Você está na página 1de 11

VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

ENSINO DE MÚSICA E SURDEZ: UM DIÁLOGO EMERGENTE NA ESCOLA DE


ENSINO FUNDAMENTAL NA CIDADE DE NATAL/RN

GUEIDSON PESSOA DE LIMA1


Universidade Federal do Rio Grande do Norte

JEFERSON FERNANDES ALVES2


Universidade Federal do Rio Grande do Norte

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo discutir as relações e implicações entre o Ensino de Música e a
Surdez, considerando a aprendizagem musical de crianças ouvintes e não ouvintes, sob uma
perspectiva bilíngue. Trata-se de um recorte de uma pesquisa de Mestrado vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN, tendo como campo empírico uma Escola
pública Municipal de Anos Iniciais na cidade do Natal/RN. Esta investigação ancora-se nos
estudos da Educação Inclusiva em Martins (2011) e Bueno (2008); nas reflexões de Vygotski
(1997) sobre deficiência; nos aportes teóricos do ensino de Música referendados por Penna
(2010), Brito (2009), Koellreutter (1998) e nos princípios norteadores do Bilinguismo e da
Surdez, segundo Haguiara-Cervellini (2003); Louro (2006); Skliar (2012); Quadros (2008) e
Machado (2008). Vislumbramos com este trabalho ressaltar a importância da abordagem do
Ensino da Música, contemplando alunos surdos e ouvintes em contexto escolar inclusivo.
Em resposta ao objetivo proposto, iniciamos este texto escrito apresentando uma breve
trajetória histórica da inserção do Ensino de Música na escola brasileira, situando o (a) leitor
(a) sobre as mudanças que perpassam a educação musical na escola de Educação Básica e, em
particular, nas escolas municipais do Natal, tendo por referência as legislações vigentes e os
documentos oficiais regulamentados pelo Ministério da Educação e Conselho Municipal de
Educação – CME/Natal-RN. Posteriormente, discutimos algumas problematizações referentes
ao Ensino de Música hoje e refletimos a respeito da surdez e da presença do educando surdo
em sala de aula dos Anos Iniciais e a relação deste com o universo sonoro/musical junto aos
educandos ouvintes, focalizando a língua de sinais como mediadora no processo de ensino-
aprendizagem musical, considerando o bilinguismo na perspectiva da educação inclusiva.

O Ensino de Música na escola brasileira: breve trajetória histórica

Fazendo uma análise das mudanças perpassadas pela educação musical, em nosso país, com
base em estudos de Fonterrada (2005), verificamos que com a Lei 11.769/083, ocorre de fato

1
Mestrando em Educação – PPGED/UFRN Rua Frei Miguelinho, 116 - Centro – Macaíba/RN Cep: 59280-000
E–mail: pessoamusical@yahoo.com.br
2
Doutor em Educação – Programa de Pós-Graduação em Educação/Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. E-mail: jfa_alves@msn.com

3472
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

um retorno do Ensino de Música à escola, o qual sua presença teve início nessa instituição
educativa, até onde se tem registros, ainda com a chegada das primeiras missões jesuítas, com
caráter de catequizar e propagar dogmas religiosos; No período das conhecidas reformas
pombalinas, houve uma espécie de organização dos músicos em chamadas “irmandades”, o
que viabilizou a difusão da música produzida no país neste período. Já no Brasil Império, a
música passa a ser considerada como elemento importante na formação dos então novos
docentes. Na chamada Era Vargas, a música se fez presente nas escolas por meio do canto
orfeônico, projeto do maestro Heitor Villa-Lobos. Na década de 1960, a educação musical
substitui o canto orfeônico, e os chamados métodos ativos do ensino de música tornam-se
conhecidos e utilizados em todo o mundo. Na década seguinte, com a aprovação da Lei
5.692/71, cria-se a Educação Artística, como uma atividade escolar que tem como eixo
norteador a integração das linguagens artísticas (Artes Plásticas, Artes Cênicas, Desenho e
Música) cujo foco do trabalho pedagógico é a polivalência. Na década de 1980, com o
movimento denominado arte-educação, os profissionais da área da arte passam a questionar
essa polivalência, reivindicando respeito às especificidades de cada linguagem artística. Com
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 - LDB, o ensino da arte é reconhecido
como componente curricular obrigatório na Educação Básica e com a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN/Arte (1997), as Artes Visuais, a Dança, a Música e
o Teatro são considerados linguagens âncoras para o ensino da arte na escola. Estes
parâmetros provocam novos paradigmas para o ensino e aprendizagem na área da Música,
suscitando do docente dessa área formação específica em nível de licenciatura. Além da LDB
e dos PCN/Arte, hoje, o Ensino da Música no âmbito educativo nacional é também
regulamentado pela Lei 11.769/08 que trata da obrigatoriedade desse ensino nas escolas
brasileiras de Educação Básica.
No município de Natal/RN, o Ensino de Música é orientado pelos Referenciais Curriculares
Municipais (2008) dos Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental, da rede municipal de
educação, oriundos das reflexões realizadas com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
os quais propõem conteúdos de ensino para cada ano escolar com seus respectivos objetivos,
não apenas na arte da linguagem musical, mas também nas demais áreas de conhecimento
artístico. Com a Resolução 06/2009, aprovada pelo Conselho Municipal de Educação - CME,
fica estabelecido uma nova matriz curricular para a arte no Ensino Fundamental, quando
tenta-se desconstruir a ideia da polivalência e institui-se para cada área artística(Artes Visuais,
Música, Teatro e Dança) o estatuto de componente curricular a ser ministrada por professor
licenciado e concursado em cada área. De acordo com essa resolução, na rede municipal de
educação do Natal/RN, o currículo para a arte distribui-se da seguinte forma: 1º, 2º e 6º anos
de escolaridade (Ensino de Artes Visuais), 3º e 7º anos (Ensino de Música), 4º e 9º anos
(Ensino de Teatro) e 5º e 8º anos (Ensino de Dança).
Penna (2010) tem chamado a atenção para essa (re) conceituação ou ampliação do conceito de
música, e de educação musical, tomando por base o passar dos anos e as transformações
(ideológicas, sociais, educacionais etc.) neles ocorridas, afirmando não poder ficar a Música e
seu ensino estáticos frente às mudanças ocorridas (PENNA, 2010). Hans-Joachim
Koellreutter, no final da década de 1930 e início da década de 1940, já propunha uma
3
Esta Lei altera a atual LDB, acrescentando-lhe um novo parágrafo ao artigo 26, explicitando a música como
sendo um conteúdo obrigatório na Educação Básica.

3473
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

pedagogia musical que não estava alheia ao meio vigente, que priorizava e valorizava a
importância e o porquê da música (e da arte) na vida humana, sempre lembrando que cada
sociedade, com suas características e necessidades próprias, condiciona um tipo de arte e de
fazer artístico. Para Koellreutter (1998), compete ao Ensino de Música

[...] não orientar apenas para a profissionalização de musicistas, mas aceitar a


educação musical como meio que tem a função de desenvolver a personalidade do
jovem como um todo; de despertar e desenvolver faculdades indispensáveis ao
profissional de qualquer área de atividade, como, por exemplo, as faculdades de
percepção, as faculdades de comunicação, as faculdades de concentração
(autodisciplina), de trabalho em equipe, ou seja, a subordinação dos interesses
pessoais aos do grupo, as faculdades de discernimento, análise e síntese,
desembaraço e autoconfiança, a redução do medo e da inibição causados por
preconceitos, o desenvolvimento de criatividade, do senso crítico, do senso de
responsabilidade, da sensibilidade de valores qualitativos e da memória,
principalmente, o desenvolvimento do processo de conscientização do todo, base
essencial do raciocínio e da reflexão [...]. Trata-se de um tipo de educação musical
que aceita como função a tarefa de transformar critérios e idéias artísticas em uma
nova realidade, resultante de mudanças sociais. Este tipo de educação musical,
mesmo no caso da preparação e formação de musicistas profissionais, vem a ser um
tipo de educação para o treinamento de musicistas que, futuramente, deverão estar
capacitados a encarar sua arte como arte funcional, isto é, como complemento
estético de vários setores da vida e da atividade do homem moderno; músicos
preparados, acima de tudo, para colocar suas atividades a serviço da sociedade: o
humano, meus amigos, como objetivo da educação musical”. (KOELLREUTTER,
1998, p 39-45)

Uma educação musical que priorize não o tecnicismo, mas a formação integral do humano,
respeitando e estimulando o aluno-aprendiz em todos os seus âmbitos, é uma proposta que se
coaduna aos nossos dias e que desafia os profissionais da área em sua atuação, principalmente
no que se refere à educação especial sob uma perspectiva inclusiva.

A surdez e o Ensino de Música: problematizações e relações possíveis

Considerando a presença cada vez maior, nas escolas de ensino regular, de pessoas com
deficiência, em especial as com surdez e em consonância com a trajetória histórica do
processo de inclusão com seus entraves e conquistas, bem como, a trajetória do Ensino de
Música no cenário educacional e, em particular, nas escolas municipais do Natal/RN, nos
deparamos com uma realidade a princípio contrastante e desafiadora, que é desenvolver um
trabalho pedagógico em sala de aula regular, com alunos ouvintes e não ouvintes, a partir do
Ensino de Música. Ainda é muita insipiente abordagens pedagógicas que subsidiem um ação
educativa nesse componente curricular capaz de promover a musicalização de crianças não
ouvintes, uma vez que buscamos superar a incompreensão arraigada de que a Música é
inacessível ao surdo.
Em termos de educação inclusiva, a pessoa com deficiência “é um cidadão como outro
qualquer, independente de suas limitações e, por isso, é detentor dos mesmos direitos e
oportunidades oferecidos pela sociedade” (LOURO, 2006). Entretanto, para tal, se faz
necessário um espaço educacional apropriado, preparado para ofertar a estes alunos condições

3474
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

que favoreçam seu desenvolvimento sócio-cognitivo. Condições estas que abarquem desde
uma estrutura institucional adequada, profissional qualificado e capacitado, bem como, um
arcabouço curricular que oportunize a todos os envolvidos no processo pedagógico um
aprendizado sem exclusão, permitindo-os fazer, apreciar e refletir, sendo esses, segundo
Penna, eixos norteadores do ensino e aprendizagem (PENNA,2010) em Música.
Para que haja aprendizagem é necessária haver comunicação, e, para isso, a proposta Bilíngue
de educação para surdos, nos propõe um ensino fundamentado na Língua Brasileira de Sinais
- Libras, como forma de incluir a pessoa com deficiência auditiva, sendo mais que uma
necessidade, porém um direito do aluno surdo (QUADROS; STUMPF, 2009).
O modelo bilíngue propõe, então, dar às crianças surdas as mesmas possibilidades
psicolinguísticas que tem as ouvintes. Será só desta maneira que a criança surda
poderá atualizar suas capacidades linguístico-comunicativas, desenvolver sua
identidade cultural e aprender. (MACHADO, apud SKLIAR, 1997, p. 67).

Desde 1857, a Língua Brasileira de Sinais – Libras vem sendo difundida em nosso país.
Originária da língua de sinais francesa, por ter sido desenvolvida inicialmente pelo Frances
Ernest Huet, que veio ao Brasil com apoio do então imperador D. Pedro II e hoje é
considerada a língua materna dos surdos brasileiros, tendo sido aprovada pela Lei nº. 10.436,
de 24 de abril de 2002, comparável em complexidade e expressividade com qualquer língua
oral. Somente a partir do Decreto 5.626/05, que regulamentou a Lei de Libras, começaram a
se estruturar as propostas educacionais para as pessoas sem a percepção sensorial auditiva. A
partir de então, os surdos passaram a ter direito ao conhecimento por meio dessa língua,
diferentemente do que acontecia no período oral, sendo o português, a partir de então,
utilizado somente na modalidade escrita, como segunda língua, tornando assim, a educação de
surdos, bilíngue.
Em relação a esse aspecto, Quadros (2000) complementa: “Quando me refiro ao bilinguismo,
não estou estabelecendo uma dicotomia, mas sim reconhecendo as línguas envolvidas no
cotidiano dos surdos, ou seja, a Língua Brasileira de Sinais e o Português no contexto mais
comum do Brasil” (QUADROS, 2000, p. 54). A língua de sinais permite ao surdo acessar
conceitos que permeiam sua comunidade e apropriar-se destes, formando sua maneira de
pensar, agir e ver o mundo. Com a língua portuguesa, as estruturas linguísticas se fortalecerão
e permitirá o maior acesso à comunicação, conforme Oliveira (2009).
Diante do contexto apresentado, o que de fato nos inquieta é a inexistência de produção
epistemológica que aborde a temática Ensino de Música e Surdez, sob a ótica de uma proposta
bilíngue, na utilização da Língua primeira do surdo, para seu saber, desenvolvimento e
aprimoramento nessa área de conhecimento, bem como, a escassez de propostas de atividades
pedagógicas que viabilizem a prática educacional do professor de Música frente a uma turma
com alunos ouvintes e surdos.
Tem sido cada vez mais frequente a presença de alunos com deficiência na escola, em
especial de Educação Básica, o que têm ocasionado grandes mudanças, adequações e avanços
nas leis que estruturam a educação em nosso país, principalmente nos últimos 25 anos. Desde
1988, quando a Constituição Federal garantiu o direito à educação da pessoa com
necessidades especiais o que reflete “a equiparação de oportunidades educacionais, bem
como o compromisso com o princípio da igualdade de direitos para todos” (HONORA;

3475
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

FRIZANCO, 2008), o país, ainda que a curtos passos, passa a não mais poder silenciar ou
abster-se a tais pessoas e suas especificidades, sendo, portanto, necessário estudar, aprimorar-
se, adaptar-se e qualificar-se para atuar de maneira significativa na educação, bem como na
vida desses então novos alunos.
O processo de inclusão no Brasil tem sido um desafio à educação, dentre outros setores da
sociedade, principalmente pela ainda precariedade na formação dos profissionais em relação a
este campo de atuação, onde a preocupação encontra-se ainda no renomear e não no
ressignificar a ação pedagógica, conforme afirma Sá (2006).
Esse processo de inclusão vem romper com toda uma visão e prática, outrora engessada,
principalmente no âmbito educacional, para propor uma re-visão dessa prática, reavaliando e
sugerindo mudanças, ou até transformações. Essas mudanças não se limitam a simplesmente
nossas ações, mas a nós mesmos como um todo. É preciso mudar a nós mesmos para que
possamos mudar o meio institucional no qual atuamos profissionalmente. Que trabalhar com a
diversidade não resulte num desconforto ou sentimento de desvantagem, “mas num ganho de
tentativa de criação de uma sociedade mais solidária, mais igualitária e com oportunidades
para todos” (HONORA; FRIZANCO, 2008). Em meio a este universo inclusivo encontram-se
os surdos, os quais compõem uma comunidade que há anos tem lutado por sua identidade,
igualdade e reconhecimento.
Os surdos por muito tempo foram considerados pessoas impossibilitadas de serem educadas
formalmente, por se acreditar que o déficit auditivo causasse retardamento mental. Desse
modo, é possível entender porque essas pessoas passaram anos sendo isolados da sociedade,
assistidos em hospitais psiquiátricos, asilos e mais tarde em escolas especiais. Vygotsky,
frente a estudos a respeito do desenvolvimento cognitivo do surdo, destacou-se com seus
estudos em Defectologia, onde tratou sobre questões da educação especial, relatando que a
educação e o desenvolvimento do sujeito surdo referiam-se as questões mais complexas da
pedagogia especial, em função de, em sua grande maioria, os surdos, não possuírem
desenvolvida a linguagem em sua forma oral.
É conhecido que a linguagem foi uma preocupação nos estudos de Vygotsky, o qual a estudou
e a deu um lugar de destaque em sua teoria, abordando-a em seu aspecto funcional e
psicológico, entendendo a linguagem como constituinte do sujeito (VYGOTSKY, 1997). O
sujeito surdo que utiliza língua de sinais pode sim desenvolver a linguagem como reguladora
do pensamento por se tratar da língua de sinais e possuir o mesmo status linguístico que as
línguas orais. Segundo os estudos de QUADROS, PADENN e SKLIAR, a língua de sinais
possuidora de uma gramática própria é comparável, em complexidade e expressividade, a
qualquer língua oral, mudando apenas o canal de comunicação, sendo na língua de sinais o
viso-espacial e não oral-auditiva.
Assim, se por um lado a comunidade surda começa a ocupar seu lugar na educação
escolarizada, por outro lado o Ensino de Música como componente curricular, também vem
se consolidando na rede municipal de educação do Natal/RN, suscitando dos professores do
componente mencionado novos saberes docentes. O grande paradoxo dessa relação é que
comumente os profissionais da Música trabalham com a “organização ou combinação dos
sons”, mas o trabalho com alunos surdos torna-se ainda mais desafiador porque parte de outro
âmbito “não” tão relevante no meio acadêmico que é o trabalhar o som do/no silêncio.

3476
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

Schafer (1997) trouxe o silêncio, em sua pedagogia, como um elemento em destaque, por
considera-lo propositor de outros tantos sons, por vezes imperceptíveis ou até inexistentes,
mas que se podem tornar composicionais em uma peça musical, relativizando assim o
conceito de som (SCHAFER, 1997). É fato que o silêncio é conceituado como ausência do
som, entretanto o que não se pode anular é o fato de que, na música existe e se faz necessário,
o som do silêncio.
Nesta perspectiva, é notória a necessidade de serem desenvolvidas estratégias didáticas, com
propostas de atividades pedagógicas no âmbito do Ensino de Música capaz de aproximar na
musicalização tanto os alunos ouvintes, quanto os alunos que não possuem essa percepção
sensorial, fundamentadas numa proposta de educação bilíngue, a qual visa, dentre outros,
intermediar o ensino desses alunos surdos por meio de sua Língua primeira (L1), a Língua
Brasileira de Sinais (Libras) (SLOMSKI, 2011). Língua esta oficializada como meio legal de
comunicação e instrução dos surdos brasileiros com a Lei 5.626/2005, buscando desenvolver
uma prática pedagógica a partir de experiências sonoro-sensitivas de todos os alunos.
Acreditamos ser esse o papel da escola de caráter inclusivo, o de viabilizar o desenvolvimento
cognitivo de todos os discentes e oportunizar o crescimento destes, quanto sujeito,
valorizando e potencializando suas individualidades e diferenças (BUENO, 2012), amparado
e auxiliado por profissionais preparados para tal função.
Uma escola Inclusiva é aquela que educa a todos em classes regulares, onde todos
têm oportunidades educacionais adequadas, onde possuem desafios a vencer de
maneira coerente com as suas condições, onde recebem apoio juntamente com os
seus professores, onde são aceitos e ajudados pelos demais membros da escola
(MARTINS, 2011, p. 40)

Consciente de que o meio é que deve se adaptar ao aluno com deficiência para promoção de
sua inclusão (MARTINS, 2011), pensa-se numa prática que parta de um diagnóstico primeiro
da turma, e, em especial, dos alunos surdos, buscando identificar suas experiências e
conhecimentos a cerca da música, e assim propor uma ação contextualizada com suas
vivências, proporcionando, tanto aos surdos quanto aos ouvintes, um ambiente mais próximo
às suas realidades e que os favoreçam quanto ao seu desenvolvimento cognitivo e social
(FREIRE, 1996).

A pesquisa na Escola de Anos Inicias

Os dados da pesquisa foram produzidos, junto a alunos surdos em uma sala de aula regular
com alunos ouvintes, numa Escola da rede Municipal de Ensino da cidade de Natal – RN,
localizada na periferia da capital potiguar, que atende crianças e pré-adolescentes do 1º ao 5º
ano do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos - EJA. Tal experiência deu-se
durante as aulas da disciplina de Artes/Música, com alunos de 3º ano do Ensino Fundamental.
Em todo o percurso da produção dos dados, a Libras é utilizada em consonância com a
Língua Portuguesa (LP) oportunizando aos alunos ouvintes, o contato e a aprendizagem da
língua de sinais, aproximando culturas e promovendo a ressignificação da identidade surda
pelo aluno ouvinte, bem como o conhecimento e o contato por parte do aluno surdo com o
conhecimento musical, tão importante à cultura ouvinte. Busca-se sempre promover

3477
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

atividades que possam ser realizadas por todos os alunos, ampliando sua aprendizagem e
promovendo experiências, desde exercícios rítmicos às percepções de vibrações melódicas.
Foi acordado, em conjunto com a turma e atendendo ao pedido da direção da escola, a
realização de uma apresentação musical, de maneira que fosse possível mostrar a diversidade
da turma e evidenciar suas habilidades.
Ancorado no método da pesquisa-ação, desenvolvemos juntos aos alunos, independente de
sua capacidade sensorial auditiva, atividades pedagógicas no Ensino de Música,
considerando-os, de fato, como interlocutores no desenvolvimento das aulas. Partimos do
entendimento que
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou
do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
(THIOLLENT, 2011)

Nesta perspectiva, o ensino e a aprendizagem musical aconteceram num processo de


cooperação envolvendo docentes e discentes. Propriedades do Som e Escrita/Leitura Rítmica
foram assuntos abordados em nossas aulas, com base nos referenciais curriculares do
município e sua proposta para a disciplina. As aulas de ritmo e percussão incluindo leituras
rítmicas em pauta e improvisação, dentre outros aspectos da linguagem musical, mostravam o
quanto os alunos surdos conseguiam serem capazes de executarem determinadas atividades
melhor até que os ouvintes, passando a serem destaques nas aulas. A percepção sensitiva
destes discentes faziam-nos identificar determinados equívocos cometidos pelos demais
colegas que por vezes nós mesmos não percebíamos, desfazendo assim, junto a turma, o
paradigma de “alunos incapazes”, “coitadinhos”, dentre outros. E estes alunos que antes se
sentavam no final da sala, submetidos a atividades sem direcionamentos ou objetivos (a não
ser o de não ficar ocioso), passavam a serem alunos participativos em nossas aulas,
confirmando a premissa o ser fica mais aberto e disponível a novas experiências com a
música, o que possibilitava toda a turma a também participar e “navegar” nesse universo
surdo, o “ouvir diferente”. Passamos, no decorrer das aulas, a trabalharmos o aspecto
melódico da música. Conteúdo desafiador para alunos que não possuem capacidade sensorial
auditiva. Dentre os combinados, decidimos por duas músicas a serem trabalhadas, e então
explorarmos seus elementos, dentro do que havíamos estudado. Em conversa com a turma,
trouxemos a problemática dos colegas surdos, e lançamos questionamentos concernentes a
como poderíamos trabalhar envolvendo-os também em nossas atividades. Desse modo,
providenciamos as letras das músicas, e compartilhamos na turma, sendo que para os alunos
surdos, estas letras foram socializadas em Língua de sinais (por vezes em gestos ou mímicas,
pois havia alguns sinais ainda não conhecidos pelos alunos não ouvintes) para que pudessem
se apropriar sobre do que travam as músicas. Os alunos ouvintes passaram a ficar bastante
interessados em como cantar aquela música sem ter de usar a voz, assim, ao invés de
compartilhar a letra em LIBRAS apenas para os alunos surdos, resolvemos socializar tal
conhecimento com toda a turma, o que, a partir de então, resultou não mais numa turma de
ouvintes e surdos, mas, simplesmente, numa turma de 3º ano do Ensino Fundamental com
alunos motivados e envolvidos no ensino e na aprendizagem musical. È importante

3478
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

compreendermos isso, pois, contrário do que pensamos, e por vezes agimos, não é o aluno a
ser incluído que deve se adaptar ao meio que o recebe, mas o meio que se molda à suas
necessidades, conforme rege as diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, cada vez mais o interesse pela língua de sinais e pelo
fazer musical foi se intensificando, de modo que, inclusive durante os intervalos éramos
procurados pelos alunos a fim de saberem como que se sinalizava tal frase, ou como poderia
repassar para os alunos surdos determinadas brincadeiras musicadas. E tudo isso, refletia
também num bom desenvolvimento dos assuntos abordados em sala pelos demais professores,
passando a não apenas haver o envolvimento por parte do corpo discente, mas docente
também, os quais passaram a sensibilizar-se em relação a esta necessidade de comunicação e
adequação a nova realidade da escola.
Durante nossa pesquisa junto a esta turma, conseguimos identificar inúmeros resultados e
avanços em relação ao desenvolvimento dos discentes, em especial os surdos, tais como o
interesse e prazer em vir à escola (os alunos surdos não sentiam vontade em vir à escola,
sendo, por vezes, obrigados pelos pais a frequentarem as aulas a fim de não serem
prejudicados em seu benefício financeiro cedido pelo governo); a participação nas aulas, com
relação a questionamentos, a integração junto à turma e o interesse em participar das
atividades; a presença mais frequente dos pais desses alunos junto à escola, já que agora eles
estavam mais presentes nas aulas e por vezes eram quem convocavam seus pais a irem deixá-
los; o desejo de toda a comunidade escolar em compreender a surdez, tanto no âmbito da
comunicação, quanto da pesquisa, respeito, dentre outros. Poderíamos citar inúmeros
resultados, inclusive em relação ao desenvolvimento cognitivo nas demais disciplinas,
entretanto, consideramos ser um dos maiores, e porque não dizer, melhores resultados, o
reconhecimento do ser criança como sujeito. Os que antes eram conhecidos como os
“mudinhos” da escola, sem sequer ser de conhecimento da turma seus nomes, passam a ser
conhecidos pelo que de fato são: pessoas detentoras de uma identidade e individualidade.
No final do ano letivo, levamos à apreciação da comunidade escolar a produção musical da
turma que as deixou bastante fascinados e satisfeitos com os resultados, mas em especial uma
senhora, mãe de um dos alunos surdos, que durante a apresentação chorava bastante, deixando
o aluno, seu filho, preocupado por não estar entendendo o que a fazia chorar. Ao término da
apresentação, a mãe aproximou-se de nós e com um forte abraço, e, ainda bastante
emocionada, agradeceu-nos afirmando ter sido, aquela apresentação, o maior presente de
Natal que já havia recebido. Tal apresentação proporcionou aos alunos mostrarem seu
desempenho musical por intermédio da Língua de Sinais, dissipando as diferenças, não no
sentido de padronização, mas de capacidades de conhecimento, e constatando que, de fato, as
apresentações artísticas com a Música, podem ser uma ação educativa catalisadora eficaz de
aprendizagem e formação humana.

CONCLUSÕES

A experiência relatada, campo de construção de dados e de suas análises, foi baseada na


sensibilização, percepção e expressão corporal, tomando por base Aronoff, apud Penna
(2010). Acreditamos que o fazer musical provocou uma experienciação pessoal/estética tanto

3479
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

em crianças ouvintes quanto em crianças surdas, porque possibilitou o envolvimento e a


relação do ser criança com a música. Sendo assim, o trabalho de educação musical pode ser
significativo e importante para a formação do aluno surdo e dos demais discentes.

Penso que questionar a inclusão nas aulas de Educação Musical é necessário, para
que seja pensada e viabilizada uma proposta de Educação Musical pautada em
processos de aprendizagem significativos, prazerosos e eficazes para este grupo
específico, e não para que consiga performances de canto ou de execução de
instrumentos musicais, como que para atestar o “heroísmo” de quem “venceu a
deficiência” após um treinamento exaustivo. (SÁ, [200-?])

Dessa forma, uma educação musical que alcance tanto ouvintes quanto não ouvintes, suscita
trabalho de conquista e convencimento, a fim de que o conhecer musical seja o mais
agradável e significativo possível, um direito à aprendizagem musical do discente e dever do
educador, profissional da área.

A música é uma forma de arte importantíssima dado o que representa para a


história da humanidade. Os surdos precisam compreender que ela sempre foi, e
ainda é, usada nas reuniões sociais, nos esportes, nas guerras, na busca espiritual,
no lazer, na manifestação de sentimentos, enfim, que sempre foi um poderoso
instrumento de comunicação. Se o surdo não receber nenhuma informação sobre a
música, perderá uma gama muito importante de informações sobre a sociedade, ou
seja, deixará de exercer o direito ao saber e perderá uma valiosa parte da cultura da
humanidade, mas, este fato não justifica que os ouvintes exerçam poder sobre as
suas vontades, constrangendo-os. (HAGUIARA-CERVELLINE, 2003)

Desse modo, nesse trabalho musico-educativo realizado com crianças ouvintes e não-ouvintes
potencializou-se a formação integral desses educandos estabelecendo diálogos entre educação
inclusiva, educação musical e língua de sinais pois foram considerados suas diferenças,
singularidades e seus interesses, incentivando o contato e o envolvimento do ser com a
música, incentivando a apreciação e produção musical, ressignificando e ampliando conceitos
numa ação pedagógica totalmente inclusiva.
Portanto, nessas análises preliminares destacam-se: a ressignificação da concepção de Música
e de seu ensino na Escola de Anos Iniciais do Ensino Fundamental sob a ótica bilíngue, tendo
em vista a educação musical de crianças ouvintes e não ouvintes promovendo o envolvimento
do ser criança com o universo sonoro/musical no diálogo com o som do/no silêncio,
formando-as para a vida.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte.


Brasília: MEC/SEF, 1997.

BUENO, José Geraldo Silveira e MELETTI, Silvia Márcia Ferreira. Os indicadores


educacionais como meio de avaliação das políticas de educação especial no Brasil –
2000/2009. In: BUENO, J. G. S. Educação especial no Brasil: questões conceituais e de
atualidade. 2011, pp. 159-182

3480
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

BUENO, José Geraldo Silveira. Surdez e Multiculturalismo: Considerações críticas. In:


MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos, PIRES, Gláucia Nascimento da Luz, e PIRES, José
(Organizadores). Inclusão Escolar e Social: Novos contextos, Novos Aportes. Natal, RN:
EDUFRN, 2012, pp. 99-112.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Resolução 06/2009, de 29 de dezembro de


2009. Matriz Curricular para o Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação.
Natal/RN, 2009.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


educação. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 2ª


impressão da 43ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A musicalidade do surdo: representação e estigma.


Plexus Editora, 2003.

HONORA, Márcia e FRIZANCO, Mary L. Esclarecendo as Deficiêcias – Aspectos teóricos


e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva. 1ª edição. São Paulo, SP: Ciranda
Cultural Editora e Distribuidora Ltda. 2008.

KOELLREUTTER, Hans-Joachim. O ensino de música num mundo modificado.


Disponível em <http://www.latinoamerica-musica.net/ensenanza/koell-ensino-po.html>
Acesso em 03 Ago 2013.

LOURO, Viviane dos Santos, ALONSO, Luís Garcia e ANDRADE, Alex Ferreira de.
Educação Musical e Deficiência – Propostas Pedagógicas. 1ª edição. São José dos Campos,
São Paulo, SP: Editora do Autor, 2006.

MACHADO, Paulo César. A política educacional de integração e inclusão – Um Olhar do


egresso surdo. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.

MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos. Fundamentos em Educação Inclusiva (Módulo


Didático). Natal, RN: Editora da UFRN, 2011.

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2. Edição Revisada e Ampliada. Porto Alegre:
Editora Sulina, 2010.

QUADROS, Ronice Müller de. (Org.). Estudos surdos III. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2008.

QUADROS, Ronice Müller de; e STUMPF, Marianne Rossi (Organizadoras). Estudos


surdos IV. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009.

3481
VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X

SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. 1ª edição. São Paulo,
SP: Editora Paulinas, 2006.

_______. Os surdos, a música e a educação. Disponível em


<http://dialogica.ufam.edu.br/dialogicaV2N5/Os%20surdos,%20a%20m%C3%BAsica%20e
%20a%20educa%C3%A7%C3%A3o.pdf> Acesso em 03 Ago 2013.

SCHAFER, Murray. A afinação do mundo. Trad. Marisa Fonterrada. São Paulo: EDUNESP,
1997.

SKLIAR, Carlos. A surdez – Um olhar sobre as diferenças. 6ª Edição. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2012.

________(Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação,


1999.

SLOMSKI, Vilma Geni. Educação bilíngue para surdos: Concepções e Implicações


Práticas. 1ª Edição (2010), 1ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011.

SOUSA, Margarete Ferreira do Vale; MORAES, Maria Tereza de. (Organizadoras).


Referenciais Curriculares para os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental: Artes.
Natal-RN: Secretaria Municipal de Educação, 2008.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-ação. 18ª Edição. São Paulo: Cortez, 2011.

VYGOTSKY, L. S. Obras completas: fundamentos de defectologia. Havana, Editorial


Pueblo y Educacion, 1989.

3482

Você também pode gostar