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texto 3
O CONHECIMENTO ESCOLAR
e a querela dos meios e dos fins da educação
requeridas pela prática educativa. A interrogação que motiva essas linhas tem ainda por objeto
o conhecimento, dessa vez entendido como um corpo de saberes que, acredita-se, devem ser
compartilhados por todos os cidadãos; e que é instituído como tal pela tradição, pelas leis de
ensino, por dirigentes e técnicos, pelos professores. Assim, no vasto e indeterminável conjunto
que se poderia chamar de conhecimento humano, o conceito a ser aqui examinado refere-se a
um seu subconjunto bastante específico – a tal ponto que, por vezes, tende a se isolar
Ora, se as reflexões dos textos 1 e 2 procedem, a análise a ser realizada se voltará, então,
não para o terreno das determinações objetivas, das regularidades observáveis que
caracterizam a ciência, para daí tentar deduzir logicamente o sentido e o conteúdo dessa noção,
mas para o terreno das criações humanas, do qual o conhecimento escolar retira todo o seu
filosofia da educação
deverá nos guiar até o domínio das razões políticas, e não para o domínio natural (do qual o
homem participa, sem entretanto, fixar suas leis) ou para o domínio da técnica (inteiramente
fabricado pelo homem a partir dessas leis já dadas, ainda que, eventualmente, na tentativa de
superá-las).
encarregada de prover uma educação básica comum para todos – a Escola pública – a idéia e a
educação.
A educação tem, sem dúvida, uma base natural, cuja força condicionante foi mais ou
menos colocada em relevo, segundo as distintas correntes filosóficas. Mas nenhuma delas pôde
negar que o ser humano nasce imperfeito ou, como diria Jean-Jacques Rousseau, perfectível. Há
educação porque sempre há, para o humano, um horizonte de perfectibilidade. Esse caráter
inacabado do ser humano levou muitos filósofos, inclusive o próprio Rousseau, a afirmar que a
liberdade humana é uma «lei natural». E, de fato, caracteriza a natureza humana o fato de que
ela não está inteiramente determinada: para ela, os condicionamentos naturais têm um limite,
podem ser desafiados ou mesmo redefinidos. Mas, por isso mesmo, a dimensão natural do
humano não é suficiente para justificar o que deve ser a educação, o que a tornou tal como a
dimensão científica diz respeito, quase que inteiramente, à base biológica de determinação da
existência humana. Por importante que seja, no entanto, ela não concerne à deliberação sobre
os fins da educação, mas às condições das quais se parte, que podem contribuir ou trazer
obstáculos para a ação educativa. A dimensão técnica, quanto a ela, dependendo totalmente
dos fins assinalados, tem ou deveria ter sua validade sempre limitada pelo contexto de
inteiramente e, muito menos ainda, apesar do que muitos já disseram, para produzir os sentidos
da educação.
Não sendo inteiramente determinadas por leis naturais e não podendo ser implicadas do
raciocínio científico ou das invenções técnicas, é preciso considerar, tanto a educação entendida
como atividade genérica, como a forma histórica que assume a partir da modernidade, a Escola
pública, como criações sociais. Eis o que implica o termo «criação»: não há, para aquilo a que se
refere, nenhuma «explicação», isso é, nada que determine a priori e exaustivamente seu
aparecimento.
Não se pode fazer da educação, tal como está instituída atualmente, uma simples
explicação, porque não há como isolar o conjunto de causas diretamente responsáveis pela
filosofia da educação
produção do fenômeno tal como ele é. Por isso, o conhecimento que podemos ter sobre elas é
elucidação – tarefa eminente da reflexão filosófica. E o(s) sentido(s) que podemos produzir para
Por essa razão, para examinar o conhecimento escolar é preciso elucidar um sentido que
nasce, na melhor perspectiva, de uma deliberação coletiva – de uma escolha social; e, na pior,
das imposições de sentido realizadas pelo poder dominante, quando este não é a própria
coletividade. Mas que, como dissemos, de forma geral é derivado da tradição e das escolhas dos
fim: a deliberação comum, de que o professor participa em situação privilegiada quando está
atuando, quando está na sala de aula. É este poder de deliberação – exercido, ou não, pela
sociedade, de forma geral, e exercido, ou não, pelo professor, de forma particular – que cria a
Escola, que cria o conhecimento escolar, como sentido comum e compartilhado pelos membros
da coletividade.
Mas é preciso acrescentar, ainda, alguns comentários sobre essa deliberação. Em seu
sentido total, ela não é apenas a decisão entre alternativas dadas, já instituídas, mas é a própria
ainda resta a ser feito: também aqui, não se estará lidando com qualquer conhecimento
especificamente escolar) de conhecimentos não particulares (posto que sociais) que são, a uma
Sobre estes últimos tipos de conhecimento, é importante frisar que eles não são
produzidos na Escola, apesar do que se quis afirmar nos últimos anos, sob pretexto de valorizar
o professor e questionar a redução do ato de ensinar à mera repetição dos conteúdos. Não
restam dúvidas de que uma «mera repetição» é incompatível com a dignidade humana: mas
que sentido faz dizer que o professor, quando ensina uma idéia, quando explicita um raciocínio,
quando expõe, enfim, aquilo que conhece mas que não produziu está, forçosamente, limitando-
falhas: mas jamais o humano. Conhecer já é criar (é «imaginar», dizia Aristóteles), não se
conhece (pensa) sem criação: pensar, conhecer é, para o humano, criar sentido para si. Há, é
claro, uma grande diferença entre a criação do novo conhecimento (que é novo para a
sociedade, e não apenas para aquele que o recebe e o comunica) e a criação como atividade
filosofia da educação
propriamente humana – que, aliás, pode servir tanto à produção do sublime quanto do
absolutamente trivial, do relevante para a humanidade assim como dos horrores que também a
professor «repetir» um conteúdo, mas do fato de ele não mais se preocupar em torná-lo,
O conhecimento escolar não é produzido na Escola, mas isso não quer dizer que a Escola
não produza saber: ela decerto produz, por meio da reflexão e das deliberações que a prática
requer do professor, um saber prático, o «saber-fazer» da Escola. Não faria sentido se fosse
diferente: uma Escola que veiculasse um saber inteiramente produzido em seu próprio interior
seria uma instituição fechada sobre si mesma, que não poderia ter por finalidade senão sua
perpetuação, e não a construção da sociedade – uma espécie de gueto, uma espécie de seita. É,
portanto, importante frisar a natureza social dos conhecimentos escolares: uma das mais
primordiais finalidades do modelo em que se baseia a educação escolar atual, a Escola pública,
sempre foi justamente a de fazer com que todos participassem de uma mesma cultura –
Na medida em que reflete e delibera sobre essa tarefa, a Escola pode contribuir para
não é o caso – mas porque é levada a uma participação ativa na definição desse conjunto
filosofia da educação
No contexto das sociedades modernas, essa tarefa é formalmente confiada aos homens
políticos e aos burocratas; mas, na prática, ela é cotidianamente reassumida pelos professores a
quem a sociedade confia a missão de educar seus filhos. Sobretudo para esses últimos, tal
conhecimento escolar, mas também sobre o que não deve ou sobre o que não pode ser esse
meio ou é fim da educação, é antes de mais nada o embate pela produção do sentido do que é a
educação e a escola que se está travando. Meio ou fim, questão que deve ser entendida como
filosofia contra a sofística e aquela que define, a partir da modernidade, pela oposição entre
educar e instruir.
filosofia da educação
De forma que, ao fazer alusão a três momentos diferentes dessa trajetória, pretende-se
contribuir para a elucidação e para a livre e racional deliberação, pela sociedade e pelos
conhecimento humano: seus objetos, suas condições, suas finalidades e suas limitações. É,
portanto, pelo tema do conhecimento que Platão nos introduz ao que é, por excelência, seu
de seu mestre com o famoso sofista, submete os dois personagens a um curioso e muito
com um Sócrates que, paradoxalmente, sustenta que a virtude não pode ser ensinada, no que se
faz alvo de enfáticas objeções por parte de Protágoras. Ao final do texto, no entanto, produz-se
uma reviravolta, e o filósofo passa a afirmar a possibilidade de se ensinar, contra a qual o sofista
desconstrução conceitual a que Sócrates submete as afirmações daquele que era, talvez, o
maior sofista de sua época. Pois, ao longo do texto habilmente conduzido por Platão, torna-se
patente que Protágoras, mestre por profissão, é incapaz de dizer o que ensina e por que ensina.
Ora, o objeto do ensino socrático é muito claro: é a epistéme, a ciência que visa à verdade. Para ele, o
único conhecimento que se deve ensinar é aquele que tem por objeto não a dóxa, a opinião, a ilusão,
mas a Verdade, única, ontológica. Por isso ele ataca um modelo de educação que é generalizado em sua
época, que é baseado na dóxa e que se pretende ferramenta de construção política da cidade.
por, nada mais, nada menos, do que a construção ética no espaço humano e no espaço político.
problema já pode ser deslocado: não se trata tanto de definir se a virtude pode ou não ser
*
poleis é o plural de pólis
1
Alfred Croiset, Notice. Oeuvres Complètes, Paris : Belles Lettres, tomo III, pp. 3-15. Grifos nossos.
2
Platão, Protágoras, 355a-360e.
filosofia da educação
aprendida, mas de que maneira e em que condições é possível conhecer. Pode-se, portanto, ler
humano e do cidadão que, longe de buscar o que deve ser, abdica da deliberação ética em
nome da estratégia: uma educação que, como querem os sofistas, se proclama a melhor
possível (dentro, diríamos, das circunstâncias dadas). Uma educação que, nascida do relativismo,
virtude era dispensado ao jovem grego, desde a mais tenra idade, pela família, pelos
Para Platão, se a verdade não pode ser ensinada, no sentido «técnico» e pragmático que os
sofistas pretendem, por vezes, lhe atribuir, é por que supõe uma verdadeira conversão: o conhecimento
da verdade é «uma atitude e uma regra de vida»4, a adesão a um ideal radical. Na polêmica que
modernamente opõe educar e instruir, definida por Sócrates como oposição entre a educação como
técnica ou como filosofia, a posição de Platão não deixa espaço para dúvidas. O conhecimento que a
educação deve buscar tem o sentido mais pleno possível: implica, primeiramente, um rigor e uma
indagação constantes mas também, indissociavelmente, numa modificação profunda. Não é pura
técnica, é razão que interroga. Mas não é também qualquer razão, senão aquela que se interroga
3
Protágoras, 325c
4
L. Robin, «Avant-propos» às Oeuvres complètes de Platão, vol. I. Paris: Gallimard. Cf., ainda, em Platão, o Fedro:
ensinar não é inculcar na alma idéias acabadas e vazias, mas fertilizar a alma.
filosofia da educação
Em que pese, no entanto, toda nossa admiração por Platão, não devemos manter ilusões
quanto às dimensões de seu ideal de conhecimento: como relembra Alexandre Koyré, o filósofo
ateniense jamais pretendeu que o conhecimento fosse acessível a todos5. E, com efeito, será
preciso esperar o momento das Luzes para que o acesso à filosofia e ao saber não somente se
transforme em projeto político, mas seja proclamado como necessidade universal – condição
O ideário iluminista testemunha uma resistência bastante ilustrativa aos usos atuais das duas
noções, educar e instruir: de forma quase generalizada, a idéia da formação do cidadão remete àquela
da instrução da razão, como desenvolvimento de uma autonomia que, somente ela, dotará o indivíduo
das condições para gozar, de fato, das prerrogativas que, de direito, a cidadania legal passa a prever. As
tensões a que esta concepção está exposta decorrem, não de um sentido mais aligeirado ou reduzido da
educação, mas da convicção, ou não, de que é preciso, também, educarem-se os sentimentos (ou, no
dizer da época, «educar o ser sensível», suas paixões) de forma a garantir a adesão moral dos cidadãos
aos valores da revolução7. Para muitos, como, por exemplo, para Condorcet, a educação dos
sentimentos seria um recuo que igualaria os gloriosos tempos da Razão moderna, emancipada, a épocas
ultrapassadas, quando, por falta de uma instrução eficaz e generalizada, o povo era mantido em sua
5
id., ibidem, p. 21.
6
Platão, Protágoras, 324e.
7
Cf., a este respeito, o excelente trabalho de B. Baczko, Une Éducation pour la démocratie. Textes e projets de
l’époque révolutionnaire. Paris: Garnier Frères, 1982.
filosofia da educação
fetichismo da ciência e da técnica, em nome das quais o poder de «especialistas» (em política, em
economia, em ciência, etc.) pretende até hoje exercer seu domínio sobre a sociedade. Num primeiro
momento, porém, ele se identifica com a luta pela igualdade e pela justiça travada nas sucessivas
construção de uma nova sociedade e de um novo homem. Ali onde falharam as leis, que não puderam
concorrer com as desigualdades de fato, historicamente instituídas, venceria a difusão do saber, capaz
de libertar o homem e a sociedade de seus vícios. Como Condorcet, os mais entusiastas previam,
um todo e de cada indivíduo, através do trabalho da Razão sobre a sucessão de gerações humanas.
É nesse contexto, e do alto das vantagens que nos concedem um olhar retrospectivo,
que vale a pena considerar a posição de Rousseau, que insiste em afirmar, quase que
solitariamente, que
Contraposta ao ideário iluminista, a frase soa como um desafio direto, lançado contra a
crença irrestrita no progresso da razão e contra a inspiração enciclopedista. Mas ela visa, mais do
que isso, a adjetivar o próprio fruto do progresso, a propor uma adesão modulada – para não
8
Rousseau, O Emílio ou da Educação, livro III (Paris: Ed. Gallimard, Oeuvres complètes, p. 213).
filosofia da educação
de amor ao conhecimento, Rousseau apresenta uma resposta não menos radical, na forma de
crítica à adesão indiscriminada ao saber. São, de fato, os alvos de seu discurso a impostura, a
provocação mais extrema: para ele, não é tanto a natureza, mas a ação humana que se deve
regenerar através da educação. Por isso, face ao entusiasmo (quase platônico) que sua época
ignorância que, segundo ele, «jamais fez mal». Para o autor d´O Emílio, «…somente o erro é
funesto …nunca nos perdemos por aquilo que não se sabe, mas por aquilo que se crê saber»10.
Porém, cabe precisar: a ignorância de que nos fala Rousseau nada tem a ver, longe de lá,
com o conhecimento comum da sociedade. A ignorância que ele valoriza é, na verdade, uma
espécie de miragem, reflexo do que seria um hipotético homem natural, regido apenas pelos
instintos que vêm da natureza. O autor sabe perfeitamente bem, no entanto, que esse homem,
«se jamais existiu», está para sempre perdido. Em sociedade, o senso comum ou, como ele o
9
Id, ibid.
10
Id., ibid.
filosofia da educação
denomina, a «opinião» definem o lado perigoso e nocivo do conhecimento. Rousseau sabia que
a ciência humana não era neutra: investia, portanto, contra a opinião, relativa ao desejo de
disso, Rousseau sustentava a necessidade de uma educação dos sentidos, dos afetos, dos ideais.
Uma educação que não recusa os mitos, pelas crenças, os heróis, a emulação e a imitação dos
modelos que Platão tanto desprezava (Protágoras, 325 c). E isso por que, para ele, o saber
erudito, e não os sentimentos, era a raiz dos vícios sociais, da desigualdade, das disputas e
injustiças introduzidas no espírito humano com o advento da vida social. No entanto, Rousseau
rousseauniana, ao espírito de interrogação que obra contra o instituído e que conduz o homem
a buscar, através de sua própria experiência, suas descobertas: na natureza e, sobretudo, na sua
contra as verdades estabelecidas, o autor, que considera que todos os males vêm da ação
humana, propõe uma nova versão, mais afirmativa, do constructo sui socrático. Na medida em
que todo o mal provém da dominação de uns sobre os outros, a liberdade é a capacidade
humana de se ter como auto-referência absoluta, em detrimento dos costumes, das pressões
sociais, da opinião de outrem. A verdadeira educação é aquela que prepara o indivíduo para
filosofia da educação
essa liberdade, para um conhecimento e para uma deliberação ética que devem, a cada
mais do que nunca, jamais poderá, neste contexto, ser confundida com treinamento, ou com
mera instrução.
democrático de uma sociedade. Pois, na medida em que, rompendo com o fechamento das
aberta», voltada para a integralidade das questões que interessam à existência humana, ele já
pode ser, ou antes, deve necessariamente ser assimilado à instituição da própria autonomia
afetos – são criações humanas, ou, mais precisamente, do «coletivo anônimo» que a constitui.
O ocultamento desse poder criador é, no entanto, quase uma constante na história das
sociedades, que julgam dever atribuir sua existência a razões extra-sociais e supra-humanas –
Deus, a História, a Economia, a tradição, a natureza humana. Eis o que dá origem à situação de
filosofia da educação
heteronomia social: a abdicação, por parte dos indivíduos, de seu poder de deliberação coletiva
Mas, assim como as condições de sua heteronomia, os homens produzem sua própria
emancipação – como ocorreu, pela primeira vez, na Grécia dos séculos V e VI a. C. e, após um
longo interregno de tempo, na Revolução francesa. Esses dois momentos marcam a história da
conhecimento aparece como valor: para a filosofia, ele significa elucidação interminável que
tem por finalidade a participação social, sem jamais se substituir a ela; para essa participação
social, ele subsidia a atuação de todos os cidadãos nas deliberações que constituem seu destino
comum.
indispensáveis para a plena participação do total de indivíduos, não podem ser atribuídos de
forma exclusiva a alguns, especialistas ou elites, mas a que todos devem ter igual acesso.
sociais que, devendo pertencer a todos, não podem ser apropriados por ninguém
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privativamente. Para Castoriadis, numa democracia, a atividade política é, antes de mais nada,
«socializar os indivíduos é fazê-los participar do não-partilhável, do que não deve ser dividido,
privativamente, entre os membros da comunidade»12, numa sociedade em que esses limites são
cidadania a todos os indivíduos, uma das primeiras tarefas da democracia moderna é garantir
que todos sejam socializados – exigência que dá origem ao projeto da Escola pública.
Assim, ao final desse curto trajeto, o conhecimento escolar já nos aparece sob uma nova
perspectiva, que nos permite ensaiar algumas tentativas de resposta à questão de defini-lo
como meio ou como fim da educação. O conhecimento escolar é meio, no sentido mais político
que pode assumir: instrumento de fabricação de uma unidade que não é ausência de conflitos e
11
Cornelius Castoriadis, «Valor, igualdade, justiça, política: de Marx a Aristóteles e de Aristóteles até nos» in
Encruzilhadas do Labirinto I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 19987, p. 264-335.
12
Lílian do Valle, A Escola e a Nação. As origens do projeto pedagógico brasileiro. São Paulo: Letras & Letras, 1997,
p. 09-11.
filosofia da educação
No entanto – e seria ilógico e absurdo parar aqui, e separar essa dimensão coletiva da
acreditamos, valor que transforma radicalmente a vida social, ela só pode ser, igualmente,
paixão que transforma não menos radicalmente os indivíduos que sob sua égide se constituem.
permanentes dos sentidos que habitam nossa própria existência, que nos fazem como somos,
capazes de sermos como somos e de ousarmos ser diferentes. E que, como lembra C.
autonomia social, ele também deve ser dito fim, ou deve ser visto como parte necessária dessa
finalidade maior, que é a autonomia individual, na qual todo projeto coletivo forçosamente se
13
Cornelius Castoriadis. «Paixão e conhecimento» in As Encruzilhadas do labirinto V. Feito e a ser Feito. Rio de
Janeiro: DPA, 2000. Castoriadis cita, n primeira frase, um trecho da Apologia de Sócrates, de Platão.
filosofia da educação
apóia. Paixão que, definitivamente, é a experiência mais legítima que cabe aos professores
JOHN LOCKE
PLATÃO
Reflete comigo: existe ou não uma certa coisa de que todos os cidadãos
devem necessariamente participar, para que a existência de uma pólis
seja possível? Está aí, e em nenhum outro lugar, a solução para o
problema que tu levantaste [é possível ensinar a virtude?]. Se é verdade
que tal coisa existe, e se esta coisa é, não a arte do carpinteiro, ou do
fundidor, ou do oleiro, mas a justiça, a temperança, a conformidade à lei
divina,é tudo o que denomino, em uma palavra, a virtude própria ao
homem…[324e]
ERNST CASSIRER
Não existe um século que tenha sido tão profundamente penetrado e empolgado
pela idéia de progresso intelectual quanto o Século da Luzes. Equivocar-se-iam,
porém, sobre o sentido essencial dessa idéia, aqueles que tomassem «progresso»
num sentido quantitativo como uma simples extensão do saber, como um
progressus in indefinitum (…). A diversidade, a variedade das formas é tão-só o
desenvolvimento e o desdobramento de uma força criadora única, de natureza
homogênea. Quando o século XVIII quer designar essa força, sintetizar numa
palavra a sua natureza, recorre ao nome de «razão». A «razão» é o ponto de
encontro e o centro de expansão do século, a expressão de todos os seus desejos,
de todos os seus esforços, de seu querer e de suas realizações (…). O século XVIII
está impregnado de fé na unidade e imutabilidade da razão. A razão é una e
idêntica para todo o indivíduo pensante, para toda a nação, toda a época, toda a
cultura.
CASSIRER, E. A filosofia do Iluminismo. 2 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. pp. 22-23.
Por pouco que se observe com olhos atentos o meio do século em que vivemos [XVIII], os
acontecimentos que nos perturbam ou, pelo menos, que nos ocupam, os nossos costumes,
nossas obras e até nossas conversas – sem dificuldade percebe-se que, em muitos aspectos,
houve uma notável mudança em nossas idéias; mudança esta que, pela rapidez, parece-nos
prometer uma outra ainda maior. É o momento de fixar o objeto, a natureza e os limites
dessa revolução, cujos inconvenientes e vantagens a posteridade conhecerá melhor do que
nós. (…) O nosso século é chamado o Século da filosofia por excelência (…). Não obstante, a
invenção e o uso de um novo método de filosofar, a espécie de entusiasmo que acompanha
as descobertas, uma certa elevação de idéias que em nós suscita o espetáculo do universo,
todas essas causas certamente excitaram uma viva fermentação nos espíritos (…). Uma nova
luz sobre alguns objetos, uma nova obscuridade sobre vários, foi o fruto ou a conseqüência
dessa efervescência…
D´ALEMBERT, J. Ensaio sobre os elementos de filosofia. 1 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. p. 4-5.
filosofia da educação
IMMANUEL KANT
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
A inteligência humana tem seus limites. Não somente um homem não pode saber
tudo, como nem pode saber completamente o pouco que sabem os outros homens.
Já que a contraditória de uma proposição falsa é uma verdadeira, o número das
verdades é inesgotável, assim como o dos erros. Há, portanto, uma escolha das
coisas que devemos ensinar, assim como do tempo próprio para ensiná-las. Dos
conhecimentos que estão ao nosso alcance, uns são falsos, outros são inúteis e
outros servem para alimentar o orgulho de quem os tem. Os poucos que realmente
contribuem para nosso bem-estar são os únicos dignos das pesquisas de um
homem sábio e, portanto, de uma criança que queiramos tornar sábia. Não se trata
de saber o que existe, mas apenas o que é útil.