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Minicurso: Uma discussão sobre História Política e seus métodos.

Conteúdo Programático:
- A história política: do perfume Lainglois-Seignobos ao “Por uma história política”;
- As temporalidades e as mentalidades na história política: a influência dos estudos culturais;
- Possibilidades de investigação: a condição do campo político;
- Conceito e abordagens: a cultura política;
- A cultura política no Brasil: especificidades do conceito.

Introdução:

Olá a todas e a todos. Sejam bem-vindas e bem-vindos ao minicurso “uma discussão sobre
história política e seus métodos”. Espero que tenhamos uma boa produtividade e discussão sobre a
história política, a chamada renovação dessa área e alguns dos conceitos que podem ser úteis às
pesquisas que vocês estejam desenvolvendo. Na verdade, talvez acabemos com mais perguntas que
respostas – e esse é um caminho que penso ser interessante. Este minicurso é resultado de uma parte
importante da minha pesquisa sobre um movimento social e indígena mexicano, o zapatismo,
centrado na figura do Exército Zapatista de Libertação Nacional, no qual as perspectivas memoriais,
as representações e a luta do movimento pela significação da democracia, da liberdade e da justiça
em formas autônomas instituía, nas fontes do arquivo histórico do mesmo, uma constituição política
– que se formava sobre a arena do México de 1994 – e também cultural, abordando a compreensão
do que são esses conceitos e práticas em um Estado moderno e latino-americano. Sendo mais claro,
o movimento zapatista escrevia e tornava público uma vontade de alterar a compreensão/o
significado da política no México, buscando inspirações na memória nacional e indígena, e também
na perspectiva de expandir uma prática milenar das comunidades da Selva ao âmbito nacional do
país, isto é, a coletividade pautada na vontade popular e a autonomia como autossuficiência política
eram fundamentais e parte da essência do movimento.

- A história política: do perfume Lainglois-Seignobos ao “Por uma história política”.

Comecemos por abordar a perspectiva histórica da área política. Não seria conveniente
tentar abarcar um longo traço da historiografia ocidental sobre os sentidos políticos, nem mesmo
caberia neste espaço. O que nos vale ressaltar é que durante os séculos XIX e XX, a história
enquanto disciplina teve um conjunto de configurações e métodos que se envolviam em sua própria
prática: o romantismo, por essência, trazia ao mundo da história – a serviço de uma compreensão do
poder como político e do Estado – os sentidos do que seria a história por si, numa ideia de
consubstanciação, de junção entre o que seria povo e nação manifestando, para a modernidade, a
centralidade da língua, da história e da cultura comum para o significado de Estado-nação. É dessa
forma, portanto, que as histórias dos Estados modernos, da política e poder desse Estado tomam
conta do cenário da historiografia. Os grandes acontecimentos e homens (em um recorte de gênero,
cor e classe) ligados de alguma forma ao Estado e ao poder político, constituíam a narrativa
essencial da história ocidental e, mais ainda, seu objeto por excelência.
Um exemplo pode ser útil para essa compreensão. No Brasil da passagem do império à
República, foi necessário aos republicanos reescrever o sentido da política e da história do país para
formar uma condição de sentimento nacional no entorno do que seria essa nova instituição política.
Deixaremos de lado, por este momento, de que história ou recorte econômico, de gênero, cor ou
classe social estamos falando. Lembremos apenas que trata-se de um Brasil que há pouco mais de
um ano havia libertado seus escravos como ação do Estado. Dessa forma, os republicanos buscaram
criar sentidos ao que estruturavam politicamente. Foi assim que, por exemplo, a figura de
Tiradentes foi resgatada da inconfidência mineira para se tornar um mártir republicano, mesmo que
suas ações jamais tivessem qualquer ligação com a república. O mito de origem da república
tentava ganhar força, instaurando significados e uma história nacional de resistência ao império que
anteriormente não era parte da história, isto é, representava uma disputa política e de poder que se
instaurava no sentido dado à nacionalidade. Deixarei aqui a referência ao livro do historiador José
Murilo de Carvalho, “A formação das almas: o imaginário da República no Brasil” para aqueles que
tiverem interesse.
Com o desenrolar dos anos, a história passa a ser questionada em seus métodos e em sua
qualificação de ciência. Neste sentido, o advento da escola metódica, chamada Positivista, buscava
distanciar a história da literatura/ficção para se garantir enquanto ciência, um conceito que
delimitava, para o século XIX, a qualidade de comprovação laboratorial e exata dos dados. Neste
sentido, o método histórico foi configurado com a qualificação da comprovação por meio de
documentos oficiais, isto é, que estivessem armazenado e sob a tutela do Estado, órgão de confiança
e valor por essência, e que reproduzissem aquilo que se dava na narrativa de uma parte singular da
história, isto é, apenas dos agentes estatais ou ligados ao poder do Estado. A historiografia
ocidental, dessa maneira, pautava seus escritos e pesquisa em um rigor que apenas o documento, em
sua qualidade oficial, poderia designar e na reprodução dos acontecimentos passados “tal qual eles
realmente passaram”.
Neste sentido, no início do século XX, na França, um movimento de historiadores passa a
questionar essa qualificação histórica. Falamos dos Annales com Marc Bloch e Lucien Febvre. A
estruturação de uma mudança no quadro da historiografia se fazia presente ao buscar uma solução
que não estivesse apenas na configuração de um documento em papel ou somente dado pelo Estado
nacional, mas também suportes da arqueologia e da sociologia, documentos que ultrapassassem a
narrativa estatal e centrado em figuras históricas como responsáveis pelos fatos e acontecimentos. A
história social e econômica, quantitativa e coletiva, passa a ter centralidade na definição do que
seria, em verdade, a qualidade das pesquisas históricas. Neste sentido, utilizo-me da expressão de
Jacques Julliard em “A política” que, escrito em 1976, afirma que a história política francesa ainda
conserva um “perfume Langlois-Seignobos”, isto é, uma marca pautada na “Introdução aos Estudos
Históricos” feito pelos autores no final do século XIX e que realça o método histórico chamado por
Julliard de tradicional e, por fim, de factual – vejamos a citação.
Talvez esteja ignorando alguns antecedentes importantes para todo o processo de alterações
da historiografia, bem como generalizando algumas ações do século XIX, é verdade. Seria um
descuidado não citar algumas interpretações históricas que tiveram como parte outras abordagens
como a social, econômica e cultural para a explicação dos acontecimentos políticos, em especial as
perspectivas de Marx, Engels, Tocqueville, entre outros. Mas é inegável que a escola metódica
tenha se tornado a referências dos estudos históricos do período e, em especial, da história como
política. É na França, como mencionei, que a crítica a essa história começa a ganhar força e cada
vez mais é abordada como tradicional. Todavia, alguns cuidados são necessários para tal afirmação.
A peça acusatória dos Annales para com a historiografia tradicional francesa ganha
proporções importantes, mas somente com os anos a área da política passa a sofrer reveses. É com o
pós-guerra que a crise da história tradicional torna-se latente e, dessa forma, estabelece uma nova
organização do que seria a pesquisa na área política. Sempre com muito cuidado, essa crise é
localizada e em poucas academias nacionais teve repercussão como o fora na França. EUA, Itália,
Alemanha, Grã-Bretanha e Brasil ainda mantiveram boa parte da produção historiográfica na área
da política na primeira metade do século XX. É, ainda, como afirma Julliard, “a base do sistema
mais aceito de estabelecimento de períodos”, de cronologia histórica e de marcação de
acontecimentos. “o reino de Luís XIV’; ‘a República de Weimar’; ‘a URSS depois de Stalin” e
podemos continuar com exemplos como Brasil Colônia, Império ou República, Conquista da
América, Independência (política) da América, etc…
Foi a partir do final da década de 1970 que, principalmente na França, historiadores passam
a buscar uma reinterpretação e reconfiguração do campo de estudos da história política. Diversas
facetas são importantes para essa ação, mas foquemos no encontro entre os historiadores da
Université de Paris X-Nanterre e no Institut d’Études Politiques. Estes historiadores como o citado
Julliard, René Rémond, Antoine Prost, Jean-François Sirinelli, Serge Berstein, entre outros,
buscaram, em um contexto de expansão e configuração da história como disciplina na França,
estabelecer uma retomada das pesquisas históricas na política através de novos métodos,
abordagens e fontes, isto é, influenciados por ações e questionamentos que se estabeleciam na
primazia dos Annales e da historia econômico-social em voga.
Fora da França esse processo é diversificado. Na Inglaterra, por exemplo, a expansão de
uma corrente marxista nas décadas de 1940/50 levou a criação de um importante centro de
pesquisas que estava no entorno da revista New Left Review e, de maneira sublime, ao history from
below, isto é, à história que se importava com as condições materiais, socioeconômicas, culturais e
de classe. Podemos citar a ação de historiadores como Eric Hobsbawm, Pierre Anderson e Edward
Palmer Thompson – ou ainda pesquisadores de outras áreas como Raymmond Williams – que por
meio de uma heterodoxia observavam a história política através de óticas não tradicionais.
A partir da década de 1980, a constituição dessa renovação dos estudos em história política
tornou-se central. Delimitei aqui a publicação do livro “Por uma história política” como marco
desse processo. Livro organizado por René Rémond e publicado em 1988, buscou apresentar um
panorama de opções e abordagens para a história política que, renovada, buscava concepções
diversas da tradicional para se fazer existente. Como afirma o organizador, “Cada vez menos
pesquisadores acham que infra-estruturas governam superestruturas, e a maioria prefere discernir
uma diversidade de setores – o cultural, o econômico, o social, o político – que se influenciam
mútua e desigualmente segundo as conjunturas, guardando ao mesmo tempo cada um sua vida
autônoma e seus dinamismos próprios”. Dessa forma, a história política passa a compreender não
apenas o seu sentido tradicional – pautados no Estado, nos feitos, no factual e na arena política –
mas também as representações sociais, coletivas, os imaginários, os símbolos, a memória a
economia política, os quadros seriais ou os levantamentos estatísticos. Enfim, uma história política
que se envolve com os demais setores e cria, por si só, uma relação de interdependência.
Francisco Falcon faz uma separação, ainda, que nos é importante para pensar esse processo:
o de orientações mais radicais ou moderadas. Nas mais radicais, o autor entende que pesquisadores
passaram a substituir o político pelo poder, em uma esfera estruturalista, na qual a autonomia do
político é perdida (ainda que relativamente) e passa a ser observada por uma “história das formas de
dominação”. As moderadas, por contraste, buscaram retomar, através do envolvimento com outras
áreas da história, o sentido da política. Dessa forma, Falcon as considera uma orientação que tenta
se distanciar da história tradicional, agrega métodos, abordagens e fontes de outras áreas das
ciências humanas e sociais, como a antropologia, na produção de novas hipóteses e também na
configuração de objetos seja por meio da redefinição dos já existentes na história política ou na
constituição de novos. Nosso foco, aqui, será entender a área da história política classificada por
Falcon como “moderada”.

- As temporalidades e as mentalidades na história política: a influência dos estudos culturais.

Falar de estudos culturais pode ser algo ou muito complexo ou muito vago. Não tenho o
objetivo de fazer uma genealogia ou explicação histórica do campo como o bem já fizeram outros
autores, entre eles Stuart Hall em “Estudos culturais: dois paradigmas”, mas tentar buscar espaços
de interação entre a história política em seu processo de renovação e tais estudos. O que nos é
importante aqui, para pensar a área, é o estabelecimento de uma linha de compreensão histórica,
metodológica e teórica.
Os Estudos Culturais surgem por volta da década de 1950 na Inglaterra. Estabelecido um
primeiro espaço e tempo, é importante ressaltar que na história nada é original ou único e é preciso
observar muito mais as continuidades e rupturas que as origens. Não se pode ignorar, por exemplo,
que no início do século XX outros autores já estabeleciam um questionamento voltado à cultura e
ao que chamarei aqui de pensamento biologizante, isto é, saídos de um século XIX onde o
darwnismo social se fazia envolto na escravidão e nos preceitos coloniais, o século XX estabelecia
uma quebra de tal concepção, ao menos inicialmente. Este é o caso do nascimento da sociologia e
antropologia e pesquisas com a base de Bronislaw Malinowksi, Franz Boas e até mesmo seu aluno,
Gilberto Freyre.
Voltando à Inglaterra, o que se percebe é a influência de dois estudos que levavam em
consideração a busca por um aspecto cultural de observação: O “The Uses of Litteracy”, traduzido
ao português como Utilizações da Cultura (o que é um questionamento a ser realizado, visto que
Litteracy não tem o sentido de Cultura, mas de conhecimento, de alfabetização, de se saber criar
relações entre objetos e sentimentos de forma a ler o mundo) de Richard Hoggart e “Cultura e
Sociedade” de Raymond Williams. O primeiro, buscava por meio de um trabalho de campo tentar
entender a compreensão popular com referência ao seu envolvimento ou leitura das comunicações
em massa e quais as modificações que a cultura – compreendida enquanto forma de viver – sofria
das tiragens; o segundo, estabelecia principalmente uma conceitualização de cultura e seu
envolvimento com a sociedade.
Neste sentido, e ligados à formação de um centro de observação de linha marxista, a cultura
enquanto conceito firmado sobre a ótica dos significados, dos valores, dos rituais, da língua, dos
símbolos, teve amplo espaço acadêmico. A antropologia, dessa forma, pautando as importantes
separações entre cultura e raça da qual o culturalismo estadunidense é a principal escola expoente
(já citamos Franz Boas) foi fundamental na formação desse novo campo de uma história que
buscava observar os aspectos culturais. Posteriormente, surgem trabalhos como de Edward Palmer
Thompson e “A formação da classe operária inglesa” e “Costumes em comum” no qual o autor
busca a pensar a ação dos trabalhadores ingleses do século XVIII como parte de um processo de
origem da consciência de classe e, ainda, como resistentes ao processo de capitalização das relações
sociais, em especial através de práticas como as turbas.
Os estudos em cultura tomam corpo e se expandem a outras regiões. Não se pode negar, por
exemplo, o surgimento de indagações como as de Carlo Ginzburg em “mitos, emblemas e sinais”
fora de um processo historiográfico de constituição de campo de pesquisa – mas também não se
pode apenas ligá-lo a algo que acontecia em outro país que não a Itália, mas isso é assunto para
outro curso. O que nos interessa, assim, é pensar que no pós-guerra e em meados do século XX, as
pesquisas históricas passaram a buscar a influência da antropologia para obterem novos métodos,
abordagens e fontes – como a terceira geração dos Annales busca estabelecer: novas abordagens ao
se estabelecer um caráter social da cultura, sempre voltada ao âmbito das relações sociais e dos
rituais dos sujeitos coletivos. Quando individualmente estabelecidos – pensemos no caso de
Mennochio e “O Queijo e os Vermes” - disposto a seguir uma linha de envolvimento com o social,
isto é, com o que Ginzburg chama de “cultura popular”; novos métodos ao pensar a cultura
enquanto parte do processo humano, da leitura de mundo e dos significados, para além de sua
confusão com raça ou como parte de uma erudição, como arte; novas fontes ao se buscar pesquisas
que utilizassem a língua, os rituais cotidianos, a vida privada (de Ariés e Duby), a mentalidade e a
memória – que agora era estabelecida como um objeto da história e não ela mesma.
Deixemos esse caminho tortuoso da narrativa histórica para pensar dois âmbitos de pesquisa
que destaquei no conteúdo programático: as temporalidades e as mentalidades. Apesar de
independentes, os dois termos envolvem-se em uma gama complexa de relações. Em termos de
temporalidades, o avanço dos estudos culturais trouxeram em voga um pensar do tempo que não
apenas delimitava o trabalho do historiador, mas questionava as estruturas de linearidade do relógio
da maneira a como ele é observado ou conduzido pelos seres humanos. Se Fernand Braudel
estabelecia os três sentidos ao tempo historiográfico – curta, média ou longa duração – que tiveram
resultados importantes para a história política como veremos mais adiante, o nascimento de uma
história cultural buscava entender a forma como as pessoas se envolviam e entendiam o tempo. Se
nós utilizamos ferramentas para medir esse tempo, como o é o relógio e o calendário, ou então o
concebemos de maneira física, como a passagem do astro solar de um lado ao outro da posição de
referência do observador para surgir posteriormente no lado inicial, marcando um dia, é inegável
que, inseridos em uma sociedade capitalista, no Brasil, em uma capital estadual, talvez o tempo seja
“curto” para muitas coisas, isto é, a forma com que compreendemos o tempo altera à maneira como
a sociedade e as práticas culturais são estabelecidas.
Neste sentido, indagações como as perspectivas cronológicas em diferentes sociedades e
culturas são produzidas e criam novas leituras históricas. É o caso, por exemplo, das pesquisas
históricas sobre sociedades indígenas e sua organização. Mais que estabelecer uma caracterização
hierárquica e evolutiva da sociedade, a compreensão da forma como os indivíduos marcam o tempo
representa uma própria parte da cultura, assim como a língua. Para citar minha experiência de
pesquisa, é em como um movimento social mexicano formado massivamente por indígenas constrói
duas marcações do tempo: a primeira em sentido regimental, cronológico e histórico que perpassa
as reuniões, assembleias, encontros e programas de luta; e a segunda, mais tradicional e ligada às
comunidades indígenas, que envolve o processo de resistência à colonização e a memória coletiva, a
relação com os mortos e as divindades e a criação do mundo, isto é, em como acontecimentos de
centenas de anos são parte presente e viva da base social como se fossem realizados pelos viventes,
e influem sobre a forma de organizar a representação da rebelião, da resistência, da continuidade
com os antepassados no presente. Deixo a indicação de um capítulo de livro escrito por Carlos
Alberto Ríos Gordillo em livro organizado por Carlos Antonio Aguirre Rojas, “La memoria
rebelde: dimensiones de la contramemoria neozapatista” para aqueles que tiverem interesse no
assunto.
Esse processo, como havia comentado antes, possui complexas relações com as
mentalidades, especialmente a memória. A forma como o pensamento é criado e envolvido
socialmente estabelece profundas relações com a língua e a formação cultural do indivíduo, criando
laços sobre a maneira que o mundo é percebido e representado. Há largas pesquisas sobre o sentido
de “progresso” no século XIX, sobre utopias, sentimentos e a forma que as mentalidades constituem
a maneira que os humanos pensam e criam, dessa maneira, um sentido sobre si mesmo e os outros,
numa constante relação entre pensar e agir. Podemos citar aqui o livro de Héctor Perez Brignoli
“Historia Global de América Latina 2010-1810”; a coleção “História da Virilidade” de Mandressi
[et al.] que buscam conceber a formação da virilidade como parte da sociedade ocidental; bem
como Enrique Dussel, que apesar de não ser historiador, em “1492: el encubrimento del otro”
estabelece uma leitura sobre a formação da modernidade a partir da conquista da América e, neste
sentido, na construção da relação entre o nós, conquistadores, e o eles, conquistados.
Essa mentalidade na história busca formular resposta ao questionamento: como as pessoas
pensavam sobre algo no passado? Em mesmo sentido, como a memória se relacionava na criação
desse pensamento, especialmente ao se envolver com a formulação da identidade? É o caso de
indagações como a de Joël Candau e “Memória e Identidade”, no qual a formação ou o pensamento
sobre os acontecimentos passados são fundamentais e coexistem com a forma que os sujeitos se
compreendem no presente, um questionamento que também é realizado, em termos de mentalidade,
no livro de Le Goff “História e Memória”. Cito novamente a minha experiência de pesquisa sobre o
Exército Zapatista de Libertação Nacional no qual o arquivo histórico do movimento, criado como
forma de manter viva a narrativa zapatista sobre a história recente, tem por essência o resgate de
personagens históricos nacionais, em especial Emiliano Zapata e a Revolução de 1910, bem como a
história da colonização e conquista e o sofrimento indígena como parte da sublevação, isto é, na
formação de uma memória coletiva e, dessa forma, de uma mentalidade de resistência que
estabelece uma leitura sobre o passado e a formação de um sentido de identidade no presente:
somos produto de 500 anos de luta (Primeira Declaração da Selva Lacandona, 1994) ou o fato de
que as estratégias militares como a da tomada de San Cristóbal de Las Casas, antiga capital do
Estado de Chiapas, México, se deu como a de Pancho Villa e a tomada de Ciudad Juárez (Entrevista
do Subcomandante Marcos, 04 de fevereiro de 1994).
Neste sentido, a agremiação entre temporalidades e mentalidades surge para a história
política por meio de seu processo de renovação, como já destacado. A abertura para uma história
distante da tradicional factualista, que abarcasse sentidos e processos do social, do econômico e do
cultural formularam uma maneira nova de se escrever essa área da história e, assim, estabelecer
novos métodos, fontes, abordagens e conceitos que veremos a seguir.

- Possibilidades de investigação: a condição do campo político.


O campo político – para pensar no conceito de Bourdieu – formula suas próprias
considerações de ação e existência. Pensemos inicialmente na concepção da ideia do que é o
político. Para o autor citado, a divisão da sociedade em campos constituem uma forma de
engessamento das relações entre os diversos campos existentes. Tentando ser mais didático: um
campo é um espaço de interação entre indivíduos com objetivos parecidos. Diria um microcosmo,
um pequeno espaço da sociedade onde se conectam sujeitos para relações que são pautadas por um
tipo de regramento interior. Não se trata aqui de falar de um idealismo ou da existência de algo para
além da ação humana. Particularmente me vejo muito distante da ideia estruturalista em que exista
um “mercado” que parece um tipo de divindade institucional onde as pessoas apenas seguem suas
normativas.
Para o caso do campo político em Bourdieu, a presença de uma expectativa ou a forma que
as ações são tomadas pelos indivíduos daquele campo formulam suas regras e maneiras de agir. Por
exemplo, fala-se de campo político como um local onde as pessoas envolvidas na prática política
obedecem uma prática interna como forma de adentrar o campo e nele crescer, sendo por ele
formado, então, tornando-se profissionais.
Talvez eu esteja sendo muito idealista. Vamos a exemplos práticos: no campo político, para
conseguir adentrar no mesmo, o indivíduo deve se filiar a um partido político ou ser ativista de um
movimento social. Nele, fazer contatos, aprender a forma como as coisas são feitas, a maneira como
se compram os votos de uma parcela da população, ou como se frauda uma eleição, ou quais os
poderes de um legislador, etc. Dentro dos movimentos sociais, em como algumas pressões como o
uso de redes sociais, manifestações ou greves impactam um resultado político. Enfim, mais que um
local isolado, o conjunto de interações desses campos é diverso e sempre pautado nas relações
daqueles que estão no campo. Não é possível que alguém se torne candidato a um cargo político
sem o consentimento do partido, por exemplo.
Aqui temos uma categoria importante para se pensar o que é a política e a prática: “Para que
um campo funcione, é preciso que haja objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo,
dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes do
jogo, dos objetos de disputas, etc.” e nesses objetos e práticas, os indivíduos que possuem esse
conhecimento, esse habitus, formam disputas internas. Bourdieu ainda fala de uma relação do
campo político com a sociedade e em como o avanço do profissionalismo da política gera impactos
e desequilibra a forma como os externos são vistos (pessoas comuns, ignorantes, desprovidos de
conhecimento, capazes de serem enganados, massa de manobra, etc.) e também a forma como os
externos observam o campo e em especial o nascimento de figuras como os outsiders ou ainda
sublevações populares que levam a um desequilíbrio (o que seria da democracia se mais de 50% das
pessoas não votassem?).
De toda forma, a concepção de campo político para Bourdieu nos traz considerações
interessantes para se pensar a política e é justamente nesse caminho que surgem algumas das
perspectivas sociológicas na história política. Se pensar a condição de campo é uma análise
sociológica de ação, como estruturar esse campo em um espaço histórico? Há conceitos que se
aproximam da ideia, apesar de serem divergentes em essência, e que formulam uma busca que
passa tanto na interação social dos indivíduos dentro x fora do campo e também entre a própria
concepção desse campo, ruptura ou continuidade. Darei alguns exemplos aqui e penso que boa parte
deles pode ser observada na proposta de René Rémond e a história política.
Primeiro: se considerarmos a existência de um campo político – que pode e deve ser
questionado. Somos historiadores, correto? - e entendermos que a definição do campo é dado pelas
práticas sociais dos indivíduos que nele travam disputas sobre interesses diversos – como ganhar
uma eleição ou liberar um fundo governamental a certa destinação – então nada mais justo que
pensar que esse campo é fruto de uma história. E se analisarmos essa história, qual resultado se
chega?
Essa é uma das ideias de Rémond em seu capítulo “As eleições”: como entender o
comportamento eleitoral, mais que definir que um candidato ou outro ganhou uma eleição, mas de
entender quais foram as nuances que levaram a essa vitória e, mais ainda, qual o levantamento
histórico que pode se fazer sobre a vitória de um ou outro candidato em tal espaço geográfico?
Assim, o historiador pode buscar entender o “temperamento político regional” a partir de consultas
e levantamentos estatísticos. Ora, o que seria desse conjunto extenso de dados coletados se não uma
representação de uma opinião política da população, uma opinião que se articula com a concepção
do que é a política e quem dela pode participar, ou em como a política não leva a nada, não vale a
pena ou todos os políticos são corruptos? Não é muito distante da ideia geral da América Latina a
percepção sobre a política e os políticos como um tipo de câncer.
Ainda, como proceder com análises que talvez não sejam tão comuns à história política
como a opinião pública, a mídia ou os discursos políticos. Talvez hoje seja mais claro o papel da
mídia em casos pontuais da história política brasileira como na eleição de Fernando Color de Mello
ou então na fraude eleitoral do Partido Revolucionário Institucional no México de 1988. De toda
forma, como efetivamente a mídia influencia ou não a percepção social sobre a política? Uma das
indagações que o próprio Hoggart se fazia na década de 1950 e que possui variações enormes de
pesquisa. A opinião pública, então, é algo forjado? É estabelecido apenas por interesses
econômicos? Como compreender esse aspecto da vida política?
Para Chomsky, a mídia nada mais faz que a manipulação por completo, possui ligação direta
com o sistema capitalista e seus interesses e tenta jogar com a opinião popular. Na visão de Jean-
Jacques Becker, talvez esse caminho seja mais tortuoso. Pode-se falar em uma opinião pública que
é “estática”, mais longeva cronologicamente – como uma região votar mais tempo em um partido
específico; “dinâmica”, como algo que sofre influência de acontecimentos recentes – como o
resultado de uma política de incentivos fiscais ou a publicação de um novo imposto; ou ainda
“fabricada”, onde a manipulação e o condicionamento são propriedades que se conflitam na
definição – manipular enquanto controlar e condicionar enquanto comodidade, sempre na relação
entre produtor e receptor/reprodutor – pois aquele que recebe uma mensagem, faz sua compreensão
particular e posterior produção de outra mensagem.
O que é importante, entretanto, é pensar que há matizes que sempre diversificam a
capacidade de analisar os dados. Cito aqui o livro de Philippe Burrin, “France under germans:
collaboration and compromise” onde o autor, analisando a França dominada na Segunda Guerra
mundial, destaca as maneiras a como os franceses se adaptaram e viveram em um momento de
dominação externa. O resultado: desde rebeldes que pegavam em armas até colaboracionistas que
auxiliavam a dominação alemã, há um longo conjunto de sujeitos que poderiam esconder
fugitivos/judeus até antissemitas que comercializavam no mercado clandestino. Como compreender
a opinião pública em um momento de dominação? Tudo isso pode ser variado e depender
diretamente das fontes que são abordadas e da maneira a que a historiografia esteja disposta a falar
do assunto. Todavia, em termos metodológicos, é importante pensar que opinião pública enquanto
objeto é um espaço que envolve os dados e levantamentos, uma metodologia de análise desses
dados que conflitue com as práticas sociais e culturais do local e do tempo, medindo aspectos da
conjuntura e da longa duração.
Enfim, na história política e sua renovação, o espaço para se pensar essas considerações e
hipóteses tornou mais amplo e aberto. Um dos conceitos que é de extrema valia para o período e
que possui uma utilização que abordaremos aqui é o de cultura política, especificamente pelo fato
de envolver a mentalidade política, a estrutura do que já definimos como campo político, as
possíveis temporalidades de pesquisa e as relações dos sujeitos na história.

- Conceito e abordagens: a cultura política;

O conceito de cultura política surge na década de 1960 na ciência política estadunidense.


São Gabriel Almond e Sidney Verba que instituem o termo como uma forma de compreender a
organização social e política mundial. No texto “A cultura política”, os autores estabelecem um tipo
de classificação das sociedades através de um estágio evolutivo de razão política e definem cultura
política como uma razão, símbolo, significado, forma de compreensão da política pelos indivíduos.
Os autores destacam que só em um momento em que se está mudando uma cultura política mundial
de participação em massa na política, não se sabe como se dará tal participação, se de maneira
democrática ou totalitária – este último entendido como controle de todos os aspectos da vida
humana – poderia se pensar em como essa cultura política se daria. Como prática, o conceito se
define a partir de uma significação da política pelos indivíduos, a partir de sua aceitação ou não e de
uma construção cultural e mental do que é esse tipo de política, isto é, especificamente a ações
políticas, a cultura de um grupo social em como entende, pratica, critica, cria sentimentos,
valorações e significados ao campo político.
Dessa forma, dividem a cultura política de nações – pois é o enfoque da análise dos autores
– em tipos de orientação da população: uma orientação cognitiva, que se liga ao conhecimento
sobre as instituições e práticas políticas, o papel dos sujeitos, etc.; em orientação afetiva, ligado aos
sentimentos em torno da política; e orientação avaliativa, sobre a forma como as opiniões e os
juízos são elaborados em torno da política e que se envolvem com o conhecimento e os sentimentos
dos indivíduos sobre a política.
A partir dessa análise, os autores chegam ao resultado sobre tipos de culturas políticas: a
paroquiana, a de súdito e de participação. Essa divisão cria leituras sobre a organização dos países e
suas formas de relação entre a política e os cidadãos. Neste sentido, uma cultura política paroquiana
é definida como parte de sociedades primitivas ou tribais nas quais o indivíduo não conhece, não
julga e não cria sentimentos com as instituições políticas pois não consegue observá-las. Na
perspectiva dos autores, a classificação paroquiana se liga especificamente ao fato de líderes
políticos também serem religiosos e econômicos, envolvendo uma não separação e especialização
dos termos. Uma cultura política de súdito se classifica como dos sujeitos que conhecem a estrutura
política que é especializada, cria sentimentos e valorações sobre essa estrutura mas não tem ação
concreta nela, isto é, não tem possibilidade de adentrar ou alterar a ordem política existente. Por
fim, uma cultura política de participação, possui todas as qualidades das orientações, como o
conhecimento, valoração e sentimento sobre a estrutura política bem como forma de atuar nela,
decidindo seja por meio da representação ou da participação direta.
É justo pensarmos que os autores, em um momento de Guerra Fria, condicionavam as
análises como uma forma de conceber a prática democrática estadunidense como referência a ser
alcançada. Neste sentido, a separação do globo entre primeiro, segundo e terceiro mundos é uma
comparação plausível para a análise dos autores. Ainda que afirmem que possa existir tipos híbridos
de culturas políticas, a classificação dos autores leva a uma compreensão entre o mundo capitalista
centrado nos EUA como referência, a democracia liberal como maior escala de evolução; uma
perspectiva totalitária para os países socialistas ou comunistas; e de ingênuos/gentios aos demais
países – faço aqui uma referência direta à forma como os indígenas eram vistos pelos europeus
quando da conquista da América, vide os textos do jesuíta Antonio Vieira, por exemplo.
Há diversas críticas que foram realizadas e ainda o podem ser à forma como o conceito fora
introduzido na ciência política – por isso deixo o texto dos autores para aqueles que tenham
interesse de observar a forma como é construído. Na história, o termo é resgatado na década de
1990 para ser ressignificado e transposto a uma nova categoria de análise. Mais que estabelecer
critérios classificativos, a ciência histórica, aproveitando-se do método – isto é, na perspectiva de
também entender a forma como os sujeitos compreendem as estruturas políticas, relacionam-se com
elas e estabelecem sentimentos, expectativas e ações – passa a formar suas próprias análises.
É inegável, portanto, pensarmos nas influências recebidas pela história não apenas da
ciência política, mas da antropologia e da psicologia sobre a maneira de observar as sociedades e os
indivíduos. Nesse sentido, o conceito de cultura e sua ligação com a política conduzem a duas novas
perspectivas da área da história política: a primeira de temporalidade e a segunda, de mentalidade –
entendida de forma ampla, como já discutimos. No campo da temporalidade, a história política
deixa de ser factual para compreender processos que estão em uma longa duração, isto é, que não só
se estabelecem contextualmente, mas se envolvem em memórias e práticas culturais que formam
um sentido social ao político; e de mentalidades pois estabelece uma condição das ideias, das
representações, da forma em como os sentimentos são criados e aflorados dentro da disputa da
política e, mais ainda, em como as sociedades compreendem, representam, agem e formulam
possibilidades do que é o político.
Neste sentido temos o texto de Serge Berstein. O capítulo que disponibilizei como
bibliografia do minicurso faz parte de um livro organizado após o seminário homônimo realizado
entre 26 e 29 de agosto de 2008 na Universidade Federal Fluminense (UFF) organizado pelo projeto
Pronex Culturas Políticas e Usos do Passado – Memória, Historiografia e Ensino de História. Nesse
livro, os autores apresentam as discussões no entorno da cultura política, da educação, da memória e
da historiografia. Vale a pena dar uma olhada no resultado. É bastante interessante para quem
pretende seguir essa área da história.
Podemos então iniciar com a citação de Berstein sobre a definição do que é a cultura política
para os historiadores (franceses, no caso): “um grupo de representações, portadoras de normas e
valores, que constituem a identidade das grandes famílias políticas e que vão muito além da noção
reducionista de partido político. Pode-se concebê-la como uma visão global do mundo e de sua
evolução, do lugar que aí ocupa o homem e, também, da própria natureza dos problemas relativos
ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante da sociedade num dado país e num dado
momento de sua história. Jean-François Sirinelli (1992) propôs considerá-la ‘uma espécie de código
e (...) um conjunto de referências, formalizados no seio de um partido ou mais largamente
difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política”.
Nesta definição é possível entender um processo de organização da área histórica em termos
teóricos: a cultura, portanto, é estabelecida como uma base geral sobre as noções, valores e normas
sociais – base que advém da antropologia – que é fragmentada para se pensar o campo político, isto
é, nestes mesmos termos culturais mas que se especializam sobre a esfera política. É em como se
imbricam o cultural e o político. Vamos a um exemplo: Marilena Chauí, enquanto participante do
governo municipal do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo entre 1989 e 1992, mais
especificamente como Secretária de Cultura, publica em 1995, na revista Estudos Avançados, um
breve artigo explicitando algumas das ações no entorno da cultura para a cidade. Ela intitula o texto
como “Cultura política e política cultural”. Há uma primeira diferenciação que precisa ser realizada
e que segue a mesma perspectiva de Alvarez, Dagnino e Escobar em “Cultura e política nos
movimentos sociais latino-americanos (novas leituras)” que, inexistente na língua inglesa, se dá
entre o que é a ação do Estado/de governos sobre a esfera da cultura e, portanto, como parte das
políticas públicas desse governo - a política cultural - e o que é a concepção cultural da sociedade
sobre a política, o que é conceitualizado como cultura política.
Voltando a Chauí, a filósofa busca mostrar em como se estruturava um desafio para o
governo estabelecido: mais que aplicar políticas de lazer e entretenimento que se davam na
compreensão do que era basicamente a cultura para o Estado, buscou-se a formação do projeto
Cidadania Cultural que tinha como base estabelecer uma mudança na forma que o Estado
compreendia a cultura e também na perspectiva popular sobre a política e a forma de concebê-la. A
autora destaca algumas das dificuldades encontradas ou dos enfrentamentos realizados no âmbito da
cultura pelo governo como forma de ao menos inicializar o projeto e assim estimular o que ela
chama de uma cultura política de auto-organização, de prática participativa, de cidadania. Neste
sentido, ela apresenta a compreensão de três reproduções do imaginário social e político brasileiro:
a reprodução mitológica, ideológica e política.
Resumidamente, a filósofa busca caracterizar a cultura política nacional sobre movimentos
políticos específicos que se superam ao espaço de partidos políticos ou de famílias políticas. Os
mecanismos representam uma nação que se baseia na ideia da não-violência mesmo sendo
extremamente violenta, desigual e excludente, que ergue sobre essa perspectiva uma ideologia
autoritária que perpassa as microesferas de poder como a família, as relações de trabalho, de raça e
gênero e, por fim, constitui a maneira a como se organiza as relações dos sujeitos para com a
política, sempre em uma perspectiva de distanciamento, de desconhecimento, de descrédito e,
portanto, de não participação. Uma máquina estatal que funciona fora do controle social além da
lógica do pleito/das eleições.
Essa explicitação de Chauí nos leva a considerar algumas das compreensões e também
questionamentos do conceito de cultura política. O texto é uma boa explanação sobre a
compreensão de uma cultura política nacional que exploraremos um pouco a frente, mas deve ser
lido com cuidado sobre a ótica de um relato. Voltando a Berstein, algumas questões se colocam em
voga: podemos falar de uma cultura política nacional ou de culturas políticas? A prática ou o
nascimento dessa cultura política é individual ou coletiva? A partir de que momento pode-se falar
de uma cultura política?
Essas indagações também são explanadas no decorrer do texto do historiador francês. Para
ele, mais que uma separação nacional e classificativa, pode-se falar de várias culturas políticas que
se envolvem em uma mesma região ou nação. Ainda, essas culturas políticas possuem força ou
determinação em certos momentos da história e também na forma em como essa história é narrada e
concebida para os historiadores ou para a memória coletiva. Dessa forma, “Considerar que é de
alguma forma natural que o operário deva lutar contra o patrão se refere claramente ao princípio
marxista da luta de classes; sustentar que toda regulamentação proveniente do Estado é nociva e
liberticida é uma maneira de exprimir o liberalismo; julgar que o ensino do catecismo é um vetor de
propagação do obscurantismo e um obstáculo à difusão do progresso nas sociedades traduz a visão
do racionalismo positivista, sem que aqueles que formulam tais julgamentos tenham
necessariamente consciência de que são portadores das concepções globais da sociedade reclamadas
por essas doutrinas” e, por isso, constituem parte de um conjunto amplo de valores e normas que
disputam, em termos de famílias políticas, um projeto político ou um significado da política. Por
isso, pode-se falar em culturas políticas pois elas estão em constante disputa pelo rol de sustentação
de sua própria filosofia e, portanto, do controle da política. Além disso, são influenciáveis a
depender do poder que exercem, seja por meio de uma dominação da vida política como um todo
até a constituição das instituições que, para o historiador, não podem ser vistas como parte de uma
vontade universal e estável, mas por meio dos diversos conflitos e concepções de poder instaurados
na ordem da legislação.
Neste sentido, é viável estabelecer que a cultura política é plural e estão em constante
conflito e, no geral, constroem parte da prática cultural, social e econômica como envolvida
diretamente à política. É, por exemplo, a significação de um passado memorial - a Revolução de
1910 e as imagens de Zapata - para um presente que constitui e identifica essa cultura política -
filhos, herdeiros, aqueles que são frutos de anos de resistência da conquista europeia - e significam
ou constituem utopias ou horizontes para a ação do presente ser efetiva - um mundo onde caibam
muitos mundos, uma luta contra “la bestia” capitalista e sua versão neoliberal, a renúncia ou o fim
do controle político pelo PRI. É, ao mesmo tempo, a criação de símbolos e significados, ações e
cotidiano, como uma estrela vermelha em uma bandeira negra ou o uso do pasamontañas/balaclava,
ou outros exemplos mais conhecidos como a foice e o martelo para os comunistas ou a mão direita
elevada para o movimento negro. São símbolos que quando expostos trazem ao leitor um conjunto
de memórias, discursos, referências e sentidos.
Por fim, como nascem as culturas políticas? A resposta pode parecer simples a primeiro
olhar: a partir das respostas dos sujeitos aos problemas existentes na sociedade em um espaço e
tempo. Assim, uma cultura política não pode ser entendida apenas em seu aspecto individualizado,
mas por meio das interações entre as pessoas por sobre a forma como as coisas devem ser feitas
para alcançar um resultado definido. É, por exemplo, em resposta ao processo de capitalização das
relações sociais e de trabalho que surge o socialismo e, mais especificamente, o marxismo e a luta
de classes como explicação do problema, a revolução proletária como ação a ser realizada e a
sociedade sem classes como futuro almejado. Obviamente que estou simplificando a complexidade
do marxismo para tentar ser mais didático, mas ao mesmo tempo estabelecer um sentido que é
próprio da cultura política: ela se desenvolve, troca experiências com outras e também com a
sociedade a depender dos problemas que surgem a da forma como as pessoas aceitam e propagam
uma cultura política. Por isso, falar em marxismo como um conjunto global e homogêneo é
equivocado e, para o historiador, merece atenção à forma que o grupo compreende e formula novas
concepções e significados.
Dessa forma, a cultura política, ainda, está ligada à maneira ao qual são dados os processos
de difusão, seja por meio da propaganda política, pelos meios institucionais como a família, a
escola, a organização do Estado e da polícia/militares. Nesse sentido, o processo de comunicação
torna-se latente e orgânico para uma cultura política ao ponto de fornecer meios de se propagar e
ganhar adeptos até tornar todo o seu sentido filosófico como algo naturalizado. Uma cultura
política, portanto, ao trazer respostas aos problemas da sociedade, ganha força por meio da
massificação de suas propostas. Um exemplo é em como o nazismo, inserido em uma Alemanha
que questionava a República de Weimar e os comunistas, trazia respostas a uma sociedade
marcadamente antissemita a valorização do que chamavam de raça ariana e o extermínio de
judeus.
Dessa forma, a opinião pública, entendida em suas variáveis mais profundas, seja estática,
dinâmica ou fabricada, pode ser concebida como um sentimento massificado de aceitação, rejeição
e produção de respostas e compreensões aos problemas sociais. É a partir dessa opinião, desse
julgamento social, da capacidade de organização de manifestações ou de representações ante o
parlamento, de educação e interiorização das atitudes políticas no seio da escola ou da família, da
classe ou da situação socioeconômica, dos grupos ou clubes de frequência, que a cultura política se
estabelece no indivíduo e na identidade do grupo, isto é, que se articula a toda a experiência (para
pensar no conceito de E.P. Thompson) dos sujeitos, individuais ou coletivos, e na relação com o
presente e a identidade, fornecendo as bases das concepções e leituras de mundo.

- A cultura política no Brasil: especificidades do conceito.

Se compreendemos que a cultura política persiste na relação entre indivíduos e grupos,


insere-se em uma dada sociedade, cria expressões e sentidos para a política através de meios
culturais que são internalizados, constantemente relaciona-se com o passar do tempo e as novas
problemáticas que surgem, estabelece mentalidades e memórias como parte de seu sentido - passado
hereditário, presente identidade e futuro utópico, e formula ações que constituem como parte da
formação e desenvolvimento dessa condição da cultura, também é preciso destacar que insere
perspectivas novas no campo da história política: a longa duração como chave da pesquisa histórica
e as mentalidades como parte da condição humana.
Para os historiadores brasileiros, o conceito de cultura política passou a ter uma
funcionalidade para tentar explicar fenômenos nacionais em suas especificidades. Trago como parte
dessa discussão o trabalho do historiador Rodrigo Patto Sá Motta em que o mesmo discute uma
concepção de parte da cultura política brasileira durante o período da ditadura militar e
especificamente relacionada às universidades. Há outros trabalhos interessantes que farei citações
aqui para que possamos aprofundar o debate.
No artigo de Motta, o historiador busca mostrar dois aspectos do que ele compreender como
uma cultura política nacional. Vocês podem se perguntar: mas não é isso que questionavam os
historiadores franceses? Pois bem, o autor explica que mesmo na existência de uma variedade de
culturas políticas em âmbito nacional (e sempre em disputas), é possível notar que essas mesmas
culturas possuem intercâmbio de definições e práticas que formulam uma condição dominante de
algumas dessas práticas. Foi o exemplo que trouxemos da leitura de Marilena Chauí sobre o que ela
tentou demonstrar como parte da cultura política brasileira ou mais especificamente centrada na
cidade de São Paulo. Para Motta, pode-se falar de partes da cultura nacional que impactam
diretamente no sentido político e, entendidas em sua particularidade política, criam condições,
sentidos e ideias mais ou menos comuns à nação.
É o caso do que ele chama das ideias de conciliação/acomodação. Entendidos em suas
diversas matizes, como já comentamos para o caso da França em dominação germânica no trabalho
de Burrin, essa conciliação e acomodação, para Motta, representam uma constante prática brasileira
para os conflitos políticos e tende a expressar algumas das ações existentes durante a ditadura
brasileira e as universidades. Para o autor, mesmo nos momentos mais agudos da repressão, a
heterogeneidade das forças militares (se moderadas ou radicais) e a cultura política de caráter
acomodativa foi essencial para a continuidade de professores e estudantes ligados à esquerda nas
universidades. Isso não quer dizer que a repressão não existiu ou que a ditadura brasileira foi
“branda” como alguns setores políticos pretende caracterizá-la, mas pretende entender que uma
formação histórica pautada na repressão cirúrgica, no discurso da não-violência e da nação como
um todo como “ordeira e pacífica” foi essencial para formar a prática política brasileira e, até a
atualidade, representar questões importantes como a escassa participação política ou mobilização de
massas.
Além da especificidade do trabalho de Motta, há outras pesquisas que buscam compreender
uma cultura política em seu sentido estrito, isto é, não como parte de uma cultura geral que marca
partes na política, mas em uma família política como um todo. É o caso de “História, historiografia
e cultura política no Brasil: algumas reflexões” de Ângela de Castro Gomes. A autora busca
explicar o trabalhismo como uma ideologia/tradição política que, marcados no Estado Novo e na
figura de Vargas inicialmente para depois se transformar ao decorrer do tempo, é desenvolvida até
ocupar uma parte considerável das relações políticas nacionais e, portanto, como uma esfera da
cultura política republicana dentre as várias existentes. A autora, dessa forma, compreende a cultura
política como uma parte da estrutura política nacional, mas que conforma suas disputas internas.
Advindos de uma experiência do movimento operário e sindical, o trabalhismo é articulado
na estrutura do Estado como parte da política de Vargas que compõe um distanciamento das
perspectivas mais radicais, como o comunismo, e centra seus apelos ao processo de apaziguamento
das relações do trabalho em uma sociedade capitalista. Após a morte de Vargas, tem um processo
de disputas internas e se transforma em tipos de trabalhismos, em conflitos de representação, de
memória, de disputas que articulam a verdadeira (em termos de discurso e narrativa) herança do
trabalhismo. Nesse processo, passa por alterações e separações para se centrar em figuras que
retomavam a liderança carismática de Vargas, como Jango e Brizola.
De toda forma, essas características do conceito no Brasil formulam interações e pesquisas
históricas próprias, seja por meio da relação da cultura política com as práticas e ações do Estado e
governo ou na consideração de famílias políticas nacionais. Em todo caso é importante retomar uma
consideração de Motta sobre o termo cultura política:
“Cultura política não é panaceia, não explica tudo e não oferece saídas analíticas fáceis para
lidar com problemas complexos. Entretanto, é relevante para entender comportamentos políticos e o
peso de relações estruturais, constituindo categoria útil para os pesquisadores da história recente. As
tradições preexistentes impactam as escolhas políticas e impõem certos limites aos agentes. Ainda
assim, estes sempre fazem escolhas, portanto, a cultura política não é uma camisa de força.
Metáfora melhor seria comparar cultura política a uma moldura, ou a um trilho”.
O conceito pode ter suas problemáticas, mas é sempre bom lembrar de sua origem: trata-se
de um conceito e só tem validade se for útil à pesquisa histórica. Mais que estabelecer um
Frankenstein de leituras, o conceito pode ser importante para compreender que certas atitudes
políticas estão ligadas a processos longínquos de existência e trazem interações entre as vontades,
desejos e práticas voltadas ao campo político. Neste sentido, faço o relato da minha experiência na
pesquisa sobre uma parte da cultura política zapatista em que foco minhas análises sobre as
considerações da memória do movimento social contemporâneo para formular uma perspectiva de
passado formador/hereditário, representado tanto na esfera indígena de resistência à conquista
quanto nas lutas de caráter nacional que são importantes para representar uma identidade coletiva e
estabelecer as razões da rebelião e, ainda, as ações a serem tomadas para a constituição de um
futuro almejado, de uma mudança política nacional e em certos momentos internacional, pautada na
condição socioeconômica de Chiapas e o que representavam o capitalismo em sua versão
neoliberal.

- Considerações finais:

Muito obrigado por ter escolhido esse minicurso. Espero que a discussão tenha sido
proveitosa a todos. Deixo na descrição do vídeo uma proposta de atividade que é obrigatória para a
obtenção do certificado e também um link do drive com todos os textos que possuo em pdf e citei
no decorrer do curso. Destaco que apenas aqueles que estão na bibliografia do minicurso serão
necessários para a execução da atividade. No drive também está o roteiro desse minicurso para
aqueles que possuam, assim como eu, uma facilidade maior em compreender o que está escrito que
exatamente o que é dito. Disponibilizo também meu e-mail para que possamos discutir sobre o tema
e aprofundar o debate que com toda certeza não está esgotado e pode ter contribuições importantes
de outras leituras que vocês possuam. Novamente muito obrigado e saudações a todos os
participantes.

- Proposta de atividade:

A partir da leitura dos textos de Serge Berstein e Rodrigo Patto Sa Motta, explique o
conceito de cultura politica e sua aplicabilidade a historia politica.

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