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VESTIDO RODADO

Lá vem a negra de vestido rodado


Ai que delícia seu requebrado
Me deixou tonto desconcertado
De salto alto com um bom gingado
Cangote jeitoso, sorriso lustroso
Cintura marcada traseiro empinado DELÍRIO
A negra me deixa excitado
Na roda de samba com um belo bailado Delírio dos corpos que se movem na
Me deixa todo desconcentrado penumbra da noite
Ai! negra! Peles que se roçam na escuridão
Olhar vivaz, mão na cintura no ritmo do Silhuetas dançantes ao clarão do luar
samba Que invadem as frestas do canto
É uma delícia o seu requebrado! reservado para o acontecer
No balançar do vestido rodado Fumaças e cheiros…
Boca bonita, nariz achatado, linda! Um líquido licoroso na taça, adoçará
Caso com ela para ser dominado… ainda mais o delírio que se pretende sentir
Ah! Que bonito seu vestido rodado entorpecendo a razão
Lindo recorte bem decotado Bíceps Troncudo circunda o pescoço um
Tirou meu sono, faltei no trabalho do outro
Para ver a negra do vestido rodado Protegem alternados movimentos
Que na roda de samba me deixa frenéticos no chão de estampas
encantado De ladrilhos recém cobertos por colcha de
Com o balançar do vestido rodado retalhos escrito palavras ousadas
Caçada incontida, sorriso para seduzir,
prazer infinito…
A noite já se faz dia
Sentimentos romperam a aurora
Vidraças fechadas, sol querendo entrar
Figuras desnudas adormecidas
Sobre a colcha de retalhos escrito
palavras ousadas
O AFRICANO 02 POESIA DOS PÉS

Tentou fugir da brasilidade de uma Ah, não terminei... Quem sou hoje,
das mulheres negras com quem se escritora da periferia de São Paulo
envolveu colaborando com outras mulheres
invisibilizadas. Levo a arte e a poesia para
Uma moça de nádegas grandes, nos transformar e nos libertar de muitos
empinadas e firmes rótulos e preconceitos...

O africano, sentiu o pênis subir dentro Caminho pela cidade


das calças, sem poder controlar. Caminho pelo mundo
Buscando meus desejos
Agarraram-se, tiraram toda a roupa Estive aqui
mais uma vez Estive lá
Estou junto de mim
As horas passaram, o dia correu… Volto na infância
Onde os pés libertaram-me
Precisavam ir para o trabalho mas, Pelos campos de terra vermelha de Minas
com vontades ensandecidas Gerais
Corri para brincar de pique-esconde
Fizeram sexo no meio da sala Pular corda, amarelinha
- Joga bola!
Bocas tumultuaram em momentos de - Olha a pipa no céu junto com arco-íris
êxtase, em lambidas safadas e - Choveu!
incontidas ele diz o quão doce é a sua A água da chuva na enxurrada
xota… Nossa roupa cheia de barro
- Xiiii! A mãe vai bater na gente
Vícios incontroláveis… - Vamos lavar na cachoeira
- Não! Lava em uma lagoa!
O africano de corpo forte, alto, - Na água do rio
naturalmente musculoso, Pênis - Bate os pés! Lava rápido senão afunda!
monumental - Está de noite
- Vamos para casa
A moça de medidas perfeitas, pele de - A mãe via chegar!
ébano, o fez desesperar-se com seu - Tia, ascende a lamparina
divino requebrado. Mesmo quando - Machucou o pé de novo, menina!
vestida… Pés com eternas marcas de infância
Dormem para descansar
Acordam cedo para trabalhar
Nua o fez esquecer os compromissos, Caminham para o centro da cidade
esquecer do tempo Os pés me levam para onde quero ir…
Para onde posso sonhar!
Amaram-se. Também dançaram no
ritmo frenético de um som africano

Vestidos, horas mais tarde, saem


apressados para o trabalho, entraram
no ônibus lotado rumo ao centro da
cidade…
COMIDINHA GOSTOSA

Tocou no baile com meu violão

Usou até minhas notas musicais

Usou para me dar uma cantada

Leu meu nome nos jornais

Revirou a minha bolsa

Não pagou a conta

Me desprezou por cem Reais

Me apertou e me comeu, não doeu….

Me lambeu e me beijou, gostei….

Me expulsou às 5 e voltei às 10

Me amou mais uma vez, fingi que era meu freguês

Enchi seu copo de vinho! Mas, derramei só para pirraçar!

Pirraça de amor acaba na cama, eu sei….

Usei vestido sem calcinha, fiquei na beira do fogão

Usei cebola para temperar a relação

Vem comer do meu guisado! Cuscuz, arroz, feijão!

Coma tudo bem gostoso. Que até te faço um ovo frito meu bem!
Fugi da casa da patroa
Vassoura não quero ver mais
A caneta é meu troféu

Borda as palavras no papel


É tudo o que quero dizer

Sou uma Carolina


Feminino e poesia
SOU UMA CAROLINA A negra escritora que foi do Quarto de
Despejo
Sou uma Carolina aos programas na TV

Trabalhei desde menina Hoje uso salto alto


Na infância lavei, passei, engraxei… Vestido decotado, meio curto e com
Filhos dos outros embalei babados
Estou na sala de estar
Sou negra escritora que virou notícias No meu sofá aveludado
nos jornais
Foi do Quarto de Despejo Porque…
aos programas de TV
Sou uma Carolina
Sou uma Carolina Feminino e poesia
Escrevo desde menina Pobreza não quero mais
Meus textos foram rasgados, amassados, A caneta é meu troféu
pisoteados Borda as palavras no papel
Foram tantos beliscões É tudo o que quero dizer…
Pelas bandas lá de Minas
Eu sou de Minas Gerais Carolina…
Tula Pilar Ferreira, mulher negra da periferia, mãe, poeta, escritora, cantora, dançarina. Sua trajetória de garra
e luta se assemelha a vida de Carolina Maria de Jesus. Autora dos livros “Palavras Inacadêmicas”, produzido de
forma independente em 2004, e “Sensualidade de fino trato”, publicado pelo selo do Sarau do Binho em 2017.
Tula Pilar presente, hoje e sempre!

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