Você está na página 1de 153

RICO PRODUÇÕES ARTÍSTICAS

2019
NÃO INCLUI MANUAL DE INSTRUÇÕES
– T.S. RODRIGUEZ
© 2018 T.S. Rodriguez
Todos os direitos reservados

1ª Edição – Rico Editora


Brasília – Janeiro de 2019
ISBN: 978-85-94410-43-6

Editora responsável: Thati Machado


Editora chefe: Janaina Rico
Capa e diagramação: Thati Machado
Revisão: Equipe Editorial
Ilustração: Ítalo Natã

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)


Rodriguez, T.S.
Não inclui manual de instruções / T.S. Rodriguez -- 1ª ed. – Brasília, Brasil
ISBN: 978-85-94410-43-6
1.Literatura brasileira. 2. Literatura infantojuvenil I.Título.

CDD – B869

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência. Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios — tangível ou intangível — sem o consentimento por escrito da editora.
A consciência de amar e ser amado traz um conforto e riqueza
à vida que nada mais consegue trazer. (Oscar Wilde)
— Lugar legal, você não acha? — Niall dirigiu-se à esposa depois de
dar um grande gole de seu copo cheio de Guinnes.
— Acho sim, amor — Gemma e o marido estavam no centro-norte da
cidade, sentados em uma das mesas do Red Twins, um típico pub irlandês de
estilo rústico que era muito popular.
Gemma adorava a noite de Dublin. Havia magia naquela cidade, como
se ela pairasse no ar e pudesse ser respirada. Assim eram os irlandeses,
inspiravam magia e expiravam sonhos que se tornavam livros, arte e é claro,
música.
O lugar estava lotado, turistas na grande maioria. Alguns ocupavam as
mesas e muitos estavam em pé próximos ao bar onde os empregados
trabalhavam em um ritmo frenético servindo cerveja e uísque.
No canto esquerdo, em uma das mesas, um grupo de jovens tocava
Trad, a música tradicional da Irlanda com a confiança de quem está
acostumado a fazer algo com frequência e o som dos instrumentos preenchia
o ambiente. Violinos, gaitas, bodhran[1]. Um por um, os tão familiares sons
entravam nos ouvidos de Gemma e a faziam sentir-se em casa.
Observou a dois rapazes na mesa ao lado por alguns minutos. Não
paravam de trocar olhares apaixonados. Pensou na emoção de encontrar um
par compatível, na curiosidade de saber o que um futuro ao lado dessa pessoa
reservava.
Também pensou em Conor, seu único filho. O ser mais lindo, talentoso
e incrível do mundo, embora fosse suspeita para falar.
Apesar da dificuldade de se relacionar, desde muito cedo perceberam
que Conor era homossexual. Na época do colégio, ele não tinha amigos, mas
no momento em que começou a demostrar interesse pela sexualidade, ficou
claro que tinha preferência por meninos.
Não que fosse um problema. Tinha muito orgulho do filho em todos os
sentidos. Ele era um homem brilhante. Enfrentava os desafios impostos pela
vida como um guerreiro. Claro que qualquer mãe tinha razões para se sentir
orgulhosa de seus filhos, mas Gemma sabia que suas razões eram fortes.
Embora os problemas de relacionamento de Conor tivessem melhorado
muito com os anos, ele ainda se recusava a enfrentar as dificuldades de um
romance. Era como se acreditasse que tanto trabalho não valia a pena e,
então, não fazia nenhum esforço para encontrar um par. O que, para Gemma,
era decepcionante. Se apaixonar era emocionante, excitante. Lindo! Ela
queria que seu filho sentisse isso. Que não perdesse a oportunidade de
experimentar algo tão maravilhoso que, para ela, era uma parte importante da
vida. Tanto quanto comer, dormir. Até respirar! Como alguém poderia viver
sem aquelas coisas? Como alguém poderia viver sem amar?
Whiskey in The Jar [2] começou a soar. Os músicos esbanjavam talento.
Todos os presentes se moviam com o ritmo da música como em um
encantamento. A energia vibrante da melodia emanava e se espalhava por
todo pedacinho do lugar contagiando às pessoas que dançavam e batiam
palmas, entusiasmadas. Os irlandeses conheciam a letra de cor e salteado.
Cantavam ao ritmo dos violinos e bodhrans levantando seus copos.
— Eles não são bons? — perguntou de forma retórica ao marido em
meio a todo o ruído.
— Ótimos! — Niall batia palmas.

Já passava das onze e meia e era hora do pub fechar. O grupo havia
encerrado sua apresentação e os garotos guardavam os instrumentos.
— Olá — Gema aproximou-se com um Niall sorridente logo atrás. —
Primeiramente, deixem-me dizer que vocês deram um belo show. Não é,
querido?
— Foi muito bom mesmo.
— Muito obrigado — o garoto que tocava bodhran sorriu. Parecia ter
uns dezoito anos.
— Gostaríamos de saber se vocês se apresentam em outros lugares.
— Às vezes. Podem perguntar ao meu amigo. Ei! Aidan! — o
violinista veio correndo do bar segurando um copo com uísque. — Esse casal
quer falar com você.
— Olá — cumprimentou Aidan. Ele tinha um lindo sorriso. O tipo de
pessoa que sorri com o rosto inteiro. Estendeu a mão para Gemma. — Sou
Aidan.
— Oi, Aidan. Meu nome é Gemma e esse é meu marido, Niall.
— O que posso fazer por vocês? — foi o que disse depois de
cumprimentá-los. Falava com um forte sotaque do interior.
— Acontece que daremos uma festa no sábado. É o nosso aniversário
de casamento e bem, não fazemos trinta anos de casados todos os dias.
Pensamos que seria interessante se vocês pudessem tocar na festa. Eu vi
como todos estavam se divertindo e é assim que queremos que se divirtam no
nosso aniversário. Não é, amor?
— É sim.
— Enfim, foi uma ideia de momento.
— Fico muito lisonjeado, mas a verdade é que só tocamos porque
gostamos de música. Nenhum de nós é profissional — Aidan comentou um
pouco sem jeito.
— Eu não ligo para detalhes! Quero muito contratá-los. Não importa o
quanto cobrem.
— Na verdade, importa um pouquinho — Niall resmungou com um
sorriso amarelo no rosto.
— Acho que pode ser — foi a vez de Aidan. — Por que não me deixam
conversar com os rapazes e ligo pra vocês para acertar os detalhes?
— Ótimo! — Enquanto conversava com Aidan, Gemma pôde ver pelo
canto do olho o casalzinho da mesa ao lado deixando o pub. Será que algum
dia Conor olharia para alguém daquela forma?
Difícil. Conor sequer olhava para as pessoas!

— Você viu aqueles garotos ontem?


— Quais garotos, meu amor?
— Os da mesa ao lado da nossa.
— Acho que não.
Estavam na sala de sua casa. Gemma bebericava de uma xícara de chá
e Niall lia o jornal distraidamente.
— Pareciam tão apaixonados que eu me peguei pensando em como
seria se Conor tivesse alguém.
— Suponho que isso acontecerá em algum momento — sem tirar os
olhos do jornal, Niall não demonstrou interesse na pergunta.
— Você acha?
— Mas é claro — ele colocou o jornal de lado e se levantou. Serviu-se
uma dose de uísque Bushmills, sentou no sofá e ligou a televisão.
Gemma sempre ficava admirada com a capacidade dos homens de
ignorar assuntos importantes.
Aproveitando a distração do marido, foi ao escritório que ficava ao lado
da sala e se sentou em frente ao computador. Acessou o Google e digitou
“homossexualidade” no quadro de busca.
Uma série de sites apareceu na tela, a maioria deles explicava que a
homossexualidade significava sentir-se sexualmente atraído por pessoas do
próprio gênero. — Eu já sei disso. — Resmungou aborrecida.
Voltou ao quadro de busca e dessa vez digitou “homem gay”. Outra
série de sites apareceu depois de alguns segundos, mas esses eram diferentes.
O primeiro se chamava “Amor Gay”. Abriu a página por curiosidade e
percebeu que aquele era um site de relacionamentos que pedia ao usuário que
fizesse o registro para abrir uma conta e encontrar seu par ideal. Havia várias
fotos de casais sorridentes indicando que o site os havia ajudado a encontrar o
amor. Considerou por alguns segundos se algo do tipo funcionaria com o
Conor... E logo descartou a ideia. — A quem estou enganando?
Fechou o laptop e voltou para a sala mais desanimada que nunca. Niall
seguia concentrado na TV. Estava assistindo a um documental sobre a
Segunda Guerra.
— Niall? Quando nos conhecemos, você sentiu desde o início que eu
era a mulher pra você?
O marido assentiu.
— Senti sim. Soube que você era a mulher da minha vida a primeira
vez que te vi — abriu um sorriso para acompanhar às palavras.
— E estava certo. Isso significa que o amor verdadeiro existe. Talvez
algumas pessoas não tenham a sorte de encontrá-lo. Mas ele está por aí em
algum lugar. Você não acha?
— Acho.
— Sim. O amor verdadeiro existe — ela disse, mais para si mesma. —
Há uma pessoa certa para todos. Até para o nosso filho.
O cabelo de Conor se tornara apenas uma moldura branca ao redor de
um rosto pálido e enrugado. O corpo ossudo movia-se de forma lenta com as
costas curvadas que pareciam carregar todo o peso do mundo.
Uma aura de solidão pairava ao seu redor enquanto caminhava pela
casa sombria. O silêncio da construção tinha cor e era cinza.
— Venham crianças, é hora de comer! — o velho Conor gritou. Sua
voz soava como o canto de um corvo anunciando o fim da vida.
Gatos começaram a parecer de todos os lados. Debaixo do sofá, detrás
das cortinas. Gatos de todas as cores e tamanhos reuniam-se ao redor de
Conor esperando por sua refeição. Centenas deles.
NÃO!
Gemma acordou. Respirava forte tentando recuperar o fôlego. Acendeu
a luz do abajur e olhou o relógio. Eram três e vinte da manhã. Niall dormia
um sono pesado ao seu lado.
Saiu da cama e caminhou na ponta dos pés até o banheiro. Lavou o
rosto com água fria e olhou para sua própria imagem no espelho.
Todos sempre diziam que ela aparentava ser mais jovem do que
realmente era já que possuía um rosto infantil e delicado e um corpo
pequeno. O cabelo louro estava solto e os cachos escorriam por seus ombros.
Ela ainda se sentia abrumada pela angústia que o sonho havia causado,
mas não era apenas isso; era também o que ela finamente havia podido
entender. Tudo o que antes não a preocupava e de repente a atingiu em cheio
como um soco na cara. Saiu do banheiro decidida a não ser assombrada pelo
fantasma de um Conor triste e solitário. Não mesmo!
Deixou o quarto sem fazer nenhum ruído e caminhou no escuro em
direção ao escritório.
Acendeu a luz e deu uma boa olhada na estante. Lá estava toda a
coleção de livros do filho. Ele lançou seu primeiro best-seller com apenas
dezoito anos e continuou escrevendo pelo menos dois livros por ano desde
então. Retirou todos da prateleira e os depositou no chão, ela já os havia lido
várias vezes. Costumava folheá-los sentindo um imenso orgulho da
criatividade de seu menino. Porém, naquele momento havia algo que ela
precisava encontrar.
Sempre acudia aos livros do Conor quando necessitava informação. O
jovem falava muito pouco sobre seus sentimentos e suas obras eram o lugar
onde ele se expressava. O lugar onde não tinha problema em falar sobre seus
medos, angústias e desejos. Ele usava personagens fictícios para isso porque
considerava mais fácil falar através deles. Gemma entendia a linguagem do
filho.

— Mas o quê você está fazendo? — quis saber Niall parado na porta do
escritório, lançando um olhar curioso.
— Estou analisando os livros do Conor.
— Analisando? — ele coçou a cabeça, confuso. — Há quanto tempo
você está aqui?
— Que horas são?
— Sete.
— Nossa! As horas passaram tão rápido!
— As horas? Isso quer dizer que você está aqui há horas?
Ele entrou no escritório esfregando os olhos inchados de sono. O
cabelo grisalho estava amassado pelo travesseiro e o corpo magro caminhava
pesado.
— Precisava fazer isso. Eu me recuso a permitir que meu filho se torne
um velho solitário em uma casa cheia de gatos.
Niall franziu a testa.
— Gatos? Querida, Conor é alérgico a gatos.
— Você sabe o que quero dizer. Não posso simplesmente aceitar que
Conor se conforme com uma vida solitária. Se ele não se casar, o que será
dele quando nós dois já não estivermos neste mundo?
— Bem, eu prefiro pensar que nós ainda temos alguns anos pela frente.
Escute — aproximou-se. — Você precisa considerar que o nosso filho vive
no século vinte e um. As coisas eram diferentes para a nossa geração. Os
jovens de hoje vivem de outra maneira. Eles se casam cada vez mais tarde e
alguns nem se casam. Conor vai estar bem.
— O problema é que o nosso filho é... Diferente. Ele tem de se casar
porque precisa de alguém ao seu lado. Alguém com quem compartir
experiências. Uma pessoa que o ame e o entenda... Sabe, eu comecei a refletir
sobre muitas coisas e isso é como aquela vez em que ele chorou porque
estava com medo de nadar então nós dois tomamos suas mãos e o levamos ao
mar e ele adorou. Você lembra?
— É claro que lembro.
— Então! Isso é o que ele precisa. Alguém que tome a mão dele e o
faça se sentir corajoso. E não é que eu não esteja ciente de que qualquer
pessoa que se apaixone pelo Conor vai enfrentar um grande desafio. Porque
eu estou. Sejamos honestos, ele não vem com um manual de instruções.
— Não mesmo.
— Mas ele precisa disso, Niall. Sei que precisa.
— Então espere. Quando Conor decidir que é o momento certo de ter
um relacionamento, vai ter. Depende dele. Não há nada que você possa fazer.
— É aí que você se engana — Gemma anunciou levantando do chão.
— Descobri por qual tipo de homens Conor se sente atraído então eu...
— Você o quê?!
— Foi muito fácil — mostrou a folha com todas as suas anotações. —
Veja só, o Cillian O’Brien do Partida de Xadrez, por exemplo. Ele é o
personagem de mais destaque, certo? Bem, ele é muito alegre, extrovertido e
gosta de estar cercado de pessoas.
— Cillian não é o assassino?
— É, mas isso não vem ao caso — devolveu fazendo um gesto
impaciente com as mãos. — Todos os personagens de mais destaque em
todos os livros têm essas mesmas características. Além disso, todos os
personagens que Conor descreve como “atraente” ou “sedutor” e até mesmo
“carismático”, são ruivos. Você está entendendo?
— Claro que sim. É muito simples. Você está maluca!
— Ai Niall! — Deixou os ombros caírem — veja, as características
principais dos homens que Conor considera interessantes são: alegre,
extrovertido, gosta de estar cercado de pessoas, possui algum tipo de talento
artístico e é ruivo — fez uma pequena pausa dramática. — Esse é o homem
por quem Conor vai se apaixonar e eu vou encontrá-lo.
— Você vai?
— Vou — anunciou levantando o queixo para dar mais ênfase ao
objetivo. — Uma vez que o encontre, só precisará de um empurrãozinho.
Decidiu continuar a defender seu caso após ver a cara de incrédulo do
marido.
— Niall, preste atenção. Se eu não fizer alguma coisa, talvez o nosso
filho nunca acredite que é o “momento certo de ter um relacionamento”. Sou
a mãe dele e sei do que precisa. E o que o Conor necessita é se apaixonar
perdidamente! Escreva o que digo. Encontrarei a alma gêmea dele e vai ser
maravilhoso e lindo e complicado e confuso e emocionante; tudo o que uma
relação deve ser e Conor vai viver todas essas coisas porque vou fazer com
que aconteça!
Niall respirou fundo.
— Podemos tomar café da manhã antes?
Conor estava sentado na sala de espera do consultório do Doutor Eoin
Murphy com um exemplar de O Retrato de Dorian Gray aberto na sua cena
favorita.
— Oi, Conor! — ouviu o psicólogo dizer.
— Olá, Eoin — retirou a atenção do livro.
— Pode vir. Já estou pronto para você
Entrou no consultório e sentou na cadeira da direita, seu lugar de
costume. Estar lá sempre o acalmava. Tudo ficava alinhado e os móveis
tinham as mesmas proporções. Achava que as pessoas não davam a devida
importância a isso. Sentou com as costas retas (alguém que trabalhava
sentado e passava a maior parte do dia naquela posição, tinha de saber a
maneira correta de sentar) e depositou seu precioso livro nas pernas.
— Quantas vezes você leu esse livro?
— Trinta e duas.
Eoin se sentou em frente a ele. — E você não se cansa?
— Não. Gosto de reler meus livros favoritos. Você sabe.
— Sim, claro. E então? Como foi a sua semana?
— Foi uma boa semana. Comecei a escrever uma peça de teatro.
— É mesmo? Isso é ótimo!
— Sim. Você me aconselhou a fazer algo diferente e é o que estou
fazendo. Nunca havia escrito uma peça.
— E como vai com os exercícios que planejamos semana passada?
— Eu diria que o resultado é satisfatório.
— E isso quer dizer...?
Conor pensou por alguns segundos — Quer dizer que eu não
necessariamente cumpri com todos os requisitos, mas aprendi muito no
processo.
— Você ouviu a Quinta Sinfonia de Beethoven em um dia que não
fosse quinta-feira?
— Não. Eu tentei.
— Conor!
— Sempre ouço a Quinta Sinfonia na quinta-feira — justificou.— Mas
comi espaguete com molho de tomate na segunda. Você sabe que eu não
como nada vermelho na segunda.
— É mesmo? Conte-me mais sobre isso.
— Bem, na realidade eu preparei o molho de tomate. Terminei
comendo somente o espaguete. Mas o preparei. E tentei comê-lo.
Eoin balançou a cabeça de um lado para outro o que Conor sabia, era
um sinal negativo.
— O objetivo desses exercícios é tentar abandonar o seu
comportamento compulsivo, já que ele não ajuda em nada.
— Eu discordo. Meu estilo de vida me faz sentir confortável.
— Só que não estamos falando de apenas um estilo de vida, não é
mesmo? É muito mais que isso. Você já tem vinte e cinco anos e precisa
perder os velhos hábitos.
Conor não disse nada. Não fazia sentido, considerando que ele e Eoin
jamais estiveram de acordo.
— Responda-me algo: qual é o nome da minha recepcionista?
Ele não tinha ideia. Sempre chegava, se sentava e lia enquanto esperava
que Eoin o chamasse. Nunca havia perguntado o nome da funcionária. Sequer
havia prestado atenção nela.
— Não acredito que isso tenha alguma relevância — foi sua resposta.
— Nós já falamos sobre isso. Esconder-se dentro de casa, na
comodidade dos seus hábitos é mais fácil, sim, mas não é o ideal. Você tem
que conversar com as pessoas.
— Seria mais fácil se você não trocasse de recepcionista com tanta
frequência — queixou-se.
— A Abby, que a propósito é o nome dela, trabalha aqui há cinco anos
— Eoin aclarou. — Em nenhum momento desses cinco anos, pareceu uma
boa ideia perguntar o nome dela?
Conor não respondeu. Limitou-se a estalar os dedos um por um.
— Faça-me um favor. Sim? Da próxima vez que alguém se aproximar
de você e disser oi, converse com essa pessoa.
O jardim na parte detrás da casa estava todo adornado com luzes
coloridas. Aquilo era trabalho de Niall. Ele também havia disposto algumas
mesas que Gemma cobriu com toalhas brancas e um lindo arranjo de flores
no centro.
Uma delas havia sido reservada para os músicos e o grupo de Aidan
tocava baladas irlandesas fazendo com que o lugar parecesse o mundo
encantado das fadas. A temperatura estava amena e o céu brilhava; algo
atípico de Dublin, conhecida por seu clima ruim.
Os amigos mais próximos e familiares estavam lá para celebrar com ela
e o marido, seus trinta anos de casados e Gemma não conseguia parar de
pensar em como o tempo passava rápido. Niall continuava sendo tão bonito
quanto quando eles se conheceram. Ele estava conversando com um dos
vizinhos. Seus olhares se encontraram e ele sorriu. Pediu licença ao amigo e
caminhou até ela.
— Oi, boneca. Você tem namorado? Porque eu adoraria te levar pra
jantar.
— Sabe, da última vez que você me disse isso, terminei grávida e
tivemos de nos casar.
— Então ainda bem que eu disse.
Ele a beijou profundamente e Gemma sentiu o mesmo amor que vinha
sentindo todos aqueles anos. Niall era o homem de sua vida e mesmo depois
de tudo, mesmo durante todas as dificuldades que enfrentaram, ela nunca teve
nenhuma dúvida.
— Acho que vou dizer aos rapazes que façam uma pausa para comer e
descansar um pouco. Por que você não checa se todos os convidados estão
bem?
— Sim, senhora.
Aproximava-se dos músicos quando teve um vislumbre de Conor na
cozinha. Segundos depois, ele apareceu no jardim. A avistou e caminhou em
direção a ela.
Seu cabelo loiro estava impecavelmente penteado como sempre,
representava um símbolo da rigidez dele com a higiene e a aparência. Sempre
havia sido alto e esguio como o pai e as pernas longas caminhavam pelo
gramado com a leveza de uma gazela. Vestia calças pretas e o suéter marrom
que ela lhe deu de presente de Natal.
— Mas que sorte a minha! O homem mais lindo do mundo está na
minha casa.
— Eu certamente não sou o homem mais lindo do mundo, mamãe — o
semblante dele mostrava desconforto. Conor não suportava o ruído e gostava
menos ainda do acúmulo de pessoas.
— Pois pra mim, você é.
Ele se distraiu por alguns segundos com a música. Aquela, afinal,
sempre havia sido a segunda paixão dele. Logo depois da literatura.
— São ótimos, não são? — Gemma puxou assunto.
— Sim. São muito bons. Você não disse que haveria música.
— Foi uma decisão de última hora. Por que não vai dizer olá para a sua
avó? Ela está logo ali.
Maeve estava em uma das mesas com uma garrafa de Guinness na mão.
Uma cena bastante usual. Conor foi até ela e no caminho cumprimentou
alguns dos convidados timidamente.
Gemma o admirava por isso. Sabia como era difícil para ele estar em
meio a tantas pessoas e ainda assim, fazia um grande esforço para ser gentil e
educado. Claro que, por mais esforço que fizesse, sempre passava a
impressão de não pertencer ao lugar em que estava. Como uma peça de
quebra-cabeça que não se encaixava.
O observou conversar com a avó por alguns minutos e depois escapulir
sorrateiro para dentro da casa. Durou pouco, mas pelo menos ele estava ali.
Os garotos terminaram uma canção e ela aproveitou a chance para se
aproximar.
— Vocês estão indo muito bem, meninos.
— Obrigado, senhora Healy. — Kevin era o mais jovem. Tinha cabelo
escuro e aparelho nos dentes. Umas duas vezes, havia tentado colocar as
mãos em uma garrafa de cerveja e foi severamente repreendido por Aidan, o
mais velho e responsável por todos.
— Por que vocês não fazem uma pausa? Devem estar morrendo de
fome.
Os garotos largaram os instrumentos e foram correndo procurar
comida. Exceto Kevin, que preferiu ir direto para a mesa onde as filhas de
uma amiga estavam sentadas.
Aidan ficou e se dedicou a organizar os instrumentos que seus
companheiros haviam deixado de qualquer jeito na mesa.
— Você não está com fome?
— Obrigado, senhora Healy. Estou bem — lançou a Gemma um de
seus deslumbrantes sorrisos. — É uma ótima festa. Um sucesso.
— Sim, devo isso a vocês. Fico feliz que tenham podido vir. Sei que foi
meio em cima da hora.
— Não, eu é que fico feliz por participar de algo assim. Acho bonito
ver um casal que continua feliz depois de trinta anos. Não é muito comum
hoje em dia.
— Você está certo. Temos muita sorte.
— Na verdade, há algo engraçado... É que vocês me lembram a um
casal de uns livros que eu gosto... Esqueça, é besteira minha — apenas fez
um gesto com as mãos.
— Você está falando dos Plunkett?
Gemma não ficou surpresa. Aquilo acontecia o tempo todo. Os Plunkett
eram os personagens icônicos dos livros do Conor. Um casal de meia idade,
composto por uma mulher divertida e curiosa e um homem gentil e
aventureiro que sempre terminavam por revelar a identidade do assassino.
— Sim! Exatamente — Aidan respondeu, surpreso.
— Sabe, eles foram baseados em nós. Meu marido e eu somos os
Plunkett.
— Como assim?... Espere um pouco! Seu sobrenome é Healy! —
Aidan bateu a mão na testa repreendendo a si mesmo por não haver percebido
antes.
— Conor Healy é o meu filho — disse Gemma exalando orgulho.
— Puxa! Eu não tinha ideia. Que tonto!
— Eu adoraria que você o conhecesse, mas infelizmente, ele não está
aqui.
— Ele não veio?
— Ah não, eu quis dizer que ele não está aqui fora. Escapou para
dentro da casa e agora será impossível tirá-lo de lá. Já foi um milagre
conseguir convencê-lo a vir.
Aidan sorriu divertido.
— Talvez em outra oportunidade. Imagino que seja normal um escritor
ser um pouco recluso.
— Se você soubesse o quanto!

A festa quase chegava ao fim. A maioria dos convidados já havia ido


embora e o senhor e a senhora Healy estavam em uma mesa conversando
animadamente com alguns dos que ainda restavam.
Os garotos estavam em outra mesa, bebendo e relaxando depois da
noite agitada. Até Kevin havia conseguido convencer os demais de que
merecia tomar uma cerveja.
Aidan caminhava lentamente pelo jardim dos Healy enquanto fumava
um cigarro. Seus olhos estavam na cozinha. Ele havia localizado a Conor,
sentado sozinho na mesa de jantar usando o celular.
Sabia que era ele porque o viu cumprimentando a mãe ao chegar. Era
impossível não notar um homem tão bonito.
Passou vários minutos planejando o que diria e ainda tentava reunir
algo de coragem para ir falar com ele. — Não deem mais cerveja ao Kevin.
Todos nos lembramos do showzinho da última vez — disse aos garotos ao
passar pela mesa. Apagou o cigarro e ignorou expressão de desapontado do
mais jovem.
Entrou na cozinha esforçando-se para conter o nervosismo. Aquele era
Conor Healy! Seu escritor favorito.
As histórias dele sobre assassinatos e investigação o fascinavam. Elas
costumavam ter lugar em cenários realistas e os diálogos se concentravam na
dualidade dos seres humanos. Era praticamente impossível descobrir a
identidade do assassino porque suas ações pareciam quase justificadas. Era
como se Conor desse aos leitores razões suficientes para entender e até
aceitar ao assassino. E no final, a descoberta era um grande choque.
Constantemente se perguntava que tipo de homem escrevia aqueles
livros. Tão frios e técnicos, mas ao mesmo tempo, cheios de detalhes
emocionantes. Conor não aparecia em livrarias para dar autógrafos, como os
outros escritores normalmente faziam. E nunca comparecia a eventos
públicos.
Ele sempre havia sido um grande mistério para Aidan e agora estava
bem ali. Ainda por cima, como se não fosse suficiente ser talentoso e rico, o
homem era lindo de morrer!
Conor estava tão concentrado no celular que nem notou a presença de
Aidan. Os olhos dele não paravam de se mover pela tela, o que indicava que
aquela não era uma simples conversa de whatsapp.
— Você não vai ler um livro completo no celular, não é? — perguntou
tentando soar casual.
A surpresa fez com que Conor desse um pequeno pulo na cadeira que
ele disfarçou da maneira mais elegante que pôde.
— Não conte para a minha mãe. Ela me proibiu de trazer livros, mas
não sabe que consigo ler no telefone.
— Seu segredo está a salvo comigo.
Os olhos de Conor escanearam seu corpo de cima a baixo e depois se
concentraram em um ponto específico da mesa. Aquilo fez com que Aidan se
sentisse um tanto exposto.
— Sabia que toda a gente boa está lá fora? Você não gosta de festas?
— Não. Muito barulho e muita gente — o jovem escritor respondeu
seco.
— Sei — ficou claro que Conor não estava interessado em conversar e
o ambiente se tornou constrangedor demais para Aidan. — Bem, então vou te
deixar em paz.
— Não. Sente-se, por favor.
Ainda que relutante, o músico se sentou ao seu lado. Era óbvio que
Conor só estava sendo educado. Não se dava ao trabalho nem de olhar para
ele.
— Sou Aidan O'Sullivan — estendeu a mão, apresentando-se.
— Olá Aidan, sou Conor Healy. É um prazer conhecê-lo. Como vai?
Ele segurou a mão de Aidan de maneira desajeitada e suas palavras
soaram robóticas, como um discurso ensaiado. As pronunciou sem sorrir ou
demonstrar qualquer tipo de simpatia. Definitivamente, havia algo de peculiar
naquele homem.
— Na verdade, sei quem você é. Sou um grande admirador do seu
trabalho. Tenho todos os seus livros — falou com o cuidado de não parecer
um fã idiota.
— Isso não é uma surpresa. A maioria das pessoas tem os meus livros.
Um “obrigado” também teria sido legal. Aidan pensou.
— Sempre me perguntei se você fazia alguma das coisas que descreve
neles — desconversou.
Conor não respondeu.
— Você faz? — acrescentou.
— Coisas como envenenar pessoas?
Por alguma razão, Aidan sentiu que ele não estava sendo sarcástico.
— Eu falava de coisas como pintar ou dançar balé — explicou sem
jeito.
— Eu não faço essas coisas. Apenas escrevo sobre elas.
— Sério? Mas como pode descrever tão bem o que nunca fez?
Conor continuou, ignorando o fato de que Aidan acabara de elogiar seu
trabalho.
— Eu não preciso fazer. Só preciso entender. Se eu entendo como as
coisas funcionam, posso descrevê-las. Oscar Wild disse que há apenas duas
regras para escrever; ter algo para dizer e dizê-lo. Eu ouvi você tocar. Você
toca bem.
O elogio repentino desconcertou a Aidan. Sentiu o rosto ficar quente.
— Ah, obrigado.
— De nada. Você compõe?
— Eu escrevo músicas bobas às vezes. Mas nem chega perto do que
você faz.
— Eu não diria isso — Conor discordou. — Para escrever um romance
é preciso encontrar um ritmo. Uma vez que o encontra, as palavras devem
fluir dentro desse ritmo. Elas soam como notas, algumas mais baixas outras
mais altas, estabelecendo o tom da história. Uma vez terminado, um livro é
como uma sinfonia. Eu sempre acreditei que a música e a literatura têm muito
em comum. As duas trabalham juntas para despertar emoções.
Ele falava como se estivesse falando consigo mesmo. Como se
acreditasse naquilo de maneira tão profunda, que o recitava como um mantra.
Conor definitivamente não era como Aidan o havia imaginado. Ele sempre o
vira em sua cabeça como um daqueles intelectuais excêntricos com paletó e
óculos fundo de garrafa, que visitam lugares exóticos e ainda têm tempo para
tomar chá com famosos e discutir o aquecimento global e a crise política.
O homem sentado ao seu lado possuía um aspecto frágil e tímido. Sua
voz era melodiosa e soava quase como um lamento e os olhos azuis, que
pareciam grandes demais para o rosto dele, não se atreviam a olhar
diretamente para Aidan. A pele pálida pela falta de sol fazia os lábios
parecerem ainda mais vermelhos e a fisionomia possuía traços delicados, um
pouco andróginos.
— Você sabia que Beethoven já estava quase totalmente surdo quando
compôs a Nona Sinfonia?
— Sim. Já havia visto algo sobre isso em algum lugar.
Conor Healy não era nada do que Aidan havia imaginado. Era muito
melhor!

Gemma notou quando o líder dos músicos convidados para sua festa
entrou na cozinha.
— Niall, você percebeu que Aidan já leva vários minutos conversando
com o Conor?
— Quem?
— Aidan, o violinista.
— Ah, sim. Que bom.
— Isso não é apenas bom. É impressionante! — disse Rosie entrando
na conversa. — Me impressiona que alguém consiga conversar com o Conor
por mais de cinco minutos sem ficar entediado ou confuso.
Rosie era a assistente pessoal de Conor. Trabalhavam juntos há vários
anos e Gemma gostava do fato de que eles possuíam uma sólida relação de
amizade que se estendia além do labor. Ela se preocupava muito pelo amigo e
cuidava dele como a um irmão. Era uma das poucas pessoas com quem ele se
sentia à vontade.
— Exato! Era o que eu estava pensando. E ele tem o cabelo vermelho
— disse Gemma.
— O que tem isso? — foi a vez de Rosie, com as bochechas
ligeiramente coradas. Ficavam daquele jeito quando ela bebia.
— Bem, Gemma fez uma descoberta — Niall revelou, claramente se
divertindo. — Parece que Conor gosta de rapazes jovens de cabelo vermelho.
É a descoberta do século.
— Não pense que não percebi o seu tom, mocinho. Fique sabendo que
esse é um assunto muito sério.
— Você está certa — comentou Rosie. — Ele tem mesmo uma
quedinha por ruivos. Além do mais, se pararmos para pensar, muitos dos
personagens do Conor têm o cabelo vermelho.
— Exato! — Gemma animou-se por ver que alguém apoiava a sua
teoria.
— Rosie, não me diga que você também vai ceder a essa bobagem? —
Niall parecia incrédulo.
— Não é uma bobagem! — Gemma protestou. — Passei horas
analisando os livros do nosso filho e acontece que todos os personagens mais
importantes têm as mesmas características. Eles são alegres, gostam de estar
cercados de pessoas, têm um talento artístico e são ruivos.
— E você acaba de descrever metade da população da Irlanda! —
ironizou Niall.
— Puxa! Sabe que eu nunca havia pensado nisso?! — Rosie falou
parecendo não ter ouvido o que Niall acabara de dizer. — É verdade. O
Cillian, por exemplo, tem o cabelo vermelho e é fotógrafo. Isso pode ser
considerado como um talento artístico, não pode?
— Claro! E o Rufus, do Morte no dia de São Patrício é alegre, está
sempre rodeado de mulheres e é pintor — Gemma acrescentou.
— E é ruivo.
— É sim.
— Se vocês realmente acreditam que Aidan pode ser a alma gêmea
ruiva do Conor, estão perdendo uma grande oportunidade porque a Cinderela
está indo dormir — Niall anunciou apontando para a cozinha.
Eles observaram Conor levantar da cadeira e apertar educadamente a
mão de Aidan. Ato seguido, saiu da cozinha. Conor vivia sozinho desde os
dezenove anos de idade, mas ainda possuía um quarto na casa dos pais que
ocupava quando vinha visitá-los e acreditava que era muito tarde para dirigir.
Não gostava de dormir fora de casa, mas já que aquele era o lugar onde
havia crescido e Gemma conhecia sua rotina e todas as suas manias como
ninguém, não era tão horrível para ele ficar.
— Merda! — Reclamou a mãe. — Aposto que ele nem sequer o
convidou pra sair.
— Com certeza não — disse a assistente dando um gole de seu copo de
cerveja.
— Ai, por favor! Vocês nem ao menos sabem se esse rapaz gosta de
homens. Talvez ele seja hétero, já pensaram nisso? Algumas pessoas são. Ou
talvez seja um daqueles psicopatas que cortam a cabeça das pessoas e as
colocam dentro de uma geladeira. Não quero o meu filho perto de alguém
assim! — Niall expressou.
— Hétero ele não é — afirmou Rosie. — A sua sobrinha Chloe tentou
dar em cima dele agora há pouco. Ouvi quando ele disse que é gay.
— Ótimo! — exclamou Gemma empolgada.
— Então só nos resta saber se ele é ou não um psicopata — Niall
emendou.
— Ah para com isso! Aidan não é um psicopata. Ele é um menino
simpático e trabalhador. Tenho que fazer com que eles se encontrem
novamente.
Pensou por alguns minutos. Olhou para Rosie e teve uma brilhante
ideia. Se a ideia funcionasse, apenas teriam que esperar que o resto fluísse.
— Rosie, querida, você se lembra da vez em que tomamos umas
margaritas e você terminou me contando sobre aquela sua habilidade da
época do colégio?
— O quê?! Você ainda se lembra?! Ai que vergonha! — ela cobriu o
rosto com as mãos. — Olha, eu só fazia aquilo porque era uma adolescente
problemática. Foi só uma fase!
— Lógico, eu sei — Gemma escolheu as palavras com cuidado. —
Mas você acha que ainda conseguiria fazer aquilo? Quer dizer, por uma boa
causa, é claro. Digamos, pela felicidade do Conor?

— Não acredito que pediu a ela que fizesse uma coisa dessas! — Niall
reclamou.
— Fique quieto, ela sabe o que está fazendo.
Gemma observou enquanto Rosie caminhava pelo jardim. A garota
olhou para cima fingindo distrair-se com alguma coisa inexistente e chocou
seu corpo contra o de Aidan.
— Ai, desculpe! Eu sinto muito!
— Não se preocupe, não foi nada.
— Nossa! Que vergonha! Eu sinto muito mesmo, acho que já bebi
demais. — Rosie disse a ele com falso constrangimento. — Machuquei você?
— Não. É sério, não foi nada.
Ela se desculpou uma vez mais e voltou para a mesa. Sentou-se ao lado
de Gemma e se assegurou de que Aidan não estava olhando.
— Pronto. Consegui.
Abriu o casaco e eles puderam ver a carteira de Aidan segura em sua
mão.
— Ai, meu Deus! — Niall colocou as mãos no rosto. — Ela fez
mesmo!
— Niall, fique quieto! Querida, você foi absolutamente maravilhosa.
Isso foi perfeito — Gemma elogiou.
— O que eu faço agora?
— Agora — explicou . — Você vai manter essa carteira escondida.
Amanhã bem cedo, vai ligar para o Aidan e dizer que encontrou a carteira
dele no chão, em algum lugar, mas ele já havia ido embora. E então vai pedir
a ele que vá buscá-la na casa do Conor.
— Você é um gênio.
— Muito obrigada — Gemma fez uma mini reverência.
Niall olhava para as duas mulheres como se elas fossem um par de
extraterrestres recém-pousados.
— Vocês estão começando a me assustar!
“... ela via sua própria imagem refletida no espelho da sala de balé.
Shane lhe apontava o revólver. As mãos tremendo descontroladas. — Foi
você! — Ele disse. — Você o matou!”
Conor salvou seu trabalho e fechou o laptop. O alarme do relógio de
pulso soou indicando que eram quatro da tarde em ponto.
A rígida rotina diária era quase tão importante quanto comer ou
respirar. Todos os dias, se levantava às sete, arrumava a cama, tomava banho,
café da manhã, limpava o chão e todas as superfícies (já que era impossível
concentrar-se no trabalho se tudo estava sujo) e às nove em ponto ia para seu
escritório, se sentava em frente ao computador e começava a trabalhar. Fazia
uma pequena pausa para um almoço leve ao meio dia e voltava ao escritório
onde permanecia até às quatro.
Considerava a disciplina como algo essencial e tudo em sua vida
funcionava com a sincronia de um relógio. Tudo em seu devido lugar. Limpo,
cronometrado, estimado, planejado, detalhado. Conor gostava dessas
palavras. Elas eram seguras.
Saiu do escritório e caminhou em direção à cozinha. Sempre tomava
chá ao terminar de trabalhar. A bebida quente mantinha o estômago quieto
enquanto ele preparava algo para comer. Deparou-se com uma cena inusitada.
Não era o tipo de homem que apreciava as coisas inusitadas.
— Oi — Aidan cumprimentou com um sorriso torto.
Ele e Rosie tomavam chá e ninguém havia considerado relevante
informá-lo.
— Você deve pensar que sou um acossador ou algo assim, não é
mesmo? — Aidan perguntou, com um pequeno sorriso.
— Você é?
O ruivo riu. Provavelmente pensando que ele havia feito uma piada.
Mal sabia que Conor nunca fazia piadas. — Hoje não.
— Não é uma grande coincidência? — Rosie interviu. — Aidan perdeu
a carteira ontem na festa e eu a encontrei.
— Considerando que vocês estavam na mesma festa, a probabilidade
de que você a encontrasse não era tão remota — respondeu mal humorado.
Rosie lhe lançou um dos olhares que indicavam que ele estava fazendo
algo de errado. — Não vai cumprimentar ao Aidan?
Conor considerou as opções. Seria muito mais fácil virar as costas e se
retirar da cozinha. Sim, aquela parecia uma ótima ideia. Infelizmente, sabia
que cumprimentar as pessoas era a principal regra da interação social.
Pois é, o conhecimento nem sempre é uma benção.
Pensou.
Entrou na cozinha a contragosto e estendeu a mão a Aidan. — Olá.
Como vai?
— Muito bem, obrigado — ele respondeu apertando sua mão com força
demais.
— Sente-se — ordenou Rosie. — Seu chá está servido. Agora, se
vocês me dão licença, preciso cuidar de outros assuntos.
— Você já vai? — ele não se sentia nem um pouco confortável em
ficar a sós com um estranho.
— Já. Eu preciso ir. Aidan, foi um prazer.
— O prazer foi meu. E obrigado.
— Imagine. Não foi nada. Adeus, meninos.
Rosie deixou a cozinha apressada e Conor viu-se sozinho com Aidan.
Bebeu um gole de chá e começou a estalar os dedos de maneira compulsiva.
Sempre fazia aquilo quando estava nervoso. Eoin dizia que algumas
estereotipias eram boas porque o ajudavam a liberar a ansiedade e ficar só
com estranhos era uma ótima razão para ficar ansioso.
— É uma bela casa — o violinista comentou. — Acho que para um
escritor, uma vizinhança tranquila não é pedir muito, não é mesmo?
— Sim. Prefiro manter-me afastado da agitação de Dublin.
— E como está indo com o próximo livro?
— Bem. Também estou trabalhando em uma peça de teatro.
— Ah! Não sabia que você também escrevia peças. Legal! Há quanto
tempo faz isso?
Percebera na noite anterior que Aidan era do tipo que fazia muitas
perguntas e obrigou a si mesmo a não ficar irritado. Reiniciou o processo de
estalar os dedos. — É algo recente.
— Sei.
Um silêncio constrangedor insistia em reinar entre eles e Conor sabia
que apesar de ele se sentir muito mais cômodo daquela maneira, falar ainda
era a principal forma de interação social e ficar quieto por muito tempo não
era considerado “normal”. Achava uma pena. Seria muito melhor que as
pessoas pudessem aprender a ficar confortáveis com o silêncio, pelo menos
de vez em quando. Até mesmo porque, se todos soubessem o que se passava
em sua cabeça, não o interromperiam com palavras, já que seu cérebro
sempre estava ocupado. Toda vez que conversava com um estranho, ele
repassava em sua cabeça todas as coisas que sabia que não eram apropriadas
para dizer a alguém que havia acabado de conhecer. Mesmo assim, nada o
impedia de cometer alguma gafe e isso o levava a esforçar-se demais.
Eram muitas coisas para serem consideradas. Ele tentava recordar a si
mesmo que tinha que olhar para o rosto da pessoa que estava falando, mas
não por tempo suficiente para fazê-la sentir-se incômoda; Cuidar da postura,
já que braços cruzados davam a impressão de que ele não estava sendo
receptivo; O tom de voz devia ser usado para expressar emoções e falar em
um tom muito alto o fazia parecer um lunático. Enfim, tanto esforço
transformava uma simples conversa em um ato heroico. Tão mentalmente
exaustivo! O silêncio era muito mais simples.
— Eu notei que você tem um tabuleiro de xadrez quando passei pela
sala — Aidan, que aparentemente não lidava tão bem com o silêncio,
comentou. — É muito bonito. É de cristal?
— Cristal de Waterford. O tabuleiro e todas as peças.
— Legal. Eu adoro xadrez. Talvez pudéssemos jogar uma partida
qualquer dia desses. O que você acha?
— Por que não agora? Não estou ocupado — apressou -se em dizer.
Aidan não dava indícios de que iria embora logo e jogar xadrez era muito
mais fácil que tentar manter conversas banais na cozinha. Até esqueceu que
estava com fome.
— Tá. Por que não? — respondeu, como quem não tem nada a perder.
Conor respirou, aliviado. Os dois foram para a sala e sentaram em
frente ao tabuleiro de xadrez de cristal irlandês. Foi um presente de seu pai e
apesar de não valer mais que umas centenas de euros era um dos bens mais
estimados de Conor. Depois de seus livros, é claro.
— Antes de começar, devo adverti-lo que meu pai nunca conseguiu me
vencer no xadrez. E o meu pai é muito bom.
— Não me subestime, meu caro — pediu Aidan. — Também sou
muito bom.
Sem dúvida se sentia muito melhor jogando xadrez. Aquilo era algo
que ele podia controlar. Xadrez era bom. Era familiar; previsível. Conversas
não eram previsíveis. As conversas aconteciam entre pessoas e as pessoas
nunca eram previsíveis. Pelo menos não para ele.
Depois de algumas jogadas, percebeu que Aidan não estava mentindo
quando afirmou que jogava bem. Naturalmente, não era bom o suficiente para
vencê-lo, mas Conor gostava de ver que o homem lutava com bravura.
Aidan analisava o tabuleiro estudando sua próxima jogada e Conor
aproveitou para dar uma boa olhada nele. Era evidente que o recém-
conhecido ruivo lhe agradava. Sentira uma atração magnética ao conhecê-lo
na noite anterior que o deixava um tanto abrumado.
Ele era bonito, sem dúvida, mas também fazia um uso excessivo da
linguagem coloquial e tinha uma mania horrível de ficar movendo as mãos e
fazendo gestos desnecessários enquanto falava. O cheiro dele era uma
mistura de uísque, nicotina e perfume barato e o gosto para as roupas
mostrava uma personalidade bastante descuidada. Vestia calças jeans
desbotadas e uma camiseta preta com a palavra AC/DC escrita em grandes
letras brancas.
Por outro lado, havia pontos positivos nele. Para começar, tinha um
sorriso lindo, o que era uma surpresa já que a julgar pelo cheiro de nicotina
que estava impregnado em suas roupas, era difícil entender como ele fazia
para manter os dentes tão brancos. Nota mental: Pedir a Aidan o número do
seu dentista porque ele deve ser um verdadeiro gênio!
E é claro que também havia o fato de ele ser ruivo e Conor sempre
haver gostado de ruivos. Havia lido que os ruivos são o raro efeito de uma
mutação genética causada pelo gene MC1R que também aumenta a produção
de feomelanina e os torna mais resistentes à dor. Se perguntava se a
resistência era muito maior ou só um pouco. Podia perguntar ao homem
diante de si, mas duvidava que ele entendesse algo de genética.
Aidan também possuía um belo par de olhos verdes e Conor sabia que
havia um rosto bonito em algum lugar debaixo daquela barba ridícula. De
fato, ela o incomodava tanto que ele tinha vontade de ir correndo buscar um
barbeador e acabar com toda aquela monstruosidade vermelha ele mesmo.
— Eu não faria isso. Se você mover o Cavalo vou pegar a sua Rainha
em duas jogadas — avisou.
Aidan coçou a barba com as pontas dos dedos e, uma vez mais, Conor
imaginou as maravilhas que um barbeador faria naquilo.
— Então vou mover a Torre. Melhor?
— Melhor. Agora ao invés de terminar a partida em duas jogadas,
terminarei em três.
Aidan soltou uma gargalhada alta. — Espertalhão! — Moveu a Torre
com uma mão e passou os dedos pelo cabelo com a outra. Era como se as
mãos dele não pudessem ficar paradas. Sempre tinham que estar fazendo
alguma coisa.
— Qual a sua idade?
— Vinte e oito — Aidan respondeu sem tirar os olhos do tabuleiro. —
E a sua?
— Tenho vinte e cinco. Muitos dizem que vinte e cinco é uma idade
crucial. O verdadeiro término da juventude e início da vida adulta. Depois
dos vinte e cinco uma pessoa já deve ter a vida estabelecida.
— Tenho certeza de que você estará bem.
— Claro que estarei. Era apenas um comentário. A minha vida está
estabelecida desde os dezessete.
— Ah. Desculpe — Aidan levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos e
Conor imediatamente abaixou a vista para o tabuleiro. — Você se importa se
eu fizer uma pergunta pessoal?
— Não. Não me importo — respondeu movendo seu bispo.
— Você e a Rosie estão juntos?
— Quer saber se temos um relacionamento romântico? A resposta é
não. Por diversas razões. A principal é que eu sou homossexual, o que
significa que o sexo oposto não exerce nenhum tipo de atração sobre mim. A
segunda é que Rosie trabalha para mim e envolver-me romanticamente com
ela seria inapropriado. E a terceira é que nunca me envolvi com ninguém
dessa forma.
— Como assim? Quer dizer que nunca teve um namorado? — moveu
um Peão.
— Sim.
— Nossa! Isso é novidade pra mim. Por que você nunca namorou? Não
acredito que seja por falta de pretendentes, não é?
— Eu já fiz sexo. O sexo é fácil, posso até arriscar dizer que sou bom
em fazer sexo. Mas quanto às relações afetivas... Não é que eu não saiba
como as relações afetivas funcionam, o problema é que sei como elas
funcionam na teoria. Na prática, tudo é muito diferente.
— Nisso eu concordo. Inclusive, quando paro para pensar no fracasso
dos meus relacionamentos, também desejo nunca ter tido namorados.
— Homens? Você também é gay — Conor voltou a mover o Bispo e
como esperado, Aidan não viu o perigo.
— Sou. E é difícil pra mim, acreditar que alguém como você nunca
tenha tido um relacionamento.
Aidan estudava o tabuleiro atentamente e Conor tentou ler o olhar dele.
Inútil. Ele nunca conseguia ler as pessoas. Uma característica bastante
inconveniente. — Alguém como eu? — perguntou ainda tentando entender se
aquele havia sido um comentário ofensivo ou não.
— Sim, você sabe. Um homem atraente. Interessante — o ruivo
respondeu movendo a Rainha.
— Pois as pessoas, quase sempre, me consideram excêntrico e
esquisito.
— Sim, também. Mas não vejo a sua excentricidade como algo
negativo. Acho fofo.
Conor o observou coçar a barba e passar a mão pelo cabelo vermelho.
Ele era muito bonito. Desleixado, mas bonito. Tirou uma Torre do caminho.
— Você gostaria de sair comigo, qualquer dia? — Aidan convidou.
— Eu não saio muito.
— Ah... Ou eu poderia vir aqui. Que tal?
— Está perguntando isso porque gostaria de me ver outra vez? — sabia
o que a palavra “fofo” significava. Rosie a usava o tempo todo.
— Sim. Gostaria muito. Se você estiver a fim, é claro.
— Estarei livre amanhã depois das quatro.
— Perfeito. Deixa ver... Sete está bem pra você?
— Sim. Está bem.
— Legal.
— Tenho apenas uma pergunta — Conor rompeu o novo silêncio que
havia se estabelecido. — Você quer me ver novamente porque está
interessado em fazer sexo comigo?
Aidan demorou alguns segundos para responder. Não antes de quase
deixar cair uma de suas peças. Ler linguagem corporal não era uma
especialidade de Conor, mas ficou claro que sua pergunta o havia
constrangido.
— Nossa! Você vai direto ao ponto, não é mesmo? — o rosto de Aidan
estava tão vermelho quanto à barba.
— Só quero ter certeza de que você se sente atraído por mim, já que eu
estou seguro de que me sinto muito atraído por você.
Aidan limpou a garganta.
— Está bem. Não tem problema. Eu prefiro dessa forma. Todas as
cartas na mesa.
Conor precisou controlar o forte impulso de olhar para a mesa ao ouvir
aquilo.
Estamos jogando xadrez, não cartas! Lembrou a si mesmo. Ele
conhecia a maioria das expressões e sabia o que elas significavam, mas
algumas ainda o pegavam de surpresa.
— Eu sei o que essa expressão significa. Você quer dizer que prefere
que todos os detalhes da situação sejam expostos.
— Eh... Sim.
— Perfeito. Eu concordo.
— Que bom. E respondendo a sua pergunta — Aidan continuou. —
Sim. Eu estou interessado em fazer sexo com você, mas penso que é melhor
deixar essa opção em aberto. Não temos porquê apressar as coisas, sabe?
— Entendi. Isso significa que o sexo pode ou não acontecer.
— É — ele posicionou o Rei onde Conor havia esperado.
— Está bem. Prefiro que as coisas fiquem bem definidas, mas acho que
posso esperar até amanhã para ver o que acontece. A propósito, Xeque-Mate.
— Ah! Fala sério! — Aidan reclamou.
— Eu avisei. Três jogadas.
— ... E então ele me perguntou “Você está interessado em fazer sexo
comigo?” “É por isso que quer me ver?”.
— Ai, meu Deus! — Aisling quase deixou cair o copo de cerveja que
acabara de servir.
— Dá para acreditar? Quem faz isso?
— Eu adoro esse cara! — ela comentou entre risadas. — Merece nota
dez. E quer saber? Só por isso, você devia ir até lá e transar com o nerdzinho
até ele esquecer o próprio nome!
Eram por volta das sete da noite e o Red Twins já estava lotado. Aidan
e sua irmã gêmea, Aisling eram os donos, mas gostavam de se envolver ao
máximo no trabalho. Ele costumava ficar atrás do bar servindo as bebidas.
Isso lhe dava a oportunidade de conversar com os clientes, algo que adorava
fazer. Três noites por semana, tocava com o grupo de músicos. Sentia um
grande amor pelo pub e tudo o que ele e a irmã haviam construído, mas a
música era sua grande paixão. Um fogo que ardia em seu peito e não podia
ser extinto.
— Eu não sei se devo ir — falava alto, tentando fazer com que sua voz
se sobrepusesse a todos os ruídos do lugar. — Ele é tão estranho. Tem
alguma coisa no Conor que eu ainda não consegui identificar. É esquisito,
sabe? Adorável, mas esquisito.
— Esquisito como?
— É difícil de explicar. Sei lá. Pra começar, ele não é muito
espontâneo. Tudo o que diz é meio mecânico, como se decorasse cada
palavra. E eu não consegui definir sua personalidade. Às vezes parece muito
frio e então de repente fica meigo. É estranho.
— Aidan, desencana! Você não vai se casar com o cara! O seu
problema é que todas as vezes que se envolve com alguém, acredita que essa
pessoa possa ser o amor da sua vida. Pense apenas em se divertir. Faça com
que seja uma experiência agradável e pronto! Se algo mais tiver de acontecer,
vai acontecer.
— Você tem razão.
— É lógico que tenho. Sou a gêmea inteligente.
O encontro com Conor estava marcado para a noite seguinte e Aidan
não podia parar de pensar no assunto. Não conseguia tirá-lo da cabeça e sabia
que, mais que nada, o homem o intrigava.
Era como se Conor fosse um enigma que ele precisava desvendar. Um
grande mistério. Como em seus livros.

— Temos um problema — a voz de Rosie soou do outro lado do


telefone.
— O que houve?
— Bem, estava tudo saindo como planejado. Eu pedi ao Aidan que
fosse até a casa do Conor e ele foi. Deixei os dois sozinhos e tudo parecia ir
bem.
Gemma puxou uma cadeira e sentou para estar mais atenta à conversa.
— E então?
— Então eles marcaram um encontro para esta noite, Conor me contou.
Disse que Aidan se sente atraído por ele e, usando as palavras do Conor,
“existe a possibilidade de que eles façam sexo”.
— Mas isso é ótimo!
— Não é não!
— Não?
— Definitivamente não!
— Querida, você vai ter que explicar melhor porque eu não estou
entendendo nada. — Disse Gemma confusa. — Se Conor se sente atraído por
Aidan e eles marcaram um encontro, conseguimos o que queríamos, não é
mesmo?
— O que queríamos era que os dois se conhecessem e se apaixonassem.
Se Aidan vier hoje à noite eles vão transar e Conor vai esquecer que ele
existe.
— Você acha mesmo?
— Eu não acho. Eu sei. Conor tem medo de relacionamentos. Sentir-se
atraído o mantém interessado.
— O que significa que se eles transarem tudo estará acabado.
— Isso mesmo.
— Certo, deixe-me pensar. O importante é que eles fiquem juntos e
conversem, mas nada de sexo porque eles precisam se conhecer.
— Exatamente.
— Ai. Ai. Ai. Já é difícil o suficiente fazer com que Conor converse,
mas como; pelo amor de Deus; farei com que dois jovens bonitos, cheios de
hormônios e com uma grande quantidade de disposição permaneçam juntos
no mesmo lugar por vários minutos, sem transar?

Aidan estacionou em frente à casa de Conor às sete e nove. Ficava


situada em uma área tranquila de Howth, no subúrbio de Dublin. Uma pacata
vila costeira, para onde muitos Dublinenses escapavam nos fins de semana.
Saiu do carro sentindo-se mais nervoso que nunca e foi atingido por uma
suave brisa de mar que o fez apertar a jaqueta no corpo.
Aisling tinha razão, ele sempre havia sido um romântico incurável.
Estava acostumado a ter encontros. Sabia ser sexy e charmoso e também era
bem confiante com relação a sua aparência. No entanto, uma enorme
distância o separava de sua zona de conforto naquela noite.
Conor era diferente dos outros homens. Aidan não sabia bem como agir
quando estava com ele. Normalmente, depois de um primeiro encontro já era
possível definir aspectos básicos da personalidade de uma pessoa e utilizar o
que se havia aprendido em um segundo encontro. Ele havia estado com
Conor duas vezes e ainda sentia que não sabia nada de nada sobre ele. Nada
que pudesse ajudá-lo naquele momento. Quase sentia o impulso de dar meia
volta e ir embora. Para começar porque ter um cara como Conor interessado
nele, parecia bom demais para ser verdade. E não, ele não sofria de baixa
autoestima nem nenhum tipo de complexo. Era só que, caras como o Conor;
ricos e belos; sempre se apaixonavam por outros caras ricos e belos. Aquela
era a ordem natural das coisas! Eles não se interessavam por Aidan de
Tipperary, dono de um Pub.
Por outro lado, havia uma curiosidade que o levava a querer saber
como tudo aquilo terminaria. Curiosidade essa, que o levou até a porta.
Parou na frente da porta vermelha e deu pulinhos enquanto movia os
braços e a cabeça para agitar o corpo e expulsar um pouco da tensão. Estava
tão nervoso que era ridículo! Depois de respirar profundamente, tocou a
campainha e Conor abriu a porta no mesmo instante.
— Você está dez minutos atrasado — ele vestia calças pretas e uma
camisa azul-claro que combinava com seus olhos. Estava estonteante.
Merda! Lá se vai o impulso de ir embora! — Sim... Eh... Desculpe.
Trânsito no centro — Conor se afastou para que ele pudesse entrar. Vê-lo o
fez ficar ainda mais nervoso. Suas mãos suavam. Estava em território
desconhecido e precisava de algo familiar. — Trouxe vinho. Você gosta? —
sua pergunta estava cheia de esperança.
— Gosto.
Bendito seja Deus por ter inventado o álcool! Aidan seguiu Conor pelo
corredor. A casa tinha cheiro de produtos de limpeza. O chão de madeira
brilhava de tão limpo e a decoração era moderna e minimalista. Não havia
tapetes e enfeites, mas por onde olhasse, podia ver livros. Até mesmo na
cozinha. Uma pilha de livros de culinária descansava em cima da bancada de
mármore. Claro que aquela devia ser a pilha de livros mais organizada do
mundo.
Conor retirou duas taças do armário e as depositou na ilha.
— Posso abrir? — o ruivo se adiantou.
— Claro.
Aproveitou a oportunidade para exibir-se um pouco. Tomou o abridor
que o anfitrião lhe passou e abriu a garrafa com a destreza de um profissional.
Aquilo era parte de seu trabalho já que eles vendiam muito vinho no pub.
Conor observava cada um de seus movimentos sem se mostrar impressionado
e tomou a taça que ele serviu.
— É delicioso. Cabernet Sauvignon é o meu favorito. É Chileno. Os
vinhos do Vale Central do Chile são muito bons.
— Suponho que sim — Conor respondeu com desdém.
Aquilo não podia ir pior.
Seus olhos se encontraram e Conor desviou a vista. Pensando melhor,
Aidan se deu conta de que o rapaz sempre evitava olhá-lo nos olhos. Ele
olhava para seu rosto, para o corpo, mas nunca diretamente nos olhos.
Estranho.
— Você tem um montão de livros — puxou conversa já que uma
mudança de tática nunca havia sido tão primordial! — Deve passar muito
tempo em livrarias.
— Na verdade, comprei a maioria deles online.
— Claro. Assim foi como eu comprei a minha versão atualizada do
Drácula.
— Você gosta dos clássicos? — Conor mostrou um pouco mais de
interesse no diálogo.
— Gosto. Você me parece do tipo que lê clássicos. Acertei?
— Sim. A maioria está lá em cima, na biblioteca. Gostaria de vê-la?
— Claro — isso!
— Siga-me. Ah, mas deixe o vinho. Nada de líquidos perto dos livros.
Aidan depositou a taça de volta na ilha e seguiu Conor para fora da
cozinha. Eles subiram as escadas ao segundo andar. A casa não era tão
grande. Na verdade, para um escritor famoso como ele, podia-se dizer que era
uma casa modesta.
Pôde ver quatro portas. — É aqui — Disse Conor abrindo uma delas.
Todas as paredes estavam cobertas por estantes de madeira cheias de
livros. Eles pareciam estar organizados por tema. Havia uma prateleira
completa dedicada à poesia. William Buttler Yates, na grande maioria;
também um pouco Keats e Byron. No centro da habitação, uma cadeira de
leitura se destacava soberana.
— Nossa! É uma bela coleção. Aposto que há muitas primeiras edições
aqui — Aidan comentou impressionado.
— Cerca de quarenta.
— Puxa! E qual é o seu favorito?
Conor se entusiasmou com a pergunta e foi correndo até uma das
estantes. — Nesta parte, estão todos os meus favoritos.
Aidan se aproximou da prateleira. Era óbvio que Conor se orgulhava de
seus livros.
— Vamos ver. O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Lógico.
Ulisses, de James Joyce. Até agora, nenhuma surpresa. E não sobrou
nenhum[3], da Agatha Christie. Adoro. O Médico e o Monstro, de Robert
Louis Stevenson... Sério?
— Sabia que este livro está associado ao conceito de Personalidade
Múltipla? O Dr. Jekyll é um homem bom e generoso, por outro lado, Senhor
Hyde é um assassino cruel. Os dois são pessoas completamente diferentes
que ocupam um mesmo corpo. É óbvio que Dr. Jekyll sofre de Transtorno
Dissociativo de Personalidade. É interessante porque a história fala sobre a
ambiguidade do ser humano. Sobre ter um monstro dentro de nós esperando
para sair, para libertar-se. Mas não é apenas isso. Também é sobre escolhas;
Sobre as decisões que tomamos e afetam nossas vidas para sempre. Sobre
crer que alguém é perfeito e descobrir que ninguém é. Lia esse livro quando
era pequeno e ele me fascinava.
— Eu gostava do Pinóquio — Aidan comentou sarcástico.
— Estou falando demais — Conor murchou como um balão. — Toda
vez que um tema me interessa, não consigo evitar falar dele sem parar.
Desculpe.
— Não! Não tem problema. Eu gosto das coisas que você fala.
Só que o mal já estava feito. Um silêncio constrangedor se apoderou do
ambiente. Havia sido difícil fazer com que Conor se soltasse e Aidan não
queria que ele ficasse fechado outra vez. Estava começando a perceber que
Conor era do tipo de pessoa que não costumava permitir que alguém entrasse
em sua redoma. Aidan teve um breve vislumbre de quem ele era e queria ver
mais, muito mais. Achou que talvez fosse hora de aplicar uma estratégia um
pouco mais direta.
Conor ficou surpreso no momento em que Aidan o beijou. Quando seus
lábios se tocaram, seu corpo estava tenso e a respiração pesada. Começou a
relaxar pouco a pouco e soltou um pequeno gemido de aprovação
convencendo o músico a continuar que, por sua vez, envolveu a pequena
cintura com o braço e aproximou o corpo ao do escritor, se perdendo em um
mar de sensações. O sabor de vinho na língua de Conor que dançava
lentamente dentro de sua boca em um ritmo erótico; o cheiro intoxicante de
sabonete e shampoo; o corpo que emanava calor e Aidan aproximou ainda
mais de si. Queria que cada parte sua tocasse cada parte de Conor
intensificando um beijo que já o levava às alturas. O jovem de cabelos loiros
retribuiu se apertando a ele e diminuindo ainda mais a distância, que era
quase escassa, mas, de alguma forma, ambos queriam estar ainda mais
próximos.
O som da campainha pareceu despertá-los de um transe e os trouxe de
volta de um momento do qual não queriam voltar.
Conor interrompeu o beijo lentamente e seu rosto formou uma
expressão que ficava entre surpresa e confusão.
— Você está esperando mais alguém? — sabia que era uma pergunta
idiota.
— Não — Conor ficou parado, como se não soubesse o que fazer.
— Não vai ver quem é?
— O quê?... Ah... Sim, é claro.
Ele caminhou para fora da biblioteca um pouco desajeitado e Aidan
pensou que nunca havia visto alguém reagir tão mal a uma visita inesperada.
Segundos depois, uma voz feminina soou no andar de baixo.
— Já que você é um neto ingrato que não visita a própria avó, resolvi
passar para dar oi. Surpresa! Eu estava na vizinhança e pensei por que não?
Ande logo, me dê um abraço. Você tem cerveja?
— N-Não — a voz de Conor respondeu. — Mas vovó, a senhora devia
ter avisado...
— Então ainda bem que eu trouxe.
Aidan escutou passos em direção à cozinha. Não sabia exatamente o
que fazer. Não estava seguro de que Conor iria buscá-lo e não pretendia ficar
ali sozinho. Decidiu que o melhor era ir até eles.
A avó de Conor o olhou admirada quando entrou na cozinha. Ela era
baixa e gorda. Tinha cabelo branco curto e os grandes olhos azuis que o
encaravam eram exatamente como os de Conor.
— Quem é você?
— Oi, me chamo Aidan. Sou um amigo do Conor.
— Amigo? Você não sabe que gosto me dá conhecê-lo, menino! Conor
não costuma ter amigos. Sou Maeve Healy, avó deste rapazinho.
Ela utilizou a mão que estava livre para cumprimentá-lo. Na outra,
carregava uma grande bolsa de onde retirou uma série de garrafas de cerveja
que depositou na ilha. Abriu um dos armários e retirou uma panela. Em
seguida, foi até a geladeira e encheu a panela com gelo.
— Minha querida mãe me ensinou a nunca sair de casa sem cerveja —
Acomodou todas as garrafas dentro do gelo.
Conor permanecia imóvel. Encarava o chão parecendo completamente
perdido.
— Você está bem? — Aidan não obteve uma resposta.
— Não se preocupe — disse a senhora Healy. — Sabe, meu neto não
reage muito bem às surpresas. Eu não avisei que viria e ele não gosta nada de
visitas inesperadas. Mas isso é o que ganha por não visitar a avó.
Aquilo teria sido engraçado se Conor não estivesse tão visivelmente
desconfortável. Aidan sentiu que devia dizer algo, mas foi interrompido por
uma autoritária senhora Healy.
— Vamos para a sala. Esta cozinha não é nada confortável. Venham
logo — seguiu carregando a panela cheia de cerveja e transformando uma
noite agradável com Conor em uma cena surrealista. — Tragam seu vinho.
Eles a seguiram até a sala onde ela se esparramou em um dos sofás.
Aidan sentou no outro e Conor ao seu lado, ainda calado. A senhora Healy
pôs a panela em cima da imaculada mesa de centro e Aidan pensou ter notado
o corpo de Conor se retorcer um pouco.
Assim como no resto da casa, tudo era muito limpo e organizado. A
lareira possuía uma bela moldura de madeira e na frente dela, dois sofás
milimetricamente posicionados um na frente do outro. Uma estante de
madeira feita sob medida, exatamente como as da biblioteca, ocupava a maior
parte da parede ao redor da lareira. Ela estava completamente abarrotada de
livros, todos organizados por tema, cor e tamanho.
O tabuleiro de xadrez de cristal, posicionado no canto esquerdo da sala,
possuía sua própria base de madeira e duas cadeiras combinando. À esquerda,
ficava a janela, coberta por uma cortina bege simples e à direita, a mesa de
jantar.
— Então, me diga rapaz, o quê você faz para viver? Não me diga que é
uma daquelas pessoas que vivem criando coisas para fazer com que todos
passem mais tempo sentados na frente do computador.
Aidan não pôde deixar de sorrir.
— Não, senhora. Eu tenho um pub. Minha irmã e eu somos sócios.
— Ah. Que interessante! Essa sim é uma profissão pela qual tenho um
imenso respeito.
— Pensei que você fosse músico — Conor interviu.
— A música é uma grande paixão, mas não é o que faço pra viver.
Toco apenas porque gosto.
— Conor também adora a música — falou a senhora Healy. —
Escreveu uma biografia completa do Paganini com apenas oito anos.
— É mesmo? Eu adoro o Paganini! — o entusiasmo de Aidan era
visível.
— Sabia que ele era conhecido como o “Violinista do Diabo”? —
Conor parecia empolgado com o conhecimento compartilhado. — As pessoas
o chamavam assim porque acreditavam que ele havia feito um pacto com o
demônio para ser um grande músico.
— Nossa! Você escreveu mesmo uma biografia com apenas oito anos?
— Sim, mas a biografia do Oscar Wild que escrevi com cinco é muito
melhor — o rapaz respondeu sem dar importância.
— Ele sempre foi um garoto brilhante — a senhora Healy acrescentou.
— Quando era pequeno, meu marido; que Deus o tenha; dizia que Conor era
um Changeling. Tão diferente das outras crianças. ”Um ser mágico”, ele
dizia.
A famosa lenda dos bebês Changelings que dizia que fadas ou elfos
trocavam bebês humanos por seus próprios filhos. Levavam a criança
humana e deixavam o outro ser em seu lugar. Na época em que a crença
começou, era muito comum acreditar que crianças nascidas doentes ou com
alguma deficiência eram em realidade Changelings.
Aidan concordava com o fato de que Conor era diferente. Mas ser
peculiar não significava que ele era um ser mágico! Por outro lado, era fácil
entender a comparação, afinal, o homem era belíssimo! Possuía uma beleza
etérea que podia ser facilmente comparada à de uma fada.
— Então agora eu entendo de onde vem esse seu dom sobrenatural de
escrever livros — comentou divertido. Conor seguia olhando para o chão,
mas o comentário o fez abrir um sorriso tímido e Aidan quase perdeu o ar.
Era a primeira vez que o via sorrir. Era como abrir uma concha e encontrar
uma pérola.

O desconforto de Conor se desvaneceu pouco a pouco no decorrer da


noite. Ele até se arriscou a fazer comentários e expressar seu ponto de vista
com a relação ao que a senhora Healy e Aidan conversavam. E eles
conversaram durante horas. O rosto da mulher já parecia uma grande bola
vermelha, o que não era uma surpresa já que ela sozinha esvaziou todas as
sete garrafas de cerveja. Aidan e Conor dividiram a garrafa de vinho, mas a
maior parte do conteúdo foi consumido por Conor. Aidan não quis exagerar
sabendo que teria que dirigir.
— Bem, acho que já é hora de ir — a senhora Healy anunciou. —
Conor sempre vai para a cama antes das onze e agora são... — Ela
aproximava o pequeno relógio de pulso e estreitava os olhos tentando
enxergar as horas.
— São dez e cinquenta — a voz de Conor soou pragmática.
— Ah. Obrigada, querido. Sabe, fica difícil enxergar depois de certa
idade.
Ambos concordaram, mesmo sabendo que a dificuldade de enxergar
tinha mais a ver com as cervejas que com a idade.
— Preciso chamar um táxi. A não ser que você esteja indo para a
cidade, porque nesse caso pode me dar uma carona — ela disse se dirigindo
a Aidan. — E não se preocupe porque eu não sou uma dessas pessoas
impertinentes que ficam dizendo besteiras e distraindo os motoristas. Não
senhor, eu sei como são essas coisas. Dirigir requer concentração.
— Será um prazer levá-la, senhora Healy.
— Que ótimo! — a mulher levantou-se do sofá com dificuldade. —
Então vamos de uma vez, temos de deixar que meu neto descanse porque
uma mente cansada não escreve bons livros, não é mesmo?
Conor parecia mesmo um pouco cansado. Os olhos dele estavam
ligeiramente vermelhos e as pálpebras pareciam pesadas. Os três foram até a
entrada, onde a senhora Healy prendeu o neto em um forte abraço.
— Vovó te ama, querido! Foi maravilhoso te ver.
— Adeus, vovó.
Ela saiu da casa deixando aos dois sozinhos por um momento.
— Eu sinto muito — Conor se apressou em dizer. — Não sabia que ela
viria.
— Não se preocupe. Ainda que eu tivesse preferido ficar sozinho com
você, a verdade é que me diverti muito. Essa sua avó é uma figura!
Ele abriu um sorriso — Sim, ela é... Interessante — Estendeu a mão.
Aidan a tomou e aproveitou a chance para se aproximar um pouco.
— Escute, eu não me importaria de ver você outra vez.
Conor considerou a proposta por alguns segundos.
— Não vejo problema em vê-lo novamente. Afinal, nosso encontro
desta noite não ocorreu como o esperado.
— Está ficando tarde! — a senhora Healy gritou do lado de fora.
— Pode me emprestar seu celular? — Aidan pediu.
— Meu celular?
— Sim, está com você?
— Está.
Conor retirou o telefone do bolso e o entregou parecendo intrigado.
Aidan o desbloqueou e acessou os contatos.
— Pronto. Guardei o meu número na sua memória — disse
devolvendo o aparelho. — Quando quiser me ver, é só ligar.
— Certo.
Deu uma olhada para fora e viu a senhora Healy observá-los
impaciente.
— Acho que tenho que ir.
— Tchau, Aidan.
— Até mais, Garoto das fadas — deu um beijo na bochecha de Conor e
seu sorriso foi a última coisa que Aidan viu antes de deixar a casa. Uma
imagem que, com certeza, permaneceria com ele a noite toda.
— Ele vai ligar.
— Não vai, não. Se quisesse, já teria ligado.
— Seja paciente! — pediu Aisling aborrecida. — Deve estar ocupado.
Quando não estiver, vai ligar.
— Já se passaram dois dias. Conor não quer me ver. Quer dizer, quanto
tempo leva mandar uma mensagem?
— E por que você não manda uma mensagem?
— Porque não tenho o telefone dele. Deixei o meu número porque
achei que... Sei lá! Ele não vai ligar — Aidan não podia evitar sentir-se
desapontado. Apesar de não terem chegado mais longe, o beijo foi fantástico!
Pensava que tudo havia ido bem, mas não receber um telefonema de Conor,
significava que o rapaz não o achara interessante o suficiente. — Foi apenas
uma atração física. Dessas coisas que acontecem do nada. Mas foi só isso. Já
passou. Conor seguiu em frente e eu também.
— Ah é? Pois você não parece estar “seguindo em frente”.
— Estou, sim! É sério. Não quero mais pensar em Conor Healy. Vamos
mudar de assunto.
— Mas e se o cara ligar?
— Ele não vai ligar!
Aisling deu de ombros e se concentrou em limpar as garrafas. A irmã o
conhecia melhor que ninguém e sabia o quanto toda a situação com Conor o
havia afetado. Era uma pena, mas o que mais poderia ter esperado? Os
escritores eram estranhos mesmo. Toda aquela criatividade devia mexer com
suas cabeças. Era de se esperar que de tanto viver na fantasia, não soubessem
como agir no mundo real. E Conor era um belo exemplo disso.
Claro que, ver o outro como o problema fazia com que tudo fosse mais
fácil para Aidan já que a outra opção seria aceitar o fato de que simplesmente
não era bom o bastante. Sentiu uma pontada de frustração no peito.
Um senhor entrou no pub, distraindo-o de seu conflito interno. Eles já
sabiam reconhecer aos turistas e aquele homem era, sem dúvida, irlandês.
— Olá. O que vai ser?
— Por que não começamos com o meu velho amigo Jameson?
— É pra já.
Aidan serviu o uísque e depositou o copo na frente do sujeito. Vestia
uma camiseta do time de Hurling de Dublin.
— Os rapazes estão jogando bem este ano, não é? — a conversa
puxada parecia despretensiosa.
O homem assentiu. — Ah, sim. Os veremos na final.
— Não pense que o Tipperary vai facilitar as coisas.
— Você é de lá? — tomou quase toda a bebida em um gole.
— Nascido e criado. O senhor joga?
— Senhor está no céu. Meu nome é Patrick. Paddy está bem.
Estendeu a mão e Aidan a tomou. — Sou Aidan.
— Aidan, eu jogo sim. Inclusive, organizo partidas entre amigos e ex-
colegas de trabalho e precisamos de gente. Jogamos todos os Sábados no
Phoenix. Você se interessa?
— Claro. Adoraria.
— Ótimo. Então por que não aparece por lá, amanhã às nove?
— Conte comigo, Paddy. Vai ser divertido.
— Perfeito. Vai jogar no meu time. Você tem o equipamento?
Aidan assentiu.
— Maravilha — Paddy notou que os dois rapazes sentados ao lado
dele estavam babando por Aisling. — Diga-me uma coisa. Aquela mocinha é
sua irmã? — indicou Aisling com a cabeça.
— É minha irmã gêmea.
— Sei. Deve te dar umas baitas dores de cabeça!
Aidan soltou uma gargalhada.
— Acredite, o gosto dela para homens não ajuda em nada!

— Explique outra vez por que tenho que jogar Hurling com o seu tio?
— Ai, Niall! — mesmo estando do outro lado do telefone, sabia que
Gemma estava revirando os olhos. — Eu já disse. Porque o Aidan estará aí.
Você precisa ficar próximo dele e a melhor maneira de aproximar-se de outro
homem é praticando esportes.
— Acho que a ideia que você faz dos homens é um tanto limitada —
resmungou. — Além do mais, pensei que o importante fosse aproximá-lo do
Conor.
— E é por isso vão jogar juntos. Se vocês ficarem amigos, será mais
fácil aproximá-lo do nosso filho. A mamãe reuniu muitas informações úteis
quando esteve com eles na quarta-feira. Uma das coisas que Aidan comentou
é que adora Hurling. Sendo assim, pedi ao tio Paddy que o convidasse para
jogar no time.
— Me alegra muito saber que você converteu a minha mãe em uma
espiã e ao seu tio em um peão... Escute, eu não estou muito seguro de que
essa seja uma boa ideia. A última vez que joguei Hurling foi um pouco
depois que o Conor nasceu.
— Tenho certeza de que você vai se sair muito bem. É como andar de
bicicleta! Você só tem que seguir o plano. Basta fazer exatamente o que nós
combinamos.
— Não sei não...
— Amor, preste atenção. Você é um pai lutando pela felicidade do seu
filho! Nada é mais importante que isso — o drama permeava cada palavra.
— Você consegue! Siga o plano!
— Está bem. Está bem. Não se preocupe, vou agir conforme o
combinado.
— Isso mesmo. Sei que você pode fazer isso, meu amor. Você é um
guerreiro! Agora mostre àqueles homens quem é que manda!
— Eu vou mostrar — Niall falou sem um pingo de entusiasmo. — Vou
jogar um pouco de hurling e conseguir um namorado para o meu filho.
Moleza.
— Esse é o espírito! É por isso que eu te amo, seu jogador de hurling
sexy!
— Até mais tarde, querida.
Niall desligou o celular e o guardou na mochila. Saiu do carro e foi até
o porta-malas por seu equipamento: o capacete e o Hurley, o taco típico do
esporte irlandês de origem celta; um dos mais antigos do mundo em que
quinze jogadores entravam em campo com o objetivo de levar a Sliotar, ou
bola, ao extremo oposto e colocá-la dentro da rede com a ajuda do taco
mencionado. Muitas pessoas o achavam similar ao hóquei, só que praticado
em um campo. Um jogo de precisão e velocidade. Ou, sessenta minutos de
autoflagelação, que era como Niall o via.
— Senhor Healy? — a voz de Aidan soou atrás dele. O espetáculo
começou.
— Oi, Aidan! — tentou parecer surpreso.
— O senhor vai jogar?
— Ah, por favor! Pare com isso de senhor. Me chame de Niall.
— Está bem — O jovem concordou abrindo um sorriso. — Você
conhece o Paddy?
— Se eu conheço? Ele é tio da minha esposa.
— Não brinca! Que coincidência!
— Pois é! É mesmo apenas uma grande coincidência! Nada mais que
coincidência — falou um pouco mais alto do que pretendia.
Aidan franziu a testa. — Então você vem todos os sábados?
— Para dizer a verdade, já faz um tempo que não jogo. Mas como diz o
ditado, é como andar de bicicleta! — esboçou um sorriso amarelo, esperando
que ele validasse o que havia dito.
— Com certeza! — Aidan concordou divertido. — Você vai se sair
bem. Vamos?
O Parque Phoenix ficava perto do centro da cidade e era uma área
verde de mais de setecentos hectares que além de abrigar a um zoológico e a
residência oficial do presidente da Irlanda, também proporcionava aos
Dublinenses várias atividades, inclusive áreas para praticar esportes.
Niall gostava de passear pelo parque de vez em quando. Caminhada era
o mais próximo de exercício que ele fazia.
Os jogadores já estavam reunidos. Alguns corriam e moviam braços e
pernas para esquentar o corpo e outros conversavam como velhos amigos.
— Até que enfim resolveu aparecer, seu molenga! — tio Paddy
grunhiu.
— Oi, tio. Estou muito bem, obrigado.
— Vejo que conheceu o Aidan — ele ignorou o sarcasmo de Niall.
— Na verdade nós já nos conhecíamos. Ele esteve tocando na nossa
festa de aniversário de casamento. Não se lembra?
— Ah! Mas é claro! Bem que eu achei que havia algo de familiar em
você — o homem atuava de maneira talentosa em seu papel.
— É uma feliz coincidência.
— Bem, acho que já estão todos aqui. Vamos começar — Tio Paddy
lançou a Niall um olhar reprobatório. — É melhor você esquentar esse corpo,
moleque. Não queremos que seus ossinhos delicados se quebrem.
Niall soltou um suspiro.
— Estou casado com a sobrinha dele há trinta anos e o velho continua
me chamando de “moleque” — sussurrou fazendo com que Aidan abafasse
uma risadinha.

Depois de ter que parar três vezes para recuperar o fôlego e um litro e
meio de água, Niall desejava que aquele pesadelo tivesse um fim.
O quê estava pensando quando acreditou que podia passar sessenta
minutos jogando? Era um acadêmico, pelo amor de Deus! Do tipo que lê
livros e discute teses. E não um atleta.
— Niall? Você está bem? — Aidan perguntou do meio do campo.
— Lógico! Perfeito! Estou amarrando o cordão dos meus shorts. Já
vou. Beleza de jogo! — fez um grande esforço para soar como se ainda
restasse algo de ar em seus pulmões. Sentia as pernas queimando e os braços
doíam de tal maneira que estava seguro de que passariam alguns dias antes
que pudesse levantá-los sem sentir uma dor excruciante.
Estava considerando engolir a vergonha e avisar que já não podia
terminar o jogo quando o apito soou indicando o fim.
Que alívio! — Já acabou? Ah, que pena! Nem me deu tempo de voltar
para terminar.
— Pois de onde eu estava olhando, você não parecia querer voltar para
terminar — provocou tio Paddy. Todos os jogadores deixavam o campo,
suados e cansados. — Além do mais, não estava ajudando muito, com todas
essas paradas para arrumar os shorts.
— Depois de todo esse exercício... — Niall se apressou em dizer. —
Uma cerveja cairia muito bem, vocês não acham? Vamos buscar um lugar, é
por minha conta.
— Nada disso — protestou Aidan. — Vamos para o meu pub. Faço
questão de oferecer umas cervejas por conta da casa.
— Bem, não vejo nada de mal nisso — concordou tio Paddy.
Os três homens se despediram de todos e entraram em seus carros.
Niall se perguntou como faria para dirigir, já que naquele exato momento
deixou de sentir suas pernas.
— Alô? — ouviu a voz de Gemma responder.
— Fique sabendo que eu só estou feliz por haver conseguido sair disso
vivo!
— Ai, Niall! Não seja dramático! O exercício vai te cair bem.
— Sim, o exercício cairia bem. Se aquilo tivesse sido exercício. Mas
não foi! Aquilo foi uma tortura! Eu nunca. Repito. Nunca, voltarei a permitir
que você me convença de algo.
— Pois nós dois sabemos que isso não é verdade.
— O que eu não consigo entender... — continuou ignorando o
comentário da esposa. — É por que esse garoto não pode ser como os
homens gays da TV que gostam de coisas como balé e costura. Eu não teria
tido problema em assistir a uma aula de costura. As aulas de costura são
tranquilas e ninguém se machuca. Mas não! Não, não, não! Você tinha que
escolher um namorado para o Conor que gosta de Hurling, Boxe e correr!
Você sabia que ele corre todas as manhãs? Ele corre, pelo amor de Deus!
Sem nenhuma razão!
— Se você já terminou de se queixar, lembre-se que ainda falta a
segunda parte do plano. Precisa trazê-lo aqui. Sem que ele perceba que foi
trazido.
— Eu sei, eu sei. A droga do plano! Eu só espero que a sua parte desse
plano descabelado, seja tão difícil quanto a minha.
— E será. Talvez não fisicamente. Mas, emocionalmente será muito
difícil.
— Acho bom! Agora tenho que ir. Vamos para o Red Twins.
— Que ótimo! Isso significa que tudo está indo conforme o planejado.
Você só precisa fazer o que nós combinamos.
— Eu sei.
— Eu te amo! Você está indo muito bem!
Desligou o celular e deu partida no carro.
— O plano! O plano! Não se esqueça de seguir o plano! — disse para si
mesmo com uma versão exagerada e aguda da voz de Gemma. — Essa
porcaria de plano vai terminar me deixando maluco — saiu do
estacionamento em direção ao pub de Aidan.
Tudo pelo Conor.

O Red Twins estava cheio, como sempre, mas o ambiente era


completamente diferente durante o dia. A maioria das pessoas ocupava as
mesas e desfrutava de um café da manhã apetitoso. Belos pratos cheios de
salsichas, chouriço preto, ovos, tomate e champignons tostados, e é claro,
cerveja para acompanhar. A animação era um pouco mais contida e o clima
muito mais relaxado.
Os três se aproximaram do bar e pediram as cervejas de sua preferência
a um jovem que Aidan chamou de Rory enquanto o bartender ao lado
ensinava a um turista a maneira correta de servir Guinness.
— Vamos sentar ali — Aidan apontou para uma mesa vazia no fundo.
Eles se acomodaram e ergueram seus copos. — Sláinte[4] — disseram
em uníssono.
— Tenho uma pergunta — soltou Niall. — Por que é que você nunca
deixa aquele menino... O Kevin, beber?
— Ah, é que da última vez que bebeu, ele ficou um pouco alegre
demais. Subiu em uma das mesas e tirou a roupa.
— Tá brincando?
— Não, e o pior é que o pub estava cheio de turistas americanos. Eles
foram embora achando que todos os irlandeses tiram a roupa quando ficam
bêbados.
Tio Paddy quase cuspiu a cerveja.
— Eu preferia quando eles pensavam que todos nós tínhamos
Leprechauns de estimação.
Os três riram. Eles conversaram por cerca de dez minutos antes de o tio
Paddy anunciar que tinha que ir embora. Despediu-se de Aidan, lançou a
Niall um olhar que dizia claramente “não estrague tudo” e saiu deixando-o
com a nítida sensação de que era muito provável que estragasse tudo.
— Este lugar é muito legal. Você fez um ótimo trabalho aqui.
— Obrigado. Não teria conseguido sem a minha irmã. Ela é o cérebro
da operação.
— Ah, eu entendo — Niall comentou em tom de cumplicidade. —
Também passei a maior parte da minha vida ao lado de uma garota
notavelmente mais inteligente que eu.
Aidan riu.
— Então, de quem o Conor herdou o talento literário? — tomou um
grande gole de cerveja.
Ele fez a pergunta com um forçado ar de desinteresse que fez com que
Niall percebesse de imediato que havia estado ansioso por perguntar sobre
seu filho.
— Bom, a criatividade, com certeza foi da mãe. Mas a paixão pela
literatura foi graças a mim — apontou um orgulhoso dedo para si mesmo. —
Quando Conor era pequeno, eu sentia muita dificuldade de me aproximar
porque ele não gostava de ser abraçado ou acariciado. Também não
conversava muito. Então, todas as noites, lia livros pra ele; os clássicos eram
seus favoritos. Essa era a minha maneira de criar um laço com o meu filho,
sabe? E bom, desde aí os livros têm sido a paixão de Conor.
Aidan estava pendurado nas palavras de Niall. — É, dá pra perceber
que para ele os livros são muito mais que simples histórias.
— Pois é, os livros são sua maneira de desvendar o mundo. Às vezes,
ele os utiliza como uma ferramenta. Ao contrário da maioria das pessoas que
leem livros para fugir da realidade, Conor os usa para dar sentido a ela. É
uma vida difícil.
— Difícil por quê? — Aidan perguntou franzindo a testa.
— Porque ele se esforça muito para entender às pessoas, mas a maioria
delas não faz o mínimo esforço para entendê-lo.

— Fique sabendo que eu fiz tudo certo. Fiz tuuudo que você pediu —
disse Niall antes de se deixar cair sentado na cama. Começou a tentar
desamarrar o cadarço do tênis; uma tarefa simples que naquele momento
parecia quase impossível.
— Exceto pela parte de fingir que estava bêbado porque é obvio que
você não está fingindo, não é mesmo? — Gemma apontou.
— Não estou bêbado, só tomei umas cervejinhas. Nada demais —
justificou, ainda na luta contra o cadarço.
— O bom é que deu certo. Tudo dentro do planejado. Eu só espero que
você não tenha dito ao Aidan algo que nos entregue.
— Nããão. Eu não revelei o seu plano secreto — o marido colocou o
dedo indicador na frente da boca em um exagerado gesto de silêncio. —
Minha boca é um túmulo.
— Ótimo. Vou ver como nosso convidado está. É melhor você ficar
deitado.
Niall respondeu com um ruído indistinguível e depois caiu de costas na
cama, por fim assumindo a derrota contra os tênis.
Na sala, Gemma encontrou Aidan sentado no sofá com uma postura de
menino obediente. — Como ele está? — quis saber, imediatamente pondo-se
de pé.
— Vai ficar bem depois de dormir um pouco. Muito obrigada por ter se
dado ao trabalho de trazê-lo. E... Mil desculpas pelo vexame.
— O quê é isso! Foi culpa minha, mesmo — o jovem confessou. — O
convidei pra tomar umas cervejas no meu pub. Não sabia que ele era tão
fraco para a bebida.
— Ah, ele é sim. Não está acostumado a beber.
Aquela não era uma mentira. Niall era mesmo um mal bebedor. O
plano, que consistia em fingir que estava bêbedo e convencer Aidan a trazê-lo
em casa, terminou sendo muito mais realista que o esperado.
— Bem, agora que o Niall está entregue é melhor eu ir andando.
— Não! — Gemma soltou. — Você tem que ficar para almoçar com a
gente. Eu insisto.
— Não é um pouco cedo para almoçar? Ainda nem é meio dia.
— Eu sei. Acontece que o Conor sempre almoça ao meio dia em ponto.
Aidan fez um esforço válido para disfarçar, mas Gemma não era
nenhuma amadora. Percebeu o nervosismo instantâneo dele.
— Ah, é mesmo? Então o Conor vai vir?
— Já deve estar a caminho. Por favor, fique. Você veio até aqui para
trazer o meu marido bêbado. O mínimo que posso fazer é oferecer um
almoço como agradecimento.
— Eh, eu não sei — ele pôs uma mão na cintura e com a outra coçou a
barba. — É que... Preciso voltar ao pub...
— Por favor — Gemma juntou as mãos em um gesto de súplica.
— Está bem — Aidan disse por fim. — Eu fico.
Ela foi para a cozinha. Apagou o fogo do guisado de carne e o revisou.
Estava perfeito. Ouviu um carro se estacionando do lado de fora. Conor.
Voltou para a sala a tempo de encontrá-lo entrando. No início ele
estava normal. Olhou para ela e lhe lançou o “oi mamãe” de sempre. E então
viu Aidan sentado no sofá e uma expressão de puro terror se formou em seu
rosto.
— Olá! — disse o rapaz acenando timidamente.
Conor não respondeu. Limitou-se a olhar de Aidan a ela sem saber o
que fazer.
— Filho, posso falar com você na cozinha por um minuto?
Conor a seguiu até a cozinha evitando olhar para Aidan que assistia
tudo sem entender. — O que ele está fazendo aqui? — falou no minuto em
que passaram pela porta.
— Ele trouxe o seu pai do pub e eu o convidei para almoçar conosco —
abriu o sorriso mais brilhante que pôde para mostrar a ele que tudo estava
bem.
Não funcionou.
— Trouxe o meu pai? Do pub? — a ansiedade de Conor aumentava
com cada palavra. — O que o papai estava fazendo em um bar tão cedo?
— Aidan o convidou para tomar umas cervejas depois de uma partida
de Hurling e o papai ficou um pouco bêbado — Não. Aquilo definitivamente
não estava indo bem.
Conor começou a olhar para os lados como se estivesse tentando
encontrar um sinal de que havia entrado em uma realidade paralela. — Meu
pai ficou bêbado. E ele estava jogando Hurling — ele iniciou o ritual de
estalar os dedos um por um.
— Conor, você vai se acalmar agora mesmo! — Gemma disse em um
tom autoritário.
Ele abaixou a cabeça, mas continuou estalando os dedos.
— Não é segredo pra ninguém que seu pai é péssimo para os esportes,
mas o tio Paddy o convidou e você sabe como ele se esforça para
impressioná-lo. Acontece que Aidan também estava jogando. Os três foram
ao pub; seu pai bebeu e Aidan foi amável o bastante para trazê-lo em casa
porque ele não estava em condições de dirigir.
— Mas... Você devia ter avisado. Eu sempre almoço com você e o
papai. Você e o papai. Ninguém mais.
— Ai, Conor! É apenas um almoço! E, além disso, você conhece o
Aidan. Vi vocês conversando na festa. Pensei que haviam se dado bem.
Outro ciclo de estalo de dedos e um olhar fixo na geladeira. — Sim...
Quer dizer... Você devia ter me avisado. Acho que é melhor eu ir embora.
Ela não queria utilizar àquele recurso, mas não havia outro jeito...
— Ah sim, claro! Você vai embora! Eu não vi você a semana inteira e
só queria passar um tempo com o meu filho — Cobriu o rosto com as mãos
como se estivesse chorando. — Mas isso não será possível porque mesmo
depois de eu ter aguentado seis dolorosas horas de trabalho de parto, ele não é
capaz de suportar um almoço comigo!
Ela sabia que se havia algo que Conor não podia suportar era o drama.
Ele não conseguia lidar com isso. Sim. Gemma estava ciente de que fazer
chantagem emocional era errado, mas as mães não tinham algum tipo de
passe ou uma permissão temporal ou algo assim? Se não, deveriam ter.
— Está bem, mamãe. Eu fico — ele disse quando terminou de estalar o
dedo mindinho da mão esquerda, o último do ciclo.
Sempre funciona! — Maravilha! Então vá para a sala fazer companhia
ao nosso convidado. O almoço está quase pronto. Ande logo, vai, vai —
expulsou um confuso Conor para fora da cozinha.
Aidan corrigiu a posição no sofá quando Conor entrou na sala. O rapaz
caminhou com a cabeça baixa e nem sequer olhou para ele antes de se sentar
ao seu lado. O ruivo já havia decidido que a melhor estratégia era parecer
relaxado e casual. Seja lá o que relaxado e casual significasse porque naquele
momento ele tinha certa dificuldade de discernir. O fato era que ele era
orgulhoso o suficiente para não dar a Conor indícios de sua frustração. E não
daria. Agiria como se tudo estivesse perfeitamente normal,como se nada
tivesse acontecido. Ele nunca esteve na casa de Conor e eles nunca se
beijaram. — Como você vai?
— Eu sei que devia ter ligado — o escritor anunciou abruptamente.
— O quê?
— Rosie me explicou que se alguém me dá seu número de telefone é
porque espera que eu ligue para marcar um encontro. Então eu sei que devia
ter ligado.
— Você não estava a fim de me ver. Acontece — não pôde evitar
transparecer um pouco de ressentimento em seu tom de voz.
— Não foi por isso — Conor explicou. — Não liguei porque não sabia
o que dizer.
Não sabia o que dizer?! — Você podia ter dito "oi" — o sorriso irônico
foi difícil de segurar.
Conor ficou calado e Aidan começou a se sentir mal por ser tão duro
com ele. Relaxado e casual. Repetiu a si mesmo como se fizesse diferença.
— Escuta, não tem problema. Não há nada de mal em ser tímido.
— Não sou tímido. Eu tenho Síndrome de Asperger.
— Síndrome de quê?
— De Asperger.
— E o que isso quer dizer?
— Quer dizer que sou Autista.
Por essa Aidan não esperava.
— Autista? É mesmo? — tentou assimilar a ideia. O que dizer a uma
pessoa depois de uma confissão tão importante?
— Eu gostei de você. Tinha vontade de vê-lo outra vez.
— Tá aí. Você podia ter dito isso quando ligasse — Conor não
respondeu. Seguia cabisbaixo. — Eu pensei que os Autistas não falassem.
Que só ficassem montando quebra-cabeças e essas coisas.
— Essa é uma ideia equivocada. Existem níveis de autismo e cada
pessoa é afetada de uma maneira. De qualquer forma, a Síndrome de
Asperger é diferente. Os indivíduos com SA não costumam ter problemas
cognitivos, o que significa que o nível de inteligência é normal ou acima da
média, que é o meu caso.
— Ah, então você é tipo um gênio?
— Não. Não sou tipo um gênio.
— Ah.
— Eu sou um gênio.
Silêncio.
— Quer jogar xadrez qualquer dia? — Aidan perguntou mais para ter
alguma coisa para falar. Sabia que estava sendo estúpido, mas nunca havia
estado em uma situação como aquela e não queria correr o risco de dizer algo
idiota e ofender a Conor.
— Você ainda quer estar comigo?
— Por que não iria querer?
— Por causa do que acabei de dizer, é claro.
Aidan pensou que era triste que Conor sequer considerasse que alguém
não gostaria de estar na companhia dele por ser Autista. — Você disse que
tem a Síndrome de Sei-Lá-O-Quê. Não vou deixar de querer estar perto de
você por causa de uma doença.
— Não é uma doença — Conor corrigiu. — A Síndrome de Asperger é
um Transtorno Neurológico no Espectro do Autismo.
— Sei. E essa Síndrome faz com que você não possa usar o telefone, ou
algo assim? — sentiu-se um pouco sarcástico demais. Pronto. Era mesmo
uma questão de tempo até que ele dissesse algo idiota. Por sorte, Conor não
percebeu. Ou talvez tenha percebido, mas não se ofendeu.
— Ela faz com eu tenha problemas de interação social e as conversas
telefônicas são uma forma de interação social — começou a estalar os dedos
das mãos um por um. — Todas as formas de interação social me geram
ansiedade.
— Ah. Entendi. Então é por isso que você nunca olha nos meus olhos?
— Sim. Mas não leve a mal. Eu nunca olho nos olhos de ninguém. Não
consigo. Eu sei que a falta de contato visual faz com que as minhas palavras
tenham menos credibilidade e por isso tento manter meu foco na testa ou na
boca, mas isso nem sempre funciona.
— Sei... Uma dúvida, você diz que tem problemas de interação social,
mas, me convidou para ir à sua casa naquele dia. Aquilo era tipo um
encontro, não era?
— Era. Mas é diferente porque eu queria fazer sexo com você, não ser
seu amigo — Conor respondeu enfático.
— Ah! Nossa! Eu não me senti nem um pouco como um objeto agora.
Nem um pouco.
— Eu tenho a impressão de que você está sendo sarcástico.
— Na verdade, estou, sim — Aidan esclareceu. Uma raiva começou a
brotar dentro dele. E ele nem sabia o motivo da raiva já que o que Conor
disse era mesmo o que ele havia pensado: uma atração física que não durou.
Talvez, no fundo ele esperasse não ter razão. Esperava que Conor dissesse
algo como, “rolei pela escada, quebrei os dois braços e não podia usar o
telefone!”.
— Por que você se sente como um objeto? — Conor o analisou como
se ele fosse um grande enigma da natureza.
— Você não adivinha? Quer dizer, você acabou de dizer que só queria
sexo comigo.
— Eu não tinha intenção de ofendê-lo, Aidan. Desculpe. Mas essa é a
verdade. O sexo é fácil. É apenas uma questão de mecânica. As relações, por
outro lado, são complicadíssimas. Não há fórmulas ou métodos que se
apliquem às relações e eu preciso de fórmulas e métodos para entender as
coisas. Mas saiba que foi por isso que não liguei.
— O que você quer dizer?
— É que depois daquela noite na minha casa, você me fez sentir que
queria algo mais que sexo e isso me assusta.
Aidan não podia conter a surpresa. E ele que havia estado se
martirizando todo aquele tempo. Se perguntando o que havia feito de errado.
— Acho que ninguém nunca tinha sido tão sincero comigo antes. E, bom,
entendo que você esteja assustado. Também estou. Pra ser honesto, você me
intimida um pouco.
— Eu intimido você?
— Com certeza! Não sei se percebeu, mas você é incrível, sabe?
Homens como você não aparecem na minha vida todos os dias. Sei lá, pensei
que não tivesse me achado interessante.
— Não. Eu te acho bastante interessante.
A senhora Healy entrou na sala com pratos e talheres nas mãos. Os dois
ficaram em silêncio e Aidan ignorou o fato de que seu coração batia na
velocidade da luz e suas mãos estavam suando.
— Está pronto. Fiz guisado de carne com Guinness. Você vai adorar,
Aidan — ela anunciou animada.
— Eu adoro carne e adoro Guinness — seu tom de voz mostrava uma
nova onda de energia percorrendo seu corpo.
Ela abriu um enorme sorriso.
— Conor, você está conversando com o Aidan, não está? Espero que
não esteja lendo no celular.
— Ah, não — Aidan respondeu. — Ele não está lendo. Nós estamos
conversando bastante.
O sorriso da mulher se ampliou. Preparou a mesa rapidamente e
regressou à cozinha.
Eles permaneceram calados. As coisas ficaram esquisitas depois da
conversa e era óbvio que nenhum deles sabia como prosseguir.
— Bom — Aidan rompeu o silêncio. — Acho que já ficou claro que
nós dois somos uma droga se tratando de relacionamentos. O nosso nem
passou de um beijo e a gente já estava arruinando tudo.
— É o que parece.
— Mas nem tudo está perdido. Ainda podemos tentar fazer com que
isso funcione. — Moveu a mão indicando aos dois.
— Como?
— Se tomarmos as coisas com calma, avançarmos devagar, poderia dar
certo.
— À quê você se refere quando diz “avançar devagar”?
— Me refiro a que devíamos voltar ao plano original de ser amigos e
deixar o sexo como uma opção em aberto. Pra mais tarde. Dependendo de
como a parte de ser amigos funcione. O que a sua ansiedade acha disso?
— Pensei que você quisesse fazer sexo comigo — Conor pareceu mais
curioso que desapontado.
— Eu quero. Mas é melhor começar pela amizade e deixar o resto fluir
naturalmente. Tudo bem pra você?
— Suponho que não há nada de mal em tentar. É fácil ser amigo de
alguém por quem nos sentimos atraídos?
— Ah, claro — Aidan respondeu. Nem ele mesmo acreditava na
própria resposta. — As pessoas fazem isso o tempo todo.
— Ande logo, seu molenga!
— Estou cansado!
Aidan não podia acreditar que havia convencido Conor a fazer uma
trilha pelos penhascos de Howth. Claro que isso só foi possível quando ele
soube que, no caminho, passariam pela casa onde William Butler Yeats
viveu. Um dos aclamados escritores irlandeses, que também era um dos
favoritos do rapaz.
— Sabe qual é o seu problema? É que você nunca se exercita. Por isso
está tão cansado.
— Eu discordo — o escritor respondeu entre respirações. — Meu
cérebro é um músculo e eu o exercito o tempo todo.
— Ah, é mesmo? O problema, meu caro, é que o seu cérebro não vai
fazer você chegar ao final da trilha. As suas pernas é que vão.
Conor apoiou as mãos nos joelhos e abaixou a cabeça como se tivesse
acabado de terminar de correr uma maratona. O pior era que a trilha durava
umas três horas e eles apenas haviam caminhado por uns vinte minutos. —
Você está sendo sarcástico, não está?
— Sim, lindo. Eu estou. Venha — sentou no chão e esticou as pernas.
Conor se juntou a ele. — Não posso acreditar que você vive em Howth e
nunca tinha vindo a este lugar. Você estava perdendo essa vista maravilhosa.
— Eu vi os penhascos muitas vezes no YouTube.
— Não é mesma coisa — do lado esquerdo, o mar se estendia até se
perder de vista: calmo, como se pudessem caminhar sobre ele. À direita de
onde estavam, um verde infinito que justificava o apelido do país “Ilha
Esmeralda” e arbustos com pequenas flores amarelas próximas a eles.
Turistas caminhavam mais adiante, mas Aidan só ouvia o ruído do vento que
soprava contra seus corpos. A trilha era estreita naquele ponto. Estavam bem
próximos ao penhasco; podia ver as pedras abaixo, banhadas pelo mar. Conor
observava tudo sem expressão.
— Então? O que você acha?
— Talvez eu esteja disposto a admitir que o YouTube não é tão preciso.
Aidan riu.
— Pois é. Nada como a realidade — o clima estava ameno e o sol
brilhava suave e tocava seu rosto como uma carícia. Respirou fundo o cheiro
de mar.
Percebeu que Conor começou a deslizar a mão para dentro do bolso e
entendeu o que estava prestes a acontecer.
— Nem pense em tirar esse celular do bolso — repreendeu. — Agora
não é hora de ler.
Conor congelou a ação. — Não era para ler. Tenho que anotar a minha
ideia. Pensei em escrever uma história que fale sobre o mar. Ou talvez uma
cena que se passe aqui.
— É sério que este lugar lindo faz você pensar em gente morrendo?
O rapaz deu de ombros.
— Então guarde a ideia pra quando estiver trabalhando. Por agora,
apenas relaxe.
— Está bem — ele retirou a mão do bolso sem reclamar. Corrigiu a
postura. Segundos depois, começou a mover um dos pés e então, a estalar os
dedos. Estalava dedo por dedo e ao terminar com as duas mãos, reiniciou o
processo.
— Você não é muito bom nisso de relaxar, não é? — Aidan lhe disse,
quando já não aguentava mais ouvir o ruído de suas articulações.
— Não. Eu nunca relaxo. Principalmente se estou perto de alguém.
— Por quê?
— Não funciona dessa forma para mim. Às vezes penso que é quase
impossível ter Síndrome de Asperger e poder relaxar. Eu sempre estou
pensando. Estou sempre hiper consciente de todas as minhas ações. Sempre
há algo que me preocupa.
— É? Tipo o quê?
— Coisas como “Estou caminhando em linha reta?” “Estou falando
demais?” “Faço suficiente contato visual?” As coisas que os Neurotípicos
aprendem de maneira natural e instintiva, precisam ter alguma lógica para
mim. Eu as aprendo como se fossem uma equação, seguindo padrões e
observando o comportamento das outras pessoas. O que faz com que seja
difícil encontrar tempo para relaxar porque eu estou sempre pensando no que
estou fazendo.
— Neurotípicos são as pessoas que não possuem Asperger?
— Sim. NTs. Quando era mais novo, costumava ficar tão distraído que
me esquecia de fazer coisas como tomar banho e escovar os dentes. Por isso é
importante manter o foco.
— É por isso que você sempre segue uma rotina?
— Sim. Quer dizer, não é que eu realmente precise dela — disse sem
jeito. — Não agora que sou um adulto e sei o que devo fazer. O problema é
que eu já me acostumei e me sinto perdido sem uma rotina. Fico mais
confortável com coisas ou situações com as quais já estou familiarizado. Eu
já tive Depressão por essa razão, e também sofria de Transtorno Obsessivo
Compulsivo. Na verdade, o TOC ainda é um problema, assim como a
Ansiedade, mas os remédios ajudam e Eoin e eu trabalhamos nessas coisas.
Eoin é o meu psicólogo.
Aidan se lembrou de sua adolescência. Dos momentos de solidão. De
querer tanto ser incluído e aceito. De buscar compreensão e encontrar
repúdio, simplesmente por ser diferente. Imaginou que com Conor devia ser o
mesmo. Sempre tratando de fazer o melhor e nunca sentindo que era
suficiente.
Moveu-se para o lado para estar mais próximo dele e o rapaz se afastou
sem nem tentar disfarçar. Sentou mais perto e, uma vez mais, Conor se
moveu.
— Por que você se afasta cada vez que eu me aproximo? — os ombros
murcharam, demonstrando certo desapontamento.
— Eu li que a distância apropriada para se manter de uma pessoa é de
no mínimo quarenta e cinco centímetros, do contrário, poderia estar
invadindo seu espaço pessoal. Invadir o espaço pessoal de uma pessoa pode
resultar em problemas muito sérios. Um deles é a acusação de Assédio.
Também pode...
— Conor!
— Sim?
— Eu não vou te acusar de assédio!
— Prefiro não arriscar.
Aidan teve que engolir a frustração. Sabia que não tinha como competir
com uma informação que Conor havia tirado de um livro. Impossível! Não.
Precisava ser mais inteligente se queria se aproximar daquele leitorzinho
lindo e evasivo. E não foi ele quem mencionou que as coisas precisavam de
lógica? Se lógica era o que Conor precisava... Lógica era o que ele teria. —
Você pode me fazer um favor?
— Claro.
— Ótimo. Por favor, invada meu espaço pessoal.
Uma expressão que ficava entre confusão e desconfiança se formou no
rosto do escritor. — Você está sendo sarcástico?
— Estou falando muito sério. Se permito que você se aproxime, a sua
regra de quarenta e cinco centímetros pode ser quebrada, não pode? Porque
eu estou permitindo.
— Bem, se você permite...
Boa jogada, Aidan. Felicitou a si mesmo. — Sim, permito.
— Ah... Bem... Então eu... — completamente perdido. — O que você
quer que eu faça mesmo?
— Sabe de uma coisa? Deixa comigo — tomou a mão de Conor entre
as suas e o rapaz deu um pulo de surpresa.
— Mas nós estamos em público!
— Não estamos fazendo nada de errado — Aidan o acalmou.
— A sociedade não vê bem a dois homens se tocando em público,
Aidan.
— Primeiro: que se dane a sociedade. Segundo: contanto que não
toquemos nenhum lugar inapropriado, estaremos bem — explicou
— Entendo. E com "lugar inapropriado" você se refere aos genitais, é
claro.
Aidan sentiu vontade de rir.
— Basicamente — acariciou a mão dele com suavidade. — Viu só?
Isso está bem, não está?
— Sim.
Deslizou os dedos pelos braços de Conor e foi subindo. Quando
acariciou seu pescoço, o rapaz fechou os olhos e Aidan continuou,
acariciando o rosto dele, sentindo a suavidade da pele. Aproximou os dedos
de sua boca e sentiu uma imensa vontade de tocá-la. Meu deus, aqueles lábios
imploravam para serem beijados! Pensou na noite em que se beijaram na
biblioteca. Uma urgência cresceu dentro do ruivo e acabou com qualquer
chance de resistência.
Diferente da primeira vez, Conor não se surpreendeu. Abriu a boca no
mesmo instante para receber a língua de Aidan e os dois se beijaram
lentamente. A mão de Aidan estava no rosto dele e o contato dava mais
doçura, mais intimidade ao beijo.
— Você me beijou — o escritor disse quando suas bocas se separaram.
— É. Eu beijei.
— Você disse que nós seríamos amigos. Os amigos não se beijam,
Aidan.
Aidan sorriu satisfeito. — Acho que não. Mas nós somos bons pra
caramba nesse negócio de nos beijar. Seria um pecado desperdiçar esse
talento.
— Eu também acho que nós somos muito bons nos beijando — Conor
concordou. Aidan adorava a sinceridade dele. Era como se algum tipo de
mágica o impedisse de mentir. — Talvez bons demais porque os amigos não
se beijam.
— A gente devia começar a moda.
— Sarcasmo?
Assentiu. Se deu conta de que tinha curiosidade sobre a vida amorosa
de Conor. Ele já havia dito que nunca teve um namorado, mas também
deixou claro que já se envolveu com pessoas por quem se sentia atraído.
Aidan sabia que toda essa história de sair e beijar era algo novo para ele e se
alegrava de ver que pelo menos não estava desconfortável. — Diz aí, você já
beijou muitas pessoas?
— Eu não diria que foram muitas. Mas, tenho certa experiência —
Conor informou.
— É mesmo?
— Fique sabendo que eu não só beijei como também mantive relações
sexuais com duas pessoas diferentes — anunciou como se estivesse se
gabando de um ato muito sujo.
— Nossa! — Aidan tinha consciência de que qualquer coisa que Conor
chamasse de “experiência” provavelmente estaria longe de ser o que ele
considerava como experiência e ainda assim, precisou de muito controle para
não rir. — Duas pessoas! Uau.
— E você?
— Quê? Eu o quê?
— Com quantas pessoas você teve relações sexuais?
— Ah... Eh... Eh... — Parabéns, Aidan! Por ser um idiota! Repreendeu
a si mesmo. Devia ter considerado que o rapaz se sentiria curioso sobre ele
também. Tarde demais! As enormes bolas azuis o encaravam esperando uma
resposta. — Você sabe qual é a altura deste penhasco? Se alguém
escorregasse, seria uma bela queda, não é? — a mudança de assunto havia
sido brusca. Sim. Mas era melhor que mentir.
— Você está evitando a minha pergunta de maneira deliberada.
— Evitando a sua pergunta? Não! Claro que não! Não mesmo! —
ótimo! Quando Aidan esperava que ele percebesse algo, não percebia, mas é
claro que Conor havia encontrado um ótimo momento para ser perspicaz!
— Então por que não me responde? Se não estivesse evitando a
pergunta, acho que já teria respondido...
— Talvez umas quinze. Tá legal? — soltou.
— Quinze?! Você fez sexo com quinze pessoas?!
— Bom, é um número aproximado.
Conor ficou em silêncio por um minuto e Aidan começou a se
perguntar se finalmente havia conseguido estragar tudo. Talvez tivesse
assustado o loirinho de tal maneira que ele se levantaria e iria embora a
qualquer momento.
— Aidan, você é o que os NTs chamam de "galinha"?
— Escute, eu... Quê?!
— Eu li, certa vez, que quando um homem mantém relações com um
número elevado de pessoas, pode ser considerado promíscuo, ou sua forma
coloquial que é galinha. Quinze é um número elevado e considerando que
você só tem vinte e oito anos... Bem, é uma conclusão óbvia.
— Não é não! Eu não sou um galinha!
— Você ficou bravo?
— Mas é claro que fiquei. Você não pode... Não pode dizer esse tipo de
coisa... Não!
— Desculpe — não parecia muito arrependido. — Não quis ofender —
era um pedido de desculpas meio robótico. Como se só estivesse se
desculpando porque sabia que era o correto a se fazer e não porque realmente
entendia o que havia feito de errado.
Aidan respirou fundo. — Tá. Eu sei que você não fala por mal. É que
ainda não cheguei a me acostumar com o seu excesso de sinceridade. Só pra
esclarecer, você diz isso por que te incomoda que eu tenha saído com várias
pessoas?
— Não vejo nenhuma razão para me sentir incomodado. Quer dizer,
não fui eu quem saiu com todos esses homens, foi você.
E a sinceridade ataca novamente! — Pra que conste, o meu problema é
que sempre procuro o amor nos lugares errados. Não é que eu seja um
Galinha. É que os caras com quem saí, não eram nada como você.
— Atraente e interessante?
Aidan sorriu ao ouvir Conor repetir as palavras que ele usou em seu
segundo encontro. — É. Mas você também é inocente e sincero. Sincero até
demais! Os homens que eu conheço, geralmente são uns egoístas mentirosos
que só querem me usar.
— Então você procura nos lugares errados, mesmo.
— Não desta vez, você é diferente.
— Verdade. Eu não sou um egoísta mentiroso.
Não. Ele não era. Deixou de observar ao mar e preferiu observar ao
homem ao seu lado. O cabelo dele tinha tanto gel que o vento não o movia.
As bochechas estavam um pouco vermelhas pelo sol e ele parecia fora de
lugar ali. Como um personagem de livro contemporâneo que havia sido
enviado sem querer a um mundo de fantasia. Conor era o homem mais doce e
honesto que Aidan conhecera. Sabia no fundo de seu coração. — Quem
chegar ao final da trilha por último é a mulher do padre! — anunciou
levantando-se e correndo.
— Não. Espere, Aidan! Não devemos correr na trilha! E eu não corro!
— gritou.
— Vai ter que correr se quiser me alcançar!
— Aidan, não me deixe aqui sozinho. Há insetos. Eu morro de medo de
insetos!
— Vem logo!
— Eu ouvi um barulho! — sua voz saiu amedrontada. — Acho que é
um animal selvagem!
— Não há animais selvagens em Howth, seu tonto!
— Aidan, espere! Está bem, vou correr. Estou correndo, espere!
Aidan passava cada vez mais tempo com Conor. Normalmente, ele e
Aisling se revezavam para que um dos dois sempre estivesse no pub. Havia
ido vê-lo três vezes na última semana. Os dois sempre jogavam xadrez ou
conversavam sobre algum livro que ambos tinham lido.
Sentia-se mais e mais próximo dele e nos dias em que não o via, mal
podia conter a vontade de pegar o carro e dirigir até Howth depois de fechar o
pub, à meia noite. Infelizmente, a rotina de Conor incluía estar na cama às
onze em ponto.
Era impossível deixar o trabalho no fim de semana, quando estavam
mais ocupados, o que significava que ele não havia estado com Conor por
dois longos dias. Dirigiu os quarenta minutos habituais para chegar à casa de
porta vermelha em estilo Georgiano e estacionou atrás do carro de Rosie.
Estranhou que Rosie ainda estivesse lá. Ela sempre ia embora antes da uma
da tarde.
Enquanto caminhava até a porta, foi tomado por uma ligeira sensação
de alerta. Tocou a campainha como de costume e Conor não atendeu. Ouviu
vozes dentro da casa.
Tocou uma vez mais e nada.
Descobriu que a porta não estava trancada e entrou. Rosie estava saindo
do escritório e passou por ele sem dizer olá. Foi direto para a cozinha e Aidan
foi atrás dela. Começou a achar que algo andava mal. — Rosie, tá tudo bem?
Cadê o Conor?
Ela abriu uma caixa de metal que retirou do armário e, de dentro, tirou
uma seringa e um pequeno frasco de vidro. — Ele está tendo uma crise.
— Uma crise?
Foi correndo para o escritório e encontrou Conor no sofá. Ele estava
sentado, abraçando as duas pernas. Movia o tronco para frente e para trás e
seus olhos estavam abertos, mas não olhavam realmente para lugar nenhum.
Era como se ele estivesse ali e ao mesmo tempo não estivesse.
A senhora Healy estava sentada no chão na frente dele com um ar
cansado. Aidan se ajoelhou ao lado dela.
— O que está acontecendo com ele?
— Eu não sei — ela tinha um olhar triste. — Não sei qual é o problema
desta vez.
Aidan começou a esticar a mão para tocá-lo.
— É melhor não fazer isso — recomendou Rosie, entrando no
escritório. — Ele fica pior se o tocamos.
A garota segurava a seringa que já estava pronta com um líquido
amarelo. Ajoelhou-se ao lado de Aidan e se preparou para aplicar o remédio.
— O que é isso?
— Um calmante. Vai fazê-lo dormir.
— Se ele dormir não vamos saber por que está assim.
— Não saberemos de qualquer forma, Aidan. Ele não fala quando tem
as crises e pode ficar desse jeito por horas.
— É melhor aplicar o calmante e deixá-lo descansar — a senhora
Healy repuxou os lábios, conformada.
Rosie aplicou a injeção no braço de Conor e ele nem sequer mudou de
expressão. Continuou com o movimento para frente e para trás, ignorando
tudo ao redor dele.
— Agora é só esperar fazer efeito — disse Rosie.
Aquilo cortou o coração de Aidan. Eles não estavam colocando um
animal para dormir, pelo amor de Deus! Havia algo de errado com o rapaz e
eles nem sabiam o que era. — Eu não posso ficar aqui assistindo isso. Deve
haver uma razão para que ele esteja tendo essa crise. Não devíamos estar
tentando descobrir por quê?
— Eu entendo a sua frustração, mas não há nada que fazer — Rosie
explicou. — Podemos perguntar o que aconteceu quando ele estiver se
sentindo melhor.
A senhora Healy apenas olhava para o filho com impotência marcada
no rosto.
— Ele normalmente fica assim por algum motivo? — Aidan tentou. —
Acontece do nada?
— Acontece quando ele fica ansioso. Quase sempre em situações com
as quais não sabe lidar — Rosie explicou. — Quando fica muito surpreso,
triste ou com medo. Conor não reage bem a mudanças.
Para as duas, aquilo parecia ser recorrente, mas Aidan não conseguia
ficar parado vendo-o sofrer. Porque a crise significava que ele estava
sofrendo, não significava? Levantou-se e começou a dar voltas pelo
escritório, que era a única coisa que ele podia fazer e sem dúvidas não era
suficiente. Cada vez que olhava para Conor sentia uma pontada no peito.
O escritório era ocupado por uma mesa de madeira adornada, estilo
céltico. Atrás dela, outra parede coberta por uma estante cheia de livros e à
sua direita, um pequeno sofá marrom claro de dois lugares; naquele momento
ocupado pelo escritor, ainda em seu estado “distante”.
Vê-lo daquele jeito fazia com que Aidan sentisse vontade de quebrar
alguma coisa. Conor continuava se movendo e havia permanecido na mesma
posição por vários minutos. Caminhava pelo escritório, completamente
impotente e estranhou ver uma mancha preta no chão, próxima à mesa. Uma
mancha preta no chão do imaculado escritório? Aproximou-se para ver
melhor e não se surpreendeu ao descobrir que não era uma mancha. Lógico
que não era! — Uma aranha! — as duas mulheres o olharam assustadas. —
Há uma aranha aqui!
— Uma aranha? Onde? — a senhora Healy se admirou.
— Bem aqui. Conor tem medo de insetos. Deve ser por isso que está
alterado.
Rosie se levantou e a senhora Healy ficou observando atônita enquanto
ele arrancava duas folhas do bloco de notas na mesa e as usava para recolher
a aranha e levá-la para fora da casa. Voltou correndo e se ajoelhou na frente
do rapaz.
— Conor, ela não está mais aqui — disse quase sussurrando. — Eu
levei a aranha pra fora. Já não há nada aqui. Está tudo bem. Você vai ficar
bem — era difícil não sentir a necessidade de protegê-lo. Naquele momento,
ele parecia mais frágil do que nunca.
Aidan pensou que jamais queria voltar a vê-lo daquele jeito distante.
Não queria que Conor sofresse outra vez. Nunca mais. E se dependesse dele,
não sofreria.

Aidan e Rosie estavam na cozinha. Cada um tinha uma xícara de chá na


sua frente, mas nenhum dos dois bebia.
A senhora Healy entrou, ainda com um ar abatido.
— Ele já está melhor. Um pouco cansado por causa do calmante —
sentou-se ao lado de Rosie. A moça lhe ofereceu sua xícara de chá e ela
recusou com um gesto de mão. — Sou uma merda de mãe — acrescentou de
forma categórica.
— Não diga isso — Rosie retrucou.
— É a verdade. Como foi que eu não vi aquela maldita aranha?
— Nenhuma das duas viu.
— Mas eu sou a mãe dele. É minha obrigação protegê-lo.
— Pare com isso. Você é uma ótima mãe. Além do mais, seu filho é
um homem adulto de vinte e cinco anos, Gemma. Você não pode protegê-lo
de tudo.
— Será que eu posso ir vê-lo? — Aidan interrompeu.
— Claro. Acho que ele ainda está acordado.
Deixou as duas mulheres na cozinha e subiu a escada para ir ao quarto
de Conor. No segundo andar, abriu a primeira porta à direita devagar. Deu
uma batidinha na porta ao ver que ele estava acordado.
— Pode entrar.
Foi até a cama e se sentou ao lado dele. Conor tinha cara de sono e
estava deitado com os braços cruzados sobre a barriga.
— Desculpe — a voz melodiosa falou.
— O quê aconteceu com você? Eu estava preocupado.
— É difícil explicar. Às vezes sinto como se estivesse submerso. Os
sons são distantes e abafados e as imagens são distorcidas. E outras vezes,
apenas me fecho dentro de mim mesmo; corto a conexão com o mundo
exterior. Eu sei que é patético.
— Não diga isso. Não é nada patético.
— É sim. Os homens adultos não têm medo de aranhas.
— Você se engana. Muitas pessoas têm medo de aranhas. E todos têm
medo de alguma coisa.
— Do que você tem medo?
Talvez a expressão “olhos brilhando de curiosidade” fosse clichê. Mas
ela se aplicava a Conor. Os olhos dele realmente brilhavam quando estava
curioso.
— Acredite se quiser, mas eu morro de medo de palhaços.
— Sério?
— Pois é. Culpa do Stephen King.
Conor sorriu.
— Também tenho medo de ficar sozinho — continuou. — É algo que
me apavora. Pensar que ninguém me ama, que não há ninguém rezando por
mim ou desejando que eu seja feliz. Isso me assusta muito.
— Eu desejo que você seja feliz, Aidan.
Tomou a mão dele. — Então não preciso sentir medo.
— Algo que sempre me assustou foi ser visto como uma aberração.
Quando era criança, os outros meninos riam de mim. Diziam que eu era
esquisito. Alguns até me batiam. Não gosto de ser diferente. Queria poder ser
como todos. Normal. E tento, mas é tão difícil.
— Ser diferente não é ruim — Aidan falou com uma pontada no
coração. — É apenas ver o mundo de outra forma. E o mundo está cheio de
gente diferente, é o que faz de nós humanos.
— Diz isso porque não sabe como é ser diferente. Quer dizer, você é
atraente, carismático. O tipo de pessoa de quem todos querem estar perto.
Não sabe o que é viver em um mundo no qual sente que não pertence. Tudo é
fácil para você.
Aidan ficou surpreso. — Você acha mesmo? Que a minha vida
é fácil?
— É o que parece.
— Então deixe eu te contar algo — respirou fundo. — Meus pais são
muito religiosos. Muito rígidos. Quando contei a eles que era gay, meu pai
me expulsou de casa. Disse que preferia que eu estivesse morto e blá blá blá.
Minha mãe não me defendeu. A única que ficou ao meu lado foi a Aisling,
minha irmã. Ela saiu de casa comigo e nós viemos juntos à Dublin. Não falo
com o meu pai desde então. Eu tinha dezoito. Mamãe liga umas duas vezes
por ano pra saber se estou vivo e é só.
Conor o observava atentamente.
— Cheguei aqui sem nada e precisei trabalhar muito duro para estar
onde estou. Por isso, não pense que minha vida é fácil porque ela não é. Nem
um pouco. Só que eu prefiro assim, sabe? Prefiro não me importar com o que
os outros pensam de mim porque eu não queria uma vida de mentiras. O que
queria, era ser eu mesmo e para isso, tive de sacrificar muito.
— Oscar Wild disse: “Seja você mesmo. Todos os outros estão
ocupados” — o escritor citou.
— Ele era um cara inteligente. Por isso, quando estiver comigo, não
precisa sentir medo de ser você mesmo.
— As pessoas não costumam reagir bem quando eu ajo naturalmente.
— Não sou como as outras pessoas porque elas estão interessadas em te
julgar. Estou interessado em conhecer você. Quero te conhecer de verdade; o
único e verdadeiro. Combinado?
Conor assentiu. — Combinado.
— Sabe o que mais eu quero?
— O quê?
— Quero ouvir um pouco de Yates.
O rosto de Conor se iluminou.
— Eu sei todos os poemas dele de cor.
— Não sei por que, mas eu já imaginava.
Ele ajustou a posição na cama para estar sentado. — Eu recito um
poema se você me cantar uma canção.
— Ah, diabinho. Você é bom em negociar — Aidan tirou os sapatos e
se acomodou na cama ao lado dele. — Aceito a sua proposta, mas esse
poema vai ter que ser bem longo.
Aidan estava conversando com um homem quando Gemma entrou no
Red Twins. Sorriu ao vê-la, se despediu do sujeito e foi até ela.
— Oi, senhora Healy! — cumprimentou se aproximando.
— Gemma — corrigiu educadamente.
— Gemma. Você veio almoçar? O Coddle[5] está uma delícia.
— Na verdade, eu vim porque preciso ter uma conversa muito
importante com você.
— Ah. Pois então vamos sentar.
Levou-a até uma das mesas e lhe puxou uma cadeira depois sentou em
frente a ela com uma expressão de curiosidade. — Sobre o que quer
conversar?
— Quero falar sobre o Conor. Percebi que vocês se tornaram muito
próximos. Ele disse que você tem ido vê-lo e até o levou pra passear.
— Sim. Nós nos damos bem — Aidan respondeu timidamente.
— Estou aqui para pedir que se afaste do meu filho, Aidan.
Ele arregalou os olhos. — Como é que é?!
— Sinto muito mesmo. Mas acho que é o melhor.
A expressão de Aidan mudou em uma fração de segundo.
— Não pensei que você fosse do tipo preconceituosa, Gemma. Fique
sabendo que somos apenas amigos.
— Não! Você entendeu errado. Não é nada disso. Descobri que meu
filho é gay quando ele tinha dezessete anos. Fomos para Cork em um fim de
semana e Conor se deu bem com o garoto dos vizinhos, Mickey Connely. Um
dia Mickey me perguntou se podia levá-lo para passear na praia e eu deixei.
Conor voltou um par de horas depois e me disse: “Mãe, o Mickey abriu a
minha calça.” Quase morri de susto. Minha reação foi perguntar “E o que
você fez?!” e ele respondeu “Eu deixei. E também abri a dele.” — Gemma
sorriu ao se lembrar do episódio. Apesar de que na época em que ocorreu ela
não tivesse achado nada engraçado.
— Tá. Eu reconheço que essa não é a melhor maneira de uma mãe ficar
sabendo que o filho é gay. Mas se você sabe que o Conor gosta de homens e
não se importa, significa que o problema é comigo. O que é? Você
simplesmente não vai com a minha cara ou há algo em específico?
Gemma gostava dele. Aidan era o tipo de pessoa que parecia sempre
estar prestes a se levantar e ir fazer alguma coisa. Mesmo sentado, dava a
impressão de não estar quieto. Em menos de dez segundos ele já havia
passado os dedos pelo cabelo, cruzado os braços, descruzado para apoiá-los
na mesa e cruzado outra vez. Apesar de tudo, ele não parecia bravo. O olhar
dele continha mais dor que raiva.
— De jeito nenhum! Não tenho nada contra você. Pelo contrário! —
afirmou sinceramente.
— Bom, acho não estou conseguindo te acompanhar, Gemma. Quer
dizer, você vem aqui e diz que quer que eu me afaste do Conor. O que fiz de
errado?
— O problema não é você, Aidan. É que acredito que vocês dois sejam
um pouco mais que “apenas amigos” e se você não se afastar agora, depois
será muito mais doloroso. Em algum momento você vai se cansar e quando
isso acontecer, vocês dois vão sofrer.
Aidan lhe lançou um olhar confuso.
— E o que faz você pensar que eu vou me cansar dele?
— Porque você vai.
— Não vou, não! — rebateu de uma maneira um tanto infantil. Gemma
teve que lembrar a si mesma de falar com mais cuidado. Aidan ainda era
muito jovem. Às vezes os jovens têm dificuldade de enxergar o futuro,
estando ele tão longe de suas vistas. O trabalho dos mais velhos é mostrar-
lhes como serão as coisas uma vez que cheguem onde eles estão.
— Vou dizer exatamente o que vai acontecer — ela começou. —
Primeiro você vai se sentir frustrado porque Conor não percebe os sinais. Não
vai te perguntar o que está acontecendo cada vez que você estiver triste; não
vai preparar uma xícara de chá quando você sentir frio. Essa frustração vai
aumentar pouco a pouco, cada vez que você precisar de ajuda, mas tiver que
fazer tudo sozinho. Quando ele não rir das suas piadas, quando não se
interessar em conhecer seus amigos e nem em conversar sobre temas que não
tenham a ver com livros ou música. Você vai aguentar tudo isso por um
tempo. Até que a frustração será grande demais para suportar e finalmente vai
decidir se separar dele. Será muito doloroso, você vai sofrer, chorar e depois
vai superar e seguir em frente. O problema é que o Conor não vai seguir em
frente. Ele não vai poder superar. Essa separação provavelmente irá destruí-
lo. E isso é o que me preocupa.
Aidan ficou em silêncio por um minuto. Parecia digerir o que acabara
de ouvir.
— Talvez não seja dessa forma. E se for diferente? — a pergunta
estava cheia de expectativa. Como se ele quisesse acreditar naquilo, mas não
estivesse seguro.
— Talvez seja — Gemma consolou. — Na melhor das hipóteses, vocês
superam tudo isso e formam uma relação sólida e feliz. Mas você está
completamente seguro dos seus sentimentos pelo Conor? Acredita que está
apaixonado o suficiente para aguentar tudo o que vem pela frente? Acha
mesmo que é o homem certo pra ele?
— Bem... Eu... Acabamos de nos conhecer...
— Se tratando do Conor, você não pode ter dúvidas. Precisa ter certeza.
— Eu tenho certeza de que gosto dele de verdade, mas não posso saber
o que vai acontecer no futuro. Ainda nem sei o que ele sente por mim.
Gemma assentiu.
— Eu entendo. E é por isso que acho que é melhor que se afastem. Sei
que talvez esteja sendo injusta com você, mas espero que entenda que fazer
parte da vida do Conor é uma decisão muito importante. Ele é Autista, Aidan.
E você não é.
O rapaz abriu a boca para dizer algo, mas a mulher o interrompeu.
— Sim, eu sei. Não quis dizer que um Autista não pode ter um parceiro
neurotípico. É claro que pode. Mas eu mesma tive que me esforçar muito
para aprender a lidar com o Conor. Rosie também teve, assim como todas as
pessoas que fazem parte da vida dele. Não é fácil. Agora, se você tem certeza
de que o que sente por ele é forte o suficiente para superar todos os
obstáculos, então vá em frente. Nada me daria mais alegria. Mas se não tem
certeza, não acha que o melhor é terminar com tudo agora, antes das coisas
ficarem mais sérias?
Aidan não respondeu. Aparentemente, suas palavras o abalaram. A
imagem do rapaz de cabeça baixa cortou o coração de Gemma, mas aquilo
era necessário. Ela precisava continuar.
— Quero que você pense nisso. Decida quais são os seus sentimentos
por ele e faça o que é melhor para os dois. Sei que estou sendo dura, mas
você entende, não é mesmo, querido? — pôs a mão sobre a dele.
— Sim. Eu acho que sim.
— Eu preciso ir. Tenho uma consulta — um cartão de visitas caiu no
chão quando ela se levantou e Aidan se abaixou para pegá-lo.
— Você deixou cair.
— Obrigada. É o cartão de visitas do doutor Murphy. Eoin Murphy tem
sido o psicólogo do Conor pelos últimos dez anos. Ele é ótimo, o ajudou
muito. E a mim também. Só Deus sabe como é difícil às vezes. Você teve um
pequeno vislumbre ontem.
— É. Aquilo me assustou um pouco.
— Pois é. E foi apenas uma aranha. Ele entrou em crise quando o avô
morreu e ficou três dias sem comer. Tive que interná-lo — a lembrança fez
os olhos de Gemma ficarem molhados. — É por isso que estou aqui. Se
achasse que vocês são apenas bons amigos, não me preocuparia, mas... Bom,
você entende, não é?
— Não se preocupe, Gemma. Eu entendo. Se o Conor ficar arrasado, é
você quem vai juntar os pedaços. É compreensível que esteja preocupada.
— Agradeço a compreensão — respirou fundo. — Acho que não
conseguiria deixar de me preocupar com ele nem por um minuto. Conor é tão
inocente. Sempre acha que pode aprender tudo nos livros. Enfim, é melhor eu
ir andando. O doutor Murphy está esperando. Obrigada por me ouvir, Aidan.
E por entender.
Gemma olhou para trás antes de deixar o Red Twins. Aidan estava
desolado. Caminhou para fora com o coração apertado.
Niall estava estacionado próximo ao pub.
— Como foi? — falou quando ela entrou no carro.
— Tudo bem. Ocorreu como planejado. Mas eu fiquei com pena dele.
Já está apaixonado pelo Conor.
— Já parou para pensar que se o seu plano não der certo pode ter
acabado de destruir a chance de eles ficarem juntos?
— Você é muito negativo, Niall.
— Mas e se ele terminar mesmo com o Conor?
— Ele não vai. A psicologia inversa sempre funciona. Meu pai não
gostava muito de você. O que fez quando ele te mandou ficar longe de mim?
— Fui atrás de você.
— Exatamente. Além disso, as coisas que eu disse, o fizeram entender
que uma relação com o Conor será difícil e ele tem que estar preparado. Vai
funcionar, você vai ver.
— Tomara.

Conor abriu a porta e saiu andando sem dizer olá. Era a maneira dele de
demonstrar que já estava mais que acostumado com as visitas e se sentia
muito à vontade com Aidan em sua casa. Ele o seguiu até a cozinha.
— Eu fiz chá de camomila. Você gosta? A camomila tem propriedades
que combatem as infecções e também é um calmante natural.
— Não, obrigado. Estou bem — não tinha vontade de tomar nada. Seu
estômago estava embrulhado e ele dirigiu o caminho todo sentindo náuseas.
— Conor, nós precisamos conversar...
— Toma. Antes que eu me esqueça — ele retirou um chaveiro do
bolso. Liberou uma das chaves e a entregou a Aidan.
— O que é isso?
— Uma chave, é claro — Conor respondeu com desdém. Abriu o
armário e retirou uma xícara.
— Estou vendo que é uma chave, mas é a chave de onde?
— Da porta da frente. Para que eu não tenha que ir abrir a porta cada
vez que você chegar. Assim fica mais fácil.
Aidan sentiu o estômago afundar.
— Rosie e minha mãe também têm uma cópia — o dono da casa
continuou. — Devo dá-la apenas para pessoas de confiança. Você é de
confiança, então pode ficar com uma. Estava pensando em preparar uma sopa
de legumes, o que você acha?
— Acho... Eh, sim, está bem.
Sentou-se junto à ilha e observou Conor beber o chá enquanto retirava
alguns vegetais da geladeira. Ele sempre soprava o chá antes de beber. Não
gostava que estivesse muito quente. Era uma das coisas que Aidan havia
aprendido sobre o rapaz. Uma das muitas coisas que havia estado aprendendo
sobre Conor nas últimas semanas. Como o fato de que ele sempre cheirava
um livro antes de abri-lo, ou como ria quando as grandes pernas de Aidan
tocavam as dele por debaixo da mesa porque sentia cosquinhas.
Dizer o que havia ido dizer ficava cada vez mais difícil e Aidan decidiu
que o melhor era colocar para fora de uma vez.
— Conor?
— Sim? — ele falou enquanto descascava uma cenoura.
— Eh... Obrigado pela chave, mas... Acho que não vai ser necessário
— ouviu a própria voz sair áspera.
Conor tomou outro gole de chá e depositou o descascador na pia. —
Por quê?
— Porque eu vou ter que deixar de vir aqui por um tempo — haver
ensaiado o que ia dizer não ajudou em nada. Era como se suas palavras
fossem navalhas que cortavam e machucavam cada vez que saíam. — As
coisas estão indo bem no pub e eu preciso me dedicar mais ao trabalho.
— Neste caso, posso ir ver você nos fins de semana — ele parou o que
estava fazendo e finalmente transferiu a atenção à Aidan. — Talvez aos
domingos, porque almoço com meus pais aos sábados. Você sabe.
Aidan sentiu ainda mais dor. Tinha de prosseguir com cautela. Queria
causar o mínimo de dano possível em Conor.
— Você não vai gostar de ir ao pub. Muita gente e barulho.
— É. Eu não gosto mesmo de lugares cheios de gente e barulho. Mas se
você não vier aqui e eu não for ao seu pub, quando nos veremos?
— Eu acho que não nos veremos por um tempo.
Abaixou a cabeça. Não podia sequer olhar para ele. Mesmo sabendo
que Conor não era dos mais expressivos, Aidan sentia que ia desabar se visse
o rosto dele naquele momento.
— Por quanto tempo?
— Eu não sei — no final, não aguentou e acabou levantando a vista.
Parecia que algo estava fazendo clique na cabeça de Conor. Uma
expressão de dor apareceu quando ele finalmente começou a entender o que
estava acontecendo. — Eu fiz algo de errado? Você está bravo comigo?
Aquilo fez com que o coração de Aidan se quebrasse em mil pedaços.
Ele não queria dizer aquelas coisas. Havia ensaiado toda a cena no caminho a
Howth e naquele momento, ao ver o rosto de Conor, se sentiu um covarde.
Mas e se Gemma tivesse razão? E se ele, mesmo sem querer, terminasse
destruindo ao único homem verdadeiramente bom e honesto que conhecera?
— Não! Você não fez nada de errado. Só acho que nós estamos indo
rápido demais e precisamos ficar afastados por um tempo. Não é culpa sua, o
problema sou eu.
Conor o encarava. O olhar dele dizia com todas as letras que estava
machucado. — Por mais que tente, não consigo ser normal. Sempre termino
fazendo algo errado.
— Não diga isso. Você não fez nada de errado — o ruivo tentou
explicar, mas já era tarde demais.
Conor saiu correndo da cozinha.
— Conor! Espere, vamos conversar! — o seguiu. O rapaz entrou no
banheiro e fechou a porta. Aidan ouviu o barulho do trinco sendo travado do
lado de dentro. — Conor, por favor! Saia daí. Vamos conversar.
— Conversar sobre o quê? Sobre você não querer mais ser meu amigo?
Não precisa dizer nada. Eu sabia que cedo ou tarde aconteceria. É melhor
você ir embora.
— Eu não vou embora. Não até você sair daí e falar comigo.
Nada.
Seu celular começou a tocar e Aidan atendeu apenas porque queria que
o ruído cessasse. — Alô.
— Você se lembrou de pagar aquela conta? — a voz de Aisling falou.
— Já está em Howth?
— Sim, eu já estou na casa do Conor. E não, não paguei a conta.
Desculpe. Você pode fazer isso?
— Tá. Deixa que eu pago. O que você tem? Aconteceu alguma coisa?
Claro que Aisling percebeu algo de errado em seu tom de voz.
Caminhou de volta para a cozinha. — Aconteceu que eu acho que terminei
com ele. Quer dizer, não tenho certeza porque ele se trancou no banheiro.
— O que houve? Pensei que você gostasse dele.
— Eu gosto. Gosto muito — respirou fundo. — Eu te falei que a mãe
dele foi ao pub, não falei?
— É, eu lembro.
— Ela disse umas coisas.
— Que coisas?
— Coisas que me fizeram pensar no que estou fazendo. Ele é Autista,
Aisling. Nunca poderíamos ter uma relação normal. E se eu acabar fazendo
mal a ele? Nunca devia ter começado isso. Eu sou horrível! — cobriu o rosto
com a mão.
— Olha, não sou nenhuma especialista em relacionamentos e muito
menos em autismo, mas conheço você. E desde que conheceu o Conor, você
tem estado tão feliz.
— Sei disso, mas...
— Sei lá, você sempre conhece esses caras idiotas que acabam te
decepcionando. É natural que esteja com medo.
Lógico que Aisling tinha razão. Acertou no alvo uma vez mais. O
problema era que estava com medo. Por ele mesmo; por Conor; por tudo.
Aquela era a primeira vez em que não só existia a possibilidade de que saísse
ferido, como também podia acabar rompendo o coração de Conor e era uma
premissa assustadora.
— Não é você quem diz que devo parar de pensar que cada homem que
conheço pode ser o amor da minha vida?
— Eu não sei por que você ainda presta atenção ao que eu digo —
Aisling reclamou. — Todos os meus relacionamentos são um lixo!
Aidan sorriu por dentro. Perguntou-se por que não havia tomado um
tempo para conversar com a irmã sobre o tema. Falar com ela sobre as coisas
que o atormentavam sempre ajudava. — Então o que você acha que eu devia
fazer?
— Por que você não tenta ser sincero com ele? Das duas, uma: ou ele
vai te achar um imbecil e terminar tudo de uma vez, ou vocês podem
conversar e resolver o problema. Você sabia que a comunicação é muito
subestimada? Além do mais, eu acho que você também está subestimando o
Conor. É claro que a mãe dele se preocupa, mas ela é a mãe dele.
Pensou nas palavras de Gemma. Ela havia cuidado do filho a vida toda
e nunca deixaria de se preocupar. Lembrou-se da crise com a aranha, da
impotência no rosto dela e da forma como Rosie teve que recordá-la de que
Conor era um adulto.
— Quer saber? Eu te ligo mais tarde — Aidan disse sentindo uma
nova energia brotar dentro de si.
— Boa sorte.
Desligou o telefone. Cobriu o rosto com as mãos e considerou as
palavras da irmã. Ela tinha razão: precisava parar de subestimar Conor e
começar a ser sincero com ele. Gemma também estava certa, claro. Mas seu
filho era um adulto e inteligente o suficiente para tomar decisões sem a
interferência da mãe. Pelo menos, era o que Aidan acreditava ou queria
acreditar.
Foi até a porta do banheiro.
— Conor? Eu sei que você está me ouvindo e vou dizer umas coisas —
respirou reunindo coragem. Aquilo podia ir bem ou colapsar de vez. De
qualquer forma, qualquer uma das duas coisas era melhor que simplesmente
desistir. — A verdade é que estou morrendo de medo. Você não é como a
maioria das pessoas e tenho medo de fazer tudo errado e romper seu coração.
Por outro lado, o fato de você ser diferente me faz gostar ainda mais de você
e isso também me assusta porque eu nunca gostei tanto de alguém — fez uma
pequena pausa e encostou o ouvido na porta. Ouviu passos. Conor se
aproximou da porta também.
— Basicamente, o que estou tentando dizer — continuou. — É que sou
um grandessíssimo idiota e que apesar de estar cheio de dúvidas, tenho
certeza de uma coisa: estou apaixonado por você. Sei que faz pouco tempo
que a gente se conhece e que todos os fatores estão em contra, mas sei lá. É
isso.
O trinco da porta se moveu e um par de olhos azuis apareceu por uma
fresta.
— O que acha que devemos fazer? — Aidan perguntou a ele.
Conor abriu a porta devagar. — Não sei. Também estou com medo.
— Acho que as coisas na vida que realmente valem a pena, sempre
geram dúvidas e despertam medo. Você não acha?
— O medo... — Conor começou a dizer saindo do banheiro. — É uma
reação de autodefesa do nosso corpo. A mente cria o medo para nos proteger
de coisas ou situações potencialmente perigosas. É natural sentir medo, mas
muitas vezes, ele é irracional. Não devemos permitir que ele nos controle,
quando somos nós que devemos controlá-lo.
Aidan respirou aliviado. As palavras de Conor soaram como algo saído
de um livro, o que no caso dele, significava que estava bem. Estava tudo
bem.
— No dia em que aquela aranha apareceu no meu escritório... — Conor
prosseguiu. — Você me disse que todos têm medo de algo.
— E todos têm.
— Concordo. Só que agora nós dois estamos com medo da mesma
coisa. O que significa que podemos enfrentá-lo juntos.
Como não amar esse homem? Aidan pensou. Aisling tinha toda a
razão. Ele vinha subestimando Conor o tempo todo. Os dois podiam terminar
mal. Era um risco que os dois estavam correndo. A vida se tratava disso,
afinal de contas; Arriscar e esperar que as coisas dessem certo.
— Você não acha? — Conor falou com expectativa.
— Acho — o tomou pela cintura, o abraçou forte e o beijou. Conor
retribuiu o beijo e deixou que o ruivo o encostasse contra a parede. O cheiro
de shampoo e sabonete dele entrava pelas narinas de Aidan e mexia com seus
sentidos. Perderam completamente a noção de tempo e espaço e por um
momento não havia nada além dos dois.
— Vamos para o quarto — sussurrou dentro da boca dele.
Conor nem respondeu. Tomou sua mão e o conduziu ao segundo andar.
Uma vez no destino, o jovem violinista segurou o rosto do outro com as
duas mãos e se certificou de que o rapaz estivesse olhando dentro de seus
olhos.
— Preste atenção. Isso não será mecânico. Esqueça tudo o que você
sabe sobre sexo porque comigo, você vai fazer amor. Entendeu?
— Entendi.
Aidan entrelaçou os dedos nos cachos do cabelo de Conor e contornou
o pescoço dele com os lábios. Sentiu o corpo dele tremer ligeiramente.
— Você sabia... — Conor começou a dizer com a respiração cortada.
— ...que na Grécia Antiga...
— Shhhh. Este momento não é para falar. É para sentir. O quê você
quer sentir?
— Já estou sentindo muitas coisas — Conor confessou.
— Ótimo.

Conor abriu os olhos no dia seguinte. O relógio marcava sete em ponto.


Estava tão acostumado a acordar todos os dias na mesma hora que não
precisava de despertador.
Espreguiçou-se e já estava pronto para sair da cama quando olhou para
o lado e viu Aidan deitado de bruços. O lençol cobria apenas uma de suas
pernas e o resto do corpo dele estava nu. O cabelo vermelho contrastando
com o branco do travesseiro. Ele tinha sardas pelo corpo inteiro e Conor não
olhava muito para elas porque se o fizesse, sentiria vontade de contá-las e
eram sardas demais para contar.
Por um minuto, havia esquecido completamente que Aidan ainda
estava lá. Ficaram na cama por todo o final da tarde e, depois do jantar, ele
preferiu não ir embora e os dois voltaram para o quarto.
Encontrou-se no meio de um dilema. Ao mesmo tempo em que gostava
de ver Aidan dormindo em sua cama, sentia que o homem atrapalhava toda a
sua rotina.
Olhou novamente para o relógio. Sete e dois. Começou a ficar nervoso
e decidiu que o melhor era acordá-lo.
— Aidan? — sussurrou no ouvido dele.
Nada.
— Aidan? — daquela vez falou um pouco mais alto. O ruivo se moveu
um pouco, mas não acordou. Sete e três.
Relutante, tocou suas costas com o dedo indicador e chamou seu nome
uma vez mais. Aidan virou a cabeça e o observou com olhos sonolentos.
— Que horas são? — ele perguntou com a voz áspera.
— São sete e três.
— Ah. Ainda é cedo — acomodou-se de barriga para cima e fechou os
olhos para continuar dormindo.
— Não — protestou Conor. — Escute. Eu sempre levanto às sete em
ponto, arrumo a cama, tomo banho, limpo toda a casa, tomo café da manhã e
vou para o meu escritório para trabalhar. Entendeu? E já são sete e quatro.
Aidan abriu apenas um dos olhos. — Está bem. Enquanto você toma
banho, eu fico aqui um pouquinho mais — fechou o olho.
— Você não entendeu. Às sete, eu arrumo a cama. Primeiro arrumo a
cama. E eu não posso arrumar a cama com você nela.
O rapaz se sentou com esforço e esfregou o rosto com as mãos. —
Você não vai me deixar continuar dormindo, não é?
— São sete e cinco.
— Certo. Eu já entendi.
Aidan lhe deu um pequeno beijo nos lábios, saiu da cama e caminhou
até o banheiro.
Enquanto arrumava a cama, que se encontrava mais bagunçada que
nunca, Conor refletiu sobre o que seria de sua relação com Aidan daquele
momento adiante. Ouviu o ruído do chuveiro.
Assegurou-se de que os lençóis estivessem bem esticados e sem
nenhuma ruga. Apalpou os travesseiros e os acomodou e, por último, cobriu a
cama com a colcha de edredom azul.
Terminando com a cama, se dedicou a recolher as roupas espalhadas
pelo chão. Ele não sabia exatamente como as relações funcionavam na
prática, mas tinha certeza de que os amigos não faziam sexo. A não ser que a
relação começasse como uma amizade e se tornasse outra coisa. Que era o
que possivelmente estava acontecendo entre ele e Aidan. Isso, considerando
que a relação deles alguma vez tivesse sido apenas uma amizade porque os
amigos não se beijam e ele e Aidan já haviam se beijado. E muito.
Ele saiu do banheiro com sua toalha amarrada na cintura. Começou a
vestir as roupas, que Conor depositara na cama.
— Você é meu namorado? — Aidan parou de abotoar a calça para
olhá-lo. — Porque agora nós fazemos sexo e os amigos não fazem. Além
disso, você me leva para passear e nós jantamos juntos. São coisas que os
casais fazem. Bem, talvez os amigos também façam essas coisas, mas não
sexo. Amigos não fazem sexo. E também não se beijam. Isso significa que
você é meu namorado?
Aidan demorou alguns segundos para responder.
— Você quer que eu seja?
— Eu nunca tive um namorado. Me parece um bom momento para
tentar. Até mesmo porque fico mais confortável sabendo qual é o status da
nossa relação.
— Então eu sou. Sou seu namorado.
— Isso me dá um pouco de medo, Aidan — começou a estalar os
dedos.
— Eu sei. Também tenho medo — aproximou-se.— Mas vamos
enfrentá-lo juntos, não é mesmo? — tocou seu rosto.
— Sim — concordou Conor. — Agora que já esclarecemos isso, vou
tomar banho porque você já me atrasou muito. Ah! Tenho outra pergunta.
— Manda.
— Agora que você é meu namorado, não vai querer me chamar de
coisas como “Bombom” ou “Amorzinho”, não é? Porque eu prefiro ser
chamado de Conor.
Aidan riu alto e ele não entendeu o por quê. Havia feito uma pergunta
válida.
— Vou te chamar do que você quiser. Combinado?
— Combinado — foi para o banheiro.
— Mas vê se não demora no banho, Pudinzinho. Vou te esperar pra
tomar café.

— Então deixa ver se entendi — disse Aisling sorrindo. — Você falou


pra mãe do Conor que ia terminar com o filho dela e ao invés disso, foi até lá
e transou com ele? — ela começou a bater palmas. — Parabéns. Conseguiu
me impressionar.
— Para com isso! Não tem graça nenhuma. Além do mais, eu não disse
nada pra Gemma.
— E pra que é tudo isso? — Aisling notou a sacola em cima do balcão
do bar. Retirou um livro de dentro dela e leu a capa. — “Entendendo a
Síndrome de Asperger” — lançou a Aidan um olhar curioso.
— Se eu vou fazer isso, tenho que saber o que estou fazendo.
— Sabia que eu morro de pena do Conor? — a irmã comentou com um
ar sério.
— É mesmo? Por quê?
— Porque ele não tem nenhum livro que o ajude a entender você —
ela respondeu sarcástica.
Aidan fechou a cara.
— Engraçadinha. Sabe, quando a mãe do Conor esteve aqui, ela
mencionou um tal de Eoin Murphy. Disse que ele é o psicólogo que o trata.
— Ah é?
— Estou pensando em ir falar com ele.
Aisling levantou as sobrancelhas.
— Com o médico? Não há uma, sei lá, confidencialidade ou algo
assim?
— Eu não quero ir pra descobrir os segredos do Conor nem nada disso.
Só quero entender melhor a Síndrome, fazer algumas perguntas. Nada
demais.
— Pode ser boa ideia.

Aidan foi recebido por uma garota bonita com o cabelo amarrado em
rabo de cavalo e um enorme sorriso. — Olá. Seja bem-vindo!
— Oi, você deve ser a Abby. Conversamos por telefone.
— Sim, claro! Aidan, não é?
Assentiu.
— Por que você não se senta? — Abby disse indicando o sofá. — O
doutor irá chamá-lo em uns minutos. Você gostaria de um chá? Ou talvez
café?
— Não, obrigado. Estou bem assim.
A pequena recepção do consultório do doutor Eoin Murphy tinha uma
decoração simples. Havia iluminação suficiente, mas não era forte. Aidan se
sentou e olhou ao redor percebendo que tudo estava muito limpo. O piso de
tábua corrida brilhava e não havia sequer uma partícula de pó nos móveis.
Três sofás cinza, encostados nas paredes, que contribuíam para a falta de cor
do lugar e a pequena mesa de centro que estava coberta de folhetos sobre
Autismo. Estava escolhendo alguns para levar quando a porta do consultório
se abriu.
Dois homens saíram e um deles lhe lançou um olhar desconfiado.
— Até semana que vêm, Ollie — disse o outro.
Ollie saiu rapidamente sem dizer adeus. O homem que ficou se voltou a
Aidan. Ele era magro e calvo e usava um par de óculos com armação preta.
— Olá. Você é o meu paciente das dez?
Levantou-se desajeitado. — Ah, sim. Bom. Não exatamente — ficava
dizendo a si mesmo que não estava fazendo nada de errado, mas estar lá sem
que Conor soubesse o fazia sentir como se estivesse cometendo uma traição.
— Sou Aidan O’Sullivan. Falei com sua secretária pelo telefone ontem.
— Sim, claro — Doutor Murphy estendeu a mão, sorridente. — Você
mencionou que queria informações sobre a Síndrome de Asperger, correto?
— Isso mesmo.
— Vamos conversar, então.
O psicólogo o conduziu ao consultório que era como uma extensão da
recepção. A mesa ficava próxima da janela e no centro da sala, duas poltronas
cinza parecidas com os sofás da outra sala. Ali também, tudo era muito limpo
e arejado.
— Sente-se, por favor.
Aidan ocupou uma das poltronas e o Doutor sentou-se em frente a ele.
O observou atentamente antes de começar a falar.
— É um prazer conhecê-lo em pessoa, Aidan. Conor não me avisou
que você viria.
Aquilo com certeza o pegou de surpresa. Sua intenção era chegar
incógnito. Não previu que o médico fosse desvendá-lo em menos de um
minuto. Sentiu o rosto esquentar.
— Ah... Eh... — não sabia o que fazer com as mãos e terminou
cruzando os braços. — Ele fala de mim?
— Muito. Foi fácil saber que era você por causa do jeito como o
descreveu.
— Claro. Se tem uma coisa que Conor sabe fazer é descrever. Não é?
O médico riu.
— Fiquei feliz quando ele falou de você pela primeira vez. Significa
que está muito interessado. E considerando que as pessoas pelas quais o
Conor se interessa são fictícias ou já estão mortas, você deve ser bastante
importante.
Aidan não pôde deixar de sentir prazer ao ouvir aquilo.
— Eu perguntaria o que trás você aqui, mas tenho certeza de que tem
tido problemas para lidar com o Conor, não é assim?
— Sim. Quer dizer... Não chamaria de problemas. Algumas
dificuldades técnicas, digamos?
— E foi ele quem pediu que você viesse?
— Bem, na verdade não — disse sem jeito. — A mãe do Conor
mencionou o seu nome e eu achei que seria uma boa ideia vir aqui para
conhecê-lo e tirar algumas das minhas dúvidas com relação à Síndrome de
Asperger.
— Sei. Eu posso ajudá-lo com isso, é lógico, mas não posso entrar em
detalhes sobre o tratamento do Conor.
— Claro! Eu entendo — apressou-se em dizer. — Não tenho a mínima
intenção de ser indiscreto. Eu não vim para falar do Conor, o que eu quero
mesmo é entender a Síndrome. Sinto que se entender melhor a Síndrome de
Asperger, posso entender melhor ao Conor. Isso faz sentido?
— Faz todo o sentido! Neste caso, ficarei feliz em ajudar. O que você
quer saber?
Aidan sentiu o rosto esquentar uma vez mais. — Basicamente tudo.
O Doutor Murphy abriu um sorriso compreensivo.
— Certo. Então desde o princípio, tudo começou quando o médico
austríaco, um psiquiatra chamado Hans Asperger começou a estudar um
grupo de crianças autistas que não se encaixava muito bem nos padrões dos
Autistas clássicos. Essas crianças não mostravam nenhum atraso no nível
cognitivo e não tinham problemas para desenvolver a fala, como as outras.
Elas aprendiam a falar muito cedo e de maneira tão eloquente que Asperger
os apelidou de "pequenos professores". Mais tarde, a Síndrome de Asperger
foi adicionada ao manual de medicina como um Distúrbio Neurológico no
Espectro do Autismo. Estes são apenas detalhes técnicos. — Ele continuou.
— Tenho informações que podem ajudá-lo a compreender o caso específico
do Conor. Porém, só vou compartilhá-las com você se me prometer que vai
contar a ele que esteve aqui. Caso contrário, seria uma invasão de
privacidade.
— Sim. Claro. Não se preocupe.
— Muito bem — o médico ajeitou os óculos e prosseguiu. — Os
Aspies costumam ter problemas em duas áreas. A primeira é a da
comunicação e interação social e esses problemas se manifestam como
dificuldade de fazer contato visual, dificuldade para entender linguagem não
verbal. Você já deve ter notado que o Conor não percebe quando você faz
uma piada ou utiliza uma expressão metafórica.
— Sim, ele sempre me pergunta se estou sendo sarcástico.
— Sim. Exato. Ele entende as coisas de maneira muito literal. Se você
disser a um Aspie algo como “botar a boca no trombone”, por exemplo, ele
vai entender isso como o ato literal de pôr a boca em um trombone. Claro que
também devemos considerar que tudo é muito relativo porque as pessoas
sempre são diferentes umas das outras e os problemas também dependem do
nível de autismo. Conor, por exemplo, conhece muitas das expressões e gírias
porque as estudou e decorou no transcurso dos anos, mas às vezes, ainda
sente um pouco de dificuldade de entender certas coisas. Ele não tem muitos
amigos justamente porque sempre acha que saber quais são as coisas
socialmente aceitáveis é um grande desafio. Aprendeu como se comportar
observando o comportamento das outras pessoas e estudando, já que os
Aspies entendem padrões. O que parece óbvio para nós, não é nada óbvio
para eles se não há um padrão ou um porquê.
— “Lógica” — Aidan citou. — É algo que o Conor diz. Que tudo
precisa de lógica para que ele possa compreender.
— Sim. Você já está entendendo. Agora, a segunda área problemática é
a área da imaginação. Não entenda mal porque no caso dos Aspies, quando
dizemos “falta de imaginação” não nos referimos à criatividade que nós dois
sabemos que o Conor tem de sobra, não é? — lançou uma piscadinha. — O
problema na imaginação se refere a não ter a habilidade de adaptar-se a
acontecimentos inesperados ou prever acontecimentos futuros.
— Acho que sei do que o senhor está falando. Ele não gosta de visitas
inesperadas e não faz nada além do planejado.
— Sim, isso mesmo. Conor fica perdido sem uma rotina rígida e em
situações inusuais, se sente mal porque não sabe como reagir. Nós, muitas
vezes, agimos por instinto ou fazemos o que nos pareça mais natural. Para os
Aspies não funciona assim. Como você mesmo disse, eles precisam de
lógica. Apenas lembre-se que Conor não gosta de surpresas e você estará bem
— o Doutor disse sorrindo.
— Certo.
— Outra dica é ter em mente que Conor que se sente mais confortável
com a comunicação verbal e por isso você precisa ser muito específico
quando se dirigir a ele. Nada de metáforas, linguagem corporal ou expressão
facial. Se quiser que saiba de algo, diga. De maneira clara e objetiva. O
garoto pode não saber o que você está pensando ou sentindo se não disser
nada.
— Está bem. Eu entendi.
A cabeça de Aidan dava voltas. Parecia que teria coisas demais para
lembrar. Não estava seguro de que conseguiria lidar com tudo aquilo.
— Sei que parece muito complicado — disse o psicólogo lendo seus
pensamentos. — Mas não é tão difícil assim. Eu posso ajudá-los. E também
posso sugerir alguns grupos de apoio para casais.
— Eu agradeço, mas acho que nós ainda não chegamos a esse ponto.
— Claro — assentiu. — Você tem alguma pergunta?
Aidan pensou por um minuto.
— Sim. Conor não gosta de ruído. Não curte festas e lugares públicos.
Isso tem a ver com a Síndrome?
— Tem sim, Aidan. A hipersensibilidade sensorial é muito frequente
nos Aspies. Conor é afetado por ruídos altos e luzes muito fortes.
— Sei.
— Algo mais?
— Não. Acho que isso é tudo. Se bem que eu adoraria dizer que fico
feliz por ter vindo, mas a verdade é que fiquei mais confuso ainda.
O Doutor riu.
— Eu imagino. Com o tempo você verá que não é tão ruim quanto
parece. Pense assim: uma pessoa com Síndrome de Asperger muitas vezes se
sente como um ser humano que vai de visita a outro planeta; mesmo que ele
aprenda o idioma e observe o comportamento dos habitantes do lugar, sempre
será óbvio que não nasceu lá. Se você entender isso, poderá entender um
pouquinho as dificuldades que Conor enfrenta em seu dia a dia.
Considerando, também, que vocês ainda estão se conhecendo e ainda têm
muito que aprender um sobre o outro. Pode voltar sempre que tiver dúvidas.
— É. Eu tenho certeza de que vou voltar.
— Lembre-se, Aidan, uma relação se constrói pouco a pouco e exige
esforço de ambas as partes. Seja paciente e tudo vai dar certo.
Aidan assentiu e se lembrou de um detalhe. — Se o senhor não se
importa, eu prefiro que a mãe do Conor não saiba que eu estive aqui — pediu
sentindo o rosto esquentar pela milésima vez.
— Você não se dá bem com a Gemma?
Aidan deu de ombros. — Ela não está muito a favor da nossa relação. E
eu entendo, porque eu nem sei se devia ter me envolvido com ele.
— Por que diz isso? — o doutor falou franzindo a testa.
— Eu fico sentindo que vou estragar tudo a qualquer momento. Tenho
medo de que esse namoro seja ruim para o Conor.
— Todas as relações humanas são complicadas. Você precisa entender
a Gemma. Conor é seu único filho e ela vive para cuidar dele. É natural que
uma mãe se preocupe, mas acredite quando eu digo que Conor é muito mais
forte do que você pensa. Passou a vida toda tendo que se adaptar. Agora está
enfrentando as mesmas dúvidas que você enfrenta porque também não sabe
como lidar com você.
— Eu sei. Ele me disse que nunca teve um namorado.
— Sim. E não é só isso. Qualquer mudança que Conor faça na vida
dele, por menor que seja, é um enorme passo. Você trouxe grandes mudanças
e isso é ótimo porque o força a sair da rotina e deixar de se conformar.
Porém, é um território novo para o garoto. É lógico que isso vai gerar
ansiedade. Assim como também é perfeitamente normal que você se sinta
ansioso.
— Sim — Aidan admitiu sem nem precisar pensar. — Eu fico com
medo porque quero muito fazer com que dê certo. Muito mesmo.
— Então faça.

Gemma estava no jardim quando ouviu o telefone tocar. Entrou


correndo na sala. — Alô?
— Oi, Gemma.
— Eoin! Como vai?
— Muito bem. Liguei para avisar que o seu menino de ouro acabou de
sair do meu consultório.
— É mesmo? Eu sabia! Como foi?
— Não se preocupe. Disse ao Aidan tudo o que precisava saber — o
médico respondeu.
— Que bom. O que você achou dele? Não é uma graça?
— Parece ser um bom rapaz. E gosta mesmo do nosso garoto.
— Pois é. Está indo tudo conforme o planejado. Eu te aviso se precisar
de alguma outra coisa.
— Estou às suas ordens. Sabe, Conor está mais feliz que nunca.
— Claro que está! As mães sempre sabem o que os filhos precisam.
Tchau — desligou o telefone se sentindo triunfante.
Conor estava deitado na cadeira de leitura da biblioteca com uma perna
dobrada e um livro apoiado na barriga. Aquele era seu lugar favorito de toda
a casa. Rosie já havia sugerido muitas vezes que comprasse uma televisão,
mas quem precisava de uma TV quando se tem livros? Talvez tivesse que
começar a considerar uma televisão, no entanto. Aidan sempre reclamava de
ter que assistir filmes e lutas de boxe na pequena tela do celular. “Netflix,
Conor! Você é o único ser humano da face da Terra que não tem Netflix!”
Era o que sempre dizia.
Desde os doze anos de idade, Conor lia Ulisses de James Joyce uma
vez por ano. Um ritual do qual desfrutava muitíssimo. Lia tranquilo no
confortável silêncio da biblioteca quando ouviu a voz de Aidan do lado de
fora da casa e foi até a janela ver o que estava acontecendo.
Abriu a cortina e espiou curioso; o ruivo estava na calçada conversando
com duas senhoras que ele nunca havia visto.
— Sim, o meu namorado... É mesmo? — o ouviu dizer.
Não conseguia identificar o que as mulheres diziam, mas era
impossível não escutar a voz exageradamente alta de Aidan.
— Pois é, ele trabalha em casa. É escritor.
Ambas as mulheres pareciam encantadas. Aparentemente, o
magnetismo de Aidan também se estendia ao público feminino.
— Não. O prazer foi todo meu. Apareçam qualquer hora — ele disse
sorrindo. Apertou suas mãos e observou enquanto as mulheres se
distanciavam. Elas abriram a porta da casa da frente e acenaram para ele
antes de entrar.
Conor saiu da biblioteca e chegou aos primeiros degraus da escada,
justo a tempo de encontrar Aidan entrando.
— Olá — ele disse com um enorme sorriso. A barba estava aparada e o
cabelo liso penteado para trás, dando ao visual uma aparência mais limpa.
Vestia calças jeans justas com sapatos de cano alto, camiseta branca e uma
jaqueta preta. Conor chegou à conclusão de que não importava o que Aidan
vestia, ele sempre ficava bonito.
— Quem eram aquelas mulheres?
— Suas vizinhas — Aidan respondeu fechando a porta. — Duas
velhinhas encantadoras. Você saberia disso se saísse de dentro de casa de vez
em quando. Sabia que elas nunca te viram?
— Besteira. Eu saio o tempo todo.
— O tempo todo? É mesmo?
— Sim, para levar o lixo. Também saio todos os sábados para almoçar
na casa dos meus pais.
— Ah, claro. Ou seja, você sai da casa em que vive, para ir até a casa
em que viveu? Isso não conta, Conor.
— Mas é claro que conta.
— Não conta, não. Você vai a algum outro lugar além da casa dos seus
pais?
Conor pensou por um momento.
— Não há nenhum outro lugar ao qual precise ir. A Rosie cuida de tudo
para mim.
— Sei. Mas eu não estou falando de lugares aos quais você precise ir.
Falo de lugares aos quais queira ir.
— Eu tenho distrações suficientes nesta casa — Conor não conseguia
compreender aonde Aidan queria chegar com aquela conversa. Gostava de
ficar em casa. Não havia nada de errado nisso. Tudo era confuso demais do
lado de fora e ele preferia não ter que lidar com toda a confusão.
— Quer saber? Já chega disso! — Aidan soltou. — Vou tirar você
daqui agora mesmo. Nós vamos sair.
— Não vamos, não.
— Vamos sim. Não é saudável ficar fechado dentro de uma casa. Você
precisa sair! Deixar que as pessoas te vejam. Vou te levar para dar uma volta.
Vamos.
— Dar uma volta onde? — Conor perguntou sentindo a ansiedade se
manifestar dentro dele.
— Há quanto tempo você não vai ao Centro de Dublin?
— Eu...
— Vou considerar isso como "muito". Vamos, vou te levar para dar
uma volta no Centro de Dublin. Vai ser divertido.
Em dias normais, ele considerava o sotaque forte de Aidan bonitinho,
porém naquele momento o rapaz soava particularmente irritante. — Eu
duvido. O Centro é perigoso.
— Qual é?! O único perigo que você vai encontrar em Dublin a essa
hora é aquele maluco que toca uma guitarra de brinquedo na Rua Grafton.
— O quê?
— Deixa pra lá. Vou te levar para ver uma coisa que você vai gostar.
Confie em mim.
Conor conhecia a Aidan o suficiente para saber que não pararia de
insistir na ideia. O melhor era aceitar de uma vez e terminar com o assunto.
Não havia sido tão ruim nos penhascos. Talvez também não fosse tão ruim no
centro de Dublin. — Bom, eu não vejo nenhuma razão para sair de casa.
Estou confortável aqui, mas está bem. Vou com você. Devo vestir algo em
especial?
— Assim está ótimo. Vamos.
— Espere, deixe-me pegar uma garrafa de água. E alguns suprimentos
também.
— Conor, pelo amor de Deus! — Aidan disse cobrindo o rosto com as
mãos. — Nós vamos dar uma volta no Centro de Dublin, não vamos explorar
a Floresta Ballyboley[6]. Relaxe! Será divertido. Vamos! — ele fez um grande
gesto indicando a porta.
Conor deixou a casa, relutante. Entrou no carro de Aidan e, como
sempre, o veículo cheirava a cigarro e estava imundo. Os painéis cobertos de
cinzas e vários pacotes de salgadinho e biscoito espalhados pelo chão.
— Desculpe. Está um pouco sujo — disse Aidan tomando o assento do
motorista. Ele começou a recolher pacotes vazios e atirá-los para a parte
traseira do carro. Na opinião de Conor, aquilo não fazia a menor diferença. —
E então? Pronto para a nossa grande aventura?
Não podia acreditar que havia se deixado convencer a abandonar seu
precioso livro para entrar no carro imundo de Aidan. Outra vez! — Pensei
que estávamos indo à Dublin — disse mal humorado.
— E estamos. Mas podemos considerar isso como uma aventura.
— Se você diz.
— É melhor você conter um pouco o entusiasmo.
— Não estou entusiasmado.
— Eu sei. Estava sendo sarcá... Deixa pra lá. Escute — Aidan tocou
seu ombro. Conor sabia que aquele gesto normalmente indicava compreensão
ou solidariedade. — Eu sei que não curte fazer coisas que não estejam
planejadas, mas eu prometo que não vou expor você a nada que te faça sentir
desconfortável. Combinado?
— Combinado — o escritor assentiu.
Aidan arrancou o carro e abriu sua janela para deixar o vento entrar. —
Você se importa se eu fumar?
— Não só me importo como também corro o risco de ter dez diferentes
tipos de câncer e várias doenças respiratórias.
Aidan colocou o maço de cigarros de lado. — Nem estou com tanta
vontade, mesmo.

Conor parecia um vampiro antigo tentando se adaptar ao século vinte e


um. Recusou-se a sentar na grama por não querer sujar suas calças cáqui e
Aidan lhe estendeu uma jaqueta que tinha no porta-malas do carro.
Usava uma camisa branca de linho e um par de óculos escuros que
Aidan lhe emprestou porque não parava de reclamar que a luz do sol
machucava seus olhos. O gel já perdia o efeito e o cabelo dele formava
pequenas ondas douradas, mostrando seu estado natural.
O parque Saint Stephen estava lindo, como sempre. Sentados perto do
lago, assistiam aos patos flutuar sossegados sobre a água. Várias pessoas
descansavam sentadas na grama, comendo algo, digerindo um almoço recém-
terminado ou, simplesmente desfrutando de um ensolarado dia de primavera.
Estudantes com suas mochilas ao lado, casais de mãos dadas, um grupo
de artistas praticando malabares. O parque Saint Stephen era um Oasis no
Centro de Dublin.
— Viu? Até que foi bom sair um pouco de casa, não foi?
— Eu preferiria estar lendo. Mas também entendo que passar tempo
juntos é importante para o desenvolvimento da nossa relação. A propósito,
estive lendo livros sobre relacionamentos.
— Não me diga? — Aidan falou com falsa surpresa. É claro que Conor
não notou a ironia.
— Sim. É verdade. Eu li vários. E aprendi coisas muito interessantes.
— É mesmo? Tipo o quê?
— Aprendi, por exemplo, que a comunicação é muito importante. Uma
má comunicação pode levar uma relação à ruina.
— Nossa — ele comentou para incentivá-lo a continuar. Tomou um
gole da garrafa de água que Conor insistiu em comprar.
— Pois é. E é por isso que vou tentar prestar atenção a tudo o que você
disser, mesmo que eu não esteja interessado. Já que, de fato, não me interesso
pela maioria das coisas que você diz. Mas vou prestar atenção assim mesmo.
E vou responder.
— Acho impressionante o jeito como você consegue me fazer sentir
ofendido e lisonjeado ao mesmo tempo.
— Eu não...
— Esquece. O que quero dizer é que fico feliz em saber que você está
se esforçando e quero que saiba que também estou.
— Você também está lendo livros sobre relacionamentos? Porque até
onde eu sei você não é mesmo muito bom em relacionamentos.
A boa e velha sinceridade. Não era o mesmo sem ela. — Não
exatamente. Na verdade, tenho uma confissão a fazer. Não fique bravo —
disse juntando as mãos em súplica.
— Depende da sua confissão.
Aidan riu nervoso. — Claro. Bom, queria te contar que fui ver o doutor
Murphy.
— O Eoin?
— Sim. A sua mãe o mencionou por acaso e decidi procurá-lo —
Conor não disse nada. — Nós nem falamos de você — continuou. — O
doutor só me explicou as coisas que acontecem com os Aspies.
— “Aspies”? É. Você conversou mesmo com o Eoin. Sabia que a
maioria de nós nem gosta dessa denominação?
— Não fique bravo comigo. Juro que tinha boas intenções.
— Não estou bravo. Não me incomoda que você converse com o Eoin.
Só acho que você devia ter me contado.
— Claro. Você tem toda a razão — apoiou a cabeça no ombro de
Conor e faz uma cara de coitadinho. — Me desculpa?
Conor sorriu. — Está bem.
— Sabe, ele disse que seria legal se nós fôssemos juntos qualquer dia
— Aidan arriscou comentar.
— Não sei se estou preparado para isso — Conor abaixou a cabeça e
começou a brincar com um pedaço de grama. — Mas prometo que vou
considerar.
— Claro. Está bem. E só pra você saber, estou lendo livros sobre
Asperger.
— Está?
— Ah sim. Já aprendi coisas interessantes também — limpou a
garganta. — Já sei que o seu cérebro é diferente do cérebro dos neurotípicos
porque o córtex pré-frontal do seu cérebro não se conecta corretamente com o
resto do lobo frontal. E como o córtex pré-frontal é o responsável pelo
planejamento de comportamento e expressão da personalidade, entre outras
coisas, é natural que você tenha dificuldades nesses aspectos — fez uma
pausa dramática. — E então?
— Estou impressionado!
— É bom mesmo — comentou divertido
— Significa muito para mim, Aidan.
O ruivo tomou a mão dele e a beijou carinhosamente. — Então, tá a fim
de sair daqui?
— E ir para onde?
— Você já foi à biblioteca da Trinity?
O rosto de Conor se iluminou.
— Meu pai me levou lá uma vez, quando eu era pequeno. Adoraria ir
de novo.
— Ótimo. Então é o que faremos. Só que se prepare, porque vai estar
cheio de turistas.
— Como você sabe?
— Porque sempre está cheio de turistas.
— Ah. Podemos passar na Praça Merrion para ver a estátua de Oscar
Wild?
— O que você quiser — Aidan levantou-se, sacudindo as calças. —
Podemos fazer todo o programa turístico de Dublin. Como se fôssemos
americanos.
Ofereceu sua mão para ajudar Conor a se levantar. Ele a tomou e Aidan
não a soltou. O rapaz se abaixou para recolher o casaco da grama e os dois
caminharam de mãos dadas para fora do parque.
— Você sabia que a estátua foi feita a pedido do Grupo Guinnes?
— É mesmo?

Passaram rapidamente pela Praça Merrion, onde Conor expressou sua


indignação na frente da estátua de Oscar Wild.
— Um dos grandes gênios da humanidade. Escreveu uma das melhores
obras literárias de todos os tempos e foi jogado na prisão por ser
homossexual!
A estátua do escritor, feita por um artista irlandês, estava situada em
frente a casa onde Wild nasceu. Ele foi representado sentado em uma pedra
com as roupas extravagantes que o caracterizavam como uma das figuras
mais controvérsias da história da Irlanda.
— É. Uma grande injustiça. Se bem que ele não era exatamente
discreto, não é? Quer dizer, com essas roupas e sentado nessa posição,
qualquer um podia ver que o cara era gay.
Arrependeu-se imediatamente de suas palavras ao notar que o olhar de
Conor dizia “Vou te matar”.
— Desculpe. Desculpe — Aidan apressou-se em dizer. — Foi só uma
piada. Eu não quis dizer que ele merecia tudo o que aconteceu e concordo
com você, ele era mesmo um dos grandes gênios da humanidade. Desculpe.
— Você se dá conta de que as suas piadas podem ser muito ofensivas e
fora de lugar, não é?
— Sim.
— E percebe que está tirando sarro de um escritor que, mesmo nos dias
atuais, continua trazendo muito orgulho para a Irlanda?
— Sim.
— Francamente, Aidan!
Aidan lembrou a si mesmo de pensar duas vezes antes de fazer piadas
com os escritores favoritos de Conor. Péssima ideia.
— O que acha de irmos de uma vez para a Trinity? — buscou
apaziguar a situação.
— Está bem — Conor respondeu ainda emburrado.
Eles foram caminhando até a Faculdade Trinity, a mais importante
instituição educativa da Irlanda e também a mais antiga. Muitas figuras
famosas estudaram na Trinity, incluindo, ele mesmo, o ilustre Oscar Wilde.
Todos os edifícios que contornavam a propriedade eram enormes e
mostravam a arquitetura neoclássica de forma imponente. O mais
impressionante de todos era o Campanário à direita deles que atraía milhares
de turistas por ano, mas nada comparado à antiga biblioteca. Aidan se sentia
minúsculo caminhando em direção à entrada.
Leu uma vez que a antiga biblioteca da Trinity recebia uma cópia de
todas as obras publicadas na Irlanda. O que era bastante, considerando o
amor dos irlandeses pela literatura! Mas o lugar não abrigava somente livros
novos, também possuía algumas das obras mais antigas da humanidade.
Incluindo o Livro de Kells que era, literalmente, o livro mais antigo do
mundo.
— Esta biblioteca é o meu Monte Olimpo! — Conor anunciou. — O
lugar onde todos os meus deuses descansam.
Aidan gostava de vê-lo tão animado. Eles entraram na Biblioteca e seu
namorado parecia uma criança num parque de diversões.
— Você sente esse cheiro?
— Eu só sinto cheiro de madeira e livro velho — era Aidan, tentando
identificar algo no ar que pudesse deixar Conor tão encantado.
— Exato! Não é maravilhoso?
Aidan sorriu. — É, Conor. É maravilhoso.
— Há mais de duzentos mil livros aqui! Olhe, aquele é o busto do
Jonathan Swift — ele apontou um dos vários bustos. Cada um posicionado
junto à uma das enormes estantes de madeira. O Salão Longo, como era
chamado, tinha teto em forma de arco. Cada parte dele era decorada em
madeira escura adornada. Não havia dúvida de que estar lá fazia a pessoa
sentir como se estivesse em Hogwarts, Aidan pensou. O lugar tinha um clima
de livro de fantasia.
Eles caminharam pela biblioteca com Conor ocasionalmente apontando
para algo e dando todos os detalhes, viram a declaração de Independência,
foram ao andar debaixo para ver as antiguidades, incluindo a famosa Harpa
que figurava na moeda irlandesa e em outras imagens importantes, e depois
entraram na sala onde o Livro de Kells era exibido. Aidan aguentou por
vários minutos, mas terminou ficando cansado. Era difícil acompanhar o
ritmo de Conor, se tratando de livros. O rapaz estava feliz e cheio de energia
e Aidan resolveu aproveitar a oportunidade.
Se havia um bom momento para levá-lo para conhecer o Red Twins,
tinha de ser aquele.
Quase teve que arrastar Conor para fora da Trinity e ele passou todo o
trajeto da faculdade até o carro reclamando que faltaram coisas para ver.
— Eu só estou dizendo que nós ainda tínhamos dez minutos. As visitas
se encerram às cinco.
— Nós ainda temos outro lugar pra ir — Aidan explicou.
O rapaz fechou a porta do carro e o observou intrigado. — Que lugar?
— Você precisa conhecer o Red Twins.
— O que é o Red Twins?
— É o meu pub.
Esperou pelas palavras de protesto e se surpreendeu ao não ouvir
nenhuma.
— Por que ele se chama assim?
— Bom. Ele se chama Red Twins[7] porque a minha irmã, Aisling, e eu
somos ruivos e gêmeos.
Conor refletiu por um minuto. — Não é um nome muito criativo —
disse ao fim.
— Não. Não é — concordou. — Mas funciona.
Para a sorte de Aidan, seu namorado ficou tão concentrado pensando
no porque “Red Twins” era um nome tão horrível, que nem sequer
considerou que o bar estaria cheio de gente e com o som alto de música.
— Podiam ter usado o sobrenome de vocês.
— O’Sullivan é um sobrenome bastante comum. Deve haver outros
pubs com esse nome.
— Você tem razão.
Algum tempo depois...
— Chegamos — as mãos suavam tanto que ele precisou secá-las nos
jeans. O pub representava grande parte de sua vida. Se Conor o detestasse,
seria uma complicação mais.
Eles saíram do carro e caminharam até a entrada.
— Preparado?
— Eu preciso mesmo entrar aí? — começou a estalar os dedos.
— É importante pra mim. Você pode fazer um pequeno esforço?
Conor esticou o pescoço para ver como era lá dentro. Seu olhar estava
apreensivo e a tensão dava sinais em todo seu corpo. — Está bem. Vou fazer
isso por você.
Aidan quis dizer o quanto o amava por tentar, mas ainda não haviam
chegado na fase do “eu te amo” e preferiu não dar a ele outra coisa na que
pensar. Os dois entraram de mãos dadas e ainda que fosse cedo e o pub já
estivesse cheio, tinham um espaço razoável para caminhar sem trombar com
ninguém. Avistou uma mesa vazia.
— Venha por aqui.
Conor se deixou conduzir. Olhava para todos os lados e Aidan quase
podia ver como a mente dele tratava de absorver cada mínimo detalhe.
— Até que enfim deu o ar da graça! — disse Aisling aparecendo ao
lado de Aidan segundos depois de eles se sentarem. Ela ficou muda quando
se deu conta de que o irmão estava acompanhado.
— Conor, essa é a minha irmã, Aisling — havia certo nervosismo
nessa apresentação.
Ele se levantou e estendeu a mão para a garota.
— Muito prazer, Aisling. Meu nome é Conor Healy. Como vai?
— Oi! Nossa, ouvi falar tanto de você! — ela falou animada. — Bem
vindo ao Red Twins.
— Ainda não estou de acordo com esse nome.
Aisling franziu a testa.
— Esquece — avisou o irmão. — É melhor nem perguntar.
— Vou deixar vocês curtirem. Daqui a pouco a gente se fala —
anunciou Aisling se afastando.
— Vou aproveitar pra pegar uma cerveja pra você.
Conor se agarrou em seu braço com tanta força que pôde sentir as
unhas dele se cravando em sua pele.
— Eu não bebo cerveja. Prefiro que você fique aqui comigo.
Sentou de frente para ele e colocou as mãos em seus ombros.
— Escute, eu sei que há muita gente aqui, mas quer saber? Acho que
este lugar é um ótimo laboratório para um escritor. Quer dizer, você pode
observar todas essas pessoas e conseguir ideias para personagens.
Não tinha ideia de onde aquilo havia saído, mas a julgar pela cara de
Conor, parecia que havia acertado o alvo.
— Eu... Posso fazer isso. Não é uma má ideia.
— Sim! — incentivou. — Há todo tipo de pessoas aqui. Para um
escritor, um bar é tipo um buffet sabe?... Ah, desculpe! Metáfora.
— Não, tudo bem. Eu entendi a sua analogia. Este é o meu buffet de
pessoas de diferentes tipos para escolher.
— Isso!
Por um momento, pareceu estar em conflito consigo mesmo. Aidan
temia que ele pudesse se levantar e ir embora de repente. Então o conflito
terminou. — Eu posso fazer as anotações no celular, mas seria mais fácil se
eu tivesse papel e uma caneta.
— Claro! — Aidan respirou, aliviado. — Eu te consigo. Me dá um
minuto.
Foi até o balcão e se sentiu mal ao ver que os bartenders já estavam
trabalhando duro. Tomou um copo e serviu um pouco de cerveja clara.
— Um pouco de ajuda não cairia mal. É sério! — reclamou Aisling.
— Eu sei. Já estou quase conseguindo fazer o Conor se sentir
confortável aqui. Só preciso de uns minutos mais, tá legal?
Abriu uma gaveta e tomou algumas folhas de papel sulfite e uma
caneta. Voltou correndo para a mesa abrindo caminho entre as pessoas.
— Pronto. Papel, caneta e cerveja — sentou-se ao lado do escritor e
depositando tudo na mesa.
— Observe, Aidan. Aquele homem com jaqueta verde passa a mão pelo
cabelo para chamar a atenção da garota.
— Legal.
— Isso é algo que eu posso usar para um personagem masculino —
tomou a caneta e anotou a ideia. Sua letra era bonita e arredondada.
Aidan achava fascinante ver como a mente de Conor trabalhava, mas
não conseguia tirar os olhos do balcão. O Red Twins ficava cada vez mais
cheio e era estranho estar sentado enquanto todos trabalhavam. — Você se
importa se eu te deixar sozinho por uns minutinhos?
— Não — ele falou sem tirar os olhos do papel. — Pode ir.
— Tem certeza? Como você se sente com o barulho? As luzes estão
muito fortes?
Conor o olhou. — Estou bem.
— Certo. Então eu já volto.
Não respondeu. Franzia a testa e estreitava a vista, observando as
pessoas com atenção. As coisas estavam indo melhor do que Aidan havia
planejado.

Nunca o havia visto em seu elemento. Era fascinante observá-lo atrás


do balcão servindo bebidas e conversando com as pessoas. Aidan, Aisling e
os outros rapazes tinham um entrosamento impressionante. Por mais que
todos andassem de um lado para o outro, levando copos cheios e garrafas,
nunca se chocavam. Como se um soubesse quando o outro estava passando
sem precisar olhar.
Conor obrigou a si mesmo a tirar os olhos do namorado. A ideia era
estudar as outras pessoas. E havia muita gente ali para ser estudada. Tomou
um gole de cerveja; não era tão ruim, já havia tomado metade do copo; e
fixou sua atenção em dois homens sentados ao balcão. Eles conversavam
entre si e riam muito, o que indicava que era provável que estivessem
intoxicados.
“Camisa Marrom sempre toca o braço de Suéter Cinza antes de falar.”
Escreveu.
“Suéter Cinza olha fixamente dentro dos olhos de Camisa Marrom.”
“Nenhum dos dois parece preocupar-se muito em se manter fora do
espaço pessoal do outro.”
De repente, Suéter Cinza olhou diretamente para ele e disse algo para
Camisa Marrom que se virou para olhar também.
Repreendeu a si mesmo. Sabia que encarar era errado. Podia observar
as pessoas, mas não podia deixar que elas percebessem porque elas quase
nunca gostavam de ser observadas.
Já era tarde demais para corrigir o erro. Os dois homens se levantaram
e foram até ele.
— Você tem alguma coisa pra dizer pra gente? — Camisa Marrom quis
saber.
— Não.
— É mesmo? Porque eu vi que estava nos encarando — acrescentou
Suéter Cinza.
— Peço desculpas. Sei que encarar é errado.
Camisa Marrom tomou sua folha de anotações sem pedir licença. — O
que é essa merda? Se liga no que esse palhaço escreveu de nós — falou
passando a folha para Suéter Cinza.
— Ele tá chamando a gente de bicha.
— Isso é privado — Conor disse apontando para a folha. — E
dependendo do modo em que for dito, “Bicha” pode ser um termo pejorativo,
sabem? O termo correto é homossexual, ainda que a palavra gay também
possa ser utilizada e...
— Ah é? E se eu te mostrar quem é a bicha? — Camisa Marrom se
aproximou, agarrou o braço de Conor e o forçou a se levantar.
— Ei! Não me toque! Eu sei que não devia ter encarado, mas já pedi
desculpas!
— Pois eu não aceito as suas desculpas, babaca! O que você vai fazer,
hein? — Camisa Marrom o empurrou com força.
— Você está invadindo o meu espaço pessoal!
Tudo aconteceu muito rápido depois daquilo. Aidan apareceu na sua
frente e deu um soco no rosto de Camisa Marrom fazendo com que o homem
caísse de joelhos no chão. Suéter Cinza se atirou em cima dele e terminou
levando um soco bem no meio do estômago.
— Eu vou acabar com a sua raça, filho da puta! — gritou Camisa
Marrom se levantando.
— Ah, não vai não — um dos bartenders anunciou. Os três,
acompanhados de Aisling, entraram na frente de Aidan. — Eu vou te dizer o
que vai acontecer: vocês dois vão sair daqui e não voltar mais, porque da
próxima vez que eu os vir no Red Twins, vou chamar a polícia.
Aisling se aproximou de Conor e segurou seu braço.
Ao ver a situação, os músicos se levantaram e se juntaram aos
bartenders.
— Se vocês não saírem por bem, vão sair por mal — ameaçou um
deles.
— Calma, Kevin — Disse o bartender. — Eles já estão de saída.
Camisa Marrom e Suéter Cinza pareceram perceber que não tinham
chance, porque deram meia volta e saíram do pub sem reclamar.
Aquilo era o mais emocionante que Conor já havia presenciado. Não
que ele aprovasse a violência, mas com certeza havia sido emocionante!
— Você está bem? Eles te machucaram? — Aidan perguntou,
preocupado.
— Não. Estou bem.
Todos começaram a voltar a seus postos. Exceto Aisling, que seguia
agarrada ao seu braço.
— Que idiotas! Odeio esse tipo de gente! — ela reclamou.
— A culpa foi minha. Não devia ter encarado.
— Você não fez nada de mal! — falou Aidan. — Nada justifica a
violência!
Algumas pessoas os olhavam. Conor se sentiu um tanto exposto
demais. Odiava quando todos o olhavam. Primeiro porque o fazia sentir-se
como uma atração de circo; E segundo porque colocava todos os defeitos
dele em evidência.
— Você tá bem mesmo? — Aisling finalmente o soltou.
— Sim. Já estou acostumado. Algumas pessoas são violentas. Nada que
não tenha visto antes. Agem dessa forma comigo porque não me entendem.
Mas não importa porque também não as entendo.
Aidan chutou uma cadeira surpreendendo a Conor e muitas das pessoas
que estavam olhando. — Escute bem, de agora adiante, para alguém agir
assim com você vai ter que passar por cima de mim. Combinado?
— Combinado.
Ele mesmo levantou a cadeira que havia chutado e depois respirou
fundo. — Quer sair daqui?
— Quero — nunca o havia visto tão bravo. E isso porque não era o
melhor identificando emoções.
— Você se importa? — ele perguntou à irmã.
— Não, claro que não — Aisling respondeu compreensiva. — Tira ele
daqui.
— Vem comigo, Coelhinho.
Conor tomou a mão dele e os dois caminharam para fora do Red Twins.
Entraram por uma pequena porta no mesmo edifício e subiram uma escadaria
estreita.
— Para onde estamos indo?
— Para o meu apartamento.
— Você vive em cima do Red Twins?
Destrancou a porta e fez espaço para que ele entrasse primeiro. —
Vivo. Prático, não é mesmo? Aisling e eu compartimos.
Conor olhou ao redor e a primeira coisa que captou sua atenção foi a
pequena estante branca cheia de livros. Foi até ela sem nem se importar com
o resto.
— Você encontrou os livros. Por que será que isso não me surpreende?
Quer um pouco de chá?
— Barry’s, não muito quente. Obrigado — falou enquanto revisava os
livros.
Aidan disse algo mais e entrou na cozinha. A coleção de livros dele era
interessante. Pequena, mas continha obras muito boas. Na primeira prateleira,
estavam todos os seus livros, aos quais não dedicou atenção. Na segunda,
uma coleção com vários livros do Júlio Verne que o deixou encantado.
— Você gosta de Júlio Verne, eu também adoro — anunciou quando o
ruivo entrou na sala com uma xícara de chá.
Caminhou até ele e lhe entregou a xícara quente. — Eu sei. Você só
posta isso no seu Twitter a cada, sei lá, quinze minutos.
— Eu não posto a cada quinze minutos. Júlio Verne é o seu autor
favorito?
— O segundo.
— Segundo? E quem é o primeiro?
— Você, bobinho — tocou seu nariz com o dedo indicador.
— Eu sou o seu escritor favorito?
— É.
— Que mau gosto, Aidan.
— Como é que é?! Você não se considera um bom escritor?
— Claro que me considero um bom escritor. De fato, me considero um
escritor muito competente.
— Então?
— Mas não melhor que o Júlio Verne.
Aidan soltou uma gargalhada alta.
— Acontece, meu caro, que gosto não se discute. Pra mim, você é
melhor — fechou o sorriso. — Eu sinto muito. Trouxe você ao pub porque
queria que se divertisse um pouco. Não imaginei que algo assim fosse
acontecer. Nunca devia ter te deixado sozinho. Você me perdoa?
Conor se afastou da estante e se sentou no sofá. Não gostava de beber
nada perto de livros. Um pouco de chá poderia destruí-los.
— Você não precisa se preocupar. Essas coisas acontecem muito
comigo. Atualmente, nem tanto, já que eu me mantenho distante de
desconhecidos, mas aconteciam com muita frequência quando eu era
adolescente. Inclusive, me ajudou a entender quais são as coisas que irritam
as pessoas e também a não me deixar enganar.
— Enganar?
— Sim. Não tinha amigos na época do colégio. Certo dia, alguns
garotos da minha turma me convidaram para uma festa. Fiquei feliz porque
ninguém nunca me convidava para nada — tomou um gole de chá. — Minha
mãe me levou até o endereço que os meus companheiros me deram. Já era
noite e havia muitas pessoas na festa. Encontrei os garotos, queria agradecer
pelo convite, e eles me levaram para fora da casa. Eu não percebi que a razão
para me convidar havia sido porque eles tinham uma brincadeira planejada.
— O que eles fizeram?
— Me jogaram dentro de uma caçamba de lixo e fecharam a tampa.
— Quê?!
— Depois se afastaram rindo e me deixaram lá, sozinho.
Aidan parecia prestes a chutar alguma outra coisa. — E o que
aconteceu depois?
— Mamãe foi me buscar e eu não estava na festa. Ela passou horas me
procurando pela vizinhança até decidir chamar a polícia Chegaram à casa
onde a festa aconteceu e ao serem pressionados, os garotos terminaram
dizendo a verdade. Aparentemente, eles não haviam dito nada antes porque
quando fizeram a brincadeira, não sabiam que eu era Autista e ficaram com
medo das consequências quando descobriram. Já era de manhã quando
abriram a caçamba de lixo e me encontraram dentro. Mamãe estava chorando
e meu pai ficava dizendo que os garotos deviam ser punidos. Eu não estou
seguro de que exista uma punição para prender pessoas dentro de caçambas
de lixo. Existe?
— Isso é horrível, Conor. Eu sinto muito.
— Eu não sei brigar — apontou para o par de luvas de boxe pendurado
na maçaneta de uma porta. — Não como você.
— Eu tive que aprender. E posso te ensinar. Quer dizer, não vou
permitir que ninguém te machuque, mas é bom que você saiba se defender
sozinho também.
— Você vai me ensinar a brigar?
— Vou. Levante-se.
Os dois se posicionaram no meio da sala. Aidan vestiu suas mãos com
as luvas de boxe e as apertou.
— Certo. Primeiro você tem que usar os braços para proteger o rosto.
Assim. Com os punhos para cima.
— Assim? — Conor disse posicionando os braços na frente do rosto.
Abaixou um pouco seu braço esquerdo. — Isso — levantou as duas
mãos na altura da cabeça com as palmas viradas para ele. — Agora tente
acertar a minha mão esquerda com o seu punho direito.
— Certo.
Deu um soco na mão esquerda de Aidan. Não usou quase nada de
força, primeiro porque não tinha muita e segundo porque não queria bater
nele, não de verdade.
— Ah, qual é?! — Aidan reclamou. — Você pode fazer melhor que
isso. Vamos, bata com força.
— Tem certeza?
— Claro. Ande, finja que eu sou um daqueles homens do pub. Finja
que eu sou o que te empurrou.
— Mas você não é.
— É só de mentirinha. Use a sua raiva. Coloque tudo o que sentiu
naquele momento no seu punho e bata.
Fechou os olhos e pensou naqueles homens. Suéter Cinza e Camisa
Marrom. Sabia que encarar era errado, mas eles agiram mal. Pediu desculpas
e mesmo assim, Camisa Marrom o empurrou! Invadiu seu espaço pessoal de
maneira violenta.
Aidan tinha razão, ele sentia raiva. E não apenas pelo último
acontecimento, mas também por todas as outras vezes em que alguém o
maltratou. Em algumas delas, sequer percebeu que estava sendo maltratado.
Visualizou todas as pessoas que abusaram dele. Todos os que haviam
sido intolerantes e preconceituosos. Todos os que zombaram e bateram.
Todos passaram pela sua mente por alguns segundos. O garoto que o chamou
de retardado na quinta série porque não conseguia segurar direito a bola de
Rúgbi. A amiga de sua mãe que dizia que ele era frio e sem coração só
porque se recusou a abraçá-la uma vez, quando tinha oito anos; ainda bem
que sua mãe havia deixado de ser amiga daquela mulher! E a psicóloga que
disse aos seus pais que ele devia estudar em uma escola para crianças
especiais porque não era bom que estivesse com as crianças normais. Pôde
sentir a frustração crescendo dentro de si. Quase como se pudesse colocá-la
para fora e tocá-la, de tão forte.
Deu um soco na mão de Aidan e sentiu toda a raiva sair junto com seu
punho. Ele se moveu um pouco para trás com o impacto, mas não disse nada.
Lágrimas quentes começaram a escorrer pelo seu rosto e Conor as
deixou cair. Logo, estava chorando com tanta intensidade que os soluços
faziam seu corpo inteiro tremer descontrolado.
Aidan o abraçou ainda calado e o calor de seu corpo lhe brindou uma
sensação de conforto. Ficou agradecido pelo silêncio; apesar de ser um
escritor, até ele sabia que em momentos como aquele as palavras sobravam.
Chorou com a cabeça encostada contra o peito de Aidan. Sentiu sua
respiração e se concentrou no movimento de sua caixa torácica até as
lágrimas cessarem.
— Eu já me sinto melhor — levantou a cabeça.
Aidan usou as mãos para secar seu rosto. — Que bom.
O cabelo louro brilhava com os raios de sol que entravam pela janela
do quarto. O peito dele se elevava quando respirava. Seu corpo se movia
devagar. Parecia tão tranquilo, tão sereno.
Aidan estava sentado na beirada da cama e o observava dormir. Sabia
que a serenidade terminaria quando Conor acordasse. O passeio, a briga no
pub. Eram coisas demais para que ele absorvesse e dormir fora era,
definitivamente, a gota d’água.
Como se adivinhasse seus pensamentos, o rapaz abriu os olhos.
— Bom dia — Aidan disse suavemente.
Conor olhou ao redor. Era provável que a última coisa da qual ele se
lembrasse era do namorado ao lado dele na cama dizendo que o levaria para
casa “daqui a pouquinho”. Só que o “daqui a pouquinho” nunca aconteceu
porque os dois adormeceram.
A expressão dele se transformou em puro pânico e a respiração
acelerou.
— Ei, calma. Tá tudo bem — tomou sua mão. — Conor, eu quero que
respire fundo. Vamos lá, você consegue.
Ele encheu os pulmões com a maior quantidade de ar que pôde e o
soltou devagar.
— Isso mesmo. Escute, você dormiu fora de casa e eu sei que isso faz
com que fique estressado, mas acho que você está se tornando uma espécie
de aventureiro, sabe? Alguém que faz coisas diferentes e ousadas. Estou
muito orgulhoso — lógico que as palavras haviam sido planejadas, ainda que
o resultado fosse incerto.
— Está? — Conor questionou desconfiado.
— Claro! Muito orgulhoso! Quer dizer, olha só pra você! Tomou
cerveja em um bar e dormiu na casa do namorado. Você é... É... Já sei! É um
cara descolado.
— Eu sou? Sou descolado?
— Pra caramba — viu a tensão no corpo de Conor indo embora pouco
a pouco e pensou que estava pegando o jeito naquele negócio de acalmá-lo.
Ainda era difícil, mas estava ficando bom.
— Eu nunca havia sido descolado.
— Pois agora é.
Ele abriu um sorriso que fez com que Aidan respirasse, aliviado.
— Que horas são?
— São oito. Não que um cara descolado como você se preocupe com
isso, não é? — arriscou.
— Na verdade, eu me preocupo sim...
— Eu deixei uma toalha limpa e uma escova de dente nova pra você no
banheiro — falou sem dar a ele chance de se exaltar. — Vá tomar um banho
e depois de comer alguma coisa, eu te levo pra casa.
Esperou ansioso por uma reação.
— Está bem — Conor disse por fim. — Posso arrumar a cama
primeiro?
— Sim. Você pode arrumar a cama primeiro.
— E posso recolher estas roupas do chão e colocá-las no cesto de roupa
suja?
— Pode. Mas depois, direto para o banho.
Conor concordou e ele saiu do quarto e o deixou com sua tarefa
meticulosa. Aisling já estava na cozinha preparando uma vitamina de frutas.
— Bom dia. Levantou cedo — ela disse quando o irmão entrou.
— Você também. À que se deve tamanha honra?
— Decidi que finalmente vou usar a bosta da membresia da academia
— Aisling respondeu mal humorada.
— Algum dia tinha que acontecer.
Ela apertou o botão do liquidificador e o som preencheu o silêncio da
cozinha por um momento. O desligou e serviu a vitamina em um copo. — E
você? Por que tão cedo?
— Conor dormiu aqui —serviu-se uma xícara de café.
— Não brinca!
— Pois é. Se eu não o levar pra casa antes das nove, vai surtar. Não
quero que fique sobrecarregado.
— Ele já acordou?
— Já. Está arrumando a cama. É parte da temida rotina — pôs ênfase
na palavra “temida”.
— E o que ele costuma comer de manhã? Talvez se sinta melhor se
tivermos o que está acostumado a comer.
Pensou em quanto amava a irmã. Aisling podia ser durona às vezes,
mas a conhecia o suficiente para saber que ela era um ser humano feito de
amor e compreensão. A todo o momento estava pronta para ajudar e Aidan
sempre teve nela um pilar sólido: uma família.
Foi até a gêmea e lhe deu um beijo no rosto. — Eu te amo, sabia?
Obrigado por ser legal com ele e por não julgá-lo. Você é incrível.
— Deixa de ser tonto! — ela disse o empurrando. Tinha um pequeno
sorriso nos lábios .
— Você tem razão — Aidan concordou. — Ele vai se sentir melhor se
comer o que está acostumado. O mais importante é o chá. Sempre toma chá.
Nunca toma café porque diz que a cafeína altera seus sentidos.
Aisling abriu o armário. — Temos chá Barry’s.
— Sim. É o que ele gosta. E normalmente come frutas e pão de soda
com manteiga.
— Tá. Temos bananas, maçãs e mamão. Por que você não corta o pão
enquanto eu pico a fruta?
— Certo.
Ouviu o barulho da porta do quarto e foi checar. Conor saiu parecendo
um animal saindo da toca.
— Tá tudo bem, Gatinho?
— Sim. Vou tomar banho.
— Certo. O banheiro é ali — indicou. Ele desapareceu dentro do
banheiro e Aidan voltou para a cozinha. — Acho que está um pouco
atordoado, mas vai ficar bem.
— Que bom — Aisling parecia satisfeita.
Cortou o pão redondo em fatias enquanto Aisling picava o mamão. Os
dois terminaram de preparar tudo e puseram a mesa.
O jovem escritor saiu do banheiro fresco e cheirando a sabonete. Com a
falta de gel, tinha os cachos do cabelo em seu máximo esplendor. Aidan
pensou em quanto gostaria que ele usasse menos gel. Adorava os pequenos
cachos dourados.
Estava visivelmente incômodo.
— Sente-se aqui. Venha tomar café da manhã — convidou.
Conor caminhou até a mesa e tanto ele quanto Aisling esperaram que o
rapaz escolhesse um lugar para sentar e se juntaram a ele.
— Bom dia, Conor. Dormiu bem?
— Bom dia, Aisling. Sim. Obrigado.
— O pão é o que você gosta — Aidan comentou. — E Aisling
preparou um pouco de fruta.
A chaleira começou a fazer barulho.
— Eu vou — disse a garota levantando.
Ela entrou na cozinha e saiu segurando a chaleira com a ajuda de um
pano de prato. Serviu a água fervente na taça de Conor.
— Obrigado, Aisling.
— De nada.
Aidan sorriu esperando poder demonstrar o quanto estava agradecido
pela ajuda.
Ela levou a chaleira de volta para a cozinha. Voltou e se sentou
novamente ao lado de Conor que já preparava o chá.
— Coma — Aidan disse incentivando.
Como previsto, ele passou manteiga em uma fatia de pão e se serviu de
um pouco de fruta. — Você está usando essas roupas porque vai fazer
exercício? — perguntou à Aisling.
— Vou — ela respondeu com a boca cheia de cereal. — Não acontece
com muita frequência.
— Eu recentemente li sobre os benefícios da Yoga.
— Você pratica Yoga? — seu namorado se surpreendeu.
— Eu disse que li sobre os benefícios. Não disse que pratico.
Aisling riu.
— Seu irmão tentou me ensinar um pouco de boxe, ontem . Um fiasco,
eu diria.
— Não foi um fiasco — o ruivo contestou. — Você tem um belo
gancho de direita.
— É, o Aidan é muito bom no boxe. E faz questão de informar isso a
todos os meus namorados — reclamou Aisling.
— Sou seu irmão. Nós cuidamos um do outro, não cuidamos? Além do
mais, não é minha culpa se você só namora idiotas.
— Por que você só namora idiotas, Aisling? — Conor indagou com
genuína curiosidade, fazendo com que Aidan soltasse uma gargalhada.
— Isso não é verdade. Eles não são idiotas — ela se defendeu.
— Deixe eu te falar um pouquinho sobre o último namorado dela...
— Já vai começar!
— ... O maior idiota de todos! É sério. O cara era tão babaca que não
fazia nem questão de falar direito! Dizia coisas como “a gente vamos lá”. Um
horror! Eu tinha vontade de quebrar os dentes dele cada vez que falava.
Conor assentiu com ar de compreensão.
— Eu não costumo ser a favor da violência — lembrou, com uma
expressão de desagrado. — Mas nesse caso eu apoiaria.
Aidan riu alto e Aisling gemeu.
— Honestamente, Aisling, acho que você é uma mulher bastante
atraente, não que isso me importe, mas para um homem heterossexual faz
muita diferença e você é dona do seu próprio negócio e, ainda que eu não te
conheça o suficiente, até o momento você me parece uma mulher inteligente.
Tendo dito tudo isso, eu pergunto: não acha que seria mais adequado
encontrar a um homem que pelo menos saiba estruturar frases de maneira
correta?
Aisling olhou pasma para o irmão.
— Ele acabou de dizer que eu sou sexy, independente e inteligente?
— Sim — respondeu tomando um gole de café.
— E ele é sincero, né?
— Sempre.
— Nossa, Conor! Obrigada! — ela disse encantada.
— De nada — ambos ficaram em silêncio e Aisling pareceu confusa
quando Conor lhe lançou um olhar impaciente . — Você não respondeu a
minha pergunta.

O café da manhã seguiu tranquilo. Aidan gostou de ver que Conor e


Aisling se entenderam. Na verdade, se entenderam até melhor do que ele
esperava. Não pensou que os dois tivessem coisas em comum e para sua
surpresa, conversavam animados sobre música clássica! Esqueceu por
completo que Aisling gostava de ouvir Chopan enquanto fazia exercício.
Assim que o café da manhã terminou, o levou para casa como
prometido e no caminho, o rapaz parecia leve e feliz.
— Não foi tão ruim, não é mesmo?
— Você se refere a passar a noite no seu apartamento? — olhava pela
janela admirando a paisagem.
— Sim.
— Não. Não foi tão ruim. Eu até posso dizer que desfrutei.
— Ah é?
— Sim. Acho até que poderia repetir. Teria que ser planejado, é claro.
— Lógico.
— E você teria que lavar o banheiro.
— Posso fazer isso.
— Aidan, posso te contar uma coisa?
— Claro que pode.
— Eu amo você.
Quase perdeu o controle da direção. — O que foi que você disse?!
— Disse que amo você — Conor respondeu tranquilamente. — Percebi
há algum tempo. Estive pensando sobre os meus sentimentos por você e
cheguei à conclusão de que te amo.
Aidan pôde sentir cada parte de seu corpo reagir àquelas palavras.
— Acho que o amor é algo estranho — Conor continuou como se
estivesse falando consigo mesmo. — A maioria das pessoas quer tanto
encontrar o amor. Passam toda suas vidas buscando sem nem saber
exatamente do que se trata. Agora eu sei do que o amor se trata.
— Sabe?
— Sim. O amor acontece quando encontramos uma pessoa com quem
podemos ser nós mesmos. E ainda que essa pessoa tenha muitos defeitos e
seja impossível ignorá-los, sempre a queremos ao nosso lado. Queremos
compartir tudo com ela. Sabemos que encontramos a pessoa certa porque a
partir desse ponto, não conseguimos imaginar nossas vidas sem ela. É o que
eu sinto por você.
Sentiu lágrimas brotarem em seus olhos, mas resistiu e as segurou
porque não queria que o namorado soubesse que ele era um chorão. Essa era
uma das coisas que ele teria que descobrir com o tempo. — Conor... Eu
também amo você.
— Eu sei. Você já havia dito. No dia em que disse que não queria mais
me ver e depois se arrependeu porque descobriu que só estava com medo.
Você falou que estava apaixonado por mim naquele dia.
Aidan sorriu com os olhos molhados. — Verdade — usou a mão que
controlava a marcha para tomar a mão dele e beijá-la. — Obrigado por me
contar.
— De nada. Você sabia que há três formas diferentes de dizer “eu te
amo” em japonês?
— É mesmo? Eu não sabia.

Quando chegaram à casa, Gemma estava esperando na cozinha. O que


era bem embaraçoso considerando que a última vez em que ela e Aidan
conversaram, ela lhe pedira que se afastasse de seu filho.
— Conor, eu estava preocupada!... Ah, oi Aidan.
— Olá — respondeu sem jeito.
Ele beijou o rosto da mãe. — Está tudo bem, mamãe. Eu estava com o
Aidan. Dormi no apartamento dele.
— Você dormiu fora?! E nem me avisou?
— Acho que não preciso informá-la de tudo o que vou fazer, mamãe.
Especialmente se vou passar a noite com o meu namorado.
— Não... Claro que não — falou Gemma um pouco confusa.
— Agora eu tenho que ir trabalhar. Já são nove horas — ele saiu da
cozinha caminhando decidido sem se dar ao trabalho de despedir-se.
Viu-se sozinho com Gemma em um silêncio constrangedor.
— Namorado, não é?
— Escute, Gemma... Eu...
— Você não tem que dizer nada. Eu fico feliz de que esteja aqui — ela
abriu um sorriso que Aidan só podia descrever como sincero. — Agora, me
explique como conseguiu convencê-lo a dormir fora?
— Eu estou dizendo, Niall, ele está tão diferente. Parece outra pessoa!
— Quando me disse que isso aconteceria, não acreditei. Mas tenho que
dar o braço a torcer porque você acertou na mosca, amor.
— Ele dormiu fora de casa! Você pode acreditar?
— Incrível!
— Espere até eu contar ao Eoin. Ele vai enlouquecer!

Aidan estacionou atrás de um carro desconhecido. Estava prestes a


colocar a chave na porta da casa do namorado quando um homem a abriu
desde dentro. Aparentava uns trinta anos e era alto e corpulento.
— Oi?
— Oi — sentiu o estômago afundar. Ficou parado do lado de fora sem
saber o que dizer.
— Você é o Aidan? — o homem se adiantou.
— Sou.
— Ah. Oi! — se moveu para deixá-lo passar. — Prazer, Joseph Kelly.
Sou o marido da Roseleen.
— O marido da Rosie! — repetiu sem saber por quê. Seu rosto deve ter
refletido alívio porque Joseph sorriu um pouco envergonhado.
— Deve ter sido estranho para você me ver aqui, não é? — ele disse
entendendo a confusão. — Não se preocupe. Eu e o Conor não temos nada a
ver. Eu gosto de garotas. Se bem que, para um homem, ele até que é bonito.
Conor e Rosie saíram do escritório.
— Oi, Aidan — ela cumprimentou sorrindo. — Vamos, amor. Já
terminei.
— Ótimo.
Os dois deixaram a casa de mãos dadas.
— Tchau — despediu-se e fechou a porta. Como de costume, Conor já
havia ido para a cozinha sem dizer olá. Estava pondo a chaleira no fogo
quando Aidan entrou.
— Você sabia que foi uma princesa portuguesa quem iniciou o costume
do chá das cinco na Inglaterra?
Era sempre o mesmo. Chegava quando ele estava terminando de
trabalhar, o rapaz se dirigia à cozinha, preparava chá e contava alguma
anedota.
Nunca perguntava lhe perguntava como estava. Nem sequer prestava
atenção.
— Escute, eu não posso ficar muito tempo. Vim apenas para avisar que
vou sair de viagem.
Conor deixou a caixa de chá de lado. — Viajar? Para onde?
— Para casa. Tipperary. Meu pai morreu, acabamos de receber a
notícia. Aisling e eu partiremos esta noite.
— E quem cuidará do Red Twins?
Não podia acreditar naquela pergunta. Acabara de dizer que seu pai
estava morto e Conor parecia mais preocupado com o pub. — Rory vai
cuidar de tudo.
— Bem. Espero que você não demore para voltar — ele voltou a se
concentrar na caixa de chá. Retirou duas bolsas e colocou uma dentro de cada
xícara. — Havia planejado que passássemos o fim de semana juntos.
Aidan não sabia o que doía mais, se a indiferença ou a falta de
consideração. As duas coisas, provavelmente. — Nem tudo é sobre você,
Conor — ralhou. As palavras saíram antes que ele pudesse evitar.
— Por que você está bravo?
— Então você notou? Que bom que notou pelo menos uma coisa.
O rapaz deu um passo para trás como se estivesse prestes a receber um
golpe. — Está me chamando de burro? Você nunca havia me tratado assim.
— Não estou te chamando de burro — não tinha vontade de dar
explicações naquele momento. Assim como não via por que precisava dizer
que estava triste. Não era óbvio? — É que o meu pai morreu, você não vai
dizer nada?
— Não sei o que você quer que eu diga, Aidan.
— E que tal “eu sinto muito” ou “você está bem?”.
Ele começou a estalar os dedos e concentrou os olhos na xícara à sua
frente.
— Conor! Estou arrasado e preciso que você entenda isso — ouviu as
próprias palavras saírem quase como uma súplica.
— Pois eu não entendo — Conor falou um pouco alto demais. — Seu
pai era mau. Ele expulsou você de casa.
— Mas ele era meu pai! — o grito saiu junto com o punho, que se
moveu em direção ao móvel mais próximo. — E eu o amava — seu corpo
inteiro tremia.
— Amava? Como você pode amar alguém que te causa dano? Isso não
faz sentido.
Enxugou as lágrimas no momento em que começaram a cair. Aquela
discussão era uma grande perda de tempo. Conor não era o tipo de pessoa a
quem procurar em busca de consolo. Devia ter imaginado, mas quem podia
culpá-lo por tentar? Afinal, os namorados não eram as primeiras pessoas às
quais recorrer em situações como aquela? — Você nunca vai entender. Não
sei o que estava pensando quando vim até aqui.
— Eu também não sei. Não espere que encoraje esse seu
comportamento masoquista — soltou , olhando para os armários.
Aidan o analisou esperando ver um sinal, por menor que fosse, de que
ele se importava. Não havia nenhum.
— Não esperava que entendesse o que eu sentia pelo meu pai — forçou
as palavras apesar da pressão que sentia no peito. — Só esperava que pelo
menos uma vez, você não agisse como um maldito egoísta e prestasse um
pouco de atenção em mim! — saiu da cozinha sentindo-se ainda pior do que
quando entrou.
— Aidan! — Conor gritou alcançando-o no corredor. — Você vai
voltar?
— Eu não sei — fechou a porta atrás de si.

Rosie entrou com a chave que possuía há anos. Como sempre, tentou
não fazer barulho já que Conor necessitava silêncio para trabalhar e mesmo
um pequeno ruído atrapalhava sua concentração.
Estranhou ver que a porta do escritório estava aberta. Seu relógio de
pulso marcava nove e quatro da manhã. Ele já deveria estar escrevendo.
Nunca se atrasava.
Caminhou até lá e viu que estava vazio; Nenhum sinal dele. — Conor?
— buscou na cozinha, na sala. Nada.
Foi ao segundo andar. O amigo sempre seguia a mesma rotina. Se ele
não estava trabalhando, significava que havia acontecido algo de errado.
Abriu a porta da biblioteca. — Oi? — também não estava lá.
Talvez ele estivesse doente. Muito doente, porque só uma doença grave
o impediria de escrever.
O encontrou no quarto. Ele estava sentado no chão com as costas
apoiadas na cama; os olhos vermelhos e inchados.
— O que aconteceu? — sentou no chão ao lado dele.
— Pensei que estava fazendo tudo certo — falou com a voz cortada.
— Realmente achei que tudo ia bem. Aidan disse que sou um egoísta. Não
entendo, Rosie. Eu leio livros e busco informação, mas nunca é suficiente.
Todos terminam cansados e frustrados comigo.
Rosie sentiu uma pontada no peito.
— Talvez ele só precise de um tempo para pensar.
— Me esforço tanto para ser normal. Por que não consigo?
— Ai, querido. Não diga isso. Você é...
— Único? Especial? Você e a minha mãe vivem dizendo isso. Que sou
um ser único e especial e que Deus me fez diferente por uma razão, mas isso
não é o que sinto. Para mim, tudo é tão difícil.
As lágrimas começaram a rolar pelo rosto dele. Rosie sentiu vontade de
acariciar seu cabelo, mas sabia que ele não gostava de ser tocado;
especialmente quando estava em um momento difícil.
— Ninguém nunca me amará. Todos se cansam de mim — ele disse
entre soluços.
— Não, isso não é verdade. Eu te amo. E não me canso de você.
— Mas é claro que sim. Seu marido me odeia porque você cuida de
mim como se eu fosse um garotinho e passa mais tempo comigo que com ele.
— Conor, não é assim...
— Não diga que não é verdade porque os ouvi conversando outro dia.
Joseph disse “Você passa muito tempo aqui!” e você respondeu “É o meu
trabalho.” E ele disse “Não é só o trabalho. Você fica cuidando dele como se
ele fosse um garotinho. E eu, Rosie? Não mereço um pouco de atenção?
Onde me encaixo nessa história?”.
Rosie ficou um pouco desconcertada. Nunca havia podido competir
com o poder da memória de Conor. — O Joseph não te odeia. Só é difícil
para ele entender algumas coisas. E a verdade é que às vezes eu me canso,
sim — disse com cuidado. — O problema é que muitas vezes sinto que estou
dando tudo de mim e parece que você não liga. Sei que não é culpa sua, que
não percebe, mas não é fácil dar carinho a alguém e sentir que não está
recebendo esse carinho de volta. E então você faz algo bonito e eu mudo de
ideia. Como... Se lembra da época em que eu fui estudar em Londres?
— Sim — ele respondeu secando o rosto com as mãos.
— Você me ligava todos os dias para dar um discurso sobre os perigos
da influência do álcool nas jovens universitárias. Lembra?
— Li vários artigos sobre esse tema.
— Pois é. E no começo eu ficava aborrecida, mas só até perceber que
aquela era a sua maneira de demonstrar que se importava comigo. Se não
tivesse agido daquela forma, quem sabe, talvez hoje nós nem fôssemos mais
amigos. Mas nós somos, porque da sua maneira, me mostrou que me amava
— ajoelhou-se na frente dele. — Às vezes, quando gostamos de verdade de
alguém, nos parece tão óbvio que não há como essa pessoa não notar. Como
não perceberia um sentimento tão grande, não é mesmo? Só que ela nem
sempre percebe. Talvez o que precise fazer agora é lutar pelo Aidan. Fazer
algo que mostre a ele que você se importa.
Conor ficou pensativo por alguns segundos.
— O que acha que devo fazer?
— Bom, isso depende. Vocês brigaram por alguma razão específica?
— Ele ficou bravo porque o pai dele morreu e eu não sabia o que dizer.
— Quê?! O pai do Aidan morreu?
— Sim.
— E o que você fez?
— Nada.
Rosie pôs a mão na testa e soltou um gemido. — Com razão está
chateado.
— Na verdade não existe uma razão. Ele era um homem horrível. O
expulsou de casa e disse que preferia que o filho estivesse morto. Aidan disse
que o amava e ficou bravo porque eu não disse nada. Não sabia o que dizer
porque se o pai dele era mau e morreu, Aidan não tinha razão para estar triste;
ou para amá-lo. Porque não faz sentido amar a uma pessoa má. Não amamos
às pessoas más.
— Ai! — aquilo era típico de Conor. Entendia tudo de maneira literal e
para ele, tudo devia possuir uma razão. — Escute, quando amamos alguém,
não amamos essa pessoa pelo que esperamos que ela seja, a amamos pelo que
ela é. Com todos os defeitos.
— Mesmo que essa pessoa seja má? Isso não faz sentido. Deve haver
pelo menos uma boa razão para amar alguém.
— Bom, eu tenho certeza de que Aidan desejava que o pai dele fosse
diferente, mas o amava mesmo assim porque embora o homem tenha agido
mal, continuava sendo pai dele. Agora ele precisa do seu apoio porque está
triste.
— Mas...
— Não importa se o pai dele era bom ou não. O que importa é que
Aidan precisa de você. O seu objetivo não é resolver o problema dele, e sim,
estar ao seu lado enquanto se sentir mal porque às vezes as pessoas só
precisam de um abraço e que você diga que tudo vai ficar bem.
— Você quer dizer que devo ser solidário?
— Sim! Exato! — disse triunfante. Rosie já estava acostumada a ter
essas conversas com o rapaz. Por mais inteligente que ele fosse, fazê-lo
entender coisas relacionadas a emoções e sentimentos alheios, era sempre um
desafio. Conor era muito bom em descrever pessoas, mas era péssimo em
entendê-las. Ela se levantou em um movimento ágil. — Você tem que ir ao
enterro.
— Vou ter que chorar?
— Não, Conor. Você não precisa chorar.
— Sim, então irei — ele disse colocando-se de pé — leve-me a
Tipperary.
— Isso... O quê?! A Tipperary?!
— Sim, Tipperary. O pai do Aidan será enterrado lá. Vamos, você tem
que me levar agora — pediu dirigindo-se à porta.
— Não posso ir até Tipperary agora. E mesmo que pudesse, nós não
sabemos em que parte do Condado o Aidan está. Poderia ser qualquer lugar.
— Suponho que posso ligar para a Aisling e perguntar. Mas como vou
chegar lá a tempo?
— Boa pergunta! Não se preocupe. Daremos um jeito.

O sol brilhava forte. Era estranho porque Aidan não sentia que estava
em um cemitério. Parecia estar em um enorme jardim silencioso e cheio de
paz.
Estavam esperando pelo Padre. Assim como havia sido no velório,
todos passavam por eles e davam os pêsames, diziam o quanto sentiam. Os
que sabiam que ele não falava com o pai há anos apenas seguravam sua mão
e o encaravam com os olhos cheios de pena. Não estava seguro sobre a pena
ser dele ou do seu pai.
Já não importava, porque tanto o pai quanto aquelas pessoas
escolheram não ser parte de sua vida. Todos aqueles rostos que dez anos
antes lhe haviam despertado carinho e segurança, já não representavam nada
e ele já não era parte daquele lugar, daquela família. Era um peixe fora
d’agua ali.
Sabia que Aisling se sentia da mesma forma, porém a garota fazia um
esforço para não parecer tão incômoda. Segurava a mão da mãe deles e
tentava consolá-la da melhor maneira possível. Dirigiu a atenção à entrada do
cemitério e fez um gesto ao irmão para que ele fizesse o mesmo.
Conor estava parado no portão.
Aidan caminhou até ele sem acreditar no que estava vendo. Vestia um
terno negro e uma gravata azul que combinava com seus olhos.
— Oi, Aidan — ele disse com sua voz melodiosa.
— Oi, Garoto das Fadas.
— Como você está? — parecia incômodo e fora de lugar, mas aquele
era Conor. Ele sempre parecia incômodo e fora de lugar.
Respirou profundamente.
— Bom, o meu pai morreu e eu briguei com o meu namorado, assim
que posso dizer que já estive melhor.
Os dois ficaram em silêncio.
— Sabia que a razão pela qual nos vestimos de negro nos funerais é
porque os povos primitivos se pintavam de negro como camuflagem para que
o espírito do morto não invadisse seus corpos?
— É mesmo?
— Sim. Embora não tenha vindo até aqui para dizer isso. Vim para te
dar um abraço.
— Um abraço? — admirou-se.
Conor se aproximou e o envolveu em seus braços. Aidan apoiou o rosto
contra o dele e respirou forte tratando de absorver ao máximo àquele familiar
cheiro de sabonete. — Tudo vai ficar bem — sussurrou em seu ouvido e pela
primeira vez ele sentiu que era verdade.
— Obrigado por estar aqui — disse saindo dos braços do namorado. —
Significa muito para mim.
— Desculpe-me por ter sido um egoísta.
— Não quis dizer aquilo. Estava triste e descontei em você. Não é
culpa sua.
— Mesmo assim, prometo que vou prestar mais atenção em você.
— E eu prometo que vou ser mais compreensível — enxugou as
lágrimas. — Como chegou até aqui sozinho?
— Não vim sozinho — ele respondeu apontando ao carro.
Gemma abriu a janela e acenou. Em seguida, ela e Niall saíram do
carro e foram até eles.
— Olá, Aidan. Sinto muito, muito mesmo pela sua perda — disse
Gemma.
— Você sabe que pode contar com a gente para qualquer coisa que
precisar, não é? — Niall acrescentou.
— Agradeço que tenham vindo. E obrigado por trazê-lo — tomou a
mão de Conor.
Os quatro entraram juntos no cemitério. Niall e Gemma também
estavam de mãos dadas, mas apenas eles receberam olhares. Viu alguns de
seus parentes cochichando no ouvido de outros. Caras feias, gestos de horror.
Era impressionante ver que em pleno século vinte e um, em um país que já
havia aceitado o casamento de pessoas do mesmo gênero, ainda havia gente
que reagia daquela forma a dois homens entrando em um cemitério de mãos
dadas. Aisling foi a única que sorriu ao vê-los.
— É um tanto irônico que eu esteja aqui — Conor comentou
sussurrando
— Por quê?
— Porque o seu pai não queria que você fosse gay e sou a prova
inexorável de que você é.
Aidan não pôde evitar sorrir. Conor estava lá. Com o cabelo louro
cheio de gel, suas anedotas e sinceridade excessiva.
Já não era um peixe fora d’agua.

Aisling quis ficar mais tempo com a mãe deles. Seu irmão acabou
deixando o carro com ela e voltando a Dublin com os Healy.
Conor leu o caminho inteiro e Aidan dormiu com a cabeça apoiada no
ombro dele.
Eles foram direto para Howth, onde decidiu passar a noite depois de
Conor concordar em levá-lo para casa pela manhã.
Fizeram amor e ele lhe recitou um poema sobre tristeza e superação.
Mas a verdadeira prova de que o rapaz estava se esforçando, foi que na
manhã seguinte ele se levantou devagar e sussurrou em seu ouvido que podia
ficar mais tempo na cama se quisesse.
A cama estava quentinha e acolhedora demais para que Aidan
descartasse a opção. A preguiça falou mais alto e ele pegou no sono outra vez
depois que Conor terminou o banho, se vestiu e saiu do quarto, silencioso.
Quando por fim reuniu forças para sair da cama, já era quase meio dia.
Abriu uma gaveta e retirou uma das calças de pijama milimetricamente
dobradas, a vestiu e deixou o quarto se espreguiçando.
Chegou ao primeiro andar e caminhou descalço para a cozinha. Parou
no meio do caminho quando a porta do escritório se abriu. Um homem saiu e
o fitou de cima a baixo.
Outro homem! Será que algum dia deixaria de encontrar homens
desconhecidos naquela casa?
O homem abriu um sorrisinho malicioso.
— Você não me disse que tinha um bichinho de estimação novo.
— Ele não é meu bichinho de estimação — Conor apareceu na porta.
— É o meu namorado.
— Namorado? — o sorriso do homem se desvaneceu e se transformou
em uma expressão de pura surpresa.
— Sim — Conor respondeu saindo do escritório e parando ao lado dele
na entrada da cozinha. — Aidan O’Sullivan, meu namorado. Este é Stephen
McCullogh, meu editor.
Stephen se aproximou e estendeu a mão aproveitando para
esquadrinhá-lo com os olhos. — Prazer.
Tomou a mão dele.
— Você deve ser muito bom de cama — o editor ironizou.
— Eu sou.
Stephen lhe lançou outro sorrisinho e saiu andando em direção à porta.
— Volto amanhã na mesma hora e espero ver as mudanças que discutimos.
— Então não espere porque você não verá nenhuma — Conor
respondeu contrariado.
Stephen olhou para trás antes de abrir a porta, claramente irritado. —
Será que tudo sempre tem que ser uma discussão com você?
O escritor abriu a boca para dizer algo e Stephen o interrompeu.
— Alguma vez em todos os maravilhosos anos em que tenho sido seu
editor, disse ou fiz algo que te prejudicasse?
— Não.
— Exato. Então pare de agir como criança e faça a merda das
mudanças. São só algumas palavras, Conor. Amanhã.
Saiu fechando a porta atrás dele.
— Encantador.
— Sarcasmo? — Conor falou indo até a geladeira e retirando uma
garrafa de agua. — Ele é bem difícil, não é mesmo? Mas também é um ótimo
editor.
— É bom o bastante para que você aguente essa atitude?
— Ele não é sempre assim — comentou pensativo. — Acho que você
não o agrada.
— Você acha? — ironizou Aidan. Aproximou-se do rapaz e plantou
beijinhos no pescoço dele.
— Aidan, tenho que continuar trabalhando. Eu paro de trabalhar ao
meio dia e ainda não é meio dia — mostrou o relógio. — Viu? Não é meio
dia.
Deu um último beijo e o soltou conformado
— Está bem. Te espero para almoçar.
Conor deixou a cozinha, decidido como sempre e se fechou em seu
escritório. — Bom dia pra você também! — já estava acostumado demais
para se zangar.
Stephen entrou caminhando tranquilamente no Red Twins e se sentou
próximo ao bar. Aidan o olhou sem reação por uns bons dez segundos antes
de dizer qualquer coisa.
— O que você veio fazer aqui?
— Vim almoçar — falou imutável.
— Deixe de ser idiota. Você sabe do que estou falando.
Ele abriu um dos sorrisos maliciosos que se encaixavam tão bem em
seu rosto. — Então acho que você me considera mais inteligente do que
realmente sou.
— Ah, qual é? O ex-namorado visitando ao namorado atual. Isso não é
um pouco estranho pra você?
Stephen levantou as sobrancelhas.
— Onde você conseguiu essa informação? Porque eu tenho certeza que
não foi do Conor — a expressão de surpresa dele confundiu um pouco a
Aidan. Confusão que ele procurou não demonstrar, é claro. Levantou o
queixo e pôs uma cara de “não se meta comigo”.
— Não, ele não me disse nada. Mas também não precisou porque é
obvio que vocês já tiveram alguma coisa — esperou ansioso pela
confirmação de suas suspeitas. Era um fato que Conor nunca havia tido um
namorado e sabia que era verdade porque ele não mentia. Só que também era
um fato que a reação de Stephen quando eles se conheceram só podia ser
descrita como ciúme. Havia algo ali. Talvez não algo que Conor descrevesse
como um namoro ou “relação romântica”, como ele chamava, mas
definitivamente havia algo.
— Ele nunca foi meu namorado — foi a resposta de Stephen. Não disse
“nós nunca tivemos nada”. Claro!
— Mas...? — pressionou.
— Mas nós já tivemos algo.
Se ele não fosse uma pessoa sensata, teria voado em cima do homem.
— Eu sabia! — não era nada gratificante saber que tinha razão. Olhando para
Stephen, conseguia entender o que o namorado havia visto nele. Era atraente.
Com lindos olhos azuis detrás dos óculos de leitura e um cabelo escuro com
um corte moderno muito bem penteado. Um homem refinado com um ar
intelectual que transmitia confiança e eficiência.
Era o tipo de homem que alguém esperaria ver ao lado de Conor.
O mais irônico era que ele mesmo sempre havia tido uma quedinha por
intelectuais e se Conor não existisse, provavelmente estaria oferecendo uma
bebida de graça a Stephen e lançando sorrisos sedutores.
— Isso não tem nada a ver com a minha razão de estar aqui — o editor
esclareceu.
— E qual é a sua razão para estar aqui? — Aidan disse percebendo
irritação na própria voz.
— Dana Fitzpatrick quer entrevistar o Conor no programa dela. Preste
atenção, não é a produção do programa, nem o diretor. Ela o quer no
programa.
Dana Fitzpatrick conduzia um programa de entrevistas transmitido
durante a noite adorado pelos irlandeses. Era conhecida por seu carisma e
humor afiado.
— Conor dando uma entrevista? Você está brincando, não está?
— Essa entrevista vai ser ótima para a carreira dele.
— E para a sua. Porque esse é o ponto, não é?
Stephen soltou um respiro aborrecido.
— É claro que seria maravilhoso para a minha carreira que o Conor
fosse à essa entrevista, mas também estou fazendo isso por ele.
— Claro — afirmou cético. — E o que é que eu tenho a ver com isso?
— Você só precisa me ajudar a convencê-lo.
— Não.
— Será que você pode me ouvir antes de tomar uma decisão?
— Já ouvi o suficiente. Não vou tentar convencê-lo a fazer algo que ele
não queira fazer — saiu do bar e começou a afastar-se de Stephen. Como ele
ousava? Tentar usá-lo para manipular o Conor! Ex-namorado idiota!
— Ele nunca me amou — disse o rapaz abruptamente.
— Quê?
Parou no meio do pub e voltou para perto dele impulsado por pura
curiosidade. O editor o olhou por um minuto antes de continuar. Parecia estar
ponderando suas próximas palavras.
— Fui assignado para ser o editor dele quando acabava de começar
minha carreira como editor. Fiquei muito entusiasmado. Conor era um jovem
prodígio da literatura que estava sendo muito comentado com um primeiro
livro que já era um dos mais vendidos. Me apaixonei perdidamente por ele.
Aidan não sabia exatamente por que Stephen estava lhe contando tudo
aquilo. Ou por que ele estava interessado em escutar.
— Ele nunca me enganou, sabe? Sempre deixou muito claro que se
sentia atraído por mim, mas não buscava uma relação. No começo não me
importei, o sexo era incrível!
Apertou o punho para reprimir a súbita vontade de dar um soco na cara
dele.
— Depois comecei a esperar mais e vendo que não ia conseguir tratei
de convencer a mim mesmo de que era suficientemente maduro para ter uma
relação física com alguém sem ficar esperando por um conto de fadas. Só que
não foi assim. Continuava sonhando com um conto de fadas. Até o meu amor
platônico por ele ir embora e chegar a um ponto em que todas as coisas que
achava bonitinho nele deixaram de ser bonitinhas. Comecei a ficar cansado
de coisas como “eu não posso comer pizza hoje, porque uma pizza tem
molho de tomate, que é vermelho, e hoje é segunda-feira e eu não como nada
vermelho na segunda-feira” — revirou os olhos com a lembrança. — Foi
quando percebi que Conor não era nenhum príncipe encantado e acabei
chegando à conclusão de que era melhor cortar o sexo também e tornar a
nossa relação estritamente profissional. Isso foi o que fiz e assim tem sido
desde então — ficou olhando para Aidan como se esperasse uma reação.
— E eu tive que ouvir toda essa baboseira por que, exatamente?
— Porque quero deixar toda a baboseira de lado. Não quero que você
fique pensando que em qualquer momento vou dar o bote para tentar roubar
seu amorzinho de você, ou algo assim. Ele pode até ser um pouco adorável,
mas se passo mais de vinte minutos com ele, tenho vontade de matá-lo. Ele te
ama. Conor nunca quis estar em uma relação, mas quando decidiu fazer algo
diferente, deu certo. Assim como essa entrevista pode ser boa para ele.
Aidan o olhou desconfiado.
— Ele não precisa disso. Já é um escritor famoso, vende muitos livros.
Não precisa dessa entrevista
— Não, ele não precisa. Assim como também não precisava de um
namorado.
— Você está mesmo fazendo essa comparação? Sério?
— O meu ponto é que ir à entrevista poderia fazer uma diferença
enorme na vida dele. Poderia ser o início de uma nova etapa. Você sabe que
ficar fechado dentro daquela casa, se escondendo do mundo, não é bom pra
ele.
Considerou. Ele tinha razão, por um lado. Ser entrevistado pela
apresentadora mais querida e famosa da Irlanda daria a Conor muito mais
confiança. Era uma oportunidade de se abrir e relaxar um pouco na frente de
outras pessoas. Só que, por outro lado, se as coisas não saíssem bem, aquela
provavelmente terminaria sendo uma experiência traumática para ele.
Stephen o encarou esperando uma resposta
— Vou pensar. Mas que fique claro que não vou tentar convencê-lo de
nada. Só vou conversar com ele sobre o assunto e perguntar o que acha.
— Sim. Está bem.
— E também não vou permitir que ele tome nenhuma decisão sem
antes consultar o Eoin.
Stephen revirou os olhos. Pelo jeito, era algo que fazia com frequência.
— O Eoin. Lógico!
— É isso ou nada. Você é quem sabe — ficou um pouco irritado de ver
que ele sabia quem era o psicólogo.
— Está bem. Está bem — ele respondeu com as mãos para cima. —
Agradeço a sua ajuda.
— Certo. Então o quê? Vai almoçar?

A casa não estava silenciosa como de costume. Antes mesmo de pôr a


chave na fechadura Aidan ouviu as vozes do lado de dentro. Uma era, sem
sombra de dúvida, de Gemma. A outra parecia ser Rosie e ele não conseguiu
distinguir a terceira até entrar e localizar o foco da discussão.
Stephen.
Conor estava parado na frente da porta de seu escritório. Estalava os
dedos compulsivamente e seu rosto tinha uma expressão de desgosto.
— O que está acontecendo?
Ao se dar conta de que o namorado havia chegado, Conor foi correndo
até ele e se jogou em seus braços. — Não quero aparecer na TV, Aidan!
O atual namorado lançou ao ex um olhar enfurecido.
— Você demorou muito para falar com ele — o sem vergonha
justificou. — Preciso de uma resposta.
— Pois aqui está a sua resposta. Nada de entrevista. Deixei bem claro
que não ia permitir que você o forçasse a fazer algo que ele não quisesse
fazer — Conor continuava abraçado a ele com a cabeça em seu ombro.
— Aidan, escuta. Descobri por que a Dana quer tanto entrevistá-lo. Ela
acabou de receber o diagnóstico do filho dela de sete anos. Ele é Autista!
— Conor não tem nada a ver com isso.
— Como assim ele não tem nada a ver com isso? Ele tem uma
responsabilidade, sabia? Um Autista autossuficiente e bem sucedido pode
servir de exemplo para muita gente.
Conor levantou ligeiramente a cabeça.
— Pelo amor de Deus! — Stephen gritou indignado ao se ver sem
apoio. — Querem saber? Se vocês acham que mantê-lo aqui fechado dentro
de uma bolha de proteção é o melhor para ele, se enganam. O mundo real está
lá fora e em algum momento, ele vai ter que enfrentá-lo! Eu desisto! Já estou
cheio dessa palhaçada!
Ele parou ao lado de Conor antes de ir.
— Não vou insistir nessa entrevista. Mas deixa eu te dizer uma coisa:
não permita que eles te tratem como uma criança. Você tem o poder de
inspirar a muitos Autistas. Não desperdice essa oportunidade.
Deixou a casa batendo a porta atrás dele.
— Não ligue pra ele. Só está sendo um idiota.
— Não — o escritor respondeu. — Ele tem razão. Eu tenho uma
responsabilidade.
— Você não precisa fazer isso, querido — comentou Gemma.
— Já tomei uma decisão — ele falou olhando a todos. — Vou dar a
entrevista.
Saiu de casa correndo, deixando ao namorado e as duas mulheres
perplexos. Ficaram se entreolhando por um minuto até Rosie dar o primeiro
passo e os outros dois a seguirem para fora.
Conor havia alcançado seu editor antes que ele fosse embora. Os dois
conversavam ao lado do carro e Stephen segurava o rosto dele entre suas
mãos enquanto Conor olhava diretamente nos seus olhos e balançava a
cabeça em afirmação.
Aidan não pôde evitar sentir um pouco de raiva ao ver aquela cena. Ele
sabia que seu namorado e o editor trabalhavam juntos, mas a imagem dos
dois tão próximos, sabendo que eles já haviam estado juntos, embrulhou seu
estômago.
Quando os viu sair de dentro da casa, Stephen disse uma última coisa a
Conor, o soltou e entrou no carro. Os quatro o observaram distanciar-se pela
rua.
— O que foi que ele disse? — falou tratando de não deixar o ciúme
transparecer em sua voz.
— Disse que todos vocês se preocupam por mim, mas preciso acreditar
que sou capaz de fazer qualquer coisa porque sou.
— Nós também acreditamos que você é capaz de fazer qualquer coisa
— Rosie afirmou com sinceridade.
— Eu sei. Vocês tentam me proteger porque me amam. Só que o
Stephen também me ama.
Aidan deixou escapar um gemido.
— Não desse jeito — Conor o tranquilizou. — Ele é meu amigo.
Esteve comigo no funeral do vovô, você se lembra, mamãe?
Gemma balançou a cabeça afirmando.
— Ele se sentou ao meu lado e segurou a minha mão o tempo todo. Por
isso, quando Rosie me explicou a razão pela qual devia estar ao seu lado no
funeral do seu pai, eu entendi, Aidan. Foi o que o Stephen fez por mim.
Sentiu um aperto no coração ao se lembrar da importância de haver tido
Conor ao lado dele segurando sua mão naquele dia.
— Por isso sei que ele nunca faria nada para me machucar. E ele tem
razão sobre a entrevista. É uma oportunidade de inspirar a muitos Autistas,
para que eles também possam ser independentes e saiam em busca de seus
sonhos.
— Estou muito orgulhosa de você, filho. É uma decisão muito
importante — disse Gemma.
— Também estou — Rosie acrescentou.
— Você iria comigo? — dirigiu-se a Aidan.
— Mas é claro! Se isso é o que você quer, te acompanho.
Conor sorriu.
— A propósito, também estou muito orgulhoso de você.
— Eu sei.

Um chofer foi enviado pela produção do programa para buscá-los. Era


um homem louro com um ar prestativo que lhes abriu a porta do carro com
um enorme sorriso.
Apertou a mão do jovem escritor com entusiasmo. — Minha filha é sua
fã. Ela tem todos os seus livros. Ficou maluca quando soube que iria
conhecê-lo.
— Obrigado — disse ele olhando para o chão.
— Qual a idade dela? — Aidan interviu ao ver que o namorado não
tinha a intenção de seguir com o diálogo.
— Dezesseis — o chofer comentou orgulhoso. — É um doce de
menina e adora ler.
— Isso é bom.
— Ela é muito inteligente! Só tem boas notas!
Conor começou a olhar o relógio. O homem percebeu e adotou uma
postura mais profissional.
— É melhor irmos. Não quero que cheguem tarde.
Os três entraram no carro e o chofer os conduziu com calma e precisão,
o que o fez ganhar alguns pontos com o ídolo de sua filha. Mesmo assim,
Conor apertava a mão de Aidan com força.
— Vai dar tudo certo — sussurrou em seu ouvido.
— Obrigado por me acompanhar.
— É um prazer.
Mantiveram silêncio durante todo o trajeto. Chegando ao edifício da
emissora, o chofer se virou para olhá-los.
— Antes que se saiam... — ele abriu uma bolsa preta que estava no
assento ao lado e retirou um livro que o ruivo logo reconheceu. Partida de
Xadrez. — Seria muito abuso pedir que você o autografe? Minha Eileen
ficaria muito feliz.
— Eu...
— Ele o fará com muito prazer — Aidan disse tomando o livro da mão
do homem e o entregando ao namorado. — Você o ouviu, a menina se chama
Eileen. Escreva uma dedicatória bem bonita.
Conor pareceu entender e tomou o livro sem protestar. O chofer retirou
uma caneta do porta-luvas e lhe entregou entusiasmado.
Com uma caligrafia belíssima, escreveu na primeira página do livro:
“Siga lendo e descobrindo os mistérios do mundo, Eileen. Obrigado. Conor
Healy”.
Perfeito!
Ele devolveu o livro para o chofer e o homem abriu um sorriso tão
grande que mal cabia em seu rosto.
— Muito obrigada. Ela vai ficar muito contente.
— De nada.
— Muito bem — Aidan disse no ouvido dele quando saíam do carro.

Já estavam esperando atrás dos bastidores. Conor quase havia entrado


em crise na sala de maquiagem quando uma garota da equipe tentou colocar
pó em seu rosto. Estava mais nervoso do que Aidan jamais o havia visto, mas
também parecia completamente determinado.
Dana Fitzpatrick se aproximou.
— Olá. Você deve ser o Conor — dirigiu-se à pessoa correta. — É um
prazer.
Tomou a mão dela. — É um prazer conhecê-la, Dana. Como vai? —
disse no seu discurso robótico de sempre.
— E você é?
— Aidan O’Sullivan. Muito prazer.
Ela sorriu aos dois. Era uma mulher bonita de aproximadamente
quarenta anos. Tinha mais maquiagem no rosto do que se podia ver pela
televisão. Um cabelo curto e escuro e um queixo pontudo que lhe dava um ar
autoritário.
— Eu queria você no programa há algum tempo. Todos me diziam que
era impossível, que você nunca dá entrevistas.
— Eu nunca dou — afirmou.
— Bem, neste caso, fico feliz de que tenha aberto uma exceção.
O escritor não respondeu e Dana continuou.
— Meu filho tem sete anos. Vai fazer oito daqui a uma semana —
mostrou uma foto no celular. O menino se parecia muito a ela.
— Garoto bonito — comentou Aidan.
— Obrigada. Ele acaba de ser diagnosticado. Síndrome de Asperger.
Foi um choque para mim no começo, mas depois muitas coisas começaram a
fazer sentido.
Ela tinha um ar cansado. Em seu programa sempre transmitia uma
imagem forte e inquisitiva. Uma apresentadora nata, que havia ganhado o
coração dos irlandeses no transcurso dos anos. Naquele momento, Aidan via
apenas uma mãe preocupada pelo bem estar e felicidade do filho. Apenas
uma mulher que precisava que alguém lhe dissesse que tudo ia ficar bem.
E para sua surpresa, Conor disse.
— Você só precisa ter paciência. É a pessoa mais próxima a ele e terá
que ver as coisas que ele não vê. Você será um exemplo e um ponto de
referência e precisa ser a primeira a acreditar que ser Autista, não o impedirá
de ter uma vida plena. O ensine a ver o quão importante ele é e quanto pode
contribuir para o mundo. Enquanto fizer isso, seu filho estará bem.
Dana o olhava atentamente, como se quisesse agarrar-se a cada palavra.
— O segredo... — Conor continuou. — ...É descobrir do que gosta, por
exemplo, e compartilhar isso com ele. Minha mãe sempre cantava para mim e
meu pai me contava histórias.
— O Keanan gosta de dinossauros. Fascinado! Sabe o nome de todos.
— Então assistam documentários sobre dinossauros juntos. Peça para
que fale sobre os favoritos. Mostre interesse. Não subestime nada do que ele
disser e talvez um dia seu filho seja um grande paleontólogo. Ou talvez não,
mas pelo menos terá uma ligação com você que o motivará a fazer o que
quiser.
Dana ficou olhando para seu convidado por um momento como se ele
fosse um grande milagre da natureza. Aidan teve a impressão de que ela
estava prestes a chorar.
— Dana, já estamos prontos pra você — informou uma garota da
produção.
— Ah... Sim, eu já vou — ela sorriu. — Obrigada.
— De nada.
Ela entrou no set do programa provocando uma grande salva de
palmas. Havia uma televisão onde eles estavam e puderam vê-la
cumprimentando ao público e tomando lugar no centro do cenário para falar
sobre as atrações daquele episódio.
— Isso foi muito legal da sua parte, sabia? As coisas que você disse pra
ela.
— Não foi nada — Conor respondeu. — Você acha que vou conseguir?
E se eu disser algo errado?
— Você é um convidado, Gatinho. Pode dizer o que quiser. Só seja
sincero e... Coerente.
— Sincero e coerente. Posso fazer isso.
— É claro que pode. E saiba que só pelo fato de estar aqui, você é um
grande vencedor e eu estou muito orgulhoso de você.
— Obrigado, Aidan. Por tudo. Tenho dificuldade de demonstrar, mas...
Você sabe que é importante para mim. Não sabe?
— Eu sei — beijou a mão dele.
— ...Autor de Vinte e Um Dias e Partida de Xadrez... — ouviram Dana
dizer e a garota da produção fez outra aparição — É a sua vez, senhor Healy.
Conor respirou fundo.
— Vou estar bem aqui — seu namorado lembrou. — Vá até lá e arrase.
Ele seguiu a garota até a entrada do cenário. — ... Recebam ao grande
autor irlandês, Conor Healy! — segundos depois, Aidan ouviu outra salva de
palmas. Não demorou muito para vê-lo, através da pequena televisão,
entrando no cenário e se sentando na cadeira ao lado de Dana.
— É um grande prazer recebê-lo no programa.
— Obrigado por me convidar — notou que ele ia começar a estalar os
dedos, mas se deteve e descansou as mãos nas pernas.
— Roleta Russa acaba de sair nas livrarias e já é um dos mais vendidos
— Dana mostrou o livro para a câmera. — Por que você escreve livros
policiais? O que chamou a sua atenção para esse gênero?
— Acho que foi o fato de que, no final, alguém que você acreditava
que era perfeito, em realidade não era. Porque nos livros policiais sempre há
um assassino — Conor respondeu.
— Você possui Síndrome de Asperger; que é um transtorno
Neurológico no Espectro do Autismo. Foi difícil crescer no Espectro?
— Em alguns momentos foi. Em outros, acho que nem percebi. Minha
família sempre se dedicou a criar um ambiente saudável e amoroso para mim.
Penso que só pelo fato de nunca haver desistido, meus pais merecem um
prêmio de melhores pais do mundo. No entanto, os pais de todas as crianças
Autistas passam por dificuldades, então não seria justo dar um prêmio
somente aos meus.
Dana sorriu.
— E até que ponto acredita que a Síndrome contribuiu para a sua
criatividade?
— Diria que muito. Ser Autista me confere uma forma de ver o mundo
que é diferente da maioria das pessoas e isso, sem dúvida, faz diferença.
— Você não costuma ser muito aberto com relação à sua vida pessoal.
Existe alguma razão para isso?
— Não exatamente. Apenas nunca pensei que precisava ser. Achava
que o importante era escrever bons livros. Até algumas pessoas próximas a
mim me fazerem entender que como um homem Autista e homossexual,
tenho uma responsabilidade com o meu público. Posso ser uma imagem
positiva para essas comunidades.
— Isso é correto — Dana concordou. — Você já sofreu algum tipo de
preconceito pela sua orientação sexual?
— Infelizmente, sim. Assim como quase todos os membros da
Comunidade LGBTQ+ já passaram por alguma situação em que tiveram que
lidar com ignorância, preconceito ou mensagens de ódio. Como disse
anteriormente, eu tive a sorte de crescer em um ambiente cheio de amor e
compreensão e não precisei me preocupar muito com isso. No entanto,
conhecer ao Aidan me fez perceber que nem todos têm essa sorte.
O ruivo sentiu uma pontada no peito. Pensou em seu pai e em como ele
morreu sem que os dois tivessem tido a chance de se entender. Era o que
mais doía.
— Aidan é o seu namorado? — Dana perguntou ao convidado.
— Sim.
— E, me avise se estiver sendo indiscreta, vocês planejam se casar
algum dia?
— Você não está sendo indiscreta. Nunca falamos sobre isso, mas eu
espero que sim porque não pretendo permitir que nenhum outro homem coma
toda a minha comida e deixe marcas nos meus livros.
Um murmúrio de risadas veio da plateia.
— Você sabe do que eu estou falando, Aidan O'Sullivan — Conor
olhou diretamente para uma das câmeras. — Aquela é uma primeira edição
do Moby Dick que agora está cheia de orelhas!
Aidan riu e a garota da produção lhe lançou um olhar divertido.
— Se em algum momento de sua vida, alguém tivesse dito que você
não podia ser um escritor, que teria que escolher outra profissão... O que você
teria escolhido?
— Teria escolhido mandar essa pessoa calar a boca.
Dana riu junto com a plateia. — Você quer dizer que não poderia ser
outra coisa além de escritor?
— Não. Quero dizer que poderia ser qualquer coisa, mas escolhi ser
escritor. Não permitiria que ninguém me fizesse acreditar que não posso fazer
o que escolhi para a minha vida.
Outro murmúrio saiu da plateia. Daquela vez, um murmúrio de
aprovação.
— Isso é muito inspirador. Quando foi que decidiu que queria ser
escritor?
— Quando eu era pequeno, meu pai lia histórias para mim todas as
noites. Numa noite, ele ficou sem nenhuma para contar porque eu já havia
lido todos os livros da casa. A rotina é muito importante para um Autista,
sabe? Meu pai não podia simplesmente dizer que não haveria história naquela
noite. Então ele tomou um livro que eu sabia que já havia lido e me disse que
faltava uma história para contar daquele livro. Mesmo sabendo que estava
mentindo, o deixei prosseguir e ouvi uma história completamente nova que
eu tinha certeza que não estava ali. Meu pai inventou uma história para mim,
e naquele momento eu decidi que queria fazer o mesmo. Foi o que fiz. E as
escrevi, é claro.
— Seu pai deve estar muito orgulhoso.
— Isso é o que ele sempre diz e já que estamos falando dos meus pais,
posso aproveitar a oportunidade para dizer algo importante para a minha
mãe?
— Claro.
Um silêncio se apoderou do lugar enquanto todos esperavam para ouvir
o que Conor tinha para dizer.
— Mamãe — ele começou muito sério. — Eu não sou o homem mais
bonito do mundo.
Todos desataram a rir, mas o rapaz prosseguiu ainda considerando que
aquele era um tema muito importante. — Eu sei que é nisso que quer
acreditar, mas já chegou o momento em que você precisa aceitar que há
pessoas com uma aparência muito melhor que a minha. Modelos e atores, por
exemplo. Temos que parar com essa besteira.
— Acho que a sua mãe jamais aceitará isso, Conor — disse Dana rindo.
— O que você diria a todos os Autistas e a todos os homossexuais, enfim,
todas as pessoas que fazem parte de uma minoria, que estão assistindo. O que
diria a elas?
Ele pensou por alguns segundos.
— Diria que terão uma vida difícil. Diria que algumas pessoas serão
cruéis e apontarão seus dedos para vocês. Informo aos Aspergers que isso
quer dizer que os estão julgando; por outro lado, também conhecerão pessoas
muito boas. Que não julgarão, serão amáveis e ensinarão muitas coisas.
Especialmente, que todos podem ser amados por quem são. Essas pessoas
não serão grandes em número, mas farão diferença em suas vidas. Apenas
permitam que elas façam parte dela. Quando chegarem, deixem-nas entrar.
Acreditem, vocês saberão quando as conhecerem. É o que eu diria.
Dana respirou fundo antes de continuar.
— O novo livro de Conor Healy se chama Roleta Russa e está nas
livrarias — anunciou mostrando o livro uma vez mais. — Conor, agradeço
muito pela sua presença.
— De nada. Não foi tão ruim.
Um almoço na casa do Conor. Na casa do seu filho! Gemma olhava
para todos os que estavam à mesa. Niall, sentado ao seu lado, explicava a
Joseph um poema de Yates. Rosie conversava animadamente com Aisling e
até Stephen os acompanhava, sentado na ponta da mesa desfrutando um
uísque artesanal que Aidan havia trazido. Quem diria que esses dois iam
terminar virando amigos?
Aidan e Conor estavam sentados lado a lado, o ruivo disse algo no
ouvido do namorado e ele sorriu. Os dois se olharam e Gemma pôde ver um
universo naquela troca de olhares. O começo de uma vida e o fim da solidão.
Lá estava tudo o que ela sempre havia desejado para seu menino.
Amigos, um amor verdadeiro. Uma vida rodeada de pessoas que o amam e o
entendem.
As mães sempre sabem do que os filhos precisam.
Aidan e Conor entraram juntos na recepção do consultório do Doutor
Murphy.
— Oi, Conor — disse Abby, sorridente.
— Olá, Abby. Como vai?
— Muito bem, obrigada — retirou algo detrás de balcão. Um livro. —
Acabei de terminar. Obrigada pela sugestão. Adorei!
— Que bom. Vou deixar uma lista com livros do mesmo estilo que
você pode gostar. Acho que já conhece o meu namorado.
— Claro! Tudo bem, Aidan?
— Oi.
— Maravilha! Posso oferecer alguma coisa?
— Chá, por favor. Barry's. Não muito quente.
— Eu estou bem, obrigado — Aidan acrescentou.
— Sentem-se, por favor. O Doutor virá por vocês em breve — Abby
desapareceu por uma porta atrás dela e os dois se sentaram no sofá cinza. O
lugar estava impecavelmente limpo e neutro como sempre.
A recepcionista voltou alguns minutos depois com o chá de Conor. —
Muito obrigado — ele disse arrancando um grande sorriso da garota e —
Muito quente — sussurrou para o namorado quando ela não estava ouvindo.
— Você está nervoso?
Depositou a xícara na mesa de centro. — Não. Você já sabe tudo sobre
mim. Você está?
— Um pouco. Não porque tenha segredos para revelar nem nada disso.
Simplesmente porque nunca fizemos isso juntos e não sei como vai ser.
Conor tomou sua mão.
— Fico feliz que você esteja aqui comigo, Aidan.
O beijou na bochecha.
—Também fico feliz por estar aqui com você. Pobre do Eoin que agora
tem problema em dobro.
A porta do consultório se abriu e Eoin apareceu ajeitando os óculos.
— Ah! Se não é o meu casal favorito...
Tenho a imensa sorte de haver crescido em uma família amorosa,
alegre e unida, que talvez até não seja uma família perfeita para os padrões
convencionais, mas é, com certeza, perfeita para mim.
Sendo assim, agradeço primeiramente à minha mãe, que sempre me
incentivou a ler e passou um ano inteiro contando a história dos Três
Porquinhos para o meu irmão e para mim de forma tão diferente e criativa
que eu levei anos para descobrir que ela estava, em realidade, contando a
mesma história todas as noites!
Além de ser um pai presente e maravilhoso, agradeço ao meu pai por
ser a pessoa que tocou o LP da Filarmônica de Berlin interpretando a 5ª
Sinfonia de Beethoven quando eu tinha apenas sete anos, a qual me inspirou
escrever a história do Conor.
Armando me chamava de “gênio” e fazia questão de dizer a todos os
seus amigos que eu era uma “escritora famosa”, apesar de ter sido o único a
ler meu livro. Sempre esteve convicto de que a obra seria publicada e me
apoiou desde o começo. Um “obrigada” não é suficiente, mas agradeço por
isso e por tudo.
Fabi foi a primeira a ouvir a ideia para Não Inclui Manual de
Instruções, e também leu algumas de minhas primeiras histórias. Talvez você
não dimensione a diferença que fez em minha vida, mas é a pessoa que
acreditou em mim quando eu não acreditava em mim. Obrigada, minha
querida!
Eu já admirava o trabalho da Thati Machado; assistia a seus vídeos e
lia seus livros; e tê-la como minha editora foi uma honra e um orgulho. Thati,
você é um ser humano lindo e uma profissional dedicada. Todos deveriam ter
o privilégio de receber seus conselhos.
Miguelito, você é a minha estrela guia. Um pequeno ser iluminado
que, mesmo não estando ao meu lado, sempre estará comigo. Você sempre
será minha força, motivação e razão para tudo.
E por último, mas não menos importante, agradeço a todos aqueles
que não vêm com um manual de instruções. A todos os que lutam para que
sua força e resistência superem as dificuldades do dia-a-dia. Que sofrem ao
ver as pessoas se afastarem quando elas “falam demais”, ou com a distância
daqueles que os consideram “gênios incompreendidos”. Todos os que já
foram chamados de “frios” por não saber como se aproximar e são
considerados “não empáticos” apesar de estarem cheios de amor e
compreensão.
Agradeço do fundo do meu coração a toda a Comunidade Autista,
especialmente aos Aspergers. Seres lindos que trazem um tom de azul a este
mundo e fazem com que tudo pareça céu.
A Síndrome de Asperger é um Transtorno Neurológico no Espectro
do Autismo, muitas vezes conhecida como Autismo de Alta Funcionalidade.
Os Aspies são pessoas incríveis que merecem mais inclusão na nossa
sociedade.

Se deseja saber mais sobre a Síndrome de Asperger, faça isso através dos
links abaixo:

MUNDO ASPERGER: http://bit.ly/MundoAsperger

ABRA ( ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AUTISMO) :


http://bit.ly/AbraAutismo

ASPIRE IRELAND: http://bit.ly/AspireIreland


[1]
Instrumento musical de percussão irlandês que se assemelha a um tamborim.
[2]
Canção tradicional irlandesa que recebeu maior notoriedade depois de ter sido gravada pela banda
folk irlandesa The Dubliners.
[3]
Anteriormente intitulado O Caso dos Dez Negrinhos.
[4]
Saúde em gaélico. Palavra utilizada na Irlanda e Escócia para fazer um brinde.
[5]
Prato irlandês típico de Dublin sem uma receita especifica, mas geralmente preparado com salsichas,
carne de porco e batatas.
[6]
Floresta localizada na Irlanda do Norte que tem a fama de ser mal assombrada.
[7]
Tradução literal: Gêmeos Vermelhos.

Você também pode gostar