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Expediente

Expediente
Editor
Amaral Cavalcante
Produção
Cândida Oliveira
Design Gráfico
Carol Patriarca
Cícero Guimarães
Liz Carvalhal

Revisão
Yuri Gagarin
Cândida Oliveira
Coordenador de Pré-impressão
Marcos Nascimento
Gerente Editorial
Jeferson Melo

Colaboradores - Neste Número


Antônio Nahud (escritor/blogueiro) • Claudefranklin Monteiro (pesquisador) • Irineu Fontes (agente cultural) • Pedro Varoni (jornalista) • Assuero Cardoso
(poeta) • Sayonara Viana (agente cultural) • Thiago Barbosa (colaborador) • João Augusto Gama (colaborador) • Carlos Pinna (acadêmico/pesquisador)

Ano VII | Número 22


cumbuca@segrase.se.gov.br
(79) 3205-7421/7400
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Aracaju - SE
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Governo do Estado de Sergipe Serviços Gráficos de Sergipe

Governador Diretor-Presidente
Belivaldo Chagas Silva Ricardo José Roriz Silva Cruz

Secretário de Estado de Governo Diretor Industrial


José Carlos Felizola Soares Filho Mílton Alves

Secretário de Estado da Comunicação


José Sales Neto

A Revista Cumbuca não se responsabiliza por conceitos emitidos nas matérias assinadas.

Cumbuca conta com o apoio da Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado de Sergipe.
carta ao leitor
Graças ao dedicado trabalho de uma equipe reduzida,
mas firmemente comprometida com a manutenção dos padrões
de excelência propostos por esta editoria, a atenção à revista
Cumbuca vem se expandindo no universo cultural brasileiro e
despertando o interesse de mestres e estudantes de Comunica-
ção e Design.
As Universidades Federal de Sergipe e Tiradentes convo-

16 44 54 62
caram técnicos do nosso staff para ministrarem palestra aos seus
alunos, abordando os processos de elaboração e feitura da revista.
Nossa produtora, a jornalista Cândida Oliveira, proferiu
palestra para alunos do curso de Jornalismo, da UFS, a convite do
professor Eduardo Leite, e os designers Carol Patriarca e Cícero

Assuero Cardoso Barbosa


Poesias

Thiago Barbosa
Canindé

Carlos Pinna de Assis


O Barão de Maruim
Notas sobre o Carnaval
Guimarães expuseram aos alunos do curso de Design, da UNIT e

Claudefranklin Monteiro Santos


UFS, suas experiências na feitura da nossa Cumbuca, a convite do
Centro Acadêmico de Design Gráfico da Unit (Cadegrau).
Nesta edição trazemos matérias assinadas pelos colabo-
radores Antonio Nahud, festejado escritor baiano e jornalista
cultural de larga experiência; Claudefranklin Monteiro, pesqui-
sador membro da Academia Sergipana de Letras; pelo agente
cultural e músico Irineu Fontes; Pedro Varoni de Carvalho,

Centenário Joel Silveira


editor do conceituado Blog Observatório da Imprensa; a pes-
O diabo na literatura

quisadora e agente cultural Sayonara Viana; o jornalista Thiago

Música em Sergipe

Pascoal, João e Luiz


Barbosa, o intelectual e ativista político João Augusto Gama e
o conselheiro do Tribunal de Contas, Carlos Pinna, também
pesquisador da cultura sergipana e membro da Academia Ser-

José Augusto Gama


gipana de Letras; os poemas são do vate lagartense Assuero

Sayonara Viana
Antonio Nahud

Irineu Fontes
Cardoso Barbosa.

Pedro Varoni
Joubert
Boa leitura

Amaral Cavalcante - Editor

su
Capa:
Thiago Neumann má
04 26 38 48 58 rio
~ ´

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2019 2019 Cumbuca | 5
2018
E
m Guimarães Rosa transparece todo o misticismo do sertão, uma religiosidade qua-
se medieval, baseada apenas nos dois extremos e marcada pelo medo, pelo pavor,
em que há até mesmo a preocupação de não invocar o Demo, para que ele não
“forme forma”, daí o Diabo ser tratado na linguagem rosiana por “o que não existe”
ou “o que não é, mas finge ser” e expressões semelhantes. Relendo o mestre Rosa,
nasceu a vontade de invocar o Rabudo na história da literatura, apoiando-me nas
palavras sábias de William Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa
filosofia”. Afinal, ser capaz de considerar afirmações metafísicas denota sabedoria, cautela e intui-
ção. Eu, acredito e não acredito no Senhor do Mal.
O protagonista deste ensaio se chama, em hebraico, Satã, isto é, o Adversário, o Inimigo.
Em grego, o Diabo - o Acusador, o Caluniador. Ele é aquele que caiu do céu, como um raio,
~ citado em “Lucas 10:18”. Arrastou consigo uma legião de anjos celestes, descrito em “Apocalipse
20:2”. As variadas denominações do Anjo Fulminante no meio popular revelam sua natureza dis-
simulada e camuflada. Conhecido como Semi-hazad, Azazel, Belial, Asmodeu (hebreus); o Eblis
(muçulmano); The Old Man (Escócia); o Macaco de Deus (Idade Média); o Maligno, o Maldito,
o Inimigo, o Tentador, o Maldito, o Pai da Mentira, o Príncipe das Trevas, o Cão, o Arrenegado,
o Beiçudo, o Azucrim, o Porco, o Sujo, o Tição, o Coxo, o Anhangá, o Rabudo, como é chamado
no Brasil.
Tão antigo quanto a própria literatura, Satã é um velho personagem literário, e muitos fo-
ram aqueles que registraram os passos claudicantes do Anjo Caído. Pode-se mesmo dizer que é
nos tortuosos recônditos da mente humana que Lúcifer (do latim, “o portador da luz”) encontra
refúgio após sua mítica expulsão das esferas celestiais. E, ao fazer do imaginário dos homens seu
pandemônio, passa a inquietá-los com sua enigmática figura, inflamando-lhes o intelecto e, por
conseguinte, tornando-se o cerne de discussões travadas não somente em âmbito religioso, mas
também filosófico, literário e artístico.

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Obra da página anterior: O grande dragão vermelho e a besta do mar, por William Blake (1805).
Sermão e atos do Anticristo,
por William Blake (1499).

O jesuíta Martins Terra, em sua obra “Existe o Diabo? Respondem os Teólogos” (1975), escla-
rece que a existência do Rabudo nunca foi negada por nenhum Papa, nenhum Concílio. Sem dúvida
alguma é uma verdade de Fide Divina et Catholica pelo Magistério Ordinário da Igreja. Logo é um
dogma de fé.“Se você não acredita em Deus, você é ateu, mas se não acredita no Diabo é igualmente
Satan exulting over Eve, por William Blake (1795). ateu, já que a crença nele é um dogma de fé. Portanto, tínhamos os sem - Deus e agora temos o sem-
Diabo. Não é sem razão que Jorge Luis Borges considerava a teologia como um gênero similar ao
Muitos não partilham da credulidade acerca da existência, poderes e possibilidades do Maligno, gênero fantástico”, opina a escritora brasileira Salma Ferraz.
conhecido como o primeiro rebelde do cosmos - seguido por Eva, a segunda rebelde, e por Caim, No século III, o númida Lucius Caecilius Firmianus, conhecido como Lactantius, na obra “Di-
o terceiro. Como antagonista de Deus, foi e continua sendo um expressivo personagem literário, vinae Institutiones” (c. 311), afirmou que Lúcifer teria sido nada menos, nada mais que o irmão do
cinematográfico, musical, teatral, etc. Talvez seja sua maior estratégia, converter-se em ficção e nos Logos, do Verbo, isto é da Segunda Pessoa da Trindade. O “Inferno”, a primeira parte da “Divina Co-
convencer de que não existe, e assim existir eternamente, como afirmou Charles Baudelaire: “O me- média” (1321) de Dante Alighieri, sendo as outras duas o “Purgatório” e o “Paraíso”, é descrito com
lhor truque do Diabo é nos persuadir que ele não existe”. Sobre o tema espinhoso, o poeta britânico nove círculos de sofrimento localizados dentro da Terra. Dividido em trinta e quatro cantos, a viagem
C.S. Lewis, definiu lucidamente: “Há dois erros idênticos e opostos nos quais nossa espécie pode cair de Dante é uma alegoria através do que é essencialmente o conceito medieval de inferno, guiada pelo
acerca dos demônios. Um é não acreditar em sua existência. O outro e nutrir um interesse excessivo e poeta romano Virgílio. Os mais variados pintores de todos os tempos reproduziam visualmente esta
doentio neles. Os próprios diabos ficam igualmente satisfeitos com ambos os erros e saúdam o mate- obra de viés épico e teológico, inclusive Sandro Boticelli, Gustave Dorè e Salvador Dalí.
rialista ou o fanático com o mesmo deleite”. Em “Belfagor, o Arquidiabo que se Casou” (1549), a prosa envolvente de Nicolau Maquiavel
Quando era muito jovem, antes dos vinte anos, escrevi vários contos com a participação espe- nos conta com humor as desventuras de um Diabo que é mandado à terra para, como humano, verifi-
cial do Coisa Ruim, entre eles “Fúria”, “Noites de Ninguém”, “Disse-me o Demônio”, “O Demônio car o que é o matrimônio. Certa vez, o autor declarou que ao morrer preferia ir parar no inferno, onde
Acossado” e “A Mão do Diabo Está Sobre Mim”. Dois deles se perderam. Com o tempo, descobri que poderia se entreter com gente culta e engenhosa, a subir ao temeroso reino dos beatos. Christopher
o Maldito pode ser encontrado em centenas de volumes. Sua epopeia - ou odisseia - diabólica foi Marlowe e William Shakespeare usaram o Tentador como base para a representação estereotipada dos
inúmeras vezes revisitada na literatura. Como é bem típico de escritores: creio, logo duvido; não creio, judeus em “A História Trágica do Doutor Fausto” (1604) e “O Mercador de Veneza” (1597) e dos
logo questiono. A grandeza tétrica e a tristeza atroz do Diabo foram lembradas em divinos poemas, nativos do Novo Mundo em “A Tempestade” (1611). O espanhol Calderón de la Barca colocou o
tragédias vigorosas, romances requintados e peças de teatro de renome. Tinhoso no seu “Mágico Prodigioso” (1637).

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No fim do século XVIII, a Algumas obras, pelo seu O demônio que, sendo orgu-
reação ao pensamento artístico conteúdo blasfemo, poderiam lho de poder é também mediocri-
neoclássico deu forma ao roman- ser reconhecidas como inspiradas dade satisfeita, como dizia Gogol,
ce gótico fazendo do Diabo um pelo espírito satânico. Um desses no livro “Testamento” (publicado
sedutor maléfico. Na França, Jac- livros é certamente “Leviathan” postumamente em 1762), do aba-
ques Cazotte publicou “O Diabo (1651), de Thomas Hobbes. Ele de Jean Meslier, falecido em 1729,
Apaixonado” (1772) enquanto conclui que a vida consiste na é senhor de uma frase macabra
que, na Inglaterra, M. G. Lewis “guerra de todos contra todos”. que se tornou famosa no tempo
lançou seu “The Monk” (1796). Em “Matrimônio do Céu e do In- da Revolução Francesa: “É preciso
O romântico Friedrich Schiller ferno” (1790), de William Blake, estrangular o último padre com as
fez apologia ao Senhor do Mal os provérbios do inferno tem um tripas do último rei”. A notorie-
em “Bandoleiros” (1781). Alfred inconformismo irreverente. As- dade do vigário escritor se deve à
de Vigny e Mikhail Lérmontov, sim como “O Assassínio como autoria de um tratado filosófico
em 1840, fizeram de Satã herói de Uma das Belas Artes” (1827), de promovendo o ateísmo, descober-
famosos poemas; Goethe, no seu Thomas De Quincey, ou noutro to após sua morte.
“Fausto” (1808), colocou Mefistó- criminoso diabólico retratado em
feles como um dos protagonistas “Caneta, Lápis e Veneno” (1891),
da sua história; Giosuè Carducci, de Oscar Wilde. A teoria do mal
agraciado com o prêmio Nobel, pelo mal foi exposta, com a cos-
escreveu sobre ele; Giacomo Leo- tumeira implacável agudeza, por
pardi lançou um “Hino a Ariman” Edgar Allan Poe na célebre nar-
(1835): “Rei das coisas, autor do rativa “O Demônio da Perversi-
Mundo, arcana / Malvadez, sumo dade” (1845), no qual é descrita
poder e suma / Inteligência, eter- a atração do abismo. Reflexos sa-
no / Dador dos males e regulador tânicos podem ser encontrados
do movimento”; Victor Hugo lhe ainda na obra de Petrus Borel,
consagrou um livro inteiro, “O “Madame Putiphar” (1939). Bo-
Fim de Satanás” (1886); Dostoie- rel fundou em 1884 um jornal
vski o apresentou no seu romance com o título de “Satã”.
mais famoso, “Os Irmãos Kara-
mazov” (1880); e Ibsen o evocou
com o nome de “Grande Curvo”
no mais significativo de seus dra-
mas, “Peer Gynt”(1867).

Ilustração de Gustave Doré na obra: A Divina Comédia.


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O primeiro escritor que repetidamente enunciou O italiano Giovanni Papini publicou “O Dia-
a teoria da superioridade do Mal e a beleza da cruelda- bo” em 1953. Inteligente e inusitado, expõe teo-
de foi o Marquês de Sade. Talvez a verdadeira substân- rias e concepções bastante originais sobre Lúcifer,
cia do sadismo seja o satanismo. Choderlos de Laclos investigando acerca da sua origem e natureza, da
elegeu para protagonista das suas “Ligações Perigosas” rebelião e seus motivos, especula o “sofrimento” de
(1782), uma dama de têmpera demoníaca, a Marquesa Deus pela queda de seu anjo dileto, as relações pe-
de Marteuil. Também o Julian Sorel de “O Vermelho e rigosas entre Deus e o Diabo. Segundo Papini: “A
o Negro” (1830), de Stendhal, tem reflexos diabólicos criação da obra de arte exige e implica uma certa
no seu sinistro maquiavelismo de ambicioso sem escrú- dose de sensualidade e uma certa dose de orgulho,
pulos. Em Baudelaire, o intelecto satânico se destaca e envolve por isso uma tal ou qual cumplicidade,
nas “Flores do Mal” (1857) e em certos frios e cruéis nem sempre apercebida, com o Demônio. Um ar-
apólogos de “Pequenos Poemas em Prosa” (1869). tista que não tenha qualquer familiaridade com
Ilustrações de Gustave Doré na obra: A Divina Comédia.
Por meio de escritores românticos, o imaginário o Adversário, seja embora para se esquivar dele e
literário quebrou o monopólio teológico da explica- dominá-lo, não pode ser um verdadeiro artista”.
ção demonológica para lançá-lo ao mundo onírico do Fecha seu livro com uma peça – em três atos –, “O
fantástico, do grotesco e do maravilhoso. O mal rea- Diabo Tentado” (1950), carregada de lirismo.
parece na criação de E. T. A. Hoffmann; no romance O católico George Bernanos, que se celebri-
gótico “Melmoth, o Errabundo” (1820), de Char- zou com “Sob o Sol de Satã” (1926), era obcecado
les Maturin; nos “Cantos de Maldoror” (1869), do pelos íncubos e laços diabólicos, marcando toda
poeta Conde de Lautréamont; nos “Contos Cruéis” a sua obra. Satã brilha no existencialismo de “O
(1883), de Villiers de L`Isle-Adam; e no burlesco Diabo e o Bom Deus” (1951), de Jean-Paul Sartre.
“Ubu Rei” (1896), de Alfred Jarry. No último poe- Em “Meu Fausto” (1946), além de Mefistófeles,
ma de Arthur Rimbaud, “Uma Estação no Inferno” Paul Valéry introduz três repugnantes demônios:
(1873), ele dialoga sem temor com o Rei do Inferno. Belial, Astaroth e Gungune. O alemão Thomas
Na trilha temática, “O Diabo e Tom Walker” (1824), Mann, autor de “Doutor Fausto” (1947), causou
conto de Washington Irving se inspirou parcialmente polêmica ao dizer: “Que campo do humano, mes-
no “Fausto”; e “O Diabo e Daniel Webster” (1936), mo supondo que se trate do mais puro, do mais
de Stephen Vincent Benét, fala de um fazendeiro dignificantemente generoso, ficará totalmente ina-
azarado que vende sua alma ao Diabo para tornar-se cessível ao influxo de forças infernais? Sim, cumpre
próspero. No devido tempo, a dívida é cobrada. Um até acrescentar: qual deles não necessitará nunca
eminente advogado é chamado para defendê-lo, e por do fecundador contato com elas?”. Mais recente-
meio de uma habilidosa série de argumentos, vence a mente, o Arrenegado foi best-seller em “O Bebê de
causa contra o Diabo e seu cliente é salvo da perdição. Rosemary” (1967), de Ira Levin.

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Na Literatura Portuguesa, Eça de Nos contos folclóricos brasileiros, de marcante influência europeia, a presença do diabo
Queirós começa o conto “O Senhor Dia- é uma constante. Entre eles, “Toca por Pauta”, recolhido por Luís da Câmara Cascudo. Abun-
bo” (1877) dizendo: “O Diabo é a figu- dantes ainda são os exemplos em Literatura de Cordel, como “A Mulher que Enganou o Diabo”
ra mais dramática da História da Alma”. (1985), de Manoel D’Almeida Filho, em que a esposa, mais astuta que o demônio, consegue
Ele acredita que o Cão tem nostalgia do libertar o marido do pacto que este havia feito. Ser de muitas faces, “O-Que-Nunca-Ri”, nas
céu. Fernando Pessoa escreveu em inglês palavras de Riobaldo, tem acompanhado a humanidade desde os primórdios, incorporando ao
o enigmático “A Hora do Diabo” (1910), longo dos séculos a tradição católica, além das crenças e divindades de outros povos.
dizendo: “Mas essas chamas lançam, não Aquele cujo nome as pessoas preferem não pronunciar foi lembrado por William Shakes-
luz, mas sim treva visível”. José Saramago peare em “Rei Lear: O Príncipe das Trevas é um cavalheiro”. E, que os crentes em Deus não se
teve consagração mundial com “O Evan- enganem, Ele precisa ser um cavalheiro. Afinal, que méritos haveria se seu adversário, a essência
gelho Segundo Jesus Cristo” (1992). Na do mal, fosse um mero idiota com chifres e rabo? Sem alardes, Satã é reconhecido não somente
literatura brasileira, o Cabrunco foi lem- como criação literária, mas também como um dos protagonistas da vida real, da nossa história.
brado na peça teatral “Macário” (1852), de Nas últimas décadas, a evolução da sua figura mítica deparou-se com a apropriação de suas ca-
Álvares de Azevedo; no Machado de Assis racterísticas pela indústria do entretenimento. O Diabo atual é uma sombra ofuscada daquela
dos contos “A Igreja do Diabo” (1884) e figura terrível e devotada do imaginário popular de outros tempos. Desconfio que seja somente
“O Anjo Rafael” (1869); Monteiro Lobato mais um disfarce. Sem dúvidas, o Azucrim continua comprando almas e mandando/desman-
em “Bocatorta” (1921); na peça “O Auto dando no mundo.
da Compadecida” (1957), de Ariano Suas-
suna; no romance “As Pelejas de Ojuara”
(1985), do potiguar Nei Leandro de Cas-
tro; e principalmente em “Grande Sertão: (à esquerda e à direita)
Veredas” (1956), de Guimarães Rosa, onde obra Os condenados ,
por Luca Signorelli
o demônio não tem corpo, não aparece, (1499 - 1505).
não fala. E tanto se faz mais forte quanto o
seu silêncio e a sua ausência são presenças
persistentes ao longo da narrativa. O escri-
tor mineiro, por meio de Riobaldo, nosso
Fausto sertanejo, afirma que “Deus é defi-
nitivamente; o demo é o contrário Dele”.

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Monteiro Santos
por Claudefranklin

O carnaval é um produto cultural europeu, trazido


para o Brasil pelos portugueses. Não tardou para se
transformar na festa mais popular do país, na atualidade.
A exemplo de outras manifestações da cultura festiva do
brasileiro, ele sofreu invariavelmente ressignificações,
sobretudo a partir do século XIX, quando ainda não havia
uma diferenciação entre o carnaval e o entrudo (festa de
rua, movida à sátira social).
Restrito aos salões e às elites, o car- Vasco, sem falar naquilo que nos interessa
naval ganhou as ruas e foi, aos poucos, de perto no presente artigo: o carnaval de
assumindo contornos próprios à colônia, rua, ao som do trio elétrico.
particularmente, com influências dos afri- Foi nos anos 40, que dois amigos,
canos, como o samba. No Rio de Janeiro, Dôdo e Osmar, um, técnico de som e o
surgiram os blocos, os batuques ritmados outro, engenheiro, em Salvador, fizeram
das Escolas de Samba até atingir a feição alguns experimentos para evitar um fe- Estância-SE, 1976
atual, ainda popular, mas fortemente mer- nômeno de microfonia que sempre ocor- Foto: Acervo de Carlos Augusto Gomes Barreto
cadológico. ria quando os amplificadores eram ligados
Na região que conhecemos hoje aos violões e ao cavaquinho, em bailes, co-
por Nordeste, dois Estados deram a tôni- mo os de carnaval. Daí surgiu um invento
ca do carnaval brasileiro, depois da região chamado inicialmente de “pau-elétrico”,
Sudeste. Pernambuco, com o Frevo. E a rebatizado depois, por Armando Macedo
Bahia, com a eletrização da festa de Mo- (Armandinho), de Guitarra Baiana.
mo. O Frevo tem mais de cem anos e se- O instrumento foi, por anos, a “voz”
gue em plena atividade em Recife e Olin- de outro invento deles: a Fobica. Que nos
da. E o Trio Elétrico, que está perto de anos 50 fazia a folia nas ruas de Salvador,
completar 70 anos. atraindo centenas de pessoas e iniciando
Em Sergipe, as referências sobre a uma revolução no jeito de brincar carna-
inserção do carnaval ainda são ínfimas. val no Brasil. A Fobica foi rebatizada de
Conforme consta em registros esparsos, trio elétrico e se disseminou e se populari-
seus primeiros momentos nas cidades de zou por todo o país, sobretudo por Orlan-
São Cristóvão, Laranjeiras e Maruim, do Tapajós e empresas, como a Saborosa,
com a presença do entrudo, por volta do até atingir seu auge, a partir de 1974, com
século XIX. A partir das primeiras déca- o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Os-
das do século seguinte, a folia sergipana mar, que em 2019, fará 45 anos de folia.
deu espaço para o surgimento de clubes e A compreensão histórica da traje-
blocos, tais como “Arranca” e os “Filhos tória do trio elétrico e da música triele-
de Baco”. trizada em Sergipe se dá a partir de três
E teria seguido nessa toada por al- movimentos: 1) uso para fins eleitorais; 2)
gumas décadas. Em particular, até os anos inserção na vida social do carnaval; 3) car-
60, 70 e 80, com os desfiles de escolas de navais fora de época. Tudo isso, num es-
samba e os bailes carnavalescos nos clubes, paço temporal que compreende as décadas
Cotinguiba, Iate, Associação Atlética e o de 70, 80 e 90.

18 | Cumbuca 2019 Trio de Edvaldo Medeiro, da Rua


2019 Laranjeiras
Cumbuca | 19
(Aracaju, 1974)
Em postagem do portal Carangue- que na campanha de seu irmão, Ribei-
jo News, de 18 de fevereiro de 2017, as- rinho, para a Prefeitura de Lagarto, em
sinado por Douglas Magalhães, citando 1961, montou sobre uma caminhonete
como fonte o jornal “Achaqui” do Bairro F350, da Ford, um trio com oito corne-
Getúlio Vargas, uma matéria afirma que o tas (bocas de alto-falantes), inspirado no
primeiro trio elétrico de Sergipe foi criado Trio Tapajós de Salvador, que ele teve a
em 1974, por iniciativa de Edvaldo Me- oportunidade de conhecer no carnaval
deiros, que havia trazido a ideia da Bahia, do ano anterior. Cabo Zé, além de co-
e construído nos fundos da oficina de Seu nhecido político da vida sergipana, tor-
Juarez, na rua de Laranjeiras, em Aracaju. nou-se um dos grandes proprietários de
Afirma que teve o apoio da empresa ro- trios elétricos de Sergipe, entre eles o
doviária Bomfim, na pessoa do empresá- Trio Elétrico Eldorado, requisitado pelos
rio Lauro, e da TV Sergipe. Um trecho baianos para seus carnavais.
da matéria traduz um pouco do que foi o Ainda em Lagarto, outras informa-
ambiente da época: “Atrás do trio, no car- ções dão conta da existência de trio elé-
naval de 1975, seguia uma carreata com trico, também, nos anos 70. Primeiro, na
varias autoridades vestindo mortalhas e administração de José Ribeiro de Sou-
capuz preto e a galera no chão pulando e sa (Zé Coletor, 1971-1972). Depois, na
cantando ao som do trio”. campanha vitoriosa para a Prefeitura, do
Ainda segundo informações extraí- odontólogo João Almeida Rocha de 1972,
das da matéria do portal Caranguejo News, quando um trio elétrico, montado sobre
diz-se que a folia elétrica de Aracaju teve um caminhão de um motorista de táxi,
como ponto de partida o Bairro Getúlio conhecido por Seu Dadá, fazia a festa das
Vargas, tendo como destino a Praça Fausto pessoas entre a Praça da Piedade e a Pra-
Cardoso. A animação ficava por conta da ça Filomento Hora. Segundo o músico e
orquestra de Medeiros, a Banda Viking e a comerciante aposentado, Rinaldo Pra-
bandinha de frevo do tenente Gilson. ta, que foi guitarrista daquele trio, uma
Contrariando a referida nota, intitu- multidão pulava ao som dos hits de car-
lada “O primeiro trio elétrico de Sergipe”, naval daquele momento, como Atrás do
um levantamento preliminar de fontes im- Trio Elétrico (1969), de Caetano Veloso,
pressas e orais sobre o assunto (que constará e do repertório do Trio Tapajós. No fi-
mais tarde em um livro) atestam que já ha- nal dos anos 70 e início dos anos 80, na
via trio elétrico em Sergipe antes de 1974. administração de José Vieira Filho, um
Em entrevista com o jornalista José trio elétrico da Prefeitura Municipal fa-
Raymundo Ribeiro (Cabo Zé), ele afirma zia a festa dos foliões.

Trio Elétrico da Fátima, 1970


Foto: Acervo Wanderlan Almeida
20 | Cumbuca 2019 2019 Cumbuca | 21
Até 1975, o Trio Elétrico não foi utilizado no Carnaval, pelo menos em Aracaju,
onde na folia predominava o desfile de blocos e escolas de samba. Somente a partir do ano
seguinte é que surgem as primeiras notícias. Em 1976, fala-se de mais de seis mil pessoas
acompanhando o cortejo elétrico, que foi bancado pelas empresas baianas: Bonfim e Fá-
tima. Em 1977, nem mesmo o caminhão elétrico animou os foliões, segundo registros do
jornal “Gazeta de Sergipe”, que classificou o carnaval de rua como fraco. Já outra nota, da
mesma fonte, em 1979, lamentava a ausência do trio naquele carnaval por conta de pro-
blemas nas cifras musicais.
Sobre o Trio Elétrico da Fátima, que animou o carnaval de Aracaju por anos, o em-
presário Wanderlan Teixeira de Almeida (filho do fundador da empresa, Josino Almeida)
conta que tudo começou com uma brincadeira comandada por seu irmão mais velho, José
Almeida, que se utilizou de uma carcaça de ônibus, colocou cornetas e contratou uma
charanga. Era a Bandinha da Fátima, no final dos anos 60, que no início dos anos 70, vi-
ria a ser o trio elétrico da firma. A mesma empresa, a partir de 1993, confeccionou o Trio
Elétrico Voyage, até hoje em plena atividade.
Os primeiros shows de Moraes Mo-
reira no início dos anos 80 abriram espaço
Como se vê, Lagarto se transfor- para a família Macedo começar a dar o
mou num polo importante de produção e tom do carnaval trieletrizado de Sergipe.
exportação de trios elétricos. Além dos já Não somente na capital, mas também no
citados Trio Elétrico Eldorado e Trio Elé- interior do Estado, o repertório tocado e
trico Voyage, uma nota extra para o Trio cantado do grupo predominou na rua, nos
Trio COKE BEER (Aroldo, André, Taiane e Mariana)
Elétrico Radiofon (criado em 1990), do trios sergipanos e também nos bailes. O
Foto: Acervo da Terra do Som
saudoso Hercílio, falecido em 2018. carnaval de 1982 aconteceu na última se-
Ainda nos anos 70, em Estância, mana de fevereiro, por exemplo. Naquele
mais precisamente em 1976, o empresário ano, o Trio Elétrico Armandinho Dodô
Nivaldo Silva, à época vice-prefeito da ci- e Osmar se apresentou pela primeira fez
dade construiu o Trio Elétrico Lumino- em Aracaju no Teatro Constâncio Vieira,
sidade, transformando, em definitivo, o uma promoção dos formandos do Curso
jeito de brincar do carnaval da juventude. de Engenharia Química e Química Indus-
Sim, a juventude, pois a novidade não go- trial da UFS. Nos anos seguintes, o grupo
zava da simpatia dos mais velhos, saudo- retornou todos os anos, com apresentações
sistas e também das elites, que preferiam com a presença de grandes multidões.
os salões e os bailes. Fenômeno que se ve- Mais tarde, o grupo conheceu uma
rificou em todos os lugares do Brasil, onde figura importante para eles, sobretudo no
o invento baiano foi adotado. que diz respeito à feitura de instrumen-
Em 1980, ainda em Aracaju, o Trio tos de corda, particularmente a guitar-
Elétrico da Fátima tomou conta da folia, ra baiana. Trata-se do propriaense Elifas
saindo durante todos os dias de carnaval. Santana, que reside e trabalha em Aracaju
Naquele ano, Moraes Moreira fez uma atualmente. Ele mantém uma oficina nas
apresentação no dia 30 de janeiro no au- proximidades do Teatro Tobias Barreto.
ditório do Colégio Atheneu, com o show Elifas conheceu Armandinho em 1996 e
“Lá vem o Brasil descendo a ladeira”. Ori- logo se tornaram amigos, sendo responsá-
ginário dos Novos Baianos, em carreira vel direto pelo design e produção de suas
solo e fazendo sucesso nacional, ele foi o guitarras e de Aroldo Macedo, além de
primeiro cantor de trio elétrico e o primei- outros nomes da folia baiana, como Mo-
ro cantor do Trio Elétrico Armandinho raes e Pepeu Gomes. Ele é o luthier do
Dodô e Osmar, estreando em 1975. trio, além de dar suporte na parte técnica.

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Campanha eleitoral em Lagarto-Se
Foto: Acervo de Rinaldo Prata

Outro personagem que passa a fazer


parte e com destaque na folia aracajuana foi
o apresentador Hilton Lopes. Nas prévias e
nos carnavais seguintes a 1983, era comum Os trios elétricos seguiram sendo
vê-lo animando a multidão, em cima dos instrumentos para animar comícios, carna-
trios, a exemplo do Trio Tribunão. Durante vais e micaretas, e popularizam de tal ma-
a década de 80, novos e mais trios passam a neira a servir para os mais variados fins e
fazer parte da programação festiva promovi- épocas. Até festa de aniversário da cidade,
da pela Prefeitura. festa junina (acredite) e festa de padroeiro.
Nos anos 90, a folia muda de figura A propósito dessa última, uma nota assina-
novamente, mas o trio elétrico, mais do que da pelo Bispo de Propriá, Dom Palmeira
nunca, segue sendo utilizado. Os chamados Lessa, datada de 31 de agosto de 1994, da-
carnavais fora de época assumem aspectos va ciência de uma reunião do clero com o
cada vez mais mercadológicos e restritos a Conselho Presbiteral, ocorrida em Salgado,
blocos e a uma parcela da população que po- em 06 de junho, orientando aos promoto-
dia comprar os abadás, camisas ou fantasias res das festas, particularmente entes públi-
que serviam como “ingresso” para brincar cos, à busca de um espaço e horário para o
atrás da corda, protegidos por seguranças e trio elétrico que não causasse “prejuízo ou
todo um esquema de proteção. perturbação aos valores e atos da fé cristã”.
Em Sergipe, em 1992, o Pré-caju tor- Os sergipanos se renderam aos en-
nou-se um exemplo disso. Com o sucesso do cantos da Bahia e se tornaram produtores
Axé Music desde a década anterior, naquele e exportadores de trio elétricos, também.
ano, bandas baianas (Asa de Águia e Banda Para além do sucesso dos carnavais fora de
Brilho), que já estavam acostumados àquele época e das investidas nas campanhas elei-
novo tipo de carnaval trieletrizado, se fize- torais, o caminhão da alegria, de Dodô e
ram presentes em Aracaju, algumas delas, Osmar, passou a fazer parte da vida social
com seus próprios trios ou mesmo trios ser- do Estado, não sendo diferente no perío-
gipanos, que também eram requisitados em do momesco. Sinônimo de alegria, o trio
Salvador, durante a festa momesca. No inte- elétrico disseminou a música trieletrizada,
rior do Estado, as Prefeituras aderiram aos sendo responsável por capítulos significati-
carnavais fora de época, com blocos e trios vos da História Cultural de Sergipe, aqui,
elétricos puxando e animando a festa. apenas retratada por algumas notas.

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Irineu Fontes

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A música é paixão universal, um “Philarmônica Nossa Senhora da Conceição”. navio Uruguai. Dentre suas composições, fluência significativa no rádio sergipano,
caldeirão com misturas de todos os rit- Os nossos primeiros grandes mú- destacam-se: ‘É do que há’, ‘Lágrimas de é dele a responsabilidade de vários nomes
mos, principalmente na nossa cultura, in- sicos e cantores surgiram dessas institui- Virgem’ e ‘Numa Seresta’, este, talvez, o artísticos dos nossos artistas. Alfredo Go-
fluenciada por uma diversidade de raças e ções, e um dos maiores nomes da música seu choro mais conhecido. mes/Rubem Vergara respondia por muitos
costumes. Aqui, tínhamos os moradores, em Sergipe nasceu em 27 de fevereiro de Exerceu intensa atividade artística dos nomes artísticos e citações existentes
os donos da terra, os índios tupinambás e 1900: Luís Americano do Rego, filho do entre as décadas de 1930 e 1950, foi mú- no rádio de Sergipe dos anos 40.
colonizadores de várias culturas, como os mestre-de-banda, Jorge Americano. Com sico de estúdio da Rádio Mayrink Veiga É dele o título dado ao João Mello “O
franceses, os holandeses e os portugueses, o pai começou a estudar música com 13 e, de 50 até a sua morte; da Rádio Nacio- cantor Máximo de Sergipe”, “o poeta seresteiro”.
com seus alaúdes, cravos e violinos. anos de idade. Luiz ingressou no exército nal, destacando-se no universo do choro. “Pinduca e sua radiorquestra” foi
Recebemos, também, as canções e tocou clarinete na banda militar de Ara- Acompanhou os mais famosos cantores da outro nome dado pelo Gomes para o
dos negros, seus batuques e ritmos, que ao caju. Aos 22 anos, na então Capital Fede- época, além de tocar no teatro musicado, Maestro Luiz D’Anunciação, que anos
passar dos tempos foram influenciados pe- ral, tentou a carreira como instrumentista. nos dancings e em orquestras de rádio, co- depois, viria a trabalhar como regente da
la cultura Europeia, das óperas, dos frades Logo foi notado no cenário carioca. Inte- mo a Mayrink Veiga e a Rádio Nacional. orquestra do programa televisivo de Abe-
beneditinos e o canto das crenças, deixa- grou as orquestras de Justo Nieto, Raul Em 1954, Ary Barroso, entrevistado pe- lardo Barbosa, o Chacrinha.
dos pelos portugueses. Lipoff, Simon Bountman e Romeu Sil- la “Revista da Música Popular”, o citou As “armas” do Departamento de
As primeiras manifestações musi- va. Trabalhou também ao lado de figuras como dos mais importantes músicos da Propaganda sergipano nos anos 40 era o
cais que se tem registro são os grupos cria- fundamentais da música popular brasilei- música popular brasileira. Luiz America- cast da Radio Aperipê que apresentava
dos nas instituições religiosas e filarmôni- ra como Pixinguinha, Donga, Bonfiglio no, gênio do clarinete e sax, faleceu aos os grandes nomes da música de Aracaju,
cas, onde a população dos povoados da de Oliveira, João da Bahiana, Radamés 60 anos. Dão, João Lopes, Guaracy Leite França,
Capitania estudava e ouvia música. Gnatalli, Luciano Perrone, Luperce Mi- Bissextino, Maria Célia, Manoel Aragão,
Em 1745 é criada a orquestra Sacra, randa entre outros. Dalva Cavalcanti, Neuza Paes, Rute Bran-
Instrumental e Coral, da Igreja Matriz da No seu livro Enciclopédia da Música Música no rádio dão, Genaro Plech, Pinduca, tendo como
Freguesia e Vila de Santo Antônio e Al- Brasileira Popular, Zuza Homem de Me- figuras centrais o João Melo, João Bezer-
mas de Itabaiana, pelo vigário licenciado lo coloca o Luiz Americano como um dos No caminho do sucesso das emisso- ra, e o Carnera. Murillo Mellins afirma o
da Capitania de Sergipe Del Rei, Fran- pioneiros da Radio Sociedade (a primeira ras de rádio do sul do país, Aracaju recebe seguinte sobre Alfredo Gomes: O rádio
cisco da Silva Lobo. Esta é a mais antiga do Brasil), nessa época começa suas primei- a primeira rádio do estado, a PRJ6 Rádio revitalizou a vida cultural sergipana, am-
Instituição Musical do Brasil, destinada, ras gravações na Odeon para casa Edson. Difusora de Sergipe, atual rádio Aperipê pliando o contato de artistas com o públi-
principalmente, aos atos religiosos. Fez Transfere-se para a Argentina e, em de Sergipe ZYD-2. co. A Rádio Difusora, desde o ano da sua
parte dela, como cantor e flautista, o en- 1932, forma com Pixinguinha, Donga e Em 07 de fevereiro de 1939, com inauguração em 1930 cumpriu um im-
tão professor de latinidade, Tobias Barreto João Bahia o Grupo Velha Guarda. uma programação de músicas ao vivo e portantíssimo papel ao levar ao ar vozes e
de Meneses (1857-59). Para o orgulho da O som de seu saxofone e Clarinete com a presença do Grande Seresteiro do instrumentos que davam a trilha sonora à
cidade de Itabaiana, em fevereiro de 1879, está na maioria dos discos de Carmem Mi- Brasil, Silvio Caldas, acompanhado do re- vida da capital sergipana.
a orquestra foi transformada, em “Philar- randa e participa da famosa gravação rea- gional do Carnera e Miguel Alves. Cito Antonio Teles - que eu conhe-
mônica Euphrosina” e, em 31 de outubro lizada pelo maestro Leopoldo Stokowski, Na função de diretor artístico da ci nas serestas do meu avô José Domigues
de 1897, teve o nome mudado outra vez para em 1940, com Villa Lobos e Donga, no PRJ-6, Alfredo Gomes exerceu uma in- Fontes -, Dão, Floriano Valente, a Rádio

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Orquestra de Pinduca, os Regionais de dor, onde conhece o compositor Codó. De
Eutímio, Honor Gregório, João Argolo, lá vai para o Rio de Janeiro e aí, o compo- José Augusto
Carnera e tantos outros astros de primei- sitor ganhou o mundo, com músicas gra-
ra grandeza, que fizeram a radiofonia dos vadas por Sérgio Mendes, João Donato e
primeiros tempos e abriram caminho para outros intérpretes da música brasileira.
os artistas da atualidade João trabalhou durante 12 anos na
Duas décadas depois do surgimento Companhia Brasileira de Discos que re-
da Rádio Difusora, é inaugurada mais três presentava os discos da Phillips, Polydor
emissoras em Aracaju. Em 1953 a Rádio e Fontana como compositor e produtor
Liberdade, em 58 a Rádio Jornal e a Rá- musical e lá lança seu primeiro artista, o
dio Cultura em 59, e o primeiro estúdio Jorge Ben Jor. Na década de 70, João Melo
de gravações em acetato, iniciando a pro- foi convidado para trabalhar como produ-
dução de jingles e de fitas e discos de can- tor na Som Livre, onde descobriu o can-
tores e músicos locais, de propriedade do tor alagoano Djavan e lá produziu artistas
Sr. José Órico. como Paulinho da Viola, Jorge Ben Jor,
Luiz Melodia, Geraldo Azevedo, Baden
Powell, entre outros. Em 1973 produz a
Estrelas da nossa música trilha sonora da novela “O Bem-Amado”,
a primeira gravada em cores.
João Melo Nasceu em 24 de junho Quando comecei a cantar, ainda
de 1921, em Salvador (BA), e aos três anos menino, meu pai dizia: “Pra cantar tem
de idade já estava morando na cidade de que cantar como João Melo e ouvir os dis-
Boquim (SE), vindo para a capital sergi- cos do João muitas vezes”. Quando João
pana nos anos 30. Estudante do Atheneu resolve se aposentar e vem morar defini-
Sergipense, recebeu a influência musical tivamente em Aracaju tive o privilégio de
do grande amigo Carnera. João Melo pas- me tornar amigo do cantor máximo de
sou a circular nos auditórios das emissoras Sergipe. Gravamos no meu estúdio, Capi-
de rádio. Aos 19 anos, foi para o Rio de tania do Som, seu último disco “Coração
Janeiro, a convite de Sílvio Caldas e lá se Só Faz Bater”, e que foi lançado pela Som
apresentou pela primeira vez na Rádio Tu- Livre em 2000.
py. Voltando a Aracaju para servir o Exér- Maestro Luiz D’Anunciação o nos-
cito, Melo não deixou a rotina das apre- so Pinduca, nasceu em 1926, em Propriá
sentações no Rádio e nos clubes e casas da - Sergipe. É percussionista, compositor e
sociedade Aracajuana. Em 1950, já casa- pesquisador. Iniciou seus estudos de músi-
do, sai de Aracaju e vai morar em Salva- ca com o seu pai.

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João Melo
De 1955 a 1959, é diretor do departamento de Percussão da Escola Os festivais de MPB
Brasileira de Música e responsável pelo naipe de percussão da Orquestra Sin-
fônica Brasileira. Orientador técnico na implantação do curso de percussão Com o golpe militar de 1964 aumentou o
da Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul) e consultor da grau de conscientização política do povo brasi-
publicação “Instrumentos Musicais Brasileiros” - Projeto Cultural RHODIA, leiro as disputas ideológicas acirram-se entre os
(1988) e da Edição Brasileira do Dicionário GROVE de Música. É percussio- vários segmentos da sociedade brasileira.
nista, concertista, autor, compositor, com formação nos Seminários de Música A cultura musical acompanhou todas es-
da Universidade Federal da Bahia (1956 a 1959), fez estudos de percussão na sas mudanças com a afirmação da bossa nova
Universidade do Colorado, em Boulder, Estados Unidos. Foi aluno de vibra- e o surgimento das músicas de cunho social e
fone de Phil Kraus, em Nova York, de marimba com José Bethancourt, em protesto apresentadas, principalmente, nos fes-
Chicago, e estudou percussão cubana com José Helario Amat e Lino Neiva tivais de Música Popular, que tiveram o seu
Bethancourt, em Havana, 1996. Pinduca preparou o ‘naipe’ de percussão da auge nos anos 60. Promovidos pelas TVs Ex-
Orquestra Sinfônica Brasileira nas excursões à Europa, Estados Unidos e Ca- celsior e Record. Assim surgira Sérgio Ricardo,
nadá, sob a direção do Maestro Isaac Karabtchevsky. Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Cae-
tano Veloso, Tom Zé, Geraldo Vandré, e muitos
outros.
Os meninos da música Em Aracaju, os festivais da segunda me-
tade da década de 60, impulsionaram o surgi-
Entre as grandes estrelas da música de Aracaju havia um grupo de meninos: mento da nova música aracajuana. Jovens com-
Alexandre Diniz, Adilson Alves, o Gravatinha, Edildécio Andrade, José Augusto e positores, cantores e músicos acompanhando
Vilermando Orico todos buscando espaço em programas de auditório apresentados o pensamento musical nacional como a bossa
por Santos Mendonça, Aglaé Fontes, Nelson Souza, e outros. Cada um com seu nova, os Sambas e canções com letras de amor
estilo, sua voz identificada facilmente, seu repertório. e proclamando a liberdade. Participavam dos
Alexandre Diniz gostava de cantar sentado em um banquinho como festivais da canção, artistas como: Marcos An-
João Gilberto, fez carreira como professor de Geografia na Universidade Fede- tônio (Popular Marcos Chulé), Ariquitiba, Luiz
ral de Sergipe. Adilson Alves “o Gravatinha” gravou alguns discos, fez shows, Antônio Barreto, Antônio Vilela, Antônio Te-
mas, com o passar do tempo e o domínio da TV, na qual teve participação, les, Hunald de Alencar, Alcides Melo, Irmão,
afastou-se. Edildécio Andrade foi mais longe, pois foi o violão e a voz do Trio Grupo as Moendas, Claudio Miguel, Nery e
Irakitan, um dos mais antigos grupos musicais do Brasil. José Augusto, com Valdefrê, Miron, Ailton Cardoso, Tonho Bai-
apenas 13 anos de idade, em 1949, iniciou sua carreira na Rádio Difusora, e xinho, Trio Atalaia, Heribaldo e sua Orquestra,
em 1956, muda-se para o Sul do País seguindo o sucesso do João Melo e do Los Guaranis, Brasa Dez, Os Nômades, Vikin-
Maestro Pinduca. gs, e Bandas de Rock, nomes que nortearam a
Em 1960, gravou seu primeiro disco, pela gravadora Chantecler, e seu música sergipana nas décadas seguintes.
talento logo foi descoberto por grandes gravadoras; gravou 12 discos com mais Com a decretação do Ato Institucional
de 200 músicas e os seus maiores sucessos foram as músicas “Beijo gelado”, de nº5, em dezembro de 1968, os artistas e suas
Rubens Machado, “Minha mãezinha” e “Angústia da solidão”, ambas de sua músicas eram perseguidos pela censura, as can-
autoria. Faleceu em um acidente trágico em 1981, próximo a cidade baiana ções politizadas foram retiradas das rádios, TV
Feira de Santana, no auge de uma das carreiras mais solidas da música sergi- s e palcos. Mesmo assim, não se pode dizer que
pana e brasileira. Vilermando Orico, com uma voz intensa de fortes agudos o gênero tenha sido extinto.
cantava quase tudo, incluindo as músicas que fazia ainda menino. Cantava e Ao longo dos anos 70, os compositores
tocava piano, vestindo-se como um astro de Hollywood, com direito a fã clu- foram obrigados a exercitar com muito mais
be. Era a primeira carreira artística planejada na capital de Sergipe. Dominava força a sua criatividade e as metáforas para que
o piano e montou um trio, com o nome de Nino e seu conjunto, e fez enorme as suas mensagens, mais ou menos cifradas,
sucesso nas tardes de domingo, na Associação Atlética de Sergipe, tocando in- chegassem até o público. Um dos artistas mais
clusive bossa nova e acompanhando os cantores concorrentes nos festivais de atuantes na década de 70 era o Alcides Melo
música da década de sessenta. Mudou-se para Salvador e depois para São Luiz vencedor do I Festival Estudantil da Canção,
do Maranhão onde tocou como pianista no Hotel 4 Rodas falecendo em 1984. com a música Retirante.

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Ciro Monteiro, Carmen Miranda,
Luperce Miranda, Laurindo Almeida
e o violonista Pereira Filho

Foto: Acervo Frazo Reduz Cortada

No começo dos anos 1980 a cidade Mudança de paradigma


de Aracaju é tomada de surpresa com a volta
dos Festivais e acontece o I FSMPB (Festi- O Grupo Entre Amigos, composto
val Sergipano de Música Popular Brasilei- por amigos de infância cada um com di-
ra) promovido pela TV Sergipe, vencido versas influências musicais montaram dois
por Alcides Melo com a Música “Mercado históricos shows: o Entre Amigos em 1981
Thalles Ferraz. Surgem aí novos talentos e o Brasil Conversa de Fome de 1982. O
como: Grupo Bolo de Feira, Grupo Re- grupo era formado por Irineu Fontes, Alex
pente, Paulo Lobo, Antônio Carlos Du Pinheiro, Emanuel Dantas, Dalila, Denys
Aracaju, Irineu Fontes (Neu Fontes), Lula Leão, Genival Nunes, Jairo Bala, Mauri-
Ribeiro, Joésia Ramos, Chico Queiroga, cio Botto, Marcus Passos e Paulo Bedeu e
Dalila, Mingo Santana, Emanoel Dantas, faz uma revolução na produção musical e
Banda Nossa Senhora da Alexi Pinheiro, Chico Pires, Joésia Ra- artística da época. Pensando pela primei-
Conceição de Itabaiana mos, Jimmy e Nenem, Mary Barreto, Do- ra vez em um trabalho de planejamento,
ca Furtado, Ismar Barreto, o Crupo Ca- contrata uma agência publicitária, a Hel-
Foto: Acervo da banda
taluzes, Rogério, Amorosa, Jorge Duccy, lius Publicidade para criação de cartaz, re-
Dalila, Amorosa, entre outros. leases, spot para rádio e VT para televisão.
Surge nessa década um festival estu- Busca em Salvador sonorização e ilumina-
dantil da canção, o Novo Canto, promovido ção profissional, diretor musical, diretor
pela Fundação Estadual de Cultura na gestão artístico e arranjador. A produção busca
de Amaral Cavalcante, criado por uma equi- na iniciativa privada e consegue o apoio e
pe composta de Jorge Lins, Antônio Amaral patrocínio da Antárctica, primeiro patro-
e José Américo, o Sucupira, que lança no seu cínio da cervejaria em um evento artístico
primeiro ano em 1984 e nos anos seguintes local através da empresa Raimundo Julia-
das décadas de 80 e 90, nomes da nova safra no, além da Nacional Gráfica entre ou-
da musica de Aracaju Chico Queiroga, Anto- tros pequenos empresários, uma mudança
nio Rogério, Marcos Aurélio, Sena, Sergival, radical no conceito de show musical em
Antonio Passos, Nino Karvan, Cris Emmel, Aracaju. Inspirados pelo novo momento
Doca Furtado, Pantera, Kleber Melo, Marcos vários artistas começam a produzir shows
Aurélio, Decio Nunes, Gena Ribeiro, Maril- musicais com as mesmas preocupações,
João Melo, Jorge Ben Jor da Gois, Rubens Lisboa entre outros, que Joésia Ramos com o Show Cantarina,
e Moraes Moreira participaram dos vários Lp’s gravados pela Mingo Santana com dois shows Lógica 81
Instituição de cultura do Estado com os ven- e Navegando em 82; Lula Ribeiro com o
cedores do referido Festival. Show Florescer, Marcos Passos e Hunald

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Alencar, Irmão e Tonho Baixinho, Clara Roberto Alves, Amorosa, Antonio Carlos Polayne, Pedrinho Mendonça e Gena CD Ruas de Ara, nessa década também
Angélica, Grupo Repente com o Jota Car- du Aracaju entre outros. Ribeiro, entre outros. Gena Ribeiro sur- o Rubens grava seu primeiro CD “Assim
valho e o Roberio, Grupo Bolo de Feira, Nos anos seguintes alguns artistas ge cantando em uma banda de pop rock meu de lua”.
entre outros. se destacaram em carreiras solos como: chamada Exceção que era composta por Um novo século começa e com for-
Roberto Alves, Rogério, Irineu Fontes Milton Goulart, Luciano Goulart, Wol- ça total aparecem novas ferramentas e
agora assinando Neu Fontes, Jorge Duc- ney e Duda e logo se destaca como uma todo aparato digital, facilidade as grava-
Gravar é preciso cy, Antônio Carlos Du Aracaju, Mingo das maiores interpretes da música Brasilei- ções. Home Studios e computadores aju-
Santana, Amorosa, Roberto Alves, Virgi- ra, ganha dois festivais o Novo Canto e o dam a proliferar nas gravações e surgi-
No início da década de 1980 co- nia Fontes, Luiza Lu, Paulo Lobo, Lula Canta Nordeste, esse último festival revela mentos de vários e novos artistas da mú-
meçam a surgir as primeiras propostas Ribeiro, Chico Queiroga, Nininho, Doca também uma grande intérprete e compo- sica produzida em Aracaju que podemos
de produções independentes no Brasil, Furtado, banda Karne Krua, os Forrozei- sitora a Patricia Polayne. falar mais tarde.
resultado da grande crise econômica. O ros Luiz Paulo, Erivaldo de Carira, Batis- Amorosa lança vários discos e se Várias bandas, grupos e artistas
trabalho de Antônio Adolfo e as gravado- ta do Acordeon, Clemilda e seu marido consolida como a maior intérprete da mú- utilizam das novas ferramentas e lan-
ras Lira Paulistana e Som da Gente são os Gerson Filho, Josa o Vaqueiro do Sertão sica sergipana, representando Sergipe em çam seus trabalhos como os grupos Ma-
pioneiros desse movimento. entre outros. É um final de década prodi- diversos festivais nacionais e internacionais. ria Scombona, Naurêa, Sibéria, Alapada,
Em Aracaju, o grupo Cataluzes ga para a musica na cidade, pois o Gover- Nessa década o Ismar Barreto volta Plástico Lunar, Lacertae, Snoze, Grupo
lança o LP “Viagem Cigana”, gravado no nador da época era o Sr. Antônio Carlos de Brasília onde morou por vários anos e Membrana, Lateiros Curupira, Jô Baba
Rio de Janeiro, totalmente independente Valadares músico amador e um apaixona- se transforma em um dos mais requisita- de Boi, Coutto Orquestra, The Baggios
e logo em seguida, em 1985, três artistas do pela música produzida em Aracaju foi dos compositores da cidade, nomes como entre tantas outras e compositores e in-
montam um projeto independente, bus- um grande incentivador, colocando os ar- Amorosa, Guewdolin Thopson, Antônio térpretes como João Ventura, Patricia Po-
cam apoio na iniciativa privada e conse- tistas a participarem de todos os momen- Carlos e Jocafi, Zinho, Domingos en- layne, Alice Nou, Edson João, a Dupla
guem sensibilizar o empresário Luciano tos de festas do governo estadual. tre outros grandes interpretes da música Chiko Queiroga e Antônio Rogério con-
Nascimento, da Cosil Dados, a investir a No final dos anos 80 e início da dé- Brasileira gravaram suas músicas. solida seus trabalhos e se lançam inter-
quantia de 40 milhões de cruzeiros. Gra- cada de 1990 os artistas tiveram que se O Pop Rock influenciado pelas nacionalmente, a banda Calcinha Preta
varam e lançaram o disco Cajueiro dos adaptar ao mercado, aí surgem os artistas bandas dos anos 80 traz diversos nomes se transforma na maior banda de forró
Papagaios. São eles: Irineu Fontes, Lula voltados para a cultura popular, pesqui- para o nosso mercado musical da déca- eletrônico do país, usando ferramentas
Ribeiro e o Paulo Lobo com a produção sando e buscando um novo formato mu- da de 90, Minho San Liver, Banda Ja- de marketing e produção o Rubens lan-
executiva do José Américo Sucupira. sical entre eles: Neu Fontes, Kleber Me- va, Conexão 69 hoje Alapada, Cartel de ça mais dois CDs “Segundas Intenções
Outros artistas lançam discos, lo, Banda Sulanca, Luiz Fontinelis, Ban- Bali, Mosaico, Alex Santana, Henrique e Todas as Tribos. Uma produção fértil
Mingo Santana e Oseas Lopes, Rogério, do de Mulheres, Rubens Lisboa, Patrícia Teles. Paulo Lobo lança seu primeiro que se estende até hoje.

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J por Pedro Varoni

O
U
A minha atração e curiosidade foram imediatas.
Tendo terminado há pouco uma tese sobre Gilberto Gil e
o Tropicalismo, havia o desejo de descobertas a partir das
margens da pesquisa - algo a ver com o imaginário da
contracultura tropicalista nas vizinhas praias baianas de
Arembepe. Hoje, visto de certa distância temporal, des-
confio que tinha aceito o convite para dirigir o jornalis-
mo da Globo no estado, também a continuidade dessas
buscas. Tudo isso estava presente nos textos de Amaral
Cavalcante e Ilma Fontes, dentre outros, sobre uma cena

BE
sergipana de praia, desbunde e criação daquela geração
inquieta que tinha na figura de Joubert o seu centro. O
conhecimento tardio de sua arte fazia pensar na minha
ignorância, cujo reverso é a vontade de aprender. A minha
ida para Sergipe encontrava ali o seu sentido mais pleno.
Chegar numa terra desconhecida para viver e tra-
balhar é algo que provoca muitas sensações: o banzo, o
otimismo, o medo e também o interesse por desvendar o
novo território. Nas primeiras noites solitárias no quarto
de hotel, o livro de Joubert indicava outros mundos para
além do baticum do trio elétrico que animava, nos finais

R
de semana, o trecho da Atalaia ali em frente.
A minha afeição pelo livro era tanto maior porque
algo nele estava incompleto. Se as fotos dos quadros e es-
culturas permitiam vislumbrar a grandeza da arte de Jou-
bert, as cenas dele ao violão, o relato de Gil sobre a com-
posição de “Sarará Miolo” na casa do artista sergipano
- tema de uma conversa minha com o compositor baiano
quando o visitei em Salvador - me enchiam de curiosi-
dade. A música é sempre uma forma de encontro. E me
lembrava dos versos de Caetano Veloso em sua “Aracaju”,

MORAES
ouvida no toca discos que embalava minha adolescência

T
mineira. Aracaju era terra de cajueiro, papagaio e um ata-
lho para o Brasil no Cinema Transcendental de Caetano.

A vida em arte das canções 2019 Cumbuca | 39


Amaral Cavalcante e Joubert

Joubert

Demorou algum tempo até encon- Falávamos das histórias de Caetano, Gil,
trar o atalho para a música de Joubert. João Gilberto, vivenciadas por ele na tran-
Tateei pelas beiradas, precisei entender os quila Aracaju de décadas anteriores. Re-
caminhos do sertão ao litoral, saborear a cebi outro exemplar autografado do livro
moqueca de cação do João do Alho, co- sobre sua obra e retribui com o que escrevi
nhecer a Estância em que Jorge Amado sobre Gil, que ele diz ter gostado de ler.
morou fugindo da perseguição aos co- Ali também tive o prazer de conhecer Il-
munistas no estado novo, me perder na ma Fontes, médica, escritora, atriz, mu-
confusão de aromas e cores do mercado. lher que vivenciou a revolução dos costu-
Mergulhava meu mundo interior nessas mes na província.
referências - que eram também uma es- Estava estabelecida a conexão. Nas
pécie de nostalgia por meu próprio pas- quintas-feiras, dia em que Joubert cantava
sado - enquanto ia me adaptando à nova suas canções em meio a pérolas raras da
cidade, com a sorte de não ser mais um Bossa Nova, dividia o palco com ele em
turista. Com Amaral Cavalcante, poeta e algumas canções. “Não deixe de cantar e
jornalista da mesma cena e geração, apren- tocar”, costumava me dizer. Alguns finais
dia um pouco do contexto em agradáveis de tarde caminhávamos na praia de Ata-
conversas dividindo uma cerveja. laia para um açaí e a observação do mun-
Lembro de alguns encontros com do, deixava-me guiar pelo seu olhar. Os
Joubert Moraes nos shows de grandes artis- assuntos sempre compartilhados pela lem-
tas no Teatro Tobias Barreto. Talvez fosse brança de alguma canção: “Se a juventu-
João Bosco, Ney Matogrosso ou Paulinho de, que essa brisa traz, ficasse aqui comigo
Mosca. Algum pudor ou timidez me impe- mais um pouco...”
diam o contato, embora se estabelecesse ali O CD de Joubert tem sido, desde
o reconhecimento - a partir da vivacidade aquela tarde chuvosa, meu companheiro
de seus olhos ou um breve aceno de quem nas viagens e nos caminhos cotidianos.
comunga dos mesmos universos. A brisa de Atalaia me visita, assim como
Uma dessas noites, ao acaso, estava os ares de beira de rio da Propiá natal
com amigos no Café do Palácio do Museu do artista. O reconhecimento de Joubert
Olímpio Campos, quase vazio, quando tive nas artes plásticas cria falsas divisões,
a oportunidade de, pela primeira vez, con- fazendo crer que a música é um hobby
versar com Joubert Moraes. A prosa correu diante da grandiosidade de suas pintu-
fácil, com a alegria de quem comunga os ras e esculturas. Nada mais falso, Jou-
mesmos interesses, e eles eram musicais. bert é também um grande cancionista.

40 | Cumbuca 2019 2019 Cumbuca | 41


Desse início - que é também um
retorno - Joubert nos traz a contracultura
tropicalista, o Yellow Sunshine e a abertu-
ra das portas da percepção - que jamais
se fecham quando a oferenda é certa. Os
voos coloridos. “Há tanta coisa no ar/ que
eu já não posso mais decifrar”. Se deixar-
mos de lado as falsas divisões, pode-se ver
o músico no pintor e também o contrário.
“Baiana é aquela”, outra parceria com Be-
nê Fonteles - das mais belas entre as belas
canções - a voz do pintor se faz ouvir: “no
mar a rosa azul aberta beija/e o horizonte
quer que seja/ uma paisagem lunar”.
A arte de Joubert é uma expressão
potente da sergipanidade, como afirmação
É do time dos inventores, não dos dilui- de uma subjetividade que se faz na diferen-
dores. As influências da Bossa Nova e do ça. Nada de estereótipos ou de maneiris-
Tropicalismo se fazem presentes mas sem- mos que escondem a falta de personalida-
pre a partir de uma dicção muito própria. de artística, quando não preguiça intelec-
Para um artista maior como Jou- tual. Das canções de “Cor Nua”, “Calun-
bert, o acaso pode até ser o propulsor da ga Seca” tem a força de um devir indígena
criação, mas há sempre um rigor que se ancestral que se torna, para mim, a síntese
dá a ver nos detalhes. A construção de de um tropicalismo sergipano de Joubert e
um disco como “Cor Nua” resulta de um seus pares. O fato de ser uma parceria de
processo coletivo e anos de maturação do Joubert com o poeta Mário Jorge, poucos
compositor e do intérprete. Os arranjos, dias antes de sua morte prematura, refor-
a presença de músicos brilhantes como ça a aura de mistério da canção: “Mare-
Dudu Prudente, Rodrygo Bestetti e Júlio ja calunga seca, te vou Itacuruça, benzei
Rego, dentre outros, dão corpo às canções minha oca, benzei, caminhe vou camará”.
criadas na intimidade por Joubert, muitas A melodia cresce solar, lembrando alguns
delas em parceria com Benê Fonteles. O momentos de Tom Jobim.
CD traz, ainda, um segundo disco ínti- Joubert nos traz de volta a uma Ata-
mo, com voz e violão de Joubert, outra es- laia traduzida por seu olhar de pintor/poe-
cuta da beleza crua de sua obra. ta, com seus surfistas de outono e moto-
A ordem das canções revela as vi- queiros de marte. A singularidade da cena
vências do artista. “Cor Nua” começa cultural sergipana que gerou artistas como
com “Murcho Amor”, parceria com Benê Joubert está, para mim, na forma como o
Fonteles. Uma canção sobre as origens, o estado se defendeu dos fluxos globalizan-
centro a partir do qual o artista se abre tes e permaneceu mais próximo de antigos
à máquina do mundo: de Dakar a Sal- ritos e formas de viver que hoje se colocam
vador, de Nova Iorque a Paris. Joubert é como vanguarda numa sociedade do ex-
um menino homem da beira do rio São cesso e da virtualidade. A brisa de atalaia
Francisco. “Com três conchas beira mar/ revela pra quem souber ler. Esse aprendizado
Vou fazer meu bem procê/ eu vou fazer Joubert me deu - “você é o que você viveu”
um colar pra te ofertar (. . .) Com três - e está nas canções de finos matizes que o
tipos de fulô/ de um jardim de Própria/ Brasil precisava ouvir. O cantor Joubert se
vou fazer meu bem procê/ Eu vou fazer apresenta e devemos celebrá-lo. “Descanse a
um buquê pra te ofertar.” cor dos peixes/ descasque a nau das ondas/
desloque a luz do lindo léu ao sol”.

42 | Cumbuca 2019
poesia
Assuero Cardoso

TRILHA
RUMO
Quando eu passar sem razões
ASSUERO CARDOSO BARBOSA é natural Trace-me em versos o poeta da janela O meu silêncio são dores passadas
Trucidado de tantos amores impossíveis E é inevitável que essa chuva derrube
de Lagarto - SE. Professor, poeta, escritor
E em suas métricas e desalinhos A barreira que tento por sobre as mágoas
e ator, é um dos membros fundadores Faça-me o ritmo da sua vida sem graça. Não desvia os rios, nem enche os açudes.
da Academia Lagartense de Letras e da
Companhia de Teatro Cobras & Lagartos, Quando eu passar sem expressões O curso da minha vida não destrói margens
membro do MAC da Academia Sergipana Dê-me uma face o poeta fracassado Meu barco tem no casco um invisível furo
de Letras e ex-presidente da Filarmônica Dos personagens mais sórdidos Pronto para crescer nessas viagens
De uma poesia sem evidência Meu rumo é para uma cascata no escuro.
Lira Popular. Atualmente exerce a função
Esquecida em rascunho mal elaborado.
de Coordenador da Biblioteca Pública
Meu remo é de um braço quebrado
da sua cidade natal. Publicou sete livros Quando eu passar sem emoções Desprovido de mantê-lo em maiores
de poemas e um de contos e crônicas. E desaparecer na próxima curva cuidados
Participou de várias antologias poéticas e Que eu depare com o poeta da estrada E impedido de construir nova represa.
de concursos literários em Sergipe e em E ele, sem o esforço das metáforas,
Me transforme numa chuva. Meu rumo é o de uma folha morta
outros estados do Brasil, sendo premiado
Que é leve, solta e a ninguém importa
em vários deles. Mas quando eu passar sem intenções Também nada sobre a correnteza.
Entre o marasmo e as rimas
ENDEREÇO
Sem crença na ciência da poesia Do livro TRIBO
Que o leigo das palavras me ensine a ser
Eu, meu habitante,
O sábio que apenas passa, pela vida, todo dia.
Residente a quilômetros de mim
E não muito me encontro,
Do livro NU e NOTURNO
Por hora me alugo.
Saio sempre assim que posso
Para me ver de perto
Nas ruas despejado.

Do livro NU e NOTURNO

2019 Cumbuca | 45
O MAR DE ZEFA PEQUENO DISCURSO DRUMMONDIANO

O mar não cabe nos sonhos de Zefa Com unhas sujas de tempo
Zefa nunca viu o chão azul espumante Eu cavo no raso vão
Deslizando nos seus pés de pústulas e A cova do seu suporte
pedras. Você vem e cavará
Meus sete palmos de morte.
Os sonhos de Zefa, assim feito o mar,
Não cabem no oco da sua cuia Eu levo o peso do chão
Que lava o seu corpo de lama e de lodo. Da leve terra nos pés
Rachados dos sóis no céu
O mar não invade a casa de Zefa Suores não testa fria
Virou o sertão frio de uma profecia Que embebem o meu chapéu.
Na fé de um sonho que voa e se quebra.
Meus cascos assim roídos
O mar é pequeno no mundo de Zefa Calos de muita pressa
Ela o atravessa num salto e no susto Carne morta sobre o nada
Sobre o medo vazio de uma poça d’água. Pedras duras no caminho
De retinas tão fatigadas.
Porque os sonhos de Zefa são ressequidos
Como o mar bruto que vai e que vem Eu travo a minha garganta
Sem nunca tê-la visto ou engolido. Na sua voz que me emperra
No discurso que me engana
Do livro A SAGA DE ZEFA NINGUÉM A urna que me promete
É a mesma que me enterra.

Do livro A SAGA de ZEFA NINGUÉM


A Universidade Tiradentes recebeu

Centenário em agosto de 2018 o acervo do jornalis-


ta e escritor sergipano Joel Magno Ribeiro
da Silveira (1918-2007) que uniu jornalis-
mo e literatura, os leitores e a notícia. O
acervo foi organizado em duas coleções: a
bibliográfica e a museológica, perfazendo
um total de seis mil objetos. Publicações

Joel Silveira: de autoria consideradas raras, exemplares


com anotações manuscritas importantes,
edições de tiragem reduzida, exemplares
numerados e assinados, obras especiais em
parceria com grandes nomes da literatura
brasileira, como Manuel Bandeira e Ru-
bem Braga, uma coleção em parceria com
Carlos Drummond de Andrade, fotogra-
fias, bilhetes, obras de arte e objetos pes-
soais do escritor. O acervo foi higienizado
e catalogado pela equipe do Sistema de Bi-
bliotecas do Grupo Tiradentes coordena-

Tempo ded Contar


por Sayonara Viana
do pela bibliotecária Maria Eveli Pieruzi
de Barros Freire, adotando-se a conser-
vação preventiva objetivando preservar,
resguardar e difundir a memória coletiva
no presente e projetá-la para o futuro para
reforçar a sua identidade cultural. Após
esse processo foi escolhido um local onde
esse acervo pudesse ser exposto ao olhar
do público com o intuito de proporcionar
possibilidades de transformá-lo em objeto
de estudo e em conhecimento.
Em 15 de outubro de 2018 foi inau-
gurado o Espaço Joel Silveira, localizado
na Biblioteca Jacinto Uchôa de Mendon-
ça, Campus Farolândia, pensado desde a
sua origem como “lugar de memória” com
intenção memorialista. A solenidade ofi-
cializou a doação do acervo à Universida-
de Tiradentes com a presença da família
do escritor, sua filha Elisabeth Silveira e
seu neto Rodrigo Silveira Monte e do ami-
go, o jornalista Zevi Ghivelder. Na oca-
sião foi concedida a Medalha do Mérito
Tiradentes aos homenageados.

2019 Cumbuca | 49
Jornalistas e colaboradores do Dom Casmurro
Da esquerda para direita: Joel Silveira, Dante Costa, Mário
Martins, Marly Peixoto, Joracy Camargo, Ione Stamato, Brício de Joel como correspondente
Abreu e Sílvio Peixoto na 2ª Guerra
Agachados: Jorge Amado, Danilo Bastos e Franklin de Oliveira

Na mesma data foi inaugurada a ex-


posição “Centenário Joel Silveira: Tempo
de Contar”, que celebra o centenário do
seu nascimento e revela a trajetória do jor-
nalista e escritor, o mundo do jornalismo
brasileiro e as conexões jornalísticas viven-
ciadas na sua época. Com as memórias e
as linhas de Joel Silveira, revela-se uma
Biblioteca Jacinto Uchôa de Mendonça época de efervescência cultural e política.
Foto: Luiz Dinarte Para a exposição foi construída uma
narrativa que foi inspirada no livro “Tem-
po de Contar”. O roteiro expositivo tem
início no térreo da biblioteca e continua
nos outros dois pavimentos através da Li-
nha do tempo da sua trajetória, frases dos
jornalistas Zevi Ghivelder, Amaral Ca-
valcante, Juliana Almeida e Rian Santos Depois de percorrer esse roteiro pode-se, entre
e recortes de imagens que traçam o ca- uma estante e outra de livros, chegar a estante prin-
minho percorrido pelo jornalista. No pri- cipal que pertenceu a Joel Silveira, nela estão as obras
meiro andar, o visitante tem acesso ao Es- de sua autoria (em sua maioria, os exemplares de 1ª
paço Joel Silveira que apresenta o acervo edição) que pertenceram a sua biblioteca e os autores e
através de um roteiro que foi dividido em obras que influenciaram a sua forma de escrever. São
três núcleos: no primeiro núcleo, “Joel e exemplares únicos, com dedicatórias de nomes da lite-
o tempo”, a vida pessoal e os amigos des- ratura nacional, livros com raros desenhos (Viagem da
de sua atuação no Dom Casmurro (o se- minha vida de Di Cavalcanti, foram impressos apenas
manário carioca de Brício de Abreu) até 21 exemplares em 1955 e foram expostos à venda), bi-
Estante e livros que pertenceram a Joel Silveira suas contribuições em outros periódicos; lhetes e recortes de jornal que remetem ao contexto da
Foto: Luiz Dinarte no segundo núcleo “Joel Silveira: testemu- publicação de cada obra. Esses livros contam um pou-
nha da História”, acervo iconográfico do co a história das relações pessoais, intelectuais e literá-
escritor como correspondente da 2ª Guer- rias do escritor, desde o início da sua carreira até o fim
ra Mundial dos Diários Associados e co- da vida, em 2007. É uma coleção absolutamente única Linha do tempo da
mo repórter especial da revista Manchete e são consideradas obras raras permitindo recompor exposição
enviado à vários países; No terceiro núcleo muita coisa da história da produção, da publicação,
“Entre linhas e memórias” apresenta-se ao da edição e da circulação dos textos do precursor do
público o acervo documental, composto jornalismo literário no Brasil.
por manuscritos de vários escritores, polí- O acervo bibliográfico, documental e iconográ-
ticos e artistas plásticos que possuíam co- fico de Joel Silveira está disponível ao público, de mo-
nexão com Joel Silveira. No espaço pode- do geral, estudantes e pesquisadores que podem ter
se ainda conferir seus diplomas, medalhas acesso à coleção e compreender o universo cultural ao
e prêmios que reafirmam sua importância qual pertenceu o jornalista/escritor.
e o seu legado. Recebeu os prêmios Líbe- Visitar o Espaço Joel Silveira é conhecer a nar-
ro Badaró, Esso Especial, Jabuti, Golfinho rativa de vida de um sergipano a partir daquilo que
de Ouro e Machado de Assis, o mais im- o encantou: as letras e aproximando-se da sua escrita
portante da Academia Brasileira de Le- compreende-se a sua projeção e seus amigos no am-
tras, em 1998, pelo conjunto de sua obra. biente cultural brasileiro.
Lançamento do livro Memórias
com a presença do arquiteto Oscar
Niemeyer
Livro de Di Cavalcanti com dedicatória
Foto: Luiz Dinarte
Por quase vinte anos, de 1946 até o fechamento do jornal, foi repórter e colunista do
Joel Silveira: um a n ota Diário de Notícias. Atuou no vespertino Última Hora, fundado por Samuel Wainer em
1951, nos jornais O Estado de São Paulo, Correio da Manhã, Diário Carioca, O Paiz e O
Joel Magno Ribeiro da Silveira nasceu em 23 de setembro de 1918. Filho do co- Comício. Nas revistas, O Cruzeiro, Carioca, Manchete e na Revista da Semana. Destaca-se
merciante Ismael Silveira e de Jovita Ribeiro Silveira. Estudou nos colégios Tobias Bar- a sua atuação na Revista Manchete durante vinte anos em que foi repórter enviado especial
reto e Atheneu Pedro II. Começou a trilhar pelo universo da imprensa muito cedo e aos ao exterior.
16 anos foi diretor do impresso estudantil “A Voz do Atheneu”, primeira versão do jor- De 1954 a 1964 dirigiu o serviço de documentação do Ministério do Trabalho.
nal do Grêmio Literário Clodomir Silva, em Aracaju. Atuou também no jornal “A Voz Com Adonias Filho e Antônio Houaiss, tornou-se membro do conselho de redação
Operária” e no “Sergipe Jornal”. da Revista Nacional, publicada sob a forma de encarte e incluída na edição de domingo de
Em 1936, publicou a novela “Desespero” e ganhou o prêmio literário “Clodomir Silva”. diversos jornais do país. Foi ainda redator-chefe da revista O Mundo Ilustrado.
Em 13 de fevereiro de 1937, embarcou no navio Itanajé para o Rio de Janeiro, onde Sempre foi atuante na área da cultura e entre 1987 e 1988 foi nomeado Secretário de
ingressou na Faculdade de Direito. Começou a trabalhar como datilógrafo na redação da Estado da Cultura em Aracaju. Durante o período vivido na cidade seu melhor amigo era o
Revista Ferrovia e publicou a novela Desespero, na revista “Vamos Ler”. Aos 21 anos escre- então Arcebispo da cidade, Dom Luciano José Cabral Duarte (1925-2018). Como se sabe o
veu “Onda raivosa”, coletânea de contos publicada em 1939. De 1940 a 1944 trabalhou na jornalista era agnóstico e é dele o depoimento: “Cultíssimo, uma prosa maravilhosa, ele era
Revista Diretrizes. Em 1943, publica na citada revista a reportagem“Grã finos em São Pau- a pessoa com quem eu conversava. Nem eu falava de mulher, nem ele falava de Deus, e a
lo”. Assis Chateaubriand ao ler a matéria declarou: “Quem escreveu isto não é um repórter, é gente se entendia a mil maravilhas” (entrevista concedida ao jornalista Geneton Moraes no
uma víbora!”. A partir daí, passa a ser conhecido no meio jornalístico como “a víbora”. documentário “Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças”, 2013).
Em 1944, publicou o livro ‘Os homens não falam de mais’, em coautoria com Francis- Atuou também como coordenador nacional de política cultural e como representante
co de Assis Barbosa. No mesmo ano em que foi trabalhar nos Diários Associadose foi desig- do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro.
nado por Assis Chateaubriand para cobrir as ações da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Precursor do jornalismo literário, Joel Silveira marcou a imprensa com uma série de
na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O jornalista chegou à Europa no obras de caráter memorialístico. Conviveu com o mundo da cultura do Rio de Janeiro escri-
terrível inverno de 1944, e durante nove meses acompanhou a luta dos brasileiros até a rendi- tores, jornalistas e artistas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Paulo
ção alemã. Descreveu momentos cruciais do combate com um texto ao mesmo tempo lírico Mendes Campos, Dorival Caymmi, Di Cavalcanti, Geneton Moraes, Zevi Ghivelder, Joracy
e informativo: “Confesso que não foi exatamente por delicadeza que naqueles nove meses Camargo e Rubem Braga. Famoso pela sua mordacidade na sua construção narrativa desta-
perdi uma parte da minha mocidade, ou o que restava dela” (SILVEIRA, Joel). cou-se em seu ofício literário e jornalístico com suas histórias e memórias.

52 | Cumbuca 2019
C
abrunco, Pé na Cova e Ter- na Cova é a personificação da insanidade,
ra Seca aterrorizam o sertão mata e tortura sem qualquer pudor e se
sergipano. Os três lendários diverte com isso. Terra Seca detesta auto-
cangaceiros comandaram um ridades e coronéis, seus atos são extrema-
bando de mais de cinquenta matadores, mente brutais e não se importa em matar
que espalham atrocidades pela região: es- os entes queridos de seus inimigos, sejam
quartejam, lavam de sangue o solo seco e idosos, mulheres ou crianças. Cabrunco
desafiam o poder das forças volantes. é o líder dos cangaceiros, é o arauto do
caos, não está no sertão para combater
Sem entrar no mérito do papel social as injustiças sociais, a pobreza e os co-
do cangaço e dos mitos e verdades sobre ronéis. Ele só tem um objetivo: acabar e
as ações praticadas pelo movimento, dá destruir tudo que está em seu caminho”,
para se dizer que o enredo se assemelha explica Braga Júnior, autor do livro.
às histórias já conhecidas sobre o tema.
Contudo, um outro fator torna o livro “Apesar do escuro, era possível ver
“Trindade do Sertão” inovador: é a pro- suas bocas crescendo, seus dentes afia-
posta de produzir uma literatura de fan- dos, seus olhos amarelados e suas unhas
tasia à brasileira. O capixaba Braga Jú- virando garras.” (p.37)
nior ambientou, não por acaso, a obra em
Canindé de São Francisco-SE, local em Os crimes bárbaros do bando reverbe-
que o bando de Lampião foi emboscado ram em outras regiões. Até que um oficial
e morto em 1938. das Forças Armadas, o tenente Marcus
Alves, é escalado para caçar o bando e
A história é uma fantasia sombria (Dark colocar um fim à matança. Porém logo
Fantasy) em que cangaceiros ganham percebe que o problema não se resolve
poderes sobrenaturais, se transformam “na bala”.
em monstros descomunais e provocam
pânico entre os sertanejos. “Os três can-
gaceiros são representados por três forças
do mal: a loucura, a violência e o caos. Pé
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O primeiro, Vitória de S. Cipriano sobre
Adrião, o Mágico, de Joaquim Batista de
Senna, foi editado pela Casa dos Horós-
copos, de Juazeiro (CE). O segundo, O
feiticeiro do reino do Monte Branco, de
Minelvino Francisco Silva, publicado
A iniciativa de unir fantasia com ele- pela editora Prelúdio, de São Paulo, apre- tulos com elementos das mitologias nór-
mentos culturais do Brasil não é exata- senta um enredo mais próximo das ver- dica e germânica.
mente inédita, mas na prosa é bem pouco sões tradicionais. Recentemente, a Tu-
frequente, e gradativamente vai ganhan- pynanquim Editora, de Fortaleza, lançou Braga Júnior se encantou com o uni-
do corpo, sobretudo em pequenas edito- “Duelo de bruxos ou o pombo e o gavião”, verso do cordel há alguns anos, e acabou
ras ou em produções independentes. O plementou o escritor. de Autoria do lendário Bule-Bule. O mo- se alimentando dessa referência cultural
gênero é um dos mais consumidos entre tivo da disputa final foi reaproveitado no para criar, de forma mais fidedigna, sua
os leitores brasileiros. Porém, as refe- O cordel e o gênero fantasia desenho animado em longa-metragem fantasia que se passa em pleno sertão.
rências são histórias passadas em terras dos Estúdios Disney “A espada era a lei”
Se os elementos da cultura popular bra- (EUA, 1964, de Wolfgang Reitherman), “Mesmo não usando dessa fonte mara-
desconhecidas, eras distantes, reunindo sileira foram pouco explorados em prosa no duelo mágico entre o Mago Merlin e vilhosa de escrita, que é a poesia popular,
como personagens reis, magos, hobbits, no gênero fantasia, em versos o fenôme- a Madame Min”, explicou o cordelista e faz parte do meu aprendizado para de-
elfos, orcs, bruxos e feiticeiros.“O gran- no é abundante. O cordel é pródigo em pesquisador do folclore brasileiro, Marco senvolver mais histórias baseadas nesse
de objetivo da obra é mostrar para o leitor criar reinos no sertão, levar cangaceiros Haurélio. universo que mistura o cangaço com a
de fantasia, considerado um dos públicos para o inferno e até para o espaço, mon- fantasia sombria, como foi em ‘Trindade
mais exigentes, que podemos criar bons tado em um jumento, como no título “O O gênero fantasia sempre mexeu com do Sertão’. A cada item que leio, encan-
contos utilizando importantes passagens cangaceiro do futuro e o jumento espa- o imaginário popular, justamente por isso to-me mais, pois num mesmo livro você
da história do Brasil, aliada à cultura e cial”, de Klévisson Viana. Na verdade, os serviu de inspiração para poetas de várias pode viajar na fantasia, na rima, no hu-
folclore variado do nosso povo. autores clássicos do cordel, muitas vezes, gerações comporem verdadeiras obras mor, no folclore, na ficção, nas citações
Não consigo imaginar uma beberam da mesma fonte de escritores -primas na literatura de cordel, muitas a Lampião, na adoração a São Francisco
obra de fan- tasia mais bra- que criaram best-sellers do gênero, como vezes misturando elementos do folclore e a ‘Padim Ciço’. Além de apreciar as xi-
sileira do que J. R. R. Tolkien (O Hobbit e Senhor dos brasileiro com a cultura de outros povos. logravuras. Como não desfrutar de tama-
‘Trindade do Anéis) e JK Rowling (Harry Potter). “No Começou com Leandro Gomes de Bar- nha riqueza cultural”?
Sertão’: canga- fundo, as referências que alimentaram os ros em Juvenal e o Dragão, com o motivo
ceiros, folclore, autores de Harry Potter e O Senhor dos arquetípico do vencedor de dragões, que
período histórico Anéis são muito próximas das referências deriva do mito Perseu. Há muitos outros
importante e per- dos autores de nosso cordel, pelo menos exemplos, como João Terrível e o Dragão
sonagens de várias daqueles cultores do gênero romance, Vermelho, de Antônio Alves da Silva e
partes do país. O ou seja, do cordel narrativo. Os duelos João Acaba-Mundo e a Serpente Negra,
sertão che- mágicos do Harry Potter, por exemplo, e mais recentemente foram publicados
gou na Fan- se baseiam num conto-tipo chamado O Donnar, o matador de dragões, de Rouxi-
tasia para aprendiz de feiticeiro. Pelo menos três nol do Rinaré e o próprio Marco Haurélio
ficar”, com- folhetos de cordel recontam essa história. escreveu O Cavaleiro de Prata, os dois tí-

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2.

P
3.
ascoal Carlos Magno foi o tura que tinha como titular o Prof. Rabelo Aglaé Fontes e Alencar Filho. Entre os Maugham.
maior agente cultural do Bra- Leite. Na revista “Senhor”, Paulo Francis atores estavam João Augusto Gama fa-
sil no século XX. Embaixador, dava um ar cosmopolita ao país. zendo Lampião, Zelita Correia fazendo Com o fim do
escritor, culto, no governo de Maria Bonita e Chico Varela o Turco. “Centro Popu-
Juscelino Kubitschek foi encarregado de Brasília fora inaugurada em abril de lar de Cultura
dinamizar a cultura brasileira, descobrin- 1960. No governo de João Goulart, Pas- Inquieto e apaixonado por teatro, Pas- de Sergipe”,
do novos talentos. É o período de ouro coal foi nomeado secretário do “Conse- coal Carlos Magno criou o “Festival Chico Va-
do teatro brasileiro quando surgem Paulo lho Nacional de Cultura”, criando, logo Nacional do Teatro Amador”, na déca- rela e eu
Autran, Maria Della Costa, Tônia Carre- em seguida, a “Caravana da Cultura”. da de 1960 e, simultaneamente, criou o migra-
ro, o italiano Adolfo Celi, depois famoso “Festival Regional do Teatro Amador”. mos para o
A ideia de Pascoal era levar o ambiente O Festival Nacional acontecia nos anos TECA (Teatro
internacionalmente na franquia James
cultural e artístico do Rio de Janeiro e São pares e os Regionais nos anos ímpares. da Cultura Artísti-
Bond. Na música temos o aparecimento
Paulo para o resto do país. A Caravana da Os ganhadores dos regionais disputavam ca) do professor João
da “bossa nova” de João Gilberto. No ci-
Cultura percorreu diversos estados brasi- no Rio de Janeiro o Nacional, sempre no Costa. João Costa tinha al-
nema, “O Pagador de Promessa”, de An-
leiros. Esteve no Rio de Janeiro, Minas mês de janeiro. Houve seis edições do gumas peças excelentes. Duas
selmo Duarte e o Cinema Novo de Glau-
Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas. Eram Nacional. A última, em 1968. O regime chamaram a minha atenção e a de
ber Rocha. O movimento editorial era
256 artistas, artesãos, escritores fazendo militar acabou com os festivais. Chico Varela: “Três do dez de mil no-
intenso, a editora Civilização Brasileira
teatro, dança, música e oficinas. Havia vecentos e tanto” e “Recital sem Opus”.
de Ênio Silveira liderando. Jean Paul
muito debate. Nas cidades onde a Cara- Com o golpe militar de 1964, a UNE Descartamos a primeira: ótimo texto, o
Sartre circulava no Brasil e no Nordes-
vana parava era uma festa. Em Aracaju, (União Nacional dos Estudantes), as cenário era uma seção eleitoral, mas uma
te. O Brasil tinha pressa. Era preci-
a Caravana ficou uma semana na Praça UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes crítica ácida ao processo eleitoral. Válida
so estudar, debater. O método
Fausto Cardoso. O ano era 1963 e o go- e os CPCs (Centros Populares de Cultu- em condições normais da vida brasileira,
Paulo Freire de alfabeti-
verno Seixas Dórea. ra) foram fechados e colocados na ilega- mas poderia parecer uma concordância
zação estava sen-
lidade. com o regime militar que não fazia elei-
do implan- Em Sergipe, a UEES, União Estadual
tado em ções. Quando fazia eram cartas marca-
dos Estudantes de Sergipe, sob a presi- João Costa era apaixonado por teatro.
Sergipe, das, ou eleições indiretas para presidente
dência de Alexandre Diniz, criou o CPC, Culto e estudioso, sem vínculos parti-
pelo go- e governador. Os prefeitos das capitais
”Centro Popular de Cultura”, que ence- dários, era o presidente da SCAS (So-
verno Sei- eram nomeados. Mas isso já é outra his-
nou peças, esquetes e poesias por todo o ciedade de Cultura Artística de Sergipe)
xas Dórea, tória.
estado. A última peça foi a “Derradeira sucedendo a José Carlos Teixeira eleito
através da sua Ceia” de Luiz Marinho, dirigida por Wil- deputado federal em 1962. João Costa Trabalhamos intensamente na monta-
Secretaria de son Maux, paraibano de Campina Gran- montara diversas peças de teatro com gem de “Recital sem Opus”. Luiz Anto-
Educação e Cul- de, inicialmente trazido para Sergipe por sucesso, inclusive “Chuva“ de Somerset nio Barreto foi o encarregado da música.
1.

58 | Cumbuca 2017 2017 Cumbuca | 59


nio Barreto. A música valorizava o texto
e fazia de sua própria letra um espetáculo
em si. Belíssima música para uma peça
grandiosa. Oportuna, enriquecia a obra. A
música de Luiz Antônio Barreto e o texto
6.
participação de Orlando Vieira, Antônio de João Costa se completam.
Joaquim Filho, Chico Varela, João Au-
gusto Gama e Luiz Antonio Barreto e os RECITAL SEM OPUS subiu ao palco
músicos Edgar Silveira, Paulo Amilcar e diversas vezes. Havia muitas solicitações
Sergio Boto. para sua apresentação. Além das inúme-
ras apresentações em Aracaju, subiu ao
A apresentação do grupo sergipano no palco em Estância, Itabaiana, Propriá,
“Teatro Santa Rosa” foi um acontecimen- Lagarto e Itaporanga d’Ajuda. Sempre-
4. to. Surpreendeu a todos os participantes, com casa cheia. Sucesso absoluto. Nunca
incluindo os Grupos favoritos: a Paraíba, uma peça sergipana tivera tanto público,
com uma peça regional de Pimentel e de fora tão aplaudida.
Depois de resolvidas pendências e dúvi- Pernambuco, com a peça “As três irmãs”,
das fomos para João Pessoa, em julho de de Checov. Em janeiro de 1968 fomos ao Rio de Ja-
1967, disputar o “Festival de Teatro do neiro para o Festival Nacional. No último
Nordeste”, onde, de última hora, fizemos Consagrada pelo público e pela comis- momento, temendo uma reação do regi-
o ensaio geral. são julgadora, RECITAL SEM OPUS ar- me militar, o embaixador Pascoal Carlos
rebatou os prêmios de melhor peça, me- Magno modificpou as regras do festival. 7.
Chegamos em João Pessoa de ônibus lhor direção e melhor ator para Orlando RECITAL SEM OPUS, já escolhida a
vindos do Recife. Nas bagagens, a peça Vieira. melhor peça, perde a premiação. Não há LEGENDAS FOTOS
RECITAL SEM OPUS, de autoria de João mais primeiro lugar. A comissão julgado- 1. Luiz Antonio Barreto fez a música de
Costa e música de Luiz Antonio Barreto. No dia seguinte ao da premiação, João ra resolve premiar as dez melhores peças, “Recital Sem Opus”
Éramos o “Teatro de Cultura Artística de Costa foi intimado a comparecer ao Co- incluindo aí RECITAL SEM OPUS. 2. Sergio Cardoso, Pascoal Carlos Magno
Sergipe”, dirigido por João Costa com a mando Militar do Exército, na Paraíba, e Procópio Ferreira
para explicar o texto aos militares. Pres- Não adiantou o embaixador contem- 3. Joaquim Filho e Chico Varela em leitu-
tou depoimento pela manhã, sendo libe- porizar com a repressão: 1968 marcou o ra do Recital
rado no final da tarde. fim dos festivais de teatro no Brasil. Após 4. Cartaz de peça da Caravana da Cultura
a Festival do Rio de Janeiro, RECITAL 5. Com o ex.prefeito de Aracaju João
RECITAL SEM OPUS é um marco na SEM OPUS não foi mais encenada. Em Augusto Gama; o historiador Luiz Antô-
história do teatro em Sergipe. Uma se- 2009 fizemos uma leitura de peça na TV nio Barreto; o ex.Governador, João Alves
leção de textos nacionais e estrangeiros, Aperipê, no programa de Pascoal May- Filho
falando em democracia e liberdade, esco- nard e outra em 2011 no Instituto Dom 6. Leitura do Salmo 127 no casamento de
lhidos pelo talento de João Costa. Sobres- Luciano Duarte, em memória de João
amigos
saía-se a música da autoria de Luiz Anto- Costa. 7. Família

5.

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Entrava Sergipe desta forma no Século XIX,
JOÃO GOMES VIEIRA século em que se afirmariam as condições da
sua vida, em que o franco envolver de suas
DE MELO: (1809-1890) vilas e povoações assegurariam seu progresso
e sua ventura
(Clodomir Silva, Álbum de Sergipe, pg. 43)
Carlos Pinna de Assis
Da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maruinense de Letras e Artes

tinha 21.190 habitantes (SILVA, Clodo- em cidadãos do mundo moderno no qual


mir; Álbum de Sergipe, pg.42). Em 1808 as atividades secundárias e terciárias pas-

E
m duzentos e a população mais que triplicara (idem, savam a ter tanta importância quanto a
vinte anos as de tragédias acontecidas desde 1755 na ibidem, pg 43) e a capitania que já fora economia primária.
paisagens e o capital do Reino de Portugal, cujo paro- podada das vilas de Abadia e Itapicurú,
ostentava 72.236 habitantes. Nas terras milenarmente ocupadas pe-
clima terão mudado xismo foi o terremoto de Lisboa; o fato
los tupinambás, entre os rios Cotinguiba
muito pouco, se abs- político da expulsão dos jesuítas do Bra-
Desse enorme crescimento populacio- e Sergipe, ao Sul; tendo, ao Norte o rio
trairmos a intervenção sil em 1767; a devassa em Minas Gerais,
nal o caso mais relevante foi o da Vila de Japaratuba, vivia o Cacique Sirirí, senhor
humana na geografia, tendo como pano de fundo a agitação
Santo Amaro das Brotas, na Região do também da Aldeia de Maruim referida
cuja configuração revolucionária na França em 1789 e o
Rio Cotinguiba, que saltara dos 1.013 ha- por Aires do Casal. Esses índios deixa-
original, porém, só movimento de independência americano
bitantes de 1775 para os 8.128 contados ram sua marca nos olhos esgazeados dos
pode ser imaginada. do Norte em 1776; deram na consequên-
em 1808. maruinenses, que preservaram essas ca-
cia econômica do empobrecimento da
O cenário da racterísticas da tez morena e dos cabelos
Colônia que impôs a cobrança de con- O Barão de Maruim nasceu, portanto,
epopeia sergipa- escorridos que se repetem por sucessivas
tribuição vultosa e recrutamento militar no lugar de maior progresso e na época
na quando de seu gerações e distinguem o povo daquela re-
compulsório pelo Governo colonial na de mais intenso enriquecimento dos se-
maior desenvol- gião dos demais das redondezas onde o
Capitania de Sergipe. nhores da terra que ampliavam o plantio
vimento econô- branco europeu – mais ao norte e para o
da cana e modernizavam a produção do sertão – e o negro e o mulato da civili-
mico em todos Em 1808, todavia, a fuga da Corte Por-
açúcar que passou a ser o produto mais zação do massapê, diferem dos mesopo-
os tempos, real- tuguesa da invasão napoleônica e o esta-
valorizado da pauta da indústria sergipa- tâmicos ocupantes daquele emaranhado
ça na formidá- belecimento da estrutura governamental
na. de rios, riachos, lamaçais e brejos que
vel expansão de Portugal na Colônia, agora elevada
demográfica a reino unido, deflagraram novo ânimo propiciam a sobrevivência e dificultam
Essa sintonia de espaço e tempo histó-
nos poucos nos sergipanos, como que despertados a movimentação com uma população que
ricos foi determinante para a formação
mais de da letargia bicentenária e da carência de se empoleirou nos altos, mas colhe nos
pessoal do maior sergipano do Século
trinta anos instrumentos de produção e até de mão- vales e nos apicuns a proteína dos ma-
XIX, cujas ações e empreendimentos
vividos en- de-obra. riscos e os carboidratos da mandioca que
definiram a própria feição de Sergipe na
tre 1775 e compõem a riquíssima dieta dos viven-
mudança veloz que se operou em pouco
1808. O censo de 1775, que incluía as vilas de tes.
mais de cem anos, transformando o povo
Abadia e de Nossa Senhora do Monte de
de vivência marcadamente agro-pastoril Exemplo dessa fartura e prestimosida-
Naquele ano a sucessão Itapicurú da Praia, indicava que Sergipe
Google Earth

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de é o rio Ganhamoroba, curtíssimo no se com a rica viúva Maria José de Faro
seu trajeto entre a nascente ao norte de Leitão, cujas propriedades, todavia, pre-
Divina Pastora e o lançar-se no Rio Ser- servou e fez prosperar nos dez anos de
gipe, depois de Maruim, na barra que lhe duração do casamento que findou com
deu o nome. Navegado por dezenas de a morte da esposa em 1859. Como não
saveiros e canoões, carregados no Porto tivera filhos com o Barão, a Baronesa
das Redes, ou quando da maré alta, no Maria José Vieira de Melo deixou todo o
Porto do Grajaú, em demanda de Aracaju seu patrimônio para os seus três filhos –
e do Mundo. um rapaz e duas moças – a cujos parentes
coube então a orientação nos negócios.
Eis, portanto, a paisagem que inclui as
matas fragozas da infância do Barão de Aos quarent’anos o Barão de Maruim
Maruim que é a imagem que o acom- já era senhor de três engenhos, o menor Porto de Aracaju, do Álbum da Província de
panhará no Rio de Janeiro, onde chega, dos quais, o Unha de Gato, merecia sua Sergipe
logo na metade do século: primeiro como especial atenção. A simplicidade da casa
deputado geral e, logo após, senador do grande, a disponibilidade de terras vir-
Império. gens e o posicionamento geográfico do
engenho eram razões significativas para percorrendo dos limites do norte na en-
Descendente de antigos troncos de pio- o espírito simples e operoso do proprie- tão recente Província das Alagoas até as
neiros da conquista de Sergipe, João Go- tário que dali comandava ações exempla- terras da já velha Bahia, guardando em
mes Vieira de Melo era o primogênito de res na agro-indústria que dominava com lembranças muito vivas as peculiaridades
um típico casal de senhores de terras her- maestria e na política na qual acabara de de cada região e até de cada vila visitada.
dadas e adquiridas para a lavoura da cana ingressar.
e produção de açúcar. Foi assim que no início da década de
Poucos eram os sergipanos que àquele cinquenta do Século XIX o Barão de Rio de Janeiro, 1860
Por direito de primogenitura e gosto tempo conheciam com tanta precisão as Maruim convenceu-se da necessidade de
com a lavoura e a indústria, muito cedo características de Sergipe, ou que tives- dotar Sergipe de um porto mais adequa-
João Gomes Vieira de Melo dedicou-se sem visitado com tal atenção todos os re- do à exportação da produção da lavoura
à atividade empresarial que manteve du- cantos da Província. do que os até então existentes. Porto de parentes. Ele próprio, aliás, deu exemplo
rante toda a vida, ampliando-a e moderni- exportação demanda uma estrutura logís- e somente adquiriu terras em Aracaju
zando-a exemplarmente. Entre os rios São Francisco e Real, e tica e burocrática de que se não dispõe quando a nova capital já estava implan-
até a boca do sertão vindo das praias, o senão em situação urbanística específica. tada. Mais ainda, doou parte significativa
Já a caminho da meia idade, casou- Barão de Maruim palmilhara o território, dos terrenos que adquirira para a implan-
E, assim, Sergipe saiu à frente de todos
tação do próprio porto, de logradouros e
os que em semelhantes circunstâncias ti-
de repartições públicas.
veram que enfrentar o mesmo problema.
Para comparar apenas com as províncias Os registros fotográficos de 1870 são
do Nordeste do Brasil, excluindo Salva- uma eloquente demonstração do acerto
dor e Recife que têm portos de mar natu- da mudança da capital, vistos a quantida-
rais, é de se ver que as capitais andaram de de navios e o movimento do cais quan-
em direção aos portos, como em Aracaju, do ainda não era corriqueira a navegação
ou ficaram a pouca distância deles. a vapor. Em contraste com essa consta-
tação, pode-se ver a praia ribeirinha da
A visão estratégica do Barão de Ma-
Barra dos Coqueiros, em frente ao Porto
ruim não cedeu nem mesmo aos interes-
de Aracaju, na mesma época, com a natu-
ses patrimoniais dos correligionários e

EMMANUEL FRANCO, in “O Clã do Engenho Porteiras”, Revista da Academia Sergipana de Letras, nº 32, pgs. 293/328.
1

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interlocutor do Visconde de Maracaju ,
seu conterrâneo, cujo carreira militar ti-
nha sido iniciada no Rio Grande do Sul
e atingira o cume na guerra que o elevara
ao generalato.
Vencido o conflito que vitimou tantos
brasileiros, o Barão de Maruim costuma-
va compará-lo com aquela tragédia que
enfrentara como Governador em exer-
cício de Sergipe na epidemia do cólera
Paris, Arc de Triomphe morbus em 1858.
reza quase que em estado natural. neavam em Petrópolis. Essas temporadas
na serra fluminense provocavam no Ba- Essas recorrências da memória o man-
Com a capital da Província já conso- rão a nostalgia do campo e dos seus en- tinham permanentemente ligado à sua
lidada, inclusive e sobretudo a partir da genhos tão queridos e já pouco visitados terra. O grão senhor cosmopolita não dei-
visita do Imperador a Sergipe, o Barão a esta época. Mesmo assim, tanto que lhe xaria jamais embaçar as lembranças da
de Maruim passou a demorar-se mais na permitissem os trabalhos no Senado e os sua Província com os sucessos na Corte.
Corte. negócios na Corte, vinha o Barão a Sergi- Grande do Império, Cavaleiro da Im-
pe algumas vezes em companhia da Ba- perial Ordem de Cristo, Oficial da Im-
Entre os anos de 1864 e 1889, o Barão
ronesa e sempre para encontrar o irmão a perial Ordem do Cruzeiro, Cavaleiro da
de Maruim, já então casado com a Baro-
quem confiara os negócios locais. Após Imperial Ordem da Rosa, a estas mais
nesa Valentina Soares de Souza Vieira de
essas prazerosas estadias sergipanas, vol- altas condecorações nacionais ajuntou
Melo, empreendeu três viagens a Europa
tava rejuvenescido ao Rio de Janeiro. a Comenda da Ordem de São Gregório
demorando-se em cada uma delas cerca Créditos das Fotografias
de quatro meses e dedicando mais tempo Magno, que lhe foi outorgada pelo Papa,
Enquanto durou a Guerra do Paraguai o 1. Google Earth, acessado em 19/12/2018.
às estadias na França, onde sua sogra nas- sem deixar de ser o homem simples e de
Barão de Maruim não de afastou do Bra- gosto morigerado que viveu para Sergipe 2. Porto de Aracaju, Álbum de Sergipe.
cera e sua esposa mantinha relações com
sil. Preocupava-o a crescente dificuldade e para os sergipanos, legando um padrão
parentes e famílias amigas que recepcio- 3. Rio de Janeiro, LEUZINGER, in Rio de Janeiro 1840-1900,
navam o casal com especial atenção. financeira enfrentada pelo Governo Im- de comportamento austero que é até hoje de GEORGE ERMAKOFF, 2º Edição, 2009, pg. 17.
perial e por mais de uma vez tratou deste uma característica dos homens públicos 4. Paris, Internet, acessada em 19/12/2018.
No Brasil, os Barões de Maruim vera- tema no Senado, até porque fôra sempre de nossa terra. 5. Comendas, Internet, acesso em 19/12/2018.
Rufino Enéas Gustavo Galvão (São Cristóvão, 1831 – Rio de Janeiro, 1909).
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