Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Expediente
Editor
Amaral Cavalcante
Produção
Cândida Oliveira
Design Gráfico
Carol Patriarca
Cícero Guimarães
Liz Carvalhal
Revisão
Yuri Gagarin
Cândida Oliveira
Coordenador de Pré-impressão
Marcos Nascimento
Gerente Editorial
Jeferson Melo
Governador Diretor-Presidente
Belivaldo Chagas Silva Ricardo José Roriz Silva Cruz
A Revista Cumbuca não se responsabiliza por conceitos emitidos nas matérias assinadas.
Cumbuca conta com o apoio da Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado de Sergipe.
carta ao leitor
Graças ao dedicado trabalho de uma equipe reduzida,
mas firmemente comprometida com a manutenção dos padrões
de excelência propostos por esta editoria, a atenção à revista
Cumbuca vem se expandindo no universo cultural brasileiro e
despertando o interesse de mestres e estudantes de Comunica-
ção e Design.
As Universidades Federal de Sergipe e Tiradentes convo-
16 44 54 62
caram técnicos do nosso staff para ministrarem palestra aos seus
alunos, abordando os processos de elaboração e feitura da revista.
Nossa produtora, a jornalista Cândida Oliveira, proferiu
palestra para alunos do curso de Jornalismo, da UFS, a convite do
professor Eduardo Leite, e os designers Carol Patriarca e Cícero
Thiago Barbosa
Canindé
Música em Sergipe
Sayonara Viana
Antonio Nahud
Irineu Fontes
Cardoso Barbosa.
Pedro Varoni
Joubert
Boa leitura
su
Capa:
Thiago Neumann má
04 26 38 48 58 rio
~ ´
4 | Cumbuca 2018
2019 2019 Cumbuca | 5
2018
E
m Guimarães Rosa transparece todo o misticismo do sertão, uma religiosidade qua-
se medieval, baseada apenas nos dois extremos e marcada pelo medo, pelo pavor,
em que há até mesmo a preocupação de não invocar o Demo, para que ele não
“forme forma”, daí o Diabo ser tratado na linguagem rosiana por “o que não existe”
ou “o que não é, mas finge ser” e expressões semelhantes. Relendo o mestre Rosa,
nasceu a vontade de invocar o Rabudo na história da literatura, apoiando-me nas
palavras sábias de William Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa
filosofia”. Afinal, ser capaz de considerar afirmações metafísicas denota sabedoria, cautela e intui-
ção. Eu, acredito e não acredito no Senhor do Mal.
O protagonista deste ensaio se chama, em hebraico, Satã, isto é, o Adversário, o Inimigo.
Em grego, o Diabo - o Acusador, o Caluniador. Ele é aquele que caiu do céu, como um raio,
~ citado em “Lucas 10:18”. Arrastou consigo uma legião de anjos celestes, descrito em “Apocalipse
20:2”. As variadas denominações do Anjo Fulminante no meio popular revelam sua natureza dis-
simulada e camuflada. Conhecido como Semi-hazad, Azazel, Belial, Asmodeu (hebreus); o Eblis
(muçulmano); The Old Man (Escócia); o Macaco de Deus (Idade Média); o Maligno, o Maldito,
o Inimigo, o Tentador, o Maldito, o Pai da Mentira, o Príncipe das Trevas, o Cão, o Arrenegado,
o Beiçudo, o Azucrim, o Porco, o Sujo, o Tição, o Coxo, o Anhangá, o Rabudo, como é chamado
no Brasil.
Tão antigo quanto a própria literatura, Satã é um velho personagem literário, e muitos fo-
ram aqueles que registraram os passos claudicantes do Anjo Caído. Pode-se mesmo dizer que é
nos tortuosos recônditos da mente humana que Lúcifer (do latim, “o portador da luz”) encontra
refúgio após sua mítica expulsão das esferas celestiais. E, ao fazer do imaginário dos homens seu
pandemônio, passa a inquietá-los com sua enigmática figura, inflamando-lhes o intelecto e, por
conseguinte, tornando-se o cerne de discussões travadas não somente em âmbito religioso, mas
também filosófico, literário e artístico.
O jesuíta Martins Terra, em sua obra “Existe o Diabo? Respondem os Teólogos” (1975), escla-
rece que a existência do Rabudo nunca foi negada por nenhum Papa, nenhum Concílio. Sem dúvida
alguma é uma verdade de Fide Divina et Catholica pelo Magistério Ordinário da Igreja. Logo é um
dogma de fé.“Se você não acredita em Deus, você é ateu, mas se não acredita no Diabo é igualmente
Satan exulting over Eve, por William Blake (1795). ateu, já que a crença nele é um dogma de fé. Portanto, tínhamos os sem - Deus e agora temos o sem-
Diabo. Não é sem razão que Jorge Luis Borges considerava a teologia como um gênero similar ao
Muitos não partilham da credulidade acerca da existência, poderes e possibilidades do Maligno, gênero fantástico”, opina a escritora brasileira Salma Ferraz.
conhecido como o primeiro rebelde do cosmos - seguido por Eva, a segunda rebelde, e por Caim, No século III, o númida Lucius Caecilius Firmianus, conhecido como Lactantius, na obra “Di-
o terceiro. Como antagonista de Deus, foi e continua sendo um expressivo personagem literário, vinae Institutiones” (c. 311), afirmou que Lúcifer teria sido nada menos, nada mais que o irmão do
cinematográfico, musical, teatral, etc. Talvez seja sua maior estratégia, converter-se em ficção e nos Logos, do Verbo, isto é da Segunda Pessoa da Trindade. O “Inferno”, a primeira parte da “Divina Co-
convencer de que não existe, e assim existir eternamente, como afirmou Charles Baudelaire: “O me- média” (1321) de Dante Alighieri, sendo as outras duas o “Purgatório” e o “Paraíso”, é descrito com
lhor truque do Diabo é nos persuadir que ele não existe”. Sobre o tema espinhoso, o poeta britânico nove círculos de sofrimento localizados dentro da Terra. Dividido em trinta e quatro cantos, a viagem
C.S. Lewis, definiu lucidamente: “Há dois erros idênticos e opostos nos quais nossa espécie pode cair de Dante é uma alegoria através do que é essencialmente o conceito medieval de inferno, guiada pelo
acerca dos demônios. Um é não acreditar em sua existência. O outro e nutrir um interesse excessivo e poeta romano Virgílio. Os mais variados pintores de todos os tempos reproduziam visualmente esta
doentio neles. Os próprios diabos ficam igualmente satisfeitos com ambos os erros e saúdam o mate- obra de viés épico e teológico, inclusive Sandro Boticelli, Gustave Dorè e Salvador Dalí.
rialista ou o fanático com o mesmo deleite”. Em “Belfagor, o Arquidiabo que se Casou” (1549), a prosa envolvente de Nicolau Maquiavel
Quando era muito jovem, antes dos vinte anos, escrevi vários contos com a participação espe- nos conta com humor as desventuras de um Diabo que é mandado à terra para, como humano, verifi-
cial do Coisa Ruim, entre eles “Fúria”, “Noites de Ninguém”, “Disse-me o Demônio”, “O Demônio car o que é o matrimônio. Certa vez, o autor declarou que ao morrer preferia ir parar no inferno, onde
Acossado” e “A Mão do Diabo Está Sobre Mim”. Dois deles se perderam. Com o tempo, descobri que poderia se entreter com gente culta e engenhosa, a subir ao temeroso reino dos beatos. Christopher
o Maldito pode ser encontrado em centenas de volumes. Sua epopeia - ou odisseia - diabólica foi Marlowe e William Shakespeare usaram o Tentador como base para a representação estereotipada dos
inúmeras vezes revisitada na literatura. Como é bem típico de escritores: creio, logo duvido; não creio, judeus em “A História Trágica do Doutor Fausto” (1604) e “O Mercador de Veneza” (1597) e dos
logo questiono. A grandeza tétrica e a tristeza atroz do Diabo foram lembradas em divinos poemas, nativos do Novo Mundo em “A Tempestade” (1611). O espanhol Calderón de la Barca colocou o
tragédias vigorosas, romances requintados e peças de teatro de renome. Tinhoso no seu “Mágico Prodigioso” (1637).
8 | Cumbuca 2019
No fim do século XVIII, a Algumas obras, pelo seu O demônio que, sendo orgu-
reação ao pensamento artístico conteúdo blasfemo, poderiam lho de poder é também mediocri-
neoclássico deu forma ao roman- ser reconhecidas como inspiradas dade satisfeita, como dizia Gogol,
ce gótico fazendo do Diabo um pelo espírito satânico. Um desses no livro “Testamento” (publicado
sedutor maléfico. Na França, Jac- livros é certamente “Leviathan” postumamente em 1762), do aba-
ques Cazotte publicou “O Diabo (1651), de Thomas Hobbes. Ele de Jean Meslier, falecido em 1729,
Apaixonado” (1772) enquanto conclui que a vida consiste na é senhor de uma frase macabra
que, na Inglaterra, M. G. Lewis “guerra de todos contra todos”. que se tornou famosa no tempo
lançou seu “The Monk” (1796). Em “Matrimônio do Céu e do In- da Revolução Francesa: “É preciso
O romântico Friedrich Schiller ferno” (1790), de William Blake, estrangular o último padre com as
fez apologia ao Senhor do Mal os provérbios do inferno tem um tripas do último rei”. A notorie-
em “Bandoleiros” (1781). Alfred inconformismo irreverente. As- dade do vigário escritor se deve à
de Vigny e Mikhail Lérmontov, sim como “O Assassínio como autoria de um tratado filosófico
em 1840, fizeram de Satã herói de Uma das Belas Artes” (1827), de promovendo o ateísmo, descober-
famosos poemas; Goethe, no seu Thomas De Quincey, ou noutro to após sua morte.
“Fausto” (1808), colocou Mefistó- criminoso diabólico retratado em
feles como um dos protagonistas “Caneta, Lápis e Veneno” (1891),
da sua história; Giosuè Carducci, de Oscar Wilde. A teoria do mal
agraciado com o prêmio Nobel, pelo mal foi exposta, com a cos-
escreveu sobre ele; Giacomo Leo- tumeira implacável agudeza, por
pardi lançou um “Hino a Ariman” Edgar Allan Poe na célebre nar-
(1835): “Rei das coisas, autor do rativa “O Demônio da Perversi-
Mundo, arcana / Malvadez, sumo dade” (1845), no qual é descrita
poder e suma / Inteligência, eter- a atração do abismo. Reflexos sa-
no / Dador dos males e regulador tânicos podem ser encontrados
do movimento”; Victor Hugo lhe ainda na obra de Petrus Borel,
consagrou um livro inteiro, “O “Madame Putiphar” (1939). Bo-
Fim de Satanás” (1886); Dostoie- rel fundou em 1884 um jornal
vski o apresentou no seu romance com o título de “Satã”.
mais famoso, “Os Irmãos Kara-
mazov” (1880); e Ibsen o evocou
com o nome de “Grande Curvo”
no mais significativo de seus dra-
mas, “Peer Gynt”(1867).
2019 Cumbuca | 25
Irineu Fontes
2019 Cumbuca | 33
Ciro Monteiro, Carmen Miranda,
Luperce Miranda, Laurindo Almeida
e o violonista Pereira Filho
2019 Cumbuca | 35
Alencar, Irmão e Tonho Baixinho, Clara Roberto Alves, Amorosa, Antonio Carlos Polayne, Pedrinho Mendonça e Gena CD Ruas de Ara, nessa década também
Angélica, Grupo Repente com o Jota Car- du Aracaju entre outros. Ribeiro, entre outros. Gena Ribeiro sur- o Rubens grava seu primeiro CD “Assim
valho e o Roberio, Grupo Bolo de Feira, Nos anos seguintes alguns artistas ge cantando em uma banda de pop rock meu de lua”.
entre outros. se destacaram em carreiras solos como: chamada Exceção que era composta por Um novo século começa e com for-
Roberto Alves, Rogério, Irineu Fontes Milton Goulart, Luciano Goulart, Wol- ça total aparecem novas ferramentas e
agora assinando Neu Fontes, Jorge Duc- ney e Duda e logo se destaca como uma todo aparato digital, facilidade as grava-
Gravar é preciso cy, Antônio Carlos Du Aracaju, Mingo das maiores interpretes da música Brasilei- ções. Home Studios e computadores aju-
Santana, Amorosa, Roberto Alves, Virgi- ra, ganha dois festivais o Novo Canto e o dam a proliferar nas gravações e surgi-
No início da década de 1980 co- nia Fontes, Luiza Lu, Paulo Lobo, Lula Canta Nordeste, esse último festival revela mentos de vários e novos artistas da mú-
meçam a surgir as primeiras propostas Ribeiro, Chico Queiroga, Nininho, Doca também uma grande intérprete e compo- sica produzida em Aracaju que podemos
de produções independentes no Brasil, Furtado, banda Karne Krua, os Forrozei- sitora a Patricia Polayne. falar mais tarde.
resultado da grande crise econômica. O ros Luiz Paulo, Erivaldo de Carira, Batis- Amorosa lança vários discos e se Várias bandas, grupos e artistas
trabalho de Antônio Adolfo e as gravado- ta do Acordeon, Clemilda e seu marido consolida como a maior intérprete da mú- utilizam das novas ferramentas e lan-
ras Lira Paulistana e Som da Gente são os Gerson Filho, Josa o Vaqueiro do Sertão sica sergipana, representando Sergipe em çam seus trabalhos como os grupos Ma-
pioneiros desse movimento. entre outros. É um final de década prodi- diversos festivais nacionais e internacionais. ria Scombona, Naurêa, Sibéria, Alapada,
Em Aracaju, o grupo Cataluzes ga para a musica na cidade, pois o Gover- Nessa década o Ismar Barreto volta Plástico Lunar, Lacertae, Snoze, Grupo
lança o LP “Viagem Cigana”, gravado no nador da época era o Sr. Antônio Carlos de Brasília onde morou por vários anos e Membrana, Lateiros Curupira, Jô Baba
Rio de Janeiro, totalmente independente Valadares músico amador e um apaixona- se transforma em um dos mais requisita- de Boi, Coutto Orquestra, The Baggios
e logo em seguida, em 1985, três artistas do pela música produzida em Aracaju foi dos compositores da cidade, nomes como entre tantas outras e compositores e in-
montam um projeto independente, bus- um grande incentivador, colocando os ar- Amorosa, Guewdolin Thopson, Antônio térpretes como João Ventura, Patricia Po-
cam apoio na iniciativa privada e conse- tistas a participarem de todos os momen- Carlos e Jocafi, Zinho, Domingos en- layne, Alice Nou, Edson João, a Dupla
guem sensibilizar o empresário Luciano tos de festas do governo estadual. tre outros grandes interpretes da música Chiko Queiroga e Antônio Rogério con-
Nascimento, da Cosil Dados, a investir a No final dos anos 80 e início da dé- Brasileira gravaram suas músicas. solida seus trabalhos e se lançam inter-
quantia de 40 milhões de cruzeiros. Gra- cada de 1990 os artistas tiveram que se O Pop Rock influenciado pelas nacionalmente, a banda Calcinha Preta
varam e lançaram o disco Cajueiro dos adaptar ao mercado, aí surgem os artistas bandas dos anos 80 traz diversos nomes se transforma na maior banda de forró
Papagaios. São eles: Irineu Fontes, Lula voltados para a cultura popular, pesqui- para o nosso mercado musical da déca- eletrônico do país, usando ferramentas
Ribeiro e o Paulo Lobo com a produção sando e buscando um novo formato mu- da de 90, Minho San Liver, Banda Ja- de marketing e produção o Rubens lan-
executiva do José Américo Sucupira. sical entre eles: Neu Fontes, Kleber Me- va, Conexão 69 hoje Alapada, Cartel de ça mais dois CDs “Segundas Intenções
Outros artistas lançam discos, lo, Banda Sulanca, Luiz Fontinelis, Ban- Bali, Mosaico, Alex Santana, Henrique e Todas as Tribos. Uma produção fértil
Mingo Santana e Oseas Lopes, Rogério, do de Mulheres, Rubens Lisboa, Patrícia Teles. Paulo Lobo lança seu primeiro que se estende até hoje.
O
U
A minha atração e curiosidade foram imediatas.
Tendo terminado há pouco uma tese sobre Gilberto Gil e
o Tropicalismo, havia o desejo de descobertas a partir das
margens da pesquisa - algo a ver com o imaginário da
contracultura tropicalista nas vizinhas praias baianas de
Arembepe. Hoje, visto de certa distância temporal, des-
confio que tinha aceito o convite para dirigir o jornalis-
mo da Globo no estado, também a continuidade dessas
buscas. Tudo isso estava presente nos textos de Amaral
Cavalcante e Ilma Fontes, dentre outros, sobre uma cena
BE
sergipana de praia, desbunde e criação daquela geração
inquieta que tinha na figura de Joubert o seu centro. O
conhecimento tardio de sua arte fazia pensar na minha
ignorância, cujo reverso é a vontade de aprender. A minha
ida para Sergipe encontrava ali o seu sentido mais pleno.
Chegar numa terra desconhecida para viver e tra-
balhar é algo que provoca muitas sensações: o banzo, o
otimismo, o medo e também o interesse por desvendar o
novo território. Nas primeiras noites solitárias no quarto
de hotel, o livro de Joubert indicava outros mundos para
além do baticum do trio elétrico que animava, nos finais
R
de semana, o trecho da Atalaia ali em frente.
A minha afeição pelo livro era tanto maior porque
algo nele estava incompleto. Se as fotos dos quadros e es-
culturas permitiam vislumbrar a grandeza da arte de Jou-
bert, as cenas dele ao violão, o relato de Gil sobre a com-
posição de “Sarará Miolo” na casa do artista sergipano
- tema de uma conversa minha com o compositor baiano
quando o visitei em Salvador - me enchiam de curiosi-
dade. A música é sempre uma forma de encontro. E me
lembrava dos versos de Caetano Veloso em sua “Aracaju”,
MORAES
ouvida no toca discos que embalava minha adolescência
T
mineira. Aracaju era terra de cajueiro, papagaio e um ata-
lho para o Brasil no Cinema Transcendental de Caetano.
Joubert
Demorou algum tempo até encon- Falávamos das histórias de Caetano, Gil,
trar o atalho para a música de Joubert. João Gilberto, vivenciadas por ele na tran-
Tateei pelas beiradas, precisei entender os quila Aracaju de décadas anteriores. Re-
caminhos do sertão ao litoral, saborear a cebi outro exemplar autografado do livro
moqueca de cação do João do Alho, co- sobre sua obra e retribui com o que escrevi
nhecer a Estância em que Jorge Amado sobre Gil, que ele diz ter gostado de ler.
morou fugindo da perseguição aos co- Ali também tive o prazer de conhecer Il-
munistas no estado novo, me perder na ma Fontes, médica, escritora, atriz, mu-
confusão de aromas e cores do mercado. lher que vivenciou a revolução dos costu-
Mergulhava meu mundo interior nessas mes na província.
referências - que eram também uma es- Estava estabelecida a conexão. Nas
pécie de nostalgia por meu próprio pas- quintas-feiras, dia em que Joubert cantava
sado - enquanto ia me adaptando à nova suas canções em meio a pérolas raras da
cidade, com a sorte de não ser mais um Bossa Nova, dividia o palco com ele em
turista. Com Amaral Cavalcante, poeta e algumas canções. “Não deixe de cantar e
jornalista da mesma cena e geração, apren- tocar”, costumava me dizer. Alguns finais
dia um pouco do contexto em agradáveis de tarde caminhávamos na praia de Ata-
conversas dividindo uma cerveja. laia para um açaí e a observação do mun-
Lembro de alguns encontros com do, deixava-me guiar pelo seu olhar. Os
Joubert Moraes nos shows de grandes artis- assuntos sempre compartilhados pela lem-
tas no Teatro Tobias Barreto. Talvez fosse brança de alguma canção: “Se a juventu-
João Bosco, Ney Matogrosso ou Paulinho de, que essa brisa traz, ficasse aqui comigo
Mosca. Algum pudor ou timidez me impe- mais um pouco...”
diam o contato, embora se estabelecesse ali O CD de Joubert tem sido, desde
o reconhecimento - a partir da vivacidade aquela tarde chuvosa, meu companheiro
de seus olhos ou um breve aceno de quem nas viagens e nos caminhos cotidianos.
comunga dos mesmos universos. A brisa de Atalaia me visita, assim como
Uma dessas noites, ao acaso, estava os ares de beira de rio da Propiá natal
com amigos no Café do Palácio do Museu do artista. O reconhecimento de Joubert
Olímpio Campos, quase vazio, quando tive nas artes plásticas cria falsas divisões,
a oportunidade de, pela primeira vez, con- fazendo crer que a música é um hobby
versar com Joubert Moraes. A prosa correu diante da grandiosidade de suas pintu-
fácil, com a alegria de quem comunga os ras e esculturas. Nada mais falso, Jou-
mesmos interesses, e eles eram musicais. bert é também um grande cancionista.
42 | Cumbuca 2019
poesia
Assuero Cardoso
TRILHA
RUMO
Quando eu passar sem razões
ASSUERO CARDOSO BARBOSA é natural Trace-me em versos o poeta da janela O meu silêncio são dores passadas
Trucidado de tantos amores impossíveis E é inevitável que essa chuva derrube
de Lagarto - SE. Professor, poeta, escritor
E em suas métricas e desalinhos A barreira que tento por sobre as mágoas
e ator, é um dos membros fundadores Faça-me o ritmo da sua vida sem graça. Não desvia os rios, nem enche os açudes.
da Academia Lagartense de Letras e da
Companhia de Teatro Cobras & Lagartos, Quando eu passar sem expressões O curso da minha vida não destrói margens
membro do MAC da Academia Sergipana Dê-me uma face o poeta fracassado Meu barco tem no casco um invisível furo
de Letras e ex-presidente da Filarmônica Dos personagens mais sórdidos Pronto para crescer nessas viagens
De uma poesia sem evidência Meu rumo é para uma cascata no escuro.
Lira Popular. Atualmente exerce a função
Esquecida em rascunho mal elaborado.
de Coordenador da Biblioteca Pública
Meu remo é de um braço quebrado
da sua cidade natal. Publicou sete livros Quando eu passar sem emoções Desprovido de mantê-lo em maiores
de poemas e um de contos e crônicas. E desaparecer na próxima curva cuidados
Participou de várias antologias poéticas e Que eu depare com o poeta da estrada E impedido de construir nova represa.
de concursos literários em Sergipe e em E ele, sem o esforço das metáforas,
Me transforme numa chuva. Meu rumo é o de uma folha morta
outros estados do Brasil, sendo premiado
Que é leve, solta e a ninguém importa
em vários deles. Mas quando eu passar sem intenções Também nada sobre a correnteza.
Entre o marasmo e as rimas
ENDEREÇO
Sem crença na ciência da poesia Do livro TRIBO
Que o leigo das palavras me ensine a ser
Eu, meu habitante,
O sábio que apenas passa, pela vida, todo dia.
Residente a quilômetros de mim
E não muito me encontro,
Do livro NU e NOTURNO
Por hora me alugo.
Saio sempre assim que posso
Para me ver de perto
Nas ruas despejado.
Do livro NU e NOTURNO
2019 Cumbuca | 45
O MAR DE ZEFA PEQUENO DISCURSO DRUMMONDIANO
O mar não cabe nos sonhos de Zefa Com unhas sujas de tempo
Zefa nunca viu o chão azul espumante Eu cavo no raso vão
Deslizando nos seus pés de pústulas e A cova do seu suporte
pedras. Você vem e cavará
Meus sete palmos de morte.
Os sonhos de Zefa, assim feito o mar,
Não cabem no oco da sua cuia Eu levo o peso do chão
Que lava o seu corpo de lama e de lodo. Da leve terra nos pés
Rachados dos sóis no céu
O mar não invade a casa de Zefa Suores não testa fria
Virou o sertão frio de uma profecia Que embebem o meu chapéu.
Na fé de um sonho que voa e se quebra.
Meus cascos assim roídos
O mar é pequeno no mundo de Zefa Calos de muita pressa
Ela o atravessa num salto e no susto Carne morta sobre o nada
Sobre o medo vazio de uma poça d’água. Pedras duras no caminho
De retinas tão fatigadas.
Porque os sonhos de Zefa são ressequidos
Como o mar bruto que vai e que vem Eu travo a minha garganta
Sem nunca tê-la visto ou engolido. Na sua voz que me emperra
No discurso que me engana
Do livro A SAGA DE ZEFA NINGUÉM A urna que me promete
É a mesma que me enterra.
2019 Cumbuca | 49
Jornalistas e colaboradores do Dom Casmurro
Da esquerda para direita: Joel Silveira, Dante Costa, Mário
Martins, Marly Peixoto, Joracy Camargo, Ione Stamato, Brício de Joel como correspondente
Abreu e Sílvio Peixoto na 2ª Guerra
Agachados: Jorge Amado, Danilo Bastos e Franklin de Oliveira
52 | Cumbuca 2019
C
abrunco, Pé na Cova e Ter- na Cova é a personificação da insanidade,
ra Seca aterrorizam o sertão mata e tortura sem qualquer pudor e se
sergipano. Os três lendários diverte com isso. Terra Seca detesta auto-
cangaceiros comandaram um ridades e coronéis, seus atos são extrema-
bando de mais de cinquenta matadores, mente brutais e não se importa em matar
que espalham atrocidades pela região: es- os entes queridos de seus inimigos, sejam
quartejam, lavam de sangue o solo seco e idosos, mulheres ou crianças. Cabrunco
desafiam o poder das forças volantes. é o líder dos cangaceiros, é o arauto do
caos, não está no sertão para combater
Sem entrar no mérito do papel social as injustiças sociais, a pobreza e os co-
do cangaço e dos mitos e verdades sobre ronéis. Ele só tem um objetivo: acabar e
as ações praticadas pelo movimento, dá destruir tudo que está em seu caminho”,
para se dizer que o enredo se assemelha explica Braga Júnior, autor do livro.
às histórias já conhecidas sobre o tema.
Contudo, um outro fator torna o livro “Apesar do escuro, era possível ver
“Trindade do Sertão” inovador: é a pro- suas bocas crescendo, seus dentes afia-
posta de produzir uma literatura de fan- dos, seus olhos amarelados e suas unhas
tasia à brasileira. O capixaba Braga Jú- virando garras.” (p.37)
nior ambientou, não por acaso, a obra em
Canindé de São Francisco-SE, local em Os crimes bárbaros do bando reverbe-
que o bando de Lampião foi emboscado ram em outras regiões. Até que um oficial
e morto em 1938. das Forças Armadas, o tenente Marcus
Alves, é escalado para caçar o bando e
A história é uma fantasia sombria (Dark colocar um fim à matança. Porém logo
Fantasy) em que cangaceiros ganham percebe que o problema não se resolve
poderes sobrenaturais, se transformam “na bala”.
em monstros descomunais e provocam
pânico entre os sertanejos. “Os três can-
gaceiros são representados por três forças
do mal: a loucura, a violência e o caos. Pé
54 | Cumbuca 2017 2017 Cumbuca | 55
O primeiro, Vitória de S. Cipriano sobre
Adrião, o Mágico, de Joaquim Batista de
Senna, foi editado pela Casa dos Horós-
copos, de Juazeiro (CE). O segundo, O
feiticeiro do reino do Monte Branco, de
Minelvino Francisco Silva, publicado
A iniciativa de unir fantasia com ele- pela editora Prelúdio, de São Paulo, apre- tulos com elementos das mitologias nór-
mentos culturais do Brasil não é exata- senta um enredo mais próximo das ver- dica e germânica.
mente inédita, mas na prosa é bem pouco sões tradicionais. Recentemente, a Tu-
frequente, e gradativamente vai ganhan- pynanquim Editora, de Fortaleza, lançou Braga Júnior se encantou com o uni-
do corpo, sobretudo em pequenas edito- “Duelo de bruxos ou o pombo e o gavião”, verso do cordel há alguns anos, e acabou
ras ou em produções independentes. O plementou o escritor. de Autoria do lendário Bule-Bule. O mo- se alimentando dessa referência cultural
gênero é um dos mais consumidos entre tivo da disputa final foi reaproveitado no para criar, de forma mais fidedigna, sua
os leitores brasileiros. Porém, as refe- O cordel e o gênero fantasia desenho animado em longa-metragem fantasia que se passa em pleno sertão.
rências são histórias passadas em terras dos Estúdios Disney “A espada era a lei”
Se os elementos da cultura popular bra- (EUA, 1964, de Wolfgang Reitherman), “Mesmo não usando dessa fonte mara-
desconhecidas, eras distantes, reunindo sileira foram pouco explorados em prosa no duelo mágico entre o Mago Merlin e vilhosa de escrita, que é a poesia popular,
como personagens reis, magos, hobbits, no gênero fantasia, em versos o fenôme- a Madame Min”, explicou o cordelista e faz parte do meu aprendizado para de-
elfos, orcs, bruxos e feiticeiros.“O gran- no é abundante. O cordel é pródigo em pesquisador do folclore brasileiro, Marco senvolver mais histórias baseadas nesse
de objetivo da obra é mostrar para o leitor criar reinos no sertão, levar cangaceiros Haurélio. universo que mistura o cangaço com a
de fantasia, considerado um dos públicos para o inferno e até para o espaço, mon- fantasia sombria, como foi em ‘Trindade
mais exigentes, que podemos criar bons tado em um jumento, como no título “O O gênero fantasia sempre mexeu com do Sertão’. A cada item que leio, encan-
contos utilizando importantes passagens cangaceiro do futuro e o jumento espa- o imaginário popular, justamente por isso to-me mais, pois num mesmo livro você
da história do Brasil, aliada à cultura e cial”, de Klévisson Viana. Na verdade, os serviu de inspiração para poetas de várias pode viajar na fantasia, na rima, no hu-
folclore variado do nosso povo. autores clássicos do cordel, muitas vezes, gerações comporem verdadeiras obras mor, no folclore, na ficção, nas citações
Não consigo imaginar uma beberam da mesma fonte de escritores -primas na literatura de cordel, muitas a Lampião, na adoração a São Francisco
obra de fan- tasia mais bra- que criaram best-sellers do gênero, como vezes misturando elementos do folclore e a ‘Padim Ciço’. Além de apreciar as xi-
sileira do que J. R. R. Tolkien (O Hobbit e Senhor dos brasileiro com a cultura de outros povos. logravuras. Como não desfrutar de tama-
‘Trindade do Anéis) e JK Rowling (Harry Potter). “No Começou com Leandro Gomes de Bar- nha riqueza cultural”?
Sertão’: canga- fundo, as referências que alimentaram os ros em Juvenal e o Dragão, com o motivo
ceiros, folclore, autores de Harry Potter e O Senhor dos arquetípico do vencedor de dragões, que
período histórico Anéis são muito próximas das referências deriva do mito Perseu. Há muitos outros
importante e per- dos autores de nosso cordel, pelo menos exemplos, como João Terrível e o Dragão
sonagens de várias daqueles cultores do gênero romance, Vermelho, de Antônio Alves da Silva e
partes do país. O ou seja, do cordel narrativo. Os duelos João Acaba-Mundo e a Serpente Negra,
sertão che- mágicos do Harry Potter, por exemplo, e mais recentemente foram publicados
gou na Fan- se baseiam num conto-tipo chamado O Donnar, o matador de dragões, de Rouxi-
tasia para aprendiz de feiticeiro. Pelo menos três nol do Rinaré e o próprio Marco Haurélio
ficar”, com- folhetos de cordel recontam essa história. escreveu O Cavaleiro de Prata, os dois tí-
P
3.
ascoal Carlos Magno foi o tura que tinha como titular o Prof. Rabelo Aglaé Fontes e Alencar Filho. Entre os Maugham.
maior agente cultural do Bra- Leite. Na revista “Senhor”, Paulo Francis atores estavam João Augusto Gama fa-
sil no século XX. Embaixador, dava um ar cosmopolita ao país. zendo Lampião, Zelita Correia fazendo Com o fim do
escritor, culto, no governo de Maria Bonita e Chico Varela o Turco. “Centro Popu-
Juscelino Kubitschek foi encarregado de Brasília fora inaugurada em abril de lar de Cultura
dinamizar a cultura brasileira, descobrin- 1960. No governo de João Goulart, Pas- Inquieto e apaixonado por teatro, Pas- de Sergipe”,
do novos talentos. É o período de ouro coal foi nomeado secretário do “Conse- coal Carlos Magno criou o “Festival Chico Va-
do teatro brasileiro quando surgem Paulo lho Nacional de Cultura”, criando, logo Nacional do Teatro Amador”, na déca- rela e eu
Autran, Maria Della Costa, Tônia Carre- em seguida, a “Caravana da Cultura”. da de 1960 e, simultaneamente, criou o migra-
ro, o italiano Adolfo Celi, depois famoso “Festival Regional do Teatro Amador”. mos para o
A ideia de Pascoal era levar o ambiente O Festival Nacional acontecia nos anos TECA (Teatro
internacionalmente na franquia James
cultural e artístico do Rio de Janeiro e São pares e os Regionais nos anos ímpares. da Cultura Artísti-
Bond. Na música temos o aparecimento
Paulo para o resto do país. A Caravana da Os ganhadores dos regionais disputavam ca) do professor João
da “bossa nova” de João Gilberto. No ci-
Cultura percorreu diversos estados brasi- no Rio de Janeiro o Nacional, sempre no Costa. João Costa tinha al-
nema, “O Pagador de Promessa”, de An-
leiros. Esteve no Rio de Janeiro, Minas mês de janeiro. Houve seis edições do gumas peças excelentes. Duas
selmo Duarte e o Cinema Novo de Glau-
Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas. Eram Nacional. A última, em 1968. O regime chamaram a minha atenção e a de
ber Rocha. O movimento editorial era
256 artistas, artesãos, escritores fazendo militar acabou com os festivais. Chico Varela: “Três do dez de mil no-
intenso, a editora Civilização Brasileira
teatro, dança, música e oficinas. Havia vecentos e tanto” e “Recital sem Opus”.
de Ênio Silveira liderando. Jean Paul
muito debate. Nas cidades onde a Cara- Com o golpe militar de 1964, a UNE Descartamos a primeira: ótimo texto, o
Sartre circulava no Brasil e no Nordes-
vana parava era uma festa. Em Aracaju, (União Nacional dos Estudantes), as cenário era uma seção eleitoral, mas uma
te. O Brasil tinha pressa. Era preci-
a Caravana ficou uma semana na Praça UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes crítica ácida ao processo eleitoral. Válida
so estudar, debater. O método
Fausto Cardoso. O ano era 1963 e o go- e os CPCs (Centros Populares de Cultu- em condições normais da vida brasileira,
Paulo Freire de alfabeti-
verno Seixas Dórea. ra) foram fechados e colocados na ilega- mas poderia parecer uma concordância
zação estava sen-
lidade. com o regime militar que não fazia elei-
do implan- Em Sergipe, a UEES, União Estadual
tado em ções. Quando fazia eram cartas marca-
dos Estudantes de Sergipe, sob a presi- João Costa era apaixonado por teatro.
Sergipe, das, ou eleições indiretas para presidente
dência de Alexandre Diniz, criou o CPC, Culto e estudioso, sem vínculos parti-
pelo go- e governador. Os prefeitos das capitais
”Centro Popular de Cultura”, que ence- dários, era o presidente da SCAS (So-
verno Sei- eram nomeados. Mas isso já é outra his-
nou peças, esquetes e poesias por todo o ciedade de Cultura Artística de Sergipe)
xas Dórea, tória.
estado. A última peça foi a “Derradeira sucedendo a José Carlos Teixeira eleito
através da sua Ceia” de Luiz Marinho, dirigida por Wil- deputado federal em 1962. João Costa Trabalhamos intensamente na monta-
Secretaria de son Maux, paraibano de Campina Gran- montara diversas peças de teatro com gem de “Recital sem Opus”. Luiz Anto-
Educação e Cul- de, inicialmente trazido para Sergipe por sucesso, inclusive “Chuva“ de Somerset nio Barreto foi o encarregado da música.
1.
5.
E
m duzentos e a população mais que triplicara (idem, savam a ter tanta importância quanto a
vinte anos as de tragédias acontecidas desde 1755 na ibidem, pg 43) e a capitania que já fora economia primária.
paisagens e o capital do Reino de Portugal, cujo paro- podada das vilas de Abadia e Itapicurú,
ostentava 72.236 habitantes. Nas terras milenarmente ocupadas pe-
clima terão mudado xismo foi o terremoto de Lisboa; o fato
los tupinambás, entre os rios Cotinguiba
muito pouco, se abs- político da expulsão dos jesuítas do Bra-
Desse enorme crescimento populacio- e Sergipe, ao Sul; tendo, ao Norte o rio
trairmos a intervenção sil em 1767; a devassa em Minas Gerais,
nal o caso mais relevante foi o da Vila de Japaratuba, vivia o Cacique Sirirí, senhor
humana na geografia, tendo como pano de fundo a agitação
Santo Amaro das Brotas, na Região do também da Aldeia de Maruim referida
cuja configuração revolucionária na França em 1789 e o
Rio Cotinguiba, que saltara dos 1.013 ha- por Aires do Casal. Esses índios deixa-
original, porém, só movimento de independência americano
bitantes de 1775 para os 8.128 contados ram sua marca nos olhos esgazeados dos
pode ser imaginada. do Norte em 1776; deram na consequên-
em 1808. maruinenses, que preservaram essas ca-
cia econômica do empobrecimento da
O cenário da racterísticas da tez morena e dos cabelos
Colônia que impôs a cobrança de con- O Barão de Maruim nasceu, portanto,
epopeia sergipa- escorridos que se repetem por sucessivas
tribuição vultosa e recrutamento militar no lugar de maior progresso e na época
na quando de seu gerações e distinguem o povo daquela re-
compulsório pelo Governo colonial na de mais intenso enriquecimento dos se-
maior desenvol- gião dos demais das redondezas onde o
Capitania de Sergipe. nhores da terra que ampliavam o plantio
vimento econô- branco europeu – mais ao norte e para o
da cana e modernizavam a produção do sertão – e o negro e o mulato da civili-
mico em todos Em 1808, todavia, a fuga da Corte Por-
açúcar que passou a ser o produto mais zação do massapê, diferem dos mesopo-
os tempos, real- tuguesa da invasão napoleônica e o esta-
valorizado da pauta da indústria sergipa- tâmicos ocupantes daquele emaranhado
ça na formidá- belecimento da estrutura governamental
na. de rios, riachos, lamaçais e brejos que
vel expansão de Portugal na Colônia, agora elevada
demográfica a reino unido, deflagraram novo ânimo propiciam a sobrevivência e dificultam
Essa sintonia de espaço e tempo histó-
nos poucos nos sergipanos, como que despertados a movimentação com uma população que
ricos foi determinante para a formação
mais de da letargia bicentenária e da carência de se empoleirou nos altos, mas colhe nos
pessoal do maior sergipano do Século
trinta anos instrumentos de produção e até de mão- vales e nos apicuns a proteína dos ma-
XIX, cujas ações e empreendimentos
vividos en- de-obra. riscos e os carboidratos da mandioca que
definiram a própria feição de Sergipe na
tre 1775 e compõem a riquíssima dieta dos viven-
mudança veloz que se operou em pouco
1808. O censo de 1775, que incluía as vilas de tes.
mais de cem anos, transformando o povo
Abadia e de Nossa Senhora do Monte de
de vivência marcadamente agro-pastoril Exemplo dessa fartura e prestimosida-
Naquele ano a sucessão Itapicurú da Praia, indicava que Sergipe
Google Earth
EMMANUEL FRANCO, in “O Clã do Engenho Porteiras”, Revista da Academia Sergipana de Letras, nº 32, pgs. 293/328.
1