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2019
NÃO INCLUI MANUAL DE INSTRUÇÕES
– T.S. RODRIGUEZ
© 2018 T.S. Rodriguez
Todos os direitos reservados
CDD – B869
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência. Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios — tangível ou intangível — sem o consentimento por escrito da editora.
A consciência de amar e ser amado traz um conforto e riqueza
à vida que nada mais consegue trazer. (Oscar Wilde)
— Lugar legal, você não acha? — Niall dirigiu-se à esposa depois de
dar um grande gole de seu copo cheio de Guinnes.
— Acho sim, amor — Gemma e o marido estavam no centro-norte da
cidade, sentados em uma das mesas do Red Twins, um típico pub irlandês de
estilo rústico que era muito popular.
Gemma adorava a noite de Dublin. Havia magia naquela cidade, como
se ela pairasse no ar e pudesse ser respirada. Assim eram os irlandeses,
inspiravam magia e expiravam sonhos que se tornavam livros, arte e é claro,
música.
O lugar estava lotado, turistas na grande maioria. Alguns ocupavam as
mesas e muitos estavam em pé próximos ao bar onde os empregados
trabalhavam em um ritmo frenético servindo cerveja e uísque.
No canto esquerdo, em uma das mesas, um grupo de jovens tocava
Trad, a música tradicional da Irlanda com a confiança de quem está
acostumado a fazer algo com frequência e o som dos instrumentos preenchia
o ambiente. Violinos, gaitas, bodhran[1]. Um por um, os tão familiares sons
entravam nos ouvidos de Gemma e a faziam sentir-se em casa.
Observou a dois rapazes na mesa ao lado por alguns minutos. Não
paravam de trocar olhares apaixonados. Pensou na emoção de encontrar um
par compatível, na curiosidade de saber o que um futuro ao lado dessa pessoa
reservava.
Também pensou em Conor, seu único filho. O ser mais lindo, talentoso
e incrível do mundo, embora fosse suspeita para falar.
Apesar da dificuldade de se relacionar, desde muito cedo perceberam
que Conor era homossexual. Na época do colégio, ele não tinha amigos, mas
no momento em que começou a demostrar interesse pela sexualidade, ficou
claro que tinha preferência por meninos.
Não que fosse um problema. Tinha muito orgulho do filho em todos os
sentidos. Ele era um homem brilhante. Enfrentava os desafios impostos pela
vida como um guerreiro. Claro que qualquer mãe tinha razões para se sentir
orgulhosa de seus filhos, mas Gemma sabia que suas razões eram fortes.
Embora os problemas de relacionamento de Conor tivessem melhorado
muito com os anos, ele ainda se recusava a enfrentar as dificuldades de um
romance. Era como se acreditasse que tanto trabalho não valia a pena e,
então, não fazia nenhum esforço para encontrar um par. O que, para Gemma,
era decepcionante. Se apaixonar era emocionante, excitante. Lindo! Ela
queria que seu filho sentisse isso. Que não perdesse a oportunidade de
experimentar algo tão maravilhoso que, para ela, era uma parte importante da
vida. Tanto quanto comer, dormir. Até respirar! Como alguém poderia viver
sem aquelas coisas? Como alguém poderia viver sem amar?
Whiskey in The Jar [2] começou a soar. Os músicos esbanjavam talento.
Todos os presentes se moviam com o ritmo da música como em um
encantamento. A energia vibrante da melodia emanava e se espalhava por
todo pedacinho do lugar contagiando às pessoas que dançavam e batiam
palmas, entusiasmadas. Os irlandeses conheciam a letra de cor e salteado.
Cantavam ao ritmo dos violinos e bodhrans levantando seus copos.
— Eles não são bons? — perguntou de forma retórica ao marido em
meio a todo o ruído.
— Ótimos! — Niall batia palmas.
Já passava das onze e meia e era hora do pub fechar. O grupo havia
encerrado sua apresentação e os garotos guardavam os instrumentos.
— Olá — Gema aproximou-se com um Niall sorridente logo atrás. —
Primeiramente, deixem-me dizer que vocês deram um belo show. Não é,
querido?
— Foi muito bom mesmo.
— Muito obrigado — o garoto que tocava bodhran sorriu. Parecia ter
uns dezoito anos.
— Gostaríamos de saber se vocês se apresentam em outros lugares.
— Às vezes. Podem perguntar ao meu amigo. Ei! Aidan! — o
violinista veio correndo do bar segurando um copo com uísque. — Esse casal
quer falar com você.
— Olá — cumprimentou Aidan. Ele tinha um lindo sorriso. O tipo de
pessoa que sorri com o rosto inteiro. Estendeu a mão para Gemma. — Sou
Aidan.
— Oi, Aidan. Meu nome é Gemma e esse é meu marido, Niall.
— O que posso fazer por vocês? — foi o que disse depois de
cumprimentá-los. Falava com um forte sotaque do interior.
— Acontece que daremos uma festa no sábado. É o nosso aniversário
de casamento e bem, não fazemos trinta anos de casados todos os dias.
Pensamos que seria interessante se vocês pudessem tocar na festa. Eu vi
como todos estavam se divertindo e é assim que queremos que se divirtam no
nosso aniversário. Não é, amor?
— É sim.
— Enfim, foi uma ideia de momento.
— Fico muito lisonjeado, mas a verdade é que só tocamos porque
gostamos de música. Nenhum de nós é profissional — Aidan comentou um
pouco sem jeito.
— Eu não ligo para detalhes! Quero muito contratá-los. Não importa o
quanto cobrem.
— Na verdade, importa um pouquinho — Niall resmungou com um
sorriso amarelo no rosto.
— Acho que pode ser — foi a vez de Aidan. — Por que não me deixam
conversar com os rapazes e ligo pra vocês para acertar os detalhes?
— Ótimo! — Enquanto conversava com Aidan, Gemma pôde ver pelo
canto do olho o casalzinho da mesa ao lado deixando o pub. Será que algum
dia Conor olharia para alguém daquela forma?
Difícil. Conor sequer olhava para as pessoas!
— Mas o quê você está fazendo? — quis saber Niall parado na porta do
escritório, lançando um olhar curioso.
— Estou analisando os livros do Conor.
— Analisando? — ele coçou a cabeça, confuso. — Há quanto tempo
você está aqui?
— Que horas são?
— Sete.
— Nossa! As horas passaram tão rápido!
— As horas? Isso quer dizer que você está aqui há horas?
Ele entrou no escritório esfregando os olhos inchados de sono. O
cabelo grisalho estava amassado pelo travesseiro e o corpo magro caminhava
pesado.
— Precisava fazer isso. Eu me recuso a permitir que meu filho se torne
um velho solitário em uma casa cheia de gatos.
Niall franziu a testa.
— Gatos? Querida, Conor é alérgico a gatos.
— Você sabe o que quero dizer. Não posso simplesmente aceitar que
Conor se conforme com uma vida solitária. Se ele não se casar, o que será
dele quando nós dois já não estivermos neste mundo?
— Bem, eu prefiro pensar que nós ainda temos alguns anos pela frente.
Escute — aproximou-se. — Você precisa considerar que o nosso filho vive
no século vinte e um. As coisas eram diferentes para a nossa geração. Os
jovens de hoje vivem de outra maneira. Eles se casam cada vez mais tarde e
alguns nem se casam. Conor vai estar bem.
— O problema é que o nosso filho é... Diferente. Ele tem de se casar
porque precisa de alguém ao seu lado. Alguém com quem compartir
experiências. Uma pessoa que o ame e o entenda... Sabe, eu comecei a refletir
sobre muitas coisas e isso é como aquela vez em que ele chorou porque
estava com medo de nadar então nós dois tomamos suas mãos e o levamos ao
mar e ele adorou. Você lembra?
— É claro que lembro.
— Então! Isso é o que ele precisa. Alguém que tome a mão dele e o
faça se sentir corajoso. E não é que eu não esteja ciente de que qualquer
pessoa que se apaixone pelo Conor vai enfrentar um grande desafio. Porque
eu estou. Sejamos honestos, ele não vem com um manual de instruções.
— Não mesmo.
— Mas ele precisa disso, Niall. Sei que precisa.
— Então espere. Quando Conor decidir que é o momento certo de ter
um relacionamento, vai ter. Depende dele. Não há nada que você possa fazer.
— É aí que você se engana — Gemma anunciou levantando do chão.
— Descobri por qual tipo de homens Conor se sente atraído então eu...
— Você o quê?!
— Foi muito fácil — mostrou a folha com todas as suas anotações. —
Veja só, o Cillian O’Brien do Partida de Xadrez, por exemplo. Ele é o
personagem de mais destaque, certo? Bem, ele é muito alegre, extrovertido e
gosta de estar cercado de pessoas.
— Cillian não é o assassino?
— É, mas isso não vem ao caso — devolveu fazendo um gesto
impaciente com as mãos. — Todos os personagens de mais destaque em
todos os livros têm essas mesmas características. Além disso, todos os
personagens que Conor descreve como “atraente” ou “sedutor” e até mesmo
“carismático”, são ruivos. Você está entendendo?
— Claro que sim. É muito simples. Você está maluca!
— Ai Niall! — Deixou os ombros caírem — veja, as características
principais dos homens que Conor considera interessantes são: alegre,
extrovertido, gosta de estar cercado de pessoas, possui algum tipo de talento
artístico e é ruivo — fez uma pequena pausa dramática. — Esse é o homem
por quem Conor vai se apaixonar e eu vou encontrá-lo.
— Você vai?
— Vou — anunciou levantando o queixo para dar mais ênfase ao
objetivo. — Uma vez que o encontre, só precisará de um empurrãozinho.
Decidiu continuar a defender seu caso após ver a cara de incrédulo do
marido.
— Niall, preste atenção. Se eu não fizer alguma coisa, talvez o nosso
filho nunca acredite que é o “momento certo de ter um relacionamento”. Sou
a mãe dele e sei do que precisa. E o que o Conor necessita é se apaixonar
perdidamente! Escreva o que digo. Encontrarei a alma gêmea dele e vai ser
maravilhoso e lindo e complicado e confuso e emocionante; tudo o que uma
relação deve ser e Conor vai viver todas essas coisas porque vou fazer com
que aconteça!
Niall respirou fundo.
— Podemos tomar café da manhã antes?
Conor estava sentado na sala de espera do consultório do Doutor Eoin
Murphy com um exemplar de O Retrato de Dorian Gray aberto na sua cena
favorita.
— Oi, Conor! — ouviu o psicólogo dizer.
— Olá, Eoin — retirou a atenção do livro.
— Pode vir. Já estou pronto para você
Entrou no consultório e sentou na cadeira da direita, seu lugar de
costume. Estar lá sempre o acalmava. Tudo ficava alinhado e os móveis
tinham as mesmas proporções. Achava que as pessoas não davam a devida
importância a isso. Sentou com as costas retas (alguém que trabalhava
sentado e passava a maior parte do dia naquela posição, tinha de saber a
maneira correta de sentar) e depositou seu precioso livro nas pernas.
— Quantas vezes você leu esse livro?
— Trinta e duas.
Eoin se sentou em frente a ele. — E você não se cansa?
— Não. Gosto de reler meus livros favoritos. Você sabe.
— Sim, claro. E então? Como foi a sua semana?
— Foi uma boa semana. Comecei a escrever uma peça de teatro.
— É mesmo? Isso é ótimo!
— Sim. Você me aconselhou a fazer algo diferente e é o que estou
fazendo. Nunca havia escrito uma peça.
— E como vai com os exercícios que planejamos semana passada?
— Eu diria que o resultado é satisfatório.
— E isso quer dizer...?
Conor pensou por alguns segundos — Quer dizer que eu não
necessariamente cumpri com todos os requisitos, mas aprendi muito no
processo.
— Você ouviu a Quinta Sinfonia de Beethoven em um dia que não
fosse quinta-feira?
— Não. Eu tentei.
— Conor!
— Sempre ouço a Quinta Sinfonia na quinta-feira — justificou.— Mas
comi espaguete com molho de tomate na segunda. Você sabe que eu não
como nada vermelho na segunda.
— É mesmo? Conte-me mais sobre isso.
— Bem, na realidade eu preparei o molho de tomate. Terminei
comendo somente o espaguete. Mas o preparei. E tentei comê-lo.
Eoin balançou a cabeça de um lado para outro o que Conor sabia, era
um sinal negativo.
— O objetivo desses exercícios é tentar abandonar o seu
comportamento compulsivo, já que ele não ajuda em nada.
— Eu discordo. Meu estilo de vida me faz sentir confortável.
— Só que não estamos falando de apenas um estilo de vida, não é
mesmo? É muito mais que isso. Você já tem vinte e cinco anos e precisa
perder os velhos hábitos.
Conor não disse nada. Não fazia sentido, considerando que ele e Eoin
jamais estiveram de acordo.
— Responda-me algo: qual é o nome da minha recepcionista?
Ele não tinha ideia. Sempre chegava, se sentava e lia enquanto esperava
que Eoin o chamasse. Nunca havia perguntado o nome da funcionária. Sequer
havia prestado atenção nela.
— Não acredito que isso tenha alguma relevância — foi sua resposta.
— Nós já falamos sobre isso. Esconder-se dentro de casa, na
comodidade dos seus hábitos é mais fácil, sim, mas não é o ideal. Você tem
que conversar com as pessoas.
— Seria mais fácil se você não trocasse de recepcionista com tanta
frequência — queixou-se.
— A Abby, que a propósito é o nome dela, trabalha aqui há cinco anos
— Eoin aclarou. — Em nenhum momento desses cinco anos, pareceu uma
boa ideia perguntar o nome dela?
Conor não respondeu. Limitou-se a estalar os dedos um por um.
— Faça-me um favor. Sim? Da próxima vez que alguém se aproximar
de você e disser oi, converse com essa pessoa.
O jardim na parte detrás da casa estava todo adornado com luzes
coloridas. Aquilo era trabalho de Niall. Ele também havia disposto algumas
mesas que Gemma cobriu com toalhas brancas e um lindo arranjo de flores
no centro.
Uma delas havia sido reservada para os músicos e o grupo de Aidan
tocava baladas irlandesas fazendo com que o lugar parecesse o mundo
encantado das fadas. A temperatura estava amena e o céu brilhava; algo
atípico de Dublin, conhecida por seu clima ruim.
Os amigos mais próximos e familiares estavam lá para celebrar com ela
e o marido, seus trinta anos de casados e Gemma não conseguia parar de
pensar em como o tempo passava rápido. Niall continuava sendo tão bonito
quanto quando eles se conheceram. Ele estava conversando com um dos
vizinhos. Seus olhares se encontraram e ele sorriu. Pediu licença ao amigo e
caminhou até ela.
— Oi, boneca. Você tem namorado? Porque eu adoraria te levar pra
jantar.
— Sabe, da última vez que você me disse isso, terminei grávida e
tivemos de nos casar.
— Então ainda bem que eu disse.
Ele a beijou profundamente e Gemma sentiu o mesmo amor que vinha
sentindo todos aqueles anos. Niall era o homem de sua vida e mesmo depois
de tudo, mesmo durante todas as dificuldades que enfrentaram, ela nunca teve
nenhuma dúvida.
— Acho que vou dizer aos rapazes que façam uma pausa para comer e
descansar um pouco. Por que você não checa se todos os convidados estão
bem?
— Sim, senhora.
Aproximava-se dos músicos quando teve um vislumbre de Conor na
cozinha. Segundos depois, ele apareceu no jardim. A avistou e caminhou em
direção a ela.
Seu cabelo loiro estava impecavelmente penteado como sempre,
representava um símbolo da rigidez dele com a higiene e a aparência. Sempre
havia sido alto e esguio como o pai e as pernas longas caminhavam pelo
gramado com a leveza de uma gazela. Vestia calças pretas e o suéter marrom
que ela lhe deu de presente de Natal.
— Mas que sorte a minha! O homem mais lindo do mundo está na
minha casa.
— Eu certamente não sou o homem mais lindo do mundo, mamãe — o
semblante dele mostrava desconforto. Conor não suportava o ruído e gostava
menos ainda do acúmulo de pessoas.
— Pois pra mim, você é.
Ele se distraiu por alguns segundos com a música. Aquela, afinal,
sempre havia sido a segunda paixão dele. Logo depois da literatura.
— São ótimos, não são? — Gemma puxou assunto.
— Sim. São muito bons. Você não disse que haveria música.
— Foi uma decisão de última hora. Por que não vai dizer olá para a sua
avó? Ela está logo ali.
Maeve estava em uma das mesas com uma garrafa de Guinness na mão.
Uma cena bastante usual. Conor foi até ela e no caminho cumprimentou
alguns dos convidados timidamente.
Gemma o admirava por isso. Sabia como era difícil para ele estar em
meio a tantas pessoas e ainda assim, fazia um grande esforço para ser gentil e
educado. Claro que, por mais esforço que fizesse, sempre passava a
impressão de não pertencer ao lugar em que estava. Como uma peça de
quebra-cabeça que não se encaixava.
O observou conversar com a avó por alguns minutos e depois escapulir
sorrateiro para dentro da casa. Durou pouco, mas pelo menos ele estava ali.
Os garotos terminaram uma canção e ela aproveitou a chance para se
aproximar.
— Vocês estão indo muito bem, meninos.
— Obrigado, senhora Healy. — Kevin era o mais jovem. Tinha cabelo
escuro e aparelho nos dentes. Umas duas vezes, havia tentado colocar as
mãos em uma garrafa de cerveja e foi severamente repreendido por Aidan, o
mais velho e responsável por todos.
— Por que vocês não fazem uma pausa? Devem estar morrendo de
fome.
Os garotos largaram os instrumentos e foram correndo procurar
comida. Exceto Kevin, que preferiu ir direto para a mesa onde as filhas de
uma amiga estavam sentadas.
Aidan ficou e se dedicou a organizar os instrumentos que seus
companheiros haviam deixado de qualquer jeito na mesa.
— Você não está com fome?
— Obrigado, senhora Healy. Estou bem — lançou a Gemma um de
seus deslumbrantes sorrisos. — É uma ótima festa. Um sucesso.
— Sim, devo isso a vocês. Fico feliz que tenham podido vir. Sei que foi
meio em cima da hora.
— Não, eu é que fico feliz por participar de algo assim. Acho bonito
ver um casal que continua feliz depois de trinta anos. Não é muito comum
hoje em dia.
— Você está certo. Temos muita sorte.
— Na verdade, há algo engraçado... É que vocês me lembram a um
casal de uns livros que eu gosto... Esqueça, é besteira minha — apenas fez
um gesto com as mãos.
— Você está falando dos Plunkett?
Gemma não ficou surpresa. Aquilo acontecia o tempo todo. Os Plunkett
eram os personagens icônicos dos livros do Conor. Um casal de meia idade,
composto por uma mulher divertida e curiosa e um homem gentil e
aventureiro que sempre terminavam por revelar a identidade do assassino.
— Sim! Exatamente — Aidan respondeu, surpreso.
— Sabe, eles foram baseados em nós. Meu marido e eu somos os
Plunkett.
— Como assim?... Espere um pouco! Seu sobrenome é Healy! —
Aidan bateu a mão na testa repreendendo a si mesmo por não haver percebido
antes.
— Conor Healy é o meu filho — disse Gemma exalando orgulho.
— Puxa! Eu não tinha ideia. Que tonto!
— Eu adoraria que você o conhecesse, mas infelizmente, ele não está
aqui.
— Ele não veio?
— Ah não, eu quis dizer que ele não está aqui fora. Escapou para
dentro da casa e agora será impossível tirá-lo de lá. Já foi um milagre
conseguir convencê-lo a vir.
Aidan sorriu divertido.
— Talvez em outra oportunidade. Imagino que seja normal um escritor
ser um pouco recluso.
— Se você soubesse o quanto!
Gemma notou quando o líder dos músicos convidados para sua festa
entrou na cozinha.
— Niall, você percebeu que Aidan já leva vários minutos conversando
com o Conor?
— Quem?
— Aidan, o violinista.
— Ah, sim. Que bom.
— Isso não é apenas bom. É impressionante! — disse Rosie entrando
na conversa. — Me impressiona que alguém consiga conversar com o Conor
por mais de cinco minutos sem ficar entediado ou confuso.
Rosie era a assistente pessoal de Conor. Trabalhavam juntos há vários
anos e Gemma gostava do fato de que eles possuíam uma sólida relação de
amizade que se estendia além do labor. Ela se preocupava muito pelo amigo e
cuidava dele como a um irmão. Era uma das poucas pessoas com quem ele se
sentia à vontade.
— Exato! Era o que eu estava pensando. E ele tem o cabelo vermelho
— disse Gemma.
— O que tem isso? — foi a vez de Rosie, com as bochechas
ligeiramente coradas. Ficavam daquele jeito quando ela bebia.
— Bem, Gemma fez uma descoberta — Niall revelou, claramente se
divertindo. — Parece que Conor gosta de rapazes jovens de cabelo vermelho.
É a descoberta do século.
— Não pense que não percebi o seu tom, mocinho. Fique sabendo que
esse é um assunto muito sério.
— Você está certa — comentou Rosie. — Ele tem mesmo uma
quedinha por ruivos. Além do mais, se pararmos para pensar, muitos dos
personagens do Conor têm o cabelo vermelho.
— Exato! — Gemma animou-se por ver que alguém apoiava a sua
teoria.
— Rosie, não me diga que você também vai ceder a essa bobagem? —
Niall parecia incrédulo.
— Não é uma bobagem! — Gemma protestou. — Passei horas
analisando os livros do nosso filho e acontece que todos os personagens mais
importantes têm as mesmas características. Eles são alegres, gostam de estar
cercados de pessoas, têm um talento artístico e são ruivos.
— E você acaba de descrever metade da população da Irlanda! —
ironizou Niall.
— Puxa! Sabe que eu nunca havia pensado nisso?! — Rosie falou
parecendo não ter ouvido o que Niall acabara de dizer. — É verdade. O
Cillian, por exemplo, tem o cabelo vermelho e é fotógrafo. Isso pode ser
considerado como um talento artístico, não pode?
— Claro! E o Rufus, do Morte no dia de São Patrício é alegre, está
sempre rodeado de mulheres e é pintor — Gemma acrescentou.
— E é ruivo.
— É sim.
— Se vocês realmente acreditam que Aidan pode ser a alma gêmea
ruiva do Conor, estão perdendo uma grande oportunidade porque a Cinderela
está indo dormir — Niall anunciou apontando para a cozinha.
Eles observaram Conor levantar da cadeira e apertar educadamente a
mão de Aidan. Ato seguido, saiu da cozinha. Conor vivia sozinho desde os
dezenove anos de idade, mas ainda possuía um quarto na casa dos pais que
ocupava quando vinha visitá-los e acreditava que era muito tarde para dirigir.
Não gostava de dormir fora de casa, mas já que aquele era o lugar onde
havia crescido e Gemma conhecia sua rotina e todas as suas manias como
ninguém, não era tão horrível para ele ficar.
— Merda! — Reclamou a mãe. — Aposto que ele nem sequer o
convidou pra sair.
— Com certeza não — disse a assistente dando um gole de seu copo de
cerveja.
— Ai, por favor! Vocês nem ao menos sabem se esse rapaz gosta de
homens. Talvez ele seja hétero, já pensaram nisso? Algumas pessoas são. Ou
talvez seja um daqueles psicopatas que cortam a cabeça das pessoas e as
colocam dentro de uma geladeira. Não quero o meu filho perto de alguém
assim! — Niall expressou.
— Hétero ele não é — afirmou Rosie. — A sua sobrinha Chloe tentou
dar em cima dele agora há pouco. Ouvi quando ele disse que é gay.
— Ótimo! — exclamou Gemma empolgada.
— Então só nos resta saber se ele é ou não um psicopata — Niall
emendou.
— Ah para com isso! Aidan não é um psicopata. Ele é um menino
simpático e trabalhador. Tenho que fazer com que eles se encontrem
novamente.
Pensou por alguns minutos. Olhou para Rosie e teve uma brilhante
ideia. Se a ideia funcionasse, apenas teriam que esperar que o resto fluísse.
— Rosie, querida, você se lembra da vez em que tomamos umas
margaritas e você terminou me contando sobre aquela sua habilidade da
época do colégio?
— O quê?! Você ainda se lembra?! Ai que vergonha! — ela cobriu o
rosto com as mãos. — Olha, eu só fazia aquilo porque era uma adolescente
problemática. Foi só uma fase!
— Lógico, eu sei — Gemma escolheu as palavras com cuidado. —
Mas você acha que ainda conseguiria fazer aquilo? Quer dizer, por uma boa
causa, é claro. Digamos, pela felicidade do Conor?
— Não acredito que pediu a ela que fizesse uma coisa dessas! — Niall
reclamou.
— Fique quieto, ela sabe o que está fazendo.
Gemma observou enquanto Rosie caminhava pelo jardim. A garota
olhou para cima fingindo distrair-se com alguma coisa inexistente e chocou
seu corpo contra o de Aidan.
— Ai, desculpe! Eu sinto muito!
— Não se preocupe, não foi nada.
— Nossa! Que vergonha! Eu sinto muito mesmo, acho que já bebi
demais. — Rosie disse a ele com falso constrangimento. — Machuquei você?
— Não. É sério, não foi nada.
Ela se desculpou uma vez mais e voltou para a mesa. Sentou-se ao lado
de Gemma e se assegurou de que Aidan não estava olhando.
— Pronto. Consegui.
Abriu o casaco e eles puderam ver a carteira de Aidan segura em sua
mão.
— Ai, meu Deus! — Niall colocou as mãos no rosto. — Ela fez
mesmo!
— Niall, fique quieto! Querida, você foi absolutamente maravilhosa.
Isso foi perfeito — Gemma elogiou.
— O que eu faço agora?
— Agora — explicou . — Você vai manter essa carteira escondida.
Amanhã bem cedo, vai ligar para o Aidan e dizer que encontrou a carteira
dele no chão, em algum lugar, mas ele já havia ido embora. E então vai pedir
a ele que vá buscá-la na casa do Conor.
— Você é um gênio.
— Muito obrigada — Gemma fez uma mini reverência.
Niall olhava para as duas mulheres como se elas fossem um par de
extraterrestres recém-pousados.
— Vocês estão começando a me assustar!
“... ela via sua própria imagem refletida no espelho da sala de balé.
Shane lhe apontava o revólver. As mãos tremendo descontroladas. — Foi
você! — Ele disse. — Você o matou!”
Conor salvou seu trabalho e fechou o laptop. O alarme do relógio de
pulso soou indicando que eram quatro da tarde em ponto.
A rígida rotina diária era quase tão importante quanto comer ou
respirar. Todos os dias, se levantava às sete, arrumava a cama, tomava banho,
café da manhã, limpava o chão e todas as superfícies (já que era impossível
concentrar-se no trabalho se tudo estava sujo) e às nove em ponto ia para seu
escritório, se sentava em frente ao computador e começava a trabalhar. Fazia
uma pequena pausa para um almoço leve ao meio dia e voltava ao escritório
onde permanecia até às quatro.
Considerava a disciplina como algo essencial e tudo em sua vida
funcionava com a sincronia de um relógio. Tudo em seu devido lugar. Limpo,
cronometrado, estimado, planejado, detalhado. Conor gostava dessas
palavras. Elas eram seguras.
Saiu do escritório e caminhou em direção à cozinha. Sempre tomava
chá ao terminar de trabalhar. A bebida quente mantinha o estômago quieto
enquanto ele preparava algo para comer. Deparou-se com uma cena inusitada.
Não era o tipo de homem que apreciava as coisas inusitadas.
— Oi — Aidan cumprimentou com um sorriso torto.
Ele e Rosie tomavam chá e ninguém havia considerado relevante
informá-lo.
— Você deve pensar que sou um acossador ou algo assim, não é
mesmo? — Aidan perguntou, com um pequeno sorriso.
— Você é?
O ruivo riu. Provavelmente pensando que ele havia feito uma piada.
Mal sabia que Conor nunca fazia piadas. — Hoje não.
— Não é uma grande coincidência? — Rosie interviu. — Aidan perdeu
a carteira ontem na festa e eu a encontrei.
— Considerando que vocês estavam na mesma festa, a probabilidade
de que você a encontrasse não era tão remota — respondeu mal humorado.
Rosie lhe lançou um dos olhares que indicavam que ele estava fazendo
algo de errado. — Não vai cumprimentar ao Aidan?
Conor considerou as opções. Seria muito mais fácil virar as costas e se
retirar da cozinha. Sim, aquela parecia uma ótima ideia. Infelizmente, sabia
que cumprimentar as pessoas era a principal regra da interação social.
Pois é, o conhecimento nem sempre é uma benção.
Pensou.
Entrou na cozinha a contragosto e estendeu a mão a Aidan. — Olá.
Como vai?
— Muito bem, obrigado — ele respondeu apertando sua mão com força
demais.
— Sente-se — ordenou Rosie. — Seu chá está servido. Agora, se
vocês me dão licença, preciso cuidar de outros assuntos.
— Você já vai? — ele não se sentia nem um pouco confortável em
ficar a sós com um estranho.
— Já. Eu preciso ir. Aidan, foi um prazer.
— O prazer foi meu. E obrigado.
— Imagine. Não foi nada. Adeus, meninos.
Rosie deixou a cozinha apressada e Conor viu-se sozinho com Aidan.
Bebeu um gole de chá e começou a estalar os dedos de maneira compulsiva.
Sempre fazia aquilo quando estava nervoso. Eoin dizia que algumas
estereotipias eram boas porque o ajudavam a liberar a ansiedade e ficar só
com estranhos era uma ótima razão para ficar ansioso.
— É uma bela casa — o violinista comentou. — Acho que para um
escritor, uma vizinhança tranquila não é pedir muito, não é mesmo?
— Sim. Prefiro manter-me afastado da agitação de Dublin.
— E como está indo com o próximo livro?
— Bem. Também estou trabalhando em uma peça de teatro.
— Ah! Não sabia que você também escrevia peças. Legal! Há quanto
tempo faz isso?
Percebera na noite anterior que Aidan era do tipo que fazia muitas
perguntas e obrigou a si mesmo a não ficar irritado. Reiniciou o processo de
estalar os dedos. — É algo recente.
— Sei.
Um silêncio constrangedor insistia em reinar entre eles e Conor sabia
que apesar de ele se sentir muito mais cômodo daquela maneira, falar ainda
era a principal forma de interação social e ficar quieto por muito tempo não
era considerado “normal”. Achava uma pena. Seria muito melhor que as
pessoas pudessem aprender a ficar confortáveis com o silêncio, pelo menos
de vez em quando. Até mesmo porque, se todos soubessem o que se passava
em sua cabeça, não o interromperiam com palavras, já que seu cérebro
sempre estava ocupado. Toda vez que conversava com um estranho, ele
repassava em sua cabeça todas as coisas que sabia que não eram apropriadas
para dizer a alguém que havia acabado de conhecer. Mesmo assim, nada o
impedia de cometer alguma gafe e isso o levava a esforçar-se demais.
Eram muitas coisas para serem consideradas. Ele tentava recordar a si
mesmo que tinha que olhar para o rosto da pessoa que estava falando, mas
não por tempo suficiente para fazê-la sentir-se incômoda; Cuidar da postura,
já que braços cruzados davam a impressão de que ele não estava sendo
receptivo; O tom de voz devia ser usado para expressar emoções e falar em
um tom muito alto o fazia parecer um lunático. Enfim, tanto esforço
transformava uma simples conversa em um ato heroico. Tão mentalmente
exaustivo! O silêncio era muito mais simples.
— Eu notei que você tem um tabuleiro de xadrez quando passei pela
sala — Aidan, que aparentemente não lidava tão bem com o silêncio,
comentou. — É muito bonito. É de cristal?
— Cristal de Waterford. O tabuleiro e todas as peças.
— Legal. Eu adoro xadrez. Talvez pudéssemos jogar uma partida
qualquer dia desses. O que você acha?
— Por que não agora? Não estou ocupado — apressou -se em dizer.
Aidan não dava indícios de que iria embora logo e jogar xadrez era muito
mais fácil que tentar manter conversas banais na cozinha. Até esqueceu que
estava com fome.
— Tá. Por que não? — respondeu, como quem não tem nada a perder.
Conor respirou, aliviado. Os dois foram para a sala e sentaram em
frente ao tabuleiro de xadrez de cristal irlandês. Foi um presente de seu pai e
apesar de não valer mais que umas centenas de euros era um dos bens mais
estimados de Conor. Depois de seus livros, é claro.
— Antes de começar, devo adverti-lo que meu pai nunca conseguiu me
vencer no xadrez. E o meu pai é muito bom.
— Não me subestime, meu caro — pediu Aidan. — Também sou
muito bom.
Sem dúvida se sentia muito melhor jogando xadrez. Aquilo era algo
que ele podia controlar. Xadrez era bom. Era familiar; previsível. Conversas
não eram previsíveis. As conversas aconteciam entre pessoas e as pessoas
nunca eram previsíveis. Pelo menos não para ele.
Depois de algumas jogadas, percebeu que Aidan não estava mentindo
quando afirmou que jogava bem. Naturalmente, não era bom o suficiente para
vencê-lo, mas Conor gostava de ver que o homem lutava com bravura.
Aidan analisava o tabuleiro estudando sua próxima jogada e Conor
aproveitou para dar uma boa olhada nele. Era evidente que o recém-
conhecido ruivo lhe agradava. Sentira uma atração magnética ao conhecê-lo
na noite anterior que o deixava um tanto abrumado.
Ele era bonito, sem dúvida, mas também fazia um uso excessivo da
linguagem coloquial e tinha uma mania horrível de ficar movendo as mãos e
fazendo gestos desnecessários enquanto falava. O cheiro dele era uma
mistura de uísque, nicotina e perfume barato e o gosto para as roupas
mostrava uma personalidade bastante descuidada. Vestia calças jeans
desbotadas e uma camiseta preta com a palavra AC/DC escrita em grandes
letras brancas.
Por outro lado, havia pontos positivos nele. Para começar, tinha um
sorriso lindo, o que era uma surpresa já que a julgar pelo cheiro de nicotina
que estava impregnado em suas roupas, era difícil entender como ele fazia
para manter os dentes tão brancos. Nota mental: Pedir a Aidan o número do
seu dentista porque ele deve ser um verdadeiro gênio!
E é claro que também havia o fato de ele ser ruivo e Conor sempre
haver gostado de ruivos. Havia lido que os ruivos são o raro efeito de uma
mutação genética causada pelo gene MC1R que também aumenta a produção
de feomelanina e os torna mais resistentes à dor. Se perguntava se a
resistência era muito maior ou só um pouco. Podia perguntar ao homem
diante de si, mas duvidava que ele entendesse algo de genética.
Aidan também possuía um belo par de olhos verdes e Conor sabia que
havia um rosto bonito em algum lugar debaixo daquela barba ridícula. De
fato, ela o incomodava tanto que ele tinha vontade de ir correndo buscar um
barbeador e acabar com toda aquela monstruosidade vermelha ele mesmo.
— Eu não faria isso. Se você mover o Cavalo vou pegar a sua Rainha
em duas jogadas — avisou.
Aidan coçou a barba com as pontas dos dedos e, uma vez mais, Conor
imaginou as maravilhas que um barbeador faria naquilo.
— Então vou mover a Torre. Melhor?
— Melhor. Agora ao invés de terminar a partida em duas jogadas,
terminarei em três.
Aidan soltou uma gargalhada alta. — Espertalhão! — Moveu a Torre
com uma mão e passou os dedos pelo cabelo com a outra. Era como se as
mãos dele não pudessem ficar paradas. Sempre tinham que estar fazendo
alguma coisa.
— Qual a sua idade?
— Vinte e oito — Aidan respondeu sem tirar os olhos do tabuleiro. —
E a sua?
— Tenho vinte e cinco. Muitos dizem que vinte e cinco é uma idade
crucial. O verdadeiro término da juventude e início da vida adulta. Depois
dos vinte e cinco uma pessoa já deve ter a vida estabelecida.
— Tenho certeza de que você estará bem.
— Claro que estarei. Era apenas um comentário. A minha vida está
estabelecida desde os dezessete.
— Ah. Desculpe — Aidan levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos e
Conor imediatamente abaixou a vista para o tabuleiro. — Você se importa se
eu fizer uma pergunta pessoal?
— Não. Não me importo — respondeu movendo seu bispo.
— Você e a Rosie estão juntos?
— Quer saber se temos um relacionamento romântico? A resposta é
não. Por diversas razões. A principal é que eu sou homossexual, o que
significa que o sexo oposto não exerce nenhum tipo de atração sobre mim. A
segunda é que Rosie trabalha para mim e envolver-me romanticamente com
ela seria inapropriado. E a terceira é que nunca me envolvi com ninguém
dessa forma.
— Como assim? Quer dizer que nunca teve um namorado? — moveu
um Peão.
— Sim.
— Nossa! Isso é novidade pra mim. Por que você nunca namorou? Não
acredito que seja por falta de pretendentes, não é?
— Eu já fiz sexo. O sexo é fácil, posso até arriscar dizer que sou bom
em fazer sexo. Mas quanto às relações afetivas... Não é que eu não saiba
como as relações afetivas funcionam, o problema é que sei como elas
funcionam na teoria. Na prática, tudo é muito diferente.
— Nisso eu concordo. Inclusive, quando paro para pensar no fracasso
dos meus relacionamentos, também desejo nunca ter tido namorados.
— Homens? Você também é gay — Conor voltou a mover o Bispo e
como esperado, Aidan não viu o perigo.
— Sou. E é difícil pra mim, acreditar que alguém como você nunca
tenha tido um relacionamento.
Aidan estudava o tabuleiro atentamente e Conor tentou ler o olhar dele.
Inútil. Ele nunca conseguia ler as pessoas. Uma característica bastante
inconveniente. — Alguém como eu? — perguntou ainda tentando entender se
aquele havia sido um comentário ofensivo ou não.
— Sim, você sabe. Um homem atraente. Interessante — o ruivo
respondeu movendo a Rainha.
— Pois as pessoas, quase sempre, me consideram excêntrico e
esquisito.
— Sim, também. Mas não vejo a sua excentricidade como algo
negativo. Acho fofo.
Conor o observou coçar a barba e passar a mão pelo cabelo vermelho.
Ele era muito bonito. Desleixado, mas bonito. Tirou uma Torre do caminho.
— Você gostaria de sair comigo, qualquer dia? — Aidan convidou.
— Eu não saio muito.
— Ah... Ou eu poderia vir aqui. Que tal?
— Está perguntando isso porque gostaria de me ver outra vez? — sabia
o que a palavra “fofo” significava. Rosie a usava o tempo todo.
— Sim. Gostaria muito. Se você estiver a fim, é claro.
— Estarei livre amanhã depois das quatro.
— Perfeito. Deixa ver... Sete está bem pra você?
— Sim. Está bem.
— Legal.
— Tenho apenas uma pergunta — Conor rompeu o novo silêncio que
havia se estabelecido. — Você quer me ver novamente porque está
interessado em fazer sexo comigo?
Aidan demorou alguns segundos para responder. Não antes de quase
deixar cair uma de suas peças. Ler linguagem corporal não era uma
especialidade de Conor, mas ficou claro que sua pergunta o havia
constrangido.
— Nossa! Você vai direto ao ponto, não é mesmo? — o rosto de Aidan
estava tão vermelho quanto à barba.
— Só quero ter certeza de que você se sente atraído por mim, já que eu
estou seguro de que me sinto muito atraído por você.
Aidan limpou a garganta.
— Está bem. Não tem problema. Eu prefiro dessa forma. Todas as
cartas na mesa.
Conor precisou controlar o forte impulso de olhar para a mesa ao ouvir
aquilo.
Estamos jogando xadrez, não cartas! Lembrou a si mesmo. Ele
conhecia a maioria das expressões e sabia o que elas significavam, mas
algumas ainda o pegavam de surpresa.
— Eu sei o que essa expressão significa. Você quer dizer que prefere
que todos os detalhes da situação sejam expostos.
— Eh... Sim.
— Perfeito. Eu concordo.
— Que bom. E respondendo a sua pergunta — Aidan continuou. —
Sim. Eu estou interessado em fazer sexo com você, mas penso que é melhor
deixar essa opção em aberto. Não temos porquê apressar as coisas, sabe?
— Entendi. Isso significa que o sexo pode ou não acontecer.
— É — ele posicionou o Rei onde Conor havia esperado.
— Está bem. Prefiro que as coisas fiquem bem definidas, mas acho que
posso esperar até amanhã para ver o que acontece. A propósito, Xeque-Mate.
— Ah! Fala sério! — Aidan reclamou.
— Eu avisei. Três jogadas.
— ... E então ele me perguntou “Você está interessado em fazer sexo
comigo?” “É por isso que quer me ver?”.
— Ai, meu Deus! — Aisling quase deixou cair o copo de cerveja que
acabara de servir.
— Dá para acreditar? Quem faz isso?
— Eu adoro esse cara! — ela comentou entre risadas. — Merece nota
dez. E quer saber? Só por isso, você devia ir até lá e transar com o nerdzinho
até ele esquecer o próprio nome!
Eram por volta das sete da noite e o Red Twins já estava lotado. Aidan
e sua irmã gêmea, Aisling eram os donos, mas gostavam de se envolver ao
máximo no trabalho. Ele costumava ficar atrás do bar servindo as bebidas.
Isso lhe dava a oportunidade de conversar com os clientes, algo que adorava
fazer. Três noites por semana, tocava com o grupo de músicos. Sentia um
grande amor pelo pub e tudo o que ele e a irmã haviam construído, mas a
música era sua grande paixão. Um fogo que ardia em seu peito e não podia
ser extinto.
— Eu não sei se devo ir — falava alto, tentando fazer com que sua voz
se sobrepusesse a todos os ruídos do lugar. — Ele é tão estranho. Tem
alguma coisa no Conor que eu ainda não consegui identificar. É esquisito,
sabe? Adorável, mas esquisito.
— Esquisito como?
— É difícil de explicar. Sei lá. Pra começar, ele não é muito
espontâneo. Tudo o que diz é meio mecânico, como se decorasse cada
palavra. E eu não consegui definir sua personalidade. Às vezes parece muito
frio e então de repente fica meigo. É estranho.
— Aidan, desencana! Você não vai se casar com o cara! O seu
problema é que todas as vezes que se envolve com alguém, acredita que essa
pessoa possa ser o amor da sua vida. Pense apenas em se divertir. Faça com
que seja uma experiência agradável e pronto! Se algo mais tiver de acontecer,
vai acontecer.
— Você tem razão.
— É lógico que tenho. Sou a gêmea inteligente.
O encontro com Conor estava marcado para a noite seguinte e Aidan
não podia parar de pensar no assunto. Não conseguia tirá-lo da cabeça e sabia
que, mais que nada, o homem o intrigava.
Era como se Conor fosse um enigma que ele precisava desvendar. Um
grande mistério. Como em seus livros.
— Explique outra vez por que tenho que jogar Hurling com o seu tio?
— Ai, Niall! — mesmo estando do outro lado do telefone, sabia que
Gemma estava revirando os olhos. — Eu já disse. Porque o Aidan estará aí.
Você precisa ficar próximo dele e a melhor maneira de aproximar-se de outro
homem é praticando esportes.
— Acho que a ideia que você faz dos homens é um tanto limitada —
resmungou. — Além do mais, pensei que o importante fosse aproximá-lo do
Conor.
— E é por isso vão jogar juntos. Se vocês ficarem amigos, será mais
fácil aproximá-lo do nosso filho. A mamãe reuniu muitas informações úteis
quando esteve com eles na quarta-feira. Uma das coisas que Aidan comentou
é que adora Hurling. Sendo assim, pedi ao tio Paddy que o convidasse para
jogar no time.
— Me alegra muito saber que você converteu a minha mãe em uma
espiã e ao seu tio em um peão... Escute, eu não estou muito seguro de que
essa seja uma boa ideia. A última vez que joguei Hurling foi um pouco
depois que o Conor nasceu.
— Tenho certeza de que você vai se sair muito bem. É como andar de
bicicleta! Você só tem que seguir o plano. Basta fazer exatamente o que nós
combinamos.
— Não sei não...
— Amor, preste atenção. Você é um pai lutando pela felicidade do seu
filho! Nada é mais importante que isso — o drama permeava cada palavra.
— Você consegue! Siga o plano!
— Está bem. Está bem. Não se preocupe, vou agir conforme o
combinado.
— Isso mesmo. Sei que você pode fazer isso, meu amor. Você é um
guerreiro! Agora mostre àqueles homens quem é que manda!
— Eu vou mostrar — Niall falou sem um pingo de entusiasmo. — Vou
jogar um pouco de hurling e conseguir um namorado para o meu filho.
Moleza.
— Esse é o espírito! É por isso que eu te amo, seu jogador de hurling
sexy!
— Até mais tarde, querida.
Niall desligou o celular e o guardou na mochila. Saiu do carro e foi até
o porta-malas por seu equipamento: o capacete e o Hurley, o taco típico do
esporte irlandês de origem celta; um dos mais antigos do mundo em que
quinze jogadores entravam em campo com o objetivo de levar a Sliotar, ou
bola, ao extremo oposto e colocá-la dentro da rede com a ajuda do taco
mencionado. Muitas pessoas o achavam similar ao hóquei, só que praticado
em um campo. Um jogo de precisão e velocidade. Ou, sessenta minutos de
autoflagelação, que era como Niall o via.
— Senhor Healy? — a voz de Aidan soou atrás dele. O espetáculo
começou.
— Oi, Aidan! — tentou parecer surpreso.
— O senhor vai jogar?
— Ah, por favor! Pare com isso de senhor. Me chame de Niall.
— Está bem — O jovem concordou abrindo um sorriso. — Você
conhece o Paddy?
— Se eu conheço? Ele é tio da minha esposa.
— Não brinca! Que coincidência!
— Pois é! É mesmo apenas uma grande coincidência! Nada mais que
coincidência — falou um pouco mais alto do que pretendia.
Aidan franziu a testa. — Então você vem todos os sábados?
— Para dizer a verdade, já faz um tempo que não jogo. Mas como diz o
ditado, é como andar de bicicleta! — esboçou um sorriso amarelo, esperando
que ele validasse o que havia dito.
— Com certeza! — Aidan concordou divertido. — Você vai se sair
bem. Vamos?
O Parque Phoenix ficava perto do centro da cidade e era uma área
verde de mais de setecentos hectares que além de abrigar a um zoológico e a
residência oficial do presidente da Irlanda, também proporcionava aos
Dublinenses várias atividades, inclusive áreas para praticar esportes.
Niall gostava de passear pelo parque de vez em quando. Caminhada era
o mais próximo de exercício que ele fazia.
Os jogadores já estavam reunidos. Alguns corriam e moviam braços e
pernas para esquentar o corpo e outros conversavam como velhos amigos.
— Até que enfim resolveu aparecer, seu molenga! — tio Paddy
grunhiu.
— Oi, tio. Estou muito bem, obrigado.
— Vejo que conheceu o Aidan — ele ignorou o sarcasmo de Niall.
— Na verdade nós já nos conhecíamos. Ele esteve tocando na nossa
festa de aniversário de casamento. Não se lembra?
— Ah! Mas é claro! Bem que eu achei que havia algo de familiar em
você — o homem atuava de maneira talentosa em seu papel.
— É uma feliz coincidência.
— Bem, acho que já estão todos aqui. Vamos começar — Tio Paddy
lançou a Niall um olhar reprobatório. — É melhor você esquentar esse corpo,
moleque. Não queremos que seus ossinhos delicados se quebrem.
Niall soltou um suspiro.
— Estou casado com a sobrinha dele há trinta anos e o velho continua
me chamando de “moleque” — sussurrou fazendo com que Aidan abafasse
uma risadinha.
Depois de ter que parar três vezes para recuperar o fôlego e um litro e
meio de água, Niall desejava que aquele pesadelo tivesse um fim.
O quê estava pensando quando acreditou que podia passar sessenta
minutos jogando? Era um acadêmico, pelo amor de Deus! Do tipo que lê
livros e discute teses. E não um atleta.
— Niall? Você está bem? — Aidan perguntou do meio do campo.
— Lógico! Perfeito! Estou amarrando o cordão dos meus shorts. Já
vou. Beleza de jogo! — fez um grande esforço para soar como se ainda
restasse algo de ar em seus pulmões. Sentia as pernas queimando e os braços
doíam de tal maneira que estava seguro de que passariam alguns dias antes
que pudesse levantá-los sem sentir uma dor excruciante.
Estava considerando engolir a vergonha e avisar que já não podia
terminar o jogo quando o apito soou indicando o fim.
Que alívio! — Já acabou? Ah, que pena! Nem me deu tempo de voltar
para terminar.
— Pois de onde eu estava olhando, você não parecia querer voltar para
terminar — provocou tio Paddy. Todos os jogadores deixavam o campo,
suados e cansados. — Além do mais, não estava ajudando muito, com todas
essas paradas para arrumar os shorts.
— Depois de todo esse exercício... — Niall se apressou em dizer. —
Uma cerveja cairia muito bem, vocês não acham? Vamos buscar um lugar, é
por minha conta.
— Nada disso — protestou Aidan. — Vamos para o meu pub. Faço
questão de oferecer umas cervejas por conta da casa.
— Bem, não vejo nada de mal nisso — concordou tio Paddy.
Os três homens se despediram de todos e entraram em seus carros.
Niall se perguntou como faria para dirigir, já que naquele exato momento
deixou de sentir suas pernas.
— Alô? — ouviu a voz de Gemma responder.
— Fique sabendo que eu só estou feliz por haver conseguido sair disso
vivo!
— Ai, Niall! Não seja dramático! O exercício vai te cair bem.
— Sim, o exercício cairia bem. Se aquilo tivesse sido exercício. Mas
não foi! Aquilo foi uma tortura! Eu nunca. Repito. Nunca, voltarei a permitir
que você me convença de algo.
— Pois nós dois sabemos que isso não é verdade.
— O que eu não consigo entender... — continuou ignorando o
comentário da esposa. — É por que esse garoto não pode ser como os
homens gays da TV que gostam de coisas como balé e costura. Eu não teria
tido problema em assistir a uma aula de costura. As aulas de costura são
tranquilas e ninguém se machuca. Mas não! Não, não, não! Você tinha que
escolher um namorado para o Conor que gosta de Hurling, Boxe e correr!
Você sabia que ele corre todas as manhãs? Ele corre, pelo amor de Deus!
Sem nenhuma razão!
— Se você já terminou de se queixar, lembre-se que ainda falta a
segunda parte do plano. Precisa trazê-lo aqui. Sem que ele perceba que foi
trazido.
— Eu sei, eu sei. A droga do plano! Eu só espero que a sua parte desse
plano descabelado, seja tão difícil quanto a minha.
— E será. Talvez não fisicamente. Mas, emocionalmente será muito
difícil.
— Acho bom! Agora tenho que ir. Vamos para o Red Twins.
— Que ótimo! Isso significa que tudo está indo conforme o planejado.
Você só precisa fazer o que nós combinamos.
— Eu sei.
— Eu te amo! Você está indo muito bem!
Desligou o celular e deu partida no carro.
— O plano! O plano! Não se esqueça de seguir o plano! — disse para si
mesmo com uma versão exagerada e aguda da voz de Gemma. — Essa
porcaria de plano vai terminar me deixando maluco — saiu do
estacionamento em direção ao pub de Aidan.
Tudo pelo Conor.
— Fique sabendo que eu fiz tudo certo. Fiz tuuudo que você pediu —
disse Niall antes de se deixar cair sentado na cama. Começou a tentar
desamarrar o cadarço do tênis; uma tarefa simples que naquele momento
parecia quase impossível.
— Exceto pela parte de fingir que estava bêbado porque é obvio que
você não está fingindo, não é mesmo? — Gemma apontou.
— Não estou bêbado, só tomei umas cervejinhas. Nada demais —
justificou, ainda na luta contra o cadarço.
— O bom é que deu certo. Tudo dentro do planejado. Eu só espero que
você não tenha dito ao Aidan algo que nos entregue.
— Nããão. Eu não revelei o seu plano secreto — o marido colocou o
dedo indicador na frente da boca em um exagerado gesto de silêncio. —
Minha boca é um túmulo.
— Ótimo. Vou ver como nosso convidado está. É melhor você ficar
deitado.
Niall respondeu com um ruído indistinguível e depois caiu de costas na
cama, por fim assumindo a derrota contra os tênis.
Na sala, Gemma encontrou Aidan sentado no sofá com uma postura de
menino obediente. — Como ele está? — quis saber, imediatamente pondo-se
de pé.
— Vai ficar bem depois de dormir um pouco. Muito obrigada por ter se
dado ao trabalho de trazê-lo. E... Mil desculpas pelo vexame.
— O quê é isso! Foi culpa minha, mesmo — o jovem confessou. — O
convidei pra tomar umas cervejas no meu pub. Não sabia que ele era tão
fraco para a bebida.
— Ah, ele é sim. Não está acostumado a beber.
Aquela não era uma mentira. Niall era mesmo um mal bebedor. O
plano, que consistia em fingir que estava bêbedo e convencer Aidan a trazê-lo
em casa, terminou sendo muito mais realista que o esperado.
— Bem, agora que o Niall está entregue é melhor eu ir andando.
— Não! — Gemma soltou. — Você tem que ficar para almoçar com a
gente. Eu insisto.
— Não é um pouco cedo para almoçar? Ainda nem é meio dia.
— Eu sei. Acontece que o Conor sempre almoça ao meio dia em ponto.
Aidan fez um esforço válido para disfarçar, mas Gemma não era
nenhuma amadora. Percebeu o nervosismo instantâneo dele.
— Ah, é mesmo? Então o Conor vai vir?
— Já deve estar a caminho. Por favor, fique. Você veio até aqui para
trazer o meu marido bêbado. O mínimo que posso fazer é oferecer um
almoço como agradecimento.
— Eh, eu não sei — ele pôs uma mão na cintura e com a outra coçou a
barba. — É que... Preciso voltar ao pub...
— Por favor — Gemma juntou as mãos em um gesto de súplica.
— Está bem — Aidan disse por fim. — Eu fico.
Ela foi para a cozinha. Apagou o fogo do guisado de carne e o revisou.
Estava perfeito. Ouviu um carro se estacionando do lado de fora. Conor.
Voltou para a sala a tempo de encontrá-lo entrando. No início ele
estava normal. Olhou para ela e lhe lançou o “oi mamãe” de sempre. E então
viu Aidan sentado no sofá e uma expressão de puro terror se formou em seu
rosto.
— Olá! — disse o rapaz acenando timidamente.
Conor não respondeu. Limitou-se a olhar de Aidan a ela sem saber o
que fazer.
— Filho, posso falar com você na cozinha por um minuto?
Conor a seguiu até a cozinha evitando olhar para Aidan que assistia
tudo sem entender. — O que ele está fazendo aqui? — falou no minuto em
que passaram pela porta.
— Ele trouxe o seu pai do pub e eu o convidei para almoçar conosco —
abriu o sorriso mais brilhante que pôde para mostrar a ele que tudo estava
bem.
Não funcionou.
— Trouxe o meu pai? Do pub? — a ansiedade de Conor aumentava
com cada palavra. — O que o papai estava fazendo em um bar tão cedo?
— Aidan o convidou para tomar umas cervejas depois de uma partida
de Hurling e o papai ficou um pouco bêbado — Não. Aquilo definitivamente
não estava indo bem.
Conor começou a olhar para os lados como se estivesse tentando
encontrar um sinal de que havia entrado em uma realidade paralela. — Meu
pai ficou bêbado. E ele estava jogando Hurling — ele iniciou o ritual de
estalar os dedos um por um.
— Conor, você vai se acalmar agora mesmo! — Gemma disse em um
tom autoritário.
Ele abaixou a cabeça, mas continuou estalando os dedos.
— Não é segredo pra ninguém que seu pai é péssimo para os esportes,
mas o tio Paddy o convidou e você sabe como ele se esforça para
impressioná-lo. Acontece que Aidan também estava jogando. Os três foram
ao pub; seu pai bebeu e Aidan foi amável o bastante para trazê-lo em casa
porque ele não estava em condições de dirigir.
— Mas... Você devia ter avisado. Eu sempre almoço com você e o
papai. Você e o papai. Ninguém mais.
— Ai, Conor! É apenas um almoço! E, além disso, você conhece o
Aidan. Vi vocês conversando na festa. Pensei que haviam se dado bem.
Outro ciclo de estalo de dedos e um olhar fixo na geladeira. — Sim...
Quer dizer... Você devia ter me avisado. Acho que é melhor eu ir embora.
Ela não queria utilizar àquele recurso, mas não havia outro jeito...
— Ah sim, claro! Você vai embora! Eu não vi você a semana inteira e
só queria passar um tempo com o meu filho — Cobriu o rosto com as mãos
como se estivesse chorando. — Mas isso não será possível porque mesmo
depois de eu ter aguentado seis dolorosas horas de trabalho de parto, ele não é
capaz de suportar um almoço comigo!
Ela sabia que se havia algo que Conor não podia suportar era o drama.
Ele não conseguia lidar com isso. Sim. Gemma estava ciente de que fazer
chantagem emocional era errado, mas as mães não tinham algum tipo de
passe ou uma permissão temporal ou algo assim? Se não, deveriam ter.
— Está bem, mamãe. Eu fico — ele disse quando terminou de estalar o
dedo mindinho da mão esquerda, o último do ciclo.
Sempre funciona! — Maravilha! Então vá para a sala fazer companhia
ao nosso convidado. O almoço está quase pronto. Ande logo, vai, vai —
expulsou um confuso Conor para fora da cozinha.
Aidan corrigiu a posição no sofá quando Conor entrou na sala. O rapaz
caminhou com a cabeça baixa e nem sequer olhou para ele antes de se sentar
ao seu lado. O ruivo já havia decidido que a melhor estratégia era parecer
relaxado e casual. Seja lá o que relaxado e casual significasse porque naquele
momento ele tinha certa dificuldade de discernir. O fato era que ele era
orgulhoso o suficiente para não dar a Conor indícios de sua frustração. E não
daria. Agiria como se tudo estivesse perfeitamente normal,como se nada
tivesse acontecido. Ele nunca esteve na casa de Conor e eles nunca se
beijaram. — Como você vai?
— Eu sei que devia ter ligado — o escritor anunciou abruptamente.
— O quê?
— Rosie me explicou que se alguém me dá seu número de telefone é
porque espera que eu ligue para marcar um encontro. Então eu sei que devia
ter ligado.
— Você não estava a fim de me ver. Acontece — não pôde evitar
transparecer um pouco de ressentimento em seu tom de voz.
— Não foi por isso — Conor explicou. — Não liguei porque não sabia
o que dizer.
Não sabia o que dizer?! — Você podia ter dito "oi" — o sorriso irônico
foi difícil de segurar.
Conor ficou calado e Aidan começou a se sentir mal por ser tão duro
com ele. Relaxado e casual. Repetiu a si mesmo como se fizesse diferença.
— Escuta, não tem problema. Não há nada de mal em ser tímido.
— Não sou tímido. Eu tenho Síndrome de Asperger.
— Síndrome de quê?
— De Asperger.
— E o que isso quer dizer?
— Quer dizer que sou Autista.
Por essa Aidan não esperava.
— Autista? É mesmo? — tentou assimilar a ideia. O que dizer a uma
pessoa depois de uma confissão tão importante?
— Eu gostei de você. Tinha vontade de vê-lo outra vez.
— Tá aí. Você podia ter dito isso quando ligasse — Conor não
respondeu. Seguia cabisbaixo. — Eu pensei que os Autistas não falassem.
Que só ficassem montando quebra-cabeças e essas coisas.
— Essa é uma ideia equivocada. Existem níveis de autismo e cada
pessoa é afetada de uma maneira. De qualquer forma, a Síndrome de
Asperger é diferente. Os indivíduos com SA não costumam ter problemas
cognitivos, o que significa que o nível de inteligência é normal ou acima da
média, que é o meu caso.
— Ah, então você é tipo um gênio?
— Não. Não sou tipo um gênio.
— Ah.
— Eu sou um gênio.
Silêncio.
— Quer jogar xadrez qualquer dia? — Aidan perguntou mais para ter
alguma coisa para falar. Sabia que estava sendo estúpido, mas nunca havia
estado em uma situação como aquela e não queria correr o risco de dizer algo
idiota e ofender a Conor.
— Você ainda quer estar comigo?
— Por que não iria querer?
— Por causa do que acabei de dizer, é claro.
Aidan pensou que era triste que Conor sequer considerasse que alguém
não gostaria de estar na companhia dele por ser Autista. — Você disse que
tem a Síndrome de Sei-Lá-O-Quê. Não vou deixar de querer estar perto de
você por causa de uma doença.
— Não é uma doença — Conor corrigiu. — A Síndrome de Asperger é
um Transtorno Neurológico no Espectro do Autismo.
— Sei. E essa Síndrome faz com que você não possa usar o telefone, ou
algo assim? — sentiu-se um pouco sarcástico demais. Pronto. Era mesmo
uma questão de tempo até que ele dissesse algo idiota. Por sorte, Conor não
percebeu. Ou talvez tenha percebido, mas não se ofendeu.
— Ela faz com eu tenha problemas de interação social e as conversas
telefônicas são uma forma de interação social — começou a estalar os dedos
das mãos um por um. — Todas as formas de interação social me geram
ansiedade.
— Ah. Entendi. Então é por isso que você nunca olha nos meus olhos?
— Sim. Mas não leve a mal. Eu nunca olho nos olhos de ninguém. Não
consigo. Eu sei que a falta de contato visual faz com que as minhas palavras
tenham menos credibilidade e por isso tento manter meu foco na testa ou na
boca, mas isso nem sempre funciona.
— Sei... Uma dúvida, você diz que tem problemas de interação social,
mas, me convidou para ir à sua casa naquele dia. Aquilo era tipo um
encontro, não era?
— Era. Mas é diferente porque eu queria fazer sexo com você, não ser
seu amigo — Conor respondeu enfático.
— Ah! Nossa! Eu não me senti nem um pouco como um objeto agora.
Nem um pouco.
— Eu tenho a impressão de que você está sendo sarcástico.
— Na verdade, estou, sim — Aidan esclareceu. Uma raiva começou a
brotar dentro dele. E ele nem sabia o motivo da raiva já que o que Conor
disse era mesmo o que ele havia pensado: uma atração física que não durou.
Talvez, no fundo ele esperasse não ter razão. Esperava que Conor dissesse
algo como, “rolei pela escada, quebrei os dois braços e não podia usar o
telefone!”.
— Por que você se sente como um objeto? — Conor o analisou como
se ele fosse um grande enigma da natureza.
— Você não adivinha? Quer dizer, você acabou de dizer que só queria
sexo comigo.
— Eu não tinha intenção de ofendê-lo, Aidan. Desculpe. Mas essa é a
verdade. O sexo é fácil. É apenas uma questão de mecânica. As relações, por
outro lado, são complicadíssimas. Não há fórmulas ou métodos que se
apliquem às relações e eu preciso de fórmulas e métodos para entender as
coisas. Mas saiba que foi por isso que não liguei.
— O que você quer dizer?
— É que depois daquela noite na minha casa, você me fez sentir que
queria algo mais que sexo e isso me assusta.
Aidan não podia conter a surpresa. E ele que havia estado se
martirizando todo aquele tempo. Se perguntando o que havia feito de errado.
— Acho que ninguém nunca tinha sido tão sincero comigo antes. E, bom,
entendo que você esteja assustado. Também estou. Pra ser honesto, você me
intimida um pouco.
— Eu intimido você?
— Com certeza! Não sei se percebeu, mas você é incrível, sabe?
Homens como você não aparecem na minha vida todos os dias. Sei lá, pensei
que não tivesse me achado interessante.
— Não. Eu te acho bastante interessante.
A senhora Healy entrou na sala com pratos e talheres nas mãos. Os dois
ficaram em silêncio e Aidan ignorou o fato de que seu coração batia na
velocidade da luz e suas mãos estavam suando.
— Está pronto. Fiz guisado de carne com Guinness. Você vai adorar,
Aidan — ela anunciou animada.
— Eu adoro carne e adoro Guinness — seu tom de voz mostrava uma
nova onda de energia percorrendo seu corpo.
Ela abriu um enorme sorriso.
— Conor, você está conversando com o Aidan, não está? Espero que
não esteja lendo no celular.
— Ah, não — Aidan respondeu. — Ele não está lendo. Nós estamos
conversando bastante.
O sorriso da mulher se ampliou. Preparou a mesa rapidamente e
regressou à cozinha.
Eles permaneceram calados. As coisas ficaram esquisitas depois da
conversa e era óbvio que nenhum deles sabia como prosseguir.
— Bom — Aidan rompeu o silêncio. — Acho que já ficou claro que
nós dois somos uma droga se tratando de relacionamentos. O nosso nem
passou de um beijo e a gente já estava arruinando tudo.
— É o que parece.
— Mas nem tudo está perdido. Ainda podemos tentar fazer com que
isso funcione. — Moveu a mão indicando aos dois.
— Como?
— Se tomarmos as coisas com calma, avançarmos devagar, poderia dar
certo.
— À quê você se refere quando diz “avançar devagar”?
— Me refiro a que devíamos voltar ao plano original de ser amigos e
deixar o sexo como uma opção em aberto. Pra mais tarde. Dependendo de
como a parte de ser amigos funcione. O que a sua ansiedade acha disso?
— Pensei que você quisesse fazer sexo comigo — Conor pareceu mais
curioso que desapontado.
— Eu quero. Mas é melhor começar pela amizade e deixar o resto fluir
naturalmente. Tudo bem pra você?
— Suponho que não há nada de mal em tentar. É fácil ser amigo de
alguém por quem nos sentimos atraídos?
— Ah, claro — Aidan respondeu. Nem ele mesmo acreditava na
própria resposta. — As pessoas fazem isso o tempo todo.
— Ande logo, seu molenga!
— Estou cansado!
Aidan não podia acreditar que havia convencido Conor a fazer uma
trilha pelos penhascos de Howth. Claro que isso só foi possível quando ele
soube que, no caminho, passariam pela casa onde William Butler Yeats
viveu. Um dos aclamados escritores irlandeses, que também era um dos
favoritos do rapaz.
— Sabe qual é o seu problema? É que você nunca se exercita. Por isso
está tão cansado.
— Eu discordo — o escritor respondeu entre respirações. — Meu
cérebro é um músculo e eu o exercito o tempo todo.
— Ah, é mesmo? O problema, meu caro, é que o seu cérebro não vai
fazer você chegar ao final da trilha. As suas pernas é que vão.
Conor apoiou as mãos nos joelhos e abaixou a cabeça como se tivesse
acabado de terminar de correr uma maratona. O pior era que a trilha durava
umas três horas e eles apenas haviam caminhado por uns vinte minutos. —
Você está sendo sarcástico, não está?
— Sim, lindo. Eu estou. Venha — sentou no chão e esticou as pernas.
Conor se juntou a ele. — Não posso acreditar que você vive em Howth e
nunca tinha vindo a este lugar. Você estava perdendo essa vista maravilhosa.
— Eu vi os penhascos muitas vezes no YouTube.
— Não é mesma coisa — do lado esquerdo, o mar se estendia até se
perder de vista: calmo, como se pudessem caminhar sobre ele. À direita de
onde estavam, um verde infinito que justificava o apelido do país “Ilha
Esmeralda” e arbustos com pequenas flores amarelas próximas a eles.
Turistas caminhavam mais adiante, mas Aidan só ouvia o ruído do vento que
soprava contra seus corpos. A trilha era estreita naquele ponto. Estavam bem
próximos ao penhasco; podia ver as pedras abaixo, banhadas pelo mar. Conor
observava tudo sem expressão.
— Então? O que você acha?
— Talvez eu esteja disposto a admitir que o YouTube não é tão preciso.
Aidan riu.
— Pois é. Nada como a realidade — o clima estava ameno e o sol
brilhava suave e tocava seu rosto como uma carícia. Respirou fundo o cheiro
de mar.
Percebeu que Conor começou a deslizar a mão para dentro do bolso e
entendeu o que estava prestes a acontecer.
— Nem pense em tirar esse celular do bolso — repreendeu. — Agora
não é hora de ler.
Conor congelou a ação. — Não era para ler. Tenho que anotar a minha
ideia. Pensei em escrever uma história que fale sobre o mar. Ou talvez uma
cena que se passe aqui.
— É sério que este lugar lindo faz você pensar em gente morrendo?
O rapaz deu de ombros.
— Então guarde a ideia pra quando estiver trabalhando. Por agora,
apenas relaxe.
— Está bem — ele retirou a mão do bolso sem reclamar. Corrigiu a
postura. Segundos depois, começou a mover um dos pés e então, a estalar os
dedos. Estalava dedo por dedo e ao terminar com as duas mãos, reiniciou o
processo.
— Você não é muito bom nisso de relaxar, não é? — Aidan lhe disse,
quando já não aguentava mais ouvir o ruído de suas articulações.
— Não. Eu nunca relaxo. Principalmente se estou perto de alguém.
— Por quê?
— Não funciona dessa forma para mim. Às vezes penso que é quase
impossível ter Síndrome de Asperger e poder relaxar. Eu sempre estou
pensando. Estou sempre hiper consciente de todas as minhas ações. Sempre
há algo que me preocupa.
— É? Tipo o quê?
— Coisas como “Estou caminhando em linha reta?” “Estou falando
demais?” “Faço suficiente contato visual?” As coisas que os Neurotípicos
aprendem de maneira natural e instintiva, precisam ter alguma lógica para
mim. Eu as aprendo como se fossem uma equação, seguindo padrões e
observando o comportamento das outras pessoas. O que faz com que seja
difícil encontrar tempo para relaxar porque eu estou sempre pensando no que
estou fazendo.
— Neurotípicos são as pessoas que não possuem Asperger?
— Sim. NTs. Quando era mais novo, costumava ficar tão distraído que
me esquecia de fazer coisas como tomar banho e escovar os dentes. Por isso é
importante manter o foco.
— É por isso que você sempre segue uma rotina?
— Sim. Quer dizer, não é que eu realmente precise dela — disse sem
jeito. — Não agora que sou um adulto e sei o que devo fazer. O problema é
que eu já me acostumei e me sinto perdido sem uma rotina. Fico mais
confortável com coisas ou situações com as quais já estou familiarizado. Eu
já tive Depressão por essa razão, e também sofria de Transtorno Obsessivo
Compulsivo. Na verdade, o TOC ainda é um problema, assim como a
Ansiedade, mas os remédios ajudam e Eoin e eu trabalhamos nessas coisas.
Eoin é o meu psicólogo.
Aidan se lembrou de sua adolescência. Dos momentos de solidão. De
querer tanto ser incluído e aceito. De buscar compreensão e encontrar
repúdio, simplesmente por ser diferente. Imaginou que com Conor devia ser o
mesmo. Sempre tratando de fazer o melhor e nunca sentindo que era
suficiente.
Moveu-se para o lado para estar mais próximo dele e o rapaz se afastou
sem nem tentar disfarçar. Sentou mais perto e, uma vez mais, Conor se
moveu.
— Por que você se afasta cada vez que eu me aproximo? — os ombros
murcharam, demonstrando certo desapontamento.
— Eu li que a distância apropriada para se manter de uma pessoa é de
no mínimo quarenta e cinco centímetros, do contrário, poderia estar
invadindo seu espaço pessoal. Invadir o espaço pessoal de uma pessoa pode
resultar em problemas muito sérios. Um deles é a acusação de Assédio.
Também pode...
— Conor!
— Sim?
— Eu não vou te acusar de assédio!
— Prefiro não arriscar.
Aidan teve que engolir a frustração. Sabia que não tinha como competir
com uma informação que Conor havia tirado de um livro. Impossível! Não.
Precisava ser mais inteligente se queria se aproximar daquele leitorzinho
lindo e evasivo. E não foi ele quem mencionou que as coisas precisavam de
lógica? Se lógica era o que Conor precisava... Lógica era o que ele teria. —
Você pode me fazer um favor?
— Claro.
— Ótimo. Por favor, invada meu espaço pessoal.
Uma expressão que ficava entre confusão e desconfiança se formou no
rosto do escritor. — Você está sendo sarcástico?
— Estou falando muito sério. Se permito que você se aproxime, a sua
regra de quarenta e cinco centímetros pode ser quebrada, não pode? Porque
eu estou permitindo.
— Bem, se você permite...
Boa jogada, Aidan. Felicitou a si mesmo. — Sim, permito.
— Ah... Bem... Então eu... — completamente perdido. — O que você
quer que eu faça mesmo?
— Sabe de uma coisa? Deixa comigo — tomou a mão de Conor entre
as suas e o rapaz deu um pulo de surpresa.
— Mas nós estamos em público!
— Não estamos fazendo nada de errado — Aidan o acalmou.
— A sociedade não vê bem a dois homens se tocando em público,
Aidan.
— Primeiro: que se dane a sociedade. Segundo: contanto que não
toquemos nenhum lugar inapropriado, estaremos bem — explicou
— Entendo. E com "lugar inapropriado" você se refere aos genitais, é
claro.
Aidan sentiu vontade de rir.
— Basicamente — acariciou a mão dele com suavidade. — Viu só?
Isso está bem, não está?
— Sim.
Deslizou os dedos pelos braços de Conor e foi subindo. Quando
acariciou seu pescoço, o rapaz fechou os olhos e Aidan continuou,
acariciando o rosto dele, sentindo a suavidade da pele. Aproximou os dedos
de sua boca e sentiu uma imensa vontade de tocá-la. Meu deus, aqueles lábios
imploravam para serem beijados! Pensou na noite em que se beijaram na
biblioteca. Uma urgência cresceu dentro do ruivo e acabou com qualquer
chance de resistência.
Diferente da primeira vez, Conor não se surpreendeu. Abriu a boca no
mesmo instante para receber a língua de Aidan e os dois se beijaram
lentamente. A mão de Aidan estava no rosto dele e o contato dava mais
doçura, mais intimidade ao beijo.
— Você me beijou — o escritor disse quando suas bocas se separaram.
— É. Eu beijei.
— Você disse que nós seríamos amigos. Os amigos não se beijam,
Aidan.
Aidan sorriu satisfeito. — Acho que não. Mas nós somos bons pra
caramba nesse negócio de nos beijar. Seria um pecado desperdiçar esse
talento.
— Eu também acho que nós somos muito bons nos beijando — Conor
concordou. Aidan adorava a sinceridade dele. Era como se algum tipo de
mágica o impedisse de mentir. — Talvez bons demais porque os amigos não
se beijam.
— A gente devia começar a moda.
— Sarcasmo?
Assentiu. Se deu conta de que tinha curiosidade sobre a vida amorosa
de Conor. Ele já havia dito que nunca teve um namorado, mas também
deixou claro que já se envolveu com pessoas por quem se sentia atraído.
Aidan sabia que toda essa história de sair e beijar era algo novo para ele e se
alegrava de ver que pelo menos não estava desconfortável. — Diz aí, você já
beijou muitas pessoas?
— Eu não diria que foram muitas. Mas, tenho certa experiência —
Conor informou.
— É mesmo?
— Fique sabendo que eu não só beijei como também mantive relações
sexuais com duas pessoas diferentes — anunciou como se estivesse se
gabando de um ato muito sujo.
— Nossa! — Aidan tinha consciência de que qualquer coisa que Conor
chamasse de “experiência” provavelmente estaria longe de ser o que ele
considerava como experiência e ainda assim, precisou de muito controle para
não rir. — Duas pessoas! Uau.
— E você?
— Quê? Eu o quê?
— Com quantas pessoas você teve relações sexuais?
— Ah... Eh... Eh... — Parabéns, Aidan! Por ser um idiota! Repreendeu
a si mesmo. Devia ter considerado que o rapaz se sentiria curioso sobre ele
também. Tarde demais! As enormes bolas azuis o encaravam esperando uma
resposta. — Você sabe qual é a altura deste penhasco? Se alguém
escorregasse, seria uma bela queda, não é? — a mudança de assunto havia
sido brusca. Sim. Mas era melhor que mentir.
— Você está evitando a minha pergunta de maneira deliberada.
— Evitando a sua pergunta? Não! Claro que não! Não mesmo! —
ótimo! Quando Aidan esperava que ele percebesse algo, não percebia, mas é
claro que Conor havia encontrado um ótimo momento para ser perspicaz!
— Então por que não me responde? Se não estivesse evitando a
pergunta, acho que já teria respondido...
— Talvez umas quinze. Tá legal? — soltou.
— Quinze?! Você fez sexo com quinze pessoas?!
— Bom, é um número aproximado.
Conor ficou em silêncio por um minuto e Aidan começou a se
perguntar se finalmente havia conseguido estragar tudo. Talvez tivesse
assustado o loirinho de tal maneira que ele se levantaria e iria embora a
qualquer momento.
— Aidan, você é o que os NTs chamam de "galinha"?
— Escute, eu... Quê?!
— Eu li, certa vez, que quando um homem mantém relações com um
número elevado de pessoas, pode ser considerado promíscuo, ou sua forma
coloquial que é galinha. Quinze é um número elevado e considerando que
você só tem vinte e oito anos... Bem, é uma conclusão óbvia.
— Não é não! Eu não sou um galinha!
— Você ficou bravo?
— Mas é claro que fiquei. Você não pode... Não pode dizer esse tipo de
coisa... Não!
— Desculpe — não parecia muito arrependido. — Não quis ofender —
era um pedido de desculpas meio robótico. Como se só estivesse se
desculpando porque sabia que era o correto a se fazer e não porque realmente
entendia o que havia feito de errado.
Aidan respirou fundo. — Tá. Eu sei que você não fala por mal. É que
ainda não cheguei a me acostumar com o seu excesso de sinceridade. Só pra
esclarecer, você diz isso por que te incomoda que eu tenha saído com várias
pessoas?
— Não vejo nenhuma razão para me sentir incomodado. Quer dizer,
não fui eu quem saiu com todos esses homens, foi você.
E a sinceridade ataca novamente! — Pra que conste, o meu problema é
que sempre procuro o amor nos lugares errados. Não é que eu seja um
Galinha. É que os caras com quem saí, não eram nada como você.
— Atraente e interessante?
Aidan sorriu ao ouvir Conor repetir as palavras que ele usou em seu
segundo encontro. — É. Mas você também é inocente e sincero. Sincero até
demais! Os homens que eu conheço, geralmente são uns egoístas mentirosos
que só querem me usar.
— Então você procura nos lugares errados, mesmo.
— Não desta vez, você é diferente.
— Verdade. Eu não sou um egoísta mentiroso.
Não. Ele não era. Deixou de observar ao mar e preferiu observar ao
homem ao seu lado. O cabelo dele tinha tanto gel que o vento não o movia.
As bochechas estavam um pouco vermelhas pelo sol e ele parecia fora de
lugar ali. Como um personagem de livro contemporâneo que havia sido
enviado sem querer a um mundo de fantasia. Conor era o homem mais doce e
honesto que Aidan conhecera. Sabia no fundo de seu coração. — Quem
chegar ao final da trilha por último é a mulher do padre! — anunciou
levantando-se e correndo.
— Não. Espere, Aidan! Não devemos correr na trilha! E eu não corro!
— gritou.
— Vai ter que correr se quiser me alcançar!
— Aidan, não me deixe aqui sozinho. Há insetos. Eu morro de medo de
insetos!
— Vem logo!
— Eu ouvi um barulho! — sua voz saiu amedrontada. — Acho que é
um animal selvagem!
— Não há animais selvagens em Howth, seu tonto!
— Aidan, espere! Está bem, vou correr. Estou correndo, espere!
Aidan passava cada vez mais tempo com Conor. Normalmente, ele e
Aisling se revezavam para que um dos dois sempre estivesse no pub. Havia
ido vê-lo três vezes na última semana. Os dois sempre jogavam xadrez ou
conversavam sobre algum livro que ambos tinham lido.
Sentia-se mais e mais próximo dele e nos dias em que não o via, mal
podia conter a vontade de pegar o carro e dirigir até Howth depois de fechar o
pub, à meia noite. Infelizmente, a rotina de Conor incluía estar na cama às
onze em ponto.
Era impossível deixar o trabalho no fim de semana, quando estavam
mais ocupados, o que significava que ele não havia estado com Conor por
dois longos dias. Dirigiu os quarenta minutos habituais para chegar à casa de
porta vermelha em estilo Georgiano e estacionou atrás do carro de Rosie.
Estranhou que Rosie ainda estivesse lá. Ela sempre ia embora antes da uma
da tarde.
Enquanto caminhava até a porta, foi tomado por uma ligeira sensação
de alerta. Tocou a campainha como de costume e Conor não atendeu. Ouviu
vozes dentro da casa.
Tocou uma vez mais e nada.
Descobriu que a porta não estava trancada e entrou. Rosie estava saindo
do escritório e passou por ele sem dizer olá. Foi direto para a cozinha e Aidan
foi atrás dela. Começou a achar que algo andava mal. — Rosie, tá tudo bem?
Cadê o Conor?
Ela abriu uma caixa de metal que retirou do armário e, de dentro, tirou
uma seringa e um pequeno frasco de vidro. — Ele está tendo uma crise.
— Uma crise?
Foi correndo para o escritório e encontrou Conor no sofá. Ele estava
sentado, abraçando as duas pernas. Movia o tronco para frente e para trás e
seus olhos estavam abertos, mas não olhavam realmente para lugar nenhum.
Era como se ele estivesse ali e ao mesmo tempo não estivesse.
A senhora Healy estava sentada no chão na frente dele com um ar
cansado. Aidan se ajoelhou ao lado dela.
— O que está acontecendo com ele?
— Eu não sei — ela tinha um olhar triste. — Não sei qual é o problema
desta vez.
Aidan começou a esticar a mão para tocá-lo.
— É melhor não fazer isso — recomendou Rosie, entrando no
escritório. — Ele fica pior se o tocamos.
A garota segurava a seringa que já estava pronta com um líquido
amarelo. Ajoelhou-se ao lado de Aidan e se preparou para aplicar o remédio.
— O que é isso?
— Um calmante. Vai fazê-lo dormir.
— Se ele dormir não vamos saber por que está assim.
— Não saberemos de qualquer forma, Aidan. Ele não fala quando tem
as crises e pode ficar desse jeito por horas.
— É melhor aplicar o calmante e deixá-lo descansar — a senhora
Healy repuxou os lábios, conformada.
Rosie aplicou a injeção no braço de Conor e ele nem sequer mudou de
expressão. Continuou com o movimento para frente e para trás, ignorando
tudo ao redor dele.
— Agora é só esperar fazer efeito — disse Rosie.
Aquilo cortou o coração de Aidan. Eles não estavam colocando um
animal para dormir, pelo amor de Deus! Havia algo de errado com o rapaz e
eles nem sabiam o que era. — Eu não posso ficar aqui assistindo isso. Deve
haver uma razão para que ele esteja tendo essa crise. Não devíamos estar
tentando descobrir por quê?
— Eu entendo a sua frustração, mas não há nada que fazer — Rosie
explicou. — Podemos perguntar o que aconteceu quando ele estiver se
sentindo melhor.
A senhora Healy apenas olhava para o filho com impotência marcada
no rosto.
— Ele normalmente fica assim por algum motivo? — Aidan tentou. —
Acontece do nada?
— Acontece quando ele fica ansioso. Quase sempre em situações com
as quais não sabe lidar — Rosie explicou. — Quando fica muito surpreso,
triste ou com medo. Conor não reage bem a mudanças.
Para as duas, aquilo parecia ser recorrente, mas Aidan não conseguia
ficar parado vendo-o sofrer. Porque a crise significava que ele estava
sofrendo, não significava? Levantou-se e começou a dar voltas pelo
escritório, que era a única coisa que ele podia fazer e sem dúvidas não era
suficiente. Cada vez que olhava para Conor sentia uma pontada no peito.
O escritório era ocupado por uma mesa de madeira adornada, estilo
céltico. Atrás dela, outra parede coberta por uma estante cheia de livros e à
sua direita, um pequeno sofá marrom claro de dois lugares; naquele momento
ocupado pelo escritor, ainda em seu estado “distante”.
Vê-lo daquele jeito fazia com que Aidan sentisse vontade de quebrar
alguma coisa. Conor continuava se movendo e havia permanecido na mesma
posição por vários minutos. Caminhava pelo escritório, completamente
impotente e estranhou ver uma mancha preta no chão, próxima à mesa. Uma
mancha preta no chão do imaculado escritório? Aproximou-se para ver
melhor e não se surpreendeu ao descobrir que não era uma mancha. Lógico
que não era! — Uma aranha! — as duas mulheres o olharam assustadas. —
Há uma aranha aqui!
— Uma aranha? Onde? — a senhora Healy se admirou.
— Bem aqui. Conor tem medo de insetos. Deve ser por isso que está
alterado.
Rosie se levantou e a senhora Healy ficou observando atônita enquanto
ele arrancava duas folhas do bloco de notas na mesa e as usava para recolher
a aranha e levá-la para fora da casa. Voltou correndo e se ajoelhou na frente
do rapaz.
— Conor, ela não está mais aqui — disse quase sussurrando. — Eu
levei a aranha pra fora. Já não há nada aqui. Está tudo bem. Você vai ficar
bem — era difícil não sentir a necessidade de protegê-lo. Naquele momento,
ele parecia mais frágil do que nunca.
Aidan pensou que jamais queria voltar a vê-lo daquele jeito distante.
Não queria que Conor sofresse outra vez. Nunca mais. E se dependesse dele,
não sofreria.
Conor abriu a porta e saiu andando sem dizer olá. Era a maneira dele de
demonstrar que já estava mais que acostumado com as visitas e se sentia
muito à vontade com Aidan em sua casa. Ele o seguiu até a cozinha.
— Eu fiz chá de camomila. Você gosta? A camomila tem propriedades
que combatem as infecções e também é um calmante natural.
— Não, obrigado. Estou bem — não tinha vontade de tomar nada. Seu
estômago estava embrulhado e ele dirigiu o caminho todo sentindo náuseas.
— Conor, nós precisamos conversar...
— Toma. Antes que eu me esqueça — ele retirou um chaveiro do
bolso. Liberou uma das chaves e a entregou a Aidan.
— O que é isso?
— Uma chave, é claro — Conor respondeu com desdém. Abriu o
armário e retirou uma xícara.
— Estou vendo que é uma chave, mas é a chave de onde?
— Da porta da frente. Para que eu não tenha que ir abrir a porta cada
vez que você chegar. Assim fica mais fácil.
Aidan sentiu o estômago afundar.
— Rosie e minha mãe também têm uma cópia — o dono da casa
continuou. — Devo dá-la apenas para pessoas de confiança. Você é de
confiança, então pode ficar com uma. Estava pensando em preparar uma sopa
de legumes, o que você acha?
— Acho... Eh, sim, está bem.
Sentou-se junto à ilha e observou Conor beber o chá enquanto retirava
alguns vegetais da geladeira. Ele sempre soprava o chá antes de beber. Não
gostava que estivesse muito quente. Era uma das coisas que Aidan havia
aprendido sobre o rapaz. Uma das muitas coisas que havia estado aprendendo
sobre Conor nas últimas semanas. Como o fato de que ele sempre cheirava
um livro antes de abri-lo, ou como ria quando as grandes pernas de Aidan
tocavam as dele por debaixo da mesa porque sentia cosquinhas.
Dizer o que havia ido dizer ficava cada vez mais difícil e Aidan decidiu
que o melhor era colocar para fora de uma vez.
— Conor?
— Sim? — ele falou enquanto descascava uma cenoura.
— Eh... Obrigado pela chave, mas... Acho que não vai ser necessário
— ouviu a própria voz sair áspera.
Conor tomou outro gole de chá e depositou o descascador na pia. —
Por quê?
— Porque eu vou ter que deixar de vir aqui por um tempo — haver
ensaiado o que ia dizer não ajudou em nada. Era como se suas palavras
fossem navalhas que cortavam e machucavam cada vez que saíam. — As
coisas estão indo bem no pub e eu preciso me dedicar mais ao trabalho.
— Neste caso, posso ir ver você nos fins de semana — ele parou o que
estava fazendo e finalmente transferiu a atenção à Aidan. — Talvez aos
domingos, porque almoço com meus pais aos sábados. Você sabe.
Aidan sentiu ainda mais dor. Tinha de prosseguir com cautela. Queria
causar o mínimo de dano possível em Conor.
— Você não vai gostar de ir ao pub. Muita gente e barulho.
— É. Eu não gosto mesmo de lugares cheios de gente e barulho. Mas se
você não vier aqui e eu não for ao seu pub, quando nos veremos?
— Eu acho que não nos veremos por um tempo.
Abaixou a cabeça. Não podia sequer olhar para ele. Mesmo sabendo
que Conor não era dos mais expressivos, Aidan sentia que ia desabar se visse
o rosto dele naquele momento.
— Por quanto tempo?
— Eu não sei — no final, não aguentou e acabou levantando a vista.
Parecia que algo estava fazendo clique na cabeça de Conor. Uma
expressão de dor apareceu quando ele finalmente começou a entender o que
estava acontecendo. — Eu fiz algo de errado? Você está bravo comigo?
Aquilo fez com que o coração de Aidan se quebrasse em mil pedaços.
Ele não queria dizer aquelas coisas. Havia ensaiado toda a cena no caminho a
Howth e naquele momento, ao ver o rosto de Conor, se sentiu um covarde.
Mas e se Gemma tivesse razão? E se ele, mesmo sem querer, terminasse
destruindo ao único homem verdadeiramente bom e honesto que conhecera?
— Não! Você não fez nada de errado. Só acho que nós estamos indo
rápido demais e precisamos ficar afastados por um tempo. Não é culpa sua, o
problema sou eu.
Conor o encarava. O olhar dele dizia com todas as letras que estava
machucado. — Por mais que tente, não consigo ser normal. Sempre termino
fazendo algo errado.
— Não diga isso. Você não fez nada de errado — o ruivo tentou
explicar, mas já era tarde demais.
Conor saiu correndo da cozinha.
— Conor! Espere, vamos conversar! — o seguiu. O rapaz entrou no
banheiro e fechou a porta. Aidan ouviu o barulho do trinco sendo travado do
lado de dentro. — Conor, por favor! Saia daí. Vamos conversar.
— Conversar sobre o quê? Sobre você não querer mais ser meu amigo?
Não precisa dizer nada. Eu sabia que cedo ou tarde aconteceria. É melhor
você ir embora.
— Eu não vou embora. Não até você sair daí e falar comigo.
Nada.
Seu celular começou a tocar e Aidan atendeu apenas porque queria que
o ruído cessasse. — Alô.
— Você se lembrou de pagar aquela conta? — a voz de Aisling falou.
— Já está em Howth?
— Sim, eu já estou na casa do Conor. E não, não paguei a conta.
Desculpe. Você pode fazer isso?
— Tá. Deixa que eu pago. O que você tem? Aconteceu alguma coisa?
Claro que Aisling percebeu algo de errado em seu tom de voz.
Caminhou de volta para a cozinha. — Aconteceu que eu acho que terminei
com ele. Quer dizer, não tenho certeza porque ele se trancou no banheiro.
— O que houve? Pensei que você gostasse dele.
— Eu gosto. Gosto muito — respirou fundo. — Eu te falei que a mãe
dele foi ao pub, não falei?
— É, eu lembro.
— Ela disse umas coisas.
— Que coisas?
— Coisas que me fizeram pensar no que estou fazendo. Ele é Autista,
Aisling. Nunca poderíamos ter uma relação normal. E se eu acabar fazendo
mal a ele? Nunca devia ter começado isso. Eu sou horrível! — cobriu o rosto
com a mão.
— Olha, não sou nenhuma especialista em relacionamentos e muito
menos em autismo, mas conheço você. E desde que conheceu o Conor, você
tem estado tão feliz.
— Sei disso, mas...
— Sei lá, você sempre conhece esses caras idiotas que acabam te
decepcionando. É natural que esteja com medo.
Lógico que Aisling tinha razão. Acertou no alvo uma vez mais. O
problema era que estava com medo. Por ele mesmo; por Conor; por tudo.
Aquela era a primeira vez em que não só existia a possibilidade de que saísse
ferido, como também podia acabar rompendo o coração de Conor e era uma
premissa assustadora.
— Não é você quem diz que devo parar de pensar que cada homem que
conheço pode ser o amor da minha vida?
— Eu não sei por que você ainda presta atenção ao que eu digo —
Aisling reclamou. — Todos os meus relacionamentos são um lixo!
Aidan sorriu por dentro. Perguntou-se por que não havia tomado um
tempo para conversar com a irmã sobre o tema. Falar com ela sobre as coisas
que o atormentavam sempre ajudava. — Então o que você acha que eu devia
fazer?
— Por que você não tenta ser sincero com ele? Das duas, uma: ou ele
vai te achar um imbecil e terminar tudo de uma vez, ou vocês podem
conversar e resolver o problema. Você sabia que a comunicação é muito
subestimada? Além do mais, eu acho que você também está subestimando o
Conor. É claro que a mãe dele se preocupa, mas ela é a mãe dele.
Pensou nas palavras de Gemma. Ela havia cuidado do filho a vida toda
e nunca deixaria de se preocupar. Lembrou-se da crise com a aranha, da
impotência no rosto dela e da forma como Rosie teve que recordá-la de que
Conor era um adulto.
— Quer saber? Eu te ligo mais tarde — Aidan disse sentindo uma
nova energia brotar dentro de si.
— Boa sorte.
Desligou o telefone. Cobriu o rosto com as mãos e considerou as
palavras da irmã. Ela tinha razão: precisava parar de subestimar Conor e
começar a ser sincero com ele. Gemma também estava certa, claro. Mas seu
filho era um adulto e inteligente o suficiente para tomar decisões sem a
interferência da mãe. Pelo menos, era o que Aidan acreditava ou queria
acreditar.
Foi até a porta do banheiro.
— Conor? Eu sei que você está me ouvindo e vou dizer umas coisas —
respirou reunindo coragem. Aquilo podia ir bem ou colapsar de vez. De
qualquer forma, qualquer uma das duas coisas era melhor que simplesmente
desistir. — A verdade é que estou morrendo de medo. Você não é como a
maioria das pessoas e tenho medo de fazer tudo errado e romper seu coração.
Por outro lado, o fato de você ser diferente me faz gostar ainda mais de você
e isso também me assusta porque eu nunca gostei tanto de alguém — fez uma
pequena pausa e encostou o ouvido na porta. Ouviu passos. Conor se
aproximou da porta também.
— Basicamente, o que estou tentando dizer — continuou. — É que sou
um grandessíssimo idiota e que apesar de estar cheio de dúvidas, tenho
certeza de uma coisa: estou apaixonado por você. Sei que faz pouco tempo
que a gente se conhece e que todos os fatores estão em contra, mas sei lá. É
isso.
O trinco da porta se moveu e um par de olhos azuis apareceu por uma
fresta.
— O que acha que devemos fazer? — Aidan perguntou a ele.
Conor abriu a porta devagar. — Não sei. Também estou com medo.
— Acho que as coisas na vida que realmente valem a pena, sempre
geram dúvidas e despertam medo. Você não acha?
— O medo... — Conor começou a dizer saindo do banheiro. — É uma
reação de autodefesa do nosso corpo. A mente cria o medo para nos proteger
de coisas ou situações potencialmente perigosas. É natural sentir medo, mas
muitas vezes, ele é irracional. Não devemos permitir que ele nos controle,
quando somos nós que devemos controlá-lo.
Aidan respirou aliviado. As palavras de Conor soaram como algo saído
de um livro, o que no caso dele, significava que estava bem. Estava tudo
bem.
— No dia em que aquela aranha apareceu no meu escritório... — Conor
prosseguiu. — Você me disse que todos têm medo de algo.
— E todos têm.
— Concordo. Só que agora nós dois estamos com medo da mesma
coisa. O que significa que podemos enfrentá-lo juntos.
Como não amar esse homem? Aidan pensou. Aisling tinha toda a
razão. Ele vinha subestimando Conor o tempo todo. Os dois podiam terminar
mal. Era um risco que os dois estavam correndo. A vida se tratava disso,
afinal de contas; Arriscar e esperar que as coisas dessem certo.
— Você não acha? — Conor falou com expectativa.
— Acho — o tomou pela cintura, o abraçou forte e o beijou. Conor
retribuiu o beijo e deixou que o ruivo o encostasse contra a parede. O cheiro
de shampoo e sabonete dele entrava pelas narinas de Aidan e mexia com seus
sentidos. Perderam completamente a noção de tempo e espaço e por um
momento não havia nada além dos dois.
— Vamos para o quarto — sussurrou dentro da boca dele.
Conor nem respondeu. Tomou sua mão e o conduziu ao segundo andar.
Uma vez no destino, o jovem violinista segurou o rosto do outro com as
duas mãos e se certificou de que o rapaz estivesse olhando dentro de seus
olhos.
— Preste atenção. Isso não será mecânico. Esqueça tudo o que você
sabe sobre sexo porque comigo, você vai fazer amor. Entendeu?
— Entendi.
Aidan entrelaçou os dedos nos cachos do cabelo de Conor e contornou
o pescoço dele com os lábios. Sentiu o corpo dele tremer ligeiramente.
— Você sabia... — Conor começou a dizer com a respiração cortada.
— ...que na Grécia Antiga...
— Shhhh. Este momento não é para falar. É para sentir. O quê você
quer sentir?
— Já estou sentindo muitas coisas — Conor confessou.
— Ótimo.
Aidan foi recebido por uma garota bonita com o cabelo amarrado em
rabo de cavalo e um enorme sorriso. — Olá. Seja bem-vindo!
— Oi, você deve ser a Abby. Conversamos por telefone.
— Sim, claro! Aidan, não é?
Assentiu.
— Por que você não se senta? — Abby disse indicando o sofá. — O
doutor irá chamá-lo em uns minutos. Você gostaria de um chá? Ou talvez
café?
— Não, obrigado. Estou bem assim.
A pequena recepção do consultório do doutor Eoin Murphy tinha uma
decoração simples. Havia iluminação suficiente, mas não era forte. Aidan se
sentou e olhou ao redor percebendo que tudo estava muito limpo. O piso de
tábua corrida brilhava e não havia sequer uma partícula de pó nos móveis.
Três sofás cinza, encostados nas paredes, que contribuíam para a falta de cor
do lugar e a pequena mesa de centro que estava coberta de folhetos sobre
Autismo. Estava escolhendo alguns para levar quando a porta do consultório
se abriu.
Dois homens saíram e um deles lhe lançou um olhar desconfiado.
— Até semana que vêm, Ollie — disse o outro.
Ollie saiu rapidamente sem dizer adeus. O homem que ficou se voltou a
Aidan. Ele era magro e calvo e usava um par de óculos com armação preta.
— Olá. Você é o meu paciente das dez?
Levantou-se desajeitado. — Ah, sim. Bom. Não exatamente — ficava
dizendo a si mesmo que não estava fazendo nada de errado, mas estar lá sem
que Conor soubesse o fazia sentir como se estivesse cometendo uma traição.
— Sou Aidan O’Sullivan. Falei com sua secretária pelo telefone ontem.
— Sim, claro — Doutor Murphy estendeu a mão, sorridente. — Você
mencionou que queria informações sobre a Síndrome de Asperger, correto?
— Isso mesmo.
— Vamos conversar, então.
O psicólogo o conduziu ao consultório que era como uma extensão da
recepção. A mesa ficava próxima da janela e no centro da sala, duas poltronas
cinza parecidas com os sofás da outra sala. Ali também, tudo era muito limpo
e arejado.
— Sente-se, por favor.
Aidan ocupou uma das poltronas e o Doutor sentou-se em frente a ele.
O observou atentamente antes de começar a falar.
— É um prazer conhecê-lo em pessoa, Aidan. Conor não me avisou
que você viria.
Aquilo com certeza o pegou de surpresa. Sua intenção era chegar
incógnito. Não previu que o médico fosse desvendá-lo em menos de um
minuto. Sentiu o rosto esquentar.
— Ah... Eh... — não sabia o que fazer com as mãos e terminou
cruzando os braços. — Ele fala de mim?
— Muito. Foi fácil saber que era você por causa do jeito como o
descreveu.
— Claro. Se tem uma coisa que Conor sabe fazer é descrever. Não é?
O médico riu.
— Fiquei feliz quando ele falou de você pela primeira vez. Significa
que está muito interessado. E considerando que as pessoas pelas quais o
Conor se interessa são fictícias ou já estão mortas, você deve ser bastante
importante.
Aidan não pôde deixar de sentir prazer ao ouvir aquilo.
— Eu perguntaria o que trás você aqui, mas tenho certeza de que tem
tido problemas para lidar com o Conor, não é assim?
— Sim. Quer dizer... Não chamaria de problemas. Algumas
dificuldades técnicas, digamos?
— E foi ele quem pediu que você viesse?
— Bem, na verdade não — disse sem jeito. — A mãe do Conor
mencionou o seu nome e eu achei que seria uma boa ideia vir aqui para
conhecê-lo e tirar algumas das minhas dúvidas com relação à Síndrome de
Asperger.
— Sei. Eu posso ajudá-lo com isso, é lógico, mas não posso entrar em
detalhes sobre o tratamento do Conor.
— Claro! Eu entendo — apressou-se em dizer. — Não tenho a mínima
intenção de ser indiscreto. Eu não vim para falar do Conor, o que eu quero
mesmo é entender a Síndrome. Sinto que se entender melhor a Síndrome de
Asperger, posso entender melhor ao Conor. Isso faz sentido?
— Faz todo o sentido! Neste caso, ficarei feliz em ajudar. O que você
quer saber?
Aidan sentiu o rosto esquentar uma vez mais. — Basicamente tudo.
O Doutor Murphy abriu um sorriso compreensivo.
— Certo. Então desde o princípio, tudo começou quando o médico
austríaco, um psiquiatra chamado Hans Asperger começou a estudar um
grupo de crianças autistas que não se encaixava muito bem nos padrões dos
Autistas clássicos. Essas crianças não mostravam nenhum atraso no nível
cognitivo e não tinham problemas para desenvolver a fala, como as outras.
Elas aprendiam a falar muito cedo e de maneira tão eloquente que Asperger
os apelidou de "pequenos professores". Mais tarde, a Síndrome de Asperger
foi adicionada ao manual de medicina como um Distúrbio Neurológico no
Espectro do Autismo. Estes são apenas detalhes técnicos. — Ele continuou.
— Tenho informações que podem ajudá-lo a compreender o caso específico
do Conor. Porém, só vou compartilhá-las com você se me prometer que vai
contar a ele que esteve aqui. Caso contrário, seria uma invasão de
privacidade.
— Sim. Claro. Não se preocupe.
— Muito bem — o médico ajeitou os óculos e prosseguiu. — Os
Aspies costumam ter problemas em duas áreas. A primeira é a da
comunicação e interação social e esses problemas se manifestam como
dificuldade de fazer contato visual, dificuldade para entender linguagem não
verbal. Você já deve ter notado que o Conor não percebe quando você faz
uma piada ou utiliza uma expressão metafórica.
— Sim, ele sempre me pergunta se estou sendo sarcástico.
— Sim. Exato. Ele entende as coisas de maneira muito literal. Se você
disser a um Aspie algo como “botar a boca no trombone”, por exemplo, ele
vai entender isso como o ato literal de pôr a boca em um trombone. Claro que
também devemos considerar que tudo é muito relativo porque as pessoas
sempre são diferentes umas das outras e os problemas também dependem do
nível de autismo. Conor, por exemplo, conhece muitas das expressões e gírias
porque as estudou e decorou no transcurso dos anos, mas às vezes, ainda
sente um pouco de dificuldade de entender certas coisas. Ele não tem muitos
amigos justamente porque sempre acha que saber quais são as coisas
socialmente aceitáveis é um grande desafio. Aprendeu como se comportar
observando o comportamento das outras pessoas e estudando, já que os
Aspies entendem padrões. O que parece óbvio para nós, não é nada óbvio
para eles se não há um padrão ou um porquê.
— “Lógica” — Aidan citou. — É algo que o Conor diz. Que tudo
precisa de lógica para que ele possa compreender.
— Sim. Você já está entendendo. Agora, a segunda área problemática é
a área da imaginação. Não entenda mal porque no caso dos Aspies, quando
dizemos “falta de imaginação” não nos referimos à criatividade que nós dois
sabemos que o Conor tem de sobra, não é? — lançou uma piscadinha. — O
problema na imaginação se refere a não ter a habilidade de adaptar-se a
acontecimentos inesperados ou prever acontecimentos futuros.
— Acho que sei do que o senhor está falando. Ele não gosta de visitas
inesperadas e não faz nada além do planejado.
— Sim, isso mesmo. Conor fica perdido sem uma rotina rígida e em
situações inusuais, se sente mal porque não sabe como reagir. Nós, muitas
vezes, agimos por instinto ou fazemos o que nos pareça mais natural. Para os
Aspies não funciona assim. Como você mesmo disse, eles precisam de
lógica. Apenas lembre-se que Conor não gosta de surpresas e você estará bem
— o Doutor disse sorrindo.
— Certo.
— Outra dica é ter em mente que Conor que se sente mais confortável
com a comunicação verbal e por isso você precisa ser muito específico
quando se dirigir a ele. Nada de metáforas, linguagem corporal ou expressão
facial. Se quiser que saiba de algo, diga. De maneira clara e objetiva. O
garoto pode não saber o que você está pensando ou sentindo se não disser
nada.
— Está bem. Eu entendi.
A cabeça de Aidan dava voltas. Parecia que teria coisas demais para
lembrar. Não estava seguro de que conseguiria lidar com tudo aquilo.
— Sei que parece muito complicado — disse o psicólogo lendo seus
pensamentos. — Mas não é tão difícil assim. Eu posso ajudá-los. E também
posso sugerir alguns grupos de apoio para casais.
— Eu agradeço, mas acho que nós ainda não chegamos a esse ponto.
— Claro — assentiu. — Você tem alguma pergunta?
Aidan pensou por um minuto.
— Sim. Conor não gosta de ruído. Não curte festas e lugares públicos.
Isso tem a ver com a Síndrome?
— Tem sim, Aidan. A hipersensibilidade sensorial é muito frequente
nos Aspies. Conor é afetado por ruídos altos e luzes muito fortes.
— Sei.
— Algo mais?
— Não. Acho que isso é tudo. Se bem que eu adoraria dizer que fico
feliz por ter vindo, mas a verdade é que fiquei mais confuso ainda.
O Doutor riu.
— Eu imagino. Com o tempo você verá que não é tão ruim quanto
parece. Pense assim: uma pessoa com Síndrome de Asperger muitas vezes se
sente como um ser humano que vai de visita a outro planeta; mesmo que ele
aprenda o idioma e observe o comportamento dos habitantes do lugar, sempre
será óbvio que não nasceu lá. Se você entender isso, poderá entender um
pouquinho as dificuldades que Conor enfrenta em seu dia a dia.
Considerando, também, que vocês ainda estão se conhecendo e ainda têm
muito que aprender um sobre o outro. Pode voltar sempre que tiver dúvidas.
— É. Eu tenho certeza de que vou voltar.
— Lembre-se, Aidan, uma relação se constrói pouco a pouco e exige
esforço de ambas as partes. Seja paciente e tudo vai dar certo.
Aidan assentiu e se lembrou de um detalhe. — Se o senhor não se
importa, eu prefiro que a mãe do Conor não saiba que eu estive aqui — pediu
sentindo o rosto esquentar pela milésima vez.
— Você não se dá bem com a Gemma?
Aidan deu de ombros. — Ela não está muito a favor da nossa relação. E
eu entendo, porque eu nem sei se devia ter me envolvido com ele.
— Por que diz isso? — o doutor falou franzindo a testa.
— Eu fico sentindo que vou estragar tudo a qualquer momento. Tenho
medo de que esse namoro seja ruim para o Conor.
— Todas as relações humanas são complicadas. Você precisa entender
a Gemma. Conor é seu único filho e ela vive para cuidar dele. É natural que
uma mãe se preocupe, mas acredite quando eu digo que Conor é muito mais
forte do que você pensa. Passou a vida toda tendo que se adaptar. Agora está
enfrentando as mesmas dúvidas que você enfrenta porque também não sabe
como lidar com você.
— Eu sei. Ele me disse que nunca teve um namorado.
— Sim. E não é só isso. Qualquer mudança que Conor faça na vida
dele, por menor que seja, é um enorme passo. Você trouxe grandes mudanças
e isso é ótimo porque o força a sair da rotina e deixar de se conformar.
Porém, é um território novo para o garoto. É lógico que isso vai gerar
ansiedade. Assim como também é perfeitamente normal que você se sinta
ansioso.
— Sim — Aidan admitiu sem nem precisar pensar. — Eu fico com
medo porque quero muito fazer com que dê certo. Muito mesmo.
— Então faça.
Rosie entrou com a chave que possuía há anos. Como sempre, tentou
não fazer barulho já que Conor necessitava silêncio para trabalhar e mesmo
um pequeno ruído atrapalhava sua concentração.
Estranhou ver que a porta do escritório estava aberta. Seu relógio de
pulso marcava nove e quatro da manhã. Ele já deveria estar escrevendo.
Nunca se atrasava.
Caminhou até lá e viu que estava vazio; Nenhum sinal dele. — Conor?
— buscou na cozinha, na sala. Nada.
Foi ao segundo andar. O amigo sempre seguia a mesma rotina. Se ele
não estava trabalhando, significava que havia acontecido algo de errado.
Abriu a porta da biblioteca. — Oi? — também não estava lá.
Talvez ele estivesse doente. Muito doente, porque só uma doença grave
o impediria de escrever.
O encontrou no quarto. Ele estava sentado no chão com as costas
apoiadas na cama; os olhos vermelhos e inchados.
— O que aconteceu? — sentou no chão ao lado dele.
— Pensei que estava fazendo tudo certo — falou com a voz cortada.
— Realmente achei que tudo ia bem. Aidan disse que sou um egoísta. Não
entendo, Rosie. Eu leio livros e busco informação, mas nunca é suficiente.
Todos terminam cansados e frustrados comigo.
Rosie sentiu uma pontada no peito.
— Talvez ele só precise de um tempo para pensar.
— Me esforço tanto para ser normal. Por que não consigo?
— Ai, querido. Não diga isso. Você é...
— Único? Especial? Você e a minha mãe vivem dizendo isso. Que sou
um ser único e especial e que Deus me fez diferente por uma razão, mas isso
não é o que sinto. Para mim, tudo é tão difícil.
As lágrimas começaram a rolar pelo rosto dele. Rosie sentiu vontade de
acariciar seu cabelo, mas sabia que ele não gostava de ser tocado;
especialmente quando estava em um momento difícil.
— Ninguém nunca me amará. Todos se cansam de mim — ele disse
entre soluços.
— Não, isso não é verdade. Eu te amo. E não me canso de você.
— Mas é claro que sim. Seu marido me odeia porque você cuida de
mim como se eu fosse um garotinho e passa mais tempo comigo que com ele.
— Conor, não é assim...
— Não diga que não é verdade porque os ouvi conversando outro dia.
Joseph disse “Você passa muito tempo aqui!” e você respondeu “É o meu
trabalho.” E ele disse “Não é só o trabalho. Você fica cuidando dele como se
ele fosse um garotinho. E eu, Rosie? Não mereço um pouco de atenção?
Onde me encaixo nessa história?”.
Rosie ficou um pouco desconcertada. Nunca havia podido competir
com o poder da memória de Conor. — O Joseph não te odeia. Só é difícil
para ele entender algumas coisas. E a verdade é que às vezes eu me canso,
sim — disse com cuidado. — O problema é que muitas vezes sinto que estou
dando tudo de mim e parece que você não liga. Sei que não é culpa sua, que
não percebe, mas não é fácil dar carinho a alguém e sentir que não está
recebendo esse carinho de volta. E então você faz algo bonito e eu mudo de
ideia. Como... Se lembra da época em que eu fui estudar em Londres?
— Sim — ele respondeu secando o rosto com as mãos.
— Você me ligava todos os dias para dar um discurso sobre os perigos
da influência do álcool nas jovens universitárias. Lembra?
— Li vários artigos sobre esse tema.
— Pois é. E no começo eu ficava aborrecida, mas só até perceber que
aquela era a sua maneira de demonstrar que se importava comigo. Se não
tivesse agido daquela forma, quem sabe, talvez hoje nós nem fôssemos mais
amigos. Mas nós somos, porque da sua maneira, me mostrou que me amava
— ajoelhou-se na frente dele. — Às vezes, quando gostamos de verdade de
alguém, nos parece tão óbvio que não há como essa pessoa não notar. Como
não perceberia um sentimento tão grande, não é mesmo? Só que ela nem
sempre percebe. Talvez o que precise fazer agora é lutar pelo Aidan. Fazer
algo que mostre a ele que você se importa.
Conor ficou pensativo por alguns segundos.
— O que acha que devo fazer?
— Bom, isso depende. Vocês brigaram por alguma razão específica?
— Ele ficou bravo porque o pai dele morreu e eu não sabia o que dizer.
— Quê?! O pai do Aidan morreu?
— Sim.
— E o que você fez?
— Nada.
Rosie pôs a mão na testa e soltou um gemido. — Com razão está
chateado.
— Na verdade não existe uma razão. Ele era um homem horrível. O
expulsou de casa e disse que preferia que o filho estivesse morto. Aidan disse
que o amava e ficou bravo porque eu não disse nada. Não sabia o que dizer
porque se o pai dele era mau e morreu, Aidan não tinha razão para estar triste;
ou para amá-lo. Porque não faz sentido amar a uma pessoa má. Não amamos
às pessoas más.
— Ai! — aquilo era típico de Conor. Entendia tudo de maneira literal e
para ele, tudo devia possuir uma razão. — Escute, quando amamos alguém,
não amamos essa pessoa pelo que esperamos que ela seja, a amamos pelo que
ela é. Com todos os defeitos.
— Mesmo que essa pessoa seja má? Isso não faz sentido. Deve haver
pelo menos uma boa razão para amar alguém.
— Bom, eu tenho certeza de que Aidan desejava que o pai dele fosse
diferente, mas o amava mesmo assim porque embora o homem tenha agido
mal, continuava sendo pai dele. Agora ele precisa do seu apoio porque está
triste.
— Mas...
— Não importa se o pai dele era bom ou não. O que importa é que
Aidan precisa de você. O seu objetivo não é resolver o problema dele, e sim,
estar ao seu lado enquanto se sentir mal porque às vezes as pessoas só
precisam de um abraço e que você diga que tudo vai ficar bem.
— Você quer dizer que devo ser solidário?
— Sim! Exato! — disse triunfante. Rosie já estava acostumada a ter
essas conversas com o rapaz. Por mais inteligente que ele fosse, fazê-lo
entender coisas relacionadas a emoções e sentimentos alheios, era sempre um
desafio. Conor era muito bom em descrever pessoas, mas era péssimo em
entendê-las. Ela se levantou em um movimento ágil. — Você tem que ir ao
enterro.
— Vou ter que chorar?
— Não, Conor. Você não precisa chorar.
— Sim, então irei — ele disse colocando-se de pé — leve-me a
Tipperary.
— Isso... O quê?! A Tipperary?!
— Sim, Tipperary. O pai do Aidan será enterrado lá. Vamos, você tem
que me levar agora — pediu dirigindo-se à porta.
— Não posso ir até Tipperary agora. E mesmo que pudesse, nós não
sabemos em que parte do Condado o Aidan está. Poderia ser qualquer lugar.
— Suponho que posso ligar para a Aisling e perguntar. Mas como vou
chegar lá a tempo?
— Boa pergunta! Não se preocupe. Daremos um jeito.
O sol brilhava forte. Era estranho porque Aidan não sentia que estava
em um cemitério. Parecia estar em um enorme jardim silencioso e cheio de
paz.
Estavam esperando pelo Padre. Assim como havia sido no velório,
todos passavam por eles e davam os pêsames, diziam o quanto sentiam. Os
que sabiam que ele não falava com o pai há anos apenas seguravam sua mão
e o encaravam com os olhos cheios de pena. Não estava seguro sobre a pena
ser dele ou do seu pai.
Já não importava, porque tanto o pai quanto aquelas pessoas
escolheram não ser parte de sua vida. Todos aqueles rostos que dez anos
antes lhe haviam despertado carinho e segurança, já não representavam nada
e ele já não era parte daquele lugar, daquela família. Era um peixe fora
d’agua ali.
Sabia que Aisling se sentia da mesma forma, porém a garota fazia um
esforço para não parecer tão incômoda. Segurava a mão da mãe deles e
tentava consolá-la da melhor maneira possível. Dirigiu a atenção à entrada do
cemitério e fez um gesto ao irmão para que ele fizesse o mesmo.
Conor estava parado no portão.
Aidan caminhou até ele sem acreditar no que estava vendo. Vestia um
terno negro e uma gravata azul que combinava com seus olhos.
— Oi, Aidan — ele disse com sua voz melodiosa.
— Oi, Garoto das Fadas.
— Como você está? — parecia incômodo e fora de lugar, mas aquele
era Conor. Ele sempre parecia incômodo e fora de lugar.
Respirou profundamente.
— Bom, o meu pai morreu e eu briguei com o meu namorado, assim
que posso dizer que já estive melhor.
Os dois ficaram em silêncio.
— Sabia que a razão pela qual nos vestimos de negro nos funerais é
porque os povos primitivos se pintavam de negro como camuflagem para que
o espírito do morto não invadisse seus corpos?
— É mesmo?
— Sim. Embora não tenha vindo até aqui para dizer isso. Vim para te
dar um abraço.
— Um abraço? — admirou-se.
Conor se aproximou e o envolveu em seus braços. Aidan apoiou o rosto
contra o dele e respirou forte tratando de absorver ao máximo àquele familiar
cheiro de sabonete. — Tudo vai ficar bem — sussurrou em seu ouvido e pela
primeira vez ele sentiu que era verdade.
— Obrigado por estar aqui — disse saindo dos braços do namorado. —
Significa muito para mim.
— Desculpe-me por ter sido um egoísta.
— Não quis dizer aquilo. Estava triste e descontei em você. Não é
culpa sua.
— Mesmo assim, prometo que vou prestar mais atenção em você.
— E eu prometo que vou ser mais compreensível — enxugou as
lágrimas. — Como chegou até aqui sozinho?
— Não vim sozinho — ele respondeu apontando ao carro.
Gemma abriu a janela e acenou. Em seguida, ela e Niall saíram do
carro e foram até eles.
— Olá, Aidan. Sinto muito, muito mesmo pela sua perda — disse
Gemma.
— Você sabe que pode contar com a gente para qualquer coisa que
precisar, não é? — Niall acrescentou.
— Agradeço que tenham vindo. E obrigado por trazê-lo — tomou a
mão de Conor.
Os quatro entraram juntos no cemitério. Niall e Gemma também
estavam de mãos dadas, mas apenas eles receberam olhares. Viu alguns de
seus parentes cochichando no ouvido de outros. Caras feias, gestos de horror.
Era impressionante ver que em pleno século vinte e um, em um país que já
havia aceitado o casamento de pessoas do mesmo gênero, ainda havia gente
que reagia daquela forma a dois homens entrando em um cemitério de mãos
dadas. Aisling foi a única que sorriu ao vê-los.
— É um tanto irônico que eu esteja aqui — Conor comentou
sussurrando
— Por quê?
— Porque o seu pai não queria que você fosse gay e sou a prova
inexorável de que você é.
Aidan não pôde evitar sorrir. Conor estava lá. Com o cabelo louro
cheio de gel, suas anedotas e sinceridade excessiva.
Já não era um peixe fora d’agua.
Aisling quis ficar mais tempo com a mãe deles. Seu irmão acabou
deixando o carro com ela e voltando a Dublin com os Healy.
Conor leu o caminho inteiro e Aidan dormiu com a cabeça apoiada no
ombro dele.
Eles foram direto para Howth, onde decidiu passar a noite depois de
Conor concordar em levá-lo para casa pela manhã.
Fizeram amor e ele lhe recitou um poema sobre tristeza e superação.
Mas a verdadeira prova de que o rapaz estava se esforçando, foi que na
manhã seguinte ele se levantou devagar e sussurrou em seu ouvido que podia
ficar mais tempo na cama se quisesse.
A cama estava quentinha e acolhedora demais para que Aidan
descartasse a opção. A preguiça falou mais alto e ele pegou no sono outra vez
depois que Conor terminou o banho, se vestiu e saiu do quarto, silencioso.
Quando por fim reuniu forças para sair da cama, já era quase meio dia.
Abriu uma gaveta e retirou uma das calças de pijama milimetricamente
dobradas, a vestiu e deixou o quarto se espreguiçando.
Chegou ao primeiro andar e caminhou descalço para a cozinha. Parou
no meio do caminho quando a porta do escritório se abriu. Um homem saiu e
o fitou de cima a baixo.
Outro homem! Será que algum dia deixaria de encontrar homens
desconhecidos naquela casa?
O homem abriu um sorrisinho malicioso.
— Você não me disse que tinha um bichinho de estimação novo.
— Ele não é meu bichinho de estimação — Conor apareceu na porta.
— É o meu namorado.
— Namorado? — o sorriso do homem se desvaneceu e se transformou
em uma expressão de pura surpresa.
— Sim — Conor respondeu saindo do escritório e parando ao lado dele
na entrada da cozinha. — Aidan O’Sullivan, meu namorado. Este é Stephen
McCullogh, meu editor.
Stephen se aproximou e estendeu a mão aproveitando para
esquadrinhá-lo com os olhos. — Prazer.
Tomou a mão dele.
— Você deve ser muito bom de cama — o editor ironizou.
— Eu sou.
Stephen lhe lançou outro sorrisinho e saiu andando em direção à porta.
— Volto amanhã na mesma hora e espero ver as mudanças que discutimos.
— Então não espere porque você não verá nenhuma — Conor
respondeu contrariado.
Stephen olhou para trás antes de abrir a porta, claramente irritado. —
Será que tudo sempre tem que ser uma discussão com você?
O escritor abriu a boca para dizer algo e Stephen o interrompeu.
— Alguma vez em todos os maravilhosos anos em que tenho sido seu
editor, disse ou fiz algo que te prejudicasse?
— Não.
— Exato. Então pare de agir como criança e faça a merda das
mudanças. São só algumas palavras, Conor. Amanhã.
Saiu fechando a porta atrás dele.
— Encantador.
— Sarcasmo? — Conor falou indo até a geladeira e retirando uma
garrafa de agua. — Ele é bem difícil, não é mesmo? Mas também é um ótimo
editor.
— É bom o bastante para que você aguente essa atitude?
— Ele não é sempre assim — comentou pensativo. — Acho que você
não o agrada.
— Você acha? — ironizou Aidan. Aproximou-se do rapaz e plantou
beijinhos no pescoço dele.
— Aidan, tenho que continuar trabalhando. Eu paro de trabalhar ao
meio dia e ainda não é meio dia — mostrou o relógio. — Viu? Não é meio
dia.
Deu um último beijo e o soltou conformado
— Está bem. Te espero para almoçar.
Conor deixou a cozinha, decidido como sempre e se fechou em seu
escritório. — Bom dia pra você também! — já estava acostumado demais
para se zangar.
Stephen entrou caminhando tranquilamente no Red Twins e se sentou
próximo ao bar. Aidan o olhou sem reação por uns bons dez segundos antes
de dizer qualquer coisa.
— O que você veio fazer aqui?
— Vim almoçar — falou imutável.
— Deixe de ser idiota. Você sabe do que estou falando.
Ele abriu um dos sorrisos maliciosos que se encaixavam tão bem em
seu rosto. — Então acho que você me considera mais inteligente do que
realmente sou.
— Ah, qual é? O ex-namorado visitando ao namorado atual. Isso não é
um pouco estranho pra você?
Stephen levantou as sobrancelhas.
— Onde você conseguiu essa informação? Porque eu tenho certeza que
não foi do Conor — a expressão de surpresa dele confundiu um pouco a
Aidan. Confusão que ele procurou não demonstrar, é claro. Levantou o
queixo e pôs uma cara de “não se meta comigo”.
— Não, ele não me disse nada. Mas também não precisou porque é
obvio que vocês já tiveram alguma coisa — esperou ansioso pela
confirmação de suas suspeitas. Era um fato que Conor nunca havia tido um
namorado e sabia que era verdade porque ele não mentia. Só que também era
um fato que a reação de Stephen quando eles se conheceram só podia ser
descrita como ciúme. Havia algo ali. Talvez não algo que Conor descrevesse
como um namoro ou “relação romântica”, como ele chamava, mas
definitivamente havia algo.
— Ele nunca foi meu namorado — foi a resposta de Stephen. Não disse
“nós nunca tivemos nada”. Claro!
— Mas...? — pressionou.
— Mas nós já tivemos algo.
Se ele não fosse uma pessoa sensata, teria voado em cima do homem.
— Eu sabia! — não era nada gratificante saber que tinha razão. Olhando para
Stephen, conseguia entender o que o namorado havia visto nele. Era atraente.
Com lindos olhos azuis detrás dos óculos de leitura e um cabelo escuro com
um corte moderno muito bem penteado. Um homem refinado com um ar
intelectual que transmitia confiança e eficiência.
Era o tipo de homem que alguém esperaria ver ao lado de Conor.
O mais irônico era que ele mesmo sempre havia tido uma quedinha por
intelectuais e se Conor não existisse, provavelmente estaria oferecendo uma
bebida de graça a Stephen e lançando sorrisos sedutores.
— Isso não tem nada a ver com a minha razão de estar aqui — o editor
esclareceu.
— E qual é a sua razão para estar aqui? — Aidan disse percebendo
irritação na própria voz.
— Dana Fitzpatrick quer entrevistar o Conor no programa dela. Preste
atenção, não é a produção do programa, nem o diretor. Ela o quer no
programa.
Dana Fitzpatrick conduzia um programa de entrevistas transmitido
durante a noite adorado pelos irlandeses. Era conhecida por seu carisma e
humor afiado.
— Conor dando uma entrevista? Você está brincando, não está?
— Essa entrevista vai ser ótima para a carreira dele.
— E para a sua. Porque esse é o ponto, não é?
Stephen soltou um respiro aborrecido.
— É claro que seria maravilhoso para a minha carreira que o Conor
fosse à essa entrevista, mas também estou fazendo isso por ele.
— Claro — afirmou cético. — E o que é que eu tenho a ver com isso?
— Você só precisa me ajudar a convencê-lo.
— Não.
— Será que você pode me ouvir antes de tomar uma decisão?
— Já ouvi o suficiente. Não vou tentar convencê-lo a fazer algo que ele
não queira fazer — saiu do bar e começou a afastar-se de Stephen. Como ele
ousava? Tentar usá-lo para manipular o Conor! Ex-namorado idiota!
— Ele nunca me amou — disse o rapaz abruptamente.
— Quê?
Parou no meio do pub e voltou para perto dele impulsado por pura
curiosidade. O editor o olhou por um minuto antes de continuar. Parecia estar
ponderando suas próximas palavras.
— Fui assignado para ser o editor dele quando acabava de começar
minha carreira como editor. Fiquei muito entusiasmado. Conor era um jovem
prodígio da literatura que estava sendo muito comentado com um primeiro
livro que já era um dos mais vendidos. Me apaixonei perdidamente por ele.
Aidan não sabia exatamente por que Stephen estava lhe contando tudo
aquilo. Ou por que ele estava interessado em escutar.
— Ele nunca me enganou, sabe? Sempre deixou muito claro que se
sentia atraído por mim, mas não buscava uma relação. No começo não me
importei, o sexo era incrível!
Apertou o punho para reprimir a súbita vontade de dar um soco na cara
dele.
— Depois comecei a esperar mais e vendo que não ia conseguir tratei
de convencer a mim mesmo de que era suficientemente maduro para ter uma
relação física com alguém sem ficar esperando por um conto de fadas. Só que
não foi assim. Continuava sonhando com um conto de fadas. Até o meu amor
platônico por ele ir embora e chegar a um ponto em que todas as coisas que
achava bonitinho nele deixaram de ser bonitinhas. Comecei a ficar cansado
de coisas como “eu não posso comer pizza hoje, porque uma pizza tem
molho de tomate, que é vermelho, e hoje é segunda-feira e eu não como nada
vermelho na segunda-feira” — revirou os olhos com a lembrança. — Foi
quando percebi que Conor não era nenhum príncipe encantado e acabei
chegando à conclusão de que era melhor cortar o sexo também e tornar a
nossa relação estritamente profissional. Isso foi o que fiz e assim tem sido
desde então — ficou olhando para Aidan como se esperasse uma reação.
— E eu tive que ouvir toda essa baboseira por que, exatamente?
— Porque quero deixar toda a baboseira de lado. Não quero que você
fique pensando que em qualquer momento vou dar o bote para tentar roubar
seu amorzinho de você, ou algo assim. Ele pode até ser um pouco adorável,
mas se passo mais de vinte minutos com ele, tenho vontade de matá-lo. Ele te
ama. Conor nunca quis estar em uma relação, mas quando decidiu fazer algo
diferente, deu certo. Assim como essa entrevista pode ser boa para ele.
Aidan o olhou desconfiado.
— Ele não precisa disso. Já é um escritor famoso, vende muitos livros.
Não precisa dessa entrevista
— Não, ele não precisa. Assim como também não precisava de um
namorado.
— Você está mesmo fazendo essa comparação? Sério?
— O meu ponto é que ir à entrevista poderia fazer uma diferença
enorme na vida dele. Poderia ser o início de uma nova etapa. Você sabe que
ficar fechado dentro daquela casa, se escondendo do mundo, não é bom pra
ele.
Considerou. Ele tinha razão, por um lado. Ser entrevistado pela
apresentadora mais querida e famosa da Irlanda daria a Conor muito mais
confiança. Era uma oportunidade de se abrir e relaxar um pouco na frente de
outras pessoas. Só que, por outro lado, se as coisas não saíssem bem, aquela
provavelmente terminaria sendo uma experiência traumática para ele.
Stephen o encarou esperando uma resposta
— Vou pensar. Mas que fique claro que não vou tentar convencê-lo de
nada. Só vou conversar com ele sobre o assunto e perguntar o que acha.
— Sim. Está bem.
— E também não vou permitir que ele tome nenhuma decisão sem
antes consultar o Eoin.
Stephen revirou os olhos. Pelo jeito, era algo que fazia com frequência.
— O Eoin. Lógico!
— É isso ou nada. Você é quem sabe — ficou um pouco irritado de ver
que ele sabia quem era o psicólogo.
— Está bem. Está bem — ele respondeu com as mãos para cima. —
Agradeço a sua ajuda.
— Certo. Então o quê? Vai almoçar?
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