Você está na página 1de 5

2019.

1
PROGRAMA — Filosofia da Educação no Mundo Ocidental (EDF 120)
A Educação na Modernidade: Entre a crítica, o controle e a
experimentação
Prof. Bernardo C. Oliveira

1. Proposta
Podemos determinar a constituição da Educação Moderna Ocidental em
um período de mais ou menos quinhentos anos, desde a fundação da sala
de aula global, passando pela formação do método jesuítico, o
surgimento da Pedagogia (a “ciência da educação”) até as pedagogias
libertárias do século XX. Durante este longo período, emergiram novas
formas de organização social, além de profundas e sucessivas reviravoltas
na filosofia, no pensamento político, nas ciências e nas artes.

Não seria diferente com a educação, visto que sempre esteve arrolada a
esse conjunto de processos que perfazem a consolidação do Estado de
Direito, do aparelho jurídico-institucional e do Capitalismo global. A tão
propalada crise da educação não é bem uma “crise”, pois pode-se afirmar
que esta pertence à educação como a tempestade pertence às nuvens —
como escreve Rousseau em “Emílio”: “A [educação] dos homens é a única
de que somos realmente senhores e ainda assim só o somos por
suposição.” Polifonia da razão, dos métodos e das práticas, os campos de
disputa da Educação e, na Modernidade, da Pedagogia, constituem-se
como domínios onde reina a pluralidade difusa de experiências, métodos,
expectativas. Neste percurso, portanto, não basta o entendimento da
caminhada e da estrada reta, mas, antes, uma saudável disposição para
acompanhar de perto os paradoxos que marcam este campo emaranhado
e problemático.

Se é verdade que a pedagogia é tanto uma ciência como uma arte, isso
ocorre porque a pedagogia tem seus desejos. Em primeiro lugar, deseja
ser tratada como ciência, gozando assim da legitimidade e do prestígio
que esta noção adquiriu ao longo deste processo ao qual denominamos
“Modernidade”. Mas ela também pode ser considerada uma arte “se
entendermos por arte uma estruturação pessoal, uma sintonia específica
com a situação daquele momento.” Entre o método científico e a
necessidade de lidar de forma improvisada com situações concretas, a
pedagogia se institui como um campo de saber cuja autonomia é limitada
pela própria experiência, particularmente desdobrada em duas vertentes:
a experiência geopolítica: “onde estamos quando educamos?”; e a
experiência antropogenética: “quais os modelo de subjetivação que
consideramos quando educamos?” Em todo caso, pouco sabemos sobre
educação até entrarmos em uma sala de aula: educar corresponde a uma
contínua reivindicação pelo estar-presente tanto da experiência como da
experimentação.

Hoje, parece que a prática da Educação deve tornar-se potente o


suficiente para ultrapassar modelos educacionais que se esgotem na
imposição do poder magistral-pastoral, no modelo baseado na
transmissão de conhecimentos e contúdos, na judicialização implícita na
ideia de “exame” ou “prova”, na formatação do comportamento, na
formação instrutiva continuada e na habilitação para o trabalho e a
sociabilidade. Educar pode consistir também em uma prática contínua de
troca, experimentação e invenção de novo conhecimentos articulada
entre vontades, experiências e saberes.

O filósofo inglês Alfred N. Whitehead afirmava que “desde os primeiros


momentos de sua educação, a criança deveria experimentar a alegria da
descoberta”. O que é a alegria? Alegria, para o filósofo holandês Baruch
de Espinosa, corresponde ao “aumento da potência de agir e de pensar”
ao passo que a tristeza, corresponde à diminuição desta potência. Educar,
então, implica no aumento ou na diminuição da potência de cada um e do
coletivo em que cada um está implicado. Educar, inclusive, não se esgota
somente na gestão dos estabelecimentos e instituições de ensino, mas
refere-se também a uma prática que põe em jogo a consciência de nossa
própria potência enquanto indivíduos psico-coletivos.

O objetivo deste curso é, através de leituras, aulas expositivas e debates,


trazer à tona algumas ideias que tomam como ponto de partida uma
crítica ao caráter disciplinar/nivelador/pastoral da Educação Moderna e
da Pedagogia em favor de maiores campos de experimentação individual
e coletiva. Primeiramente, através de um mapeamento genealógico
proposto por Dussel e Caruso, que busca dar conta do processo histórico
que descreve o surgimento da Educação Moderna; posteriormente,
avaliando as ideias de Michel Foucault e Gilles Deleuze sobre a Educação,
disciplina e controle na Modernidade; retomando a pergunta pela
potência da educação em Whitehead e Nietzsche (isto é, o que ela pode
para além de seu caráter disciplinar?); analisando a provocação radical do
poeta e pensador Décio Pignatari: “por que não se formam escritores nas
Faculdades de Letras?”; e, por fim, analisando o estranho caso do
Professor Joseph Jacotot através do “Mestre Ignorante” de Jacques
Rancière.

Se educar é questão de potência, então vale perguntar: em seus limites, o


que pode a Educação? Qual o alcance possível dos muitos modos de
educar?    Como se exprime a educação? Quem está autorizado a exprimir
a Educação? E o surgimento da Pedagogia, que tipo de insumo trouxe
para a ideia de Educação? Como se dão as relações entre Educação e
autoridade, Educação e política, Educação e Cidadania? Quais os
elementos que nos permitem determinar a potência própria (ou
imprópria) da Educação? E se essa educação para a potência    é
experimental, como haveríamos de pré-determinar seus elementos?

Poderíamos, por fim, tomar como horizonte e ponto de partida para uma
educação do futuro a ideia de que todos os indivíduos, munidos de uma
consciência aguda de sua própria potência, podem fabricar
“conhecimento” e produzir o novo.

2. Formas de avaliação:
Presença e voz em sala de aula
Leitura e fichamento dos textos abordados
Dois trabalhos escritos

3. Cronograma

Introdução
12/03 Apresentação do curso
19/03 Apresentação do curso

A Educação na Modernidade: Genealogia


26/03 A Invenção da Sala de Aula:
“De pedantes, pedagogos e salas de aula”, pp. 15-27;
“A sala de aula cresce: a disciplina nos tempos da revolução industrial”,
pp. 103-117

02/04 A Invenção da Sala de Aula:


“A Escola Prussiana” (110-117; 133-146);
“O triunfo do capitalismo e do biopoder” (160-171)

09/04 Educação: Antropogênse e Experimentação


Educação em Hobbes, Rousseau, Kant, Nietzsche

16/04 Educação e Experimentação


As potências da educação: por que não educamos?

Disciplina e Controle
23/04 Michel Foucault: A Verdade as Formas Jurídicas / Vigiar e punir
30/04 Michel Foucault: A Verdade as Formas Jurídicas / Vigiar e punir
07/05 Gilles Deleuze: "Post-scriptum sobre as sociedades de controle"

Educação e Experimentação
14/05 Décio Pignatari: “Formação e Informação Universitárias: Uma aula
inaugural”.
21/05 Alfred N. Whitehead: “Os fins da educação”
28/05 Alfred N. Whitehead: “Os fins da educação”
04/06 Friedrich Nietzsche: “Schopenhauer Educador”
11/06 Friedrich Nietzsche: “Schopenhauer Educador”
18/06    Friedrich Nietzsche: “Schopenhauer Educador”
25/06 Jacques Rancière: O Mestre Ignorante
02/07 Jacques Rancière: O Mestre Ignorante + Encerramento

4. Entrega de trabalhos
21/05 Primeira avaliação
09/07 Segunda avaliação

5. Bibliografia principal
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo. Ed. UNESP, 1999.
CHAUÍ, Marilena et al. “Filosofia Moderna”. In: Primeira Filosofia: lições
introdutórias. 3a. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
DELEUZE, Gilles. "Post-scriptum sobre as sociedades de controle". In:
Conversações: 1972-1990. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 1992, p. 219-226.
DUSSEL, I., CARUSO, M.. A Invenção da Sala de Aula — Uma Genealogia
das Formas de Ensinar. Tradução de Cristina Antunes. São Paulo:
Moderna, 2003.
FOUCAULT, M. A Verdade as Formas Jurídicas. Rio de Janeiro: Nau-Editora.
2002.
________ Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Tradução de Ligia M.
Pondé Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1977.
NIETZSCHE, F. “Schopenhauer Educador”. In: Escritos sobre Educacão.
Tradução, apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio
de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Ed. Loyola, 2011.
PIGNATARI, D. “Formação e Informação Universitárias: Uma aula
inaugural”. Contracomunicação. São Paulo: Perspectiva, 1973.
RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante. Cinco lições sobre a
emancipação intelectual. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2002.
ROUSSEAU, Jean- Jacques. Emílio ou Da Educação. Bertrand Brasil, 1995.
WHITEHEAD, Alfred North. “Os fins da educação”. In: Os fins da
educação e outros ensaios. São Paulo: Ed. Nacional/Edusp, 1969.

Você também pode gostar