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SENAC-Lapa/Scipião

Pós-graduação Fotografia como Arte Contemporânea


Mercado de Arte – Profª. Rita Della Rocca
Pós-graduando: Aquiles Guimarães – aquilesguimarães@gmail.com

Resumo do livro "Mercado da Arte - mundialização e novas tecnologias" de Raymonde Moulin

A socióloga Raymonde Moulin, no livro "Mercado da arte", aponta que os valores artísticos
constituem-se através da interação entre dois campos: o artístico, espaço da concepção e do fazer,
onde operam-se as obras e as valorações estéticas; e o mercado, onde realizam-se as negociações e
os preços são aferidos. Estes dois campos mantém uma relação de interdependência e configuram-
se numa rede de relações, isto é, um sistema dinâmico, expansivo, que engloba uma série de
transformações estéticas, históricas, sócio-econômicas e políticas.
Os bens mobiliários se definem enquanto objetos de transações econômicas de compra e venda,
e dividem-se em três categorias: as obras de arte, os objetos de antiguidade e os objetos de coleção.
A determinação de preço das obras de arte são o paradigma para todo mercado e, dentro da
categoria "arte contemporanea", é onde se observa o "lugar de incerteza máxima" para o
estabelecimento de uma continuidade estável nos valores do mercado, ao mesmo tempo que
apresenta maior possibilidade especulativa em relação a chamada "arte clássica". A dificuldade de
análise dos mercados de arte se dá, de modo geral, devido "a incerteza e da assimetria de
informação", característica essa, fomentada pelas próprias instituições, pelas particularidades da
legislação e pelos operadores do mercado:

"Os preços da galerias não são transparentes. Enfim, uma parte das transações é efetuada na clandestinidade e os
fenômenos não quantificáveis ou invisíveis superam os dados aparentes e mesuráveis. Existe, a respeito da origem das
obras e do dinheiro, uma economia subterrânea cua importância é difícil de avaliar." (Moulin, p.10)

As obras de arte chamadas de "classificadas" são obras antigas ou modernas reconhecidas


enquanto patrimônio histórico. São mercadorias disponíveis, únicas, raras e que foram aferidas pelo
"Julgamento da História". Devido a sua unicidade, aos seus detentores, sejam indivíduos ou
instituições privadas, é atribuída a qualidade de monopolizador, no entanto, existem variáveis que
devem ser levadas em consideração, pois a disponibilidade de recursos dos compradores potenciais,
a taxa de rendimento de açõese a conjuntura econômica geral constituem fatores de concorrência
com este monopólio. Tomando em conta estas relações, estabelece-se a seguinte proporcionalidade:

" O grau de substituibilidade da oferta vai decrescendo à medida que se aproxima da excelência artística e da raridade
extrema." (Moulin, p.15)

O mercado de arte classificada é totalmente restrito e mediado por uma rede de informações
precisa. A linha de separação deste mercado dividi-se em duas categorias: obras anteriores ao
impressionismo e obras impressionistas e modernas. Os preços alcançados situam a
competitividade ao redor do mundo. Os compradores são em geral instituições privadas,
colecionadores, negociantes abastados e empresas. Os museus e instituições públicas entram muito
esporadicamente neste jogo devido a sua insuficiência financeira. O mercado da pintura antiga
trabalha concomitante aos historiadores da arte e a pesquisa histórica que empreendem o trabalho de
identificação das obras. Esta relação visa evitar as falsificações, aferir as "falsas atribuições", isto´é,
obras que acreditavam-se ser de um grande mestre e através da pesquisa e documentação se
descobre que o autor é um aluno ou discípulo. Estas pesquisas criam mobilidade nos valores do
mercado e podem ser também tangenciadas por interesses comerciais e especulações, tais aspectos
são determinantes na instabilidade e incerteza no mercado das obras classificadas. Estas revisões
causam grandes oscilações nos preços e também no manejo dos interesses em relação a autores e
períodos. Contudo, sempre pode-se operar uma substituição no mercado que perde uma "obra-
prima" de mestre por algumas obras de certo estilo ou "escola". É este o papel dos historiadores, a
pesquisa também cria tendências no mercado, e obras de autores esquecidos podem entrar em voga
através de uma reavaliação previamente articulada:

"A ação retrospectiva do presente sobre a visão de cada época ou mesmo que cada geração tem do passado provoca a
revalorização de certos artistas ou de certos momentos da sua criação." (Moulin, p.18)

A função da perícia é realizada pelo que Raymonde Moulin chama de "agentes redutores da
incerteza". Este trabalho foi a princípio realizado pelos próprios pintores e marchands experientes, e
logo depois transferida para especialistas: historiadores da arte, conservadores de museu e peritos
independentes. Muitos destes peritos alegam que seu ofício não é uma ciência exata e mesmo os
estudos, provas documentais, testes de laboratório dependem de váriáveis provisórias; em muitos
casos não existem provas definitivas. Tudo depende do consenso de vários especialistas ao redor de
um único problema. A atuação dos conservadores de museu é determinante, pois este empreendem
uma coalização com os atores culturais e econômicos que irá homologar e decidir o que é e o que
não é autêntico.
O mercado da arte classificada diferencia-se do mercado da arte contemporânea devido aos
seguintes fatores: " a sua oferta é teoricamente finita e a raridade crescente","os valores artísticos
são objetivados pelo tempo, pela história e pelo consenso social resultante de operaçõs múltiplas e
sucessivas de seleção e ratificação." (Moulin, p.22) Porém, em ambos mercados, a disparidade nas
informações é elevada e certas particularidades são orientadas pela especulação e tendências do
mercado, isto é: " capacidade de antecipação, intervenção em curto prazo, ação coordenada, escolha
precisa dos objetos para quais direcionar a arbitragem." (Moulin, p.22)

Ao contrário do mercado de obras classificadas, o mercado ada arte contemporãnea apresenta


uma infinidade heterogênea de mercadorias, cuja segmentação é imposta pelas características das
obras, e dividi-se em dois grandes blocos: a arte figurativa tradicional, construída sobre uma
tradição estabelecida e pautada sobre os valores reminiscentes da arte classificada, e a arte
contemporânea, diversificada, mutante e produzida sobre uma infinidade de meios. Moulin aponta
que o "primeiro mercado é amplo e estável, enquanto o segundo é estreito e evolutivo" (p.23)

A arte figurativa tradicional possui um enorme mercado e supre as necessidades decorativas dos
lares até as corporações, instituições privadas e públicas. O aparelho institucional contemporâneo
não a homologa, nem reconhece. Isto ocorre pelo fato de que a maior característica da arte
figurativa é atender a uma clientela que dita as regras e convenções. " Os argumentos de venda
voltam-se para o valor decorativo das obras e não pela posição histórica que ocupam." (Moulin,
p.24). Esta produção, na sua maioria telas e esculturas, é realizada em função das expectativas e
poder aquisitivo de seus clientes. Não inova, nem cria nenhum tipo de demanda. Já o mercado da
arte contemporânea depende de uma rede de articulação cultural para criar um mercado, atingido
pelas estratégias estabelecidades pelos seus operadores. A arte contemporânea é especulativa, e tem
que propor um modo de fruição específico para seu conteúdo, ao passo que a arte figurativa conta
com o senso estético apresentado pelo gosto da maioria.
A arte contemporânea não é definida por um critério cronológico, mas sim, pelo que a autora
chama de "aura da contemporaneidade"(p.25). O filósofo Arthur Danto no livro "Após o fim da
arte" divide o pensamento artístico em três configurações: a arte da beleza ou arte sobre o "real",
identificada no Renascimento e Classicismo; a arte da forma, seu escopo reside no Modernismo,
cujas indagações giram em torno das possibilidades de representação da pintura e por fim, a arte
sobre a arte, isto é , o contemporâneo que empreende a dobra sobre a natureza da própria arte. A
aura da contemporaneidade pode ser identificada com o fim das narrativas ou a incapacidade da
história gerir a profusão de manifestações dentro de um sistema de pensamento totalizante.
A constituição de valores artísticos contemporâneos, "no sentido estético e financeiro"(Moulin,
p.26) é realizado por uma rede de operadores formada por críticos, conservadores de museu,
historiadores da arte contemporânea, administradores de arte e curadores. Esta construção tem como
"pedra angular" o marchand empreendedor que assume os riscos, aposta em certas obras e faz a
intermediação entre criador e comprador. As estratégias deste personagem envolvem a difusão de
artistas conhecidos junto a promoção de artistas iniciantes. Este balizamento situa artistas não
conhecidos para uma situação comercial potencialmente vantajosa. As galerias leaders também
atuam neste sentido, criando tendências sobre as quais exercem monopólio. Uma outra categoria de
atores são os megacolecionadores, que colaboram junto as galerias e possuem grande poder de
mercado. Em geral, criam hype através da compra de várias obras de determinado artista e acabam
por direcionar o mercado. Os megacolecionadores comumente possuem participações em conselhos
de museus e exercem influência sobre estas instituições, que, por sua vez, são as instâncias de maior
poder de validação da arte. Dentro do museu e no âmbito da difusão cultural na sociedade, os
conservadores são um outro pilar importante desta rede, pois:

"Situando-se na articulação de dois universos, estético e econômico, eles têm a possibilidade de intervir em todas as
dimensões da reputação do artista e do valor da obra" (Moulin, p.31)

Diferentemente da arte classificada, a validação da obra de arte contemporânea é um problema


cuja resolução só pode ser realizada por especialistas, em geral, um teórico, que através de sua
notoriedade institucional e reconhecimento intelectual pode aferir os múltiplos gestos de expressão
contemporânea enquanto uma obra de arte. A diferença técnica na perícia da obra contemporânea e
a obra classificada está na "oscilação semântica"(p.32) entre a validação e a atribuição,
respectivamente.

Durante muito tempo persistiu a crença de que o mercado de arte e a bolsa de valores eram
atividades análogas e que a potencialidade de lucros em ambas atividades se equiparava. Contudo,
esta associação é falsa:
no "mercado de Bolsa, a cotação é determinada pelo afrontamento de múltiplos vendedores e de múltiplos
compradores em condições de concorrência quase perfeita. No mercado da arte, os atores são pouco numerosos e o
vendedor, mandatário, ou proprietário, encontra-se em situação de monopólio." (Moulin, p.37)

O título de ações, comercializado na bolsa de valores, representa uma referência objetiva pautada
por índices econômicos e leis de mercado. Já a estimativa de uma obra de arte é refenciada por
valor artístico e seu valor de mercado é contingente, comportando uma margem de incerteza.
As operações comercias de títulos na bolsa são contínuas e permanentes, ao contário do comércio
de obras de arte, que dependendo do tipo de obra são intermitentes e raras. A comercialização
seguida de uma mesma obra em curto espaço de tempo pode causar desvalorização, o que se cham
de "queimar" a obra. As cotações são bolsa são públicas, bem como toda suas transações
comerciais, no mercado de arte, salvo exceções, não existe nenhuma transparência.
Outro mito difundido era de que a rentabilidade dos investimentos em obras de arte superava os
investimentos de risco. Moulin(p.39) cita os estudos realizados por Baumol, Frey e Pommerhne,
indicando que a rentabilidade proporcional das obras de arte tendem a cair a longo prazo. " O
diferencial de rentabilidade entre o ativo artístico e o ativo financeiro representa, supostamente, o
preço do usufruto estético." (Moulin, p.39)
A vocação especulativa da arte contemporânea acontece ao nível conceitual e teórico, mas
repercute no espaço mercadológico. Por constituir-se enquanto uma aglomerado de configurações
iniciáticas, passíveis de inúmeras simbolizações, suscitadas pela moda e por estratégias marketing,
a obra de arte contemporânea é uma espécie de "coringa" do mercado de arte. Muitas vezes seu
valor de partida foi maximizado por especuladores através de informações especializadas; o que
acarretou aquecimento nas vendas deste mercado em vários períodos. Um grande volume de obras
foi comercializado por preços volumosos, porém seguiu-se grande queda de no valor de revenda,
gerando grandes prejuízos. Moulin aponta que "em relação à arte que recebeu o "consentimento dos
séculos", a arte contemporânea maximixa a incerteza e o risco". (p.43)
Referências

MOULIN, Raymonde. O mercado da arte – mundialização e novas tecnologias.


Ed. Zouk. 1ª edição. Porto Alegre, 2007.
DANTO, Arthur. Após o fim da arte – Arte contemporânea e os limites da história.
Ed. Odysseus.1ª reimpressão. São Paulo, 2010.

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