preocupação por parte da classe polí-
tica pátria em efetivá-lo. Certamente por ser esta, ainda hoje, em grande
Não foi o que ocorreu. Aliás, o próprio Ministro do Planejamento
parte detentora das terras no Brasil.
Roberto Campos, incumbiu-se de informar aos parlamentares que o Es-
tatuto jamais seria aplicado. Sua regulamentação (elaboração do Plano Em meados de 1996 foi publicado, através do Instituto Nacional de
Nacional de Reforma Agrária) só viria a ser objeto de ação governamental Colonização e Reforma Agrária - Incra, o Atlas Fundiário Brasileiro (dis-
mais de vinte anos depois, já com a 'Nova República!" (1994, p. 31-32) ponível on Une [http://www.incra.gov.br/arquivos/0175100252.zip]) o
qual revela o quão injusta é a estrutura fundiária pátria; basta dizer que na
Fruto de, como leciona Bernardo Ribeiro de Moraes (1984, p. 74) "ár-
época, "43.956 dos grandes proprietários rurais no Brasil, apenas 1,4% do
dua campanha municipaiista," em 21.11.1961 adveio a EC 5, transferindo
total, dominavam 50% de todas as terras agricultáveis ou da área ocupada
para os Municípios a competência para instituir o Imposto Territorial Ru-
ral e o Imposto sobre a Transmissão da Propriedade Intervivos. pelos imóveis rurais" (ADAS, 1998, p. 404), o que configura uma imensa e
desarrazoada concentração de terras nas mãos de uma minoria ínfima.
Ivone Rotta Pereira (1999, p. 62) noticia que a nova configuração das Ainda mais quando consideramos que o número de pessoas vivendo à
rendas tributárias (competência para instituição e repasse do produto ar- margem da sociedade - vítimas, por exemplo, da fome e desnutrição - é
recadado) acabou "agravando a situação financeira dos Estados, já bas- imensa.
tante precária"
"Há, assim, uma grande ociosidade da terra no Brasil, paralelamente
Em relação à efetividade do ITR, não constatamos nenhuma mudan- à existência de um grande contingente de homens ou famílias sem terra,
ça significativa, até porque os Municípios não tiveram muito tempo para aprofundando as brutais contradições da sociedade brasileira. Enquanto a
implementá-lo, a competência tornou a ser "modificada pela EC 10, de América do Norte, o Japão, a Coréia do Sul, Taiwan, a Indonésia, a Malásia
1054 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1055

e a França e outros países da Europa ocidental realizaram, após a Segunda te de duas formas; Na primeira, através das suas funções básicas, quais
Guerra Mundial, a modernização da agricultura - com base nas unidades sejam, executiva, legislativa e judiciária; Na segunda, de acordo com a
de produção familiar e com fortes investimentos em tecnologias e redu- extensão do poder, ou seja, no âmbito da competência para legislar, para
ção ou até mesmo inexistência de carga fiscal na agropecuária - o Brasil executar, para julgar.
optou por urna modernização conservadora, mantendo e estimulando o
padrão histórico, caracterizado pela grande propriedade latifundiária e Uma vez constituído, o Estado encerra, justamente em sua Consti-
pela concentração da propriedade rural. (...) tuição, a estrutura da divisão do poder estatal. Tomando como exemplo o
poder de criar e fazer valer regras jurídicas tributárias no Brasil, observa-
Concluindo, percebe-se que o nível e o grau de utilização da terra no se que tal poder se manifesta entre os órgãos legislativos da União Fede-
Brasil é baixo em relação tanto à área dos imóveis rurais quanto à área do ral, dos Estados-membros e dos Municípios.
território brasileiro." (ABAS, 1998, p. 408)
"Essa partilha jurídica do poder tributante é o que denominamos
2. Revendo conceitos: competência e capacidade tributária competência tributária, isto é, a aptidão que a Constituição Federal con-
fere aos entes públicos dotados de poder legislativo, para instituir tribu-
Antes de atingir o cerne do presente estudo se fazem necessárias al- tos. Essa outorga é limitada pela Constituição Federal." (OLIVEIRA, 2005,
gumas considerações acerca dos conceitos de competência e capacidade p.4)
em matéria tributária, pois bem, sabemos que a Constituição é a norma
máxima do Estado, também sabemos que na mesma se encontra a es- Alfredo Augusto Becker ensina que "deve-se distinguir entre:
truturação e organização jurídica daquele mesmo Estado; noutro giro, é a) competência (parcela de Poder limitado quantitativa e qualitati-
possível dizer que a Constituição encerra a regulamentação essencial do vamente) para criar a regra jurídica tributária;
poder estatal em suas três funções essenciais: executiva, legislativa e judi-
ciária. b) efeito resultante da incidência daquela regra jurídica. Essa regra
jurídica, sendo válida, incidirá e dessa incidência se irradiará - como efei-
Sabemos, ainda que o tributo se destina a prover o Estado de recur- to - uma relação jurídica em cujo pólo positivo situa-se, na posição de
sos para a consecução de seus objetivos; assim é que, no Brasil, também sujeito ativo, a pessoa que tiver sido predeterminada pela regra jurídica.
a aptidão para criar tributos - que em última análise é apenas uma mani-
Note-se que 'ser Sujeito Ativo' é efeito da incidência de regra jurídica váli-
festação do summa imperii estatal - é delineada e outorgada constitucio-
da'.' (1972, p. 248)
nalmente entre os entes políticos que compõem a federação, quais sejam
União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, logo, podemos Assim é que, se na linguagem coloquial competência e capacidade
definir competência tributária como sendo a partilha, a outorga constitu- podem ser sinônimos, e eventualmente em alguns ramos da árvore jurí-
cional aos entes dotados de poder legislativo para que estes possam insti- dica estes dois vocábulos podem ser tidos como equivalentes; em matéria
tuir tributos. (OLIVEIRA, 2005, p. 4) tributária, contudo, tratam-se de dois institutos diferentes.
E oportuno rever a sempre atual lição de Alfredo Augusto Becker, no Conforme adverte o Prof. Francisco Assis de Oliveira (2005, p. 4-5):
sentido de que o "Poder Tributário não é um suigeneris que teria caracte--
"A capacidade tributária não se confunde com a competência tribu-
rísticas próprias e específicas. O 'Poder Tributário' é simplesmente uma
tária, pois aquela é representada pelo poder atribuído pela Constituição,
manifestação do Poder estatal" (1972, p. 242). Bem como recordar a de-
finição de poder clara e precisa do Prof. Hugo de Brito Machado: poder é ou por leis infraconstitucionais, a ente estatal para exercer atos adminis-
aptidão factual para decidir e fazer valer sua decisão. (MACHADO, Hugo trativos de arrecadação, fiscalização e administração tributária."
de Brito. O poder e o direito na relação tributária. Palestra proferida no Logo, mister se faz compreender que a competência é a de instituir
Direito 2007, Fortaleza-CE, 27.04.2007.) tributos, ao passo que a capacidade é de arrecadar, fiscalizar e adminis-
Ora, por certo que para a consecução dos seus fins o Estado é levado trar tributos previamente instituídos.
à especialização de suas funções, outorgando competências com base em Em suma, é de se ver que a regra jurídica tributária, pode determinar
seu poder, este uno e indivisível, sendo que tal outorga se dá basicamen- como sujeito ativo um ente diverso daquele competente para instituí-la.
1056 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1057

Detalhe importante é que, uma vez que a competência tributária é 3. ITR: conceito
delineada pela Constituição, os entes a quem tal competência foi outor- Como sabemos, a Carta Magna em seu art. 153 consagra o ITR na
gada não podem delegá-la, isto é decorrência da hierarquia fática e lógica esfera de competência tributária da União:
das normas jurídicas, que mereceu inclusive advertência explícita do le-
gislador, determinando que "a competência tributária é indelegável, salvo "Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar (omissis)
leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, con-
VI - propriedade territorial rural."
ferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra {...)", nos termos
do art. 7.° do CTN (grífos nossos). "Admitir a delegação de competência Com base neste e em outros dispositivos legais podemos conceituar
para instituir tributo é admitir seja a Constituição alterada por norma in- ITR como o imposto sobre a propriedade territorial e rural, de competên-
fraconstitucional" adverte Hugo de Brito Machado (2007, p. 293). cia privativa da União, de incidência anual, específica sobre a proprieda-
de, o domínio útil ou a posse de bem, imóvel por natureza, localizado na
Assim, em se tratando de Direito Tributário, sempre que se fala em zona rural; está tal imposto sujeito aos princípios constitucionais tributá-
competência, está se referindo ao poder de criar a regra jurídica tributá- rios e às limitações impostas ao poder de tributar.
ria, o que não se confunde com a capacidade (atribuída pela Constitui-
ção ou por leis infraconstitucionais) de arrecadar, fiscalizar e administrar Analisemos, pois, tal conceito:
tributos. a) Se é imposto; é "tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma
Logo, quando se estiver percorrendo a seara da disciplina jurídica situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa
dos tributos, há que se ter em mente que competência não é sinônimo ao contribuinte" nos termos do art. 16 do CTN
de capacidade. Apesar de tal distinção ser acatada pela maioria dos dou- b) De competência privativa da União; vale dizer que apenas a
trinadores e apresentada aos neófitos nas lições mais elementares de Di- União Federal pode instituí-lo mediante lei (isto será melhor detalhado
reito Tributário, alguns autores renomados ainda confundem os dois ins- aposteriori).
titutos, vide Petrônio Braz (2006, p. 71): "Capacidade tributária é, dentro c) De incidência anual; a incidência do ITR se dá no primeiro dia de
desse conceito, a aptidão, deferida pela Constituição, para instituir, lançar
janeiro de cada ano.
e cobrar tributos, através de lei ordinária ou complementar.
d) Incidência específica sobre a propriedade, o domínio útil ou a pos-
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, como entes se; significa que embora seja denominado Imposto "sobre a propriedade
federativos, têm, nos termos do art. 145, da CF/1988, capacidade tributá- territorial rural" (art. 153, VI, da CF/1988; art. 29 do CTN; art. l.° da Lei
ria para instituir impostos, taxas e contribuição de melhoria, decorrente 9.393/1996) este tributo na verdade Incide também sobre a posse ou o
de obras públicas." domínio útil, assim, em regra, deverá pagar o ITR quem em 1.° de janeiro
É possível tomar ainda a competência tributária como uma efetiva e for proprietário, possuidor ou detiver o domínio útil de imóvel localizado
didática de classificação dos impostos, assim observa Hugo de Brito Ma- na zona rural.
chado, in verbis: e) Incidência específica sobre a propriedade localizada na zona rural;
"Quanto à competência para instituição os impostos podem ser fe- obviamente tal imposto não poderia incidir sobre imóvel localizado na
derais, estaduais e municipais. Esta é a classificação utilizada pela vigente zona urbana, sob pena de invasão da Competência Tributária Municipal,
Constituição Federal. Trata-se, portanto, de uma classificação rigorosa- o que acarretaria bitributação e inconstitucionalidade da cobrança.
mente jurídica." (2007, p. 320) f) O ITR submete-se aos princípios e limitações constitucionais do po-
Oportuno aqui recordar que o ITR já esteve na competência de Esta- der de tributar; Aqui, valendo todos os princípios gerais e ainda aqueles
que o constituinte fez questão de frisar como norteadores do ITR.
dos-membros e Municípios - sem que fosse conseguida sua implemen-
tação efetiva - e hoje encontra-se inserto na competência da União, nos Pois bem, ocorre que a mesma Carta Constitucional, ainda em seu
termos da Carta Magna, conforme art. 153, infratranscrito. art. 153, § 4.°, III consagra que o ITR será fiscalizado e cobrado pelos Mu-
1058 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1059

nicípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redu- tributária, cuja regra tem como efeito a colocação do Município na posi-
ção do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. ção de sujeito ativo da conseqüente relação jurídica tributária" (1972,
p. 248-249).
Na configuração constitucional do ITR surge o cerne do presente es-
tudo, porquanto a Constituição Federal que já determina o repasse de me- Essa idéia, à primeira vista, poderia parecer nonsense, afinal, parece
tade da arrecadação do ITR aos Municípios, relativamente aos imóveis ne- não haver muito sentido haveria em um Estado constituir a delineação de
les localizados, ainda prevê que, caso optem por fiscalizar e cobrar o ITR sua competência tributária qualitativa e quantitativamente, atribuindo-a
os Municípios passam a fazer jus a 100% do produto de sua arrecadação - a um ente e exercê-la em proveito de outro. A regra instituindo tal tributo
ainda relativamente aos imóveis neles situados - nos termos do art. 158, II. aparentemente contrariaria a própria lógica pela qual o Estado se cons-
tituiu.
Diante de tais previsões temos uma confusão, ao menos aparente,
acerca de quem seria o efetivo sujeito ativo da obrigação do ITR e, princi- O mesmo Alfredo Augusto Becker adverte que em tais casos, "fre-
palmente, somos levados a questionar, as razões pelas quais o ITR não pas- qüentemente, ocorrerá a invalidade (falta de juridicidade) da regra jurídi-
sa, de uma vez, par a esfera de competência tributária das municipalidades. ca tributária: ou por antinomia ou por incompetência. Porém, não existe
'a priorij nenhum princípio lógico ou jurídico que possa fundamentar a
4. ITR: competência federal e capacidade municipal tese de que sempre seria inválida a regra jurídica tributária que escolhes-
se como sujeito ativo o caso agora focalizado: a União Federal na posição
Como foi dito anteriormente, em uma primeira análise, nada impe- de sujeito ativo em conseqüência de regra jurídica tributária criada por
de que um ente dotado de competência para instituir determinado im- Município. E vice-versa.
posto o faça, beneficiando outro ente.
{omissis)
As relações jurídicas se dão entre pessoas, e controversa a questão
sobre que pessoas - naturais, jurídicas, públicas privadas - podem efeti- Quase sempre (note-se: não sempre nem necessariamente), tal regra
vamente figurar como no pólo positivo da relação jurídica tributária - Por jurídica tributária será inválida por antinomia, principalmente no Esta-
exemplo, Paulo de Barros Carvalho entende que o sujeito ativo pode ser do organizado sob o regime federativo, pois, quer no primeiro exemplo
uma pessoa jurídica pública ou privada, e não vislumbra nenhum óbice (União Federal, criando regra jurídica que impõe ao Município a posição
que impeça a possibilidade de sê-lo uma pessoa física (1997, p. 196); Cel- de sujeito ativo), quer no segundo exemplo (Município, criando regra jurí-
so Ribeiro de Bastos, por seu turno, entende que podem ser sujeitos ativos dica tributária quem impõe à União Federal a posição de sujeito ativo), ha-
as pessoas, "públicas ou privadas, que, por força de lei, podem tomar as verá uma provável inversão na concatenação lógico-jurídica que presidiu
medidas necessárias para o recebimento do crédito tributário" (1995, p. o movimento de expansão do Estado-Realidade Natural." (1972, p. 249)
196); Hugo de Brito Machado, por seu turno, analisando o art. 119 do CTN, Convém notar que é exatamente o que se dá com o ITR - nos termos
entende que "se por titular da competência para exigir o cumprimento da do art. 153, § 4.°, III - já que foi atribuído às municipalidades pátrias que
obrigação tributária entendermos a pessoa jurídica que tem condições de assim optarem a Capacidade fiscalizá-lo e cobrá-lo, com a ressalva de que
constituir o crédito, inscrevê-lo em Dívida Ativa e promover a execução isto não poderá implicar redução do imposto ou qualquer outra forma de
fiscal correspondente, com certeza não podemos colocar nessa condição renúncia fiscal.
a pessoa jurídica de direito privado, nem a pessoa natural. Tais pessoas
podem receber atribuições de arrecadar o tributo. Não, porém, de exigi-lo Assim foi facultado aos municípios a aptidão de exercer a Capacida-
nos termos aqui referidos" (2007, p. 168) de tributária do ITR, e como incentivo, os Municípios que optarem por
fazê-lo fazem jus à totalidade do que for arrecadado sobre as proprieda-
Entrementes, sabemos que pode figurar no pólo positivo uma pes- des rurais em seu território, nos termos do art. 158, II, da CF/1988.
soa diversa daquela que efetivamente instituiu o tributo, ou como bem
Conforme já vimos, a destinação do produto da arrecadação do ITR
define Alfredo Augusto Becker,
aos Municípios, quer na razão de 50%, relativamente aos imóveis neles
"um órgão criado por qualquer órgão distinto daquele que tiver cria- situados, quer na razão de sua totalidade decorrente da opção supracita-
do a regra jurídica tributária. Exemplo: a União Federal cria regra jurídica da - efetuada nos termos do art. 158, II - não o desvirtua enquanto tributo
1Q60 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1061

cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qual- O mesmo autor ainda observa que "Como o sistema tributário con-
quer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. O simples repas- cede aos Municípios impostos cuja base de tributação mais expressiva é
se da renda do tributo, no caso em tela, não tem o condão de vinculá-lo urbana, este fato faz com que haja uma elevada concentração das receitas
Cabe observar que estas disposições relativas à Capacidade Tributá- tributárias nos Municípios de maior porte demográfico, que são os que
rla e repasses do produto da arrecadação do ITR foram dispostas na Carta apresentam a maior parcela de população urbana do País.
Magna após o advento da EC 42, de 19.12.2003. Isto faz com que os Municípios de pequeno porte e até mesmo os
Considerando, em especial a não-implementação do ITR, quer pa- menores dentre aqueles de médio porte demográfico tenham uma baixa
recer que esta é proposital, já que os governantes preferem trabalhar com participação quanto à receita tributária, ou seja, que em aproximadamen-
tributos de cunho mais arrecadatório do que regulador, e, igualmente te 71,8% dos Municípios do País a participação deste conjunto de Muni-
parecem não se interessar em efetivar os tributos que incidem preferen- cípios não ultrapasse os 4,9% da sua receita orçamentária." (2006b, p. 25)
cialmente em seu patrimônio próprio. Até porque, é notório que a classe Concordamos em parte com o autor, seus argumentos seriam inso-
política é grande detentora de latifúndios no Brasil, outro exemplo da pre- fismáveis se não fosse o fato de que as municipalidades pátrias têm a sua
ferência dos governantes em tributar o patrimônio do povo em vez do seu disposição a capacidade de fiscalizar e arrecadar o ITR, podendo assim
próprio está no nunca efetivado Imposto Sobre as Grandes Fortunas, não auferir 100% da renda do mesmo.
que estejamos defendendo a implementação deste controverso tributo,
Logo, o argumento de que a Competência Tributária Municipal seria
mas, não precisa muito esforço intelectual para descobrir a razão pela
falha - apenas - porque os Municípios detém a competência para a insti-
qual um estado fiscalista como o Brasil ainda não efetivou tal imposto.
tuição de tributos essencialmente urbanos revela-se falho justamente por
Ora, basta pensar de quem são as grandes fortunas neste país. Basta pen-
conta do ITR.
sar, também, o quão é contraditório o imposto fundiário não conseguir ser
rentável, na atualidade, num país de dimensões continentais. Mas estaríamos distorcendo o entendimento do doutrinador se não
deixássemos claro que o mesmo não aponta este como o único problema
De qualquer forma, não podemos nos furtar de especular eventu- da tributação municipal, em verdade, ele o enfatiza - e com razão - mas faz
ais vantagens e desvantagens decorrentes de uma eventual alteração na questão de demonstrar que outros problemas, como a má distribuição de
Competência Tributária do ITR. renda são igualmente, ou mais responsáveis pela má arrecadação municipal:

5. Perspectivas de alteração da competência "Verifica-se que o atual sistema tributário leva a esta situação, e que,
infelizmente, não se vislumbra uma perspectiva diferente, mesmo que se
Sendo a outorga do poder de tributar matéria constitucional, como promova uma profunda alteração no sistema tributário nacional, vez que
tal só pode ser alterada mediante Emenda à Constituição. o-grande problema destes Municípios é, além da relativamente peque-
na quantidade de contribuintes, a sua incapacidade contributiva, devido
Ocorre que, sempre que se fala em reforma tributária, mais cedo ou
não apenas à enorme desigualdade na distribuição da renda de sua po-
mais tarde se cogita a alteração da Competência do ITR.
pulação, mas também da enorme concentração de pobreza nestes Muni-
Há quem defenda a transferência da Competência para os Municí- cípios." (2006b, p. 25)
pios, geralmente em uma perspectiva municipalista, visando melhorar
Em outra ocasião já demonstramos os problemas da arrecadação
o panorama da arrecadação municipal, pois como salienta François E. J.
dos municípios menores e mais pobres, tecendo os devidos comentários
Bremaecker:
e fazendo as observações que julgamos oportunas para sanar tal proble-
"Os Municípios têm à sua disposição tributos que se aplicam sobre ma (GONÇALVES, 2008). Este, contudo, não é o fulcro do presente trabalho.
atividades eminentemente urbanas: o Imposto sobre a Propriedade Pre- Em que pese bem quiséssemos acreditar que a classe política brasi-
dial e Territorial Urbana (IPTTJ) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer leira é bem instruída e só age em prol da coletividade - nunca em defesa
Natureza (ISS). Entretanto, a grande maioria dos Municípios do País é de de interesses particulares e mesquinhos - não se pode deixar de pensar
base econômica rural." (2006a, p. 4) que o ITR é um tributo marcado pela sua atual não-rentabilidade (quer
1062 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1063

seja esta decorrente de sua função extrafiscal ou dos interesses de alguns) Da mesma forma, difícil vislumbrar vantagens num ITR de Compe-
e é certo que sua efetivação demandaria gastos consideráveis em atuali- tência dos Estados-membros - o que já existiu sem resultados satisfató-
zação dos cadastros fundiários e fiscalização do cumprimento da função rios - permaneceriam os mesmos problemas estruturais para sua imple-
social da terra, que, conforme visto em linhas anteriores, além da mera mentação, bem como poderia permanecer o mesmo desinteresse em sua
produtividade, requer um aproveitamento razoável e racional da. proprie- efetivação.
dade rural, sempre voltado ao bem comum.
6. A moda de conclusão
Ora, basta imaginar o investimento em certames para provimento
das vagas de tais fiscais e equipamentos para que os mesmos desempe- O que extraímos do panorama histórico do imposto sobre a proprie-
nhassem suas funções, os gastos em capacitação e remuneração dos mes- dade fundiária é que o mesmo é uma constante em muitos ordenamentos
mos, tudo para ao fim, promover a função social do tributo fundiário - ex- ao longo da História da humanidade, bem como é amplo seu potencial
trafiscalidade - desgostando latifundiários, efetivando um imposto cuja para a efetivação da justiça fiscal, principalmente como instrumento de
função primordial não seria a arrecadação de divisas. promoção ou auxiliar da reforma agrária, isto já era sabido no Brasil Im-
pério, contudo, parece não haver muita preocupação por parte da classe
A questão é que, numa perspectiva politiqueira, provavelmente seja política pátria em efetivá-lo. Talvez por ser esta, ainda hoje, em grande
mais conveniente deixar de efetivar tal tributo para apenas realizar algu- parte detentora das terras no Brasil.
mas obras faraônicas ou, ainda, aliciar o eleitorado com esmolas. De fato,
prometer as reformas, sejam elas tributária, agrária, ou o que for, é muito Sobre a questão agrária brasileira, aliás, percebemos que além de
fácil e muito conveniente. Promover tais reformas, por outro lado, talvez inexistir uma divisão equitativa das terras cultiváveis brasileiras, ou nou-
não seja assim tão conveniente,v.g o caso da indústria da seca nordestina, tras palavras, além de uma minoria ser a detentora da maior parte das
uma verdadeira indústria que vem mantendo determinadas famílias no terras no Brasil, o nível e o grau de utilização da terra é baixo em relação
poder há gerações. tanto à área dos imóveis rurais quanto à área do território brasileiro.
Estamos diante das razões pelas quais o ITR não é efetivado e porque O problema agrário, aliás, é uma constante na História do Brasil, ou-
a União parece não se importar tanto em perder a competência para ins- trossim, é também um problema cultural, porquanto num país pautado
tituí-lo, e, igualmente, frente ao aparente desinteresse de Estados-mem- pelas desigualdades sociais, muitas vezes as grandes propriedades rurais
bros e Municípios de assumi-la. são associada ao status, à projeção social e ao prestígio político - assim
como via de regra é possível acompanhar através da mídia os conflitos
Voltando à Competência do ITR, vimos que diante da perspectiva agrários, também o é ter notícias de políticos, empresários, artistas, e, por
de melhorar o panorama das finanças municipais, apenas a sua transfe- incrível que pareça, operadores do direito, que adquiriram latifúndios
rência para as municipalidades não resolveria o problema, em algumas que, via de regra, tenderão a se tornar improdutivos - tais propriedades
municipalidades, aliás, mormente nas menores mais atrasadas, poderia por vezes assumem caráter meramente especulativo ou de reserva de va-
implicar verdadeira renúncia fiscal, o que efetivamente deverá acontecer lor, ou, ainda, de instrumento de poder.
quando a classe política municipal - que bem sabemos tende a se perpe-
tuar no poder - for a grande detentora das terras da localidade. Exsurge igualmente a necessidade da implementação de uma tribu-
tação agrária voltada ao estímulo de uma propriedade que cumpra com
Ademais, do curto período em que o ITR esteve na Competência Tri- sua função social, um ITR que funcione, senão aprioristicamente como
butária Municipal - em que pese poder ter existido - desconhecemos um forma de coibir essa tendência pátria à reafirmação da grande proprieda-
único Município onde o mesmo tenha sido implementado como deveria, de, mas ao menos que as conduza à produtividade.
poucas municipalidades, aliás, diligenciaram neste sentido.
Sobre a competência para a instituição do ITR, o ideal, no fim das
Restaria ainda a incerteza jurídica decorrente de uma propriedade li- contas, é a permanência do ITR na esfera dos tributos da União, como
mítrofe, mais especificamente quando parte da propriedade rural estivesse também entende Fábio Fanucchi (apud CAMPOS, 1993, p. 38); "é possível
numa municipalidade e parte em outra, viriam os problemas característicos que a atual competência impositiva do ITR é muito mais lógica que a das
das duas imposições sobre o que, factualmente, seria um terreno apenas. anteriores Constituições. Exercendo a imposição, a União conseguiu vá-
1064 FRANCYSCO PABLO FEITOSA GONÇALVES
ASPECTOS DA TRIBUTAÇÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA 1065
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dade e justiça social. requisito à obtenção do título de Especialista em Direito da Administração Mu-
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Por fim, sobre eventuais gastos relativos à infra-estrutura para a efe-
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tivação do ITR, nunca é demais lembrar que estamos n a era da informá-
pela Academia Brasileira de Letras em 1927. 4. ed. Brasília: MEC/Inep, 2002.
tica, onde, de posse de um computador ligado à internet, é possível se
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vislumbrar o bairro, até a casa onde vivemos, será que tal tecnologia, com
2007.
alguns ajustes, não auxiliaria deveras à fiscalização da produtividade de
. O poder e o direito na relação tributária. Palestra proferida no Direito 2007,
latifúndios cadastrados e outras questões importantes como o desmata-
Fortaleza-CE, 27.04.2007.
mento?
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. Rio de Janeiro: Fo-
Não esperamos, com este breve e modesto trabalho, exaurir o terna, rense, 1984. vol. 1.
quiçá tenhamos fornecido alguma contribuição e estímulo ao debate, OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia das lutas no campo. 6 ed. São Paulo:
chamando atenção para o ITR, isto, aliás, é o mais urgente, que tributo Contexto, 1994.
que possuí tamanho potencial receba mais atenção a fim de finalmente OLIVEIRA, Francisco Assis de. Direito tributário: notas de aulas. Crato: Urca, 2005. vol. 1.
se tornar efetivo. PEREIRA, Ivone Rotta. A tributação na história do Brasil. São Paulo: Moderna, 1999.
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