Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARTIGO ARTICLE
a experiência no projeto Huka-Katu
Abstract This article explores the possibility of Resumo O artigo explora a possibilidade de inte-
integration in the learning process in health ser- gração no processo de aprendizagem à rede de ser-
vices network of the Native People Health Sub- viços de saúde do subsistema de saúde indígena
system, an integrant part of the Brazilian Uni- integrante do Sistema Único de Saúde e colabora
fied Health System. This leading role is present in com o processo de formação profissional na área
several instances and stimulates changes in the da saúde. Enfatiza também que a concepção peda-
health professional education. It also emphasizes gógica e as metodologias de ensino-aprendizagem
that the pedagogical conception and the method- são temas importantes para o desenvolvimento das
ologies of the teaching-learning process are im- competências dos novos profissionais da saúde.
portant themes for the development of competen- Com isto, o objetivo deste artigo é apresentar, atra-
cies of new health professionals. The aim of this vés da análise descritiva, o contexto em que se de-
article is to present by means of a descriptive anal- senvolve o processo preparatório para o estágio
ysis, the context in which the preparatory pro- optativo “Projeto Huka-Katu - a FORP-USP no
cess is developed for the optative stage “Huka- Xingu”, ressaltando os aspectos cognitivos presen-
Katu project - FORP-USP in the Xingu” high- tes na proposição de ações voltadas para a atenção
lighting the development of cognitive aspects pre- primária. Considera-se ainda que as competênci-
sented in the proposition of actions directed to as requeridas para o trabalho do cirurgião-dentis-
the primary care. The required competencies for ta na atenção básica à saúde se constituem em um
the practice of the surgeon dentist in the primary suporte (base) para a construção do SUS, sendo
health care is the base for the construction of SUS, que estas competências devem atender as necessi-
while these competencies should answer the needs dades de articulação da prática e da educação, em
1
Universidade de São for the articulation of practice and education in uma perspectiva do cuidado à saúde.
Paulo, Faculdade de
Odontologia de Ribeirão
a perspective of health care. Palavras-chave Educação em odontologia, Edu-
Preto, Departamento de Key words Dental education, Dental health ed- cação em saúde bucal, Formação de recursos hu-
Clínica Infantil e ucation, Human resources formation, Profession- manos, Competência profissional, Atenção básica
Odontologia Preventiva e
Sanitária. Av. do Café s/n,
al competence, Primary health care à saúde
Monte Alegre.
14040-904 Ribeirão Preto
SP. mestri@forp.usp.br
2
Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo.
904
Mestriner Júnior W et al.
gem de um ensino centrado em saberes discipli- tituição, que são de grande valia nesta atual di-
nares a um ensino definido pela produção de nâmica de ensino-aprendizagem. Estes fatores
competências em situações concretas e específi- permitem que os estudantes busquem, fora de
cas. Essas competências são definidas em relação seu currículo escolar, outros conhecimentos e
aos processos de trabalho que os sujeitos deve- saberes. Assim, ao buscar tais saberes na litera-
rão ser capazes de compreender e dominar18, tura e em outras linguagens e formas de comu-
mobilizando recursos de diferentes naturezas (co- nicação, promove-se a inter e transdisciplinari-
nhecimentos, habilidades e atitudes). dade proposta pela pedagogia freiriana5.
Prova disto são as antigas e novas áreas de Em síntese, as alterações produzidas por esta
conhecimento que surgem sem admitir “enqua- outra lógica, que foge ao modelo fragmentado
dramento” em nenhuma das divisões oferecidas atual, resultam em deslocamentos de noções: dos
pelo antigo currículo, e, sendo este um pensamento saberes disciplinares à competência, na esfera
complexo, avança para além dos limites discipli- educativa, e da qualificação à competência, na
nares. O estudo de Maia19 sobre temas transver- esfera do trabalho22.
sais na formação como integradores das várias O que entendemos por competência, na es-
áreas do conhecimento suscita vários pontos de trutura curricular discutida até o presente mo-
reflexão, com os quais nos identificamos: em que mento? A legislação internacional classifica com-
“lugar” se ensina e aprende a ética? Qual “discipli- petências fundamentalmente em básicas, genéri-
na” será a responsável pela formação humanísti- cas e específicas. Formuladas pela Organização
ca do profissional em saúde? E o mesmo pode ser Internacional do Trabalho (OIT), as competên-
pensado a respeito das capacidades de comunica- cias básicas são aquelas resultantes do processo
ção, liderança, resolutividade, entre outras. de escolarização. As competências genéricas se
Ao trazer este estudo, faz-se necessário pen- referem ao comportamento profissional próprio
sar nos conceitos de campo e núcleo de compe- do desempenho em diferentes setores ou ativi-
tência e responsabilidade20, sendo que os saberes dades e são usualmente relacionadas à integra-
e responsabilidades comuns ou confluentes a ção com tecnologias mais gerais. As competênci-
várias profissões ou especialidades seriam con- as específicas são aquelas diretamente relaciona-
feridos ao campo de saber das profissões de saú- das ao exercício de ocupações concretas, não sen-
de; já os núcleos do saber seriam entendidos do facilmente transferíveis de um a outro ambi-
como conjunto de saberes e responsabilidades ente profissional23.
específicos a cada profissão ou especialidade. Já competência concebida por competência
Neste sentido, as competências para o cirurgião- social24 refere-se ao saber que deve articular o
dentista passariam pelo aprendizado do campo saber-fazer, o saber-conviver e o saber-apren-
e do núcleo de competências e responsabilida- der. Assim, compreendemos que a construção de
des, construindo, além de saberes, habilidades e competência significa estabelecer diretrizes de res-
atitudes próprias a este profissional, temas trans- ponsabilidade do profissional baseadas em co-
versais que sustentariam sua prática enquanto nhecimentos, habilidades e atitudes que, mobili-
trabalhador da área da saúde. zadas de forma complementar com as de outros
Os estágios, entendidos também como ativi- profissionais, contribuirão para reorientar o pro-
dades extramuros, são os espaços que melhor cesso de trabalho e construir novas práticas so-
possibilitam aos estudantes a construção das sín- ciais, inclusive no campo da atenção básica em
teses necessárias em torno de um desafio21. As- odontologia, na implementação do SUS.
sim, grandes desafios no processo ensino-apren- No presente artigo, as competências a serem
dizagem podem ser superados por meio da apli- desenvolvidas pelos estudantes no estágio estão
cação de diferentes espaços de aprendizado, bem diretamente relacionadas à futura prática na aten-
como a exploração de novas formas de parcerias ção básica à saúde e podem ser apresentadas sob
entre as instituições de ensino e diferentes setores duas óticas; a primeira, aquela que transfere na
da sociedade. esfera do trabalho, da qualificação à competên-
Por comprovação, temos o currículo oculto cia, e a segunda, na esfera da educação, que des-
ou “currículo paralelo”, em que se situam as ati- loca as noções dos saberes à competência. Esta-
vidades que o estudante busca espontaneamente mos embasados principalmente na competência
no âmbito da própria instituição, como o caso moral, que é definida como a capacidade para
de estágios em serviços e laboratórios, e o currí- tomar decisões e elaborar juízos morais e agir de
culo informal, construído nas experiências de acordo com tais juízos25. É importante ressaltar
formação procuradas pelo estudante fora da ins- que o presente artigo opta pela nomenclatura
907
Considerações finais
Quadro 2. Esquema do Módulo II.
Teleodontologia, Projeto Huka-Katu - a FORP-
A partir da argumentação exposta, elaboramos um
USP no Parque Indígena do Xingu. Ribeirão Preto,
200635.
pressuposto geral deste estudo, no qual destacamos
que as competências requeridas para o trabalho
Módulo II do cirurgião-dentista na atenção básica à saúde
constituem um suporte (base) para o subsistema
Tópico 1: Histórico da saúde brasileira
de saúde indígena e para a construção do SUS, sen-
Início da atenção à saúde no Brasil
do que estas competências devem atender as neces-
Os primeiros modelos assistenciais de saúde
Assistência à saúde e a previdência social sidades de articulação da prática e da educação, em
O surgimento do Sistema Único de Saúde uma perspectiva do cuidado à saúde.
Lei orgânica de saúde Corroboramos com Merhy et al.17, que afir-
Mecanismo regulador da descentralização da saúde mam que os trabalhadores da saúde podem ser
Financiamento do SUS potentes dispositivos de mudança dos serviços
Atenção básica no contexto do SUS assistenciais; contudo, ainda há um longo per-
Tópico 2: Institucionalização da saúde indígena curso para que isso ocorra. Compreendemos,
Processos políticos na atenção à saúde indígena conforme a percepção dos referidos autores, que
Momentos históricos relevantes será necessário constituir-se uma nova ética en-
Os modelos assistenciais em saúde bucal no Brasil tre estes mesmos profissionais e que o trabalho
O que é preciso na atenção em odontologia? deve ser presidido por valores humanitários, de
Tópico 3: Estrutura e organização da atenção à solidariedade e reconhecimento de direitos de ci-
saúde bucal indígena dadania em torno da assistência à saúde.
O retrato da saúde bucal brasileira O referencial teórico presente neste artigo fun-
As metas da organização mundial da saúde damenta as atividades desenvolvidas na etapa
A organização das ações de saúde bucal no DSEI
preparatória do projeto acadêmico “Huka-Katu”,
Bases para a reorientação das ações de saúde bucal
no DSEI
pois a partir delas os estudantes desenvolverão
competências e habilidades para enfocar a dimen-
Tópico 4: A saúde bucal na atenção básica como
modelo à saúde indígena são simbólica dos processos de saúde, adoeci-
Planejamento e execução de ações
mento e estratégias de cura adotada para o tra-
Conhecendo a situação local balho em saúde nas diferentes sociedades em
Situações de risco contato. Assim, entendemos nossas próprias prá-
Planejamento das ações ticas profissionais como culturalmente condicio-
Ações de educação e prevenção nadas por modos de pensar e agir dominantes.
Ações preventivas coletivas Em consequência, os estudantes passam a pro-
Fluorterapia blematizar e compreender o significado do con-
Tópico 5: Os profissionais e a saúde bucal indígena texto intercultural no trabalho em equipe multi-
Competências e o perfil do profissional na saúde profissional para atenção básica em saúde, as re-
bucal indígena presentações e os sistemas de cura que permeiam
Atribuições comuns a todos os profissionais de esse contexto e ajudam a explicá-lo. E, se bem ques-
saúde bucal tionada nossa própria prática, teremos possibili-
Atribuições específicas do cirurgião-dentista (CD)
dade de construir parâmetros éticos de convívio e
Atribuições específicas do THD e ACD
de cuidado, permeados pela ideia de respeito, jus-
Atribuições do agente indígena de saúde
Avaliação e sistemas de informação
tiça e solidariedade. Só assim contribuiremos para
Tópico 6: Diretrizes gerais do projeto Huka-Katu
a construção de novos cidadãos e profissionais
humanos, éticos e conscientes da integralidade da
Elenco de procedimentos
Procedimentos individuais atenção a saúde bucal. Acreditamos que, com o
Necessidades, reabilitação e assistência uso de diferentes tecnologias, e proporcionando
especializada aos estudantes vivenciarem aspectos próprios da
Procedimentos coletivos integralidade e humanização, embasados em um
referencial teórico amplo e nas atividades extra-
muros, consagraremos as novas experiências com
outros atores sociais, e a formação acadêmica tam-
bém contribuirá para a construção de novos ci-
dadãos e profissionais humanos, éticos e conscien-
tes da integralidade da atenção a saúde bucal.
911
W Mestriner Jr., SF Mestriner, AF Bulgarelli e SM 1. Freire PRN. Professora sim, tia não: cartas a quem
Mishima participaram da concepção teórica, ousa ensinar. São Paulo: Olho D’Água; 1993.
construção metodológica, redação e pesquisa, 2. Nuto SAS, Noro LRA, Cavalsina PG, Costa ICC,
Oliveira AGR. O processo ensino-aprendizagem e
bem como da revisão textual final. suas consequências na relação professor-aluno-
paciente. Cien Saude Colet 2006; 11(1):89-96.
3. Mendes EV. A reforma sanitária e a educação odon-
tológica. Cad Saude Publica 1986; 2(4):533-552.
4. Souza ECF. Bucalidade: conceito-ferramenta de
religação entre clínica e saúde bucal coletiva. Cien
Saude Colet 2006; 11(1):24-28.
5. Gadotti M. O plantador do futuro. Viver Mente &
Cérebro 2005; (4):8-15.
6. Ioshida LC. Metodologias problematizadoras no
ensino em saúde. In: Batista NA, Batista SH, orga-
nizadores. Docência em saúde: temas e experiências.
São Paulo: Senac; 2004.
7. Brasil. Ministério da Saúde. CONASEMS. Legislação
básica do SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 1999.
8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de
Humanização. Ambiência. 2ª ed. Brasília: Ministé-
rio da Saúde; 2006.
9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de
Humanização. Acolhimento nas práticas de produção
de saúde. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de
Humanização. Grupo de Trabalho de Humanização.
2ª ed. Brasília Ministério da Saúde; 2006.
11. Paim JS. Modelos de Atenção e Vigilância da Saú-
de. In: Rouquayrol MZ, Almeida Filho N, organi-
zadores. Epidemiologia & Saúde. Rio de Janeiro:
Medsi; 2003. p. 567-586.
12. Campos CEA. O desafio da integralidade segundo
as perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da
família. Cien Saude Colet [periódico na Internet]
2003 [acessado 2007 jan 21]; 8(2):[cerca de 16 p.].
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v8n2/
a18v08n2.pdf
13. Paim JS. Atenção à saúde no Brasil. In: Brasil. Mi-
nistério da Saúde. Saúde no Brasil - Contribuições
para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília:
Ministério da Saúde; 2004. p. 15-40.
14. Mendes EV. Uma agenda para a saúde. São Paulo:
Hucitec; 1996.
15. Sousa MF, Hamann EM. Programa Saúde da Famí-
lia no Brasil: uma agenda incompleta? Cien Saude
Colet [periódico na Internet] 2007 [acessado 2009
mar 10];[cerca de 12 p.]. Disponível em: http://
www.scielosp.org/pdf/csc/v14s1/a02v14s1.pdf
16. Lemos PN, Hirooka LB, Nunes SAC, Arantes R,
Mestriner SF, Mestriner Jr. W. O Modelo de atenção
à saúde bucal no Médio e Baixo Xingu: parcerias,
processos e perspectivas. Cien Saude Colet [periódi-
co na Internet] 2007 [acessado 2009 mar 18];[cerca
de 5 p.]. Disponível em: http://www.scielosp.org/
pdf/csc/v15s1/056.pdf
17. Merhy EE, Magalhães Jr. HM, Rimoli J, Franco TB,
Bueno WS, organizadores. O trabalho em saúde:
olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São
Paulo: Hucitec; 2004.
912
Mestriner Júnior W et al.