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filosofia da educação

texto 4

A FORMAÇÃO DOCENTE
conhecimento como teoria e prática da autonomia

Ninguém ignora a degradante situação em que se mantém a rede pública de ensino do

país. Apesar, porém, da ausência de investimentos na tão debilitada infra-estrutura material e

humana das escolas, de todos os obstáculos que o esfacelamento familiar, a violência social

crescente e o descaso para com a infância acarretam para a socialização dos alunos que ali

chegam, do acúmulo de problemas provenientes da vida urbana, além das péssimas condições

que caracterizam a carreira docente – os baixos salários conduzindo à necessidade de

extenuantes jornadas de trabalho, apesar de todas essas circunstâncias tão agravantes, é em

geral à frágil formação dos professores que a maioria recorre, quando se trata de buscar as

responsabilidades pelo fracasso escolar.

Em razão desse «diagnóstico», multiplicaram-se projetos e ações de formação e

capacitação de professores, sempre com dinheiro público mas, cada vez mais, a cargo da

iniciativa privada e de organizações não-governamentais de toda sorte. Em geral, propõe-se aos

professores a aquisição de novas teorias, métodos e técnicas – que, supostamente, os


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capacitarão, a partir dali, a responder com êxito aos múltiplos desafios que sua profissão lhes

impõe.

O objetivo do presente texto, em uma unidade de nosso Curso dedicada à «Interrogação

sobre o conhecimento», é justamente o de questionar essa crença tão difundida, nos discursos

e sobretudo na prática dos cursos e das ações estratégicas de formação docente, de que é o que

define o bom professor é o aprendizado de um certo número de teorias, de métodos e de

técnicas escolhidos a dedo pelas autoridades educacionais.

Pretende-se aqui propor que, mais importante do que conhecer muitas teorias é, para o

professor, tomar consciência de sua autonomia, de seu poder de criação, já que essa

consciência é a condição indispensável para que o professor assuma sua própria auto-formação,

buscando e reivindicando por aquilo que precisa para exercer dignamente sua tarefa. É essa

consciência, e somente ela, que pode impedir que sua formação (como qualquer outra, aliás)

seja, na verdade, mais uma etapa de sua alienação como indivíduos e profissionais; e essa

consciência é exatamente a finalidade maior da prática da reflexão a que a filosofia pode dar

acesso.

É claro que essa afirmação toma como base a noção – que vimos procurando

desenvolver ao longo dos textos 1, 2 e 3 – de que a filosofia pode ser muito mais do que um

conjunto de textos eruditos de difícil compreensão, ainda que atraentes pelo peso de sua

autoridade e por sua beleza poética. Ela parte, portanto, da definição de filosofia como prática
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de reflexão à qual o professor é continuamente convidado em sua existência e muito

particularmente no exercício de seu ofício.

Sob essa perspectiva, aquilo que filósofos do passado ou da atualidade puderam pensar

e produzir em nada desobriga nosso próprio pensamento, antes pelo contrário. Sua

contribuição é importante e grandiosa na medida e exatamente na medida em que, a cada vez,

ao invés de se impor como um caminho pronto a ser seguido, ela é apoio e é inspiração na

busca dos próprios caminhos. E isso porque, na prática docente, mais do que as respostas, as

questões e os compromissos podem ser compartilhados. E também porque a filosofia é sempre

um exercício de se colocar no lugar do outro: ela ensina a desconfiar do próprio ponto de vista,

para buscar a perspectiva do outro, para apropriar-se de sentidos que vêm dos outros: teóricos,

colegas, alunos…

Nessas condições, qualquer reflexão sobre a Escola pública, sobre a ação e a formação

docente deve ter, como referência central, o projeto de autonomia, que sempre é,

concomitantemente, individual e coletivo. Volta-se, assim, sempre à mesma interrogação: como

considerá-los face às exigências de um prática autônoma?

É curioso que o povo que inventou a cidadania – não a palavra, mas a noção – jamais

elaborou uma teoria acabada sobre ela. Para os atenienses que inventaram pela primeira vez a

democracia a idéia parecia absurda: a eles, que fizeram da cidadania o objeto de uma constante

reflexão, jamais ocorreu transformá-la em um saber especializado – para maior desgosto de


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Platão e sua escola. No entanto, a tese de que se devia reconhecer os filósofos como

especialistas em política só viu a luz quando a democracia ateniense havia já entrado em

decadência e a pólis se preparava para ser dominada por outros povos. Pois a democracia

pregava justamente o contrário: ela se definia como o regime para o qual todos os cidadãos

deviam ser dados como politicamente iguais, como um regime que não comportava

«especialistas» em política.

Todos eram igualmente habilitados para tomar parte nas assembléias, não pelos

conhecimentos de que dispunham ou pelo diploma que ostentavam, mas pelo simples fato de

serem cidadãos. A cidadania era, mais do que qualquer outra coisa, definida como uma prática –

exercício continuado de deliberação, de criação de leis e de instituições, de reflexão e de

discussão, de muita discussão.

A cidadania era, como já se disse, pertencimento. Mas não pertencimento a um Estado

qualquer: pertencimento a uma comunidade política, comunidade de invenção e de

deliberação. É claro que essa prática instruía e educava os cidadãos, e os gregos diziam que era

a pólis, era a comunidade que educava os cidadãos; porém, a igualdade política não era uma

conseqüência do domínio de um saber, ela era a conseqüência da afirmação absoluta da

igualdade política dos cidadãos. Na antigüidade, até a escola platônica, a democracia jamais foi

vista como um regime de especialistas em política, ou um regime das melhores decisões: ela era

o regime das decisões mais legítimas.


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Pode-se dizer, assim, que, na Atenas antiga, o cidadão era aquele que participava

ativamente daquilo que parecia, para a comunidade política, o maior valor: sua própria criação.

A cidadania era uma prática, definida por leis, procedimentos, normas, hábitos que os cidadãos

criavam. Uma prática de autonomia.

Autonomia significa: cada homem é capaz de se autodeterminar, de deliberar sobre sua

existência e de participar da deliberação sobre a existência comum.

Em outras palavras, se não há teoria acabada, é porque a cidadania vai sendo definida

pela prática comum da cidadania.

Por isso, no que se refere à política, o cidadão sabe que não recebe de deus, ou dos

deuses, nem do passado ou da tradição, nem de um especialista ou de um sábio suas verdades

e seus sentidos. Todo homem é capaz de refletir sobre o que considera que é justo e o que

acredita que deva ser a verdade: é isso que a democracia defende.

Hoje, a situação se inverteu. Produziram-se muitas teorias e especialistas em política,

mas reduz-se cada vez mais a prática de participação – que, para os gregos, era o essencial. A

cidadania passou a designar uma série de coisas: direitos e deveres definidos por leis de cuja

instituição os indivíduos comuns nunca participam, apenas os «especialistas», inserção no

mundo do trabalho, ou no mundo do consumo, reivindicação de interesses particulares etc.

Perdeu-se no esquecimento, em algum ponto da história, a noção de que o cidadão é aquele

que participa em pé de igualdade na construção da comunidade política. Perdeu-se a noção da


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autonomia. Na comunidade de trabalho e na comunidade de consumo, os indivíduos nunca são

iguais. Há os especialistas, e os outros. Os que podem mais e os que podem menos.

Foi então que se passou a imaginar que os homens precisariam ser instruídos para

poderem gozar da igualdade da cidadania. Imagina-se que o indivíduo deve saber o que é a

cidadania, para depois vivê-la. E a Escola pública é o fruto dessa concepção autoritária. Mas, se

é assim, então, quem é que define a cidadania? Pois é claro que se está partindo de uma idéia

pronta e acabada de cidadania, e só resta aos indivíduos «aprender» o que ela é, para poder

dela desfrutar. Se a cidadania é alguma coisa que o indivíduo não construiu, ela também não vai

mais lhe permitir fazer a experiência da participação e da autonomia que deveria caracterizar a

democracia.

Repita-se: a Escola pública é profundamente marcada por este movimento que, de certa

forma, transforma o saber instituído, científico, especializado no novo dogma da modernidade,

em detrimento da atividade política de participação ampliada dos cidadãos e da deliberação

coletiva. Ainda que se insista que a escola é um dos raros lugares em que se construíram entre

nós o espaço público e o projeto democrático, ela também é um espaço privilegiado onde se

evidenciam sem máscaras as contradições e os limites do espaço público, do projeto

democrático da sociedade.

Não há, na antigüidade, uma instituição especializada na educação pública. Era a prática

da cidadania que formava os cidadãos. Socializavam-se os indivíduos para e através dos valores
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instituídos e criados por toda a sociedade. Na modernidade, a exigência de formação dos

cidadãos levou à criação da Escola pública, nos moldes em que a conhecemos. Sob a forma da

Escola, a educação pública passa a pretender socializar os indivíduos para valores que,

justamente, não estão instituídos pela sociedade, nem foram criados por ela.

Faz-se assim, aos poucos, da educação um domínio especializado e fortemente

hierarquizado. Tendo como ponto de partida a formação do futuro cidadão, a escola acabou se

tornando uma questão de especialistas. A formação do cidadão deixou de ser uma questão de

prática, para se transformar em uma questão de conhecimento.

Pode-se, é claro, objetar que a escola é uma questão de saber. Não há como contestá-lo,

nem é o objetivo desse texto, que recorre a um patrimônio de conhecimentos instituídos, negá-

lo.

É preciso, porém, examinar em que condições faz sentido falar em «saber». A Escola

democrática é, antes de qualquer outra coisa, uma questão de autonomia: fora dessa

perspectiva, de uma ética da autonomia, a teoria pode se tornar instrumento de submissão e de

alienação, qualquer teoria pode se tornar alienante, se ela, ao invés de servir à deliberação e à

criação, ao invés de servir à descoberta da autonomia, passa a ser a fórmula pela qual os

indivíduos substituem sua exigência de pensar por si mesmos pelo pensamento de outro, por

melhor que seja.


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Isso é verdade para todos os domínios do saber, mas é especialmente verdadeiro para

domínios como o da educação, exatamente por ser a educação uma construção eminentemente

política. Não há, afirmou-se, em qualquer parte, nenhuma lei, nem natural, nem sobrenatural,

nem física, que determine o que deve ser a cidadania e o que deve ser a educação comum a que

todos têm direito: por isso mesmo, o sentido do que é a cidadania, o sentido do que achamos

que deva ser a cidadania, o sentido do que achamos que deva ser a educação comum é

construído. Atualmente, ele é construído pelos especialistas, regulamentado nas leis, nas

normas, nos dispositivos, discutido e revirado nos textos acadêmicos… E então só resta ao

professor, no final da cadeia hierárquica, «aplicar» o que os outros pensaram.

Mas todo aquele que é professor sabe que seu ofício consiste em um continuado

exercício de deliberar e de criar cotidianamente o sentido do que é educar, frente ao aluno,

frente ao grupo de alunos que está em face. São muitos os que ainda acreditam e repetem que

o professor precisa de mais teoria, de instrução. São muitos os que ainda acreditam e repetem

que o professor precisa, ele próprio, de formação. Trata-se, sem dúvida, de uma verdade.

Entretanto, não há teoria, não há método, não há receita que garanta os resultados, que

substitua a criação do professor. O professor deve construir constantemente, na prática, seus

caminhos: fazer existir a educação que é muito mais do que aplicar as teorias, conhecimentos e

métodos. Não raro é ir contra o que dizem as teorias e os métodos.


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Valorizam-se as teorias, os métodos, as técnicas, e jamais o ato pelo qual o professor faz

existir a educação e o sentido da educação, no chão da sala de aula, anonimamente. No

entanto, é por causa desse ato milhares de vezes repetido no cotidiano que existem as teorias, e

os métodos e as técnicas, e não ao contrário, como se pode até imaginar. Repita-se: é porque

há a educação como prática que pode haver teoria e método educacional, e não ao contrário.

Mas como poderia um professor que não acredita e não pratica sua autonomia se

interrogar e ajudar a construir a autonomia de outros? Assim, a educação democrática envolve

necessariamente duas autonomias: a do professor, tanto quanto a do aluno. Fala-se muito da

autonomia do aluno, mas raramente se fala da autonomia do professor. No que consiste ela?

Em que condições ela pode ser, mais do que apenas uma teoria, por bonita e nobre que seja,

uma prática?

Teoricamente, pode-se discorrer por muito tempo sobre a Escola pública e sobre a

cidadania: é de fato o que se faz. Mas, como prática de autonomia, educação e cidadania estão

ainda por serem inventadas. Isso requer, sem dúvida, muito trabalho. A capacidade de

interrogação, de reflexão e criação não é, em nenhum de nós, espontânea. Tanto para o aluno

como para cada professor ela emerge como fruto de uma lenta e contínua construção, e nisso o

conhecimento, a teoria podem ajudar e muito.

Mas a autonomia não é uma experiência interior, um sentimento. Ela é uma prática.

Uma prática que decerto exige a adesão interior e pessoal, mas que é apenas uma miragem se
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não se constrói como uma experiência comum, pública. Pois é claro que a autonomia do

professor público não significa que ele pode fazer o que quiser, sem prestar contas a ninguém.

Justamente porque sua função é pública, todo professor tem o dever de prestar contas de suas

interrogações, de suas descobertas, de sua experiência, de suas decisões, primeiramente aos

próprios alunos e à sociedade, mas também a seus colegas. Essa prestação de contas é que

torna a criação dos sentidos da educação e da cidadania uma obra coletiva. É ela que

transforma o espaço escolar num coletivo instituinte. É ela que dá visibilidade à atividade

autônoma de construção desses sentidos. Sem os quais educação e cidadania permanecerão,

entre nós, apenas teorias.


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CORNELIUS CASTORIADIS

Não posso acordar, uma bela manhã, com uma idéia contradizendo tudo
o que eu pensava até então, e apressar-me a desenvolvê-la, esquecendo
tudo o que foi dito anteriormente. Os passarinhos cantam
inocentemente a cada manhã – mas são passarinhos, e cantam o mesmo
canto. Assim também, não posso ignorar o fato de que o meu
pensamento, por mais original que o julgue, não passa de uma ruga, ou
melhor, de uma onda, no imenso rio social-histórico que surgiu na Jônia
há vinte e cinco séculos. Estou colocado na dupla injunção: pensar
livremente e pensar sob a sujeição da história.

CASTORIADIS, C. O "fim da filosofia"? In: As encruzilhadas do labirinto II. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 245.

Assim, nascimento da filosofia e nascimento da democracia não coincidem,


eles co-significam. Ambos são expressões e encarnações centrais do projeto de
autonomia. E aqui devemos nos opor a outro aspecto da deformação que a
Grécia sofreu e continua a sofrer nas mãos dos ocidentais nunca
completamente descristianizados. Assim como a criação política grega – a pólis
e a democracia – sempre foi vista como um "resultado" estático, e assim como
os "méritos" e os "defeitos" da democracia ateniense foram discutidos, como
se esse regime fosse destinado a ser modelo ou antimodelo para todos os
lugares e todos os tempos – em vez de ver que o que, acima de tudo, é
verdadeiramente democrático em Atenas, e que possui para nós a maior
importância, não é esta ou aquela instituição particular estabelecida em
dado momento (ainda que, entre essas, muitas sejam as que contêm lições
para nós), mas o processo contínuo de auto-instituição democrática,
polongado durante quase três séculos: aí está a criatividade, a
reflexividade, a democracia, a lição. Assim também, o importante,
relativamente à filosofia grega – acima de todos os "resultados" que ela
atingiu e cujo valor reconhecemos –, é o processo contínuo da sua auto-
instituição.
Id., ibid., p. 247-248.
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Sócrates é o último filósofo-cidadão e o demos dos atenienses não é mais o


demos dos séculos VI e V a.C. Pode parecer paradoxal que o período de
decadência que começa então tenha produzido dois dos maiores filósofo
que já existiram, Platão e Aristóteles – ainda que o matricida Platão
tenha sido educado e formado na democracia. (…)

Com Platão começa a torção, e distorção, platônica que dominou a história


da filosofia ou pelo menos a sua corrente principal. O filósofo deixa de ser um
cidadão. Sai da pólis, ou coloca-se acima dela, e diz às pessoas o que devem
fazer, deduzindo isso de sua própria epistemé. Procura, e crê que encontra,
uma ontologia unitária – isto é, uma ontologia teológica.

Id., ibid., p. 248-249.

HANNAH ARENDT

Na experiência da polis que, com alguma razão, tem sido considerada o


mais loquaz dos corpos políticos, e mais ainda na filosofia política que
dela surgiu, a ação e o discurso separaram-se e tornaram-se atividades
cada vez mais independentes. A ênfase passou da ação para o discurso,
e para o discurso como meio de persuasão não como forma
especificamente humana de responder, replicar e enfrentar o que
acontece ou o que é feito. O ser político, o viver numa polis, significava
que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através de
força ou violência. Para os gregos, forçar alguém mediante violência,
ordenar ao invés de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as
pessoas, típicos da vida fora da polis, característicos do lar e da vida em
família, na qual o chefe da casa imperava com poderes incontestes e
despóticos, ou da vida nos impérios bárbaros da Ásia, cujo despotismo
era freqüentemente comparado à organização doméstica.

ARENDT, H. A condição humana. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


1997. p. 35.
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PATRICE CANIVEZ

A cidadania define o pertencimento a um Estado. Ela dá ao indivíduo um status


jurídico, ao qual se ligam direitos e deveres particulares. Esse status depende
das leis próprias de cada Estado, e pode-se afirmar que há tantos tipos de
cidadãos quantos tipos de Estado. O problema da cidadania, porém, não é
apenas problema jurídico ou constitucional; se provoca debates apaixonados, é
porque coloca a questão do modo de inserção do indivíduo em sua comunidade,
assim como a de sua relação com o poder político. (…) A igualdade dos
cidadãos implica a igualdade dos indivíduos em relação ao saber e à
formação. Surge enfim a questão do tipo de educação do cidadão assim
definido. Essa educação não pode mais simplesmente consistir numa
informação ou instrução que permita ao indivíduo, enquanto governado,
ter conhecimento de seus direitos e deveres, para a eles conformar-se com
escrúpulo e inteligência. Deve fornecer-lhe, além dessa informação, uma
educação que corresponda à sua posição de governante potencial.
CANIVEZ, P. Educar o cidadão? 2 ed. Campinas: Papirus, 1991. pp. 15.31.

Essa autoridade resulta, portanto, de um acordo, cujos termos são as


seguintes: o adolescente compromete-se a obedecer
incondicionalmente às ordens do adulto; em compensação, este
compromete-se a só ordenar o que for melhor para o aluno – o que é
evidente – mas, sobretudo, compromete-se a prestar contas. A ordem
dada será cumprida mas, mais tarde, em momento propício, haverá uma
explicação sobre as circunstâncias que justificavam o imperativo. A
obediência apóia-se, portanto, fundamentalmente na confiança. O
indivíduo obedece porque sabe que não lhe impõem nada que ele
mesmo não possa compreender e querer, se sua impetuosidade e
inexperiência não o impedissem de perceber a situação e avaliar-lhe os
perigos.

CANIVEZ, P. Educar o cidadão? 2 ed. Campinas: Papirus, 1991. p. 37.


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ARISTÓTELES

Como vimos, há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A


primeira deve, em grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e
por isso requer experiência e tempo; ao passo que a virtude moral é
adquirida em resultado do hábito, de onde o seu nome se derivou, por
uma pequena modificação dessa palavra [do grego: ethos, e sua
derivação ethiké]. É evidente, pois, que nenhuma das virtudes morais
surge em nós por [20] natureza, visto que nada que existe por natureza
pode ser alterado pelo hábito. Por exemplo, a pedra que por natureza se
move para baixo não pode adquirir o hábito de ir para cima, ainda que
tentássemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes para cima, nem tam-
pouco poderíamos fazer com que o fogo adquirisse o hábito de mover-
se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de
certa maneira pode ser habituada a comportar-se de forma diferente.

Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza que


as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá
a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 40. [1103a
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