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texto 5
O ENIGMA DO MESTRE
o saber e a interrogação
entre o personagem histórico e aquilo que dele fez seu maior discípulo. Mas é sobretudo a
interrogação dirigida à educação que nos interessa reter aqui, e em particular esse formidável
paradoxo, que se estabelece justamente a partir do texto platônico: como é possível, àquele
que afirmava só estar certo de sua ignorância, fazer-se definitivamente reconhecido pela
Com o Sócrates que afirma não possuir outro patrimônio além de sua interrogação sobre
a verdade – este personagem que só pôde se aceitar como o «mais sábio» entre todos os sábios
da Grécia quando finalmente entendeu que a verdadeira sabedoria estava em reconhecer sua
ignorância1 – identifica-se todo aquele cujo ideal filosófico não se contaminou inteiramente com
os apelos da facilidade. Essa figura de filósofo inspira cada professor que, a seu modo próprio,
se faz também encarnação do eros do conhecimento, pelo combate e pela conciliação diária
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Platão, Apologia de Sócrates. Rio de Janeiro: Ed. Abril, col. Os Pensadores, p. 22 e seg.
filosofia da educação
entre Poros e Penía2, entre o recurso e a indigência, entre o abismo da criação e os limites da
existência humana.
Mas, em sua última obra, Castoriadis provocava: é porque não buscamos apenas a
interrogação, mas também as respostas, que a elas nos prendemos, a tal ponto que
descobrimos a enorme dificuldade de nos pormos ainda a caminho. Essa é a aporia da criação:
sobretudo quando ele é o resultado de nosso próprio poder instituinte, é aquilo que nós
mesmos criamos, mais solidamente, como nossa identidade? Como recuperar o fôlego da
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O nome Poros vem do grego ponte, travessia, abertura, poro. Na mitologia, Poros é filho de Métis, a
Invenção, divindade que encarna a astúcia, a habilidade prática, mas também a prudência.
Originalmente, Poros é passagem por onde escapolem os navios em guerra: ele é o «Expediente», o
meio eficaz de contornar uma dificuldade. Poros tem recursos para tudo, ele sempre atinge seus
objetivos. Penia, por sua vez, tem o sentido de «Penúria» – ela é associada à necessidade, à aflição, ao
trabalho forçado, à dificuldade. Segundo o belo mito que Platão inventa em O Banquete (cf., mas
adiante, Fragmento 2), Eros, o Amor, é filho da Necessidade e do Recurso: tem a vida dura, mas busca o
belo e sabe ser ardiloso para conseguir o que persegue. Entre os deuses, Eros é a figura da filosofia: ele é
o intermediário entre o saber e a ignorância (Cf. Platão, O Banquete, 203-204 e Junito Brandão,
Dicionário Mítico-etimológico. Petrópolis: Vozes, 1991).
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Sócrates afirmava ser preferível a ignorância à pretensão de tudo saber, que ele identificava nos
Porém, o risco da impostura do mestre está associado a uma outra questão, que é a de
sua investidura como tal: será de fato como um «sujeito que só sabe que nada sabe» que o
mestre se institui, para o aluno? Em que pesem suas mais veementes declarações, não foi
apenas como aquele que «só sabia nada saber» que Sócrates foi reconhecido por seus
discípulos, mas sobretudo como o mestre capaz de conduzi-los à sabedoria. Esta imagem,
Sócrates não a postulava, mas isso não quer dizer que ela esteve apoiada em uma alucinação
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Apologia, 22 c - e.
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coletiva que tomou seus seguidores: ele próprio também contribuiu ativamente para construí-
la.
É claro que nem sempre se pode ser Sócrates – embora haja aqueles que sempre
necessariamente pela farsa, pela pretensão de ser o sujeito a saber? Mas o que permite, afinal,
a alguém instituir-se como mestre para outro? Como definir as exigências da relação entre
mestre e discípulo?
da educação da liberdade. Analisando a resposta fornecida pelo autor, Patrice Canivez sustenta
que o cidadão de Genebra elaborou um modelo de «contrato pedagógico» que se efetiva, para o
aluno, como «confiança» depositada no mestre; e, para este último, como compromisso com
Este modelo é estabelecido por uma espécie de «contrato pedagógico» que fornece uma
mesmo tempo em que obedece às ordens de seu educador: é preciso que a autoridade do
educador seja explicitamente consentida pelo educado. Esta autoridade resulta, pois, de um
às ordens do adulto; este, em troca, se compromete em não ordenar senão aquilo que é melhor
portanto, fundamentalmente sobre a confiança. O indivíduo obedece porque sabe que não lhe
é imposto nada que ele não pudesse compreender e desejar por si mesmo, caso sua
rousseauniano: adaptado à escola, seu princípio central, a prestação de contas, amplia-se como
rousseauniano a uma «democracia escolar» graças a algumas passagens pelo Contrato social
não é tão retilíneo como o autor faz supor, e encobre algumas questões essenciais. Para
começar, o fato de que a relação pedagógica que Rousseau descreve entre o Emílio e seu
preceptor não tem por base a deliberação comum, mas, pelo contrário, uma irrestrita
«confiança» na deliberação do mestre. No que, por sua vez, se baseia essa confiança? De parte
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Patrice Canivez, Educar o cidadão? São Paulo: Papirus, 1992, p. 31-32.
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Id., ibid.
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incondicional só será racionalmente fundada ex post facto. De sua parte, o mestre deve
necessariamente fazer-se o sujeito suposto saber o «que é melhor para o aluno»: ainda que
eminentemente prático, seu saber lhe fornece a capacidade de previsão que permitirá guiar
sabedoria do mestre que será confirmada quando o aluno puder «compreender e desejar por si
mesmo» o que o mestre lhe impunha; até lá, o mestre será reconhecido como fonte do saber.
de razão. Pode-se dizer, à luz não só Contrato, mas também dos Discursos, que ela é
eminentemente phrónesis: não resulta tão somente dos progressos da ciência, mas sobretudo de
uma conquista ética. O mestre que comanda de forma incondicionada está pois, ele próprio,
buscar, na única autoridade de uma lei mais geral – na natureza, nas coisas, nas próprias
submeter-se ao acordo entre eles celebrado. Esse, por sua vez, é a metáfora do acordo social
mais amplo, ao qual, qualquer que seja a sociedade, o futuro adulto se submeterá. O mestre
deve ainda acostumar aos poucos o aluno a reconhecer, por trás de sua sempre provisória
portanto, a metáfora da autoridade impessoal das leis que devem reger a humanidade e a vida
social. Há, portanto, um tipo bastante peculiar de racionalismo que inspira a obra e o «contrato
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absolutamente impreciso não identificar, nessa concepção de razão, o espaço aberto para a
dimensão afetiva, ressaltada na relação que liga mestre e aluno. Apesar do estatuto sempre
paradoxal que noções como desejo, imaginação, pulsão, paixão etc. apresentam no pensamento
do autor, sobressaem-se, no Emílio, as diferenças com sua outra grande obra, o Contrato Social;
mais ainda, realçam-se as diferenças com o pensamento de seu mais ilustre leitor, Immanuel
Kant7: não é uma moralidade desencarnada que se constrói no Emílio, mas há entusiasmo e
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Ernst Cassirer, A Filosofia do Iluminismo e Rousseau. Brasília: Ed. Unicamp, 1992, p. 360 e Kant, Goethe
– Deux essais. Paris: Belin, 1991, p. 30-91, sobretudo 80.
7
Cf. I. Kant. Da Pedagogia. Piracicaba: Unimep, 1996.
8
A. Philonenko, Jean-Jacques Rousseau et la pensée du malheur. Paris : Flammarion, 1987, p. 97 .
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Por um lado, para se instituir, a relação pedagógica supõe, do aluno, uma «confiança»
que é mais do que cálculo racional, que é um investimento eminentemente afetivo que tem por
objeto a figura do mestre, capaz de fornecer suporte e concretização para o «saber» que é
buscado. Por outro lado, para que a relação pedagógica não se instale sob o signo da farsa, ou
da dominação, a convicção íntima adquirida pelo mestre de que o que tem a oferecer não é
uma coisa, uma soma de respostas, mas suas interrogações – aliada à descoberta de que não
está unido ao aluno por uma simples «transmissão» de conteúdos – não pode permanecer
secreta.
Sujeito suposto saber, sujeito que só sabe que nada sabe: as tentativas de racionalizar
inteiramente a relação pedagógica partem sem dúvida do abandono de, pelo menos, uma
destas duas exigências. E é bem verdade que elas são, mais do que incômodas, aparentemente
cada vez, o investimento afetivo pode e deve significar a superação do sentido primário, da
direção ao que é comum. Em que se apóia esse deslocamento? Numa figura de uma figura de
uma figura…
Pela imagem do mestre idealizado, aquele que é objeto não só da construção de Platão,
respondemos todos nós, que um dia abdicamos do conforto seguro de nosso fechamento para
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nos criarmos como indivíduos sociais. Ele é a figura de sentido daquilo que nos permitirá
ultrapassar, a cada momento, o que somos, para nos criarmos como seres de desejo mas,
também, de deliberação.
Assim, é possível que, em um novo contrato, a ética do mestre talvez não esteja nem em
se afirmar como um sujeito que nada sabe, nem em se afirmar como o contrário – o sujeito que
tudo sabe – mas, simplesmente, se fazer lugar de passagem até que o outro descubra em si a
interrogação, e passe a visar não mais os objetos limitados que se oferecem a ele, mas os
democracia…
O Eu não é mais investido como possuidor da verdade, mas como fonte, e capacidade
incessantemente renovada, de criação. Ou, o que quer dizer a mesma coisa: o investimento tem
por objeto a própria atividade do pensamento, como apta a produzir resultados verdadeiros,
mas para além de qualquer resultado parcial. E isso se faz acompanhar por uma outra idéia de
verdade, tanto como idéia filosófica, quanto como objeto de paixão. O verdadeiro não é mais
(…) O investimento não é mais investimento de um «objeto», nem mesmo de uma «imagem de
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C. Castoriadis, «Paixão e conhecimento», op. cit. p. 150-151.
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PLATÃO
No dia em que Afrodite nasceu, os deuses fizeram um banquete; entre os convidados estava
Poros, o Expediente, filho de Metis, a Invenção. Após a refeição em que se haviam regalado,
apareceu Penia, a Pobreza, que mendigava junto às portas. Havendo-se embriagado de
néctar (pois ainda não existia o vinho!) Expediente foi até o jardim de Zeus e ali adormeceu…
Pensando que, para ela, jamais havia expediente, Penia desejou um filho de Poros e se deitou
a seu lado: e eis que do Amor ela se fez grávida! (…) E esse é o Amor, filho do Expediente e da
Pobreza: sempre carente, ele não é tão delicado e belo quanto se pensa mas, ao contrário, é
rude e encardido, miserável que não tem morada e dorme no chão, a descoberto, nas
soleiras das casas e nas ruas. E tudo isso porque, da natureza da mãe, herdou a indigência.
Mas, em contrapartida, da natureza do pai tirou a atração pelas coisas que são belas e boas,
e é corajoso, aventureiro e vigoroso; hábil caçador, está sempre a urdir algum plano; curioso
e rico de idéias e expedientes, passa sua vida a filosofar; engenhoso feiticeiro, inventa filtros
mágicos, como os sofistas. Não é mortal, nem imortal: em um mesmo dia, se seus
expedientes têm sucesso, ele está na flor da idade e em vida; mas, ao contrário, entra em
agonia; depois, repentinamente volta à vida, graças à herança paterna, ainda que, por outro
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lado, escorram-se entre seus dedos os frutos de seus expedientes! Assim, nem o Amor jamais
é indigente, nem jamais possui o que quer que seja.
Entre o saber e a ignorância, o Amor é o intermediário. Entre os deuses, nenhum há que se
dedique à filosofia, nenhum que tenha o desejo de tornar-se sábio, pois eles já o são; quanto
aos outros que são sábios, também não precisam filosofar; mas tampouco os ignorantes
buscam a filosofia e não têm desejo de tornarem-se sábios – pois é próprio à ignorância que
o homem a quem falta a realização e a inteligência sempre imagina sê-lo na proporção
devida: aquele que não reconhece sua carência não tem desejo daquilo de que não acredita
estar necessitado. – Mas quem são, pois, Diotima, gritei eu, os que se dedicam à filosofia, já
que não são nem os sábios, nem os ignorantes? – É muito claro, disse ela, mesmo para uma
criança! São os que são intermediários entre esses dois extremos, entre os quais sem dúvida
encontra-se o Amor. A sabedoria é certamente uma das mais belas coisas, e é para o belo
que o Amor se volta. Assim, o Amor é filósofo e, como tal, se faz intermediário entre o sábio
e o ignorante. E isso em virtude de sua origem…
PLATÃO. O Banquete, 203-204 b. São Paulo: Abril, 1972. pp. 14.16.
PATRICE CANIVEZ
Rousseau achava que a relação de autoridade tem efeitos negativos sobre as crianças.
Por relação de autoridade deve-se entender as ordens explícitas do educador, as que ele
dá mostrando o próprio poder. Por que um poder desse tipo tem efeitos perversos?
Porque a criança é incapaz de perceber os motivos objetivos do que lhe ordenam. Por
isso, ela interpreta sempre a ordem dada como expressão da vontade pessoal do adulto,
isto é, de seu arbítrio. E todos os motivos ou justificativas que se dêem à criança lhe
parecerão a roupagem desse arbítrio, como uma retórica destinada a levá-la a aceitar.
Conforme o caso, a essa retórica a criança oporá a sua. Mas, seja como for, oporá seu
desejo particular a exigências que ela percebe como a tradução de um desejo próprio do
adulto. Daí uma situação de confronto e uma espécie de luta pelo poder, cujo desfecho
é em qualquer caso detestável. De fato, das duas uma: ou a criança se submete, ou se
rebela. Se contrair o hábito de obedecer incondicionalmente ao adulto, mais tarde ficará
predisposta a se sujeitar à vontade do outro sem refletir; estará disposta a submeter-se
a todas as imposições arbitrárias, sejam as da opinião ou da moda, ou as de um tirano
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qualquer. Se, ao contrário, ela opõe seus próprios desejos ao que percebe como desejo
particular do adulto, haverá confronto, direto ou indireto. Como não é a parte mais
forte, a criança vai procurar contornar as exigências do mestre. Obedecerá na aparência,
mas dará um jeito para fazer o que lhe agrada. Vai assim aprender a dissimular e a
mentir. Vai aprender também a espionar, a espreitar as fraquezas do outro pelas quais
poderá manobrá-lo. Em resumo, sua obediência terá um preço mediante esta ou aquela
forma, e o adulto acaba entrando nesse jogo tácito: pensará que compra o sossego ao
renunciar total ou parcialmente à sua autoridade.
CANIVEZ, P. Educar o cidadão? 2 ed. Campinas: Papirus, 1991. pp. 34-35.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
CORNELIUS CASTORIADIS