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“Terra Goiana”: Paisagem, imaginário e cotidiano na obra de Leo Lynce.1

Juliano Martins Rodrigues2

I - Introdução

A reflexão que proponho parte de um impasse inicial, qual seja, um exercício de


autocrítica, de quem ainda não experimentou caminhar neste tipo de estudo. De antemão
assumo possíveis imprecisões teóricos e conceituais, cuja estratégia de superação será o
tratamento cuidadoso com o método, cuja fenomenologia poderá fornecer os elementos
necessários à análise proposta.
Assim, consciente dessa limitação procurei superar a simples descrição dos fatos
literários e ambicionei compreender as possibilidades imaginativas fornecidas pelo poeta.
Abordo, dessa forma, a poesia de Leo Lynce, em particular a que ele modela sensivelmente a
partir da intrínseca relação entre sua imaginação poética e a paisagem goiana na primeira
metade do século XX.
Não obstante a amplitude dos estudos já realizados sobre a obra de Leo Lynce,
acredito que este trabalho tem algum sentido, por um lado porque lança um olhar sobre um
espaço tornado muito específico para o poeta. E, por outro lado, porque este espaço consegue
representar um quadro bastante peculiar das mudanças na estrutura produtiva, na organização
social e, sobretudo na redefinição do “tempo”, fatores que contribuíram para a modificação
nas mentalidades e valores da sociedade goiana. (ESTEVAM, 1998).
Modernização e modernidade – respectivamente processo e realidade – são as
características que revelam essa mudança nas mentalidades e contém elementos que
mergulham a sociedade em um ambiente de desintegração e mudança, de lutas e
contradições, de ambiguidade e angústia. A modernização mantém o eterno estado de vir-a-
ser, de um avanço contínuo e ininterrupto ao progresso e ao desenvolvimento. O estado de
coisas que emerge com a modernidade e se concretiza a partir do século XX, cria um mundo
dicotômico, que simultaneamente faz conviver o novo e o tradicional (BERMAN, 1986).
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Trabalho apresentado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia – Doutorado, da Universidade
Federal de Goiás (UFG) como requisito para conclusão da disciplina: Imaginário da Cidade, ministrada prela
Profª Dr. Valéria Cristina Pereira da Silva.
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Cientista Social, mestre em Sociologia pela UFG e Doutorando em Geografia pela UFG.
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Sobre esses aspectos assentam um lastro de imagens, que submetidas ao ato


imaginativo do poeta dão nome às paisagens a partir de uma série de poemas, sob a alcunha
de “Terras Goianas”3.

II - A aproximação da imagem poética de Leo Lynce a partir de Bachelard

No ato original do poeta pululam milhares de sonhos, devaneios multifacetados


que alimentam a imaginação. O poema, porém, ao ser escrito ultrapassa sistematicamente a
imaginação do sonho inicial. Ele passa a revelar a realidade onírica mais elementar da
imagem. A engrenagem analítica proposta por Bachelard permite uma aproximação com a
matéria onírica e densa que alimenta a imaginação do poeta.
Para Bachelard a atitude metodológica mais elementar é rejeitar primeiramente a
causalidade como explicação da linguagem poética. Depois objetar a busca pela
decomposição do poema, como se as imagens múltiplas nele contidas pudessem explicar
sobre a profundidade da imagem poética.
Ao buscar o poema como imagem, Bachelard recomenda não fazer como os
severos críticos que constroem grandes modelos de análise para explicar o fenômeno
literário, para ele é preciso recorrer à modéstia, como um exercício de entendimento do ato
poético.
Como poderíamos então compreender a imagem poética? Para Bachelard é
necessário rejeitar o psicologismo como forma de explicação, porque se assim fizermos
focalizaríamos os antecedentes das imagens e não restaria o que revelar de sua materialidade
em si, seria “explicar a flor pelo adubo”.
Trata-se aqui, então, da adoção de um princípio metodológico essencialmente
fenomenológico, melhor explicado pela passagem abaixo:
“... a imagem esta aí, a palavra do poeta lhe fala. Não há a necessidade de
ter vivido os sofrimentos do poeta para compreender a felicidade das
palavras oferecidas pelo poeta. A imagem é tudo, salvo um produto direto
da imaginação”.

Quando falamos em paisagens, que emergem como consciente nos devaneios do


poeta, falamos antes de qualquer coisa em uma experiência onírica, que se revela matéria

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Conjunto de sonetos sobre cidades goianas publicadas em a “Romagem Sentimental”, obra póstuma,
organizada por seu filho José Cruciano de Araújo.
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poética. Para Bachelard só a interesse (paixão) em uma paisagem se há vimos antes em um


sonho. Essas paisagens não são um quadro povoado de impressões, mas sim a matéria que
pulula. A poesia, portanto, mostra-se possível de ser compreendia a partir das conexões com
nível do sensível através do método fenomenológico.
Qual a matéria da obra de Leo Lynce? Qual imaginação conecta-se a essa matéria
específica, a ponto de torna-la valor intrínseco à obra do poeta?
Na leitura Bacherladiana a imagem poética emerge na consciência como um
produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade, ela não é um
objeto, tem uma realidade específica, é produto da consciência, cuja leitura deve ser feita em
associação com o ato imaginativo do poeta. Nesse ponto, ao que nos interessa para a reflexão
da obra de nosso poeta, há um espaço percebido pela imaginação que não é o espaço
mensurado, e entregue à reflexão geométrica. “É um espaço vivido. E vivido não em sua
positividade, mas em todas as parcialidades da imaginação.”
A partir desses pressupostos submeteremos nossa análise à obra Leo Lynce.
Buscaremos no campo do sensível aplicá-los na análise de suas poesias sobre as cidades
goianas, as quais ele tomou como espaço vivido. Lanço mão, portanto, de uma primeira e
hipotética interpretação da matéria contida em sua poesia. Leo Lynce traçou um mapa que se
expandiu para além projeção cartográfica, um mapa sensível que representa não o espaço
milimetricamente localizado, mas um vagar significativo pelas terras goianas, só possível ao
homem livre, signo da modernidade.

II – Cillynêo, Leo Lynce e suas andanças.

Nascido em Pouso Alto, atualmente Piracanjuba, cidade localizada na região sul


do Estado de Goiás, em 1884, Cillynêo Marques de Araújo Valle, com 10 anos de idade
transferiu-se para o seminário de Ouro Fino, próximo à cidade de Goiás, com o objetivo de
continuar seus estudos. No ano de 1896 o Seminário é transferido daquela localidade para a
cidade de Uberaba, no triângulo mineiro, situação que obriga Cillynêo retornar à sua casa, em
Bela Vista de Goiás, para onde mães e irmãos haviam se mudado após a morte do pai.
Efetivamente com 16 anos de idade, em 1900, o poeta começa sua vida literária, escrevendo
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seus primeiros versos, publicados em um panfleto de nome “O Fanal”4, um pequeno jornal


manuscrito e reproduzido na tipografia do jornal A Folha do Sul. A partir de 1903, quando
quan é
nomeado juiz municipal, Cyllenêo de Araújo inicia uma importante carreira pública, ligada à
advocacia e ao ensino do Direito. É nesse tempo, especificamente, em 1905,
1 que o poete
adota o pseudônimo literário de Leo Lynce, antes disso ele já havia reduzido seu extenso
nome oficial para apenas Cyllenêo de Araújo. A partir daí Leo Lynce passa colaborar com
diversos jornais de Goiás e do Triângulo Mineiro, fato comum ao
ao longo de toda a sua vida.
De 1908 em diante Leo Lynce se insere ativamente na vida pública.
pública Ao mesmo
tempo em que se dedicava a atividades comerciais e administrativas entra na vida política
políti e é
eleito deputado estadual. A intensidade de sua atuação nos acontecimentos políticos de 19095
o obriga a se retirar do Estado de Goiás, indo de início ao Rio de Janeiro, então capital
federal, para onde outross goianos haviam se refugiado, e em seguida para a cidade mineira de
Uberaba até 1911, quando retorna à Goiás.
O período que antecede sua fixação em Goiânia em 1943, cidade onde ele por
mais tempo se estabeleceu, foi marcado por um grande
grande vagar pelo território goiano. Essa vida
errante e aventureira marca uma produção no campo das letras de enorme variedade. Com
inúmeras contribuições para os jornais da época Leo Lynce,
Lynce começa a demarcar a sua obra
como matéria de um tempo vivido em
e meio a transformações e novidades, uma relação com o
espaço experimentado de inúmeras formas e imagens, de alguém que tevve morada em mais
de 15 cidades diferentes.
Linha do tempo a partir dos locais das andanças de Leo Lynce

4
O significado da palavra fanal remete à luz emitida por lanterna, costumou-se
costumou se chamar assim as lanternas
utilizadas como guia, a exemplo das instaladas no alto das torres de faróis. É possível que o uso do termo tenha
alguma relação com o fato de ser um jornal criado no seio do Grêmio
rêmio Instrutivo, do qual o poeta era líder, e ter o
objetivo de representar a difusão do conhecimento.
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A chamada revolução de 1909 em Goiás colocou em disputa o poder político local, enfrentando-se
enfrentando as antigas
oligarquias lideradas pelos Bulhões,, Caiados e Jayme e a força política liderada por Xavier de Almeida, líder do
grupo ao qual Leo Lynce encontrava-se
encontrava filiado. O primeiro grupo saiu vencedor, levando ao isolamento do
grupo derrotado.
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III – A imaginação poética de Leo Lynce

Palmeiras de Goiás, Cidade de Goiás, um breve estágio na cidade de Campos, no


Estado do Rio de Janeiro, foram alguns dos lugares pelo qual nosso poeta aventurou-se,
abrindo jornais, trabalhando em ofícios administrativos e fiscais, casando-se mais uma vez e
experimentando as letras acadêmicas, através da fundação da Faculdade Livre de Ciências
Jurídicas e Sociais.
Mas foi fixando-se na então florescente região da estrada de ferro no sudeste de
Goiás que Leo Lynce viu de perto o progresso. É o momento em que ele se conecta a um
tempo e a um espaço distintos dos que estava acostumado. Tempo acelerado pelo trem de
ferro e seus vagões, que além de pessoas e cargas transportava valores, hábitos e tecnologias.
Espaço alterado pelo trem e suas estações, logo transformadas em cidades novas.
Da instalação de uma destas estações nasceu a cidade de Pires do Rio. A estrada
de ferro que estava estacionada na estação de Roncador, em função da demorada construção
da Ponte Epitácio Pessoa sobre o Rio Corumbá, segue viagem e em um de seus trechos
ancora para fundar aquela cidade. Esse fato empolga o nosso poeta que, num ato muito mais
de entusiasmo com o progresso que chegava ao Estado de Goiás do que com a fundação da
cidade escreve o primeiro poema com traços modernistas, de nome Goyaz:
Os poemas escritos a carvão
Terra moça e cheirosa,
nas porteiras das estradas boiadeiras
de vestido verde e touca azul dourada,
ou nas paredes caídas dos alpendres:
entre todas, gentil!
“Lindaura Mendes – Cabo
Assumpção...”
Ninho de sofredores
e, sob dois corações entrelaçados:
Corações dos pastores cantadores!
“Sôdade dos Rio dos Boi”,
- Coraçaõ do Brasil!
“5/5/22. Francisco”...
Quando se vem de fora e salta o Paranaíba,
Nas pautas musicais
o trem de ferro tem um ruído diferente, uma sonora
do arame dos mangueiros,
vibração de jazz
que gênio virá compor
a enternecer a alma da gente...
os motivos dos currais
os desafios brejeiros
Nome bonito – Goyaz!
e as cantilenas de amor?
Que prazer experimento
Goyaz! Recendente jardim,
sempre que leio
feito para a volúpia dos sentidos,
nos vagões em movimento,
com aquele Y no meio!
Quem vive neste ambiente,
Sorvendo o perfume da seiva
O fordinho e o Chevrolet,
que erra no ar;
Rasgando campos, furando matas,
quem nasceu numa terra assim,
vão, a trancos e barrancos,
por que não há de cantar?
rumo às cidades pacatas
que brotaram no sertão.
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No poema as imagens que estão na imaginação do poeta são a de um Goiás


metamorfoseado, inserindo em um tempo e um espaço diferente. Isso é a própria dinâmica do
concreto, o sensível em seu ápice, expressado no ato poético de Leo Lynce. O momento de
sinergia entre o real e o imaginário, reveladores de uma existência que se fixou na história
vivida, presente nos sentidos do poeta.
É neste momento que o poeta se dedica aos versos de seu livro Ontem6, publicado
em 1928. Esta obra, segundo a análise literária feita em Goiás sobre sua obra, não se
apresenta como um fator revolucionário nas letras em Goiás, quando se trata, sobretudo, de
caracterizá-lo como modernista, o que se vê é certo ecletismo, com influências parnasianas,
naturalistas, simbolistas e modernas. Porém, sem dúvida é com Leo Lynce que a literatura em
Goiás toma contato com a estética modernista. (TELES, 1983).
Foi também nesta época que o poeta dedicou suas letras a uma séria de poemas,
intitulados “Terra Goiana”. Escreveu sobe forte influência do sensível, alimentada a partir das
vivências em variadas localidades goianas.
A matéria imaginativa de Leo Lynce nesses poemas está povoada de alternâncias
entre o tradicional e o moderno, entre as imagens das cidades antigas, as novas e as que
estavam por vir.
A cidade em que nasceu – Pouso Alto – emerge a partir dos devaneios da
memória, é a paisagem representada por uma fisionomia particular no meio de uma natureza,
que “surge plácida e garbosa”, “um ninho aberto em plena mata escura”. Cores que lhe
remetem à beleza e à vontade de retonar ao seu ponto de partida, para rever as “manhãs azuis
e as tardes cor-de-rosa”. São memórias eternas, que querem ser guardadas. Em um “pedido
derradeiro”, de um ato imaginativo último, o poeta clama “cansado desta vida” que o
guardassem no sepulcro de seu pai.

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Acerca deste livro e da relação com o modernismo em Goiás é importante registrar essa passagem, extraída do
discurso de posse de Gilberto Mendonça Teles na Academia Goiana de Letras: “Segundo José Cruciano de
Araújo (...) O advento do modernismo no Brasil Central teve berço e data. Foi Pires do Rio esse berço, e data: 5-
5-1992. Ramos Jubé comenta: Nestas condições, o modernismo teria chegado a Goiás dois meses e dias depois
da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo de 13 a 17 de fevereiro de 1922. É certo que, atento às
inovações da poesia nacional, Leo Lynce procurasse também experimentá-las, dando-nos o famoso poema
Goyaz, dentro das técnicas pregadas pelos inovadores paulistas.
(...)
Apesar disso, entretanto, existe um certo exagero em datar de 1922 os princípios da poesia moderna em Goiás.
Tratava-se de um caso à parte, de escritor sintonizado com a sua época, não havendo porém, por parte dos
outros escritores e do público, nenhuma aceitação dos princípios modernistas, o que só vai ocorrer, na verdade,
vinte anos depois, em torno da Revista Oeste.
(...) Deste modo, o fundador da cadeira que ora ocupamos na Academia Goiana de Letras foi um poeta
autêntico, dos maiores de Goiás. Buscou a poesia na sua própria terra, consoante se pregava na época. A sua
linha moral, mesmo como inovador, foi imutável.
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A memória toca também aquilo que lhe ainda é peculiar em sua intensidade, de
quem ainda não experimentara experiências audaciosas. Bela Vista, cidade de sua passagem
da adolescência à vida adulta, traz-lhe os sons, as sensações de uma natureza ainda crua, o
murmurar dos “leques virentes dos buritizais”, a visão que se expande em noites onde a “lua
vagueia, no alto, brincando, qual bela sereia nas águas boiando”; noites que “possuem mais
estrelas” do que qualquer outro lugar. O cheiro de rosa, o qual “ninho perfumoso” lhe faz
lembrar-se de seus ilustres conterrâneos.
A Pires do Rio, cidade que o poeta viu nascer, é a transição para o novo tempo
transportado pelo vagão do trem de ferro, lugar que “píncaros e as várzeas ilumina”, “com o
fulgor do seu beijo mais ardente”. Tanto faz para o poeta, se dos altos das montanhas ou da
pouca altitude das várzeas, a cidade brilha, é a “tetéia gentil do Corumbá”, é menina, porém
“proclama-se capaz, independente” e “entre as irmãs domina”.
O tradicional ainda vive, sob a guarda da paisagem e dos hábitos em Goiás, a
antiga capital. A arquitetura é familiar, e faz o poeta sorrir, “a cidade se estende irregular”.
São “velhas torres, a ponte, o cais, o rio...”. A intimidade ainda está por lá, pois o poeta vê
“mãos amigas” que o “acenam das janelas”, assim também “moças que passam – bandos
tagarelas – aceso o olhar num riso encantador”.
Mas a terra arraigada pela tradição foi despojada pela metrópole. O moderno
transcende ao ato imaginativo do poeta na descrição da cidade nova, de uma capital sendo
erguida em meio ao nada. A cidade matéria é, também, imagem, “Cidade-poema”, sua
arquitetura é de “ruas de desenhos imprevistos”, “complicações de praças e parques e
palácios”, “uma avenida que sobe para o céu”, “outra avenida que vai morrer no mato” “e
mais outras em princípio nem fim”. A intimidade das “casas alpendradas” é exposta aos
“Arranha-céus de olhos quadrados”. A topografia é a das “rodas de velozes automóveis”, “de
bicicletas e motocicletas”. “Povaréu de estudante de operários”, “de garotas
cinematográficas” “e apressados homens de negócios”, “Mulheres olhando vitrinas”, “poetas
olhando as árvores”, “mendigos olhando a vida”. Em uma cidade que a noite é breve, “tudo é
madrugada”. No devaneio do poeta é a Capital-menina, é o “Sonho atrevido, audácia de
gigante!”
Neste momento, o som que desperta o ato imaginativo do poeta não é mais o
estalar das folhas em forma de leques dos buritizais, mas o som do trabalho acelerado do
“cantar da bigorna”, agora “a música mais grata de se ouvir”. As cores e cheiros que outrora
eram alimento para os devaneios, dão lugar à “pedra e cimento e ferro e tessitura”.
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No vai e vem das alvoradas o trabalho para erguer a nova capital se renova a cada
dia relembrando aos sentidos a presença do progresso. Encerra-se em um eterno estado do
“por vir” o vagar de Leo Lynce pelo território goiano.

IV – Conclusão

No Goiás do século XX, o tempo, modificado pelas linhas do trem de ferro e o


espaço, demudado pela mudança da capital, são alguns dos aspectos que se cruzam e
relacionam, compondo um mundo conflituoso entre o passado e o futuro. Leo Lynce poetizou
esse mundo, as cidades pequenas e pacatas, as paisagens naturais e os hábitos tradicionais,
mas imaginou também o surgimento de novas cidades7, originadas a partir das estações que
acompanhavam o avanço das linhas do trem, a construção de uma nova capital e um trabalho
modificado pelo ritmo alucinante da indústria moderna.
O reflexo dessas imagens múltiplas estão nos versos de Leo Lynce, que ora se
rendem à excitação do progresso, ora é simples expressão da melancolia, que remói as
lembranças vitais dos hábitos rurais dos vilarejos e das cidades pequenas que povoavam
esparsamente o território goiano.
Suas andanças pela “terra goiana” foi a matéria imaginativa de seus sonhos.
Imaginação que trouxe à superfície os elementos reveladores de um Goiás em transformação,
e, portanto, aglutinador de sonhos e desejos de um urbano como um elemento da
modernidade.

V – Bibliografia:

ARAUJO, Cyllenêo de (Leo Lynce). Poesias quase completas. Goiânia: Ed. UFG, p. 348, 1997.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço.1ªed. São Paulo: Martins Fontes,1993.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaios sobre a imaginação da matéria. São Paulo:
7
Um decreto publicado em 1909 obrigava a Companhia responsável pela estrada de ferro fundar núcleos
coloniais a cada 100 km do trecho. Essa relação entre a estrada de ferro e os processos de urbanização e
modernização de Goiás foi muito bem levantada por BORGES (1990). O Autor cita como as cidades que
estavam naquela região experimentaram o impactante processo de modernização, se diferenciando
significativamente das demais cidades do Estado. A cidade de Ipameri, por exemplo, foi a primeira do Estado,
em 1920, a receber um sistema de energia elétrica e iluminação pública, além de telefone e telégrafo. Foi nesta
cidade que se instalou o primeiro cinema de Goiás, no ano de 1915 e a primeira agência do Banco do Brasil, em
1921, além de inúmeras indústrias, para beneficiamento de arroz e carne.
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Martins Fontes, 1997.


BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade. 2ª edi. São
Paulo. Companhia das Letras, 1986.
ESTEVAM, Luís. O Tempo da Transformação. Estrutura e Dinâmica da Formação Econômica de
Goiás. Goiânia, Editora do autor, 1998.
TELES, Gilberto Mendonça. Estudos Goianos. A poesia em Goiás. 2ª Ed. Goiânia, Editora da UFG,
1983.
TELES, Gilberto Mendonça. Goiás e Literatura. A Poesia de Leo Lynce e o sentido simbolista da obra
poética de Érico Curado. 1ª Ed. Goiânia, Editora E.T.G, 1964.

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